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Anais do II simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e19 de agosto de 2011. GT1.Gênero e Políticas públicas Coordenador a Elaine Ferreira Galvão O SEXO DA POBREZA BRASILEIRA Angelita Alves de Toledo 1 Teresa Kleba Lisboa 2 Introdução O presente artigo parte do pressuposto que a pobreza tem rosto de mulher, conforme estudos realizados pela ONU centrados na afirmação de que 70% dos pobres do mundo são mulheres. Destas, um grande número sobrevive no meio rural, são camponesas, integrantes de comunidades indígenas, ou de famílias que vivem da pesca, do pastoreio, migram do campo para a cidade, são refugiadas de guerra ou agricultoras sem terra. São mais da metade da população mundial e produzem metade dos alimentos do mundo, apesar de serem proprietárias de somente 1% de terras produtivas. Nas regiões urbanas, são muitas as que assumem as tarefas menos valorizadas como faxineira, diarista, empregada doméstica, serviços de limpeza e de cuidados com as crianças, idosos e pessoas enfermas, e conforme estatísticas, a pobreza atinge de forma mais acentuada, 30% de famílias brasileiras chefiadas por mulheres. Conforme Sonia Montaño (2001), a feminização da pobreza, tem se expressado através de três fatores: a) pela maior representação das mulheres entre as famílias pobres; b) pelas características que assumem a pobreza das mulheres e as dificuldades que enfrentam para superá-las e, c) pelo impacto diferenciado dos efeitos da pobreza sobre a qualidade de vida dos homens e das mulheres. A partir desse quadro de desigualdade, nos propomos a enfocar a pobreza a partir de uma perspectiva de gênero, trazendo para o debate 1 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina/UEL; Especialista em Políticas Sociais e Demandas Familiares, pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero NUSSERGE/UFSC. E-mail: [email protected] 2 Professora Associada do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Sociologia. Pós-doutora pelo Programa de Estudos de Gênero da UNAM/México; integrante do Instituto de Estudos de Gênero IEG, da UFSC e coordenadora do Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero NUSSERGE/UFSC. E-mail: [email protected]

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Anais do II simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e19 de agosto de 2011.

GT1.Gênero e Políticas públicas – Coordenador a Elaine Ferreira Galvão

O SEXO DA POBREZA BRASILEIRA

Angelita Alves de Toledo1

Teresa Kleba Lisboa2

Introdução

O presente artigo parte do pressuposto que a pobreza tem rosto de mulher,

conforme estudos realizados pela ONU centrados na afirmação de que 70% dos pobres do

mundo são mulheres. Destas, um grande número sobrevive no meio rural, são camponesas,

integrantes de comunidades indígenas, ou de famílias que vivem da pesca, do pastoreio,

migram do campo para a cidade, são refugiadas de guerra ou agricultoras sem terra. São mais

da metade da população mundial e produzem metade dos alimentos do mundo, apesar de

serem proprietárias de somente 1% de terras produtivas. Nas regiões urbanas, são muitas as

que assumem as tarefas menos valorizadas como faxineira, diarista, empregada doméstica,

serviços de limpeza e de cuidados com as crianças, idosos e pessoas enfermas, e conforme

estatísticas, a pobreza atinge de forma mais acentuada, 30% de famílias brasileiras chefiadas

por mulheres.

Conforme Sonia Montaño (2001), a feminização da pobreza, tem se

expressado através de três fatores: a) pela maior representação das mulheres entre as famílias

pobres; b) pelas características que assumem a pobreza das mulheres e as dificuldades que

enfrentam para superá-las e, c) pelo impacto diferenciado dos efeitos da pobreza sobre a

qualidade de vida dos homens e das mulheres. A partir desse quadro de desigualdade, nos

propomos a enfocar a pobreza a partir de uma perspectiva de gênero, trazendo para o debate

1 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina/UEL; Especialista em Políticas Sociais e Demandas

Familiares, pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade

Federal de Santa Catarina/UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero – NUSSERGE/UFSC. E-mail:

[email protected] 2 Professora Associada do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Sociologia. Pós-doutora

pelo Programa de Estudos de Gênero da UNAM/México; integrante do Instituto de Estudos de Gênero – IEG, da UFSC e coordenadora do

Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero – NUSSERGE/UFSC. E-mail: [email protected]

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os diferentes conceitos de pobreza, sua relação com o desenvolvimento sustentável, a

contribuição dos movimentos feministas para superar essa questão e a necessidade de propor

políticas públicas com equidade de gênero.

