o serviço social no combate à violência de género em contexto

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico) O Serviço Social no combate à violência de género em contexto de Casa de Abrigo em Portugal The Social Service in combating the domestic violence in context Shelter Home in Portugal -2012- SORAIA FILIPA SILVA CORRÊA Discente da Licenciatura de Serviço Social, Escola Superior de Educação de Castelo Branco R esumo: Com este artigo não se pretende uma definição sobre a violência doméstica, mas sim a analise sobre a intervenção em Casa de Abrigo para vitimas de violência doméstica numa perspetiva de serviço social. Pretende-se um enquadramento legal sobre a violência doméstica/género em Portugal, a evolução e os retrocessos legislativos sobre a temática supracitada , assim como a delimitação das Casas de Abrigo, enquanto resposta social às vitimas de violência doméstica.

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O Serviço Social no combate à violência de género em contexto de Casa de Abrigo em PortugalThe Social Service in combating the domestic violence in context Shelter Home in Portugal-2012-R esumo: Com este artigo não se pretende uma definição sobre a violência doméstica, mas sim a análise sobre a intervenção em Casa de Abrigo para vitimas de violência doméstica numa perspetiva de Serviço Social. Pretende-se um enquadramento legal sobre a violência doméstica/género em Portugal, a evolução e os retrocessos legislativos sobre a temática supracitada , assim como a delimitação das Casas de Abrigo, enquanto resposta social às vitimas de violência doméstica.Posteriormente pretende-se uma análise acerca dos constrangimentos e desafios da intervenção profissional em Casas de Abrigo. Este artigo visa também constituir-se uma reflexão crítica onde levanta algumas questões, nomeadamente sobre a importância das Casas de Abrigo e a necessidade de ampliação (ou não) das mesmas.

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Page 1: O  Serviço Social no combate à violência de género em contexto

(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

O Serviço Social no combate à violência de género em contexto

de Casa de Abrigo em Portugal

The Social Service in combating the domestic violence in context  Shelter Home in Portugal

-2012-

SORAIA FILIPA SILVA CORRÊA

Discente da Licenciatura de Serviço Social,

Escola Superior de Educação de Castelo Branco

R esumo: Com este artigo não se

pretende uma definição sobre a

violência doméstica, mas sim a analise

sobre a intervenção em Casa de Abrigo

para vitimas de violência doméstica

numa perspetiva de serviço social.

Pretende-se um enquadramento legal

sobre a violência doméstica/género em

Portugal, a evolução e os retrocessos

legislativos sobre a temática supracitada

, assim como a delimitação das Casas

de Abrigo, enquanto resposta social às

vitimas de violência doméstica.

Posteriormente pretende-se uma análise

acerca dos constrangimentos e desafios

da intervenção profissional em Casas de

Abrigo. Este artigo visa também

constituir-se uma reflexão crítica onde

levanta algumas questões,

nomeadamente sobre a importância das

Casas de Abrigo e a necessidade de

ampliação (ou não) das mesmas.

Palavras-Chave: Violência de

Género; Intervenção Profissional;

Serviço Social; Casa de Abrigo

A bstract: With this article is not

intended a definition of domestic

violence, but the analysis of the

Page 2: O  Serviço Social no combate à violência de género em contexto

(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

intervention on Shelter Homes for

victims of domestic violence in a social

service perspective.

The aim is a legal framework on

domestic violence / gender in Portugal,

the progress and setbacks of legislation

on the subject mentioned above, as well

as the demarcation of Shelter Homes,

while social response to victims of

domestic violence.

After that, it is intended a review about

the constraints and challenges of

professional intervention in Shelter

Homes. This article also aims to provide

a critical reflection which raises some

questions, particularly about the

importance of Shelter Homes and the

need to expand (or not) them.

Key Words: Gender Violence; Professional intervention; Social Work;

Residential Shelter

I ntrodução:

O presente artigo é realizado no âmbito da Unidade Curricular de Seminário de

Intervenção Social II, lecionada no 2º semestre, 3º ano da Licenciatura de Serviço

Social e resulta no contexto de estágio curricular em Casa de Abrigo para vítimas de

violência doméstica, sendo apresentada uma abordagem temática sobre a perspectiva do

Serviço Social.

Em Portugal somente a partir de 1975 é que podemos considerar que a violência

doméstica foi reconhecida como um problema social. Os movimentos feministas foram

extremamente importantes e influenciadores no impacto da evolução na sensibilização

da atenção política em relação à violência doméstica. O envolvimento dos movimentos

feministas deu-se ou de forma tardia “A questão da violência doméstica não existia e só

foi colocada aquando da criação do movimento feminista no início dos anos oitenta.”

(Leskosek e Boskic, 2004: 6) ou de forma “comedida”, comparativamente ao ocorrido

em outros países europeus. “Historicamente, a questão da igualdade entre os géneros

só emergiu publicamente após o 25 de Abril de 1974, pelas vozes de alguns grupos de

mulheres - o dito movimento feminista português - que, não obstante, nunca alcançou a

mesma expressão que outros movimentos feministas internacionais, nomeadamente da

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

Europa e dos Estados Unidos da América. Por conseguinte, contrariamente ao

sucedido noutros países, esta expressão mais fraca do movimento feminista não teve o

mesmo impacto no impulsionamento de propostas de mudanças na sociedade e,

nomeadamente, mudanças nas condições de vida das mulheres portuguesas.” (Baptista,

Silva e Nunes, 2004: 3)

Pode-se assim dizer que, em Portugal, as respostas às mulheres vítimas de

violência doméstica emergem num contexto político e social de um movimento

feminista frágil e fragmentado, não obstante da seu papel relevante (Tavares, 2010;

Magalhães, 2002) e, na sequência de um conjunto de diretivas internacionais,

nomeadamente, da União Europeia. Estas recomendações promovem bases para

alterações legislativas de proteção e segurança às vítimas e fazem-se acompanhar de

políticas sociais determinadas governamentalmente.

