o rei da noite - joao ubaldo ribeiro

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Livro de contos

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  • copyright by Joo Ubaldo Ribeiro

    Todos os direitos desta edioreservados Editora Objetiva Ltda.,rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro RJ CEP: 22241-090Tel.: (21) 2199-7824Fax: (21) 2199-7825www.objetiva.com.br

    Direo de designRicardo Leite

    DesignSrgio Carvalho

    EdioIsa Pessa

    RevisoRodrigo Rosa de AzevedoMarcelo MagalhesCristiane Pacanowski

  • Coordenao de e-bookMarcelo Xavier

    Converso para e-bookAbreus System Ltda.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.R369r

    Ribeiro, Joo UbaldoO rei da noite [recurso eletrnico] / Joo Ubaldo

    Ribeiro. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.recurso digitalFormato: e-PUBRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide Web138p. ISBN 978-85-390-0281-8 (recurso eletrnico)1. Crnica brasileira. 2. Livros eletrnicos. I.

    Ttulo.11-4199 CDD: 869.98CDU: 821.134.3(81)-8

  • Sumrio

    CapaFolha de RostoCrditosO Rei da NoiteMoral ElevadoTraumas CarnavalescosA Qualidade de Vida Ataca novamenteEm Defesa do Padro NacionalA Renovao num Boteco do LeblonA Crise by Night

  • Aventuras NaturaisAlpiste para as RolinhasQuestes CornolgicasZefa, Chegou o InvernoNum Boteco do LeblonItaparica by NightConsideraes IatrofilosficasA Formao do JovemL Vem ou l Foi, eis a QuestoMas no no SulInternao, Corrente ou AposentadoriaDe Volta ao Calado?O Dia em que Ns Pegamos Papai NoelSade para Dar e VenderA Famlia Moderna num Boteco do

  • LeblonO Caso do Papagaio Z AugustoSete de JaneiroO Eterno Feminino num Boteco doLeblonColhudeiros da IlhaNo Esquentemos a CabeaComo Seu Nome Completo?Viroses da VidaAlegrias da VelhiceO AstroO Dia em que Eu Fui Fazendeiro noArizonaNo Estou PreparadoBoas Entradas num Boteco do Leblon

  • O Rei da Noite

    EU DISSE que nunca mais punha os psna rua, nunca mais ia a festinhas, nuncamais entrava num bar, eu disse! , voc disse. Voc sempre diz isso.No dia seguinte voc sempre diz isso. Ento? Ento? Ento voc devialevar isso em conta. Quando eu disserhoje vou sair, voc diz no vai,pronto. Basta isso, eu atendo, voc sabeque eu atendo. Voc nem ouve, quanto mais atender.Voc entrou em casa cantando Rio

  • Babilnia, parou na porta, deu unsremelexos meio tipo Elvis Presley egritou com o mesmo olhar com que svezes fica na praia: Mulher, vamos prafesta do Neville! Rio Babiloooonia! , eu me lembro. Voc foi sarcstica,muito sarcstica. No preciso ser tosarcstica comigo e meus amigos. Eu, sarcstica? Eu s perguntei sevoc tinha certeza de que podia entrarmulher grvida. E ento? S porque era a festa domeu amigo Neville tinha de ser umaesbrnia, no foi isso que voc quisinsinuar? Absolutamente. Quem insinuou foivoc, com aqueles seus... seus meneios

  • a na porta e com aquele olhar que nopermitiriam na novela das oito. Eu no fiz olhar nenhum! Fez. E continuou a fazer praticamentea noite inteira. Mas acho que no temimportncia, seus amigos j estoacostumados. Uma coisa de que ningumpode lhe acusar falta de coerncia.Voc faz invariavelmente as mesmascoisas. Eu beijei Ivan Chagas Freitas outravez? No, desta vez no, mas isto umpormenor. E de mais a mais voc chegoucom ele, no acredito que o beijo sejustificasse. Eu fui com ele? Claro, fui com ele.

  • Lembro muito bem. Alis, lembromuitssimo bem, lembro de tudo.Chegamos juntos, o Ivan elegantssimo,de smoking... Ivan no estava de smoking. Como no estava? Claro que estava,eu no sou maluco, vi perfeitamente. Euat fiz uma brincadeira, falei: Ivan, estesmoking de teu pai caiu muito bem,muito bem. Isso foi a foto do Ivan na festa doIbrahim. Voc viu a foto do Ivan desmoking. A foto? Bem, certo, mas o fato queeu vi o Ivan de smoking, eu lembro detudo perfeitamente. Ns entramos,abraamos o Neville e a batemos um

  • papo com a Tnia Carrero, gostei muitodela. , este foi um problema. A TniaCarrero no estava l. Como no estava? claro queestava! No. Estava uma senhora l que vocficou chamando o tempo todo de Tnia,mas veja voc, Tnia, mas ora, Tnia.Ela tentou avisar algumas vezes, masvoc s dizia querida Tnia, mas quemot desprit, que boutade, ha-ha-ha! No era a Tnia? Mas era a cara! Espero que a Tnia nunca saiba destasua opinio. De qualquer forma, issono teve importncia, porque vocelogiou muito a senhora, ela deve ter

