o serviço social como um serviço

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1 Júlio Leopoldo Silva Prina Mestrando em Serviço Social O Serviço Social como um Serviço Introdução A discussão do papel e natureza do serviço social é um debate constante tanto no meio acadêmico quanto nos setores interventivos da profissão. Seu surgimento e formas de atuação foram questionados durante toda a sua história sob diversos aspectos. Entre outros, se destacam: a instrumentalidade, os objetivos da profissão, seu objeto de trabalho, posicionamento como trabalho produtivo ou improdutivo, a questão de sua constituição como uma especialização do trabalho coletivo, relação com/e processo de trabalho, ou se mesmo a categoria trabalho (em sua forma ontológica) pode ser aplicada ao serviço social. Autores como Marilda Iamamoto, José Paulo Netto, Sérgio Lessa, Yolanda Guerra e Vicente Faleiros são exemplares nestas discussões, as quais se juntam muitos outros teóricos do serviços social. A vertente Marxista de análise é preponderantemente, se não quase em absoluto, a mais utilizada na análise profissional, dada suas categorias de leitura da realidade que enfocam o trabalho e o modo de produção capitalista, berço da profissão. O desenvolvimento do capital e suas formas de atuação formam o cerne dos estudos de Karl Marx, cuja principal obra neste aspecto, O Capital, é parte integrante da escola de pensamento e das categorias sobre o qual se debate acerca do serviço social. A categoria trabalho como utilizada em Marx e as relações sociais estabelecidas a partir dela, são o fundamento para a compreensão da realidade onde se inserem os assistentes sociais e seu vínculo com os processos de produção. A questão do posicionamento do serviço social enquanto trabalho ou prática é uma discussão atual que surge pouco após os debates acerca da natureza como trabalho produtivo ou improdutivo realizado pela profissão (Costa, 2000; Iamamoto, 1998; Lessa, 2000). Apesar de fazer referências a estas questões, este trabalho procura abordar o posicionamento do serviço social por outro ponto de vista, o da profissão como um serviço, contendo as características e problemáticas particulares ao setor e que permeiam a intervenção profissional. Não nos compete fazer aqui uma revisão de toda a enorme obra marxiana e suas complexas categorias. Entretanto para uma análise coerente da questão é necessário um breve esclarecimento quanto as categorias principais de Marx que servirão ao nosso estudo da emergência do setor de serviços e sua articulação na dinâmica capitalista. O

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A discussão do papel e natureza do serviço social é um debate constante tanto no meio acadêmico quanto nos setores interventivos da profissão. Seu surgimento e formas de atuação foram questionados durante toda a sua história sob diversos aspectos.

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  • 1

    Jlio Leopoldo Silva Prina

    Mestrando em Servio Social

    O Servio Social como um Servio

    Introduo

    A discusso do papel e natureza do servio social um debate constante tanto no meio acadmico quanto nos

    setores interventivos da profisso. Seu surgimento e formas de atuao foram questionados durante toda a sua histria

    sob diversos aspectos. Entre outros, se destacam: a instrumentalidade, os objetivos da profisso, seu objeto de trabalho,

    posicionamento como trabalho produtivo ou improdutivo, a questo de sua constituio como uma especializao do

    trabalho coletivo, relao com/e processo de trabalho, ou se mesmo a categoria trabalho (em sua forma ontolgica) pode

    ser aplicada ao servio social. Autores como Marilda Iamamoto, Jos Paulo Netto, Srgio Lessa, Yolanda Guerra e

    Vicente Faleiros so exemplares nestas discusses, as quais se juntam muitos outros tericos do servios social.

    A vertente Marxista de anlise preponderantemente, se no quase em absoluto, a mais utilizada na anlise

    profissional, dada suas categorias de leitura da realidade que enfocam o trabalho e o modo de produo capitalista,

    bero da profisso. O desenvolvimento do capital e suas formas de atuao formam o cerne dos estudos de Karl Marx,

    cuja principal obra neste aspecto, O Capital, parte integrante da escola de pensamento e das categorias sobre o qual se

    debate acerca do servio social. A categoria trabalho como utilizada em Marx e as relaes sociais estabelecidas a partir

    dela, so o fundamento para a compreenso da realidade onde se inserem os assistentes sociais e seu vnculo com os

    processos de produo.

    A questo do posicionamento do servio social enquanto trabalho ou prtica uma discusso atual que surge

    pouco aps os debates acerca da natureza como trabalho produtivo ou improdutivo realizado pela profisso (Costa,

    2000; Iamamoto, 1998; Lessa, 2000). Apesar de fazer referncias a estas questes, este trabalho procura abordar o

    posicionamento do servio social por outro ponto de vista, o da profisso como um servio, contendo as caractersticas

    e problemticas particulares ao setor e que permeiam a interveno profissional.

    No nos compete fazer aqui uma reviso de toda a enorme obra marxiana e suas complexas categorias.

