o jornalismo introspectivo de clarice lispector: um subgênero do jornalismo literário

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Curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba Tarcisio Luciano Candido O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector: um subgênero do Jornalismo Literário Uberaba 2009

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Monografia apresentada pelo aluno Tarcisio Candido como exigencia para a conclusão do curso de Comunicação Social habilitação em Jornalismo da Universidade de Uberaba.

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Page 1: O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector: um subgênero do Jornalismo Literário

Curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba

Tarcisio Luciano Candido

O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector:

um subgênero do Jornalismo Literário

Uberaba

2009

Page 2: O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector: um subgênero do Jornalismo Literário

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Tarcisio Luciano Candido

O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector:

um subgênero do Jornalismo Literário

Monografia apresentada ao Curso de

Comunicação Social da Universidade de

Uberaba como requisito parcial à obtenção

do título de bacharel em Comunicação

Social, habilitação Jornalismo.

Orientador: Prof. Mestre André Azevedo da

Fonseca.

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Curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba

Tarcisio Luciano Cândido

O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector:

um subgênero do Jornalismo Literário

Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação Jornalismo

Banca Examinadora:

_______________________________________

Nome do Professor(a) Orientador(a)

_______________________________________

Nome do Professor(a) avaliador

_______________________________________

Nome do Professor(a) avaliador

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Dedicatória

Dedico à minha fé em Deus, à minha determinação e sede de vitória e de desafiar meus

medos. Ao pensamento positivo e confiança de meus pais. E, ao grande profissional que me

mostrou que realmente tudo é possível, que não há obstáculo quando se quer, que me

apresentou um mundo novo, onde há infinitas possibilidades e que pode ser cheio de

vitórias; mostrou-me o universo “viciante” acadêmico, o qual não quero sair mais: Professor

Mestre André Azevedo da Fonseca. E também a todos aqueles que me têm sempre

palavras de apoio e incentivo.

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Agradecimentos

Ao professor André Azevedo, à professora e psicanalista Andréa, à professora

Janete Tranquila, ao professor Felipe Pena, à professora Cintia Cunha, ao professor

Raul Osório Vargas, à professora Mirna Tonus e a todos os teóricos que

colaboraram mesmo que indiretamente com a pesquisa e principalmente a luz de

Clarice Lispector.

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“Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.” LISPECTOR 1994.

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RESUMO

Consagrada como uma das maiores escritoras brasileiras, Clarice Lispector nasceu

em 1920, na Ucrânia, mas mudou-se com a família para o Brasil, antes de completar

um ano de idade. Autora de contos, romances e crônicas, publicou livros

considerados clássicos na moderna literatura brasileira, tais como: Perto do Coração

Selvagem, A hora da Estrela, Laços de Família, Água Viva, O lustre, dentre outros.

Uma escritora indecifrável, misteriosa e hermética que, na obsessiva captura de si

mesma e do outro, revelava, sob a luz do cotidiano, um mundo de anseios e ilusões

inconfessáveis. Se na literatura permaneceu discreta e anônima, foi na sua carreira

jornalística que Clarice se deu a conhecer de modo pessoal e subjetivo, tanto nos

tempos de colunista, quanto nos momentos como entrevistadora. O período em que

ela escreveu, semanalmente, crônicas para o Jornal do Brasil, de 1967 a 1973, é o

objeto de estudo do presente trabalho. O objetivo é desenvolver, através da análise

dessas crônicas, um conceito inédito que chamaremos de Jornalismo Introspectivo –

um subgênero do Jornalismo Literário. Partimos da hipótese de que Clarice fazia um

texto não explicável apenas pelo conceito de crônica. São textos com alto grau de

subjetividade e com afoito questionamento do ser, característicos da introspecção,

onde o tema tem suas origens e desfechos nas próprias inquietações existenciais de

Clarice. A metodologia é qualitativa e se assenta no estudo de caso,

fundamentando-se através de um diálogo epistemológico entre o jornalismo e a

psicanálise. A relevância da pesquisa se justifica pela necessidade de investigar

alternativas para o aprimoramento da escrita e do fazer jornalístico, contribuindo com

a reflexão sobre os gêneros textuais no jornalismo.

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Sumário

I - INTRODUÇÃO

1 - Clarice Lispector Jornalista ............................................................................... 9

II – PONTO DE PARTIDA

2 - Clarice Lispector em pauta ............................................................................... 11

III – AVALIAÇÃO DE CONCEITOS

3 - Crônica: a polêmica do gênero ......................................................................... 16

3.1 - O interpessoal do Jornalismo Literário e seu subgênero .............................. 18

3.2 – Psicanálise e os estudos da introspecção .................................................... 20

IV - A DESCOBERTA DO MUNDO DE CLARICE

4 - O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector ............................................... 23

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 37

VI – REFERÊNCIAS ............................................................................................... 38

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INTRODUÇÃO

1 - Clarice Lispector jornalista

A hora da Estrela, A paixão segundo G.H., A maçã no Escuro, Perto do

Coração Selvagem são algumas das famosas obras de Clarice Lispector, a escritora

ucraniana, que se naturalizou brasileira e marcou no cenário nacional seu nome

como uma das maiores escritoras do país. Contemporânea de Carlos Drummond de

Andrade, Clarice Lispector, apesar de sua vasta obra literária, contribuiu também

para com o jornalismo praticado em sua época, bem como seu contemporâneo. Por

muitos considerada hermética, Clarice soube sabiamente discernir a escrita literária

da jornalística:

(...) basta eu perceber que estou escrevendo para jornal, isto é, para algo aberto facilmente por todo o mundo, e não para um livro, que só é aberto por quem realmente quer, para que, sem mesmo sentir, o modo de escrever se transforme. (LISPECTOR, 1999).

Em seus textos literários, Clarice procurava questionar a existência do ser, era

totalmente introspectiva, dessa mesma forma, podemos notar que em seus textos

jornalísticos não foi diferente. Clarice teve suas primeiras experiências com o

jornalismo em algumas esporádicas publicações de textos em jornais, mas foi em

1960, com uma coluna “Só para Mulheres” no jornal Diário da Noite, que se iniciou

de fato no meio. Clarice, temendo abrir sua intimidade e expor sua vida, inicialmente,

usava de pseudônimos para publicar suas escrituras. O grande destaque de Clarice

na imprensa foi quando passou a ser colunista no jornal Diário do Brasil, com

publicações de textos todos os sábados, período que decorreu de agosto de 1967 a

dezembro de 1973.

Apesar de sempre declarar que jamais publicaria uma biografia, o período em

que Clarice colaborou com o Jornal do Brasil pode ser considerado, de certa forma,

sua obra autobiográfica; textos esses que mais tarde foram reunidos em um livro

chamado A Descoberta do Mundo. Ela mesmo menciona em um dos textos do livro:

E também sem perceber, à medida que escrevia para aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo o risco daqui em breve de publicar minha vida passada e presente, o que não pretendo. (LISPECTOR, 1999).

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Williams (2008) comenta que Clarice se demonstrava preocupada em estar se

abrindo muito aos leitores, temendo o afastamento da jornalista profissional. Isso fez

com que ela começasse muito consciente do seu papel, pedindo desculpas por ser

uma iniciante desajeitada. No entanto, o que Clarice não esperava aconteceu: as

crônicas foram sucesso justamente porque a escritora abriu o coração e contou

detalhes da sua vida. Williams completa dizendo que os leitores adoravam,

escreviam ao jornal e, às vezes, as cartas ou até telefonemas foram incorporados

nas crônicas:

Oh, Chico Buarque, pois não é que recebi uma carta de uma cidade do Rio Grande do Sul, Santa Maria, a respeito de você e de mim? É o seguinte: a moça me lê num jornal de Porto Alegre. E muito jovem, me diz que sente grande afinidade comigo, que eu escrevo exatamente como ela sente. Mas sua maior afinidade comigo vem do fato de eu ter escrito sobre você, Chico. Diz: “Eu, como você, tenho uma inclinação enorme por ele. Achava eu que esta inclinação (que é motivo de troça de meus amigos) era um pouco de infantilismo meu, talvez uma regressão à infância, mas lendo seus bilhetes descobri que não, que a razão é justamente conforme suas palavras: ser ele altamente gostável e possuir candura. (LISPECTOR, 1999).