Este artigo seguirá com um enquadramento da legislação e políticas emanadas

desde que a violência doméstica passou a ser considerada crime até ao surgimento das

Casas de Abrigo, enquanto resposta social às vítimas de violência doméstica. Pretende-

se ainda a compreensão do que é uma Casa de Abrigo e quais as normas reguladoras e

leis vigentes. Numa segunda parte é focada a intervenção do serviço social e do

assistente social numa Casa de Abrigo, deseja-se a compreensão da atuação do técnico e

daquilo que lhe é exigido enquanto elemento fulcral no processo de reorganização das

utilizadoras da Casa de Abrigo. Assim como após uma pesquisa fundamentada se

identifica os constrangimentos e desafios que se impõem à intervenção social nas Casas

de Abrigo. Por ultimo em jeito de conclusão é feito um levantamento das questões mais

pertinentes assim como é dado a conhecer a reflexão pessoal da discente, numa

perspectiva crítico-reflexiva exploratória do tema, contendo também pistas de reflexão

sobre a temática equacionada e ainda uma proposta de focagem futura do tema, sob a

perspectiva de para além de apresentar soluções para o problema da violência

doméstica, apresentar também medidas de combate.

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

S ituando a temática- enquadramento legal

Na intervenção do serviço social no âmbito da violência doméstica (violência de

género), o Serviço Social é confrontado no terreno com a legislação e políticas presentes

e o seu desempenho é dependente das mesmas, dessa forma, surge a importância de

compreender quais as ferramentas que têm vindo a ser fornecidas juridicamente para a

perpetração de respostas socias.

No que respeita ao procedimento criminal, o Código Penal de 1982 previu e

puniu, pela primeira vez, o crime de maus-tratos entre cônjuges. Este crime detinha a

natureza pública.

Cerca de dez anos depois, em 1991, a Lei n º 61/91, de 13 de agosto, garante uma

proteção apropriada às vítimas de violência e prevê a criação de um “sistema de

garantias adequadas”, para suspender a situação da violência doméstica e emendar os

danos ocorridos, atendendo as vítimas de violência por pessoal especializado (nas forças

policiais e nos hospitais) para facilitar a colocação da denúncia. Nesta lei, estava

prevista uma medida estritamente importante, a “ordem de afastamento do agressor da

moradia conjugal”. Todavia esta iniciativa assim como outras previstas nesta lei não

chegaram nunca a ser aplicadas já que o Governo português não as regulamentou.

Outras medidas referidas foram a criação de um gabinete SOS para atendimento

telefônico das mulheres vítimas de violência e a criação junto dos órgãos de polícia

criminal secções de atendimento às mulheres vítimas de crimes de violência.

No ano de 1995, com a revisão do Código Penal, e com o Decreto-lei n º 48/95 de

15 de março, dá-se um retrocesso na luta contra os maus-tratos, já que apesar de

aumentar o tempo de prisão para o tempo de um a cinco anos e de contemplar pela

primeira vez os maus-tratos psicológicos como uma conduta punível, a natureza do

crime passa a ser particular, o que significa que deve ser feito previamente uma

denúncia do procedimento criminal, e que a continuação do processo depende da vítima.

Posteriormente, passados 3 anos a Lei n º 65/98, de dois de setembro, faz uma

nova alteração em relação a natureza do crime, pois passa a ser semipúblico. Ora isto

significa que o Ministério Público tem "relativa" legitimidade para iniciar o processo de

acusação, mas tendo em conta certas condições, tais como, que a vítima não indefira a

continuação do processo e que o acusado não manifeste o seu desacordo face à queixa.

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

Finalmente em 2000 com a Lei n º 7 / 00, de 27 de maio, o crime de maus tratos

constitui-se novamente de natureza pública, como previsto há quase vinte anos atrás. “A

27 de Maio de 2000 deu-se uma importante alteração no Artigo 152 do Código Penal

pela qual a violência doméstica se tornou crime público (Lei 7/2000). Este importante

marco na legislação portuguesa em relação à violência doméstica viria a ter um forte

impacto a vários níveis (…).” (Baptista, Silva e Nunes, 2004: 10). A partir desta data, o

Ministério Público passa a ter "completa" legitimidade para iniciar o processo de

acusação, apesar de contar com a oposição do acusado. Fica salvaguardada a vontade da

vítima, através da figura de suspensão provisória do processo.

“Em Abril de 2004 foi votada uma reforma do divórcio que instaurou uma

cláusula de expulsão do domicílio conjugal dos autores de violência, há muito

reclamada pelas associações de defesa dos direitos das mulheres. O artigo 22 estipula

que antes ou após qualquer processo de divórcio, poderá ser apresentado um

requerimento a um juiz de família para atribuição do domicílio conjugal.” (FNSF,

2004: 5) No entanto esta não se aplica na prática, pois o sistema de segurança não está

preparado para tal medida, não garante a segurança da vítima, que fica numa situação de

vulnerabilidade perante o agressor, que em muitos casos “já não tem nada a perder”.