  • ficado satisfeita. Alis, voc elogioutodo mundo. Elogiei? Ah, elogiei? Bem, timo queeu elogiei, quer dizer que no temvexame para lembrar. Nada, vexame nenhum. bemverdade que voc fez alguns elogiosagressivos, mas todo mundo j deveconhecer a sua exuberncia. Quer dizer,no sei se o Renato Machado ficoumuito feliz, no tenho certeza. O Renato Machado? O que que eufiz com o Renato Machado? Eu noelogiei? Aos murros. Voc fazia um elogio a, Renato! e dava um murrozinhoafetuoso nele. Acho que deve ter dado

  • uns seis ou sete; voc estava muitoentusiasmado com ele. Que pronncia,que pronncia!, dizia voc. At que elese sentou e alegou nocaute e a vocparou. Mas interessante, eu tenho arecordao completa de que sentamosdireitinho, junto com o Ivan, a Dora e oPaulo Csar Saraceni e a Ana Maria, foiou no foi? Mais ou menos. O Paulo Csar e aAna Maria j estavam l, ficaramsentados defronte da gente. Ento? Lembro de tudo! E voc ficava piscando o olho ejogando beijinhos para ela. Mentira! Na cara do Paulo Csar?

  • Mentira! O Paulo Csar meu amigo, eujamais faria uma coisa dessas! Vocquer solapar o meu relacionamento comos amigos! Mentira! Eu no fao essascoisas com ningum, quanto mais com asmulheres de meus amigos! Mas s isso que voc faz. Agora,elas no ligam, eles tambm no. Afinal,quem que vai ligar para um amigo quefica piscando um olho como se estivessetendo um espasmo muscular, jogandobeijinhos bicudos e escondendo a caraatrs do balde de gelo? Atrs do balde de gelo? Pois , tenho a impresso de quevoc achava que assim disfarava.Juntou gente em torno da mesa, para vervoc disfarando. Voc se curvava todo,

  • chamava Aniiinha!, piscava o olho emergulhava a cara atrs do baldeligeirinho. Que horror! Horror nada, foi tudo muitodivertido, um sucesso. Tanto assim quevoc s parou quando chegou o DanielFilho. O Daniel? No! Eu chorei outra vez? No, vocs danaram. Ns danamos? Danaram e cantaram. Cantaram umamusiquinha em ingls que dizia wakeup, wake up! e que vocs achavamengraadssima, embolavam de rir. Atque houve o incidente com o pessoal dacasa, na hora em que voc exigiu que

  • evacuassem a pista para que o Danielpudesse dar uma demonstrao do passoTom Mix. O passo Tom Mix? Sim, um passo que ele d sacandodois revlveres e rodopiando. atinteressante. Mas o pessoal no quisatender ao seu pedido, apesar de vocgritar jogo-lhe a Rede Globo em cima,canalha!. De qualquer forma, vocconseguiu que o Daniel fizesse o passono andar de cima e ainda imitasseMichael Jackson e Ney Matogrosso. Ade Michael Jackson at bastante boa, ado Ney... Disso eu me lembro, fiquei aliconversando com a Mrcia enquanto eledanava.

  • Conversando no, ficou dizendoMarcinha, voc sabe que eu imito NeyMatogrosso muito melhor do que essecara a com quem voc vive saindo esou melhor diretor de televiso que ele etenho um telo maior do que ele e... Ele se aborreceu? Claro que no, inclusive ele sabe quevoc no imita lhufas e no tem telonenhum. Nem sou diretor de tev. Ah, isso no sei. No foi isso o quevoc falou Danuza Leo. Voc disse aela que estava realizando um especialsobre ela de duas horas e depois gritou:Quero arrojar-me a teus ps! E me arrojei?

  • Quase. Ivan segurou voc e a Danuzadeu uns passinhos rpidos para trs, nohouve maiores problemas e jestvamos mesmo na sada. Nunca mais eu saio, nunca mais botoos ps fora de casa, nunca mais entronum bar, nunca mais! Sim, querido. Mas no sei por qu.Todo mundo acha voc o rei da noite,querido.

  • Moral Elevado

    SEGUNDA-FEIRA, NATURALMENTE, ABANDONAREIde vez o cigarro. Envergonho-me emrevelar que deve ser a qinquagsimasegunda-feira de uma srie em que saireide casa com o peito erguido e o olharconfiante dos bravos e fortes de vontade eis que fumo em jejum a partir deumas cinco da manh e j eram quaseseis sem eu ter tocado em cigarro e,depois de tomar um cafezinho noarmazm de Inocncio (Inocncio nome cobra o caf; mirem-se nesse

  • exemplo, senhores proprietrios debares e restaurantes, notadamente osprimeiros), comearei a vagar, o olharagora desvairado e aflito, mastigandoum graveto e parecendo personagem defilme tipo tornei-me um brio. Masresistirei, desta vez vamos. Resolvo queir trabalhar logo a soluo. Chego aoescritrio, ligo o processador, omiservel do monitor resolve ficarpiscando como letreiro de non outravez. Vou ter que abri-lo e futucar umnegcio que tem dentro dele, que no seio que , mas, quando recebe unspiparotes rigorosos, faz retornar oengraadinho ao normal. Mas ali podedar um choque de uns 10 mil volts,mesmo com ele desligado, e a o risco

