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1 O serviço de acolhimento no município de Jaguaruna: uma política pública de proteção à criança e ao adolescente PIERINI, Alexandre José 1 PINHEIRO, Vera Rejane Ferreira 2 Eixo Temático: Políticas Públicas da Criança e do Adolescente Resumo O presente trabalho teve como objetivo pesquisar os serviços de acolhimento no município de Jaguaruna no período entre 2000 e 2014. A análise visava avaliar se os serviços oferecidos se constituíam em política pública de proteção à criança e ao adolescente, uma vez que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina moveu uma ação civil pública contra o município exigindo o cumprimento da legislação vigente. Como metodologia foram investigados os documentos da Secretaria da Família, Assistência e Promoção social: ofícios, laudos oficiais organizados pelas Assistentes Sociais, perícias sociais forenses e análise de casos. Percebeu-se que a partir de 2012, houve uma importante inovação com a realização das audiências concentradas e reunião de todos os agentes envolvidos com a situação de acolhimento – juiz, promotor, servidores do município, conselheiros, dentre outros e isso representou um novo avanço no sentido de agilização das ações a serem executadas, visando o retorno mais imediato de crianças/adolescentes acolhidos à família ou o seu encaminhamento para a família substituta. É importante ressaltar que a condição socioeconômica contribui para os problemas estruturais e de sua composição, uma vez que os usuários dos serviços de acolhimento no município são, em maioria, oriundos de família mais pobres. Há no município uma preocupação de todos os envolvidos para que haja mais investimento na família, visando o retorno de suas crianças/adolescentes. Nesse contexto, é possível afirmar que o serviço de acolhimento à disposição dos usuários no município de Jaguaruna (nas modalidades institucional e família acolhedora), constitui-se, sim, em uma política pública de proteção à criança e ao adolescente. Palavras-Chave: Acolhimento; Políticas públicas; Criança e adolescente; Família Introdução O presente trabalho foi concebido para servir de embasamento a análises e discussões futuras acerca do acolhimento decorrente de decisão judicial e o respectivo encaminhamento de criança/adolescente a uma das modalidades de acolhimento existentes no município de Jaguaruna, como medida protetiva, de acordo com a previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 1 Universidade de Araraquara. Doutorando em Desenvolvimento Territorial e Meio ambiente. Email: [email protected] 2 Universidade de Araraquara. Especialista em Políticas Públicas da Criança e do Adolescente. Email: [email protected]

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O serviço de acolhimento no município de Jaguaruna: uma política pública de proteção à criança e ao adolescente

PIERINI, Alexandre José1

PINHEIRO, Vera Rejane Ferreira2

Eixo Temático: Políticas Públicas da Criança e do Adolescente

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo pesquisar os serviços de acolhimento no município de Jaguaruna no período entre 2000 e 2014. A análise visava avaliar se os serviços oferecidos se constituíam em política pública de proteção à criança e ao adolescente, uma vez que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina moveu uma ação civil pública contra o município exigindo o cumprimento da legislação vigente. Como metodologia foram investigados os documentos da Secretaria da Família, Assistência e Promoção social: ofícios, laudos oficiais organizados pelas Assistentes Sociais, perícias sociais forenses e análise de casos. Percebeu-se que a partir de 2012, houve uma importante inovação com a realização das audiências concentradas e reunião de todos os agentes envolvidos com a situação de acolhimento – juiz, promotor, servidores do município, conselheiros, dentre outros e isso representou um novo avanço no sentido de agilização das ações a serem executadas, visando o retorno mais imediato de crianças/adolescentes acolhidos à família ou o seu encaminhamento para a família substituta. É importante ressaltar que a condição socioeconômica contribui para os problemas estruturais e de sua composição, uma vez que os usuários dos serviços de acolhimento no município são, em maioria, oriundos de família mais pobres. Há no município uma preocupação de todos os envolvidos para que haja mais investimento na família, visando o retorno de suas crianças/adolescentes. Nesse contexto, é possível afirmar que o serviço de acolhimento à disposição dos usuários no município de Jaguaruna (nas modalidades institucional e família acolhedora), constitui-se, sim, em uma política pública de proteção à criança e ao adolescente.