    Entretanto para uma anlise coerente da questo necessrio um breve esclarecimento quanto as categorias principais

    de Marx que serviro ao nosso estudo da emergncia do setor de servios e sua articulao na dinmica capitalista. O

  • 2

    trabalho como fundador das relaes sociais, a criao de valor e a apropriao da mais-valia so rapidamente

    esboadas para podermos passar ao primeiro ponto principal: a diviso social do trabalho e a dissociao entre

    conhecimento e fazer, e o resultante surgimento de novas profisses e tipos de trabalhadores, especificamente formas de

    controle da massa trabalhadora pelos detentores no s dos meios de produo como do conhecimento do processo.

    O servio social como fazer humano que trabalha com a realidade material e histrica apresenta uma

    possibilidade de leitura dupla de seus fazer, alicerada sobre o desenvolvimento histrico da profisso: servio social

    como prtica e servio social como especializao de um trabalho coletivo (Iamamoto, 1992). Essas duas categorias

    fazem parte das discusses apresentadas acima e representam a vertente com um maior nmero de anlises correntes.

    Vamos expor um pequeno histrico da profisso no Brasil, com estas categorias em mente, antes de prosseguirmos para

    o tema em si: o servio social como um servio, o que representa uma outra forma de se abordar a leitura da profisso.

    No histrico do servio social a problemtica do trabalho na elaborao de significado para os seres humanos

    existe desde de sua criao como profisso nos anos 30. Com caractersticas eminentemente filantrpicas,

    acompanhadas de um discurso religioso, moralista, o servio social em seus primrdios era caracterizado por uma

    valorizao da prtica imediata, das possibilidades de descoberta de novos e mais eficazes mtodos de se distribuir a

    caridade e garantir o bem estar e assistncia ao prximo. Como ferramenta governamental, a posio de pretensa

    neutralidade poltica do servio social de fato contribua para uma manuteno do status quo. A profisso no se abre

    para uma vivncia exterior, procurando se constituir como uma profisso autnoma e auto-suficiente, capaz de

    responder a todas as suas demandas e necessidades terico/prticas. A questo social era vista como um problema

    religioso ou moral, de forma que no fazia parte da tica governamental (Iamamoto, 1992).

    O discurso humanista da dcada de 60 questiona a religiosidade e a moral utilizadas pelas estruturas

    governantes do perodo da ditadura, para alicerar as aes de carter assistencial. dado incio aos primeiros

    movimentos no sentido de uma releitura da posio das prticas dos assistentes sociais. O pensamento 'humanista'

    defende a importncia do ser humano e da manuteno das relaes enquanto seres humanos em diferentes condies.

    necessrio se humanizar as polticas de assistncia e formas de atendimento. Isto exige uma organizao por parte da

    categoria para poder elaborar novas formas de interveno, mas o carter tcnico e prtico destas aes ainda possui um

    forte alicerce (Iamamoto, 1992, 1998).

    O questionamento da moral religiosa como guia poltica e de sua capacidade de leitura e aplicao a realidade

    resultam num movimento de politizao na intelectualidade que formava o servio social. Os assistentes sociais

  • 3

    observam em sua profisso um espao de transformao quase pico da realidade, um "messianismo profissional", ou

    seja, uma crena de que o servio social havia surgido para solucionar todos os reflexos da questo social. Havia ainda a

    procura da representao da profisso como parte das cincias e seu posicionamento em frente aos discursos

    tericos/metodolgicos (Iamamoto, 1998; Netto 1996).

    As leituras de Marx e seu questionamento a lgica burguesa abrem espao para discusses de cunho

    revolucionrio e que procuram uma transformao incisiva da sociedade vigente o que ainda refora esta condio

    messinica da profisso. Esta, porm, se encontra agora sob um novo debate: a desqualificao da herana catlica cria

    uma ciso e enfrentamentos que resultam nas discusses do perodo de reconceituao, que sofre, todavia, uma pausa

    em seu trajeto pela introduo da ditadura militar. H um retorno as tradies conservadoras de cunho

    religioso/assistencial. Para o governo militar era conveniente o servio social como prtica, que o auxiliava em sua

    ligitimao, pois, no existindo uma intencionalidade alm do instrumental aplicado, da tcnica, no se questionava o

    carter poltico das intervenes profissionais. (Iamamoto, 1992; Netto, 1996).

    Entretanto com o fim do governo militar, o processo de reconceituao pode continuar e em 1979 a perspectiva

    da crtica-dialtica ganha fora o suficiente para ser considerada uma reforma nos currculos escolares que formariam os

    futuros assistentes sociais das dcadas posteriores. Em 1982, com sua aprovao, a rdua tarefa de dissemin-lo

    iniciada. um perodo de transio para um governo democrtico, que se reflete tambm na profisso, que busca pelas

    bases tericas e filosficas que lhe faltavam (Netto, 1996).

    Um evento desta abrangncia encontrou muitas dificuldades e retrocessos, apesar de em ltima instncia

    continuar representando um amadurecimento na profisso. Muitos cursos universitrios das dcadas de 70 e 80, no

    empenho que se tornou mais severo em qualificar a capacidade cientfica e de produo de conhecimento dentro do

    servio social, adotam a muitos das linhas tericas e perspectivas contemporneas a poca. Entretanto, em muitas

    unidades de ensino, os embates internos entre as diferentes tendncias conservadoras vs. politizadas/Marxistas resultam

    em currculos 'adaptados' que possuem o material defendido nas convenes de 1979, mas no o esprito ou a discusso

    madura de seus contedos. Linhas tericas de explicao e anlise da realidade material, o Positivismo, a

    Fenomenologia e a Dialtica, so encaixados modularmente como estruturas para aplicao interventiva, ou seja,

    indivduos, grupos e o coletivo. Isto representa o resqucio/resistncia da herana tecnicista profissional do perodo

    anterior (Netto, 1996).

