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O Romance Histórico Contemporâneo de Ana Miranda: Possibilidades de Leitura Professora: Silvana Aparecida Dias Bello Orientadora: Profª Dra Mariléia Gärtner Programa de Desenvolvimento Educacional Secretaria de Estado da Educação do Paraná- SEED/PR Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender... Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino... Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. Paulo Freire, 1997, p. 25 Irati - PR 2008

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O Romance Histórico Contemporâneo de Ana Miranda: Possibilidades de Leitura

Professora: Silvana Aparecida Dias BelloOrientadora: Profª Dra Mariléia GärtnerPrograma de Desenvolvimento EducacionalSecretaria de Estado da Educação do Paraná- SEED/PR

Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender...Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino...Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando.Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago.Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Paulo Freire, 1997, p. 25

Irati - PR

2008

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RESUMO

Este artigo é parte integrante do Programa de Desenvolvimento

educacional colocado em prática pelo governo do Paraná, em 2007/2008.

Tem como objetivo divulgar entre os professores e alunos da rede pública

estadual o assunto Romance Histórico e a maior expoente do Brasil deste

subgênero da literatura que é a escritora Ana Miranda. Para isto relata e

analisa a implementação do material Folhas em duas turmas de segunda

série do Ensino Médio do Colégio Estadual São Vicente de Paula, da cidade

de Irati-Paraná. Este documento traz uma breve bibliografia de Ana Miranda,

as características mais marcantes do Romance Histórico, fragmentos dos

livros Boca do Inferno e Desmundo, intertextos e uma seqüência didática.

Faz comentários sobre a crise da leitura e aponta metodologias para se

formar leitores autônomos.

ABSTRACT

This article is an integrant part of the Educational Development

Program placed in practical for the Government of the Paraná, in 2007/2008.

The aim was divulge between the professors and pupils of the state public

net the subject Historical Romance and the greater representative of Brazil

of this subgenus of the literature, Ana Miranda. This paper tells and

analyzes the implementation of the material Folhas in two groups of second

series of the São Vicente de Paula College State, in the city of Irati-Paraná.

This document brings a brief bibliography of Ana Miranda, and the accented

characteristics of the Historical Romance, parts of books Boca do Inferno

and Desmundo, and a didactic sequence. It makes commentaries about the

crisis of the reading and points methodologies to form independent readers.

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INTRODUÇÃO

Este artigo expõe e analisa a implementação do tema Romance

Histórico contemporâneo, aos docentes de língua portuguesa, e a duas

turmas de 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual São Vicente de

Paulo, da cidade de Irati, Paraná.

O presente trabalho é parte integrante do PDE – Programa de

Desenvolvimento Educacional, proposto pela Secretaria de Estado da

Educação do Paraná - SEED/PR. O objetivo principal deste programa é

possibilitar, aos professores da rede pública estadual de ensino,

aprofundarem seus conhecimentos teórico-metodológicos, na busca de uma

educação de qualidade.

No ano de 2007, os professores selecionados participaram de cursos e

congressos. No segundo semestre desse mesmo ano, foi dado início ao GTR

– Grupo de Trabalho em Rede, no qual um tutor (PDE) e professores da Rede

Estadual estudaram e trocaram experiências acerca de teorias do

conhecimento e de temas específicos de cada disciplina.

No segundo ano do programa, continuamos a diretividade do GTR até

julho, e por todo o ano letivo de 2008 lecionamos também. Assim, no

segundo bimestre desenvolvemos a implantação do nosso plano de trabalho

nas escolas onde lecionávamos.

Nos encontros, na UNICENTRO, tivemos a oportunidade de dialogar

com outros professores que faziam parte do programa, todos estudavam

novas metodologias para se trabalhar assuntos já conhecidos: práticas de

leitura, internet na sala de aula, música popular brasileira, história em

quadrinhos. Ninguém escolheu pesquisar um tema novo, nem mesmo

trabalhar com prosa e ficção literária. Deste modo, a proposta de trabalhar

com o romance histórico contemporâneo era o único plano de trabalho que

previa pesquisar um conteúdo ainda desconhecido para docentes e

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discentes, e desta forma buscar propostas metodológicas para implementá-

las nas escolas.

“O ensino como prática reflexiva tem-se estabelecido como uma tendência significativa nas pesquisas em educação, apontando para a valorização dos processos de produção do saber docente a partir da prática e situando a pesquisa como instrumento de formação de professores, em que o ensino é tomado como ponto de partida e de chegada da pesquisa”. (PIMENTA; 2005: 22)

Houve um tempo de poucos escritores, poucos leitores e poucos

livros. Era a literatura amiúde. Nem o ativista político, lírico Castro Alves

(1847-1871) imaginaria que teríamos livros, livros a mancheia como temos

hoje. Escreve-se de tudo, para todos, e são muitos os produtores e

consumidores de literatura. Não há mais o monopólio ou oligopólio da

indústria, nem do mercado, e que bom, nem de opinião. Existem tantos

livros que explicam outros livros ou apenas dão opiniões sobre eles que nos

levam a pensar que tem muito leitor pedindo socorro. Pesquisas indicam

que praticamente a metade dos que lêem, não conseguem fazer uma

interpretação satisfatória do texto lido. É o que se chama de analfabeto

funcional. Na outra ponta desta linha temos o leitor autônomo, capaz de

compreender e ser reflexivo. Nós, professores de língua portuguesa, temos

importante papel na construção deste leitor. Daí a importância desta

iniciativa e o compromisso de mudar este quadro desafiador.