Palavras-Chave: Acolhimento; Políticas públicas; Criança e adolescente; Família

Introdução

O presente trabalho foi concebido para servir de embasamento a análises e discussões

futuras acerca do acolhimento decorrente de decisão judicial e o respectivo encaminhamento

de criança/adolescente a uma das modalidades de acolhimento existentes no município de

Jaguaruna, como medida protetiva, de acordo com a previsão no Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA).

1 Universidade de Araraquara. Doutorando em Desenvolvimento Territorial e Meio ambiente. Email: [email protected] 2 Universidade de Araraquara. Especialista em Políticas Públicas da Criança e do Adolescente. Email: [email protected]

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Em razão da previsão legal da Constituição Federal de 1988 e do ECA, baseado nos

princípios da proteção integral e da dignidade da pessoa humana, a garantia do exercício dos

direitos de crianças e adolescentes deve ser pautado pela preferência pela convivência familiar

e comunitário, no seio da família biológica (com pais ou família extensa), com quem

detenham laços de afetividade e afinidade.

Com essa perspectiva, a CF previu, em seu art. 226, §8º, que o Estado deve dar

proteção especial à família, criando mecanismos para coibir a violência nas relações

familiares. Não sendo possível a permanência de crianças e adolescentes em sua família

biológica ou com responsável, como medida excepcional, cabe ao Poder Judiciário intervir,

determinando-se o acolhimento como medida de proteção infantojuvenil.

O objetivo deste trabalho é verificar se os serviços de acolhimento disponíveis no

município de Jaguaruna se constituem em uma política pública de proteção à criança e

adolescente, conforme previsão legal. Embora o processo de instalação dos serviços tenha

sido lenta e burocrática, nos últimos 4 (quatro) anos, seu processo de evolução é evidente. A

normatização editada nos últimos 10 (dez) anos permitiu, também, que essa evolução se desse

no sentido que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza.

Desenvolvimento

O acolhimento de criança e adolescente é uma medida drástica, de caráter excepcional

e provisório, indicado para os casos em que é inviável a convivência com a família de origem

e não há possibilidade em termos de colocação junto à família extensa ou a outras pessoas

com quem haja laços de afinidade e afetividade com o infante ou jovem. Nesses casos, a

iniciativa do acolhimento pode ocorrer através de decisão judicial, em situações em que foram

feitas diligências que comprovam essa medida como mais adequada ou por ação do Conselho

Tutelar quando se verificar situação de risco e/ou vulnerabilidade. Em relação ao acolhimento

emergencial realizado pelo Conselho Tutelar, o ECA estabelece o prazo de 24 (vinte e quatro)

horas para que a Entidade que acolheu faça o devido comunicado à autoridade judicial

competente

Art. 93 As entidades que mantenham programa de acolhimento institucional poderão, em caráter excepcional e de urgência, acolher crianças e adolescentes sem a prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do fato em até 24 (horas) horas ao Juiz da Infância e da Juventude, sob pena de responsabilidade (LAMENZA, 2012, p. 149-150).

O art. 2º do ECA prevê que criança é a pessoa que tem até 12 (doze) anos incompletos

e adolescente, aquela que tem entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos.

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Baseado no relatório fornecido, onde constem as razões que motivaram a ação, o juiz

pode decidir pela manutenção ou não do acolhimento, conforme previsão do parágrafo único

do referido artigo

Parágrafo único. Recebida a comunicação, a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público e se necessário com o apoio do Conselho Tutelar local, tomará as medidas necessárias para promover a imediata reintegração familiar da criança ou do adolescente ou, se por qualquer razão não for isso possível ou recomendável, para seu encaminhamento a programa de acolhimento familiar, institucional ou a família substituta, observado o disposto do § 2º do art. 101 desta Lei (LAMENZA, 2012, p. 150).

