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1 O SINDICALISMO NA ERA LULA: ENTRE PARADOXOS E NOVAS PERSPECTIVAS Ângela Maria Carneiro Araújo * Roberto Veras de Oliveira ** A emergência do novo sindicalismo é o marco inicial de construção de uma nova perspectiva de democracia na história do país. Daí surgiram o Partido dos Trabalhadores, em 1980, e a CUT, em 1983, ao mesmo tempo em que envolveu, sob diversas relações de compromisso, outros movimentos sociais e populares, pastorais e ONGs, que então surgiam em todo o país 1 . No correr da década de 1980, o PT, na condição de “partido de massas, de lutas, democrático e socialista” 2 , se afirmou como a referência comum mais visível de um campo de forças sociais e políticas, que foi se construindo como um projeto alternativo ao processo de “transição conservadora” 3 . O fez demarcando posições em situações decisivas. Em destaque, buscou imprimir ao processo Constituinte uma perspectiva democrática e popular, entre 1987 e 1988, e logrou levar a candidatura de Lula, da Frente Brasil Popular, para o segundo turno das eleições presidenciais de 1989. O fato de ter nascido da auto-afirmação e politização dos próprios movimentos sociais, colocou-se desde o início para o PT um problema de delimitação de fronteiras em relação àqueles. Para alguns, ao contrário do que em geral aconteceu na relação entre partidos socialistas de base operária e o sindicalismo, que fez deste “correia de transmissão” daqueles, no caso do PT inicialmente teria ocorrido quase uma inversão, com os movimentos social e sindical de diversas maneiras usando-o como meio para levar suas posições à sociedade (Moisés, 1986). Entre todos os segmentos com os quais se identificou, foi com a CUT que o PT construiu, desde as origens de ambos, laços políticos mais fortes e com quem sua imagem mais se associou, positiva ou negativamente, no imaginário popular. O PT sempre foi uma força política amplamente majoritária entre os militantes da CUT 4 , embora jamais tenha tido aí uma presença monolítica, sempre atuando a partir de tendências, que guardam posições conflitivas entre si. De outro lado, parte expressiva dos * Depto de Ciência Política Unicamp - Brasil. ** Depto de Sociologia e Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Ciências SociaisUFCG - Brasil 1 Um destaque foi o Movimento dos Sem-Terra - MST. Ver a respeito deste movimento, por exemplo, Navarro (2002) e Carvalho (2002). 2 Conforme Moisés (1986). 3 Nos termos de O’Donnell (1988). 4 No III Congresso Nacional da CUT, realizado em 1988, por exemplo, cerca de 90% dos mais de 6 mil delegados presentes declararam preferência partidária pelo PT (Rodrigues, 1990).

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O Sindicalismo Na Era Lula Entre Paradoxos e Novas Perspectivas - Ângela Maria Carneiro Araújo, Roberto Veras de Oliveira

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Page 1: O Sindicalismo Na Era Lula Entre Paradoxos e Novas Perspectivas - Ângela Maria Carneiro Araújo, Roberto Veras de Oliveira

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O SINDICALISMO NA ERA LULA:

ENTRE PARADOXOS E NOVAS PERSPECTIVAS

Ângela Maria Carneiro Araújo*

Roberto Veras de Oliveira**

A emergência do novo sindicalismo é o marco inicial de construção de uma nova perspectiva de

democracia na história do país. Daí surgiram o Partido dos Trabalhadores, em 1980, e a CUT, em

1983, ao mesmo tempo em que envolveu, sob diversas relações de compromisso, outros movimentos

sociais e populares, pastorais e ONGs, que então surgiam em todo o país1.

No correr da década de 1980, o PT, na condição de “partido de massas, de lutas, democrático e

socialista”2, se afirmou como a referência comum mais visível de um campo de forças sociais e

políticas, que foi se construindo como um projeto alternativo ao processo de “transição conservadora”3.

O fez demarcando posições em situações decisivas. Em destaque, buscou imprimir ao processo

Constituinte uma perspectiva democrática e popular, entre 1987 e 1988, e logrou levar a candidatura

de Lula, da Frente Brasil Popular, para o segundo turno das eleições presidenciais de 1989. O fato de

ter nascido da auto-afirmação e politização dos próprios movimentos sociais, colocou-se desde o início

para o PT um problema de delimitação de fronteiras em relação àqueles. Para alguns, ao contrário do

que em geral aconteceu na relação entre partidos socialistas de base operária e o sindicalismo, que fez

deste “correia de transmissão” daqueles, no caso do PT inicialmente teria ocorrido quase uma inversão,

com os movimentos social e sindical de diversas maneiras usando-o como meio para levar suas

posições à sociedade (Moisés, 1986).

Entre todos os segmentos com os quais se identificou, foi com a CUT que o PT construiu, desde

as origens de ambos, laços políticos mais fortes e com quem sua imagem mais se associou, positiva ou

negativamente, no imaginário popular. O PT sempre foi uma força política amplamente majoritária

entre os militantes da CUT4, embora jamais tenha tido aí uma presença monolítica, sempre atuando a

partir de tendências, que guardam posições conflitivas entre si. De outro lado, parte expressiva dos

* Depto de Ciência Política – Unicamp - Brasil.

** Depto de Sociologia e Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais– UFCG - Brasil

1 Um destaque foi o Movimento dos Sem-Terra - MST. Ver a respeito deste movimento, por exemplo, Navarro

(2002) e Carvalho (2002). 2 Conforme Moisés (1986).

3 Nos termos de O’Donnell (1988).

4 No III Congresso Nacional da CUT, realizado em 1988, por exemplo, cerca de 90% dos mais de 6 mil delegados

presentes declararam preferência partidária pelo PT (Rodrigues, 1990).

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2

petistas teve origem ou manteve-se atuante no sindicalismo combativo. A CUT construiu-se como

segmento destacado do campo democrático e popular, apoiando decididamente as quatro candidaturas

de Lula à presidência.

A institucionalização do processo político do país, ao implicar nas próprias formas de inserção

política dos movimentos e organizações sociais5, repercutiu de maneira decisiva sobre as relações

constituivas do referido campo, valorizando cada vez mais os momentos partidário e eleitoral. Também

a crise do Socialismo Real, que então varreu o mundo, impactou diretamente sobre essa realidade,

apesar do distanciamento crítico que o PT e a CUT sempre procuraram manter frente a tal referência.

A construção do campo democrático e popular sofreu um importante impacto na passagem para

os anos 1990, com os processos combinados de implementação da reestruturação produtiva e das

políticas neoliberais. Foi quando o PT se afirmou crescentemente como um partido referido às eleições

e adotou políticas de alianças cada vez mais largas, enquanto a CUT e o movimento sindical como um

todo ingressaram em um contexto ainda mais adverso e desafiador, que impunha ao conjunto do

sindicalismo mudanças em suas estratégias de ação e de organização. Sob tais condições é que se chega

ao momento da eleição de Lula.

A eleição de Lula representou uma novidade na situação política no país. A ligação histórica de

Lula e do PT com as correntes sindicais que se destacaram como mais atuantes desde o final dos anos

1970 colocou principalmente para a CUT a responsabilidade de apoiar o novo governo. Mas, de outro

lado, um contexto ainda assim adverso a reversões nas políticas de teor neoliberal, que vinham se

implantando ao longo da década anterior, criou, para o movimento sindical, mais especialmente para a

CUT, situações paradoxais nas quais teve, muitas vezes, que se situar entre a defesa do governo e a

condução das reivindicações dos trabalhadores que representava, produzindo com isso um acirramento

das divergências internas.

O propósito deste paper é o de discutir a atuação do sindicalismo nos contextos dos anos de 1990

e 2000, buscando, sobretudo, realçar a sua relação com o Governo Lula, levando em conta o seu caráter

especial, pelos laços de identidade histórica estabelecidos entre a CUT e o PT, sob a conformação do

campo democrático e popular. Tal situação tem colocado desafios especiais à ação e organização

sindicais, traduzidos na forma de paradoxos, mas também de novas possibilidades.

Anos 1990: um novo cenário para a ação sindical

5 O debate sobre a relação entre “ação direta” e “ação institucional”, que se estabeleceu no interior do campo

democrático e popular, especialmente por ocasião do seu envolvimento no processo Constituinte (reconstituído, por

exemplo, em Garcia, 1985), já sinalizava para tais implicações.

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O aprofundamento do processo de reestruturação produtiva, que se estabeleceu a partir dos anos

1980, e a adoção de políticas neoliberais, com a vitória de Fernando Collor nas eleições de 1989, se

associaram, no país, a partir do início dos anos 1990, produzindo um quadro geral de desemprego e

precarização das relações e condições de trabalho, que teve graves conseqüências para o movimento

sindical.