  • no justificaria um cigarrinho paraaplacar o natural nervosismo?No, no, difcil conceber desculpamais esmolambada (os piparotes sodados com uma canetona de plstico eeu vou de sola de borracha, sem tocarem nada mais). At o Srgio Cabral, quevai entrar no Guinness como deixadorde fumar, ficaria envergonhado dessa.No senhor, nada disso, o conserto vaisem anestesia mesmo. Milagrosamente,d certo outra vez, ele fica atparecendo monitor de cinemaamericano, todo reluzente. A voutrabalhar. Qinquagsimo tem trema?Claro que tem, mas trema, como quasetudo mais, meu pons asinorum e amanda a neurose que eu pegue o Aurlio

  • aqui atrs. Desde o tempo em que eutrabalhava em redao, isso significavauma pequena rotina coreogrfica, cujoprimeiro passo era acender umcigarrinho. Passo a moautomaticamente no lugar onde at ontemdeixava a carteira de cigarros, noencontro nada, perco a vontade de abriro dicionrio.Mas vamos em frente e de repenteemperra tudo na cabea e, sem melembrar como, j sa da mesa detrabalho e estou no jardinzinho ao lado,com o mesmo ar que assumira nomercado. Que diabo estava escrevendo,no dava nem para entender direito,quanto mais prosseguir. Bartola, queest trabalhando l dentro no

  • atendimento, guarda uma carteirinha decigarros na gaveta. Um s, um s, paraquem fumava duas, trs carteiras pordia, um cigarrinho s no tem a mnimaimportncia. Mas chato, j anuncieisolenemente a Bartola que nunca maistocaria nessa coisa imunda, vou medesmoralizar outra vez. Dou umaespiada, Bartola no est na mesa. No!Furto no, no descerei a esse ponto!Repreendo-me com energia, emboralembre que at bagana eu j peguei, sfaltando rastejar pela sarjeta. Nadadisso, carter carter!Claro que carter carter. Por issomesmo eu, que no tenho nenhum, voltopara defronte do processador outra vez emiro imbecilmente aquele texto besta,

  • pensando em cigarro. Quase no consigoler. Bato umas duas bobagens, no seimais o que dizer e, cinco minutos maistarde, com a cara mais cnica que possofazer, estou junto a Bartola, pedindo umcigarrinho, um cigarrinho s. Algumtempo depois acabo o trabalho, frentede um cinzeiro cheio, devendo umacarteira de cigarros a Bartola e comvontade de telefonar para o Cabral epedir uma palavra de alento, nosintervalos da tosse dele. (Partilhamos domesmo quarto durante a Copa do Mundoe de vez em quando, no meio da noite,eu acordava com a tossezinha dele,pensando que era un otro temblor detierra, se bem que s vezes no era bemtosse, o Cabral um homem de

  • metabolismo muito vigoroso.)Mas desta vez vai ser srio. Lembro oexemplo edificante do festejado cineastae meu particular amigo Arnaldo Jabor,que acordou um dia assim meio retado,resolveu que no fumava mais e ficoucom a carteira defronte s para podercurtir com a cara dela e nunca maisfumou e hoje est cada dia mais belo, um atleta em todos os campos, os olhosficaram azul-celeste e ele acertou umaquadra na loto. E, apesar de com essaconversa meio furada de que a vidacomea aos 40, eu s estar nos meusverdes seis aninhos, lembrei tambm,no sei por que associao, da Grciaantiga.Se eu fosse grego antigo, que bela runa.

  • Isto se no tivesse morrido de raiz dedente inflamada, difteria, saturnismo,sarampo, gastrenterite etc. etc. etc.Mope como uma toupeira, astigmata ecom vista cansada, seria provavelmenteconhecido como o Ceguinho da Ilha,tendo que ler atravs dos olhos de umescravo (isso tambm se eu desse sortede no haver nascido escravo) e de noiteno poderia nem sair, mesmo com lua.Sem um dente na boca ou ento comtodos aos cacos, teria deficinciasnutricionais por no poder comerdireito, alm de no poder sentar outalvez andar por causa do cisto que tireiatrs, em operao que me deixou setedias no hospital. No toa que dizemque, quando Scrates fez 40 anos, ficou

  • com vontade de morrer.Sim, antibiticos, dentistas, cirurgies,culos, vacinas, a barra melhorou. Mas,no sei por qu, fiquei achando que euera aquele grego antigo, apenasrecauchutado. At algum tempo atrs, eu,como todo jovem, era imortal, quemmorria eram os outros. Agora que soucoroa, j passei at a fase do enfarte,durante a qual sofria uns quatro ou cincopor dia. No, no, ainda fico cometendoesta estupidez, enfiando como umcelerado fumaa venenosa e quente poruma traquia que a esta altura deveparecer, porque o que sinto, umaespcie de lamaal nicotinoso ulcerado?Quer dizer, quebram o galho do gregoantigo por fora, e eu trato de ficar

  • igualzinho a ele por dentro, comadmirvel tenacidade.No senhor, esta segunda-feira vera.Tive at a felicidade de receberestimulante amparo mdico, da parte dodr. Alcy, que encontrei no Largo daQuitanda. Ele no fuma, e quando soubeda minha deciso e do estado de minhasvias respiratrias, fez uma pequenapalestra cientfica. Melhor isso do que o que vaiacontecer com voc daqui a uns dois outrs anos, se no deixar concluiu ele. O que que vai acontecer comigodaqui a dois ou trs anos, se eu nodeixar? Morrer disse ele, batendo

  • afavelmente no meu ombro.Quando cheguei em casa, chamei amulher. Mulher, segunda-feira no fumomais! Eu posso at jogar este isqueirofora, porque hoje domingo, s falta umdia e o gesto j tem l seu valorsimblico.Dramaticamente, lancei o isqueirocontra a mangueira, mas ela correu atrsdele, pegou-o e levou-o l para dentro,colocando-o numa gaveta. No se preocupe, querido disseela. Tera-feira, quando vocprocurar, j sabe onde est.