A exiguidade do prazo trazido pela nova redação do artigo e parágrafo único da Lei

12.010, de 03 de agosto de 2009, impõe que se acelere a análise da situação, sendo necessário,

por vezes, o acionamento do juiz de plantão da Comarca para que se manifeste. Procura-se

evitar, com tal medida, o desnecessário afastamento do convívio familiar. Quanto à

terminologia, tanto dessa segregação quanto de outras denominações decorrentes da

implementação de políticas que atendam os objetivos protetivos previstos pelo ECA, foi

evoluindo no decorrer do tempo, conforme foram sendo produzidos novos textos legais e

correlatos. Segundo ELAGE et al. (2011, p. 10), anteriormente ao Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA),

...os termos utilizados para definir os serviços de acolhimento eram “orfanato” e “internato”; a partir do ECA, passou-se a utilizar o termo “abrigo”; e, a partir do documento Orientações Técnicas, a expressão “serviços de acolhimento” passa a se referir às quatro modalidades propostas: Abrigo Institucional, Casa Lar, República e Família Acolhedora.

Antes da promulgação da Constituição de 1988, vigorava a Doutrina da Situação

Irregular em que a criança era vista como mero objeto. O vocábulo“menor” era empregado

como referência a crianças pobres e abandonadas, além daquelas consideradas antissociais

(autoras do que se denominou mais tarde de ato infracional).

O objetivo da internação era o controle social e a repressão aos comportamentos

“deliquenciais”. As instituições comumente eram grandes orfanatos, no modelo de

instituições fechadas (chamadas totais2), assim como os manicômios, as prisões e conventos.

As atividades sociais eram internas, incluindo-se a educação, saúde e lazer, com esporádicas

experiências de convivência familiar e comunitária.

No Brasil, o pontapé inicial para uma mudança de paradigma no trato das questões

atinentes à infância e juventude foi a Constituição Federal de 1988:

O olhar multidisciplinar e intersetorial iluminou a complexidade e multiplicidade dos vínculos familiares. O coroamento destas mudanças

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aconteceu com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993 e com a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança em 1990, provocando rupturas em relação às concepções e práticas assistencialistas e institucionalizantes. (Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, 2006, p. 16).

Atores sociais do chamado Sistema de Garantia dos Direitos passaram a conhecer e

reconhecer que tais direitos só seriam garantidos com a interação de todas as políticas sociais,

evidenciando a família como centro e promovendo-lhe o acesso aos serviços de saúde,

educação e geração de emprego e renda, dentre outros.

Os artigos 227 e 228 da Constituição Federal postulam a tutela dos direitos

fundamentais no sentido de garantir a crianças e adolescentes as condições para o seu regular

desenvolvimento. Segundo LAMENZA (2012, p. 2), “para o legislador, não basta que o

atendimento estatal nessa área seja pautado pelo respeito às políticas públicas de uma forma

mínima”. As ações definidas pelo texto constitucional, segundo o autor, devem ser “positivas,

amplas e irrestritas” e “de modo que não se excluam quaisquer gestos tendentes a assegurar

seus direitos fundamentais”.

O dispositivo legal constitucional referido dispõe a família, a sociedade e o Estado, em

regime de cooperação, como responsáveis pela garantia dos direitos infantojuvenis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Vade Mecum compacto, 2012, p. 72).

Após a promulgação do ECA, visando ao aperfeiçoamento dos princípios nele

preconizados, como dito anteriormente, foram instituídos outros marcos legais, dentre os

quais o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Em termos de política pública, esse

desafio refletiu a decisão do Poder Público Federal de concretizar o objetivo da Constituição

Federal (CF) de 1988: a criança3 como prioridade absoluta.

No documento, reforçam-se os preceitos da não discriminação, do interesse superior

da criança, os direitos ao pleno desenvolvimento e o respeito à opinião da criança. A

convivência familiar e comunitária é reconhecida como a forma ideal de proporcionar o

desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, e coloca o Estado e a família como

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corresponsáveis por essa tarefa. Com isso, incentiva os programas de auxílio e proteção à

família.

Nesse processo legal evolutivo, é perceptível a intenção de compreender a infância e a

juventude sob a ótica de que a criança e o adolescente são sujeitos de direito:

A palavra sujeito traduz a concepção de criança e adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias, que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo participar das decisões que lhes digam respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento (Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, 2006, p. 28).