Vivemos um período bastante eclético na produção literária.

Regionalistas, fantásticos, intimistas; poetas, contistas, romancistas.

Escritores nos falam de mundos criados pela ciência, assim como a ciência

traz à realidade mundos que imaginamos com inspiração contraída de

visionários escritores. A literatura nos traz mundos e desmundos, do mesmo

modo que está cada vez mais comum a publicação de textos ficcionais que

possibilitam incursões no tempo, mergulhando no passado. Estamos falando

do boom do romance histórico, que aconteceu no final do século XX, que

caiu tão bem no gosto popular e no do leitor exigente.

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Nas últimas décadas, atividades de leitura ganharam contribuições de

áreas de diferentes áreas do conhecimento como a sociolingüística,

psicolingüística, pedagogia e teoria literária. Esforços foram redobrados

tendo em vista a superação de uma cantada “crise da leitura”. Por um lado

professores apontavam a falta de interesse dos alunos, por outro ouvimos

falar que tínhamos que despertar o gosto pela leitura. Se o aluno não lia, a

culpa era do professor, por não promover o deleite no ato de ler. Assim, os

professores carregaram esta culpa: a frustração pela crise da leitura.

Em oposição a este discurso de crise de leitura como podemos

explicar que uma autora, até então desconhecida, como Ana Miranda,

consegue vender 50.000 exemplares de sua obra Boca do Inferno? Isto não

pode indicar a existência de práticas leitoras à margem das escolas?

No entanto, percebemos que Ana Miranda (ou outros escritores que

publicam atualmente romance histórico), mesmo representando um novo

viés de leitura, não foram contemplados nos livros didáticos que estão nas

nossas escolas. E nem o serão nos próximos anos, pois este foi um ano de

escolha de livros didáticos para o ensino básico e nenhum dos indicados à

escolha trazia algo substancioso sobre a escritora, sua produção ou mesmo

sobre a existência do romance histórico no cenário nacional e internacional.

De 10 livros para apreciação e julgamento, apenas o livro Português

Linguagens, de William Cereja e Thereza C. Magalhães (2005), faz uma

alusão ao livro Boca do Inferno, no capítulo que trata de Gregório de Matos

e o Barroco.

Ana Miranda se afirmou como escritora na década de 90, por ser

recente, atividades com sua obra ainda não foram propostas pelos livros

didáticos. Mas críticos apontam a escritora como uma estrela de primeira

grandeza em nossa literatura. Romances como Boca do Inferno (1989) e

Desmundo (1997) apontam para um novo viés na literatura brasileira, em

que ficção e história se cruzam, possibilitando rever as visões oficiais da

história ao mesmo tempo em que propõe um novo estatuto artístico para o

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romance histórico publicado atualmente, o que exige a (re)avaliação do

papel do leitor no processo de construção de sentido desses textos.

Para a literatura escrita por mulheres, a publicação do romance Boca

do Inferno (1989) divulga Ana Miranda entre o público leitor, uma vez que

percorreu caminho invejável: esteve na lista dos mais vendidos, ganhou

Prêmio Jabuti de revelação, além de ser publicado em diversos países.

Também é importante destacar que autora publicou outros romances

históricos: O Retrato do Rei (1991), A Última Quimera (1995), Desmundo

(1996), Amrik (1997), Clarice (1998) e Dias & Dias (2002).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

A capacidade de ler está relacionada com a realização pessoal,

processo social e econômico de uma nação. No entanto, encontramos

nossos jovens esquivos à leitura, principalmente de narrativas longas.

Diante deste quadro, temos muitos professores que se preocupam em fazer

com que os alunos leiam, como também encontramos aqueles que dizem

ter desistido, perdido a batalha. Nesta perspectiva, Geraldi (2004) afirma

que o ponto primordial para o sucesso ao incentivo à leitura seria recuperar

e trazer para dentro da escola o prazer de ler e o respeito às leituras

anteriores do aluno. Até mesmo os professores não começaram suas

trajetórias de leitores, lendo de início exclusivamente os clássicos.

Ainda que o professor consiga de seu aluno a leitura de uma obra

literária, ele não deve dar-se por satisfeito. Pois segundo Geraldi (2004), não

existe leitura qualitativa no leitor de um livro, o que significa que os

professores devem propiciar o maior número de leituras aos seus

aprendentes, mesmo que a interlocução que o aluno faça hoje não seja a

esperada.

Um ponto pacífico entre os autores é que para formar leitores é

necessário ser professor-leitor. Ninguém ensina o que não sabe, ninguém

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transmite o que não tem. Para despertar o gosto pela leitura é preciso,

antes de mais nada, gostar de ler. No entanto, convivemos com colegas

que só leram obras literárias porque o curso de graduação fez esta

imposição, e depois da formatura nada mais leram de narrativas ficcionais.