Barreto (2004), na sua tese em Letras, avalia como as características de um

espaço jornalístico possibilitaram a aproximação de Clarice com seu leitor. As

palavras de Clarice serviram para um encontro com seu público, onde a própria

autora era o principal personagem e, ao mesmo tempo, puderam figurar os próprios

leitores nos momentos em que trocava correspondências.

Nas crônicas que publicava no jornal, Clarice tratava de temas variados,

desde acontecimentos factuais a acontecimentos de sua vida. Temos como

exemplos, respectivamente, em 7 de outubro de 1967, quando tratou do grande

ídolo do momento, o apresentador Chacrinha e suas impressões sobre ele, e em 4

de fevereiro de 1968, no seu primeiro encontro com o ídolo Chico Buarque de

Holanda e a emoção dela no momento. Contudo, independentemente do tema,

Clarice adentrava seu texto, usava da subjetividade para atrair e envolver o leitor.

Podemos tratar então uma forma de jornalismo do “eu”, um jornalismo para

dentro que explode nas páginas em forma de textos pessoais e envolventes.

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PONTO DE PARTIDA

2 - Clarice Lispector em pauta

São inúmeros os trabalhos desenvolvidos sustentados nas obras e vida de

Lispector. Nunes (1991) tratou de examinar em sua tese o percurso jornalístico de

Clarice Lispector. Ela reuniu alguns textos publicados por Clarice na imprensa, que

segundo ela ainda não haviam sido reunidos para mostrar características de sua

construção. Nunes encontrou três perfis Clariceanos: o de escritora, em seus

primeiros texto, o de colunista, quando escrevia para uma coluna feminina e o de

entrevistadora de personalidades. O trabalho de Nunes ainda reúne informações de

documentos pessoais e profissionais de Clarice e transcritos dos depoimentos

coletados entre amigos, colegas de redação de Clarice, além de editores.

Sobre outra fase considerável da carreira jornalística de Lispector, quando ela

escreveu coluna feminina na imprensa carioca, Nunes (1997) aborda em sua tese de

doutorado. Segundo Nunes, essa fase da vida de Clarice é pouco citada em

biografias da escritora: “esse período, que correspondeu aos anos 50 e início dos

60, temos uma Clarice que trata coisas corriqueiras, que se adaptava à estética da

imprensa feminina, que falava de moda, casa, beleza, filhos, coração, mesmo assim

aproveitava o espaço para fazer ficção.

O principal tema que guia a dissertação de Cagno (2002) é a literariedade dos

textos publicados por Clarice Lispector em jornais. Segundo Cagno mesmo

admitindo que tanto o texto literário quanto o jornalístico aportam na subjetividade e

se concretizam como discurso a partir do universo sócio-histórico de onde são

gerados, nota-se o compromisso de Lispector com a literatura. O objeto de estudo

de Cagno também são textos publicados por Clarice no Jornal do Brasil e publicados

em “A descoberta do mundo”, no decorrer dos seis anos. Cagno diz ter escolhido

esses como objeto de estudo uma vez que mesmo Clarice tendo tratado temas

ligados ao cotidiano ou à notícia, e sendo publicado em um veículo de comunicação

de massa, o narrador em Clarice não obedece critérios jornalísticos e nem se prende

à gêneros determinados; o que caracteriza seu estilo literário. Para este estudo,

Cagno utiliza-se da Análise do Discurso, de linha francesa, e dos princípios textuais

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propostos pelos formalistas. Percebe-se que tal pesquisa tende a demonstrar o quão

Clarice não deixa de ser literária mesmo estando em distinto meio, como em um

jornal.

Alvarez (2003) trata em sua tese os dois livros publicados com o conteúdo

jornalístico de Clarice Lispector: “Para não esquecer” com os textos curtos que foram

publicados na revista Senhor e “A descoberta do mundo”, crônicas publicadas por

Clarice no Jornal do Brasil. Alvarez pontua sobre a difícil tarefa de ordenar os textos

para facilitar sua abordagem, uma vez que trata de textos heterogêneos: encontram-

se crônicas, contos, poemas em prosa, ensaios, cartas e entrevistas, entre outros.

Com um fio condutor entre os dois volumes e tento em vista a abundância e

relevância dos textos em que Clarice trata temas como arte, linguagem, literatura,

escrita, etc; Alvarez demonstra um estudo estético de Clarice sob o prisma das

próprias considerações filosóficas e estéticas da autora.

Em relação a aproximação e a relação de Clarice Lispector com seu publico,

no período que assinou sua coluna semanal no Jornal do Brasil, quem trata em sua

dissertação é Barreto (2004). O autor averigua como as características de um

espaço jornalístico possibilitaram a aproximação de Clarice com seu leitor; as

palavras de Clarice serviram para um encontro com seu público, onde a própria

autora era o principal personagem, ao mesmo tempo pôde figurar os próprios

leitores nos momentos em que trocava correspondências. O trabalho desenvolvido

por Barreto também tem como objeto de estudo o livro “A descoberta do mundo”,

verificando o quanto Clarice aproveitou o espaço jornalístico para até fazer a

releitura e até reescritura de seus textos.

Também com objeto de estudo o livro “A descoberta do mundo”, Gentil

(2004), busca em seu trabalho investigar o caráter autobiográfico no processo

criativo de Lispector. Gentil permite-se ao estudo de crônica, desde surgimento à

classificações e com os textos de Clarice analisa os textos-crônicas, através da

linguagem que Clarice desenvolveu, através do aproveitamento intertextual do seu

próprio discurso. Ressalta os temas abordados nas crônicas e a paixão de Clarice

pela linguagem e sua procura pelo sentido da existência.

Tratando de aproximar a arte de Clarice Lispector e a teoria psicanalítica,

Vale (2006) dissertou través do conceito do Real relacionado aos conceitos de

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realidade psíquica, fantasia e sublimação com intuito de refletir acerca das

interações entre a psicanálise e a arte. A escrita de Clarice se desenvolve no

trabalho, direcionando o percurso teórico e mostrando possibilidades de

pensamentos que proporcionam uma abertura conceitual.

Gomes (2008) também se dedica ao estudo das crônicas publicadas por

Clarice Lispector no Jornal do Brasil no período de 1967 a 1973, o intuito dela é

além de estudar a construção das crônicas, relacionar com o método de construção

ensaístico de Michel Montaigne. Para Gomes, ensaio e crônica são associados

tendo em vista o diálogo entre eles através do modo que trabalham a linguagem no

limite entre o poético e o reflexivo filosófico. Esta presunção se ancora em dois

pontos decisivos de confluência entre essas produções textuais: o encargo pela

forma escritural e a invenção do “eu”. Gomes trabalha o diálogo entre duas linhas de

fundamentação teórica: primeiro pensa a voz do narrador e a construção do olhar do

cronista sob os estudos de Walter Benjamin sobre o narrador. A segunda trata a

construção do método ensaístico e a invenção do “eu” do cronista, a partir dos

Ensaios de Montaigne. Gomes separa oito crônicas publicadas por Clarice no Jornal

do Brasil; cinco delas foram analisadas em diálogo direto pois dialogam com a

reflexão sobre a invenção do “eu” do cronista. As outras crônicas abordam o manejo

escritual no subsolo do texto, o que justifica a escolha pelo desejo de mergulhar no

processo construtivo pelo jogo escritural de suas bases de composição.

Trabalho contemporâneo também é o de Souza (2008), que ao tratar os

textos publicados por Clarice no Jornal do Brasil toma como importante para sua

pesquisa o fato de Lispector republicar contos e romances anteriores à participação

dela no jornal, por isso, Souza usa o termo “plágio de si mesma”; e defende que tais

repetições se devem em parte a um menosprezo de Clarice em relação ao jornal,

tendo em vista os momentos em que a autora não fazia esforço para escrever

crônicas inéditas. Por outro viés pode ser que há um interesse em republicar uns

textos ao invés de outros, o que demonstraria uma escolha literária explícita e uma

necessidade de redizer seus próprios textos. Leva a crer que o “plágio de si mesma”

revela a busca da autora por uma compreensão da própria obra e ainda acena para

a problemática maior dos modos de criação Clariceana.

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Ferreira (2008) objetiva em sua tese mostrar a contribuição dos textos de

Clarice Lispector para o jornalismo brasileiro; tendo em vista as crônicas publicadas

no Jornal do Brasil, na relação com os contextos políticos, sociais e culturais da

época. Ferreira tem embasamento na concepção de Mikhail Bakhtin sobre o

enunciado concreto e nas peculiaridades constitutivas desta noção, para realização

da leitura dos textos. Segundo Ferreira, a leitura demonstrou traços do olhar

jornalístico de Lispector quando escrevia sobre situações político-sociais vividas

pelos cidadãos brasileiros diante dos fatos que aconteceram no cotidiano, num

período marcado pela censura. Textos que reportavam medo, coragem,

insegurança, perda de liberdade e outras questões ligadas à conjuntura político-

econômica do país. Clarice pode compartilhar isso com outros cidadãos.