Os estudos sobre a pobreza, na grande maioria têm a identificado como

ausência de recursos materiais. Pretendemos abordar a temática da pobreza como um

fenômeno multidimensional, que não se restringe unicamente a esfera material e/ou

econômica (salário, alimentação), mas extrapola para as dimensões subjetivas que vem ao

encontro das necessidades básicas das pessoas tais como carências de proteção, de segurança,

de lazer entre outras. Manfred Max Neef (1986) sugere que se fale de “pobrezas” no plural,

pois, cada necessidade humana fundamental não satisfeita, gera uma pobreza humana: a

pobreza de subsistência, de proteção, de afeto, de conhecimento, de participação entre outras.

Entendendo “pobreza” como carências de necessidades, Maxine Molyneux,

1985, citada por Friedaman, 1996, p.121, classifica as necessidades humanas em práticas e

estratégicas. As práticas são aquelas ligadas às desigualdades de oportunidades entre homens

e mulheres, que as discriminam e dificultam seu acesso às bases de poder social e da riqueza

produtiva. A satisfação das necessidades práticas pode ser realizada em termos mais simples,

de forma local, superando as desigualdades de oportunidades. Já as necessidades estratégicas

dirigem-se à condição fundamental das mulheres, proclamam seus direitos e procuram

protegê-las contra o comportamento muitas vezes agressivo, dos homens. Procuram desafiar

disposições legal-institucionais que mantém as mulheres numa posição de subordinação

permanente; para autora, a satisfação de ambos os tipos de necessidades (práticas e

estratégicas) é a reivindicação fundamental de igualdade de gênero; é uma luta em longo

prazo e depende da estrutura e da forma como as relações entre homens e mulheres estão

enraizadas na cultura de uma determinada sociedade. Em ambos os casos, quando as

necessidades são explicitadas tornam-se essencialmente reivindicações políticas por direitos.

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Pobreza, modelos de desenvolvimento e a proposta de empoderamento das mulheres

Com base nos constantes apelos da investigadora Ester Boserup3 sobre a

exclusão sistemática das mulheres do terceiro mundo e sua contínua precarização, os

governos e as agências internacionais têm reconhecido que o peso da pobreza recai de

maneira diferenciada sobre os homens e as mulheres se abrindo para a necessidade de integrar

a temática de gênero nas políticas de combate à pobreza.

Um dos enfoques sobre “Gênero e Desenvolvimento” – GED, proposto pelo

grupo DAW4, tem o propósito de tornar visível a subordinação das mulheres no

desenvolvimento e suas conseqüências em todas as áreas da vida social. A abordagem do

GED pretende o desenvolvimento da igualdade de gênero, considerando os aspectos

econômico, político e social e também conciliar os mundos público e familiar. Para tanto, os

projetos de desenvolvimento deveriam considerar a perspectiva de gênero e assegurar a

participação de homens e mulheres em nível de igualdade em todas as suas estratégias de

ação.

Uma nova concepção de desenvolvimento, também é proposta por Marcela

Lagarde (1996), e implica numa ruptura com todas as concepções anteriores de

desenvolvimento (centrado no progresso e acúmulo de riqueza), bem como, na irrupção no

campo teórico-político do novo paradigma em que se inscreve o feminismo. Uma nova

concepção de mundo, para a autora, implica numa proposta de desenvolvimento que modifica

a concepção sobre necessidades humanas ao:

incluir as necessidades das mulheres e considerá-las prioritárias; modificar as necessidades

humanas dos homens, uma vez que muitas delas concretizam formas e mecanismos de

opressão sobre as mulheres; modificar as necessidades comunitárias, nacionais e mundiais ao

requerer um caminho de desenvolvimento com sentido mais humano, ou seja, centrado na

escala humana (Lagarde, 1996, p.123).

3 Ester Boserup, economista dinamarquesa (1910-1999), foi uma das primeiras a estudar as inter-relações entre dinâmicas de população,

desenvolvimento econômico e gênero. Trabalhou na administração econômica da Dinamarca e para a ONU. Com a publicação de seu estudo

sobre "Women´s Role en Economic Development" (o papel das mulheres no desenvolvimento econômico) despertou interesse internacional

para a importância do trabalho produtivo das mulheres no desenvolvimento e sua importância como fonte de trabalho produtivo. Com isto

contribuiu em grande medida para o surgimento do enfoque Mulheres no Desenvolvimento (MED) na cooperação ao desenvolvimento.