Segundo Elizabeth Brasil, presidente da UMAR (União de Mulheres Alternativa e

Resposta), “A perversidade está aí. Aquele que comete um crime fica na sua casa,

embora tenham sido duas pessoas a trabalhar para lá estar, a aguardar pacientemente

que a justiça cumpra os seus desígnios e que, no final, será sempre uma pena suspensa.

E, portanto, compensa (…) ” (em

http://www.deco.proteste.pt/familia-e-vida-privada/violencia-domestica-s552721/dos/

552941.htm, consultado a 8 de Abril de 2012)

Isto vai exigir que outras respostas sociais sejam criadas e/ou uma sobrelotação

das respostas existentes. Segundo a amnistia internacional no programa de 12 pontos

para a prevenção da violência sobre as mulheres elaborado em 2007 “ É urgente a

criação rápida de novas Casas Abrigo pelo país. As Casas Abrigo que existem são

insuficientes”. (Amnistia Internacional, 2006:2)

A reforma do Sistema Penal, em setembro de 2007 foi mais um passo na defesa

das mulheres vítimas de violência de gênero em que contemplou-se a criação de um

novo tipo legal de crime de "violência doméstica", que inclui medidas de proteção e

punição para a casais ou ex-casais com quem já não se convive, ou seja, pela primeira

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

vez em Portugal, se proteja as mulheres que têm uma relação e não vivam no mesmo

domicílio. No entanto, nesta lei, existe uma importante limitação, isto é, o “flagrante

delito” (atuar só quando “apanham” o agressor no “mesmo” momento). Felizmente esta

limitação deixa de existir em 2009, com a aprovação da última e atualiza lei nº

112/2009 (de 16 de Setembro) para a prevenção da violência doméstica, a proteção e

assistência às mulheres vítimas. Esta lei celebra um conjunto de medidas:

Primeiro, consagrar os direitos das vítimas, garantindo a sua proteção rápida e

eficaz. É produzido o “Estatuto da Vítima”. Para que seja atribuído este Estatuto de

Vítima é imprescindível que a vítima denuncie o crime de violência doméstica. Estão

contemplados os seguintes direitos:

- Direito à informação (do processo que está a seguir judicialmente, dos serviços

e organizações a quem se pode dirigir para obter apoio, etc.)

- Direito de proteção, desde que as autoridades competentes considerarem que

existe risco na vida da mulher

- Direito à assistência específica (veja jurídica e apoio judiciário quando este

seja pela via penal)

- Direito a indemnização e a restituição dos bens.

Para além disso esta lei estabelece mais medidas, tais como, a implementação de uma

rede nacional de serviços de apoio as mulheres vítimas de violência doméstica (Casas

de Abrigo, Centros de Atendimento, Centros Especializados). Nesta lei são definidas as

condições e regulamentos destas respostas sociais. E por último prevê o

desenvolvimento de políticas de sensibilização nas áreas da educação, da informação,

da saúde e do apoio social.

É nesta linha orientadora de pensamento que se justifica o enquadramento das Casas de

Abrigo, enquanto resposta social às vítimas de violência doméstica.

O aparecimento das casas de abrigo em Portugal remonta à década de 1990, o que

corresponde a um atraso de cerca de duas décadas comparativamente com a realidade

europeia (Baptista, Silva & Nunes, 2004). Este surgimento tardio esteve estreitamente

relacionado com as políticas legais e institucionais de combate à problemática da

violência doméstica, que conheceram um forte impulso com a aprovação da Lei 61/91.

Posteriormente, o decreto-regulamentar nº1/2006, de 25 de janeiro, veio introduzir um

conjunto de normas técnicas, com o objetivo de conferir maior uniformidade no

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

ordenamento legal relativo às Casas de Abrigo, acautelando, normalmente, as condições

mínimas de abertura e de funcionamento, bem como a qualidade dos serviços prestados

às mulheres vítimas de violência doméstica. Desde então, o quadro legal português tem

vindo a evoluir e a aproximar-se cada vez mais da legislação internacional no que diz

respeito à proteção das mulheres e crianças vítimas de violência familiar. Atualmente o

decreto-lei nº 112/2009 de 16 de setembro, e o decreto-regulamentar anteriormente

referido, constituem-se como guias orientadores das Casas de Abrigo, com o apoio do

IV PNCVD que segundo este, assume-se, como um “ Instrumento de politicas publicas

de combate à violência doméstica e de género”.

As Casas de Abrigo são “unidades residenciais destinadas a acolhimento

temporário a vítimas, acompanhadas ou não de filhos menores” conforme o disposto

no art.º60º no Decreto-lei nº112/2009 de 16 de Setembro (guia orientador das Casas de

Abrigo). Ainda nessa Lei no art.º 63º é expresso que um dos objetivos das Casas de

Abrigo consiste em “ (…) promover, durante a permanência na casa de abrigo,

aptidões pessoais, profissionais e sociais das vítimas, susceptíveis de evitarem eventuais

situações de exclusão social e tendo em vista a sua efetiva reinserção social.” De facto

isto sugere a visão das casas de abrigo serem um passo importante para a reorganização

da vida social das utentes, podendo até dizer-se que as utentes iniciam uma “nova vida”

e na ação/interação, mulher-equipa técnica, deve fomentar-se o empoderamento das

mulheres (empowerment), valorizar-se as iniciativas, as tomadas de consciência e

processos de decisão livres, assertivos, concretizáveis. Constitui-se como um projeto de

autonomização, onde à equipa cabe a tarefa de mostrar a cada utente que é possível

encontrar novos caminhos. À utente cabe a tarefa de escolher o caminho e tornar a

decisão de o percorrer, sabendo no entanto, que não o fará só.