Quem relaciona de alguma forma Clarice à psicanálise é Miranda (2000);

retirando de Freud e Lacan as formulações sobre o além do princípio de prazer e

sobre o real, respectivamente. Para Miranda, a busca dos limites da linguagem, a

partir dos quais a representação se torna incapaz de recobrir toda a dimensão das

experiências narradas, é um dos elementos mais marcantes na escrita de Lispector.

No entanto, Miranda se baseia em textos literários de Clarice para efetuar uma

aproximação da escrita literária com a teoria psicanalítica. Assim como Miranda

(2000), Vale (2006) também trabalha o conceito de Real. Ela trabalha na perspectiva

de que parte da escrita de Lispector seja transmissora da dimensão inominável que

o conceito de Real representa, propondo também uma aproximação entre a arte da

escritora com a teoria da psicanálise. Segundo Vale, a questão da escrita é

observada em sua vertente simbólica enquanto transmissora do Real a partir da

concepção de Freud – seguido por Lacan – a respeito da semelhança entre o

aparelho psíquico e uma escritura. Vale também trabalha a literatura de Clarice,

utiliza-se do romance Água Viva.

Com outro enfoque, porém também sobre o viés psicológico, Torre (2006) fala

da solidão de não pertencer à quarta dimensão, mais precisamente do modo de ser

das pessoas. Norteado pelos estudos psicanalíticos de Donald W. Winnicott, utiliza-

se da história de Clarice, os estudos clariceanos, os “depoimentos” deixados ao

longo de sua obra e a releitura dela, apontando para o desvelamento de seu idioma

pessoal missão/questão, pertencer/não, solidão e silêncio – que deságuam na sua

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palavra. Um estudo psicologicamente profundo de Clarice; personagem que,

segundo o autor, com a palavra encontra o destino de suas questões, ergue a ponte

do ser-ser na qual se encontram as singularidades do ser gente.

Júnior (1996) realiza seu estudo sobre as relações entre a linguagem e

processo de subjetivação. O autor explora, por meio de uma leitura da obra de

Clarice Lispector possibilidades de articulação entre a linguagem e os processos de

constituição da identidade do sujeito, em especial no contexto da subjetividade

contemporânea. Estuda a construção da narrativa, noções de introspecção, de

metáfora e de evento e os jogos de identidade presentes na ficção de Lispector.

Percebe-se que, em todos os trabalhos já desenvolvidos em torno da

produção de Clarice para o Jornal do Brasil, sejam eles teses ou dissertações para o

curso de letras, literatura ou psicanálise, nenhum possui um enfoque que trata o

aspecto psicanalítico das publicações jornalísticas e poucos valorizam a obra como

jornalística. Contudo, torna-se notório a grande preocupação de muitos com a

personalidade da escritora, o que infere claramente no seu modo de escrever; o que

conta pontos para a tradução das características de sua obra jornalística.

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AVALIAÇÃO DE CONCEITOS

3 - Crônica: a polêmica do gênero

Segundo Melo (2002): "Da História e da Literatura, a crônica passa ao

jornalismo, sendo um gênero cultivado pelos escritores que ocupam as colunas da

imprensa diária e periódica para relatar os acontecimentos pessoais". (MELO, 2002,

p. 141).

Percebe-se nas crônicas uma busca pela literatura, principalmente no uso da

linguagem teatral, cheia de palavras complexas e certa hermeticidade; contudo,

usufruindo do resgate da realidade. O professor Wellington Pereira cita: “O cronista

estabelece novos processos de enunciação, ultrapassa os limites impostos pela

conotação, procurando transformar o exercício da crônica num espaço textual que

absorve, criticamente, várias linguagens. Neste sentido, a crônica não se define

apenas a partir do grau de literariedade nem do referencial jornalístico: torna-se a

possibilidade de leitura dos níveis lingüísticos passíveis de uma reconstrução no

interior do jornal.“ (PEREIRA, 2004, pp. 30-31). No livro o autor analisa a crônica

nos jornais como uma narrativa que tem independência estética e que não se limita

aos preceitos da literatura ou do jornalismo.

As crônicas nos jornais vêm então refletir as mais inquietas agonias, medos,

anseios; alegrias, emoções e satisfações humanas. Vêm conjeturar o que sente o

homem submergido em uma sociedade capitalista humana cheia dos mais distintos

preconceitos, regras e preceitos. Trata-se de uma estética diferenciada que não se

define como literária ou jornalística, uma mistura que vem trazer uma temática nova

ao jornalismo nos veículos de comunicação. A linguagem das crônicas ultrapassa

os códigos propostos no texto jornalístico. Um texto com figuras de linguagem, que

pode permitir ao leitor diversas leituras de um fato, um texto heterogêneo.

Percebe-se certo preconceito em relação ao jornalismo de crônica,

principalmente por se tratar de algo opinativo. Apesar de tudo, é questionável que

com o avanço tecnológico e as varias discussões em torno do fim do jornal impresso

- substituído pelas mídias eletrônicas -, o jornalismo opinativo possa ser o destino do

jornal impresso.

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O cronista pode ousar, na sua liberdade semântica, em meio ao texto misto.

Vejamos Rubem Braga, considerado o mais notório cronista brasileiro, desde

Machado de Assis, ele tinha a dádiva de retratar no estilo o cotidiano. Assis atuou

em grandes jornais como “O Globo” e “Correio da Manhã”. Em crônica publicada no

dia 22 de junho de 1968, no Jornal do Brasil, Clarice falando sobre o ser cronista,

dizia-se sem entender como era ser cronista, ela cita: “(...) Crônica é um relato? É

uma conversa? É um resumo de um estado de espírito? Não sei (...)”, “(...) à medida

que escrevia para aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo o risco daqui em

breve de publicar minha vida passada e presente, o que não pretendo. Outra coisa

notei: basta eu saber que estou escrevendo para um jornal, isto é, para algo aberto

facilmente para todo o mundo, e não para um livro, que só é aberto para quem

realmente quer, para que, sem mesmo sentir, o modo de escrever se transforme.

(...)”, “(...) Divertir? Fazer passar uns minutos de leitura? E outra coisa: nos meu

livros quero profundamente a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui no

jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele fique agradado. Vou dizer a

verdade: não estou contente. E acho mesmo que vou ter uma conversa com Rubem

Braga porque sozinha não consegui entender.”

Acima notamos o exercício da metalinguagem praticado por Clarice e isso

veio a germinar também no século XX, quando o cronista realçou o espaço

jornalístico que seu texto vinha ocupando e passaram a usar também a

metalinguagem, discutindo a importância da crônica em todos seus aspectos:

influência no leitor, temas que escreviam, validade das discussões, relevância e

outras peculiaridades. Como Clarice, outros cronistas, no século XX, também

trataram temas relativos à imprensa e ao que escrevia, bem como Machado de

Assis. Assis fazia toda uma discussão e até propunha soluções, haja vista em um

trecho onde ele discursa sobre a função do jornal:

“O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a locomotiva intelectual, em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a frescura das idéias e fogo das convicções (grifo meu) (...)

O jornal é a liberdade, é o povo, é a consciência, é a esperança, é o trabalho, é a civilização”. (MACHADO DE ASSIS, 1997)

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Além de Machado de Assis e Clarice Lispector, outros cronistas se

destacaram no século XX: Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Rachel de

Queiroz, Vinícios de Morais entre outros. De algo utópico e somente literário, há, por

eles, a preocupação com o lado jornalístico, com a retratação de fatos. Temas

inclusive os sociais brasileiros da época eram retratados; crônicas com significado e

reflexões às temáticas sociais vigentes na época, na primeira metade do século XX.

Com linguagem já não tão rebuscada, a crônica passa a “falar” com o leitor, através

de temas corriqueiros do dia a dia.