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    Nos anos 90 h um adensamento das reflexes marxistas em geral. As novas diretrizes curriculares so

    adotadas atravs do entendimento aps o perodo de "fora" expressado pela insero das novas diretrizes. Pesquisas e

    congressos so realizados para avaliar o andamento e qualidade dos novos currculos, realizando ajustes e capacitando

    profissionais. Este um processo que ainda se encontra em andamento e caracteriza a profisso do servio social como

    uma que necessita de mudanas e adaptaes em uma velocidade talvez to rpida quanto as de seu suposto objeto: as

    expresses da Questo Social (Faleiros, 2000; Iamamoto, 1998).

    Agora apresenta-se outro ponto derivado desta discusso histrica. Atravs da histria do capitalismo

    apresentamos a diviso social do trabalho como uma das maneiras que o capitalismo encontra de continuar a apropriar-

    se do valor e capacidades da fora de trabalho e de se adaptar para desta maneira sobreviver a suas contnuas crises.

    Estas adaptaes se refletem nas metamorfoses da Questo Social. Nossa anlise abordar estas questes com um pouco

    mais de detalhamento e apresentaremos posteriormente como ocorre a incorporao dos espaos da vida cotidiana ao

    mundo mercantilizado do capitalismo e sua transformao em valores de troca, passveis de absoro.

    As necessidades de cuidados para com as populao fragmentadas em diversos setores produtivos e com foco

    no mercado cria outros servios, dos quais o servio social, como parte deste setor, surge em resposta as demandas de

    expanso do capitalismo em aliana com a problemtica de controle da fora de trabalho. Este debate se ainda pontua a

    questo da qualificao profissional e reflete outros espaos sociais, como a questo de gnero e a entrada das mulheres

    no mercado de trabalho, que demonstram expressividade justamente no setor de servios com resultantes reflexos na

    rea dos servios sociais. O surgimento da categoria como caracteristicamente feminina contem motivaes que so

    comuns a todo o setor de servios e no apenas ao servio social.

    A guisa de concluso ressalta-se a importncia destas compreenses para a atuao concreta dos assistentes

    sociais. O entendimento da realidade material onde o capitalismo e suas corporaes, assim como o Estado, representam

    o espao de atuao dos assistentes sociais um requisito para uma interveno capaz, que no d respostas incuas as

    questes colocadas no fazer e sim trabalhem para solues de longo prazo e relevncia na transformao social.

    Capitalismo e a Diviso Social do Trabalho: Marx

    Para Marx, o trabalho humano nico e diferenciado das aes animais em seu trato com a natureza. Quando o

    homem transforma a natureza em busca de novas utilidades, ele o faz de forma consciente e com uma idia

    anteriormente elaborada em mente. Existe um propsito anterior a ao. Sobre este propsito e dentro dos limites

  • 5

    impostos pelas condies materiais prvias, o homem capaz de realizar o processo de trabalho, pois o que distingue

    o pior arquiteto da melhor abelha que o arquiteto ergueu sua estrutura na imaginao antes de torn-la realidade

    (Marx, 1952: 85).

    este ato criativo que faz com que o trabalho transcenda a mera atividade instintiva. Durante sua realizao o

    homem transformado pelo trabalho, uma vez que com o produto deste o homem aprende a realizar novas aes e

    assim como percebe novas necessidades e possibilidades. O novo produto uma mudana nas condies materiais

    presentes e desta forma permite que surjam novas aes e propsitos que anteriormente no existiam ou mesmo

    possuam a possibilidade de serem imaginados. importante ressaltar que a elaborao da idia, o propsito, pode ser

    realizado por outro indivduo que no aquele que o pensou. Isto tambm inerentemente humano e implica em uma

    possibilidade de dissociao entre concepo e execuo do processo de trabalho realizado (Braverman, 1974), esta

    questo ser aprofundada mais adiante.

    A fora de trabalho uma propriedade humana e ela no deve ser confundida com as outras foras produtivas

    ou fatores de produo, os meios utilizados pela humanidade para a realizao de seu trabalho. Braverman (1974)

    explica estas questes em Marx como a base da relao capitalista de produo: a fora de trabalho vendida para um

    empregador que possui os meios de produo. Isto implica em trs fatores anteriores: a separao da fora de trabalho

    dos meios de produo, a liberdade dos trabalhadores para vender sua fora de trabalho e o por ltimo o desejo do

    empregador de utilizar este trabalho para gerar uma expanso do seu valor que possa ser apropriada por ele; o capital.

    O processo de trabalho comea, portanto, como um contrato ou acordo que estabelece as condies de venda da fora

    de trabalho pelo trabalhador e sua compra pelo empregador (Braverman, 1974: 55).