Da reestruturação produtiva resultou uma mudança significativa no perfil da mão de obra que

permaneceu empregada e a ampliação da heterogeneidade interna entre os trabalhadores. Observou-se

um processo de feminização crescente e o predomínio de uma mão-de-obra mais escolarizada, que

correspondeu, principalmente nas grandes empresas, à entrada de um contingente de jovens, os quais

tendem a incorporar com mais facilidade o discurso gerencial de envolvimento e compromisso com a

empresa e a ser mais resistentes à participação sindical. Além disso, o surgimento de novos tipos de

negócios e de novas ocupações, muitas vezes associados ao processo de terceirização, levou à formação

de um grande número de novos sindicatos, em geral com um pequeno número de sócios, contribuindo

para aprofundar a fragmentação já existente no sindicalismo brasileiro.

Se com Collor o governo brasileiro adotou uma orientação claramente neoliberal, iniciando a

abertura do mercado brasileiro à competição internacional, empreendendo a privatização de empresas

estatais, o desmonte do aparelho estatal e uma política de estabilização econômica voltada para o

pagamento da dívida externa e para o combate à inflação, com altos custos sociais; com o governo de

Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995, tal orientação foi consolidada, com a ampliação das

privatizações, a desregulamentação do mercado financeiro, a reforma do Estado, a redução

significativa do investimento estatal em políticas sociais e a desregulamentação do mercado de

trabalho.

No que se refere mais especificamente ao campo das relações de trabalho, no primeiro Governo

FHC (1995-1998), foram alterados os padrões de fiscalização das empresas, dificultando a punição

para as que descumprissem acordos coletivos e as leis trabalhistas e foram decretadas a desindexação

salarial e a desvinculação do reajuste do salário mínimo dos índices de inflação (respectivamente

Medidas Provisórias 1079/95 e 1906/97). Em 1998, frente ao crescimento do desemprego, ao

descontentamento do empresariado industrial com a política econômica e suas pressões pela

flexibilização dos direitos trabalhistas, bem como frente à necessidade de atender exigências

estabelecidas pelo FMI na negociação de um novo empréstimo (GALVÃO, 2003), o Governo adotou

um conjunto de medidas voltadas para a flexibilização dos contratos.

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Foram instituídos o contrato flexível (Lei 9.601/98), pela ampliação do uso do contrato por tempo

determinado6, o contrato em tempo parcial (incluindo a substituição do contrato em tempo integral pelo

de tempo parcial, com a correspondente redução de salário, encargos e benefícios, por meio das

Medidas Provisórias 1709-4/98 e 1726/98) e a suspensão do contrato de trabalho por tempo

determinado7

. Foi estabelecida a flexibilização da jornada de trabalho (lei 9601), através da

implantação da anualização das horas de trabalho8

. Foram também realizadas mudanças no

funcionamento da Justiça do Trabalho, com a eliminação do juiz classista e com a criação das

comissões de conciliação prévia e do rito sumário, para a solução dos conflitos individuais.

Em dezembro de 2001, o governo conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados, um projeto que

modificava a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), estabelecendo que as negociações coletivas

podiam prevalecer sobre a legislação, desde que não contrariassem a Constituição e as legislações

previdenciária e tributária9. Governo e empresários afirmavam que a flexibilização da CLT teria efeito

positivo sobre a criação de empregos e a redução do setor informal ao aumentar a legalização do

trabalho.

As centrais sindicais se dividiram quanto ao tema da flexibilização da legislação trabalhista. A

Força Sindical, que desde seu surgimento adotou posições antiestatistas e de tipo mais conservadora,

defendendo as privatizações e as virtudes do mercado, foi o baluarte no movimento sindical na defesa

da desregulamentação das relações de trabalho, tomando a iniciativa de propor e apoiar o patronato na

implementação de práticas de flexibilização dos direitos trabalhistas (TRÓPIA, 2002; GALVÃO,

2003). Nesse sentido, é possível afirmar, concordando com TRÓPIA (2002), que esta central aderiu às

idéias neoliberais, apesar de tê-lo feito “de forma seletiva e não ortodoxa”, e, juntamente com a Social

Democracia Sindical (SDS), deu suporte ao projeto de reforma trabalhista do governo, avaliando que os

contratos flexíveis diminuiriam a informalidade e, no médio prazo, estimulariam novas contratações.

CUT e CGT, embora por razões distintas, se opuseram às medidas flexibilizadoras, principalmente aos

6 Sua duração foi ampliada para no mínimo 6 meses e no máximo 24 meses e foram reduzidos alguns benéficos

para o trabalhador admitido neste tipo de contrato. 7 Neste caso a empresa deveria pagar uma bolsa para o trabalhador suspenso realizar um dos programas de

requalificação financiados pelo governo com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. 8 Essa legislação vinculou o estabelecimento dos novos contratos - com exceção do contrato em tempo parcial - e

da flexibilização da jornada de trabalho a acordos firmados através da negociação coletiva entre empresas e sindicatos,

colocando esses últimos “na incômoda posição de avalizar retrocessos nos patamares de direitos trabalhistas, sob o risco de

serem responsabilizados pela queda da competitividade da economia e pelo aumento do desemprego, caso se recusem a

fazê-lo”. (“Sindicatos enfrentam a precarização das relações de trabalho”, Boletim do Dieese nº 209, outubro de 1998, apud

Galvão, 2003, p. 236). 9 De acordo com as mudanças propostas, poderiam ser negociados: a) a redução de salários b) a redução das férias e

a sua forma de pagamento; c) a remuneração das horas extras, d) o descanso semanal; e) o montante do adicional para

trabalho noturno.

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contratos atípicos, argumentando que a mudança da CLT acarretaria perda ou redução de direitos. A

oposição da CGT, que não tem tradição de militância e de mobilização dos trabalhadores, se deu mais

pelo seu caráter legalista do que por uma posição contrária ao Governo. A CUT, apesar de parte de suas

lideranças ter aceitado negociar a flexibilização da jornada e de outros direitos em troca de estabilidade

temporária no emprego, combateu as políticas neoliberais adotadas pelo Governo e resistiu contra

qualquer medida vista como redutora de direitos e que poderia levar à precarização das condições de

trabalho10

.

O projeto deveria ainda ser votado no Senado entre março e abril de 2002, mas a resistência da

CUT e de partidos de oposição às medidas nele contidas e as dificuldades de aprovar um projeto

impopular em ano eleitoral, fez com que ele perdesse o caráter de urgência e fosse retirado da pauta de

votação do Senado no começo do governo Lula.

O conjunto das transformações acima descritas e as grandes mudanças nas condições do

mercado de trabalho que elas provocaram, alteraram a correlação de forças de modo desfavorável aos

trabalhadores. Neste contexto, as dificuldades vivenciadas pelos sindicatos se expressaram na perda do

seu poder de barganha, que os levou a assumir uma posição defensiva no plano das negociações

coletivas, na redução da duração e na queda do número de greves, ao longo da década, principalmente

das greves por categoria11

. Nessas condições, a CUT passou a adotar, por orientação de sua ala

majoritária, uma posição mais moderada, negociadora e propositiva.

As dificuldades enfrentadas nas negociações coletivas se, de um lado, estavam relacionadas com a

intransigência patronal e com o contexto desfavorável à mobilização dos trabalhadores, de outro, eram

reforçadas pela descentralização da barganha para o âmbito das empresas – que correspondeu ao maior

número de greves por empresa - e também pela extrema fragmentação da organização sindical, que se

aprofundou nos anos 199012

, colocando empecilhos a uma ação conjunta e coordenada, mesmo no

âmbito de uma mesma categoria (ARAÚJO, CARTONI e JUSTO, 2001; FILGUEIRAS, 2008).

O surgimento de novas centrais sindicais contribuiu para ampliar ainda mais essas dificuldades na

medida em que levou a uma maior fragmentação política e ao acirramento da competição e das disputas

10

A CUT entrou, em 2001, com pedido de inconstitucionalidade no STF para os contratos por tempo determinado e

organizou um dia de greve nacional em oposição à aprovação do projeto de reforma trabalhista em março de 2002. 11

O número de greves que atingiu cerca de 4000 movimentos em 1989 decresceu até 1992 quando foram realizadas

cerca de 800 paralisações. Entre 1992 e 1996 ocorreu uma ligeira elevação no número de paralisações, atingindo cerca de

1100 movimentos neste último ano. De 1996 até o final da década houve uma redução paulatina do número de movimentos

paredistas que foram, em 1999, em torno de 500 (COSTA, 2005). Para mais detalhes sobre o escopo e os motivos das

greves nesta década ver, além desse autor, os Boletins do Dieese, de 1990 a 2000. 12

De acordo com a Pesquisa Sindical do IBGE, em 1988 havia 5.669 mil sindicatos de trabalhadores no Brasil,

enquanto ao final de 2001, o número de entidades tinha mais que dobrado, chegando a 11.354. Dessas, 75% não tinham

mais de 2000 sócios e menos de 50% estavam filiadas a uma central sindical. Sobre isto ver Filgueiras (2008).

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ideológicas no movimento sindical.13

Além disso, a adoção pela CUT de uma estratégia mais

moderada acirrou as divergências político-ideológicas internas, dificultando cada vez mais o

estabelecimento de estratégias de ação comuns, inclusive nas negociações coletivas, entre os sindicatos

a ela filiados e influenciados por distintas tendências.