3.1 - O interpessoal do Jornalismo Literário e seu subgênero

Um jornalismo com ar de literatura ou literatura com ar jornalístico? Não se

preocupar nem com a literatura e com o jornalismo são as primeiras advertências de

Pena (2006) em Jornalismo Literário, segundo ele deve-se preocupar apenas com a

sonoridade e melodia, ele ainda confessa que escreve somente por não saber fazer

música. Fica assim claro a proposta de um jornalismo que deixa de ser refém do

lead, subdlead e pormenores e também da objetividade. Na mesma obra, Pena

(2006) relata que o ofício do jornalismo teve seu início marcado pela literatura,

advém dela características como a descrição de personagens, ambientes; relatos

carregados de subjetividade, porém durante o decorrer dos anos essa subjetividade

foi se perdendo e dando lugar à nova estrutura, baseada na objetividade e

imparcialidade, sem nenhum tipo de opinião. Mas sabemos que a imparcialidade no

jornalismo é impossível, o jornalista sempre deixará características suas intrínsecas

no texto. O quê, quem, como, onde, por quê e quando vieram acabar com o “charme

jornalístico”.

Atualmente sabemos que a função primordial do jornalismo é informar e o

lead tem sim seu papel fundamental a favor da informação, reduz a possibilidade de

o leitor ser, de alguma forma, influenciado pelo autor do texto. Contudo, o resgate do

jornalismo literário vem como alternativa ao resgate da elegância literária, sem

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deixar de lado os métodos e teorias aprendidos no exercício do jornalismo e nas

redações, principalmente a apuração rígida dos fatos, a clareza, concisão e outros.

Muito se fala do processo de recepção da informação, perante o leitor. Com a

globalização, informatização e desenfreada evolução tecnológica, percebemos que,

a cada dia, pessoas são transformadas em números, em contagem, cabeças. O

teórico marxista húngaro Georg Lukács, tratou o tema reificação em sua obra

História e Consciência de Classe (LUKÁCS, 1986). O conceito é basicamente de

que no sistema capitalista, diante dos interesses econômicos, os homens tendem a

ver os outros apenas como objetos. Assim, a interação entre os indivíduos passa a

ser superficial e sem interatividade, sem participação, estando vigente somente a

observação e passividade.

No jornalismo da mesma forma, criam-se leitores sem espaço para

questionamento e com uma realidade totalmente distante do jornalista que escreve;

seria preciso estreitar os laços, tratar de igual para igual jornalista e leitor, como

disse Clarice, transformar em um bate papo, uma conversa. Transmitir emoção para

gerar uma identificação do leitor com o que é escrito.

Em seu livro Entrevista: o diálogo possível, a jornalista Cremilda Medina

(1986), trata a relação entre o entrevistado e o entrevistador, como um contato

humanizado. Segundo a autora, os envolvidos na entrevista são modificados pelo

contato que tiveram ali, para se dar uma inter-relação verdadeira. No caso de nosso

objeto de estudo, trataremos a relação que deve haver entre o jornalista e o leitor. A

linguagem e a abordagem que devem gerar essa inter-relação, tratar o leitor não só

como um consumidor, que apenas paga pelo trabalho final.

Pena (2009), em seu trabalho “O Jornalismo Literário nas imagens de Freud e

Lacan: por uma teoria psicanalítica do jornalismo”, cita:

(...) a reflexão crítica sobre o jornalismo é imprescindível. Precisamos entender nossos problemas, buscar caminhos, encontrar soluções. Precisamos saber os motivos da crescente desconfiança do público. Precisamos enxergar nossos preconceitos e estereótipos. Precisamos reconhecer nossas próprias limitações como profissionais de imprensa, não só incentivando a pesquisa científica, mas participando dela.

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Além do questionar o jornalismo, não menos importante é também propor,

participar. Propor um subgênero, Jornalismo Introspectivo, é o que desejamos,

dentro do Jornalismo Literário, estilo que permite total subjetividade na narrativa

jornalística. Pereira Lima (2008), ao tratar o Jornalismo Literário como o “jornalismo

com alma”, enumera os princípios que alicerçam a prática do JL. Neles, vale

destacar a humanização que, na visão de Lima (2008), é o fator que marca o

gênero. Segundo ele, toda narrativa real só se justifica se encontrarmos nela

protagonistas e personagens humanos tratados com o devido cuidado. “Queremos

antes de tudo descobrir o nosso semelhante em sua dimensão humana real, com

suas virtudes e fraquezas, grandezas e limitações” (p. 359).

Junto à valorização da obra jornalística de Clarice Lispector, identificar nela os

primeiros vestígios do Jornalismo Introspectivo através de suas crônicas, que muito

revelam de si mesma e sobre o contexto da época, tornam-se fatos importantes para

a reflexão crítica do jornalismo, citada por Pena (2009).

Estudar o Jornalismo Introspectivo, como subgênero do literário, trata-se de

discorrer sobre um tema inédito. Não se encontram estudos diretamente

relacionados a ele. Há análises sobre as interlocuções entre comunicação e

psicanálise, porém, não específico, que analise a influência da introspecção no

Jornalismo Literário. A intenção é poder contribuir com o estudo de um subgênero

jornalístico.

3.2 - Psicanálise e os estudos de introspecção

Brenner (1975) traz uma boa abordagem a respeito das noções fundamentais

de psicanálise. Segundo ele, psicanálise é a disciplina científica instituída por

Sigmund Freud há mais de sessenta anos (1856-1939), deu origem a teorias que se

derivam de seus dados de observação e que procuram ordenar e explicar esses

dados. Logo, o que chamamos de teoria psicanalítica é, então, uma associação de

hipóteses a respeito do funcionamento e do desenvolvimento da mente do homem.

Sendo parte da psicologia geral, compreende aquelas que são as mais importantes

contribuições que se realizaram até os dias de hoje em relação à psicologia humana.

É um método de investigação, que consiste em evidenciar o significado inconsciente

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das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de

um sujeito.

A teoria psicanalítica tem interesse tanto no funcionamento mental normal

como pelo patológico; de nenhuma forma constitui somente em uma teoria de

psicopatologia. É fato que a prática da psicanálise consiste no tratamento de

pessoas mentalmente enfermas ou perturbadas, mas as teorias psicanalíticas se

referem tanto ao normal quanto ao anormal, mesmo tendo derivado do estudo e do

tratamento da anormalidade.

Há, na psicanálise, duas hipóteses fundamentais: são o princípio do

determinismo psíquico, ou da causalidade, e a proposição de que a consciência é

antes um atributo excepcional do que um atributo comum dos processos psíquicos.

Em relação ao primeiro, podemos dizer que na mente, assim como na natureza

física que nos cerca, nada acontece por acaso ou de modo acidental. Na nossa vida

mental o que pode parecer acidental, os são apenas aparentemente. Os fenômenos

mentais são tão incapazes de tal falta de conexão causal com os que os precedem

quanto fenômenos físicos; o que mostra que não existe descontinuidade na vida

mental. A respeito da última, em linhas gerais, define-se dizendo que de acordo com

a teoria psicanalítica, os processos mentais inconscientes são de grande freqüência

e significado no funcionamento mental normal, bem como no anormal.

Barros (2008), em seu trabalho, cita que desde 1790, Kant já tinha observado

que a partir do momento que os seres humanos se puseram a falar na primeira

pessoa, começaram a trazer o seu eu à superfície sempre que possível, fazendo o

egoísmo um avanço irresistível. Segundo a autora, a preocupação com o eu teve

sua origem intensa e preocupante na burguesia do século XIX, com o intuito de

aprofundar tal linguagem interna para o entendimento das emoções ocultas e

secretas do indivíduo. O século XX chegou e com ele as idéias revolucionárias de

Sigmund Freud, que propunham o entendimento do funcionamento da mente, a

introspecção do eu, através das associações livres do pensamento, um dado teórico

da psicanálise. Freud, a partir daí, adentrou na cultura e mostrou o estudo do

inconsciente como expressão para explicar os conflitos humanos que segundo ele

seriam provenientes das relações entre homem e meio.

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Na obra O Mal Estar na Civilização (1930), de Freud, o tema é abordado de

maneira ampla, detalhada e com ênfase no desgosto do indivíduo para com a

civilização, tendo em vista que, para mantê-los e assim sobreviver, torna-se

imprescindível silenciar, restringir ou modificar as pulsões humanas.

A imersão na introspecção fez com que o burguês comum, artistas, escritores

arriscassem a compreender o eu através de relatos de confissões, folhetins, a

escrita de diários íntimos, cartas de amor ou ruminações religiosas que abrigavam

segredos, emoções e conflitos.

Barros (2008) ainda salienta: “a introspecção leva ao olhar no seu sentido

próprio, como um veículo que nega ou afirma o universo inconsciente, pois cada

indivíduo tem conhecimento de si próprio como um ser único onde é refletido o eu

biológico, social, cultural e afetivo em contínua interação com territórios de paixões,

escolhas, atos e conflitos”.