    O surgimento do capitalismo se deu como um processo histrico onde os trabalhadores foram expropriados dos

    meios de produo e se encontram em um momento onde tudo que possuem para negociar sua fora de trabalho.

    importante ressaltar duas outras categorias de Marx neste momento: valor de uso e valor de troca. Qualquer objeto til

    a algum e possui um valor de uso, j que a utilidade de uma coisa que a torna um valor de uso (Marx, 1952: 13).

    Estes mesmo podem possuir tambm um valor de troca, pois os seres humanos por vezes necessitam trocar os diferentes

    produtos entre si e desta maneira lhe atribuem um valor comparativo. Este valor, contudo, no fruto de abstraes e

    caprichos e sim da complexa relao entre o trabalho socialmente necessrio para obteno dos produtos envolvidos nas

    trocas, de sua quantidade e demanda (Marx, 1952).

    Ao longo da histria os diferentes produtos eram ento elaborados por diferentes indivduos e isto representa a

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    base da diviso do trabalho. Os processos de trabalho para a criao dos produtos eram responsabilidade de cada

    indivduo dentro da comunidade e muitas habilidades eram realizadas por todos para a manuteno da vida, ou seja,

    para a reproduo social do trabalho. O trabalho como fundador das relaes apropriado pelo capitalismo que d a ele

    um valor de troca, todavia, esta troca implica no capitalista comprando um valor com potencial infinito para o trabalho

    que ser concretizado pelos meios de produo que ele possuir. Braverman aponta que organizar este processo de

    trabalho em sua concretizao passa a ser a tarefa do capitalista e neste momento encontramos o rudimento da diviso

    social do trabalho, pois a concepo da empresa como um todo est sob o controle do capitalista. Todavia a realizao

    em si do trabalho ainda parte do conhecimento do trabalhador.

    Outro conceito bsico em Marx se refere a forma como se d a acumulao do capital, atravs da apropriao

    da mais-valia. A mais-valia aparece como valor excedente gerado pelo trabalhador ao longo da jornada de trabalho, este

    valor relativo ao tempo trabalhado e se refere ao momento em que o trabalhador tem seu valor de uso enquanto fora

    de trabalho utilizado por mais tempo do que o necessrio para a sua reproduo social (Marx, 1952). As formas de

    apropriao da mais-valia originalmente se limitavam apenas a extenso da jornada de trabalho, ao que se chama de

    mais-valia absoluta. Com o advento das mquinas e da diviso social do trabalho torna-se possvel produzir muito mais

    em menos tempo, este valor excedente apropriado pelo capitalista se refere a mais-valia relativa (Marx, 1952). Ambas

    estas formas de explorao da fora de trabalho sero muito importantes para nossas prximas anlises.

    Inicialmente a produo manufatureira foi apropriada pelo capitalismo e surgem os primeiros indcios da

    diviso social do trabalho. Os trabalhadores so aglomerados em cooperativas e as vantagens da utilizao em massa da

    fora de trabalho so visveis. Gastos para a construo de pequenas oficinas so substitudos por grandes sales onde

    todos trabalham, e o prprio trabalho coletivo revela que a associao entre os homens os torna mais produtivos,

    produo esta que imediatamente apropriada pelo capital.

    Em sua contnua necessidade de expanso os capitalistas passam ento a analisar o processo de trabalho

    realizado em suas oficinas, com vistas a formas de torn-lo mais eficiente. A centralizao do trabalho em um nico

    local essencial para a possibilidade do controle do processo de trabalho por parte do capitalista. Neste momento

    surgem tambm os primeiros supervisores e outros trabalhadores responsveis pela manuteno da ordem na produo,

    todavia estas formas de organizao so muito incipientes prximos ao perodo industrial que se seguiria.

    Estas primeiras formas de controlar o trabalhador utilizavam uma rigidez e disciplina enrgicas. Braverman

    ressalta que a violenta coero ao trabalhador para garantir a organizao e realizao das tarefas era de tal modo

  • 7

    generalizada que as compulses legais e uma estrutura informal de castigo no seio das fbricas foram freqentemente

    ampliadas num completo sistema social que abrangia jurisdies inteiras (Braverman, 1974: 67).

    A diviso social do trabalho ento estabelecida com vigor. Marx coloca que a diviso do trabalho natural ao

    ser humano em seu fazer e formas de associao, porm a diviso das fbricas e oficinas uma forma peculiar ao

    capitalismo moderno (Marx, 1983). As tarefas necessrias criao de um dado produto so distribudas entre os

    diversos trabalhadores para que estes, especializados em um dado fazer, sejam mais rpidos e com isto aumentem a

    produtividade. Este processo considerado perverso por Marx, pois tolhe o trabalhador da compreenso de todo o

    processo de trabalho e mecaniza suas aes.

    A eficincia deste processo ampliada pela reorganizao da fora de trabalho de maneira que no apenas a

    diviso das tarefas mas toda a organizao do processo seja maximizada em seu potencial. Se um trabalhador pode

    martelar trs placas de madeira em um minuto, enquanto a etapa seguinte realizada por outro trabalhador em apenas

    meio minuto, ento dois trabalhadores so colocados para martelar as placas, a fim de que o outro as receba na

    velocidade correspondente. Vale relembrar que a forma como este trabalhador martelava a placa ainda no colocada

    em questo e sim a mera realizao da ao.