4 DAW do inglês, Development Alternatives with Women for a New Era, projeto impulsionado por uma rede internacional de ativistas

investigadores e propositores de políticas públicas

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O Fórum Econômico Mundial, comprometido com a melhoria das

condições do mundo, elaborou o documento “Empoderamento das Mulheres - Avaliação das

Disparidades Globais de Gênero” (FEM, 2005), definindo cinco dimensões importantes para

o empoderamento e oportunidade das mulheres: participação econômica; oportunidade

econômica; empoderamento político; conquistas educacionais; saúde e bem-estar.

1. A participação econômica de mulheres – diz respeito à presença das mulheres no

mercado de trabalho em termos quantitativos; as sociedades precisam ver as mulheres menos

como receptoras passivas de ajuda e mais como promotoras de dinâmicas de transformação.

2. Oportunidade Econômica - diz respeito à qualidade do envolvimento econômico das

mulheres; internacionalmente, as mulheres estão concentradas, na maioria dos casos em

profissões consideradas “femininas” como enfermagem, serviço social, magistério, cuidado

de idosos e enfermos - e tendem a permanecer nas categorias trabalhistas inferiores às dos

homens: faxineiras, domésticas, serviços de limpeza e outros.

3. Empoderamento Político - diz respeito à representação eqüitativa de mulheres em

estruturas de tomada de decisão, e também ao seu direito à voz na formulação de políticas que

afetam a sociedade na qual estão inseridas. A ausência de mulheres nas estruturas de governo

significa inevitavelmente que prioridades nacionais, regionais e locais – isto é, como os

recursos são alocados – são definidas sem participação significativa de mulheres.

4. Conquistas Educacionais - é o requisito fundamental para o empoderamento das mulheres

em todas as esferas da sociedade. Sem educação de qualidade as mulheres não conseguem

acesso a empregos bem-pagos do setor formal, nem avanços na carreira, participação e

representação no governo e influência política. Educação e alfabetização reduzem índices de

mortalidade infantil e ajudam a diminuir as taxas de fertilidade.

5. Saúde e bem-estar - de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 585 mil mulheres

morrem a cada ano, mais de 1.600 por dia, de causas relacionadas à gravidez e ao parto; dos

46 milhões de abortos anuais em todo o mundo, cerca de 20 milhões são realizados de forma

insegura e resultam na morte de 80 mil mulheres por complicações; As taxas de fertilidade de

adolescentes e o elevado número de gravidez na adolescência também são incluídos como

indicadores de riscos à saúde entre mulheres de 15 a 19 anos.

Portanto, o empoderamento implica a alteração radical dos processos e das

estruturas que reproduzem a posição da mulher nesta ordem de desigualdades. No campo das

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discussões sobre desenvolvimento, o empoderamento das mulheres é visto por algumas ONGs

como principal estratégia de combate à pobreza e de mudanças nas relações de poder. Dentre

as condições prévias para o empoderamento da mulher, estão os espaços democráticos e

participativos, assim como a organização das mulheres.

Empoderamento na perspectiva feminista é um poder que afirma, reconhece

e valoriza as mulheres; é precondição para obter a igualdade entre homens e mulheres;

representa um desafio às relações patriarcais, em especial dentro da família, ao poder

dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero. Implica a alteração

radical dos processos e das estruturas que reproduzem a posição subalterna da mulher como

gênero; significa uma mudança na dominação tradicional dos homens sobre as mulheres,

garantindo-lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade,

do seu direito de ir e vir, bem como um rechaço ao abuso físico e as violações.