O próprio Plano prevê o desafio de transformar, não apenas fisicamente, mas

subjetivamente, o significado do acolhimento como política pública de proteção, exigindo-se

o reordenamento institucional:

O reordenamento institucional se constitui em um novo paradigma na política social que deve ser incorporado por toda a rede de atendimento do país. Reordenar o atendimento significa reorientar as redes públicas e privadas que, historicamente, praticaram o regime de abrigamento, para se alinharem à mudança de paradigma proposto. Este novo paradigma elege a família como a unidade básica da ação social e não mais concebe a criança e o adolescente isolados de seu contexto familiar e comunitário (Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, 2006, p. 67).

Foi, então, a partir da edição do documento Orientações Técnicas, em 18 de junho de

2009, que a nível nacional viu-se regulamentada a organização e oferta dos Serviços de

Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Especificando parâmetros e orientações de

funcionamento, serviu como um norte, ao indicar procedimentos técnicos fundamentais que

poderiam conduzir à profissionalização desse serviço.

A Casa Lar foi o primeiro serviço de acolhimento a ser instalado na Comarca de

Jaguaruna, com sede no município de Jaguaruna, mas com intuito de atender, também, os

demais municípios comarcais: Sangão e Treze de Maio.

A última atualização do projeto Casa Lar de Jaguaruna foi realizada em 2012. O

documento informa, em sua p. 4, que o serviço “tem sido prestado com quatro cuidadores em

sistema de rodízio em grupo de dois cuidadores por período de 24h”. Prevê, ainda, o

atendimento preferencial a grupo de irmãos e a crianças/adolescentes com perspectiva de

acolhimento de média ou longa duração. Quanto ao Consórcio intermunicipal que viabiliza o

projeto, menciona apenas os municípios de Jaguaruna e Sangão. A saída do município de

Treze de Maio, muito provavelmente, deveu-se ao fato de nunca ter havido acolhimento de

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criança/adolescente oriundos daquele município. Como este programa é consideravelmente

oneroso para o município, embora não tenha obtido confirmação oficial, é possível deduzir

que esse fato, por si só, tenha colaborado com o desligamento do município de Treze de Maio

do consórcio. A propósito desse consórcio, que se baseia em quesitos financeiros, esta

pesquisadora tem confirmação de que, atualmente, nem o município de Sangão participa do

CIACA. Informações extraoficiais dão conta da existência de dívidas desse município em

razão de acolhimento(s) realizado(s) em ano anterior a 2013, o que levou o município de

Jaguaruna a romper com a parceria. Na justificativa do projeto, merece destaque a constatação

de que as crianças e adolescentes em Serviço de Acolhimento Institucional são vítimas da

miséria social, que envolve como principais vulnerabilidades – a violência, negligência,

maus-tratos por seus pais e/ou responsáveis, sendo muitas vezes necessário o afastamento

temporário do convívio familiar. As vulnerabilidades das famílias encontram-se diretamente

associadas em sua maioria à pobreza, ignorância, fragilização de laços familiares e ao perfil

de distribuição de renda, sendo no município, esses os principais motivos de acolhimento

institucional [...] (Prefeitura Municipal de Jaguaruna Programa do Serviço de acolhimento

institucional Casa Lar, 2012, p. 6).

Nesse sentido, existem estudos bastante consistentes que apontam a pobreza, ainda,

como o principal motivo que leva à falta de cumprimento dos deveres dos pais. Na Comarca

de Jaguaruna percebe-se exatamente isso. Se não são encaminhadas ou, se encaminhadas e

não eficientemente atendidas as famílias nos serviços de proteção básica, com o decorrer do

tempo sua situação se agrava a ponto de levá-las à medida mais drástica que é o afastamento

do convívio de suas crianças e adolescentes. No programa, estão previstos os objetivos do

serviço assim descritos: Objetivos gerais: atender o estabelecido no Estatuto da Criança e