Com a mudança da estratégia política da CUT, fortaleceu-se a tendência, já presente em outras

centrais sindicais, de valorizar cada vez mais as possibilidades de participação institucional, que foram

abertas com a Constituição de 198814

. O raio de ação do sindicalismo se ampliou, ao mesmo tempo em

que favoreceu um deslocamento da sua ação do campo do conflito aberto para o da negociação e da

participação institucional, justo em um momento de declínio do seu poder de mobilização.

A atuação sindical nos conselhos de gestão desenvolveu-se, ambiguamente, entre duas referências

contraditórias: a Constituição “Cidadã” e a Reforma do Estado. Neste caso, combinando um

movimento de desresponsabilização do Estado quanto às políticas sociais e um esforço de conversão de

sujeitos políticos em “parceiros” do Estado (na condição de um “terceiro setor”) na execução de tais

políticas (DAIN e SOARES, 1998). Um exemplo disso foi a participação sindical no CODEFAT. A

partir da instituição do Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), em 1995, as entidades

sindicais foram autorizadas e incentivadas a utilizar os recursos do FAT para a realização de projetos

de Qualificação Profissional, nos quais apresentavam-se como proponentes e executoras, em “parceria”

com o Estado (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2007).

O recurso a diversas formas de participação institucional não alterou um quadro geral

predominantemente defensivo. Segundo Ramalho (1997, pp. 97-98), a organização coletiva dos

trabalhadores se viu desafiada a, de um lado, se articular para melhor reagir e negociar as inovações

técnicas e organizacionais, particularmente nos setores mais “modernos” da economia e, de outro,

superar uma dificuldade histórica, agora potencializada pela terceirização, “de lidar com o trabalho

precarizado, parcelizado e informal, instalado na maioria das vezes nas pequenas e médias empresas e

nos domicílios”.

O cenário que antecedeu a eleição de Lula à Presidência do país não era animador: por 20 anos o

país manteve um medíocre padrão de crescimento; a partir de 1994 a inflação fora controlada, mas ao

13

Ao longo dos anos 90 surgiram 4 novas centrais sindicais: a Força Sindical (FS), a Confederação Geral dos

Trabalhadores do Brasil (CGTB), resultado de uma divisão no âmbito da Confederação Geral dos Trabalhadores, a Social

Democracia Sindical (SDS) e a Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT). 14

As Centrais passaram a ter representação em organismos como o Conselho do FGTS, o Conselho Deliberativo do

Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, o Fundo de Desenvolvimento Social e conselhos nacionais da Previdência,

da Seguridade Social, da Saúde, da Educação, do Menor e do Adolescente, da Assistência Social, além da Comissão de

Valorização do Trabalho e Emprego do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade – PBQP), criado no governo

Itamar Franco (COMIN, 1995).

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custo de uma política claramente anti-social; o desemprego alcançara níveis recordes; havia se

invertido uma tendência histórica nas relações de trabalho, que agora caminhava para uma

informalização crescente e para um padrão cada vez mais precário; os sindicatos se encontravam

fragilizados e cada vez mais pulverizados.

A eleição de Lula e os novos desafios do sindicalismo

Nas eleições presidenciais de 2002, a proposta de um governo de coalizão nacional, incorporada

ao programa da campanha de Lula, consolidava e ultrapassava uma tendência crescente, no PT,

sobretudo verificada a partir da derrota de 1989, no sentido da ampliação de sua política de alianças, ao

mesmo tempo moderando o conteúdo programático de suas plataformas eleitorais. Buscava-se uma

composição eleitoral e de governo que ia além do núcleo histórico do campo democrático e popular,

em uma evidente inflexão na sua trajetória. De outra parte, a conversão da expressão partidária do

campo em governo suscitou importantes alterações nas relações entre suas expressões partido, governo

e movimento sindical.

O campo democrático e popular chegou à condição de governo pressionado por tensões

importantes. A primeira: consolidava-se uma tendência gradativa no sentido da incorporação de

empresários na sua base social e horizonte programático. É quando explicita-se um compromisso com a

produção. O esforço visou tornar as tensões capital-trabalho de menor importância, mesmo indicando

uma agenda de discussões a serem enfrentadas na seqüência que não podia deixar de evidenciá-las

(sobretudo, com as reformas trabalhista, agrária, tributária e previdenciária). O seu tratamento em

uma perspectiva de diálogo social seria o caminho.

A segunda ordem de tensionamento tendia a assumir um lugar mais central. Um programa de

governo focado na defesa do social, da produção, do desenvolvimento sustentável e do resgate do

projeto nacional em bases soberanas colocava-se como um contraponto ao neoliberalismo. O contexto

do país encontrava-se sob disputa de duas orientações principais. De um lado, a perspectiva das

demandas sociais, fundada no caráter desigual e autoritário da formação social brasileira, que foi

ressignificada pelas lutas sociais dos anos 1980 e desqualificada pelo desmanche dos anos 1990. A

essas agregavam-se as demandas de segmentos empresariais com vistas à defesa da produção frente

aos ataques da financeirização da economia. De outro lado, colocavam-se as exigências do capital

financeiro, com o fim de submeter o país aos seus interesses15

. Visava-se, aproveitando-se do

extraordinário capital político do novo governo, realizar as “reformas” que FHC deixou inconclusas.

15

Para Francisco de Oliveira, “FHC fincou uma estaca forte de não-retorno”, de tal maneira que “a política

econômica do presidente Lula está grandemente determinada pela herança de FHC” (Folha de São Paulo, 29/12/02).

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Para além das demandas sociais e das exigências do capital financeiro, qualquer projeto de governo do

país não poderia ignorar um outro fator de forte influência política: as pressões dos segmentos

fisiológicos da política brasileira (tanto mais importantes quanto mais o novo governo tivesse que

lançar mão dos partidos tradicionais para compor sua base de apoio).

O referido campo, e sua expressão governo em particular, encontrava-se diante do complexo

desafio de apontar para mudanças significativas na realidade do país, sem, no entanto, estabelecer

rupturas tais e em prazos para os quais a atual correlação interna e externa de forças não fosse capaz de

suportar. A estratégia adotada foi a de combinar um duplo jogo. Numa mão, fazendo concessões

imediatas às exigências do mercado, na medida necessária a evitar riscos de uma desestabilização

financeira e, conseqüentemente, política. Sinalizações não faltaram nessa direção, sendo que a mais

emblemática foi a indicação do banqueiro e deputado do PSDB Henrique Meirelles para a presidência

do Banco Central. Na outra mão, assumindo uma agenda social de impacto. O Programa Fome Zero

foi, quanto a isso, a iniciativa de maior destaque. Era preciso preparar uma “transição” que apontasse

para a superação da condição de território-refém das políticas neoliberais.

Ao destacamento governo do campo colocou-se, não a tarefa de tornar realidade o projeto de

mudança nos termos que alimentou historicamente, mas o desafio de empreender uma “transição” sem

“rupturas”. Foi posta a ele a missão de conduzir um projeto de governo capaz de preservar a

estabilidade monetária, seguir em parte a agenda de “reformas” do governo anterior (com destaque

para a Previdência), retomar o crescimento econômico, tornar efetiva uma política de recuperação

gradativa do salário mínimo, empreender políticas sociais claramente orientadas aos mais vulneráveis e

patrocinar um pacto social envolvendo os principais segmentos organizados da sociedade.

Da parte do sindicalismo, pôs-se o desafio de encarar esse projeto de governo como uma

oportunidade histórica, seja no sentido de estancar o processo anterior de subtração de direitos sociais,

seja no sentido de iniciar a reversão das desigualdades estruturais presentes historicamente no país.

Apresentaram-se, grosso modo, duas opções: consolidar-se como sujeito político autônomo,

determinado a disputar, sob condições e oportunidades político-institucionais inéditas, os destinos do

país; ou creditar ao governo o fundamental da iniciativa quanto a isso, identificando-se enquanto parte

dele. A primeira opção incorria no risco de contribuir para minar as bases de apoio ao governo e, assim,

jogar por terra uma oportunidade histórica. A segunda opção, por sua vez, trazia o risco de

comprometer sua própria representatividade e autenticidade, passando a ganhar ares de entidades

“chapas brancas”, uma situação tanto mais difícil de sustentar quanto mais o governo (e sua expressão

partidária) viesse a assumir compromissos contraditórios com as suas reivindicações históricas.

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O movimento sindical sob os dois mandatos de Lula

O movimento sindical recebeu o governo do ex-operário Lula com grandes expectativas. A

CUT e outras centrais sindicais (Força Sindical, CGT, SDS) apoiaram o candidato Lula (a CUT desde o

1º turno, as outras no 2º turno). Mas o caráter contraditório desse governo produziu um cenário

complexo para o sindicalismo.