    H uma crescente dissociao entre os processos mentais e os processos concretos na realizao do trabalho, o

    conhecimento fragmentado e simplificado. Ao trabalhador cabe saber apenas o necessrio para o bom cumprimento de

    suas tarefas. Como expe Braverman, em uma apologia a semelhante declarao de Marx, Enquanto a diviso do

    trabalho subdivide a sociedade, a diviso parcelada do trabalho subdivide o homem, e enquanto a subdiviso do

    trabalho pode fortalecer o indivduo e a espcie, a subdiviso do indivduo, quando efetuada com menosprezo das

    capacidades e necessidades humanas, um crime contra a pessoa e contra a humanidade (Braverman, 1974: 72).

    Isto percebido pelos trabalhadores que se revoltam com servios tediosos, o que no era o nico problema,

    uma vez que com a desqualificao destes indivduos em relao a suas habilidades ocorre uma queda em seu valor

    como fora de trabalho. De forma que mais vantajosa a subdiviso do processo de trabalho e seus trabalhadores para

    baratear o processo como um todo. Assim o capitalismo procura a aniquilao do saber em troca de formas especficas

    de ao que so criadas de acordo com as necessidades. As revoltas dos trabalhadores, contudo, s resultavam em

    demisses e a contratao de uma trabalhadores do campo ou alheios ao processo que quando inserido no tinham a

    conscincia quanto a realizao parcelada de suas aes (Braverman, 1974).

  • 8

    Os modos de produo advindos de Taylor durante o final do sculo XIX so expressivos da apropriao do

    conhecimento por parte do capitalismo (Braverman, 1974). Com a criao da gerncia cientfica, o prprio fazer do

    trabalhador colocado em questo e este passa a ser um a ferramenta a ser ajustada por peritos que analisam os

    movimentos necessrios realizao da tarefa de modo a treinar os trabalhadores para a forma mais eficaz de agir. Isto

    implica em uma destituio total da capacidade criativa dos seres humanos e a colocao de no apenas o processo de

    trabalho, mas todo o conhecimento referente a sua produo nas mos de uma nova categoria: os gerentes e

    administradores.

    O controle das aes dos trabalhadores para que realizassem as aes de acordo com as especificaes exige a

    presena destes empregados e dos estudiosos para avaliar as tarefas e desenvolver novos mtodos. Estas aes

    representam o marco inicial da associao entre cincia e o capitalismo, entretanto no espao administrativo e gerencial,

    mas as inovaes mecnicas tambm ocorriam com fora. Era a Revoluo Industrial que para Marx como qualquer

    outro aumento na produtividade do trabalho utilizou as mquinas para tornar mais barato o custo de produo dos bens

    e atravs da diminuio do dia de trabalho aumentar o volume de produo que destinado, sem equivalente no

    salrio, ao capitalista (Marx, 1952: 180).

    As mquinas substituem quantidades enormes de trabalhadores por poucos que as manipulam. Muitos passam

    a realizar tarefas mais simples como manuteno ou manipulao das peas. O trabalhador passa a ser considerado

    tambm como mquina, passvel de regulao e ajustes. O trabalho alienado, ou seja, a perda de significado do trabalho

    com espao de construo humana para apenas uma forma de sobrevivncia (Marx, 1983) evidenciado com clareza a

    partir da revoluo industrial. Como j explicamos, o trabalho enquanto valor de uso pode ser materialmente apropriado

    pelo capital, desta forma, a possibilidade de emprego da energia humana definida ento por Marx como trabalho

    abstrato, e esta abstrao que possibilita o clculo do valor entre as diferentes potencias para a produo, que tornam

    assim o valor do trabalho humano, quando comparado ao de mquinas e animais, ainda mais desvalorizado (Marx,

    1952).

    O desenvolvimento das indstrias e a enorme produtividade e concorrncia trouxeram uma problemtica para o

    capitalismo, na forma da desvalorizao do capital. Isto foi resolvido com o advento dos cartis e associaes, dando

    origem ao Capitalismo Monopolista. As grandes corporaes, assim como o agrupamento de trabalhadores nas oficinas,

    permite que o agrupamento do capital garanta sua expanso com muito mais impacto. Todavia isto retira a esfera

    administrativa das mos de capitalistas individuais, o que resulta na criao de setores administrativos para a circulao

    do capital, da fora de trabalho e sua mercantilizao. A publicidade, as vendas, os mercados so todos parte dos

  • 9

    escritrios onde a informao acerca do capital e mantida (Braverman, 1974).

    Com a necessidade de garantir o escoamento de sua produo e eterna expanso do capital, as atividades

    mercantis precisam atingir aspectos da vida humana que ainda no estavam sendo apropriados pelo capitalismo. A

    reproduo social ainda era garantida atravs da produo familiar de alimentos, roupas e muitos outros produtos de

    maneira que poucas mercadorias faziam parte das necessidades dos trabalhadores. A famlia era central na garantia

    dessas produes.