  • Traumas Carnavalescos

    TENHO UMA AMIGA que diz que todos osnossos problemas so por causa detraumas de infncia. Estou inclinado aacreditar que verdade, porque meusproblemas com o carnaval s podem sercausados pelo trauma que passei em meuprimeiro baile infantil, enfrentadoquando eu morava em Aracaju. Fuifantasiado de pierr: roupa de cetimazul, borlas cor-de-rosa no lugar dosbotes, um chapu cnico com uma outraborla no topo, duas rodelas de ruge na

  • cara, batom e p-de-arroz. Cheguei asuspeitar que minha me preferia que eutivesse nascido menina e, se pudesse,me fantasiaria de colombina. O fato que eu no queria entrar no baile e metransformei, para o resto da vida, numcarnavalesco singular, pois gosto docarnaval na teoria e sou contra naprtica.Para no falar que, alm disso, sofridiversos outros traumas, alguns dosquais j na adolescncia ou mesmodepois de adulto, reforando meusentimento de anormalidade por noentrar na folia. Fiz de tudo para entrar,mas no deu certo. J frangote, porexemplo, combinei um truque com umamigo que tambm padecia do mesmo

  • mal, companheiro de infortniomomesco e mulheresco. Naquele tempodos bailes, quando o sujeito ia semcompanhia feminina, entrava no salo esaa pulando, s vezes com umatoalhinha pendurada no pescoo paracheirar lana-perfume. De repente, viauma moa tambm sozinha, estendia osbraos para a frente e para o alto nadireo dela e a moa vinha brincar comele.Moleza, decidimos ns dois, depois depassarmos umas duas horas observandoo panorama da festa. Dava certo comtodo mundo. Eu s no tinha a toalhinha,mas diversos destoalhados tambmapanhavam as moas, de maneira queno podamos dizer que nos faltava

  • equipamento essencial. Acompanhamosas manobras de vrios apanhadores demoas e chegamos concluso de que atcnica no tinha segredos. Braosestendidos, sorriso nos lbios, pulinhosno ritmo da marchinha sendo tocada, arconfiante e moa no papo. E a, depoisde rondarmos o salo fazendo fora paraafetar familiaridade e mesmoindiferena diante do fuzu geral,decidimos entrar na luta.Ah, meus amigos, botem trauma deadolescente nisso. De meu posto deobservao junto ao salo, podia veralgumas moas bem aproveitveis,apesar de as melhores j estaremtomadas, que deveriam ser presas fceispara folies dando sopa. Fui realista e

  • escolhi uma dentucinha de culos. Erabem capaz de ela tambm ter trauma eaceitar solidariedade em meus braosestendidos. Respirei fundo, andei paral e para c alguns minutos, parafinalmente adentrar o salo. Ela estavado outro lado, o que me dava tempo paradeixar de me sentir ridculo, pulandosozinho com um sorriso que, creio euagora, devia parecer esculpido a faca.No envergonhei a ptria, fui em frentecom deciso e coragem. Eis quefinalmente, a uma distncia de doismetros, encarei a dentucinha, levantei osbraos e esperei estar com a mo noombro dela em poucos instantes. Mas,assim que ela me viu em pose decombate, me lanou um olhar de que at

  • hoje no gosto de lembrar e deu umameia-volta fulminante. Claro, ningummais reparou em nada, mas eu me acheidesmoralizado permanentemente, o quese confirmou com vrias outras, at quedesisti. At hoje no estendo os braospara ningum, h um limite para arejeio, mesmo depois dos sessenta.Mas o pior trauma foi o que acho que jcontei aqui, faz algum tempo. Muitagente, contudo, no leu ou no lembra,de maneira que acho que posso contarde novo. Foi quando, depois de diversasoutras tentativas, de blocos a batucadas,cedi a presses e resolvi sair emItaparica, na companhia de um primomeu, ambos vestidos de mulher. Eratanta minha vontade de ser carnavalesco

  • que achei que, se me desse bem daquelejeito, ia entrar para um bloco de bonecasqualquer, destino destino. E a nospreparamos ns, envergando cada umuma mscara daquelas de pano e narizvermelho que se usavam muitoantigamente.Devo confessar que, pouco tempodepois de zanzar pela ilha, pulando aquie ali daquele jeito, achei que no tinhamuita graa. Meu primo tambm, mas,tratando-se de um jovem com espritoprtico e empreendedor, ele resolveuque, se assim no nos divertamos, pelomenos podamos tirar algum proveito dasituao. E, claro, o primeiro que nosveio mente foi faturar uma graninha,coisa muito comum entre os mascarados

  • daquela poca, l na ilha. E nosso alvoera garantido: o av de meu primo e meutio-av, que era rico, apesar de nomuito reputado pela mo aberta, outalvez por causa disso mesmo. Dequalquer forma, o mximo de nossaambio eram uns trocados que pelomenos recompensassem em parte nossosacrifcio em prol das tradiesnacionais, nada que lhe arranhasse afortuna.Chegamos l casa dele, entramosfalando com aquela vozinha fina decareta dos velhos tempos e fizemos umaporo de brincadeiras com todo mundoem casa, at chegarmos ao velho. Estavana hora de mexer com ele e, no fim,pedir um dinheirinho mixo qualquer.

