o santo que inventou o pecado original - pÚblico

Upload: beano-regenhaux

Post on 03-Jun-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/11/2019 O Santo Que Inventou o Pecado Original - PBLICO

    1/2

    O santo que inventou o pecado originalANTNIO MARUJO 14/11/2000 - 00:00

    Jean Delumeau chamou ao pecado original o "princpio da Histria". O homem que

    inventou o conceito, Santo Agostinho, escreveu a sua obra maior, as "Confisses", h

    1600 anos. Nela, prope um conceito revolucionrio de tempo, que fala da distenso da

    alma pelo passado, presente e futuro, em vez do tempo circular. Com esses dois

    contributos, este africano foi um dos pensadores que mais marcou a cultura ocidental.

    Se a importncia de algum se medisse pelo nmero de textos que sobre a pessoa se

    escrevem, no h dvidas de que Santo Agostinho no ter muitos rivais: entre 1955 e1996, foram publicadas ou traduzidas, em todo o mundo, cerca de 55 mil textos sobre o

    autor de "A Cidade de Deus". O que d, em 41 anos, 1341 t tulos por ano. Por causa da

    importncia do criador da noo de pecado original e de uma das suas obras maiores -

    as "Confisses" - esto, desde ontem, reunidos em Lisboa 55 conferencistas de 23

    universidades (dez portuguesas e 13 estrangeiras). O congresso internacional "As

    Confisses de Santo Agostinho 1600 anos depois: presena e actualidade" pretende

    revisitar aquela que Eduardo Loureno j considerou a "obra mtica da cultura

    ocidental". De acordo com os responsveis pela organizao - rea de Filosofia da

    Faculdade de Cincias Humanas da Universidade Catlica Portuguesa (UCP), em

    colaborao com a Faculdade de T eologia e o Centro de Literatura e Cultura Portuguesa

    e Brasileira da UCP e a Ordem de Santo Agostinho -, a iniciativa tem como objectivo

    principal "detectar a presena e a actualidade" das "Confisses" na cultura e na histria.

    No com intuitos "arqueolgicos", mas para descobrir "um pensamento aberto ao

    possvel e, talvez, ao impossvel", a partir de uma obra que oscila entre a autobiografia,

    a filosofia e a teologia. Alm da revoluo conceptual sobre o tempo (ver caixa), o

    pensamento de Agostinho tambm marcado pela ideia de pecado original, um conceito

    que marcou a teologia catlica e a vida das sociedades ocidentais at h pouco. na

    resposta heresia pelagiana sobre o problema da origem do mal que Agostinho elabora

    o conceito. Pelgio, um monge britnico, defende que, pela liberdade, o homem se

    redime a si prprio. O pecado de Ado no hereditrio e desnecessrio o baptismo

    das crianas, um tema em debate na Igreja da poca. Pensa ainda Pelgio que "o

    homem livre e responsvel pelos seus actos", escreve Henri Tincq, e que pode estar

    "isento do pecado" e tornar-se a "imagem" de Deus. A experincia da converso de

    Agostinho diz-lhe o contrrio do que defende Pelgio. "Negar o pecado original negar a

    salvao de Cristo." Ou seja, para acentuar a graa como dom de Deus ao homem,Agostinho afirma que, reduzido liberdade, o homem pode cair mas no consegue

    salvar-se sozinho. Da a necessidade da graa e da salvao oferecida por Deus, que "

    original e central", como define Tincq. O pecado original - o mal que entra no mundo

    por causa da desobedincia de Ado a Deus - transmite-se depois pela sex ualidade.

    Segundo este conceito, a natureza humana pecadora desde a nascena, uma ideia que

    retoma as interpretaes literais do Gnesis e das cartas de So Paulo. "Foi Deus que

    fez os sexos. Como podia acontecer que aqueles que estavam destinados a unir-se entre

    si no movam os seus corpos?", pergunta Agostinho em "Acerca do casamento e da

    concupiscncia". Escreve Erich Fuchs ("O Desejo e a Ternura", ed. Crculo de Leitores)

    que, "contra o maniquesmo, Agostinho mantm a bondade da sexualidade procriadora

    e, contra os pelagianos, afirma a fora da concupiscncia que liga sexualidade e pecado".

    A teloga alem Uta Ranke-Heinemann contrape que foi Agostinho quem concebeu"um Deus dspota, inaugurando uma lgica de medo e de terror para melhor

    impressionar as almas", e que teria sido "o promotor desta moral que identifica o sexo

    com o pecado e a concupiscncia". Por causa do conceito de pecado original - o "princpio

    da Histria" segundo Jean Delumeau em "O Pecado e o Medo no Ocidente"-, Agostinho

    defende com veemncia a ideia do baptismo das crianas. S o baptismo a

    "indispensvel condio de uma regenerao que permite escapar ao suplcio da morte

    eterna, que apaga a culpabilidade, sem por isso livrar da concupiscncia e da ignorncia

    iniciadas pela desobedincia de Ado".O tema do pecado original aparece desenvolvido

    sobretudo em obras como o "Comentrio da Carta aos Romanos", os "Escritos Anti-

    Pelagianos" ou "Sobre o baptismo das crianas". "A liberdade essencial, mas tem

    limites e o homem no se teria libertado sem a interveno da graa divina", comenta

    Jos Rosa, sobre as ideias de Agostinho. Para o autor das "Confisses", acrescenta, "o

    pecado original no uma responsabilidade pessoal; histrico e lesou a natureza

    humana". Da o carcter "profilctico" do baptismo, como "valor potenciador da

    natureza humana" e contra uma "viso mgica" do sacramento. O debate em que

    Agostinho entrou continua actual: "grosso modo", a teologia catlica acentuou a ideia de

    que cada um pode ser salvo pelos seus esforos, ao contrrio da teologia protestante,

    que, na senda de Agostinho, defende que o homem s pode ser salvo pela graa de

    Deus. Goulven Madec, do Instituto de Estudos Agostinianos, de Paris, que ontem falou

  • 8/11/2019 O Santo Que Inventou o Pecado Original - PBLICO

    2/2

    Twingly procura de blogue

    Os comentrios a este artigo esto fechados. Saiba porqu.

    Ainda no h comentrios. Seja o primeiro a comentar.

    Se comentar este artigo no seu blogue, o link aparecer aqui.

    Efectue o ping do seu blogue no Tw ingly para ns o encontrarmos.

    no congresso, define Santo Agostinho essencialmente como "um pastor de almas, um

    comentador das Escrituras, um telogo se se quiser, mas nunca um dogmtico". Conclui

    Henri Tincq: "Se ele pertence a todos os tempos, no pelos 'tratados' de filosofia ou

    teologia que nunca escreveu, mas pelas suas confisses, meditaes, correspondncias,

    pelos seus manuais simples em prol duma boa vida crist, ditados pelas tarefas

    pastorais ou pelas controvrsias da poca."

    COMENTRIOS

    NOS BLOGUES

    ANTERIORBanco de ADN " incontornvel"

    http://www.publico.pt/sociedade/jornal/banco-de-adn-e-incontornavel-151169http://www.twingly.com/pinghttp://www.publico.pt/nos/comentarios-e-inqueritos#comentarios-fechadoshttp://www.twingly.com/http://www.twingly.com/