Adolescente; acolher e garantir proteção integral. Objetivos específicos: garantir qualidade no

atendimento do Serviço de Acolhimento Institucional Casa Lar; atender crianças e

adolescentes no Serviço de Acolhimento Institucional Casa Lar; buscar um melhor

desenvolvimento e atendimento de suas necessidades, não perdendo de vista a perspectiva de

revinculação familiar e comunitária; oportunizar as crianças e adolescentes que necessitem do

espaço protetivo a vivência de um modelo de relações que possibilite o resgate da autoestima

e a construção de um projeto de vida; promover acesso à rede socioassistencial, aos demais

órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e às demais políticas públicas setoriais;

desenvolver com os adolescentes, condições para a independência e o autocuidado; preservar

vínculos com a família de origem, salvo determinação judicial em contrário. (Prefeitura

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Municipal de Jaguaruna, Programa do Serviço de acolhimento institucional Casa Lar, 2012, p.

8).

O público alvo do programa são crianças e adolescentes de zero a dezoito anos sob

medida protetiva de acolhimento. A capacidade de atendimento é de dez usuários e o período

de funcionamento é ininterrupto. Na descrição da metodologia consta que a Casa Lar é uma

unidade residencial em que os usuários são atendidos por um cuidador social, em espaço

habitacional, “com rotinas e características e uma unidade familiar”. Quanto à infraestrutura,

o programa está instalado em um imóvel locado pela prefeitura em um bairro residencial no

centro da cidade. Houve mudança de endereço após a posse da nova administração. Com isso,

foram necessárias várias pequenas “reformas” para que a unidade apresentasse condições

mais adequadas ao serviço. O Serviço segue um fluxograma adequado à legislação vigente.

Os usuários são encaminhados ao programa pelo Conselho Tutelar ou pelo Poder Judiciário e

os acolhidos na Casa Lar são recepcionados pelos cuidadores sociais que comunicam os

técnicos de referência do serviço (psicólogo e assistente social) que fazem os devidos

atendimentos através de entrevistas e encaminhamentos. Os acompanhamentos são realizados

conforme necessidade de cada caso, com a família de origem, família extensa ou conforme

solicitação judicial. Todos os acompanhamentos são relatados ao poder judiciário para melhor

resolutividade de cada situação. (Prefeitura Municipal de Jaguaruna, Programa do Serviço de

acolhimento institucional Casa Lar 2012, p. 11).

Nesse sentido, uma inovação ocorrida em agosto de 2012 veio corroborar a

necessidade de trabalho em rede para garantir que o acolhimento seja o mais breve possível.

Trata-se da realização de Audiências Concentradas na Comarca, cujo tema é tratado neste

trabalho no subcapítulo 3.4 “A inovação das Audiências Concentradas”. A partir daquela data,

passou-se a realizar, mensalmente, audiências com a participação do Juiz, Promotor de

Justiça, Assistente Social Forense, Oficiala da Infância e Juventude, equipe técnica do serviço

de acolhimento (Psicóloga e Assistente Social do município), além de outros agentes que, de

acordo com o caso a ser analisado na audiência, pudessem colaborara solução do caso em

análise, visando abreviar o acolhimento. O constante acompanhamento do programa pela

equipe técnica trabalha as relações interpessoais do grupo (adultos, crianças/adolescentes) e

situações individuais apresentadas por eles. Além disso, as atividades escolares e comunitárias

também são acompanhadas pela referida equipe, composta por uma psicóloga e uma

assistente social, como já mencionado. Também são atribuições da equipe propiciar e

acompanhar aproximações e revinculação familiar. Quanto à avaliação do serviço, o programa

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prevê o monitoramento da “eficiência, eficácia e efetividade, apontando os indicadores quali-

quantitativos” (Programa Casa Lar, 2012, p. 13). Essa avaliação é realizada de forma contínua

pela equipe multidisciplinar, em conjunto com os cuidadores sociais, os acolhidos e, quando

possível, com seus familiares. Os instrumentos utilizados são as reuniões, os questionários,

conversas informais cotidianas, dentre outros. Para uma avaliação efetiva, são observados os

seguintes aspectos: Criança e Adolescente; Tempo de permanência na Casa Lar;

Relacionamento no grupo familiar; Desenvolvimento de hábitos saudáveis, compatíveis com

sua idade; Adaptação na escola e bom desempenho escolar, contemplando os vários aspectos

do processo de aprendizagem; Participação e integração na comunidade em que a Casa Lar

está inserida; Existência ou não de evasões. Cuidador social, Qualidade do vínculo com as

crianças e adolescentes; Cuidados das crianças e adolescentes; Articulação com a comunidade

e serviços necessários para o atendimento da necessidade individual de cada criança e

adolescente; Busca de alternativas para resolução de dificuldades encontradas. (Prefeitura

Municipal de Jaguaruna, Programa do Serviço de acolhimento institucional Casa Lar 2012, p.