Para aquele aluno que diz que não lê porque não gosta, não podemos

esquecer o que diz a filósofa da educação Dra. Lízia Helena Nagel (2004)

em uma de suas palestras: “Educação não é prazer, exige sim, uma

desestabilização do estágio anterior. Educar é transformar, abandonar o

prazer, para tal faz-se mister mudar de hábitos. A criança não vai à escola,

para fazer só o que gosta. Para se atingir objetivos de aprendizagem, a sala

de aula tem que ter uma diretividade com base na autoridade do professor.

Não é o aluno que vai ditar as regras”.

Concordando com esta afirmação, Dra Mariléia Gärtner, em seu curso

sobre o ensino de literatura, em 2007, reafirma a necessidade de o

professor colocar em seu plano anual as leituras obrigatórias e as optativas.

Este planejamento é um documento que deve ser socializado com os alunos

e pais de alunos, no início do ano letivo e retomado no seu decorrer, sempre

que for necessária a cobrança.

Além daqueles alunos que dizem que não lêem porque não gostam,

têm os que chegam ao final de um livro e declaram não ter compreendido o

que leram. No que concerne a este problema, segundo Antunes (2003), as

pistas que o texto oferece ao leitor, não são tudo o que ele precisa para

entender um texto. A interpretação de um texto depende, em grande parte,

de outros conhecimentos além do domínio da língua. O conhecimento de

mundo do leitor somado às pistas e informações que o texto traz, forma

uma rede de construções do sentido e das intenções pretendidas pelo autor.

No processo de construção do “bom leitor”, o professor, que deve ser

obrigatoriamente um leitor proficiente, também exercitará com o aluno

estratégias de leitura. Conforme, Kleiman (2004), é preciso, primeiramente

que se tenha um objetivo para a aula de leitura, e em segundo lugar, se

faça predições quanto ao conteúdo do texto a ser lido. Estas predições se

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baseiam em conhecimentos prévios sobre o assunto, o autor, a época, o

gênero, o desenvolvimento do tema. O importante é o aluno perceber que

para cada tipo de texto, e principalmente, para o texto literário, ele

precisará utilizar estratégias diferentes no processo de compreensão. De

qualquer forma, tem-se que considerar Antônio Cândido (1995), quando

afirma que “a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve

ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar

forma aos sentimentos e à visão do mundo, ela nos organiza, nos liberta do

caos e, portanto, nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a

nossa humanidade.”

De tal forma, o romance histórico, a obra de Ana Miranda e outros

escritores (renomados ou desconhecidos) devem ser apresentados aos

nossos alunos e aos colegas professores, que não podem continuar

ignorando esta manifestação da literatura. É necessário que este conteúdo

faça parte do nosso planejamento curricular.

Gärtner (2006) lembra que para se entender a produção ficcional

contemporânea como a de Ana Miranda, é preciso ter ciência de que a

concepção de romance histórico vem sofrendo mudanças com o tempo. Mas

só é possível classificar como tal o texto ficcional que não abandonar duas

condições básicas para a sua existência: ser ficção (invenção) e se

fundamentar em fatos históricos.

O romance histórico, desde as últimas décadas do século XX, vem se

manifestando de forma bastante singular. Para começar a refletir sobre esse

subgênero, passa a ser importante resgatar algumas questões sobre os

primeiros romances históricos. Deste modo, o trabalho de George Lukács

(datado de 1937) situa o nascimento do romance histórico no início do

século XIX, com a publicação de Ivanhoé de Walter Scott.

A obra de Scott é vista por Georg Lukács (1977) como uma

continuação do romance social realista do século XVIII, mas, quando

submetida à comparação diverge bastante, já que a concepção de história

nos romances do escritor inglês aparece implicitamente por detrás da

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urdidura da fábula e da maneira de construção do seu herói, que é um

“gentleman” inglês de tipo médio. Ou melhor, um herói prosaico com uma

inteligência prática mediana, com um caráter moral firme, disposto a se

auto-sacrificar, mas incapaz de se entregar totalmente a uma causa. Para

Lukács, a grande renovação de Scott está no fato de conseguir renunciar ao

modelo de herói romântico, mesmo estando no centro da produção do

chamado romantismo. Os heróis scottianos, então, nunca são indivíduos,

são sempre representantes de correntes sociais e poderes históricos que

encarnam as lutas e as oposições da história .

Numa tentativa de apresentar os principais elementos definitórios do

modelo scottiano, Lukács (1977) afirma que o romance histórico parece

possuir um “grande telão de fundo” com rigoroso caráter histórico, cuja

ação ocorre num passado mais ou menos distante do romancista. Sob este

grande telão de fundo, tem-se um acontecimento fictício, que poderia ter

acontecido realmente, com personagens também fictícias. E, ainda, um

episódio amoroso é diluído nesses eventos fictícios. Mesmo com o primeiro

plano da narrativa, ocupado pelos acontecimentos e personagens fictícios, o

fundo histórico assume importância vital na narrativa, pois é neste último

que se encontram os elementos primordiais para a configuração da

atmosfera moral da obra.