Para que isto seja possível está previsto no artigo 64º alínea 4, da mesma lei, as

casas de abrigo disporem, para efeitos de orientação técnica, de um licenciado em áreas

comportamentais, mencionando um técnico de serviço social, que atue em articulação

com a equipa técnica.

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Page 8: O  Serviço Social no combate à violência de género em contexto

(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

S erviço social no contexto de Casa de Abrigo

Segundo Baptista & Cols (2004) “De um tipo de ajuda patriarcal, tem-se evoluído

progressivamente para uma forma de intervenção mais profissional”. Consolidando

com o relatório europeu que expressa que um” crescente profissionalismo está a ser

aceite como um aperfeiçoamento e uma forma eficiente de prestar às mulheres a ajuda

profissional de que necessitam. Aqui, a questão é a oposição entre profissionalismo e a

ajuda de tipo patriarcal ainda presente em muitas casas-abrigo que oferecem

alojamento temporário para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica. (…)

Tendência para o aumento do nível de qualificação dos funcionários das casas-abrigo

poderá ser uma forma eficiente de contribuir para um tipo de ajuda mais profissional -

e, consequentemente, menos patriarcal. Ao mesmo tempo, nestes casos, a imagem da

assistente social tem conhecido um reconhecimento profissional considerável (…)

representa (…) um aperfeiçoamento na qualidade do serviço prestado”. (Shelter@net,

2004: 27) Este aperfeiçoamento constitui-se como um desafio constante ao serviço

social, que deve ir além da prestação dos serviços da Casa de Abrigo, a partir do

assistente social ou de uma equipa multidisciplinar, conforme Magalhães et.al.

(2011:599) “ As casas de abrigo devem contar com uma equipe técnica

pluridisciplinar”, é essencial uma constante renovação de informações, por isso a

pesquisa, planeamento e capacitação são fatores cruciais para uma atuação bem-

sucedida, desta forma, corroborando o citado por Lewgoy (2009:20) “ (…) fazer

profissional tem como eixo a qualidade dos serviços prestados, o respeito ao usuário e

a melhoria de programas institucionais, o que exige o desafio diário”.

A atuação do profissional exige uma renovação de conhecimentos que visa uma

credibilidade de referência perante a Instituição e os usuários e, ao mesmo tempo,

constitui-se como a entrada de acesso à garantia dos direitos sociais e humanos, ou pelo

menos, ter a possibilidade de esclarecimento sobre eles. Com a apreensão do

conhecimento teóricos do Serviço Social, há a acumulação de uma série de habilidades,

como a capacidade investigativa e de análise da universalidade, particularidade, e

respeito à singularidade. Por essa razão “[...] é necessário instrumentalidade, postura

investigativa e pedagógica para alicerçar o que se faz”. (Lewgoy, 2009:47). Neste

sentido, Iamamoto (1999, cit. Lisboa,T & Pinheiro, E., 2005:203) destaca que o “

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

momento presente desafia os assistentes sociais a se qualificarem para acompanhar,

atualizar e explicar as mudanças da realidade social”.

A ação do serviço social, está intimamente ligada aos casos atendidos pela

instituição, que no presente documento, consistem no acolhimento de mulheres e

seus/suas filhos/as (ou não) vítimas de violencia doméstica, isto é, mulheres abrigadas

que passam a apresentar vulnerabilidade social devido à convivência familiar com o

agressor. Além disso, há a realidade das utilizadoras que geralmente apresentam baixa

autoestima em detrimento da rotina de subordinação e ameaça, completada pela falta de

condições emocionais e financeiras para a ruptura com os laços de violência.

A intervenção social com as utilizadoras de uma Casa de Abrigo, transcende o

atendimento, visto exigir a responsabilidade pela análise de cada caso interligando-o

com a realidade e suas particularidades. Torna-se fundamental que o profissional saiba

decifrar os designios que lhes são impostos, para que haja a articulação com as políticas

públicas setoriais, isto é, a identificação das possíveis soluções nas “entrelinhas”

observadas. Neste sentido a intervenção do serviço social deve primar pelos direitos das

mulheres e articulá-los com a rede de garantia de direitos, visto que é da inteira

competência do profissional encaminhar e prestar informações corretas aos seus

usuários. O trabalho do assistente social é determinado segundo leis e arcabouços

teóricos adquiridos na formação acadêmica que devem ser desenvolvidos no mercado

de trabalho, respeitando sempre os princípios que regem o Código de Ética da profissão.

“ o código de ética da profssão tambem tem sido um marco orientador para a

intervenção dos assistentes sociais, na medida em que explicita a dimensão ético-

política que os profissionais devem assumir…” (Lisboa,T., & Pinheiro, E. (2005:208).