Os estudos feministas partem do pressuposto que o empoderamento das

mulheres é condição para a eqüidade de gênero. O primeiro passo para o empoderamento

deve ser o despertar da consciência por parte das mulheres em relação à discriminação de

gênero: reconhecer que existe desigualdade entre homens e mulheres, indignar-se com esta

situação e querer transformá-la. Para se empoderarem, as mulheres devem melhorar a auto-

percepção que tem sobre si mesmas, acreditar que são capazes de mudar suas crenças em

relação a submissão e despertar para os seus direitos

Para Friedmann (1996, p.50), “não são os indivíduos, mas as unidades

domésticas que são „pobres‟, a própria pobreza deve ser redefinida como um estado de

desempoderamento”. As mulheres pobres são excluídas dos direitos mínimos porque suas

famílias não tiveram ou não têm acesso ao poder social para melhorar as condições de vida de

seus membros; elas não têm acesso ao poder político porque não compartilham as tomadas de

decisões; não possuem o poder da voz, nem o da ação coletiva. Da mesma forma, não têm

acesso ao poder psicológico que decorre da consciência individual de força e manifesta-se na

autoconfiança. Em suma, não são consideradas cidadãs.

No combate à pobreza, o empoderamento orienta-se para a conquista da

cidadania, isto é, a conquista da plena capacidade de um ator individual ou coletivo de usar

seus recursos econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com responsabilidade no

espaço público na defesa de seus direitos, influenciando as ações dos governos na distribuição

dos serviços e recursos. Portanto, a motivação primária consiste na superação da pobreza, que

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por sua vez exige a tomada de consciência, principalmente por parte das mulheres pobres, de

seu poder social, político e psicológico.

Para que ocorra o empoderamento das mulheres, Sonia Montaño (2001)

propõe as seguintes condições:

- A criação de espaços institucionais adequados para que os setores

excluídos participem das decisões que fazem parte do seu cotidiano; que possam propor

estratégias sobre o “que fazer” em relação às principais reivindicações no campo político

público.

- Formalização de direitos legais, divulgação sobre as leis e resguardo de

seu conhecimento e respeito

- Fomento de organizações em que as pessoas que integram o setor social

excluído possam, efetivamente, participar e influenciar nas estratégias adotadas pela

sociedade. Isso acontece quando as organizações tornam possível estender e ampliar a rede

social que integram, publicizando-a e tornando-a acessível .

- Capacitação para o exercício da cidadania e da produção, incluindo os

saberes instrumentais essenciais, além do conhecimento sobre ferramentas para analisar

dinâmicas econômicas e políticas relevantes.

- Criação de acesso e controle sobre os recursos e ativos (materiais,

financeiros e de informação) para possibilitar o efetivo aproveitamento de espaços, direitos,

organização e capacidades.

Uma vez construída esta base de condições facilitadoras do empoderamento

é importante trabalhar na perspectiva da autonomia das mulheres pois o alcance desta, servirá

de medida para avaliar o processo de empoderamento e superação da exclusão social.

Deverão ser feitas as seguintes perguntas para avaliar a eqüidade de gênero: em que medida as

mulheres são capazes de decidir, autonomamente, sua participação no mercado de trabalho, na

política ou na vida cívica?

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O acesso à Políticas Públicas para superação da pobreza

Analisando a exclusão social das mulheres, e por tanto sua autonomia, deve-

se vincular essa questão com a compreensão das relações de poder em todos os âmbitos,

incluindo os direitos sexuais e reprodutivos.

Persistem as desigualdades na distribuição do trabalho reprodutivo; a

participação econômica das mulheres se mantém baixa (52% em 2008); a inserção das

mulheres no mercado de trabalho é precária, ou seja, as mulheres se destacam em ocupações

flexíveis e informais, como os empregos de tempo parcial e os trabalhos domésticos; são as

que mais estão expostas a subcontratação. Prevalecem os estereótipos: homem provedor e

mulher cuidadora; os serviços de cuidado ficam sempre sob a responsabilidade das mulheres;

os programas assistenciais reforçam os papéis de gênero.

Há evidências sobre o fato que homens e mulheres com os mesmos níveis

de escolaridade não acedam às mesmas oportunidades de trabalho, porque é no âmbito

reprodutivo e das responsabilidades familiares que se encontram os obstáculos para o

desempenho eqüitativo (Presser, Sen 2000, apud Montaño, 2001). Um exemplo claro nesse

sentido é a desistência escolar de meninas pobres que está diretamente relacionada aos seus

direitos reprodutivos (gravidez na adolescência).