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A DESCOBERTA DO MUNDO DE CLARICE

4 - O Jornalismo Introspectivo de Clarice Lispector

O Jornalismo Introspectivo diferencia-se não somente pelo alto teor de

subjetividade visto também no Jornalismo Literário, mas também pelo alto grau de

introspecção, ou seja, um jornalismo onde os questionamentos interiores se

sobressaem em relação ao mundo objetivo, deixando transparecer, nas sutilezas, o

mundo interior do jornalista.

Em “A Descoberta do Mundo”, obra que reúne as “crônicas” de Clarice

Lispector publicadas no Jornal do Brasil, os temas mais abordados por Clarice são

os relacionados à sentimentalidade, psicologia humana, comportamento, reações e

emoções: “Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu.

Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior

seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu”, texto “A experiência

maior”, publicada na coluna de Clarice no dia 6 de novembro de 1971. Em outra

passagem, no texto O “verdadeiro” amor:

Bem sei o que é chamado verdadeiro romance. No entanto, ao lê-lo, com suas tramas de fatos e descrições, sinto-me apenas aborrecida. E quando escrevo não é o clássico romance. No entanto é romance mesmo. Só que o que me guia ao escrevê-lo é sempre um senso de pesquisa e descoberta (...).

Clarice falava também muito de si, com sua personalidade quase que

incontestável, e apesar de querer sempre se esconder e nunca revelar-se por inteiro.

Sempre teve medo de ser uma pessoa pública, mas tinha consciência que a partir

daquele momento em que começara a escrever em um jornal isso seria tanto quanto

inevitável, como visto em Gratidão à máquina, texto publicado no dia 20 de janeiro

de 1968:

Uso uma máquina de escrever portátil Olympia que é leve e bastante para o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina de colo. Corre bem, corre suave. Ela me transmite, sem eu ter que enredar no emaranhado de minha letra. Por assim dizer provoca meus sentimentos e pensamentos. E ajuda-me como uma pessoa. E não me sinto mecanizada por usar máquina. Inclusive parece captar sutilezas (...)

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No dia 11 de maio do mesmo 1968, em As três experiências Clarice relata:

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci

para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos (...)”.

Em 1971, no dia 19 de junho, no texto Sem título, relata:

Como é que ousam me dizer que eu mais vegeto que vivo? Só porque levo uma vida um pouco retirada das luzes do palco. Logo eu, que vivo a vida no seu elemento puro. Tão em contato estou com o inefável. Respiro profundamente Deus. E vivo muitas vidas. (...)

Percebemos nos textos um universo Clariceano em suas peculiaridade e

particularidades, que tem a revelar um universo totalmente inexplorado e

desconhecido, com suas contribuições para o jornalismo contemporâneo,

principalmente no que diz respeito ao Jornalismo Introspectivo.

Nos vestígios do que podemos tratar do Jornalismo Introspectivo, em Clarice

Lispector, a Profa. Dra. Claire Williams, Univesity of Liverpook (UK), em: O outro do

outro sou eu: Clarice Lispector, entrevistadora”, cita um documento, sem data, que

se encontra no arquivo da Fundação de Rui Barbosa, no Rio, em que Clarice propõe

o formato de uma página feminina:

“a secção poderia criar um personagem feminino permanente que falaria na primeira pessoa, contaria seus problemas de mulher e como os resolvera, falaria dos problemas de suas amigas, etc. O tom: o de uma pessoa razoavelmente inteligente, informada sem ser uma sábia, e inclusive às vezes indecisa como se contasse com a opinião da leitora” (LISPECTOR, CL/d 26).”

As crônicas publicadas no Jornal do Brasil por Clarice Lispector ajudam

delinear as características marcantes do Jornalismo Introspectivo:

“AS DORES DA SOBREVIVÊNCIA: SÉRGIO PORTO Não, não quero mais gostar de ninguém porque dói. Não suporto mais nenhuma morte de ninguém que me é caro. Meu mundo é feito de pessoas que são as minhas – e eu não posso perdê-las sem me perder. Sem pudor, com lágrimas nos olhos, choro a morte de Sérgio Porto. Ele criava alegria, ele se comunicava com o mundo e fazia esta terra infernal ficar mais suave: ele nos fazia sorrir e rir. Não pude deixar de

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pensar: ó Deus, por que não eu em lugar dele? O povo sentirá a sua falta, vai ficar mais pobre de sorrisos, enquanto eu escrevo para poucos: então por que não eu em lugar dele? O povo precisa de pão e circo. Sérgio Porto, perdoe eu não ter dito jamais que adorava o que você escrevia. Perdoe eu não ter procurado você para uma conversa entre amigos. Mas uma conversa mesmo: dessas em que as almas são expostas. Porque você tinha lágrimas também. Atrás de riso. Perdoe eu ter sobrevivido.”

Este texto foi publicado no dia 28 de setembro de 1968 no Jornal do Brasil, na

mesma semana da morte de Sérgio Porto, famoso escritor e compositor, conhecido

pelo pseudônimo Stanislaw Ponte Preta; podemos classificar então como uma

notícia factual. Uma forma totalmente atípica de informar o acontecido. Note que não

possui as informações do lead definidas (LAGE, 1999), inclusive algumas

incompletas. Ao narrar o fato noticioso, Clarice opta por demonstrar a relação que

possuía com o artista, deixa a subjetividade gritar e escreve na forma de um

desabafo, de lamentações e angústia. A introspecção está em Clarice ter

transformado o fato da morte em um problema seu. Ou seja, o próprio

questionamento de seus erros e seus remorsos se configura como o fato jornalístico

introspectivo. Ela se revela mais que poderia revelar de Sérgio Porto. Contudo, vale

ressaltar o mais importante, ela não deixou de contar características do personagem

retratado, só que numa visão particular.

Ainda tratando de particularidades e atualidade, deixando claro sua posição,

Clarice ainda fez uma crítica ferrenha ao apresentador de maior sucesso no final dos

anos 60:

CHACRINHA? De tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu durar mais que uma hora. E fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como? O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem a todo instante – falta-lhe imaginação ou ele é obcecado. E os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do ridículo ou da humilhação. Vêm

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velhos até de setenta anos. Com exceções, os calouros, que são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo? Ou será que nossos telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no sadismo de Chacrinha? Não entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada: eu queria um povo mais exigente.

Percebe-se nesse a crítica de Clarice à televisão brasileira da época, tendo

como subsidio o trabalho de um apresentador de grande notoriedade e carisma do

momento. Clarice questiona “para si” e deixa escapar ao povo o que acha da relação

televisão X telespectador e analisa o que estão oferecendo hoje ao telespectador.

Na mesma linha de texto “noticioso” e subjetivo.

Clarice não só criticava, ela, inclusive, além de elogiar chegou a descrever

sua relação com nomes públicos da época, como o ilustre Chico Buarque de

Holanda. Cito alguns deles abaixo, o primeiro (1968) retrata o seu encontro com o

ídolo. O segundo (1968) suas impressões sobre Buarque. Já o terceiro ela até insere

uma terceira (1968) pessoa, uma fã, leitora do Jornal do Brasil, que escreveu sobre

Clarice e Chico. Já o quarto (1971), em data mais distante, Clarice mostra-se bem

familiarizada com Chico e até atreve-se a até usar o modo com que Millôr Fernandes

o chamava, de “Xico Buark”. Em todos, Clarice não esconde sua admiração pelo

compositor:

CHICO BUARQUE DE HOLANDA Entrei em um restaurante com uma amiga e logo deparei com Carlinhos de Oliveira, o que me deu alegria. Olhei depois em torno. E quem é que eu vejo? Chico Buarque de Holanda. Eu disse para Carlinhos: quando meus filhos souberem que eu o vi, vão me respeitar mais. Então Carlinhos, que se sentara na nossa mesa, gritou: Chico! Ele veio, fui apresentada. Para minha surpresa, ele disse: e eu que estive lendo você ontem! Chico é lindo e é tímido, e é triste. Ah, como eu gostaria de dizer-lhe alguma coisa – o quê? – que diminuísse a sua tristeza. Contei a meus dois filhos com quem eu estivera. E eles, se não me respeitam mais, ficaram boquiabertos.