Ainda, de acordo com Lukács (1977), o modelo perfeito de romance

histórico é aquele em que o leitor vive o passado em toda a sua verdade,

através de um microcosmo que generaliza e concentra o processo histórico.

A efetiva expressão artística do romance deve ser buscada na organização

da narrativa, levando em conta o mundo representado e a forma de

representação, ou seja, a história e a ficção.

O romance histórico nasce no começo do século XIX, como

conseqüência de uma série de circunstâncias históricas e sociais. Waverley,

primeiro romance de Scott, de 1814, coincide, e não acidentalmente, com a

derrocada do império napoleônico. Mata Indurán (1995, p.21), lendo

Lukács, lembra que os romances com temas históricos que se faziam

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anteriormente, conforme as chamadas antiquari novels inglesas da segunda

metade do século XVIII, são históricos somente em sua aparência externa,

uma vez que os elementos psicológicos que constituem as personagens,

bem como os costumes descritos, correspondem à época de seus autores. A

revolução francesa e as guerras napoleônicas criaram os primeiros exércitos

populares: o povo toma consciência de sua importância histórica. Com a

conseqüente glorificação do passado nacional, renasce o sentimento

nacionalista e um interesse crescente por temas históricos. Scott soube

interpretar, e com grandeza, os momentos decisivos dessa história, pois

não altera simplesmente os acontecimentos históricos, mas mostra a

história como “destino popular”, ou seja, vê a história através dos

indivíduos.

Há um considerável distanciamento ideológico e crítico entre a

produção romanesca do século XVIII e XX. Nesta perspectiva, González

(2005) diz que o romance histórico deixou de ser a mera evocação

romântica da história para se transformar numa análise do processo

histórico. No romance do século XX, fundem-se os planos histórico e

ficcional, evitando, assim, que se use a história simplesmente como pano de

fundo.

O romance contemporâneo não é simplesmente a revificação do

passado, como algo imobilizado pela história, mas uma revisitação que usa

trajes e idéias do presente, pois, como diz Mário Miguel González (2005), “o

romance histórico é o gênero mais próximo de fazer da literatura narrativa a

história-não-oficial dos povos, particularmente dos vencidos a quem a

história habitualmente negou voz”.

Em síntese, entende-se que os romances históricos contemporâneos

apresentam elementos textuais e extra textuais que os diferenciam dos

romances históricos mais tradicionais, e, como a definição de George

Lukács não dá conta dessas produções (sem ignorar sua importância

fundadora), abre-se espaço para outras propostas críticas, como o Novo

romance Histórico (MENTON, 1993) e a Metaficção historiográfica

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(HUTCHEON, 1991).

Ainda, no Brasil, a partir dos anos 90, o romance histórico rompe com

um certo intimismo que permeava a ficção produzida por mulheres. Agora

se discute, toca-se, em temáticas do universo feminino, não mais daquela

forma puramente intimista. Neste sentido, Castello Branco (1989) lembra

que temas como erotismo, maternidade, paixão caracterizam a escrita

feminina. Perceberemos, no entanto, que o romance histórico também

aborda esses temas, os quais fazem parte da essência do universo

feminino, mas insere as discussões num espaço historicizado, público e

político. Gartner (2006), alerta que o romance histórico contemporâneo

escrito por mulheres não contribui só para a construção da história das

mulheres, ele vai além, procura desvelar o sentido da mulher na história.

IMPLEMENTAÇÃO

A proposta foi aplicada em duas turmas de 2ª série do Ensino Médio,

do Colégio Estadual São Vicente de Paulo, no município de Irati, Paraná.

Primeiramente tentamos explicar para os alunos o que erra a proposta,

situá-los sobre o que era o PDE.

Na seqüência, fizemos uma breve retrospectiva da aula anterior, em

que foi trabalhado o assunto ortografia, estudamos palavras que podiam ser

escritas e/ou pronunciadas de duas maneiras, como é o caso de

assobiar/assoviar, carácter/caráter, cota/quota,. Até que foi perguntado

sobre estória e história. São coisas distintas? O significado é o mesmo nos

dois vocábulos? A classe ficou dividida. Adolescente gosta de apostar,

concorrer, disputar. Percebi que o lúdico atraiu a atenção deles. Rimos

descontraídos com a mobilização da turma. Era prova de que silêncio não

significa disciplina. O interesse deles pelo assunto ecoava na sala de aula.

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Em seguida, foram apresentados os livros Boca do Inferno e

Desmundo, que foram passados de mão em mão. Olharam os livros com

pouca curiosidade, poucos chegaram a abri-los. Perguntei a eles: Se vocês

estivessem numa biblioteca e esbarrassem num desses livros,

emprestariam para ler? A maioria disse que não porque a autora não era

conhecida, porque eram muitas páginas, porque as capas não chamaram a

atenção. Alguns acreditavam que o Boca do Inferno devia ser mais

interessante, pois o título era mais curioso. Uma aluna falou que as

gravuras eram esquisitas e sem graça. Comentei que o livro era ilustrado

pela própria autora, que as figuras eram enigmáticas e só quem lesse a

obra poderia compreendê-las realmente. Um outro perguntou se havia

chance de a leitura daqueles livros ser exigida ou explorada em um

vestibular. Respondi que havia sim, muitas chances, e aproveitei o gancho

para falar do boom do romance histórico no mundo e no Brasil.