Se assumirmos o conceito de exclusão social articulado com os de

empoderamento e autonomia, entenderemos a complexidade da pobreza na perspectiva de

gênero. Cabe ressaltar que o processo de empoderamento é visto como estreitamente

relacionado ao de participação. Experiências em diversas partes do mundo têm mostrado que

processos de participação das mulheres possibilitam processos de empoderamento e que estas

metodologias favorecem o estabelecimento de políticas e práticas de desenvolvimento que

contemplam as necessidades das pessoas vivendo na pobreza. Iorio (2002) propõe que os

governos devem assegurar canais para que as pessoas e os grupos de pessoas vivendo na

pobreza possam fazer parte de instâncias de definição, implantação e monitoramento de

políticas mais gerais (como orçamento participativo, conselhos de políticas sociais, segurança

alimentar, previdência, conselhos de saúde, educação) e de programas de combate à pobreza e

à exclusão (mas não somente nestes espaços). A participação é um elemento constitutivo das

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estratégias de empoderamento. O Banco Mundial, por exemplo, vê o empoderamento como a

última etapa nos processos de participação local nos projetos de desenvolvimento.

Por isso, o “empoderamento” é indicado como passo inicial de um processo

mais amplo de conquista da cidadania, que deve ser facilitado através da participação em

projetos com vistas a propor demandas de políticas públicas.

Em documento publicado pela CEPAL (1999), encontramos indicadores sociais de

gênero, que podem ser utilizados como propostas para superar cada referencial de política

pública:

1. Referencial: Mulher e Pobreza - Aumento da capacidade produtiva da mulher

mediante o acesso ao capital, aos recursos, ao crédito, a terra, à tecnologia, à

informação, à assistência técnica e à capacitação.

2. Referencial: Habitação Social - Facilitar às mulheres o acesso à habitação com preços

razoáveis (...), com especial atenção às necessidades das mulheres, em particular

àquelas que vivem na pobreza e às mulheres chefes de família.

3. Referencial: Educação e capacitação da mulher - Aumentar o número de matrículas

e as taxas de permanência escolar de meninas.

4. Referencial: Educação e capacitação da mulher – Eliminação do analfabetismo

entre mulheres e meninas.

5. Referencial: Educação e capacitação da mulher – Aumentar o acesso das mulheres à

formação profissional, a ciência e a tecnologia e educação permanentes, dando ênfase

especial à eliminação das disparidades por motivos de gênero e o acesso a todos os

âmbitos de ensino de terceiro nível, garantindo que as mulheres tenham igual acesso

em relação aos homens, ao desenvolvimento profissional, à capacitação e à graduação.

6. Referencial: A mulher e a saúde - Prevenir e atender a gravidez precoce, os

transtornos mentais relacionados com a marginalização (...) e a pobreza, (...) o trabalho

excessivo, o stress e a freqüência cada vez maior da violência doméstica, (...) o uso

indevido de substâncias, (...) as questões relacionadas com a saúde ocupacional, (...)

câncer no sistema reprodutivo, bem como infertilidade.

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7. Referencial: A mulher e a economia – Promulgar e fazer cumprir leis que garantam

os direitos da mulher e do homem a uma remuneração igual pelo mesmo trabalho ou

por um trabalho de igual valor (...), eliminar a segregação nas ocupações (...) bem

como as práticas discriminatórias, incluídas àquelas utilizadas por empregadores,

baseadas nas funções reprodutivas da mulher.

8. Referencial: A mulher e a economia – Fomentar e respaldar o trabalho por conta

própria da mulher (...) em condições apropriadas e iguais àquelas concedidas aos

homens (...) (e) revisar, reformular caso seja conveniente, bem como aplicar políticas

(...) a fim de assegurar que não existam discriminações contra pequenas e médias

empresas de propriedade de mulheres, tanto na zona rural quanto urbana.

9. Referencial: A mulher e a economia – Estabelecer mecanismos para quantificar e

avaliar a contribuição econômica do trabalho não remunerado da mulher.

10. Referencial: A mulher no exercício do poder e a adoção de decisões – Desenvolver

mecanismos e proporcionar capacitação para incitar a mulher a participar dos

processos eleitorais, de atividades políticas e outros setores relacionados com

atividades de direção. Difundir anualmente dados sobre o número de mulheres e

homens empregados nos diferentes níveis de governo (...), estabelecer (...)

mecanismos que permitam acompanhar os progressos realizados nesta esfera (...) e

promover e garantir que as organizações que recebem financiamento público adotem

políticas e práticas não discriminatórias.