  • Ficamos junto a ele, dizendo norecordo que bobagens, at que ele mepiscou um olho safado e, antes que eupudesse fazer alguma coisa, enfiou amo por baixo de minha saia. Pulei forarapidamente. Que isso, v, sou eu! exclamei,tirando a mscara. He-he-he fez ele, sem sinal dearrependimento. Quem no quer serno tenta parecer!E, mesmo depois de tudo esclarecido,recusou-se, alegando no momento seencontrar desprevenido, a nos dar umtosto. Carnaval, desengano.

  • A Qualidade de Vida Atacanovamente

    CLARO, EU SABIA que no ia durar muito.H bastante tempo minha qualidade devida tem sido de baixssimo nvel e,como se sabe, impossvel sobreviverhoje em dia sem cuidar da qualidade devida. Do contrrio, o sujeito morredepois de ler as sees de sade dosjornais, tamanho o terrorismo quefazem em relao qualidade de vida.Devia haver um aviso nessas sees,advertindo que sua leitura contumaz leva

  • a todo tipo de doena imaginvel. Eu,apesar das exigncias de minhaatividade jornalstica, procuro evit-las,mas no adianta porque os efeitos delasse alastram como fogo em mato seco, acomear pela prpria famlia dosofrente.Minha qualidade de vida, sou obrigadoa reconhecer, est um lixo. No caminhono calado, no jogo nem peteca, nofreqento academia e no sigo dieta.Pelo contrrio, encaro tudo o que fazmal numa boa e soube que a AssociaoBrasileira de Fabricantes de PorcariasVariadas, de biscoitos recheados queenjoam at criana a doces de origemobscura, planeja me homenagear (aceito,mas quero minha parte em dinheiro, ou

  • ento em sorvete). Ou seja, minhaqualidade de vida causa grande pena epreocupao entre meus amigos e apresso comea a exercer seus efeitos comeo a convencer-me de queningum pode viver assim com estaminha pssima qualidade de vida, necessrio fazer alguma coisa urgente.Entre as conseqncias de minhaabominvel qualidade de vida, a quemais chama a ateno a barriga.Admito que, se mulher fosse, meperguntariam com alguma freqncia seeu j sabia se era menino ou menina.Mas, viciado nesta minha horrvelqualidade de vida, decidi que nomoveria uma palha para tirar a barriga.Em primeiro lugar, quem no gosta de

  • mim com barriga no ia passar a gostarse eu a perdesse. Em segundo lugar, seperder a barriga me tornasse parecidocom o Sean Connery, certamente valeriaa pena. Mas eu vou ficar com a mesmacara de sempre e ainda arriscado a ouvircomentrios do tipo voc estinteirao!, o que todo mundo sabe ques se fala a velho coroca, querendodizer que ele continua velho coroca, masest para a aparncia assim como umauva inteiraa est para uma passainteiraa. J se fica humilhado comefusivos comentrios de voc est bem,mas est muito bem, o que tambm sse diz a velho, ou ex-biriteiro. Inteirao demais, um golpe muito duro deabsorver.

  • Volto ao regime que j meprescreveram. prefervel evitar o sal.Conservas, nem pensar. Frituras soincogitveis. Protena animal, s umpeitinho de frango ou um peixinho, comcuidado para o primeiro no estarentupido de hormnios afrescalhantes(da a expresso frango fresco e aconseqente galinhas abatidas, pois,para as galinhas, deve ser meiofrustrante s topar com frango fresco,elas s podem ficar muito abatidas comisso) e o segundo no ter mais mercriodo que termmetro de rinoceronte.Doce, s se voc for maluco. Alm dostriglicerdeos, diabetes certa,principalmente com a ajuda da barrigagrande.

  • E to bom comer capim, a qualidadede vida melhora tanto! Tenho amigosque encaram com a voracidade de umjumento pratarrazes de folhas exticas,todas com o mesmo no-gosto. Eumesmo j fiz isso e mal posso esperar odia em que voltarei a comer tanto capimque talvez assuma a condio deruminante depois de mais velho. Deveser um barato, para o velhote, ficar numcanto, ruminando umas boas horasseguidas, grande atividade para aterceira idade. E tudo uma questo dereeducao alimentar, embora osreeducados que conheo me pareamsempre ter um certo ar de crebrolavado ou de quem passou por umcampo da Revoluo Cultural na China.