Em meio às suas tensões estruturantes, foram evidentes algumas iniciativas do novo governo no

sentido de envolver a sociedade, em particular o sindicalismo, na constituição de espaços de

concertação social, inéditos no país, ao mesmo tempo limitados em seu alcance. A participação

sindical em espaços institucionais passou a ser uma frente de ação importante ao longo dos anos 1990,

como vimos. A novidade trazida com o Governo Lula foi buscar promovê-la sob a referência do

“diálogo social”, e não da “parceria” (como foi marcante no governo anterior). Os destaques nessa

direção foram, inicialmente, o Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico – CDES e o Fórum

Nacional do Trabalho – FNT.

O CDES foi criado no ato da posse do Governo Lula, com a função de “assessorar o Presidente

da República na formulação de políticas e diretrizes específicas, voltadas a um novo Contrato

Social”16

. Coube ao Presidente da República nomear os seus 93 membros: 11 representantes do

governo federal e 82 membros da sociedade civil, com igual número de suplentes. Gozando de

imediato de imenso prestígio, o Governo conseguiu articular nomes dos mais expressivos dos

segmentos empresarial, sindical, intelectual, religioso, entre outros. Nos primeiros anos de sua

instalação, o CDES discutiu e se posicionou sobre as Reformas Previdenciária, Tributária, Sindical e

Trabalhista e sobre questões referidas ao desenvolvimento nacional. Dessas discussões resultaram

“Cartas de Concertação”17

. Já no final do primeiro ano do mandato do novo governo, o Conselho

perdeu relevância. A questão, segundo o que nos interessa aqui, é se, em algum momento, teve

efetivamente uma missão de favorecer o “diálogo social” como base de constituição de um “novo

contrato social”, ou, o que teria um efeito inverso, a intencionalidade de setores estratégicos do governo

para com ele sempre foi o de propiciar legitimidade social às opções tomadas alhures.

A retomada da discussão sobre a Reforma Trabalhista e Sindical ocorreu, ainda em 2003, no

Fórum Nacional do Trabalho, com o fim de tornar-se a “grande mesa de concertação nacional” entre

trabalhadores, empresários e governo, para, “pela via da negociação e não da imposição”, atualizar a

16

Na argumentação de Tarso Genro (2003): “a tradição política do país é a da conciliação das elites e não da

concertação social”. Assim, a concertação social proposta pelo Governo Lula “visa a mudança do ‘status quo’, não a sua

preservação” (Folha de São Paulo, 06/02/2003). 17

Disponíveis no site www.presidencia.gov.br/cdes.

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legislação sindical e trabalhista18

. Foi instituído com uma composição tripartite e paritária, reunindo

representantes do Governo, dos trabalhadores e dos empregadores19

. Os objetivos do FNT foram:

“democratizar as relações de trabalho por meio da adoção de um modelo de organização sindical

baseado em liberdade e autonomia”; atualizar a legislação do trabalho, tornando-a “mais compatível

com as novas exigências do desenvolvimento nacional”; “estimular o diálogo e o tripartismo e

assegurar a justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias

sindicais”20

. No FNT, a posição do Governo situou-se, contraditoriamente, entre os compromissos

históricos do seu núcleo petista e sindicalista e os compromissos do programa que construiu com sua

base aliada. Os empresários, desde o início dos anos 1990, defendiam claramente a “flexibilização” da

legislação trabalhista, sob o argumento de que os custos elevados do trabalho favoreciam a

informalidade. Entre as Centrais Sindicais, mantiveram-se divergências sobre questões trabalhistas e

sindicais, ao mesmo tempo em que tendeu a uma nova base de convergências: no novo cenário, mesmo

entre as Centrais que apoiaram as políticas do governo FHC, passou a prevalecer uma posição de maior

resistência à “flexibilização”21

.

Os acordos gerados sobre a Reforma Sindical incluíram: a instituição do contrato coletivo, a

legalização das Centrais Sindicais, a organização sindical por ramo de atividade econômica, o fim do

Imposto Sindical, a substituição do monopólio da representação por um sistema de reconhecimento

sindical mais participativo e plural, a relativização do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, a

ampliação do direito de greve, a criação do Conselho Nacional de Relações de Trabalho. Apesar de

não ser a proposta ideal na visão das centrais sindicais, de ter recebido várias críticas das confederações

oficiais22

e a oposição de distintas tendências no interior da CUT, o texto final da Reforma Sindical foi

18

Então Ministro do Trabalho, Jaques Wagner , Folha de São Paulo, 29/07/03. 19

Bancada dos trabalhadores: Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores,

Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Social Democracia Sindical, Central Autônoma dos Trabalhadores e

Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. Bancada dos empresários: Confederações Nacionais da Indústria,

do Comércio, dos Transportes, da Agricultura e das Instituições Financeiras e a Federação Nacional das Associações de

Bancos. Bancada do Governo: Ministérios do Trabalho e Emprego, da Educação, da Saúde, do Meio Ambiente, da Fazenda,

do Planejamento, da Previdência Social, da Justiça, Casa Civil, Serviço Social da Indústria, Câmara de Deputados e Justiça

do Trabalho. 20

Http://www.mte.gov.br/fnt/default.asp (data de acesso: junho de 2010). 21

A nota conjunta assinada em 2003, por CUT, FS, CGT e CGTB, em oposição à “flexibilização”, o ilustra

(Www.cut.org.br/informacut). (data de acesso: fevereiro de 2004). 22

As Confederações oficiais, que foram excluídas do FNT, se mobilizaram contra o projeto da Reforma Sindical,

organizando um Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST). Suas principais críticas diziam respeito ao fato da proposta

acabar com o imposto sindical, com o poder normativo da Justiça do Trabalho e não preservar a unicidade sindical. O FST

demonstrou capacidade de influência sobre algumas bancadas parlamentares, dificultando o andamento e aprovação da

reforma no Congresso. (Borges, 2005)

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defendida por esta Central e pela Força Sindical como um avanço23

. As resistências ao projeto de

reforma sindical não vieram apenas do sindicalismo, mas também de setores do empresariado24

e de

parlamentares ligados aos partidos da base aliada do Governo e dos partidos de oposição, o que criou

dificuldades para a aprovação da emenda constitucional (PEC 369/05) e para a tramitação do projeto de

lei no Congresso nacional. A crise no Governo, iniciada com as denúncias de corrupção (do chamado

“mensalão”) e que se arrastou por cerca de um ano até o final de 2005, criou dificuldades ainda maiores

para a aprovação da emenda constitucional e do projeto de lei, praticamente tornando inviável a

aprovação da reforma sindical. Os resultados da discussão seguiram para o Congresso Nacional por

meio de Projeto de Lei apresentado pelo governo, mas não prosperaram e o próprio Fórum se esvaziou.

Alternativamente, o Ministério do Trabalho e Emprego negociou com as centrais sindicais a

apresentação de um projeto de lei propondo o seu reconhecimento25

. A Lei nº 11.648, aprovada em

março de 2008, conferiu às centrais, constituídas em âmbito nacional, a atribuição de elaborar e

coordenar as políticas gerais de ação das entidades sindicais a elas filiadas e de atuar em nome da

generalidade dos trabalhadores, com uma representação proporcional ao número de filiados, no âmbito

dos “fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo que possuam composição

tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores”, tendo, para

isto, que atender requisitos mínimos de representatividade. Uma vez reconhecidas, o projeto previa o

direito das Centrais receberem 10% do total da Contribuição Sindical recolhida dos trabalhadores

(Galvão, 2009)26

.

Além da criação do CDES e do FNT, o esforço de construção de um ambiente social e

politicamente mais participativo se expressou também na instituição da Mesa Nacional de Negociação

Coletiva - MNNC para servidores federais, na constituição do Fórum Nacional da Previdência Social27

,

23

João Felicio, então secretário geral da CUT, defendeu a proposta do governo por considerar que ela permitiria “a

transição do modelo tutelado pelo Estado para outro de plena autonomia e liberdade nos moldes da Convenção 87”. Ver “A

reforma possível na estrutura sindical", in: A reforma sindical e trabalhista no governo Lula. Anita Garibaldi, São Paulo,

2004. Ver também Resolução da Direção Nacional da CUT, de 13 de abril de 2004, (http://www.cut.org.br/sno/Resolucao_DN_CUT_13_abril_2004.pdf) e “A importância da reforma sindical”, Jornal da Força, nº 42, abril

de 2005 (www.fsindical.org.br) 24

Diante das divergências do sindicalismo, setores do patronato passaram a questionar o texto da reforma e

voltaram a exigir a imediata negociação da reforma trabalhista, como ocorreu em seminário organizado pela Confederação

Nacional das Indústrias (CNI) em São Paulo, que reuniu 350 empresários (Borges, 2005). 25

Estabelecendo como critério uma representação mínima de 100 sindicatos e a comprovação de uma representação

de 5% dos trabalhadores filiados a sindicatos no país (GALVÃO, 2009). 26

A decisão de pressionar pela destinação de recursos públicos para o seu financiamento era, particularmente para a CUT,

contraditória com sua posição histórica de defesa da supressão do imposto sindical. 27

Instituído em 2007, teve por objetivo discutir reformas de longo prazo para o sistema previdenciário brasileiro. O

fórum congregou representantes das principais instituições de empregadores, trabalhadores e setores do Governo Federal.