Antes de debruçarmo-nos na intervenção social aquando a chegada da utente, é

necessário ter a noção de quais as entidades competentes para o encaminhamento das

mulheres vítimas de violência doméstica para Casa de Abrigo, estas estão dispostas no

capítulo III do decreto regulamentar nº 1/2006, artigo 2, alínea a). É pertinente a alusão

ao facto de a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens não estar estipulada como

entidade competente para o encaminhamento para a Casa de Abrigo, seguramente, não

foi por descuido, na medida em que prevê-se a possibilidade de um risco de pressão

exercido pela CPCJ no sentido em que, por exemplo, ou a mãe se dispõe a fugir do meio

violento e agressivo também para as crianças, ou as crianças serão retiradas para uma

instituição. Esta pressão vai emergir como uma inversão dos objetivos estipulados pelas

Casas de Abrigo.

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

É na lógica da Pirâmide das Necessidades segundo o psicólogo americano Abraham

Maslow, que se pode explicar a lógica do percurso das utentes na Casa de Abrigo.

“Segundo Maslow as necessidades dos seres humanos estão colocadas

hierarquicamente em função de seu caráter de urgência e sua força. Quando as

necessidades mais imperativas (as necessidades primárias) estão satisfeitas, as

necessidades posteriores fazem pressão no sentido de conseguir a satisfação.

Acompanhando cada tipo de necessidade em função de sua força, podemos colocá-las

em forma de uma pirâmide. Na base desta pirâmide estariam as necessidades mais

básicas e vitais para os seres humanos (as necessidades primárias). A seguir, até se

chegar ao topo, estariam as necessidades secundárias. Maslow distingue dois tipos de

necessidades primárias: necessidades fisiológicas e necessidades de segurança e três

tipos de necessidades secundárias: necessidades sociais, necessidades de estima e

necessidade de autorrealização”. (António, J.,2010:3)

Num raciocínio de priorização de necessidades em que há medida que as

necessidades vão sendo satisfeitas passa-se para outro “degrau” da pirâmide. Numa

primeira fase toda a intervenção feita com as utilizadoras da Casa de Abrigo está muito

ligada a uma intervenção assistencialista onde é impreterível avaliar as necessidades

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Fatores: Auto- realização; Auto- desenvolvimento e Auto-satisfação.

Auto- respeito; Progresso; Confiança ; Status e Reconhecimento

Aceitação; Afeição; Amizade; Compreensão e Consideração

Proteção contra: Perigo, Doença; Incerteza; Desemprego e Roubo

Alimento; Repouso; Abrigo

Fonte: (António, J.,2010:2)

Page 11: O  Serviço Social no combate à violência de género em contexto

(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

emergentes, garantindo o provimento dos direitos básicos (por exemplo: alimentação,

medicação, roupas, produtos de higiene, fraldas).

Numa segunda fase, surge a necessidade do atendimento à utente, com o intuito de

avaliar a situação da mesma, compreender todo o envolvente que originou a saída do

seio familiar e a necessidade de recorrer à circunstância de Casa de Abrigo e elaborar

um projeto de vida feito pela equipa técnica com a utente “Os planos individuais de

inserção devem ter como meta a criação de condições para a empregabilidade e a

aquisição e/ou a manutenção de um emprego digno. Entende-se por condições para a

empregabilidade a promoção do acesso à habitação, a proteção social, a promoção de

hábitos e cuidados de saúde, o restabelecimento dos laços familiares, a aquisição de

competências pessoais e sociais, escolares e profissionais, a integração cultural e

recreativa local”. (IDT, 2009:14). Após definido o Plano Individual de Inserção tem de

haver um acompanhamento do percurso da utilizadora, traduzindo num conjunto de

ações/atividades que integram o PII, negociado, contratualizado e avaliado

conjuntamente com o utente. “Deste modo, sempre que existe um PII o técnico

responsável pelo processo assume funções de gestor do processo de inserção desse

utente, devendo estabelecer e manter a articulação interna (com a equipa

multidisciplinar) e com vários serviços e organismos da comunidade, acompanhando o

indivíduo (…) os sistemas sociais nas várias fases do processo de inserção social até à

alta social.” (IDT, 2009:15).

C onstrangimentos e desafios que se impõem à

intervenção social nas Casas de Abrigo

Alguns dos desafios propostos estão intimamente ligados aos constrangimentos

abaixo expostos, na medida em que se pretende a superação das falhas e tal,

inevitavelmente, representa um desafio.

Ao analisarmos as Casas de Abrigo, facilmente se precepciona que existe uma

falta de divulgação das mesmas, acerca do que consistem e quais as suas mais-valias

enquanto resposta social. O Acolhimento institucional para as mulheres vítimas de

Violência doméstica é ainda uma realidade muito desconhecida Segundo Baptista

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

(2002:1) “ persiste um desconhecimento, mais ou menos generalizado, das estratégias e

das metodologias de intervenção adoptadas nestas casas”.

Neste sentido, estão inerentes vários desafios, primariamente a necessidade de uma

divulgação à comunidade, por via de ações de sensibilização a nível nacional das Casas

de Abrigo, que direitos e deveres estão previstos, sem que com isso haja uma exposição

das Casas de Abrigo, mas sim da existência e compreensão desta resposta.