Quando passava aos alunos mais algumas obras que podem ser

classificadas como romance histórico, um aluno me interrompeu

inconformado: “Cruz Credo, Professora! Boca do Inferno, isso é nome para

um romance?! Como vendeu tanto?”

Não podíamos esquecer que estávamos num colégio com nome de

santo, que já havia sido seminário, atualmente dirigido e habitado por um

padre e o preferido dos seminaristas, tanto que no total de 70 alunos da 2ª

série A e C, 10 eram candidatos a padre; e o rapaz que havia feito o

comentário era um deles. Um outro colega respondeu: “Talvez esse nome é

que tenha deixado o povo mais curioso”. Concordei parcialmente, mas

convidei-os a conferir a qualidade da obra.

Outro ponto que chamou atenção dos alunos ao manusearem os

livros, foi não terem encontrado o travessão, sinal de pontuação mais usado

para indicar o discurso direto. Em Boca do Inferno a autora foge do comum

ao utilizar-se de aspas para indicar a fala dos personagens e em Desmundo

não há discurso direto, há uma espécie de fruição do pensamento, não está

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estruturado em parágrafo; cada capítulo é um parágrafo. “Legal! Professora,

assim a gente lê mais rápido”.

Nesta ocasião percebeu-se a necessidade de estudar o estilo da

autora. Então os alunos compreenderam melhor o tal estilo do autor que já

tinham ouvido falar na série anterior.

Quando estávamos lendo fragmentos de Boca do Inferno, um aluno

seminarista que sempre permanecia calado nas aulas, não se conteve e

enrubescido e enraivecido exclamou: “Isso é blasfêmia! Nunca foi assim. É

tudo mentira! Com certeza essa é a parte do não-acontecido do Romance

Histórico”. Ele se referia ao tom de sátira, ironia e protesto dos fragmentos

do romance quando o narrador se referia às denúncias das práticas

católicas da época, em relação ao comportamento dos padres e religiosos,

da hipocrisia dos políticos que diziam governar em nome de Deus.

Aqueles adolescentes não eram leitores reflexivos e autônomos, pois

liam impregnados de pré-conceitos. Um grande desafio tomava corpo. Neste

caso não se pode oferecer opiniões formadas, frases prontas, mas

questionar para que eles formem reflexivamente suas opiniões.

Na turma do 2º A, pensei que teríamos mais dificuldades, pois eram

considerados “difíceis de lidar”, quase não deixavam os professores dar

aula, estes não conseguiam nem fazer a chamada, tal era a falta de

respeito. A classe não ficava em silêncio para ouvir mais do que meia dúzia

de palavras. Até a polícia já havia sido chamada para controlar a turma. Mas

no primeiro dia da implementação, os alunos ficaram com os olhos

esbugalhados de surpresa quando ouviram a declamação do poema “Define

a sua cidade”. Um deles disse ter ficado espantado com o uso da palavra

“foder”. Pensava que era gíria e que não imaginava que já existia no tempo

de Gregório de Matos. Perguntou se “foder” tinha o mesmo sentido de

agora e se o poeta havia sofrido censura na época.

Fodere, do latim, significa unir, ligar. Daí as palavras federação,

confederação. O momento era pertinente para se falar de preconceito

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lingüístico, adequação vocabular, níveis de linguagem. Então se fez uma

aula de língua em meio a uma aula de literatura.

Assim como Gregório de Matos denunciou as mazelas da sua cidade,

os alunos também refletiram e debateram sobre a realidade da cidade onde

moram. Concluíram que os artistas merecem crédito, pois muitas vezes eles

vêem o que o homem comum não consegue.

A consecução de um grande objetivo foi alcançado. Os alunos ficaram

ávidos pela leitura de outros poemas de Gregório de Matos. Vinham me

mostrar o que haviam lido na internet sobre o escritor Barroco e outras

manifestações literárias da época. Lamentaram muito ter apenas um

exemplar de Boca do Inferno na biblioteca do Colégio e reivindicaram a

aquisição de mais volumes.

“Curiosidade é o ponto de partida para a aprendizagem. Quando não temos interesse em assuntos que sejam difíceis ou intrigantes, não nos envolvemos. Pessoas curiosas têm senso de espanto e admiração. Elas se perguntam sobre como as coisas acontecem e como funcionam. Sabem fazer perguntas boas, pertinentes e penetrantes. São desafiadoras e têm um saudável ceticismo sobre o que eles dizem”. (CLAXTON; 2008: 10)

Outro momento importante da implementação foi a leitura do texto

fílmico Desmundo (2003), uma adaptação do romance de Ana Miranda, do

mesmo título, dirigido por Alain Fresnot. A 2ª série C assistiu ao filme

sozinha e tudo ocorreu como o previsto: alunos interessados e

concentrados.