  • E, finalmente, como se sabe, nada dissoadianta coisa alguma para a qualidadede vida se no for acompanhadoescrupulosamente por um programa deatividade fsica. Mas que tipo? J tivebicicleta ergomtrica, mas nossasdesavenas nunca foram resolvidas, demaneira que a doei a algum que nolembro agora, mas contra quem eu deviater alguma coisa. Tambm tive esteirarolante, mas, ao contrrio do presidente,prefiro ler a andar na esteira e me sentiasempre um daqueles hamsters que criamem gaiolinhas giratrias, nas quais elesandam sem nunca chegar a lugar algum.E j freqentei brevemente umaacademia, mas todo mundo nela meintimidava e comecei a ter pesadelos

  • com mquinas de tortura, de forma quedesisti.No, meu destino o calado. S faltaele para completar minha qualidade devida. Minhas tentativas anteriores foramcom certeza prejudicadas pela mvontade e pelas vicissitudes enfrentadas,a maior das quais era o capenguinha,que doravante passarei a ignorar ecaminharei altivamente, no meu prprioritmo quelnio. J devia ter comeado,como estava previsto, na segunda-feirapassada. No comecei. Criei um apegomrbido minha terrvel qualidade devida atual e me sinto bem melhor,embora saiba que falsamente, sentadoaqui, escrevendo ou lendo um livro, doque andando no calado. No, chega de

  • ser anormal, chega de ouvir sermes dosmdicos e advertncias apocalpticas dafamlia.Agora meu fim ser diferente. Com aatual horrvel qualidade de vida queenfrento, viverei a mais uns quinzeanos, tendo alguma sorte. Melhorandominha qualidade de vida, posso vivermuito mais, entregando-me aos prazeresde almoar alface, rcula, cenoura,tomate e outros vegetais, prolongandouma existncia que poderia ter sidoestragada por feijoadas, macarronadas,vataps, sorvetes e pudins, alm dediverses doentiamente sedentrias.Segunda-feira, sem falta, capim ecalado. Felizmente eu minto umpouco, s vezes.

  • Em Defesa do PadroNacional

    NO ENTENDO NADA de mulher, claro.Alis, ningum entende, nem mesmoFreud, que, num momento de aparenteexasperao, perguntou o que asmulheres querem e morreu sem saber.Por sobre isso, mister se faz ressalvarque as consideraes a seguir so feitasapenas por um amador, esforadssimomas jamais um craque junto a elas, nocontando com a experincia de certosamigos meus (alguns j finados, devem

  • ter morrido disso), muito mais afeitos aoconvvio com o afamado EternoFeminino. Para parco consolo nosso,creio que minha condio partilhadapela maioria dos cada vez maisperplexos machos da espcie. Somosmais ou menos como torcedores defutebol temos teorias que julgamosirretorquveis, mas bem poucos somosbons de bola.Sou provocado a aventurar-me emterreno to resvaladio por causa dasnotcias, cada vez mais freqentes, demoas que, na busca de atingir o padrode beleza vigente, caem vtimas deanorexia nervosa e morrem. Ningumgosta de saber desses acontecimentostristes, motivados pela nsia de

  • identificao com o modelo hegemnicoou, mais pattico ainda, pelo af de tersucesso numa carreira equivocadamentejulgada fcil, mas dificlima epenosssima, onde um nmero enormede jovens se perde todos os anos. Mas,claro, s aparecem as lindas e bem-sucedidas, cuja vida para suasadmiradoras um mar de rosas de festase glamour.E que padro de beleza esse, sermesmo o padro, digamos, natural,ser de fato o preferido por homens emulheres que no esto comprometidoscom o conhecido Barbie look? Quantos mulheres, massacradas semclemncia por gostosas irretocveis (naverdade retocadas pelo Photoshop), que

  • no tm uma manchinha na pele, umaestriazinha escondida, uma celulitezinhae ostentam dotes de uma perfeio naverdade fictcia, no posso falar muito.Mas quanto aos homens posso, porqueouo a opinio de muitos deles, e no ssaudosistas do modelo violo (em inglshourglass look, aparncia deampulheta), mas jovens tambm.Em primeiro lugar, devo afirmarenfaticamente, no por demagogia ouqualquer interesse subalterno, mas emfuno de uma permanente pesquisasociolgica informal, existe vasto edevotado mercado para as gordinhas eat para as mais gordinhas do que asgordinhas. Meu querido e finado amigoZ de Honorina deplorava a falta de

  • carne da atualidade e a ausncia decintura que parece ser causada pelamalhao contempornea e admiravacom sincero fervor esttico certasenxndias bem colocadas, em moas esenhoras que passavam pelo largo daQuitanda, onde fazamos ponto. Eumesmo tenho uma comadre gordinha,casada h dcadas com um maridoamantssimo que a conheceu bemgordinha e fica indignado quando elaperde um quilinho.Fatores culturais tambm interferemnisso. Se apreciamos uma calipgia (dabunda bela), as fronteiras com aesteatopgica (da bunda gordinha) sotnues e a rapaziada do boteco qualificade divinal o que as americanas, que,

  • para comeo de conversa, no tmbunda nem para pensar em concorrercom a brasileira e, portanto, tendem adesdenhar o que no podem alcanar,consideram gorda. Mulher tem que tercintura, violo ou ampulheta nointeressa, mas vital a formosaconcavidade entre as costelas e asancas. Creio mesmo que, consultada aopinio pblica, tanto de homens comode mulheres, mesmo as descinturadaspor uma malhao perversa, a maioriaconcordaria em que mulher tem que tercintura, faz parte da figura feminina, clssico, at constituinte do docemistrio das mulheres. E h muitasgordinhas, sim senhor, mantidas nomodelo violo. Est bem, violoncelo,