Por outro lado, seria igualmente vantajoso para a intervenção profissional

conforme refere Morton (2004) o “ (…) contacto com outras casas-abrigo (…) visitas a

outras casas-abrigo para discutir questões de interesse comum e partilhar

conhecimentos, informações e experiências (…) obter ideias novas a partir de outros

centros, em particular se trata-se de um centro envolvido num projeto ou programa

inovador.” (Morton, 2004: 27 cit. por Shelter@net, 2004 : 37) Numa cooperação ativa

através da partilha de práticas e informação poder-se-ia desafiar novas práticas e ao

mesmo tempo colmatar falhas existentes. “ausência de conhecimento, por parte do

pessoal técnico das casas de acolhimento, da existência de grande parte dos outros

centros de acolhimento existentes no país e, sobretudo, a necessidade expressa por

muitos deles de “saber o que se está a fazer noutros sítios” (Baptista 2002:2). A troca

de experiências, a partilha dos sucessos, dos insucessos, das dificuldades sentidas e das

experiências válidas constitui ainda uma realidade distante (embora desejável) no

universo do trabalho desenvolvido em Portugal neste domínio das respostas de

acolhimento a mulheres vítimas de violência (Baptista, 2002:2)

Os diferenciados tipos de Intervenção levados a cabo dentro das Casas de Abrigo

incorrem o risco de serem excessivamente libertadores ou, pelo contrário, privadores de

autonomia, pelo que exige a necessidade de um documento que orientasse e delineasse a

intervenção em Casas de Abrigo, seguindo o exemplo da Dinamarca, “No início de

2004, a LOKK emitiu um documento sobre directrizes de estandardização da qualidade

dos centros de crise, dirigido ao subcomité social no Parlamento. O relatório descreve

aspectos organizacionais, bem como a experiência das utentes e as qualidades

profissionais necessárias para assegurar um mínimo de qualidade na prestação de

serviços dos centros. O documento fazia parte de um trabalho preparatório realizado

no âmbito da introdução do novo artigo na Lei do Serviço Social. De um modo geral, o

relatório defende um grau mais elevado de profissionalismo, com funcionários com

formação vocacional em funções 24 horas por dia, e o uso de voluntários apenas como

suplemento. Todos os centros devem igualmente definir um plano de gestão para a

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

instituição, juntamente com um conjunto de valores aplicáveis ao trabalho a realizar.

Adicionalmente, devem reflectir acerca da sua interacção com outros agentes,

exteriores à casa-abrigo, e ter uma ideia clara das suas medidas e objectivos.” (Koch-

Nielsen e Caceres, 2004: 34 cit. por Shelter@net, 2004: 32)

Desta forma pelejar-se-ia também alguns dos défices da intervenção expostos por

Baptista, (2002:2) “intervenções em situações de violência doméstica, (…)em muitos

casos, pouco profissionalizadas (…)alguns fatores:

• Reduzida investigação sobre o tema da violência doméstica;

• Escassa formação sobre o tema ou possibilidade de participar nela;

• Presença, na intervenção, de pessoal sem habilitações para o fazer –

casos de alguns elementos auxiliares ou com formações pouco adequadas ou

mesmo sem formação específica, como é o caso das casas de orientação

religiosa;

• Isolamento profissional – facto apontado pela quase totalidade dos

técnicos que trabalham praticamente sozinhos e sem possibilidade de partilha

de experiências, esclarecimento de dúvidas e aperfeiçoamento de

intervenções;

• Pouca prática de avaliação e partilha no interior das equipas”

Subsiste como essencial à intervenção profissional a indispensabilidade de

articulação dos serviços, na medida em que se tem observado que mediante a

desarticulação dos serviços , tais como, saúde, judicial, policial. As Casas de Abrigo são

consideradas como a única saída, quando na verdade estas deviam ser consideradas

como um ultimo recurso (Magalhães, M & Castro, Y. 2011) Neste sentido emerge a

necessidade de uma boa avaliação de risco e uma constcientalização/ sensibilização na

tomada de decisão para encaminhamento a Casa de Abrigo para não incorrer a

encaminhamentos em que a violencia doméstica não se contitui como sendo o problema

maior nem exista risco de vida. (deturpação de objetivos) (Belchior, J.& Manita,

C.,2011)

Um dos grandes constragimentos que se tem presenciado é a falta de ética muitas

vezes por parte das entidades de acolhimento de intervenção que omitem informações

importantes ou dão informação errada, de forma voluntaria, com vista a facilitar a

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

aceitação em Casa de Abrigo, no entanto, é de referir que tal atuação pode por em risco

não só a Instituição como as utilizadoras da Casa de Abrigo,(exemplo: omissão de

doença- HIV) (Belchior, J.& Manita, C.,2011).

Segundo Baptista (2002: 2) no estudo por esta elaborado foi verificado que, após

a saída das mulheres do centro de acolhimento não se efetua um trabalho de follow-up

do seu percurso posterior pelo que há “necessidade de uma rede comunitária

compreensiva e transversal no pós saída” (Sullivan, Basta, Tan & Davidson, 2009, cit..

Belchior, J.& Manita, C.,2011). Por sua vez, o relatório europeu (Shelter@net, 2004:38)

expressa que a “necessidade de incrementar e aprofundar o trabalho de follow-up cai

claramente na categoria dos desafios futuros que todos os países e serviços de

alojamento em casas-abrigo terão de enfrentar nos próximos anos”.

Tal é de facto um grande desafio, principalmente e tendo em conta a situação

socioeconómica vulnerável em que se encontra o País. Isto vai limitar qualquer

intervenção e requer uma capacidade extrema de gestão financeira das direções e

equipas técnicas nas suas intervenções, tendo em conta que “Os obstáculos mais

habituais apontados pelos prestadores de serviços em casas-abrigo de todos os países

são os relativos aos problemas de financiamento, não apenas em termos de

insuficiência de recursos, mas também em termos de financiamento inadequado (…)

problemas de realojamento e de emprego foram também apontados por Portugal (…)

como obstáculos que as mulheres têm muitas vezes de enfrentar de forma a conseguir

passar do alojamento temporário para uma vida autónoma” (Shelter@net, 2004:39).