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na realização de conferências ministeriais envolvendo significativa participação social e sindical, a

exemplo das áreas do trabalho e emprego, saúde, educação, comunicação, meio ambiente, cidades etc.

Entretanto, o sentido da participação institucional não avançou na direção da concertação social,

como inicialmente sinalizada, visto que os fóruns com tal potencial esvaziaram-se. Não obstante isso, o

namoro entre lideranças sindicais (não apenas da CUT) e o novo governo permaneceu ao longo dos

dois mandatos, mesmo sendo afetado por situações de algum tensionamento (como veremos). A forte

presença de quadros sindicais em diversos escalões do governo, desde os seus primeiros momentos,

revela o grau de compromisso que se estabeleceu entre ambos28

.

O momento de mais forte tensionamento entre as entidades sindicais e o governo ocorreu por

ocasião da Reforma da Previdência. Essa reforma que incidiu principalmente sobre o regime especial

de aposentadoria dos servidores públicos29

, colocou parte das centrais sindicais e principalmente os

sindicatos do funcionalismo público contra o governo. Os debates acirrados em torno desta reforma

levaram ao desgaste da MNNP e enfraqueceram a posição da CUT, seja devido à exacerbação das

divergências internas a esta central, seja devido ao descontentamento dos sindicatos representativos dos

servidores públicos, que realizaram uma greve massiva contra a reforma, apesar da oposição da Central

que tentou evitá-la, fato esse que chegou a levar ao anúncio da criação de uma Central de Servidores

Públicos (Galvão, 2009).

Um segundo momento de tensionamento entre sindicalismo e governo relacionou-se ao

“escândalo do mensalão”. A natureza das alianças que estiveram na base da eleição e do governo Lula

o fez refém de uma dinâmica política enredada nas teias do fisiologismo. A crise política que daí

derivou teve impacto sobre o sindicalismo também com o aprofundamento das divergências entre as

centrais e no interior da CUT. A FS, juntamente com outras centrais sindicais (CGT, SDS e CAT),

entidades empresariais, outras organizações da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do

Brasil, e representantes dos partidos de oposição (PSDB, PDT, PFL, PPS, PP, PV), realizou

manifestações contra a corrupção, exigindo apurações rigorosas e punição aos culpados30

. Esse

28

No primeiro governo Lula, dos 64 ministros nomeados (ou secretários com status de ministro) 17 eram vinculados

ao sindicalismo e desses 14 eram dirigentes das centrais sindicais. No segundo mandato, dos 38 ministros nomeados, 6 eram

oriundos do sindicalismo e 4 das centrais. Ver D'Araújo (2009) e Jesus (2010). Além disso, segundo Jesus (2010, p. 112),

dentre os cargos de confiança do primeiro e segundo escalão da administração federal, em um total de 1180 cargos, cerca de

50% das nomeações eram de pessoas vinculadas ao sindicalismo, no primeiro mandato, enquanto no segundo 42,8% desses

cargos foram ocupados por sindicalistas, e desses cerca de 12% eram dirigentes das centrais sindicais. 29

A reforma da previdência de 2003 alterou o tempo de trabalho necessário para a obtenção da aposentadoria,

através de uma combinação de tempo de contribuição e idade mínima, estabeleceu a taxação dos inativos, o fim da

aposentadoria integral para os funcionários públicos e da paridade entre ativos e inativos, além de ter estabelecido a criação

de fundos de pensão para esse seguimento. 30

A Força Sindical e a CGT na verdade adotaram uma posição ambígua, pois participaram dessas manifestações

juntamente com setores da oposição ao governo Lula, depois de terem assinado junto com a CUT, o MST e várias outras

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posicionamento crítico que, contudo, não levou a Força a se constituir como um pólo efetivo de

oposição ao Governo, como observa Galvão (2009:181), levou-a a não apoiar a reeleição de Lula, no

primeiro turno das eleições em 2006. A CUT, apesar de afirmar seu combate à corrupção, não adotou

de fato uma posição mais crítica frente ao episódio. Em Congresso realizado em 2006 avaliou que “a

grave crise política iniciada em 2005 teve como motivo aparente a corrupção, mas seu pano de fundo é

esta ferrenha luta pelo poder”31

. Essa postura da direção da Central agravou as divergências internas,

com as críticas feitas pelas correntes mais à esquerda quanto à ausência de independência e à adesão

acrítica ao Governo Lula. Tais divergências, somando-se aos tensionamentos produzidos com a

Reforma da Previdência, acabaram levando ao rompimento de uma parcela desses segmentos e à

formação de uma nova entidade intersindical, a CONLUTAS, sob hegemonia do Partido Socialista dos

Trabalhadores Unificado – PSTU, assim como à desfiliação da CUT de alguns sindicatos importantes,

como o ANDES32

. Amplia-se, com isso, a fragmentação da cúpula do movimento sindical brasileiro.

O sindicalismo também se posicionou criticamente em relação à política econômica, pautada

em altas taxas de juros, em excesso de impostos, em aumento do desemprego e em tímidos reajustes do

salário mínimo, considerada subserviente ao capital financeiro33

. Entretanto, diante dos indicadores de

emprego, de salário, de investimentos em políticas sociais, favoráveis aos trabalhadores, essas críticas

diminuíram muito. A CUT, por exemplo, em Congresso realizado em 2006, decidiu apoiar a reeleição

de Lula nas eleições do mesmo ano. Além de ressaltar os avanços “inequívocos” obtidos sob o referido

Governo, destaca também o avanço democrático representado pela abertura de canais de diálogo que,

“se não atingiu ainda a qualidade e institucionalidade que reivindicamos”34

, permitiu melhorar de modo

substancial as relações entre o Governo e o movimento sindical. Essa foi a única central a se posicionar

claramente a favor de um candidato nessas eleições. A Força Sindical organizou encontros com todos

os candidatos a presidente para que eles apresentassem suas plataformas de governo para os

entidades reunidas pela Coordenação dos Movimentos Sociais a “Carta aos trabalhadores e à sociedade brasileira”, de 11 de

julho de 2005. Nesta carta, apesar de pedir “a mais ampla e profunda apuração e punição de todos os responsáveis pelos

episódios de corrupção fartamente publicados”, alertam que setores da oposição se aproveitam de denúncias contra

membros do governo “para sustentar um verdadeiro espetáculo de denuncismo cujo objetivo, mascarado pela luta contra a

corrupção,é colocar um fim prematuro ao governo do primeiro trabalhador eleito Presidente da

República”.(www.cgt.org.br). Ver Revista da Força, Ano 12, setembro de 2005

(http://www.fsindical.org.br/revista/Revista_5Congresso.pdf). 31

Resoluções do 9º Concut. “Trabalho e democracia: emprego, renda e direitos para todos os trabalhadores e

trabalhadoras”, Agosto de 2006, p. 08. 32

Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior. Na formação da Conlutas, o PSTU conseguiu a adesão de

16 sindicatos que se desfiliaram da CUT (BORGES, 2006). 33

Ver, por exemplo, da parte da Força Sindical, os artigos “Governo é do capital financeiro” e “Governo aumenta

impostos e sonega democracia” no Jornal da Força, nº 41, fevereiro de 2005 (www.fsindical.org.br) 34

Resoluções do 9º Concut. “Trabalho e democracia: emprego, renda e direitos para todos os trabalhadores e

trabalhadoras”, Agosto de 2006, p. 07.

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trabalhadores na sede da entidade. A CGT e as outras centrais não assumiram qualquer

posicionamento, talvez pelo fato de contarem com sindicalistas que eram membros de diferentes

partidos (ARAÚJO, 2007).

Apesar das críticas à orientação da política econômica e aos resultados em termos de

crescimento econômico, considerados insuficientes para reverter o quadro de quase estagnação da

economia nas duas últimas décadas, observaram-se, a partir de 2004, mudanças positivas no mercado

de trabalho, com a redução dos índices de desemprego e a criação de empregos formais, que apontaram

para um cenário mais favorável aos trabalhadores e à ação sindical. Merece registro o fato de que a

geração de empregos formais aumentou significativamente em comparação ao observado nos últimos

anos do Governo FHC. De acordo com os dados da RAIS35

, no período entre 1998 e 2007, a taxa de

crescimento do emprego formal no país foi de 56%, sendo que 2/3 dos empregos dessa década foram

criados entre 2003-200736

.

Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego realizada pelo IBGE em seis regiões metropolitanas

(Tabela 1) mostra o crescimento do emprego formal nos seis anos do Governo Lula (2003-2008),

tendência que se manteve em 2009, pois mesmo com crescimento zero da economia o Brasil gerou 995

mil novos postos de trabalho37

. A Tabela 1 mostra ainda que ocorreu, nesse período, uma redução dos

assalariados sem carteira assinada no setor privado e dos trabalhadores por conta própria, indicando

uma diminuição do trabalho informal, apesar da proporção de trabalhadoras(es) domésticas(os) ter se

mantido relativamente estável. A taxa de desemprego, por sua vez, apresentou uma queda persistente,

confirmando a tendência de melhoria das condições do mercado de trabalho.