  • mas com a cintura no lugar. E sei que asdescinturadas, conscientemente ou no,tambm sabem disso, porque noto, entreas muito fotografadas, que elasprocuram sempre posar curvando osquadris para um lado, fingindo ainda tera cintura insensatamente perdida.Agora, para alegria dos violonfilos ecinturistas, chega evidncia cientfica deque o padro esqueltico ou Barbienunca esteve com nada, no dever estarcom nada no futuro e s est com algumacoisa no presente devido a interesses demercado circunstanciais. Diz aqui numarevista cientfica que o dr. indianoDevendra Singh, da Universidade doTexas, chefiando uma equipe queanalisou centenas de milhares de textos

  • literrios ocidentais, onde eles refletiamas preferncias estticas de suas pocas,chegou concluso de que a cintura,notadamente a cintura fina, sempre foielogiadssima nas mulheres e tida comoum elemento bsico em sua beleza. Maisainda, o dr. Singh estudou detidamenteos dois grandes picos indianosMahabharata e Ramayana, alm depoesia chinesa clssica, e as referncias beleza das mulheres com cintura finaso inmeras.A tal ponto chegaram as pesquisas dodr. Singh, tambm diz aqui na revista,que sua concluso de que o crebrohumano naturalmente programado(wired) para considerar a cintura,principalmente a fina, como parte

  • essencial da beleza feminina. E, maisainda, no se trataria de algo arbitrriona evoluo da espcie, masrelacionado com a sade. As que tmcintura a-ha! tm mais sade. Istosem dvida abre horizontes quiradiosos para muitos de ns, homens oumulheres, hoje escravizados pelopensamento nico imposto por estetas demeia-tigela. Os modernos somos ns, osviolonfilos; as antiquadas so asBarbies. Espero que o pas se una emtorno do restabelecimento do legtimopadro nacional e que a mulherbrasileira, pioneira natural solertementedesviada por uma falsa modernidadecolonizada, reassuma sua estatuesca einimitvel majestade de Vnus tropical,

  • das cheinhas s magrinhas, todas comcintura e bunda, o Criador seja louvado.

  • A Renovao num Botecodo Leblon

    BEM J falavam os antigos, o quepassa devagar o dia, o ano passadepressa. Num instante, hein, cara, l sefoi essa desgraa, j foi tarde. Pra mim, no. Quer dizer, o ano noteve nada para comemorar, mas sempre mais um ano que vai embora,no ? Na nossa idade, isso j comea apesar, o cara fica matutando, fazendoconta... Tu faz conta?

  • Faz conta, como? Conta dos anos?Claro, eu vou contando os anos, normal, todo mundo sabe quantos anostem. Pode at negar, como voc, massabe. No isso, cara, eu no estou mereferindo aos anos que a gente tem e,alis, eu no nego a idade, quem nega voc, mas deixa isso pra l. O que euestou falando nos anos que aindarestam, os que vm pela frente, sacou?Tu faz conta dos anos que ainda deve terpela frente, mais ou menos? Ah, eu no. Quer dizer, s vezes. svezes eu penso assim... Mas tudomuito aleatrio. V o caso do Caldeira,tu manja bem o Caldeira, todo mundomanja, sempre de calo, peito cabeludo

  • de fora, nada de cigarro, nada de birita,nada de perder noite, comida quase quesomente capim, mais sade do que azaga da seleo da Nigria e a o que que aconteceu? Sentiu uma pontadazinhana barriga, foi no mdico, o mdicomandou ele fazer uma cacetada deexames tipo Nasa e a falou que nemprecisava abrir, j estava tudo l dentrotomado, negcio pra no mximo maisdois meses. Pet, saudaes, como sedizia no tempo do telegrama. No deuoutra. Tu tem visto ele? No, ele... Claro que no, pra ver tu tem de ir noSo Joo Batista, corredor dos no-fumantes, ala natureba, quadra da leiseca, superquadra da aerbica. l que

  • ele est. Quer dizer, no d pra prever,ficar minhocando esses troos, tu podelevar bala perdida, pode ser atropelado,pode ter uma porrada de coisas, quemest vivo est morto, no adianta pensar,s d estresse. , eu sei, mas a gente no comandaos pensamentos, eles pintam semautorizao. Eu fico pensando assimque, descontando essas possibilidadesque tu disse, mais ou menos dentro dachamada normalidade, eu fao as contase a penso que, com alguma sorte,emplaco mais uns quinze, n no? ,mais uns quinze est de bom tamanho.Com muita sorte, mas muita sortemesmo, mais vinte, da no pode passar.Tu l obiturio?