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Então eu tive uma idéia e não sei se ela irá adiante; se for, contarei a vocês. Era chamar Chico e Carlinhos para me visitarem em casa. Eu os verei de novo, e sobretudo meus filhos os verão. Falei dessa idéia e um dos meus filhos disse que não queria. Perguntei por quê. Respondeu: porque ele é uma personalidade. Eu lhe disse: mas você também é, aos sete anos de idade ouvia tudo de Beethoven que tínhamos e pedia mais, tanto gostava e sentia e entendia. Mas quero respeitar meu filho. Disse-lhe: se eu convidar Chico, se ele vier, você só aperta a mão dele e, se quiser, sai da sala. Também achei Carlinhos triste. Perguntei: por que estamos tão tristes? Respondeu: é assim mesmo. É assim mesmo.

É nítido o caráter ensaístico da autora que, por isso, supera o gênero crônica em

busca de uma compreensão intimista do fato. Dias depois Clarice dá continuidade ao

assunto:

CHICO BUARQUE DE HOLANDA Eu poderia dizer isso pessoalmente mas tive medo de me emocionar. Você sabe que não me seria difícil convidar o que se chama de personalidades para a minha casa. Mas não foi por você ser uma personalidade que chamei. Convidei porque, além de ser altamente gostável, você tem a coisa mais preciosa que existe: candura. Meus filhos têm. E eu, apesar de não parecer, tenho candura dentro de mim. Escondo-a porque ela foi ferida. Peço a Deus que a sua candura nunca seja ferida e que se mantenha sempre.

Como não falar de introspecção neste texto? Observando, vemos Clarice

falando de Chico, sua relação com ele e como de praxe, não deixa de se mostrar:

“(...) E eu, apesar de não parecer, tenho candura dentro de mim. (...)” Em toda sua

vida de escritora e jornalista, Clarice dizia-se esconder sempre, não querer revelar

nada sobre si mesma, no entanto, percebemos que esta é a obra em que Lispector

mais se revela diretamente. Contando suas singularidades, desejos, sonhos, sua

realidade, ou seja, tudo que há no seu mais profundo eu: consciente e

inconscientemente. Mais do que uma crônica, essa reflexão confessional de caráter

epistolar deixa explícita a dificuldade de rotular essa modalidade de escrita de

Clarice Lispector. Bem como pontua Alvarez (2003) falando sobre a difícil tarefa de

ordenar os textos de Clarice, uma vez que trata de textos heterogêneos: encontram-

se crônicas, contos, poemas em prosa, ensaios, cartas e entrevistas, entre outros.

Onde a autora trata temas como arte, linguagem, literatura, escrita, etc.

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OI, CHICO Oh, Chico Buarque, pois não é que recebi uma carta de uma cidade do Rio Grande do Sul, Santa Maria, a respeito de você e de mim? É o seguinte: a moça me lê num jornal de Porto Alegre. E, muito jovem, diz que sente grande afinidade comigo, que eu escrevo exatamente como ela sente. Mas que sua maior afinidade comigo vem do fato de eu ter escrito sobre você, Chico. Diz: “Eu, como você, tenho uma inclinação enorme por ele. Achava eu que sua inclinação (que é motivo de troça de meus amigos) era um pouco de infantilismo meu, talvez uma regressão à infância, mas lendo seus bilhetes descobri que não, que a razão é justamente conforme suas palavras: ser ele altamente gostável e possuir candura. Você também tem candura. Que se percebe ao ler uma só linha sua.” Ela, Chico, não entendeu que você não é meu ídolo: eu não tenho ídolos. Você para mim é um rapaz de ouro, cheio de talento e bondade. Inclusive fico simplesmente feliz em ouvir quinhentas vezes em seguida A Banda, e um dia desses dancei com um de meus filhos. Mas é só, meu caro amigo. E ela continua assim: “Para mim seria maravilhoso ter um caro amigo. E ela continua assim: “Para mim seria maravilhoso ter um encontro com você e o Chico. Por isto peço-lhe: se um dia ele aparecer na sua casa, convide-me – mesmo eu morando longe. Pois se eu e você nos sentimos inclinadas por ele, e eu e ele por você, talvez desse certo.” Mas, oi, Chico, você já imaginou eu passando um telegrama para Santa Maria: “Venha urgente Chico vem amanhã casa minha.” Olhe, moça simpática, sua carta é um amor, e tenho certeza de que Chico ia gostar de você, é impossível não. Pois se Chico tem candura, e você acha que eu também tenho, você, minha amiguinha, é mil vezes mais cândida do que nós. Mando-lhe um beijo, e tenho certeza de que Chico lhe manda outro beijo – não, não desmaie. Vou lhe contar um segredo a propósito de beijo. Numa quarta-feira, às 11 e 30 da noite, dei um beijo hippy em cada face de Chico Buarque, nas dimensões de 7X4 centímetros, com batom cor de carmim. Trata-se de uma explicação para meu amigo Xiko Buark dar em casa.

No outro texto Clarice já demonstra mais intimidade ainda com Chico

Buarque, agora “Xico Buark”. Relatando a visita que Chico fez à ela:

XICO BUARK ME VISITA Essa grafia, Xixo Buark, foi inventada por Millôr Fernandes, numa noite de Antonio’s. Gostei como quando eu brincava com palavras em criança. Quanto ao Chico, apenas sorriu um sorriso duplo: um por achar engraçado, outro mecânico e tristonho de quem foi aniquilado pela fama. Se Xico Buark não combina com a figura pura e um pouco melancólica de Chico, combina com a qualidade que ele tem de deixar os outros o chamarem e ele vir, com a capacidade que tem de sorrir conversando muitas vezes os olhos verdes abertos e sem riso. Não é um garoto, mas se existisse no mundo animal um bicho

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pensativo e belo e eternamente jovem que se chamasse garoto, Francisco Buarque de Holanda seria dessa raça montanhosa. Gostei tanto de Chico que o convidei para minha casa. Com simplicidade ele aceitou. Apareceu perto das quatro da tarde: naquele tempo, às cinco horas tinha uma lição de música com Vilma Graça, e havia um ano que estava estudando Teoria Musical, para depois estudar piano. (...)

Após descrever a situação que pusera a acontecer, Clarice passa a discorrer

o texto como uma entrevista em prosa. Em todo o texto ela mistura as respostas de

Chico às suas perguntas, às suas impressões sobre ele. Mais uma característica do

Jornalismo Introspectivo, onde até mesmo a opinião e as respostas do seu

entrevistado passam a ser descritas na visão do entrevistador; onde o texto é tão

particular que o entrevistado passa a “figurar” o entrevistador, ou seja, as perguntas

do jornalista são respondidas não tão somente pelo entrevistado, mas sim, passam

pelo crivo do entrevistador, sendo apurado por uma análise íntima e pessoal, tal

como a estratégia do discurso indireto livre: Clarice brinca com a forma de discurso e

passa do direto ao indireto. Como tecer uma colcha artesanal, os retalhos se

encaixam de acordo com o gosto do artesão, sem muita preocupação com

combinação:

(...) Chico acha que tem cara de bobo porque suas reações são muito lentas, mas que no fundo é um vivo. Só que pôr os pés no chão no sentido prático o atrapalha um pouco. Acha que o sucesso faz parte dessas coisas exteriores que não contribuem em nada para ele: a pessoa tem sua vaidade, alegra-se, mas isso não é importante. Importante é aquele sofrimento de quem procura buscar e achar. Hoje, disse-me, acordei com um sentimento vazio danado porque ontem terminei um trabalho. Falamos do processo de criar de Vila-Lobos e ele contou uma frase dele dita a Tom Jobim: Vila-Lobos estava um dia trabalhando em sua casa e havia uma balbúrdia danada em volta. O Tom perguntou: “Como é, maestro, isso não atrapalha?” Ele respondeu: “O ouvido de fora não tem nada a ver com o ouvido de dentro.” E isso Chico invejava. Também gostaria de não ter prazo para entrega das músicas, e de não fazer sucesso: ele é interrompido nas ruas e nas ruas mesmo é obrigado a dar autógrafos. Chico tem um ar de bom rapaz, desses que todas as mês com filhas casadoiras gostariam de ter como genro. Esse ar de bom rapaz vem da bondade misturada com bom humor, melancolia e honestidade. Tem o ar crédulo, mas diz que não é, é apenas muito preguiçoso.