11. Referencial: Mecanismos institucionais para o avanço da mulher – Zelar para que a

responsabilidade das questões relacionadas com o avanço da mulher recaiam nas

esferas mais elevadas de governo; (...) esta tarefa poderia estar a cargo de um ministro

de gabinete; (...) o mecanismo deveria ter mandos e atribuições claramente definidos;

a disponibilidade de recursos suficientes e a capacidade e competência para influenciar

em questões políticas, bem como formular e examinar a legislação seriam elementos

decisivos (...).

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Políticas Específicas para as mulheres ou Políticas de Gênero?

No campo acadêmico bem como na prática do planejamento,

implementação, gestão e execução de políticas públicas depara-se freqüentemente com a

indagação: políticas públicas para as mulheres ou políticas de gênero? Segundo Bandeira

(2005, p.47):

As políticas públicas, no Brasil, no geral, quando são feitas e dirigidas às mulheres

não contemplam necessariamente a perspectiva de gênero. Políticas públicas de

gênero são diferentes de políticas públicas para as mulheres. Estas consideram,

inegavelmente, a diversidade dos processos de socialização para homens e para

mulheres, cujas conseqüências se fazem presentes, ao longo da vida, nas relações

individual e coletiva.Já as políticas públicas para as mulheres têm centralidade no feminino enquanto parte da reprodução social. Isso implica que não priorizam a

importância e o significado que se estabelece no relacionamento entre os sexos [...].

Assim as políticas para as mulheres, apesar de direcionarem-se

especialmente para elas, continuam a reproduzir o papel da mulher na reprodução social da

sociedade, já que enfatizam o papel da mulher na educação dos filhos, nos cuidados

domésticos, com a higiene e saúde, com a alimentação, enfim com a convivência familiar e a

reprodução social para manutenção do sistema capitalista vigente.

Já as políticas públicas de gênero, ao incorporarem o conceito de gênero e

discutirem suas implicações na promoção de políticas públicas, trazem para o campo que situa

a realidade de intervenção tanto os conflitos que perpassam as relações sociais entre homens e

mulheres e também as desigualdades produzidas e reproduzidas culturalmente entre os

mesmos, com base no discurso das diferenças biológicas. Nas palavras de Bandeira (2005,

p.48), “envolvem não só a diferenciação dos processos de socialização entre o feminino e o

masculino, mas também a natureza dos conflitos e das negociações que são produzidos nas

relações interpessoais [...]”, envolvendo também a subjetividade feminina, que é um dos

componentes da condição de sujeito, ou seja, da sua identidade.

Na realidade não existe oposição à existência de políticas públicas para

mulheres, pelo contrário, o que existe é um reconhecimento de que estas políticas ao

focalizarem seu olhar apenas na figura da mulher acabam por direcionar somente para elas

suas ações, não percebendo a existência de um caráter relacional tanto na questão da origem

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das necessidades dos usuários, quanto na questão da própria resolução da situação. Exemplo

disto são as políticas de segurança, voltadas para o combate da violência contra mulher que

centram sua intervenção puramente no atendimento da mulher vitimizada e excluindo do

atendimento o agressor. Quando isto acontece, na verdade o problema acaba por não ser

resolvido definitivamente, mas apenas paliativamente até o momento em que esta mulher

retornará para ser atendida apresentando a mesma demanda ou então demanda semelhante.

A partir destas considerações, pode-se afirmar que as políticas específicas

para mulheres não excluem as políticas de gênero, no entanto àquelas atuam de maneira mais

pontual, geralmente não instalando a possibilidade de transformação das visões tradicionais

sobre o papel feminino. As políticas de gênero, ao atuarem tanto com as mulheres quanto com

os homens, reconhecendo a relação diferença-igualdade, acabam por desenvolver ações na

perspectiva do empoderamento das mulheres (com base nas discussões – já apresentadas -

sobre desigualdades e equidade), o que por sua vez pode desencadear na sociedade processos

para atingir a equidade de gênero.

Diante destas constatações, não se preconiza que as políticas específicas

para mulheres desapareçam repentinamente e que as políticas de gênero assumam seu lugar,

pelo contrário, espera-se que gradualmente as políticas específicas para mulheres possam

avançar e fundamentar a discussão, planejamento e implementação de políticas de gênero, que

pela própria concepção seriam mais universalizantes e contribuiriam para a configuração

eqüitativa das relações sociais pondo fim ao rosto feminino da pobreza.

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GT1.Gênero e Políticas públicas – Coordenador a Elaine Ferreira Galvão

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