Tabela 1. Distribuição das pessoas ocupadas, segundo a posição na ocupação e taxa de

desocupação.Total das regiões metropolitanas (em %)* 38

Ano Empregados com

carteira assinada

no setor privado

Empregados sem

carteira assinada

no setor privado

Conta

própria

Trabalhadoras(os)

domésticas(os)

Taxa de

desocupação*

2003 39,7 15,5 20,0 7,6 12,3

2004 39,3 15,9 20,3 7,8 11,5

2005 40,3 15,6 19,4 8,2 9,8

35

Relação Anual de Informações Sociais é um instrumento de coleta de informações sobre emprego formal do Ministério do

Trabalho e Emprego. 36

O Brasil contava, em 1998, com 24,5 milhões de empregos formais e atingiu 28,7 milhões em 2002. Entre 2003 e 2007 foram

criados 8,9 milhões de empregos com carteira assinada, chegando-se neste último ano ao total de 37,6 milhões (Dieese, 2009). 37

Valor Econômico, 21/01/2010 in

https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/1/21/mesmo-com-crescimento-zero-pais-gerou-

995-mil-empregos-em-2009 (acesso em 12/04/2010). 38

Elaboração própria a partir do documento IBGE. “Pesquisa Mensal de Emprego. Principais destaques da evolução do mercado

de trabalho nas regiões metropolitanas abrangidas pela pesquisa, 2003-2008”, Rio de Janeiro, 2009; Tabelas 34 (p.56) e Tabela 84, p. 111.

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Retrospectiva2003_2008.pdf (acesso

em 12/04/2010).

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2006 41,4 14,8 19,1 8,2 10,0

2007 42,4 13,9 19,4 8,2 9,3

2008 44,1 13,4 18,8 7,7 7,9

FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego.

Regiões Metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre

* Médias das estimativas mensais

Dados do Dieese, apesar das diferenças de metodologia na realização da Pesquisa de Emprego e

Desemprego, confirmam a queda na taxa de desemprego aberto, de 12,5% em 2003 para 7,5% em

2008. Houve um pequeno crescimento do desemprego em 2009, quando chegou a 8%, em decorrência

da crise econômica mundial de 2008, mas a taxa voltou a cair já no começo de 2010, atingindo 7,8%

em fevereiro39

. Um outro indicador da crescente formalização do emprego é o aumento da porcentagem

de pessoas ocupadas que contribuem com a Previdência Social, que aumentou de 61,2% em 2003 para

65,8% em 2008 (IBGE, 2009:3).

Além disso, a melhoria das condições do mercado de trabalho pode ser verificada pelo

crescimento do rendimento real dos trabalhadores. Entre 2003 e 2008 “foi conferido um ganho

expressivo no poder de compra do rendimento do trabalho da população ocupada no total das seis

regiões pesquisadas (11,3%, cerca de R$128,11)” (IBGE, 2009, p. 130). É significativo o fato de que a

renda do trabalho cresceu mesmo para aqueles que permaneceram na informalidade, como empregados

sem carteira, trabalhadores domésticos e por conta própria. (IBGE, 2009, p. 135). Mesmo no período

afetado pela crise mundial, entre janeiro de 2009 e de 2010, o rendimento médio real dos ocupados e o

dos assalariados, nas regiões metropolitanas pesquisadas, aumentou 1,5% e 2,2%, respectivamente

(Dieese, 2010)40

. A massa salarial real, que se manteve estagnada de 1998 a 2002 (com valor

aproximado de R$ 36 bilhões), passou a crescer desde 2003, alcançando o valor de R$ 52 bilhões em

2007, o que significa uma taxa de crescimento de 45%, após 2002 (Dieese, 2009). O crescimento da

renda pode ser atribuído ao crescimento do emprego formal, mas também, principalmente entre os mais

pobres, à política de transferência de renda (Bolsa Família) e ao aumento do salário mínimo.

Aproveitando a disposição do Governo Lula em adotar uma política de recuperação do poder de

compra do Salário Mínimo e depois de um tímido reajuste obtido em março de 2003 (equivalente a

1,23% de aumento real), as centrais sindicais se uniram em uma campanha nacional pelo aumento

nesse valor de referência, tendo realizado três marchas a Brasília, em 2004, 2005 e 2006. Essa

mobilização foi exitosa ao conquistar aumentos mais substantivos do Mínimo a partir de 2005, além da

39

Dieese, Tabela 5ª - Taxa de desemprego aberto, por sexo. Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 1998/2009, Disponível

em http://turandot.dieese.org.br/icv/TabelaPed?tabela=6 (acesso em 10/04/2010). 40

Dieese, Sistema Pesquisa de Emprego e Desemprego. “Mercado de Trabalho Metropolitano” Divulgação nº 37, fevereiro de

2010. in http://www.dieese.org.br/ped/metropolitana/ped_metropolitana0110.pdf (acesso em 11/04/2010).

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criação de uma Comissão Quadripartite – composta por representantes do governo, dos trabalhadores,

dos empregadores e dos aposentados – para elaborar uma política permanente de valorização da

referida base salarial. A proposta feita por esta comissão – aprovada pelo Congresso e que vem sendo

aplicada desde 2008 – definiu a recomposição anual do valor do Salário Mínimo pela correção com

base na inflação do período mais a variação do PIB dos dois anos anteriores. Assim, após dois reajustes

tímidos (em 2003 e 2004), o piso salarial mínimo passou a ter aumentos reais expressivos.

Considerando-se o período do governo Lula (de janeiro de 2003 a janeiro de 2010) o reajuste nominal

foi de 132,50%, e um aumento real de 44,95%. Para avaliarmos a importância dessa recuperação, cabe

mencionar o fato de que no Brasil 46,1 milhões de pessoas vivem com rendimentos de até um Salário

Mínimo e que, a partir de janeiro de 2010, o Mínimo recuperou o valor que ele tinha em 1986, o mais

elevado dos últimos 25 anos (Dieese, 2010).

A maior estabilização da economia e o crescimento da produção industrial e do nível de

emprego criaram condições mais favoráveis para uma retomada da ação sindical e para a melhoria nas

negociações coletivas a partir de 2004. De acordo com estudo do Dieese (2010a), de 2004 a 2009, de

forma ininterrupta, as negociações salariais tiveram resultados positivos para 80% ou mais das

categorias, que conquistaram reajustes iguais ou superiores ao índice de inflação medido pelo INPC41

.

Acompanhando os reajustes salariais obtidos em 640 negociações analisadas entre 1996 e 2009, foi

possível verificar que os resultados de 2004, quando 54,9% dos acordos estabeleceram reajustes acima

do índice de inflação, reverteram uma tendência de “resultados desfavoráveis aos trabalhadores nas

negociações salariais, que se iniciou em 2001 e teve seu pior momento em 2003”, ano em que reajustes

abaixo da inflação foram negociados por 58,2% das categorias (DIEESE, 2006). Assim, nos anos

subseqüentes, mais de 70% das categorias firmaram acordos com aumentos reais de salário,

porcentagem que chegou a 87,7% das categorias em 2007, recuando para 76,1% em 2008 e alcançando

79,9% em 2009.

Além disso, houve uma mudança de postura no que diz respeito às negociações salariais do

funcionalismo público, com o estabelecimento a partir de 2003, pela primeira vez, de mesas setoriais de

negociação com os representantes dessa categoria, criando assim as condições para a obtenção de

reajustes que iniciaram uma recuperação dos salários aviltados por oito anos sem reajuste durante o

Governo FHC. De fato, os reajustes salariais do funcionalismo público federal foram substanciais no

período de 2003 a 2009, chegando a um aumento real acumulado de 56,1%42

. Além disso, o

41

INPC-IBGE – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 42

MONTEIRO, Viviane. “Salário de servidor público aumentou 56% desde 2002”. Valor Econômico, 09/04/2010.

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Governo Lula adotou uma política de recomposição do quadro de funcionários do poder

Executivo43

, com a contratação por concursos de 57.102 servidores civis entre janeiro de 2003

e maio de 2009.

No entanto, ao longo dos dois mandatos, o descontentamento dos funcionários públicos

federais, justificando as muitas greves realizadas, dizia respeito à inoperância ou funcionamento

truncado das mesas de negociação, e ao não cumprimento de acordos celebrados, além das perdas

sofridas com a Reforma da Previdência aprovada em 2003. As mesas de negociação foram esvaziadas

principalmente a partir do lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento em 2007, que

estabelecia como limite para o reajuste salarial dos funcionários públicos o índice de inflação acrescido

de 1.5% por um período de 10 anos (GALVÃO, 2009).