A 2ª A compartilhou da sala de vídeo com a turma de 3ª série, atendi

as duas turmas no mesmo horário a pedido da coordenação pedagógica,

pois faltara um professor naquele dia. Em síntese, a aula foi um desastre. A

3ª série não estava preparada e o os alunos ridicularizaram as ações, os

personagens, fizeram comentários maldosos, resultantes de leituras

fragmentadas, o que não só impossibilitou a concentração da 2ª A, como

também a necessidade e importância do planejamento da aula.

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Ao assistirem ao making off, os alunos das duas turmas ficaram

completamente absorvidos pelas imagens e relatos, tal como no filme.

Acharam interessante, destacaram a possibilidade de ver e ouvir a autora

dos livros estudados. Um deles desabafou: “Os professores de português só

mandam a gente ler obras de autores que morreram há décadas”. Outro

mais espirituoso disse: “Eu até pensava que só morto é que podiam

escrever livro”.

Além de alunos católicos, há um número expressivo de espíritas, e ao

serem inquiridos sobre as experiências de leitura, alguns contaram que

haviam lido livros psicografados. O que pode fazer com que

conversássemos sobre outras experiências de leituras.

Ainda, com o depoimento de Ana Miranda pudemos desmitificar

alguns elementos que fazem parte do processo de criação de uma obra

literária. Nas aulas que se seguiram, muitos dos adolescentes pesquisaram

na internet e trouxeram para a sala de aula fotos e notícias envolvendo Ana

Miranda e outros escritos de Gregório de Matos, assim como “fofocas” dos

atores do filme Desmundo.

O professor não pode impor verdades, sequer consegue transpor

conteúdos; ele apenas ajuda na construção do conhecimento do aluno.

Nesta construção, a participação dos professores Sérgio e Cassilda, de

história e de sociologia, respectivamente, foi de suma importância. Eles

elucidaram os aspectos históricos e sociais do contexto do enredo de

Desmundo.

O filme, falava em português arcaico, era legendado, mas nem sua

fala nem legendas eram fiéis ao livro, o que a princípio, decepcionou os

adolescentes. Só depois de conversarmos a respeito disso é que eles

compreenderam que embora se tenha o mesmo título, cinema e ficção

escrita são gêneros textuais distintos. Na tela vimos e ouvimos a leitura que

o diretor do filme fez do livro e a leitura que os atores e a equipe técnica fez

da leitura do diretor.

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Para se entender um texto o leitor tem que ter um histórico de leitura

e precisa lançar mão da sua memória discursiva e mais ainda, do seu

conhecimento de mundo. Para isto, os professores ficaram convidados a

socializar seus conhecimentos, assim os alunos aproveitaram o histórico de

leitura dos professores somado aos dos próprios colegas de sala de aula

mais o conhecimento e mundo de todos os envolvidos e assim puderam

construir as suas percepções de ambos os gêneros textuais. Foram aulas

para nunca mais esquecer.

O perfil dos primeiros colonizadores do Brasil, a participação da igreja

na história da nossa educação, o que a nossa terra representava para

Portugal na época, o papel da mulher na história e como tudo isso

influenciou a nossa sociedade atual, a nossa cultura foram alguns itens

comentados pelos professores Cassilda e Sérgio.

A verdade histórica contida nos enredos foi questionada pelos alunos

e o professor de história prontamente revelou o que havia de

verossimilhança, além de citar outros fatos acontecidos que enriqueceram o

contexto em que as ações foram situadas.

Nosso discurso é contaminado, mediado por outros discursos. Nós

aprendemos através dos discursos. Um conhecimento influencia o outro. Os

saberes se entrecruzam, é uma espécie de hibridismo curricular,

conhecimento em rede. O saber científico é dinâmico, não tem um centro,

uma disciplina não é melhor do que a outra, as experiências de leitura

foram compartilhadas numa rede de relações, um tecido rizomático foi

construído. Este foi um exemplo de experiência interdisciplinar bem aceita e

assimilada pelos alunos.

E a 2ª série B? Bem, marcamos tempo e local para apresentar a

proposta, os livros, o filme, o material Folhas. O 1º encontro se deu numa

hora de atividade da professora desta turma. Fui até a escola especialmente

para trabalhar este assunto. Enquanto tentava fazer o papel de “vendedora

de idéias”, a professora pegou um maço de provas e começou a corrigi-las e

disse para eu continuar falando. Quis ler o Folhas com ela que me

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interrompeu e disse que depois leria. Desapontada, mas não vencida, decidi

abordá-la em outro momento. Talvez se eu implantasse nas minhas turmas

antes, falaria a ela com melhores argumentos.