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Claro que gostou quando o Maestro Isaac Karabtchevsky dirigiu A banda no Teatro Municipal, mas o que lhe interessa mesmo é criar. Desde pequeno faz versinhos. Pedi-lhe que fizesse assim de improviso um versinho e que, para pô-lo à vontade, eu esperaria na copa. Daí a minutos Chico me chamou rindo: Como Clarice pedisse/ Um versinho que eu não disse/ Me dei mal/ Ficou lá dentro esperando/ Mas deixou seu olho olhando/ Com cara de Juízo Final. (...)

No próximo sábado, após a publicação citada acima, Clarice expõe uma

entrevista em outra configuração, com respostas do entrevistado na forma de

“travessão” – discurso direto, que em nada desmorona as características do

Jornalismo Introspectivo citadas acima, uma vez que tratamos os textos de Clarice

como heterogêneos. Neste, apesar das respostas na íntegra, ela mantém o diálogo

“à seu gosto”. Ela se entrevista e mistura no texto suas respostas às respostas do

entrevistado, no mesmo processo de “colcha de retalhos”, onde a reflexão de si

mesma ainda impera:

CONVERSA MEIO A SÉRIO COM TOM JOBIM (I) Tom Jobim foi meu padrinho no I Festival de Escritores, não me lembro em que ano, no lançamento do meu romance A maça no escuro. E na nossa barraca ele fazia brincadeiras: segurava o livro na mão e perguntava: - Quem compra? Quem quer comprar? Não sei mas o fato é que vendo todos os exemplares. Um dia, faz algum tempo, Tom veio me visitar: há anos que não nos víamos. Era o mesmo Tom: bonito, simpático, com ar de pureza que ele tem, com os cabelos meio caídos na testa. Um uísque e conversa que foi ficando mais séria. Reproduzirei literalmente nossos diálogos (tomei notas, ele não incomodou). - Tom, como é que você encara o problema de maturidade? - Tem um verso de Drummond que diz: “A madureza esta horrível prenda ...”. Não sei, Clarice, a gente fica mais capaz, mas também mais exigente. - Não faz mal, a gente exige bem. (...)

Apesar de tanto mostrar sua opinião e particularidade, percebe-se que Clarice

revela muito de seu entrevistado, de uma forma bastante pessoal e íntima, na forma

de um “bate papo”.

Clarice também se revelava sem motivos – ou seja, sem estar subsidiada por

fatos. Voluntariamente se colocava como personagem e fazia-se notícia:

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“COMO TRATAR O QUE SE TEM Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa sua, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: como às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa que não tenha medo do que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo é livre, ele trota sem ruídos e vai. Se ele fareja e sente que um corpo é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesmo que está relinchando de prazer ou de cólera.”

O texto acima foi escrito em 3 de agosto de 1968: um claro exemplo da

introspecção feita por Clarice Lispector. Ela analisa, através de uma metáfora, a sua

personalidade. Contudo, não se trata de uma consulta ao psicanalista, pois a análise

se faz publicamente através das páginas do jornal. Clarice demonstrou através de

um cavalo arisco e dócil ao mesmo tempo, suas nuances de comportamento,

entrevistou seu próprio eu, que preferiu ser totalmente subjetivo. Mais que

simplesmente deixar seu inconsciente fluir em seus textos, Clarice ainda

indiretamente questiona pontos importantes relativos ao poder da introspecção:

“SOBRE ESCREVER Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.”

Para MEDINA (1995) entrevista é o diálogo possível:

“No cotidiano do homem contemporâneo há espaço para o diálogo possível. Estão aí experiências ou exceções à regra que provam o grau de concretização da entrevista na comunicação coletiva. Sua maior ou menor comunicação está diretamente relacionada com a humanização do contato interativo: quando, em um desses raros momentos, ambos – entrevistado e entrevistador – saem “alterados” do encontro, a técnica foi ultrapassada pala intimidade entre o EU e

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TU. Tanto um como outro se modificaram, alguma coisa aconteceu que os perturbou, fez-se luz em certo conceito ou comportamento, elucidou-se determinada autocompreensão ou compreensão do mundo. Ou seja, realizou-se o Diálogo Possível.”

Se então entrevista é um “diálogo possível”, um contato interativo de

humanização onde entrevistado e entrevistador saem alterados, podemos assim

dizer que Clarice participou de uma entrevista consigo mesma, um encontro com seu

eu, onde suas inquietações motivaram seu inconsciente a exteriorizar as respostas

às suas perguntas, transformando-a também. No mesmo sentido, publicado em 28

de junho de 1969:

“A VIDA É SOBRENATURAL Refletindo um pouco, cheguei à ligeiramente assustadora certeza de que os pensamentos são tão sobrenaturais como uma história passada depois da morte. Simplesmente descobri de súbito que pensar não é natural. Depois refleti um pouco mais e descobri que não tenho um dia-a-dia, é uma vida-a-vida. E que a vida é sobrenatural.”

De suas reflexões internas, são muitos os textos, como o publicado em 24 de

julho de 1971:

É PRECISO PARAR Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim – enfim, mas que medo – de mim mesma.

Percebe-se com textos como este a importância de evidenciar o significado

inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos,

fantasias, delírios) de um sujeito: estudo da psicanálise. Pois, na nossa vida mental,

o que pode parecer acidental, os são apenas aparentemente, tendo vista que os

fenômenos mentais são tão incapazes de tal falta de conexão causal com os que os

precedem quanto fenômenos físicos, Brenner (1975).

Barros (2008), em seu trabalho, cita que desde 1790, Kant já tinha observado

que a partir do momento que os seres humanos se puseram a falar na primeira

pessoa, começaram a trazer o seu eu à superfície sempre que possível, fazendo o

egoísmo um avanço irresistível. Haja vista a obra O Mal Estar na Civilização (1930),

de Freud, que aborda a maneira ampla, detalhada e com ênfase no desgosto do

indivíduo para com a civilização, tendo em vista que, para mantê-los e assim

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sobreviver, torna-se imprescindível silenciar, restringir ou modificar as pulsões

humanas. Onde começamos a tratar a introspecção: reflexões do “eu”.

A imersão na introspecção fez com que o burguês comum, artistas, escritores

arriscassem a compreender o eu através de relatos de confissões, folhetins, a

escrita de diários íntimos, cartas de amor ou ruminações religiosas que abrigavam

segredos, emoções e conflitos.

Com ar de critica e revolução afirmados na reflexão do eu, no questionamento

da existência, tomemos o que Clarice publicou em agosto de 1971:

VOCÊ É UM NÚMERO Se você não tomar cuidado vira um número até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam-no com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando você é. Para ser motorista, tem carteira com número, e chapa de carro. No Imposto de Renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de apartamento – tudo é número. Se é dos que abrem crediário, para eles você é um número. Se tem propriedade, também. Se é sócio de um clube tem um número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras tem um número de cadeira. É por isso que vou tomar aulas particulares de Matemática. Preciso saber das coisas. Ou aulas de física. Não estou brincando: vou mesmo tomar aulas de Matemática, preciso saber alguma coisa sobre cálculo integral. Se você é comerciante, seu alvará de localização o classifica também. Se é contribuinte de qualquer obra de beneficência também é solicitado um número. Se faz passagem de passeio ou de turismo ou de negócio recebe um número. Para tomar um avião, dão-lhe um número. Se possui ações também recebe um, como acionista de uma companhia. É claro que você é um número no recenseamento. Se é católico recebe um número de batismo. No registro civil ou religioso você é numerado. Se possui personalidade jurídica tem. E quando a gente morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também. Nós não somos ninguém? Protesto. Aliás é inútil o protesto. E vai ver meu protesto também é um número. (...) (...) Nós vamos lutar contra isso. Cada um é um, sem número. O si-mesmo é apenas o si-mesmo. E Deus não é número. Vamos ver gente, por favor. Nossa sociedade está nos deixando secos como um número seco, como um osso branco seco exposto ao sol. Meu número íntimo é 9. Só 8. Só 7. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e sete. Estou me classificando como um número? Não, a intimidade não deixa. Vejam, tentei várias vezes na vida não ter número e não escapei. O que faz com que precisemos de muito carinho, de nome próprio, de genuinidade. Vamos amar que amor não tem número. Ou tem?

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A mais constante característica dos textos publicados por Clarice em A

descoberta do mundo é questionamento da existência, o de pertencer, o de estar e o

do ser. Ela dramatiza situações, dá conselhos, sugere iniciativas, usa de seus

relatos reais e transforma sua obra não em uma auto-ajuda simplesmente, mas sim

em um questionamento para as dúvidas dos seres humanos, como se percebe nos

textos publicados dias 13 de Julho de 1968, 15 de agosto de 1970, respectivamente:

O MEU PRÓPRIO MISTÉRIO Sou tão misteriosa que não me entendo.