    A crescente desvalorizao do trabalhador aps a revoluo industrial, obriga muitas famlias a colocar todos

    seus membros para participar do processo produtivo em alguma escala. O capital trata ento de fornecer os produtos

    produzidos familiarmente a preos muito mais baixos mudando o foco de consumo das famlias para o mercado. A

    famlia agora no mais uma forma de organizao social que pudesse responder a todas as necessidades e o mercado

    passa a cumprir esta funo (Marx, 1952).

    A industrializao de alimentos e outros utenslios domsticos elementares apenas o primeiro passo num

    processo que de fato leva dependncia de toda a vida social, e de fato a todas as inter-relaes da humanidade para

    como o mercado (Braverman, 1974: 235). O mercado transforma as relaes humanas em mercadorias passveis de

    consumo. A idia de se produzir as prprias necessidades desvalorizada socialmente em relao capacidade de

    consumir os produtos oferecidos no mercado. Todas as esferas de ao humana so apropriadas, sade, segurana e

    mesmo lazer. Quando alguma nova forma de atuao procura negar o capital ela logo cooptada.

    O enfraquecimento da famlia e das comunidades implicam em uma atuao mais forte por parte do Estado,

    instituio reguladora das relaes sociais e de garantia do status quo. Indivduos e situaes problemas que no se

    adaptem a nova dinmica capitalista so alocados nos novos servios como prises, manicmios ou em escolas. Estas

    instituies no perdem seu espao dentro da lgica capitalista pois seu funcionamento e manuteno se transformam

    em mais um tipo de valor a ser apropriado pelo capital.

    Estas aes representam os servios como prxima apropriao por parte do capital. O trabalho domstico, que

    no produzia valor algum convertido em uma empresa de limpeza que possibilita a criao de mais-valia. Alm disto

    novas necessidades e servios so criados para responder a demandas da vida capitalista. Qualquer tipo de necessidade

    pode encontrar uma resposta fcil atravs do mercado o que representa o carter totalmente mercantilizado do trabalho

    (Braverman, 1974). Existe em contrapartida um enfraquecimento do setor fabril neste perodo, e a metade do sculo XX

  • 10

    anuncia um aumento enorme do setor de servios juntamente com os administrativos.

    interessante apontar para um recorte de gnero nesta questo: as mulheres so os principais trabalhadores dos

    novos setores de servios e escriturrios representando justamente uma absoro por parte do mercado desta mo-de-

    obra que no se encontrava alocada a servio dele. Juntamente com os movimentos feministas em crescente expanso,

    estes novos espaos de trabalho so preenchidos em uma velocidade surpreendente. Isto acaba por imprimir nestas

    profisses uma caracterstica como profisses femininas, algo que s recentemente vem sendo desconstrudo como um

    resultado da ao das foras produtivas. O servio social um exemplo deste envolvimento em massa das mulheres no

    mundo do trabalho. Os servios e trabalhos burocrticos (mais tarde) so caracterizados como profisses de baixa renda

    e pouco valorizadas, cuja natureza seria temporria e sem necessidade de qualificaes, o que justificaria os baixos

    salrios, alm dos preconceitos contra sua fora de trabalho principal, as mulheres.

    A interveno do Estado nas relaes comerciais, cuja representao mxima foram os Estados de Bem-Estar

    Social, um resultado da dinmica do Capitalismo Monopolista que tende a gerar um enorme excedente econmico

    incapaz de ser absorvido. O processo de globalizao e a internacionalizao do capital tambm aceleram este processo

    na medida em que os agrupamentos possveis criam uma necessidade de circulao do capital que originalmente

    respondida em suas necessidades pelas guerras (Braverman, 1974). O crescimento e centralidade dos meios urbanos

    como nova face da sociedade ocorrem junto com processos de empobrecimento e crescimento da misria e violncia

    que so esperados junto ao desenvolvimento do capital (Marx, ).

    Todas estas articulaes colocam sobre o Estado uma grande responsabilidade para com o capital, de maneira

    que possa garantir sua continuidade e tambm a reproduo social. O setor de servios estatais para sanar as

    dificuldades sociais apresenta um crescimento expressivo e justamente aqui que aparece o servio social. Vamos,

    porm, definir com mais propriedade o que entendemos por servios. Marx (1983) define servios como o efeito til

    de um valor de uso, seja ele mercadoria ou trabalho. Desta forma o servio no possui inicialmente nenhuma conexo

    com a criao de valor de troca ou mais-valia. O servio constitui a utilizao da fora de trabalho para efeitos que no

    produzem transformaes sobre a natureza, no produzem materiais novos a partir da natureza. Mas os servios acabam

    por serem alocados dinmica capitalista. Uma vez que a venda da ao til de um trabalho improdutivo no cria um

    objeto tangvel, Braverman (1974) afirma que os prprios efeitos dos servios transformam-se nas mercadorias.