Depois de um mês de implementação do projeto, nas segundas séries

A e C, procurei novamente a professora do 2º B. Tentei convencê-la a

trabalharmos juntas, propus-me esclarecer bem o assunto a ser estudado,

deixei claro que me colocaria à disposição para elucidar eventuais dúvidas,

que emprestaria com alegria o material, filme, livros. Mas a professora

disse, com firmeza: “Não quero aprender mais nada, logo vou me

aposentar. Eu não trabalho com literatura em sala de aula porque não cai

em concursos e até no vestibular cai muito pouco. Não vale a pena”. Fato

significativo, pois dele podemos reavaliar a concepção de leitura e de texto

estético que alicerçam o trabalho da docente. Ainda, não temos neste

modelo de professor o exemplo de leitor necessário para um processo de

construção de leitura que possa produzir leitores competentes e críticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um professor recém-formado se encontra num estado de idealismo

platônico. Onde o real da escola não é belo, não é perfeito como o estudado

na faculdade. O que vai ao encontro com a filosofia de Platão: “O que

realizamos nunca é tão belo quanto ao que sonhamos”.

A pauta de propostas, projetos e práticas profissionais cujo sentido é

orientado por um ideal previamente definido, quanto mais estiver em

acordo com o modelo posto tanto mais perfeita será considerada a

educação. O contra-ponto do platonismo é outro paradigma clássico, o

aristotelismo. Para Aristóteles a primazia das experiências (empeiria) sobre

as idéias. Na perspectiva do Materialismo, na medida em que

experimentamos, realizamos e vivenciamos, vamos aprimorando as nossas

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noções e o nosso conhecimento sobre as coisas e neste movimento se dá a

educação.

Mas a partir deste confronto há muitas vezes a decepção do professor

novato, que pode reagir, mesmo sem o conhecimento teórico e a

consciência de sua prática, de acordo com Aristóteles. Superado o Idealismo

de Platão o professor pode também assumir a postura do Materialismo de

Aristóteles. Essa materialidade pressupõe a implantação de idéias para a

evolução do real.

“o saber docente não é formado apenas de prática, sendo também nutrido pelas teorias da educação. Dessa forma, a teoria tem importância fundamental na formação dos docentes, pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para que os professores compreendam os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si próprios como profissionais.” (Pimenta; 2005:24)

Nós trabalhamos, inteligentemente, com aquilo que julgamos sermos

melhores. O professor não está isento de responsabilidades. É papel dele

buscar aperfeiçoamento metodológico. A nossa filosofia de educação deve

ser a de ler o máximo de autores para ter a nossa formação somada à

leitura, mais a experiência e reflexões pessoais. Assim, não ficaremos

adstritos, limitados a citações e autores, mas teremos a capacidade de

produzir conhecimento.

Antes de tudo, o professor deve pensar que a sua função é essencial

para o funcionamento harmonioso do universo. É necessário estar convicto

da grandiosidade do seu fazer para se procurar meios e elementos para

fazer cada vez melhor, atraindo a satisfação da sua vaidade, felicidade e o

reconhecimento social.

O professor também é um leitor em formação. Se tiver o gosto pela

leitura é melhor, mas tem que ler, porque é necessário. Um profissional tem

que ter esta seriedade com a profissão.

Devemos todos ler e conhecer as teorias para sustentarmos nossa

prática. É preciso saber qual é a função daquilo que se faz no todo, na

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ordem universal. Quando não se tem essa noção, não se alcança o preparo

adequado, nem a competência, nem o entusiasmo, nem autoridade para se

desempenhar sua função. Tem que ter determinação: “eu sei o que estou

fazendo”. Saber justificar seus atos é de fundamental importância para se

saber o caminho a ser trilhado. Mas se não se tem segurança no que se faz,

dá-se espaço aos teóricos que nunca pisaram no chão da escola e o

resultado é encolher-se em sua ignorância/insegurança.

Não vendo alternativa, o professor simplesmente obedece de olhos

vendados. E é aí que a sociedade se põe contra a nossa classe, pois passam

a considerar o professor um fraco, sendo questionada sua competência em

pesquisas e reportagens, motivo até mesmo de chacotas em telenovelas. É

muito comum, atualmente, alunos passarem sem ter apreendido o

conteúdo, pois é mais fácil dar nota de graça do que basear sua ação

pedagógica em filosofias da educação, que sustentem a sua prática e lhe

dêem autoridade para reter um aluno se for necessário.

Além de ser reflexivo, o professor precisa ser valorizado, ter um

salário digno, que garanta a sua subsistência, permitindo-lhe o lazer, a

cultura e o cultivo do espírito. Melhores salários significam maior procura de

licenciaturas que significa profissionais mais selecionados, mais

qualificados, verdadeiramente vocacionados. A classe do magistério tem-se

tornado cada vez menos qualificada, refletindo na baixa qualidade do

ensino.

Ao levarmos os alunos a lerem romances históricos não podemos

simplesmente mandá-los pesquisar a história oficial contida na obra, porque

assim estamos matando a arte contida neste subgênero da literatura.

Isto seria aula de história e não de literatura. E não teria nada de

inovador, pois é muito comum ter nas escolas aulas de história da literatura,

memorização nomes, datas, obras. Pouco se trabalha com o texto em si,

que passa a ser usado apenas para que o aluno identifique em sua trama,

as características desta ou daquela escola literária. Procurando apenas o

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que o autor do livro didático ou o professor da sala de aula já achou. O que

poderia ser a leitura multifacetária se transforma em um jogo de cartas

marcadas.