13).

A avaliação é reconhecida no projeto como uma forma de contribuir e garantir

serviços de qualidade, que satisfaçam as necessidades de seus usuários e cumpram as

legislações vigentes. Com tudo isso, vislumbra-se garantir os direitos das crianças e

adolescentes, como prevê o ECA. Considerando-se que esta pesquisadora, por força de suas

atribuições, vem acompanhando o programa de acolhimento institucional desde novembro de

2011, é perceptível uma evolução considerável na qualidade do serviço prestado. Embora

empiricamente, é possível afirmar sem receio que o programa está sendo muito bem

conduzido. Os principais motivos cogitados por essa pesquisadora (ressalte-se que, apenas

empiricamente, sem nenhuma avaliação com critérios definidos) para essa evolução são: o

amadurecimento das ações, embasados nos documentos legais publicados e colocados à

disposição do Sistema de Garantia de Direitos; o comprometimento da atual administração

municipal que, ao assumir a gestão em janeiro de 2013, manteve a equipe técnica responsável

pelo projeto; a capacitação, não apenas da equipe interdisciplinar responsável pelo programa,

mas de outros agentes envolvidos nas mais diversas políticas públicas de responsabilidade do

município, além de outros. Ressalte-se, ainda, a abnegação das técnicas envolvidas no

desempenho de suas funções. Ignorando todos os obstáculos que lhe são impostos, abrem mão

de suas horas de folga; investem em aprendizados, por vezes às próprias custas; executam

suas missões com zelo e esforço; e, a despeito da pouca valorização de sua nobre missão e da

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rara compreensão da importância de suas atividades, defendem o programa com “unhas e

dentes”, superando limitações que lhes são impostas.

Considerações finais

O objetivo do trabalho foi verificar, mesmo que empiricamente, se o acolhimento

judicial, na prática do município, constitui-se numa política pública de proteção à criança e ao

adolescente, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. Partindo-se da

conceituação de acolhimento, da previsão legal, de suas modalidades e consequências

jurídicas, passou-se a analisar a forma como se insitiuíram, no município de Jaguaruna, os

serviços de acolhimento.

A partir de 2012, houve uma importante inovação com a realização das audiências

concentradas. A reunião de todos os agentes envolvidos com a situação do acolhimento – seja

juiz, promotor, servidores do município, conselheiros, dentre outros – representou um novo

avanço, no sentido de agilização das ações a serem executadas, visando ao retorno mais

imediato de crianças/adolescentes acolhidos à família, ou seu encaminhamento para família

substituta. Importante reconhecer que as exigências das novas regulamentações, bem como de

outras políticas públicas de cunho social têm sido determinantes para aprimorar as ações de

defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Inegável, também, que o acolhimento judicial

ainda incide sobremaneira nas famílias cuja condição socioeconômica contribui para os

problemas estruturais de suas composições. De forma que os usuários dos serviços de

acolhimento no município são, em sua arrasadora maioria, oriundos de famílias mais pobres.

É possível perceber que há uma preocupação de todos os envolvidos para que haja

investimento na família, visando o retorno de suas crianças/adolescentes. Apenas quando se

evidenciam riscos a esse retorno é que o juiz os encaminha à família substituta,

preferencialmente, à família extensa e, como última alternativa, a adoção. Ainda se está à

busca de novos avanços, mas é possível afirmar, após estudo pormenorizado dos “casos reais,

concretos” (no dizer das técnicas), que o serviço de acolhimento à disposição dos usuários no

município de Jaguaruna (nas modalidades institucional e família acolhedora), constitui-se,

sim, em uma política pública de proteção à criança e ao adolescente.

REFERÊNCIAS

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