Parte dos resultados positivos das negociações coletivas certamente deveu-se à pressão e a

alguma mobilização dos trabalhadores. As informações sobre movimentos grevistas, compiladas pelo

Dieese para o período de 2004 a 2008 (DIEESE, 2005, 2006b, 2007, 2008, 2009, 2009a), permitem

visualizar algumas das principais características da movimentação dos trabalhadores sob do Governo

Lula. Em primeiro lugar, as greves registradas nesses anos - 302 em 2004, 299 em 2005, 320 em 2006,

316 em 2007 e 411 em 2008 - foram em número muito inferior ao registrado ao longo dos anos 1990 e

mesmo no período 1999 a 2002, correspondente ao segundo Governo de Fernando Henrique, no qual,

de acordo com Noronha (2009, p. 126), a média de movimentos grevistas foi de 440 por ano. Em

segundo lugar, observou-se um maior número de greves no setor público do que no setor privado,

revertendo uma tendência de predomínio das paralisações neste último entre 1978 e 200244

, apesar de

que em 2008 o crescimento do número de greves ocorreu principalmente na esfera privada, tendo sido

responsável por 54,5% das paralisações (DIEESE, 2009a). Além disso, verificou-se no período um

aumento do número de jornadas não trabalhadas tanto no setor privado quanto no setor público, mas

principalmente no último. De acordo com Noronha (2009), isto se deveu a uma maior duração média

das greves, mostrando que os conflitos “tornaram-se mais difíceis de serem negociados”45

. Em terceiro,

43

O governo federal perdeu cerca de 84.000 servidores civis no período de 1995 a 2002. Ver sobre isto Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão; Secretaria de Gestão – SEGES. COMUNICADO SEGES Nº 01. “Evolução setorial da força de trabalho no Governo

Lula”, 27 de agosto de 2009. De acordo com este documento, o setor da Educação foi o maior beneficiado, pois contou com a contratação

de 29.226 servidores no período, o que correspondeu a uma expansão de 17%, “refletindo a prioridade dada pelo Governo ao setor, com o

lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)”. 44

Apesar de ter ocorrido no segundo governo Fernando Henrique (1999-2002) uma redução drástica da diferença no número de greves

entre esses dois setores, pela queda vertiginosa de greves na esfera privada. Ver Noronha (2009, p. 129). 45

Para esse autor “A radicalização das negociações deriva de dois fatores: a endêmica e desnecessária politização dos acordos na esfera

pública e a oportunidade de ganhos percebida pelos sindicalistas e trabalhadores numa fase de expansão da economia e de aumento do

gasto público”. “a incapacidade que todas as esferas de governo têm demonstrado em profissionalizar as negociações é o principal fator

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de acordo com o Dieese (2009a), chama atenção nessas greves o fato da maioria delas ter um caráter

propositivo, tendo sido motivadas por demandas relativas à ampliação de direitos ou garantias já

estabelecidas e/ou pela criação de novos direitos, enquanto as de caráter defensivo – contra o

descumprimento de direitos ou voltadas à manutenção das condições vigentes -, diminuíram em

proporção significativa, chegando ao menor percentual da série em 2008 (DIEESE, 2009a, p. 6, Tabela

6).

Finalmente, quanto aos resultados dessas paralisações merece destaque o fato da maioria delas

ter levado a negociações, enquanto uma porcentagem bem menor (em torno de 30% em média) teve

sua resolução encaminhada à Justiça do Trabalho. A análise das greves, para as quais se obteve

informações, mostra que os resultados foram positivos na maioria dos casos, com o atendimento de,

pelo menos, uma parte das reivindicações em 69,5% das realizadas em 2004, 75% das realizadas em

2005 e 2006, 60% das realizadas em 2007 e em 73% das de 2008 (DIEESE, 2009a, p. 7).

Esses dados mostram que a tendência declinante no número de greves e na sua duração já

observados nos anos 1990 se manteve nos anos 2000, apesar de um pequeno crescimento no número de

dias não trabalhados entre 2004 e 2008. O padrão de greves mais duradouras do funcionalismo público

e mais curtas e circunscritas, na sua maioria, a uma empresa, entre os assalariados do setor privado, que

marcou a movimentação dos trabalhadores na década anterior, em um contexto de crescente

desemprego e desestruturação do mercado de trabalho, também se manteve sob o Governo Lula, apesar

da melhoria das condições desse mercado. Quanto à explicação sobre a redução do conflito grevista em

um contexto mais favorável aos trabalhadores, é possível sugerir como hipótese que, além da

persistência de dificuldades para a mobilização em decorrência de todas as mudanças do mundo do

trabalho, o apoio dos sindicatos ligados às principais centrais sindicais ao Governo, juntamente com a

mudança de estratégia da CUT, em uma direção mais negocial e propositiva, contribuiu para a menor

disposição dos dirigentes sindicais em radicalizar nas negociações e empreender esforços para levar

seus representados a cruzarem os braços. No que diz respeito aos funcionários públicos, responsáveis

pela maioria das greves e dos dias parados no período, concordamos com Noronha (2009: 138) que,

apesar da experiência de constituição da mesa permanente de negociação com o funcionalismo, a

incapacidade que todas as esferas de governo – inclusive da esfera federal sob o Governo Lula - “têm

demonstrado em profissionalizar as negociações é o principal fator que explica a diferença, cada vez

mais acentuada, do tempo médio necessário à solução dos conflitos entre os setores público e privado”.

que explica a diferença, cada vez mais acentuada, do tempo médio necessário à solução dos conflitos entre os setores público e privado.

(Noronha, 2009: 138-139).

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Os impasses e posicionamentos do sindicalismo frente ao Governo

A CUT acreditava que o Governo Lula representava uma clara ruptura frente à herança recebida

dos governos que nos anos 1990 adotaram uma orientação neoliberal, provocando altos níveis de

desemprego e piora nos indicadores negativos de distribuição de renda. Essa central atuou como

parceira do Governo em boa parte das iniciativas que dizem respeito ao trabalho, apesar de ter adotado

uma postura crítica, particularmente, em relação à Reforma da Previdência e à política econômica de

manutenção de altas taxas internas de juros, de um rígido sistema de metas de inflação e de geração de

consideráveis superávits fiscais, que bloqueavam o desenvolvimento das políticas sociais universais,

como fora proposto no programa de governo. Essas críticas, no entanto, diminuíram muito com a

melhoria dos indicadores de crescimento da indústria, com a formalização do emprego e a queda das

taxas de desemprego. No episódio do “mensalão”, apesar de afirmar seu combate à corrupção, não

adotou uma posição mais claramente favorável à apuração das denúncias. Essa postura da direção da

Central agravou as divergências internas, alimentando as criticas feitas pelas correntes mais à esquerda

de ausência de independência e adesão acrítica ao Governo Lula. Daí resultaram a saída de uma parcela

das correntes minoritárias, a perda de alguns sindicatos importantes, como o ANDES, e a formação de

duas novas entidades intersindicais: a CONLUTAS, sob hegemonia do Partido Socialista dos

Trabalhadores Unificado – PSTU, e a Intersindical, organizada principalmente a partir de dirigentes

sindicais vinculados ao PSOL – Partido Socialismo e Liberdade46. Apesar das dificuldades enfrentadas

durante os três anos do primeiro mandato, a CUT em seu 9º Congresso, realizado em junho de 2006,

mantendo uma avaliação positiva do Governo, decidiu apoiar a candidatura do Presidente Lula à

reeleição47.

Não apenas a CUT, mas também as demais centrais sindicais se viram diante de uma nova

situação quando das iniciativas do Governo no sentido da constituição de espaços de negociação social.

Contudo, o caráter contraditório das políticas do governo e as situações problemáticas nas quais se

colocou, com destaque para o episódio do “mensalão”, produziram tensionamentos entre as Centrais e

o Governo, assim como entre correntes sindicais. A Força Sindical participou de todos os fóruns

tripartites, inclusive do Fórum Nacional do Trabalho e apoiou a proposta de reforma sindical enviada

ao Congresso em 2005. No entanto, nos primeiros anos do novo Governo, fez críticas contundentes à

política econômica, que considerou subserviente ao capital financeiro.

46

A Intersindical não se propôs imediatamente a se organizar como uma nova central, pois parte dos seus membros

continuaram vinculados à CUT (GALVÃO, 2009, p. 187). 47

Ver CUT, Resoluções do 9º Concut. Trabalho e democracia: emprego, renda e direitos para todos os trabalhadores

e trabalhadoras”, Agosto de 2006. Ver também Araújo (2007).

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Ao longo do segundo mandato, a melhoria das condições do mercado de trabalho criaram um

contexto mais favorável para a atuação dos trabalhadores e os sindicatos souberam aproveitar esse

momento, buscando uma maior mobilização de suas bases e adotando uma posição mais ofensiva nas

negociações coletivas. Quanto às outras questões da agenda sindical, como a reforma sindical e a

reforma trabalhista, as negociações não avançaram, tendo sido abandonadas.