DOAR A SI PRÓPRIO Tendo lidado com problemas de enxerto de pele, fique sabendo que um banco de doação de pele não é viável, pois esta, sendo alheia, não adere por muito tempo à pele do enxertado. É necessário que a pele do paciente seja tirada de outra parte do seu corpo, e em seguida enxertada no lugar necessário. Isso quer dizer que no enxerto há uma doação de si para si mesmo. Esse caso me fez devanear um pouco sobre o número de outros em que a própria pessoa tem que doar a si própria. O que traz solidão, e riqueza, e luta. Cheguei a pensar na bondade que é tipicamente o que se quer receber dos outros – e no entanto às vezes só a bondade que doamos a nós mesmos nos livra da culpa e nos perdoa. E é também, por exemplo, inútil receber a aceitação dos outros, enquanto nós mesmos não nos doarmos a auto-aceitação do que somos. Quanto à nossa fraqueza, a parte mais forte nossa é que tem que nos doar ânimo e complacência. E há certas dores que só a nossa própria dor, se for profunda, paradoxalmente chega a amenizar. No amor felizmente a riqueza está na doação mútua. O que não significa que não haja luta: é preciso se doar o direito de receber o amor. Mas lutar é bom. Há dificuldades que só por serem dificuldades já esquentam o nosso sangue, que este felizmente pode ser doado. Lembrei-me de outra doação a si mesmo: o da criação artística. Pois em primeiro lugar por assim dizer tenta-se tirar a própria pele para enxertá-la onde é necessário. Só depois de pegado o enxerto é que vem a doação aos outros. Ou é tudo já misturado, não sei bem, a criação artística é um mistério que me escapa, felizmente. Não quero saber muito.

Clarice discorre em torno de um tema definido por ela, mesmo não sendo

factual, é no entanto sempre atual. Reflexões sempre contemporâneas, que muito

caracterizam o Jornalismo Literário. Pereira Lima (2008), ao tratar o Jornalismo

Literário como o “jornalismo com alma”, enumera os princípios que alicerçam a

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prática do JL. Pereira Lima (2008) destaca a humanização que, na visão dele é o

fator que marca o gênero.

A OPINIÃO DE UM ANALISTA SOBRE MIM Por coincidência, tive e tenho amigas que são ou foram analisadas pelo Dr. Lourival Coimbra, psicanalista do grupo de Melanie Klein. As conhecidas e amigas me contaram que falaram de mim a ele. E imagino como Dr. Lourival deve estar farto de ouvir meu nome. Há dias uma das analisadas por ele esteve aqui em casa e resolvi, como compensação ao desgaste dos ouvidos do analista sobre mim, enviar-lhe um livro meu de contos Laços de Família. Na dedicatória pedi desculpas pela minha letra que não está boa desde que minha mão direita sofreu incêndio. Dias depois a moça apareceu em casa para tomar um café comigo e perguntei-lhe se havia entregue o livro a Dr. Lourival. Ela disse que sim e que, ao ler a dedicatória, ele fizera um comentário. Fiquei curiosa, quis saber o que ele dissera. E fiquei sabendo que, ao ler a dedicatória, Dr. Lourival tinha dito: “Clarice dá tanto aos outros, e no entanto pede licença para existir.” Sim, Dr. Lourival. Peço humildemente para existir, imploro humildemente uma alegria, uma ação de graça, peço que me permitam viver com menos sofrimento, peço para não ser tão experimentada pelas experiências ásperas, peço a homens e mulheres que me considerem um ser humano digno de algum amor e de algum respeito. Peço a benção da vida.

Diferentemente do texto anterior Você é um número, o texto acima trata de

relatar um fato e fazer também a reflexão, só que desta vez com personagens reais.

Segundo Pereira Lima (2008), toda narrativa real só se justifica se encontrarmos

nela protagonistas e personagens humanos tratados com o devido cuidado:

“Queremos antes de tudo descobrir o nosso semelhante em sua dimensão humana

real, com suas virtudes e fraquezas, grandezas e limitações” (p. 359).

Clarice mesmo tratando personagens reais, não se abstinha de sua

introspecção e usava, assim como na sua literatura, o artifício do “fluxo de

consciência”. Segundo Rosa (1962), na literatura brasileira, Clarice foi responsável

pela introdução da técnica do fluxo da consciência - quebra os limites espaço-

temporais e o conceito de verossimilhança, fundindo presente e passado, realidade

e desejo na mente dos personagens, cruzando vários eixos e planos narrativos sem

ordem ou lógica aparente. Nos textos de A descoberta do mundo, Clarice é a própria

personagem e quebra seus limites do real e do imaginário, do fato e de sua

consciência:

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O MAIOR ELOGIO QUE JÁ RECEBI

Eu estava em Nápoles andando pela rua com o meu marido. E um homem disse bem alto para o outro, ele queria que eu ouvisse: “É com mulheres como esta que contamos para reconstruir a Itália.”. Não reconstruí a Itália. Tentei reconstruir minha casa, reconstruir meus filhos e a mim. Não consegui. No entanto o italiano não estava fazendo galanteio, falava sério. Deus, fazei-me reconstruir pelo menos uma flor. Nem mesmo uma orquídea, uma flor que se apanha no campo. Sim, mas tenho um segredo: preciso reconstruir com uma urgência das mais urgentes, hoje mesmo, agora mesmo, neste instante. Não posso dizer o que é.

No texto acima, publicado em 9 de março de 1968, no trecho “(...) ele queria

que eu ouvisse: (...), Clarice também invade a mente do personagem retratado em

seu texto, supondo o que ela acreditava que ele pensava.

Outro texto, exposto abaixo, publicado em 26 de dezembro de 1970, Clarice

também usa o fluxo de consciência, desta vez o texto todo retrata a consciência de

uma criança de nove anos, prestes a completar dez anos de idade. E Clarice

participa do diálogo:

DEZ ANOS - Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos. Pausa, tristeza. - Mamãe, minha alma não tem dez anos. - Quanto tem? - Acho que só uns oito. - Não faz mal, é assim mesmo. - Mas eu acho que se deviam contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com 20 anos de alma. E o cara tinha morrido mas era com 70 anos de corpo. Mais tarde começou a cantar, interrompeu-se e disse: - Estou cantando em minha homenagem. Mas, mamãe, eu não aproveitei bem os meus dez anos de vida. - Aproveitou muito bem. - Não, não quero dizer aproveitar fazendo coisas, fazendo isso e fazendo aquilo. Quero dizer que não fui contente o suficiente. O que é? Você ficou triste? - Não. Vem cá para eu te beijar. - Viu? Eu não disse que você ficou triste?! Viu quantas vezes me beijou?! Quando uma pessoa beija tanto outra é porque está triste.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que Clarice, como colunista do Jornal do Brasil – textos

publicados no livro A Descoberta do Mundo -, fazia um texto não explicável apenas

pelo conceito de crônica. Seu texto jornalístico possui características comuns

próprias que o destaca como subgênero dentro do Jornalismo Literário. Minha

hipótese é de que ela praticava um Jornalismo Introspectivo, ou seja, uma

reportagem cujo tema tem suas origens e desfechos em suas próprias inquietações

existenciais. É um jornalismo totalmente pessoal, que não decai sobre o

sensacionalismo. Fundamentado na primeira pessoa, tem a capacidade de

aproximar o leitor ao conteúdo na forma de “diálogo”, onde as opiniões pessoais do

jornalista são postas à prova, podendo até ser questionadas pelo leitor. A precursora

do Jornalismo Introspectivo foi Clarice Lispector.

No Jornalismo Introspectivo temos textos com alto grau de subjetividade e

que, principalmente, possuem afoito questionamento do ser, característicos da

introspecção. Os textos têm como principal pilar a literatura, mas se apóiam em

outras peculiaridades, como o fluxo de consciência. Textos que tecnicamente não

possuem compromisso em ser crônica, noveleta, relato, carta ou outros, apenas

seguem a proposta da representação do “eu”.

A presente monografia é uma proposta ousada, que desafia os conceitos do

Jornalismo contemporâneo e sugere o estudo de um subgênero inédito; ou seja,

pretende levantar a discussão de um possível Jornalismo Introspectivo. Com

análises, comparações, levantamentos teóricos a pesquisa verificamos a

possibilidade de distinguir e caracterizar um texto classificado no Jornalismo

Introspectivo.

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