No ensino de literatura não há espaço para a mera transposição de

conteúdo da agonizante educação bancária. É assim que muitos professores

em final de carreira acabam por se transformar em um contingente de

“aposentados em serviço” ou de acomodados, que não têm mais desejo

nenhum a não ser a garantia de um túmulo confortável (SILVA, 2005). Esse

profissional já se eximiu da reflexão, não se vê com ânimo de experimentar

nada de novo. Ao contrário, a inovação lhe traz insegurança. Para este,

“todos os alunos tinham a mesma fisionomia; seres em miniatura a serem padronizados, homogeneizados a fim de servirem no mercado de trabalho, depois de passarem pelo vestibular e pela faculdade. Para ele, a quem poderíamos chamar de marionete do sistema, o conhecimento perdera a sua dimensão de prazer e descoberta; contentava-se em passar matéria, ajeitara-se comodamente nos trilhos da mesmice e ficava definitivamente de bem com a lenga-lenga das repetições. Para ele, a quem poderíamos chamar de agulha-de-vitrola-a-girar-em-disco-rodado, a vida não mais possuía uma dimensão de aventura, a profissão transformava-se em tortura: virou um cabeça-dura!” (SILVA:2005,89)

Mas para o professor reflexivo,

“Evidentemente ..., o educador não pode furtar-se em determinados momentos de informar. E não pode na medida mesma em que conhecer não é adivinhar. O fundamental, porém, é que a informação seja sempre precedida e associada à problematização do objeto em torno de cujo conhecimento ele dá esta ou aquela informação. Desta forma, se alcança uma síntese entre o conhecimento do educando e do educador, síntese que se faz por meio do diálogo” (FREIRE:1975,74)

É compreensível que o “final de carreira” não se sinta ancho nas aulas

de literatura. Afinal, a gramática lhe oferece a possibilidade de se apoiar

seguramente em regras e ele não precisa fugir de seu discurso, aliás ele

não precisa nem discursar. As respostas |às dúvidas dos alunos já estão

prontas, é só repeti-las. Os exercícios de repetição e memorização são

simples de corrigir e avaliar.

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“A ideologia do tecnicismo, sustentáculo da tecnologia tecnicista, sugou muito do bom senso do professorado brasileiro. Tirou-lhe a autonomia. Arrancou-lhe a dignidade. Extraiu-lhe a liberdade e a capacidade de inovação. Além, é claro, de mercantilizar as relações de ensino-aprendizagem e colocar o professor na posição de consumidor de modismo metodológicos, fabricados nos gabinetes centralizados do poder.” (SILVA:2005,90)

Deve-se levar em conta, também, que este professor esteve sentado,

imóvel, no espaço quadrado de sua carteira, sendo fruto de uma educação

autoritária e castradora. Sim, é compreensível, não vamos linchá-lo, mas ele

bem que podia se esforçar um pouco para recuperar a sua imaginação

criadora.

Para tais professores é difícil admitir que existem pessoas com

diferentes aptidões. O Professor deve ser um especialista, mas os alunos

não são, têm interesses diferentes. Há professores que criam reação contra

a literatura porque fazer imposição de seu gosto ao aluno, não o

respeitando na não apreciação daquele tipo de texto ou daquele tipo de

arte. Ninguém precisa substituir gostos, pode-se ser eclético, um gosto não

exclui o outro. Se iniciarmos uma aula combatendo o que os alunos

consomem em termos de leitura, já vamos criando um impasse e o aluno

começa a ver o professor e tudo o que ele trouxer para dentro da sala de

aula, com antipatia.

Só se ama o que se conhece, e o professor deve oportunizar o contato

do aluno com o máximo de gêneros textuais. Para formar o leitor autônomo

poderíamos nos dispor apenas os textos técnicos, mas o desenvolvimento

do senso estético e a absorção catártica estariam comprometidos. Ademais,

é necessário comover, sensibilizar, instaurar até fragilidade no outro para

poder convencê-lo, ensinar, mudar comportamentos e conceitos. Muito

disso nós conseguimos investindo alguns minutos com a predição do texto.

Temos que explorar o título, o quadro de composição da obra, até que o

aluno sinta-se ávido de curiosidade pela leitura daquele texto.

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Espera-se que o dirigente da leitura de romances históricos ofereça

mecanismos para a construção de um referencial que possibilite a

compreensão de um novo texto a partir da leitura usar novos artifícios como

debates, intertextualidade, troca de experiências, questionamentos que

proporcionarão referencial básico para a compreensão de outras leituras.

Formando-se aí um leitor autônomo, reflexivo e compulsivo. Formado este

será autodidata que terá a escolha de ler um romance histórico ou não, do

contrário afastado dos bancos escolares, ficará arredio à diversidade de

textos e regredirá ao analfabetismo funcional por incapacidade de

compreender, de não dar conta de uma leitura.

Só o leitor autônomo pode usar a literatura para passar por

experiências sem ter que vivê-las literalmente e usar o romance histórico ou

não como instrumento de leitura do mundo e de si mesmo, como sujeito

construído historicamente e como construtor da história de seu mundo,

numa ação condizente com sua dignidade humana.

É tempo de escolha, de ajuste de foco, de mudança de olhar.

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