Assim como a reforma sindical, a proposta de uma ampla reforma trabalhista não conseguiu se

efetivar devido às grandes divergências que marcaram as discussões no FNT. Contudo, durante o

primeiro mandato, mas especialmente no segundo, medidas pontuais de flexibilização de direitos, na

contramão do discurso do governo, foram incluídas em projetos de lei voltados para a regulamentação

de questões específicas, como o Contrato do Primeiro Emprego48

, a legalização de contratos de

prestadores de serviços, organizados em empresas de uma só pessoa49

, regulamentação de

procedimentos diferenciados para pequenas e micro empresas através do Super Simples (inclusive

quanto à documentação trabalhista e à fiscalização e representação na Justiça do Trabalho)50

e a

emenda associada à criação da Receita Federal do Brasil, que retira o poder dos fiscais do trabalho de

reconhecerem o vínculo empregatício entre os “PJs” e as empresas contratantes dos seus serviços. Em

todos esses casos, a legislação, no limite, permite a redução do pagamento de encargos trabalhistas,

criando diferenças entre os trabalhadores no que diz respeito ao acesso universal aos direitos do

trabalho.

A possibilidade de aprovação da proposta de reconhecimento das centrais levou a um

movimento de criação de novas centrais e também de fusão de outras em busca de alcançar os critérios

definidos, mesmo antes da edição da Lei nº 11.648, em 2008. Atualmente, além da CUT (fundada em

1983), da CGTB (criada em 1983)51

e da Força Sindical (fundada em 1991), formaram-se novas

centrais sindicais. Em 2004 e 2005, respectivamente, já haviam sido constituídas a Coordenação

Nacional de Lutas – CONLUTAS (uma dissidência da CUT, constituída a partir dos segmentos que se

colocaram em oposição ao Governo Lula, sob a influência do Partido Socialista dos Trabalhadores

Unificado - PSTU52

) e a Nova Central Sindical – NCST, constituída a partir das confederações mais

48

Que instituiu contratos por tempo determinado, de no mínimo 12 meses, para jovens de 16 a 24 anos, com redução

de alguns direitos. 49

O chamado PJ – contrato de Pessoa Jurídica -, na verdade, oculta uma relação de emprego. 50

Em 2007, todas as centrais sindicais fizeram uma manifestação conjunta contra a flexibilização de direitos por

ocasição da aprovação da Super Receita, intitulada “Nem um direito a menos, só direitos a mais” (Galvão, 2009). 51

Esta central foi criada com a denominação inicial de Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras –

CONCLAT, foi convertida depois em Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT, em 1986, e Central Geral dos

Trabalhadores Brasileiros, em 1994). 52

Formado por dissidência do PT, em 1994.

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tradicionais de trabalhadores de distintos setores. Em 2007 surgiu a União Geral dos Trabalhadores –

UGT, criada a partir da fusão entre a Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT, a Central

Autônoma dos Trabalhadores - CAT e a Social-Democracia Sindical – SDS. Neste mesmo ano, foi

constituída ainda a Central dos Trabalhadores do Brasil – CTB, formada a partir da Corrente Sindical

Classista – CSC, ligada ao Partido Comunista do Brasil e até então atuante na CUT. Em 2009, a

CONLUTAS e uma parte dos sindicalistas ligados à Intersindical, principalmente os vinculados ao

PSOL, realizaram conversas e seminários conjuntos visando uma possível fusão, que será decidida em

congresso a ser realizado em junho de 201053

. Se no contexto anterior (especialmente da segunda

metade dos anos 1980 à primeira metade dos anos 1990), uma crescente pulverização da organização

sindical na base (sindicatos) convivia com um quadro mais unificado na cúpula (centrais sindicais),

estabeleceu-se no período mais recente uma fragmentação também nesse âmbito. As principais

conseqüências fragmentadoras, como se pode ver, recaíram sobre a CUT. Mas, ao mesmo tempo em

que ocorre um efeito dispersante em termos organizativos, do ponto de vista das posições defendidas,

ocorre um fator de convergência. Neste caso, envolvendo praticamente todas as Centrais, exceção feita

principalmente à CONLUTAS, em vista de um posicionamento de clara oposição ao Governo.

Considerações finais

O caráter contraditório e complexo do Governo Lula tem levado o sindicalismo a um

posicionamento confuso, ambíguo, contraditório frente àquele. Em geral tem prevalecido a cautela, o

cuidado em não contribuir para fortalecer um discurso conservador, identificado com o quadro adverso

anterior. A conversão de lideranças sindicais em quadros do governo tem sido um fator decisivo para

impedir uma postura mais independente e crítica daquelas em relação a esse. Tal situação se colocou de

modo mais contundente para a CUT, que ao longo de todo o período vem adotando uma postura de

forte sintonia com o Governo, o que em momento críticos produziu dissensões em seu interior.

Por outro lado, uma orientação prática cada vez mais parecida fez aproximarem-se antigos

rivais como a CUT e a FS. Prevalece entre as principais centrais um posicionamento voltado para uma

atuação propositiva no campo das políticas sociais, como no Conselho Nacional de Seguridade Social,

que gere o programa Fome Zero; evitando ações de maior enfrentamento, como greves e manifestações

mais amplas (o que teve particular repercussão por ocasião do encaminhamento da Reforma da

53

Ver sobre isto os seguintes sites: http://www.ler-qi.org/spip.php?article2138;

http://www.pstu.org.br/editorias_materia.asp?id=11123&ida=23 e

http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/agenda/1489-congresso-da-classe-trabalhadora-fundacao-de-uma-nova-

central (acessos em 17/04/2010).

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Previdência); ensaiando críticas pontuais a aspectos da política econômica, particularmente quanto aos

juros elevados; e contra a flexibilização e retirada de direitos, se esforçando para evitar a pecha de

“sindicalismo oficial” (principalmente a CUT). O sindicalismo foi acometido de um sentimento dúbio,

expresso nas oportunidades que ainda podiam ser vislumbradas no Governo Lula e nos impasses

vividos por ele quanto aos desafios que a realidade brasileira sempre lhe impôs e que as novas

condições do mundo do trabalho lhe tem acrescentado.

No que se refere aos ganhos sociais até agora empreendidos, pode-se atribuir parte deles às lutas

sindicais (incluindo-se aí as lutas travadas local e setorialmente, assim como as lutas nacionais). Por

exemplo, a pressão exercida pelas centrais sindicais teve importante influência quanto à correção da

tabela do imposto de renda, ao aumento de recursos destinados à agricultura familiar54

e ao persistente

aumento do salário mínimo. Mas a sensação que prevalece é a de que tais ganhos sociais se situaram

para além do que o sindicalismo foi capaz de suscitar a partir de sua ação e da imposição de uma

agenda de novas conquistas. Pois, se no período anterior o movimento sindical se encontrava em uma

posição de resistência defensiva, sob a Presidência de Lula se colocou, grosso modo, em uma atitude

passiva e de expectativa frente às iniciativas do Governo.

Comparando-se o momento atual com os contextos dos anos 1990 e, principalmente, dos anos

1980, sobressai o fato de que o sindicalismo perdeu em muito a condição de protagonista político.

Apesar do momento atual estar oferecendo condições mais favoráveis quanto aos ganhos econômicos e

sociais, assim como quanto ao exercício da prática sindical, as Centrais Sindicais não têm conseguido

pautar o debate político do país a partir de suas demandas. No máximo, vêm administrando uma agenda

de negociações diretas (com certos ganhos) e uma outra (nem sempre de modo associado à primeira)

voltada à participação em espaços institucionais públicos e sindicais.

Nos anos 1980, quando um sindicalismo mais atuante contribuiu decisivamente para a

constituição de uma perspectiva política inovadora no cenário nacional, aqui denominada por Campo

Democrático e Popular, tal façanha teve a ver fundamentalmente, com: a) uma capacidade de

representação que logrou construir junto a segmentos dos mais importantes estrategicamente em termos

sociais e econômicos; b) uma capacidade de condução e orientação estratégica das lutas sindicais e

políticas, particularmente ao saber associar as “lutas imediatas” às “lutas estratégicas”, cujos emblemas

foram as greves gerais; c) uma capacidade de formulação política, de modo a estabelecer parâmetros

54

No Programa Nacional de agricultura Familiar – PRONAF, foram destinados R$ 6,1 bilhões de reais no biênio

2004/2005, uma expansão de 154% em relação aos R$ 2,2 bilhões aplicados no biênio 2002/2003. Para safra de 2005/2006,

a dotação prevista no orçamento é de R$ 9 bilhões.

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alternativos quanto a questões centrais para o futuro das relações de trabalho no Brasil, tal como a

proposta de Sistema Democrático de Relações de Trabalho no país55

.

No atual momento, não obstante certa recuperação da iniciativa sindical e de certa presença na

cena política (especialmente, com uma maior presença em espaços institucionais e na própria gestão

governamental), não tem conseguido pautar o debate político como antes. Desde a crise que se abateu

sobre o sindicalismo a partir dos anos 1990, foram afetadas suas capacidades de representação e

mobilização, de articulação de objetivos mais específicos com objetivos mais gerais e de formulação de

propostas alternativas sobre questões mais amplas da condição dos trabalhadores e da sociedade

brasileira.

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Acesso em: 12.04.2010.

55

Ver, quanto a isso, por exemplo, Véras de Oliveira (2002).

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24

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