Em súmula é destacado como as maiores e mais ocorrentes limitações para uma

intervenção de sucesso as “Dificuldades de habitação; Dificuldade de emprego e

Dificuldade por a morosidade dos tribunais” (Magalhães, M & Castro, Y. 2011:598)

Em plena concordância com o citado por Morton (2004: 32)“Muitas casas-

abrigo têm presente de forma clara que o seu objectivo fundamental é a eliminação de

todas as formas de violência contra as mulheres. Contudo, debatem-se com o dilema

constante entre, por um lado, a tentativa de equilibrar de forma eficiente os recursos

insuficientes e a prestação directa de serviços, e, por outro, o processo intangível e a

longo prazo de contribuir para a mudança social.” É neste dilema que se esbate um dos

maiores desafios que o Assistente Social vive no presente, de desenvolver sua

capacidade de “decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

capazes de preservar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim,

ser um profissional propositivo e não só executivo” (Iamamoto, 1998:20).

C onclusão: Pistas de reflexão ao futuro

Mediante o presente documento, é correto afirmar-se que a intervenção dos

técnicos junto de indivíduos vítimas de violência doméstica é influenciada por questões

de ordem política, religiosa e educacional. Posto isto, cabe ao serviço social respeitar as

normas legais que vão sendo impostas, contudo isto requer uma constante adaptação e

reformulação das respostas interventivas. Por outro lado “ Estar sempre pautado na

legislação vigente e conhecer o mundo do Direito é papel importantíssimo e de caráter

iniludível, uma vez que o profissional de Serviço Social é um dos representantes

institucionais dotados de recursos variados, determinando as normas gerais desse

relacionamento entre o usuário, a instituição e dele próprio. Sabe-se, portanto, que

essa relação de forças proporciona ao assistente social um status de poder na

instituição podendo até mesmo incentivar mudanças de valores, normas, formas de

pensar e agir na sociedade e especialmente quanto a padrões de comportamento frente

às instituições para com os usuários (…) transmitindo conhecimento acerca de leis,

direitos e normas sociais”. (Vieira, T. 2011)

A lei, por sua vez, pode revelar-se um instrumento bastante eficiente na resolução

da problemática da violência doméstica com uma melhora na qualidade da intervenção,

mas tambem, pode por outro lado anunciar-se o inverso, dificultar e limitar a

intervenção. Actualmente algumas práticas judiciais demonstram-se. Por um lado,

punitivas para a vítima e, por outro, demasiado benévolas com os agressores. Desta

feita, na realidade portuguesa é comum constatar que a vítima de violência doméstica é

obrigada a abandonar a sua casa e ao agressor é permitido continuar impune e no

exercício de todos os seus direitos. Também, neste sentido, no decorrer da intervenção

deparamo-nos mais do que com uma progressão lenta da legislação, com o

tardigradismo da magistratura. Portanto, encaro como necessários câmbios e melhoras a

nível legislativo, criação de novas leis e a criação de tribunais especializados na

violência de género (tal como em Espanha) assim como a formação e articulação

«coordenada» entre todos/as profissionais que estão a trabalhar com mulheres vítimas

de violência de género. (APAV,2002-2003).

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

No que diz respeito a intervenção em Casa de Abrigo, concordo com as autoras

Peinado, A. et al (2010:19) que recomendam a “constituição de uma equipa de trabalho

multidisciplinar (e.g. composta por sociólogos, Antropólogos; Psicólogos; Técnicos de

Serviço Social, Psiquiatras, Economistas e Juristas) no intuito de abarcar a maior

quantidade possível de cambiantes que este tema pode assumir na nossa sociedade”. O

profissional do Serviço Social que intervém diretamente na realidade social dos sujeitos

tem como pressupostos da atuação a articulação do trabalho em redes do trabalho de

redes. “ O trabalho desenvolvido em redes sejam elas sociais, primárias ou

secundárias, vem demonstrando que a sociedade tem estabelecido, cada vez mais, redes

de saberes e práticas com o intuito de enfrentamento às diferentes situações de

exclusão que se perpetuam. Contata-se que o trabalho em rede apresenta-se como

estratégia fundamental no trabalho de fortalecimento das mulheres em situação de

violência doméstica.” (Grossi, P., Tavares, F. & Oliveira S 2008: 278) .Dessa forma,

são reforçados valores como a colaboração e confiança e o Assistente social e outros

atores que se disponham a monitorizar, avaliar e promover a materialização de ideias,

fomentando a distribuição de responsabilidade, a tomada democrática de decisões,

controlo coletivo sobre o que está a ser feito e por sua vez, a avaliação sistemática dos

resultados obtidos.

No presente documento foi feita a alusão ao facto de a Comissão de Proteção de

Crianças e Jovens não estar estipulada como entidade competente para o

encaminhamento para Casa de Abrigo, contudo mediante a prática de estágio curricular

pude observar que esta é uma das entidades que têm por costume o encaminhamento de

utentes a Casa de Abrigo. Neste sentido surgem duas reflexões importantes a ter em

conta, primeiro que existe um desrespeito/incumprimento da lei, ao existirem

encaminhamentos de mulheres por instituições que não estão estipuladas na Lei e, por

sua vez, qual o papel do técnico de serviço social que se depara num dilema entre a

legalização de procedimentos e a proteção emergente de uma situação de risco de vida.