    Aqui cabe explicitar as definies de trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Por trabalho produtivo Marx

    entende todo trabalho que pode criar uma mercadoria para o capitalista, enquanto o trabalho improdutivo no consegue

  • 11

    criar um valor excedente em si. Braverman (1974) explica que o trabalho improdutivo uma das formas do capitalista

    apreender o valor excedente produzido. Isto se d pela prpria relao entre os capitais. Atravs dos servios que o

    valor excedente utilizado para, por exemplo, o conforto do capitalista, como uma forma de devolver ao ciclo do

    capital o lucro obtido. Mas se o retorno deste lucro pode ser apropriado por outro capitalista, ento temos um setor de

    servios, um trabalho improdutivo de acordo com a definio, mas que est tornando possvel a apropriao do lucro.

    Por exemplo, uma empregada domstica recebe seu pagamento. O ciclo do capital acaba neste ponto, o lucro

    obtido pelo capitalista que a contratou devolvido a ela para garantir sua sobrevivncia, e no d ao capital como um

    todo nenhum retorno. Todavia se ela faz parte de uma empresa, talvez em troca de certas garantias trabalhistas, ou, por

    exigncias da empresa, pode realizar um servio sobre o qual a empresa absorva um excedente sobre o gasto que teve

    com a empregada, mesmo sem ela produzir nada material, seja porque limpou mais casas do que necessitaria para sua

    manuteno no dia, ou porque a empresa cobra do consumidor mais do que retornaria empregada. Esta produtividade

    do trabalho improdutivo um efeito que Braverman (1974) aponta como caracterstico dos tempos contemporneos; o

    trabalho improdutivo se confunde com o produtivo.

    O aumento dos setores burocrticos e de servios significa um aumento do trabalho improdutivo. Braverman

    observa nisto uma articulao onde todas as formas de trabalho passam a servir ao capital, todos os processos de

    trabalho so considerados igualmente teis inclusive aqueles que produzem, concretizam ou desviam o excedente. As

    formas de trabalho produtivo e improdutivo so confundidas, nas firmas individuais e na Economia como uma todo, em

    igual nvel.

    Enquanto Marx, em seu tempo, considerava que ser um trabalhador produtivo uma desgraa, agora todo

    tipo de trabalho assalariado significa uma contribuio para a lgica do capital, uma vez que o trabalho improdutivo se

    revela mais interessante para a situao contempornea por absorver o imenso valor excedente gerado e no alocado

    pelo capital. importante ressaltar que a trabalho produtivo, atualmente, considerado atravs do trabalhador enquanto

    sujeito coletivo. O trabalhador individual, devido a diviso social do trabalho, no mais possui valor como trabalho

    produtivo porque no gera sozinho nenhum produto. Os trabalhadores improdutivos, por sua vez, se tornam uma

    categoria to expressiva quando os operrios, sujeitos assim a todas as problemticas e formas de controle e cooptao

    do trabalho produtivo (Braverman, 1974).

    Assim o trabalho produtivo decresce devido a sua produtividade exacerbada que o torna desnecessrios e

    resulta em um aumento do trabalho improdutivo para captar esses excedentes, mas enquanto massa de trabalhadores,

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    figuram indistintos para o capital (Braverman, 1974). Mandel (1995), no que define como capitalismo tardio, ressalta o

    crescimento dos servios neste espao como um reflexo da centralizao do capital, que na necessidade econmica de

    circulao e devido a seu enorme volume, apreende as formas de escoamento e reabsoro do capital excedente.

    interessante pontuar a observao de Costa (in Motta, 1998) que observa a concluso semelhante na relao trabalho

    produtivo/improdutivo a que tanto Mandel quanto Braverman aportam.

    A colocao de Almeida (1998) de que a acumulao flexvel, ao passo que possibilitou a combinao das

    diversas foras de produo, tambm criou as condies ideopolticas para a contestao da categoria trabalho no exame

    das sociedades contemporneas revela seu entendimento quanto as conseqncias desta apropriao, por parte do

    capital, de todas as formas de trabalho, e sua possvel alienao. Uma vez que todos os tipos de trabalho estejam a

    servio do capital, o trabalho ontologicamente, enquanto criador da sociedade e de sentido para os seres humanos

    poderia deixar de s-lo? Esta afirmao foi contestada por muitos autores contemporneos e o trabalho, por sua prpria

    natureza, no perde seu carter fundador e central nas relaes sociais, pois apenas atravs de mudanas em sua

    organizao que se pode procurar alternativas para o capitalismo. No possvel ignorar as bases materiais como

    parte do processo de criao de conscincia e logo de embate ao modo de produo capitalista (Marx, 1983). A partir

    deste embate que introduzimos o papel do servio social.

    Servio Social e Servios

    Almeida (1998) em uma anlise do servio social, e utilizando a contribuio de Braverman, ressalta que as

    relaes do setor de servios no capitalismo so fundamentais para a compreenso do trabalho do servio social

    historicamente e de sua posio concreta no capitalismo. Almeida expe que uma vez que os servios no capitalismo

    so um resultado direto de suas dinmicas de apropriao do valor excedente, o processo de trabalho de assistentes

    sociais deve ser observado sobre esta luz, que coloca importantes questionamentos. Como a interveno de assistentes

    sociais contribui nesta realocao do valor excedente? Como os assistentes sociais podem intervir para que esta

    realocao possua um carter distributivo da riqueza socialmente produzida? No seria esta ltima pergunta um forte

    lao com a problemtica de seu oposto, a questo social e os reflexos das desigualdades e injustias no sistema

    capitalista?

    Ao observar o servio social dentro da perspectiva do setor de servios, sua interveno e pluralidade de

    funes respondem assim a muitas das problemticas do capitalismo contemporneo de maneira que seus efeitos

    resultam em uma reapropriao por parte do capital de um valor excedente produzido socialmente. Este valor ser

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    apropriado pelos empregadores dos servios sociais. Todavia, diferente dos outros servios, o servio social trabalha

    diretamente com os trabalhadores cujo valor excedente foi retirado e seu trabalho envolve a soluo dos problemas

    decorrentes desta lgica, dando-lhe possibilidades que no so to imediatas aos outros. Deve-se analisar ento como

    isto se reflete nos espaos institucionais.

    Costa acredita que o movimento que observamos reflete uma incorporao crescente da lgica e da

    racionalidade da produo capitalista na prestao de servios (in Motta 1998:110). Ocorre uma articulao entre a

    garantia da reproduo social e as necessidades de acumulao do capital. Baseada em Mandel (1995), Costa expe as

    conseqncias perceptveis destas articulaes, resultando na desestruturao das famlias como forma de organizao,

    na apropriao do lazer e da cultura pelo capital e de uma generalizada economizao da esfera privada e de vrias

    formas de agir correntes.

    As elaboraes acima esclarecem o aumento da nmero de assistentes sociais em empresas ou como

    profissionais liberais atuando em servios de consultoria, um reflexo do entendimento destas esferas do mercado quanto

    a importncia deste profissional para a manuteno da lgica capitalista e recuperao do valor excedente. Isto ainda

    torna compreensvel porque tradicionalmente as demandas pelos servios sociais tenham sido impostas sobre a

    populao e no advindo das mesmas, pois so uma resposta as necessidades do capital em resgatar seus investimentos

    em pontos especficos e no nos interesses das populaes.

    Por outro lado o Estado ainda constitui o maior empregador dos assistentes sociais, os posicionando nas mais

    diversas reas, em respostas as demandas que deseja resolver ou lhe so postas pelos movimentos sociais. No Estado o

    servio social encontra um espao onde o valor excedente que restitui pode ser alocado por ele em prol da sociedade e

    no do capital. Assim, o trabalho de assistentes sociais constitui um espao onde as necessidades dos trabalhadores

    devem ser negociadas com as necessidades do capital dentro da arena de polticas pblicas.

    O setor privado representa um novo espao de atuao, e no pode ser ignorado em seu potencial. Uma vez que

    o assistente social ao realizar seu servio contribui para a realocao do valor excedente, possvel que ele possa atuar

    de forma a procurar desenvolver maneiras onde este valor excedente encontre tambm um espao que abranja o

    trabalhador. Mas estas afirmaes levantam uma pergunta: nessas mediaes seria possvel uma aliana re-distributiva

    do valor excedente entre trabalhadores e capitalista? Acreditamos que a resposta no, pois antes de tudo este valor foi

    criado sobre a explorao dos trabalhadores. Alm disto sobre a lgica capitalista a prpria existncia do valor

    excedente j implica em um crescimento proporcional ao capital de um exrcito de reserva, com decorrente misria e

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    desemprego.

    Concluso

    De maneira que, uma vez percebida esta posio especial que os assistentes sociais possuem, seu conhecimento

    acerca da realidade em que atuam a nica forma de garantirem uma interveno que faa uso deste valor excedente

    que estar sendo resgatado em razo de compromissos ticos com uma sociedade mais justa. Isto no significa apenas

    servios de qualidade que respondam a demandas imediatas ou colocadas unilateralmente, mas sim uma capacidade de

    procurar entender o usurio como um sujeito que reage tambm as expresses da questo social.

    A conscincia do trabalhador leva a expanso dos direitos e os direitos so a forma legal imediata de

    reapropriao sobre a explorao capitalista. Quando o servio social adquire o entendimento da dimenso poltica onde

    se est atuando, as foras que esto em confronto, e, por fim, onde este valor excedente em embate se encontra, este

    pode ser distribudo ou realocado. Compreender a reflexividade dos sujeitos que so objetos da interveno implica em

    entender que possuem a capacidade de observar as demandas impostas/colocadas e, atravs de uma nova conscincia,

    voltarem para o sujeito e a partir dele darem um retorno ao assistente social durante sua interveno, possibilitando uma

    atuao efetiva e que responda concretamente as demandas postas.

    Outro problema imediato esta em at que ponto os servios que no interessam so abandonados ou

    reorganizados pelo capital. Uma vez que a postura aqui proposta pode implicar em um tipo de servio social que no

    responda as demandas do capital, utilizaria este de mecanismos para absorver estas novas formas de ao, talvez atravs

    de servios burocrticos intermedirios que anulassem o saber do servios social colocando em seu lugar tcnicos? Esta

    deciso depende da capacidade dos assistentes sociais em perceberem estas movimentaes do capital e agirem de

    acordo, se organizando e lutando pelos seus direitos enquanto trabalhadores.

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