Não obstante deste incumprimento, considero de extrema importância a não

aceitação futura da CPCJ enquanto uma entidade competente para o encaminhamento

de vítimas de violência doméstica na medida em que se incorre ao risco de haver uma

conflitualidade de interesses. Ou se tal for previsto, deve existir uma entidade, dentro

das previstas na lei, que faça a mediação do risco em articulação direta com a CPCJ.

Todavia é de todo desejável uma conscientalização e sensibilidade ética (identificada

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

por James Rest,1994) por parte das técnicas de encaminhamento, pois é necessária esta

noção do modo como as ações praticadas pelos técnicos afetam os utentes.

Belchior, J.& Manita, C. (2011) propõem que tendo em conta a violência

doméstica como “fenómeno multi-problemático”, a especialização das casas de abrigo,

distinguindo as Casas de abrigo “centradas no tipo de intervenção” que consistiam

numa localização publica com a centralidade na comunidade, das casas de abrigo

“centradas no objeto” dando como exemplo as mulheres “com doença mental

associada, mulheres com consumos e substancias”. Concordo na medida em que a

discrepância de gerações, diferentes etnias e culturas já por si é um impulsionador de

conflitos, quanto mais quando existem problemáticas especiais, por sua vez, tal

distinção de casas acarretaria um apoio mais especializado e por sua vez uma

capacidade mais aprofundada dos técnicos de dar resposta a problemáticas mais

especificas dentro da temática.

Ressalto a importância de um documento que orientasse e delineasse a

intervenção em Casas de Abrigo a nível nacional, desta maneira haveria uma

padronização da intervenção e colmatar-se-ia o problema das intervenções em Casa de

Abrigo serem excessivamente libertadoras ou, pelo contrário, privadoras de autonomia.

Todavia considero que deve haver uma maior conscientalização e sensibilização

por parte dos técnicos das casas de abrigo enquanto, e apenas, como resposta social

emergente e apenas como ultimo recurso. Segundo o expresso pela Amnistia

Internacional (2006) “É urgente a criação rápida de novas Casas Abrigo pelo país. As

Casas Abrigo que existem são insuficientes (…) ” Importa perceber até que ponto existe

esta necessidade de implementação de mais Casas de Abrigo, estas constituem-se como

medidas substancias na proteção das vítimas e os objetivos das mesmas são louváveis e

devem merecer a nossa atenção. Mas a verdade é que, conforme os números vêm

demonstrando, a violência doméstica está a crescer e o número de casos denunciados

continua a aumentar (ver: http://www.apav.pt/portal/pdf/Clipping_Novembro2011.pdf ,

consultado a 09 de Abril de 2012) As Casas de Abrigo, são meramente respostas

perante um problema profundo da sociedade, contudo a criação de mais Casas não vais

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

evitar o aumento desta problemática pelo que vamos continuar a confrontar-nos com

este dramático e grave problema se outras medidas não forem tomadas.

Ao mesmo tempo esta resposta não deixa de ser, inevitavelmente, como uma

privação da liberdade das vítimas, que são obrigadas a abandonar o seu meio social,

família, amigos e bens materiais, isto tudo somado com uma justiça lenta e ineficaz e

por isso mesmo um sentimento de injustiça e de re- vitimização. Acredito que a solução

não passa pela criação de mais Casas de Abrigo, pois estas tendem a ser como “prisões”

para as vítimas privando-as da sua liberdade e conforto e podendo até constituir-se

como mais um factor traumático, sobretudo para as crianças. Sou apologista da

necessidade de uma reavaliação da legislação até então implementada nesta área.

Considero que a eliminação de algumas burocracias jurídicas, a implementação de mais

medidas pretendendo-se mais céleres e mais severas para como os agressores, ao

mesmo tempo um foco mais dirigido para a proteção das vítimas, sem privá-las da sua

liberdade, seria de todo um passo fundamental no apoio às vítimas.

Deve ser punido quem prevarica. E quem transgride é o agressor, que, não

respeitando direitos de liberdade e de igualdade, agride a sua companheira. Seria

interessante a criação de Casas de Abrigo para os agressores, desta forma, este ( o

agressor) sairia, obrigatoriamente do espaço familiar, porque sobre ele penderia uma

acusação. Se fosse comprovadamente falsa, teria depois todos os mecanismos à sua

disposição para repor a verdade. Se calhar era preciso inverter alguns dos pressupostos

com que trabalhamos atualmente para se obterem outros resultados. As Casas Abrigo,

pretendendo defender a integridade física das vítimas, permitem uma liberdade

despendida pelo agressor que ele usa em benefício próprio e como forma de represália

para com a vítima.

Por isso sustento a ideia da existência de Casas de “Abrigo” (Confinação) ou

Casas Correcionais para agressores, desta forma estar-se-ia a punir o agressor ao mesmo

tempo a salvaguardar a segurança das vítimas num contexto libertador e dentro do seu

espaço social e ao mesmo tempo a reabilitar e tratar dos agressores. Tal medida não

seria impeditiva de uma intervenção para com as vítimas

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(Artigo Redigido com o Novo Acordo Ortográfico)

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