  • Ta, obiturio eu leio. Leio e observosempre a idade dos caras. Tem dias que todo mundo na faixa dos oitentinha,so os melhores dias. Mas tem unsinfartos com 50, 55, umas taisprolongadas doenas que todo mundosabe quais so, tem umas coisas assim, omelhor seria no ler merda de obiturionenhum. Mas vcio, peguei o vcio eagora uma desgraa, vou em cimadireto, leio eles antes de saber qual amanchete. Eu tambm leio, cara, tambm souviciado. isso e as contas, no temjeito. Eu no quero, mas fao essascontas todo dia, quase toda hora. P, no fala mais nesse troo, que eutambm j estou aqui querendo entrar

  • nessa de fazer conta, isso no t comnada, cara, vamos parar com isso, anonovo! Lembra o ditado: ano novo, vidanova! isso a, vida nova! Isso tu repete sem notar que besteira. No tem nada de novo, esttudo ficando mais velho, ns e o mundo,tudo mais velho. Eu tou falando no sentido filosfico,tua grossura nata no te permite penetrarno sentido filosfico. E no sentidoprtico tambm, de um plo a outro. Arenovao um fato. Tu j soube daltima moda em matria de cirurgiaplstica? Nos Estados Unidos, est umaverdadeira febre. Pode estar, mas no na frente doBrasil. Nesse ponto, o Brasil sempre

  • esteve muito bem. No na parte a que eu vou me referir.Agora a moda operao plsticavaginal, meu amigo, isso a. Quer maisrenovao do que isso? Plstica vaginal? Mas para corrigirdefeitos de anatomia, essas coisas, nno? cirurgia corretiva. Nada disso, cirurgia esttica! aevoluo natural. Primeiro foram osplos, tu sabe que o pentelheiro hojeum especialista importante, ou no sabe?J esto at propondo um nome maisrespeitvel, vai ver regulamentam aprofisso. O nome pectineocista,chique, no ? outro ponto em que oBrasil est na vanguarda, tem at umcorte chamado Brazilian, isto aqui no

  • s Santos Dumont, no, cara. Ns hojedispomos de grandes profissionais. , isso eu acompanho mais ou menosnas revistas. Pois , tem o Brazilian, tem aqueleque parece cabelo de ndio seminole,tem o bigodinho do Hitler, tem ocorao, tem muita criatividade. E agoraeles vo mais fundo, j especialidademdica, pode esperar que vai pegar aquie vai ser j este ano. E tu ainda acha queno h renovao? J imaginou? , vai ter modelos, vai ter gentequerendo uma igual da fulana... Claro, o cu o limite! Eu no manjomuito, a no ser como amador fantico,mas fico imaginando que pode pintar

  • tudo. Siliconada, lipoaspirada,repuxadinha, com botox... Hein, combotox deve ter uns efeitos colateraisinteressantes, t sentindo aonde eu querochegar? A paciente, ali meioderrubadinha, toma uma aplicada debotox, sai da frente! E tu no vrenovao? Tu muito derrotista, essarea vai trazer novidades sensacionaisem 2005. O Homem tem toda a razo,ser um grande ano. A brasileira umagrande mulher, vai encarar essa combrilhantismo. E, com os craques daplstica que ns temos, a mesmo quevamos atingir o sonho de grandepotncia, sacou? Se no d de um jeito,d de outro, o bonde da Histria quens no vamos perder.

  • A Crise by Night

    DE VEZ EM quando a gente l no jornal umcamarada declarando qualquer coisacomo a palavra crise no existe no meudicionrio. Acho isso admirvel,admirabilssimo, porque se trata de umtalento que a Providncia me negou deforma absoluta, no me deu nem ummicrograma. Deu-me, contudo, afreqente oportunidade de lerafirmaes como essa e me dadivoutambm um nmero certamenteexcessivo de amigos que tampouco

  • acreditam na crise. Um deles meconvidou para sair, no sbado passado(eu novamente de cigarro e solenementeignorado por todas as minhas dolas),tomar uns drinques, jantar e bater umpapo com o pessoal. Sentado diante deum pavoroso livro que insensatamenteresolvi escrever e que j me deixa zonzocom personagens e cronologias, acheique era bom alvio. Um dos personagens um tal cnego que em m hora inclunos convidados de um passeio nocala a boca h 40 laudas, est ficandocada vez mais difcil atur-lo. Mas hum seno: exatamente a mania de ficarescrevendo sobre o cnego e maisoutros sujeitos desinteressantes, em vezde ganhar a vida honestamente abrindo

  • por exemplo uma empresa de cadernetade poupana, preclude o meucomprometimento com desembolsosmais elevados, notadamente na rubricaentretenimento/pifo, j que meu cash-flow no dos mais famosos. Em outraspalavras, estou sempre duro. Fiz veresta circunstncia ao meu amigo. Ah, eu tambm! respondeu elealegremente. Primeiro, ns passamosno Antnios! No compreendi. Eu duro, vocduro... Ao Antnios!Concordei. Tenho muita confiana nosamigos. Contudo, ao marchar pela ruaabaixo, no podia deixar de estremecer,

  • lembrando do dia em que, para mais umpapo com um editor alemo (que, porsinal, ainda no editou nada), dei uma denoblesse oblige e o convidei paraencontrar-me no Antnios. Enquanto eu,com prudncia e frugalidade, alegavaproblemas estomacais e traavaprolongadamente uma garrafinha (acabeitomando duas) de gua tnica, meuconvidado pegou uns trs runs comcoca-cola. Na sada, aquela presepadatoda: no senhor, eu pago, deixe comigo!Como nas piadas, o brasileiro venceu:paguei a conta. Cheguei em casa plido,tive de tomar um daqueles calmanteshomeopticos para palpitaes. E agora,como seria?Terminei no descobrindo, no d para

  • perceber. A noite chegou festiva ao bar,ele se desvencilhou das contas como ummago e, cercado por um cortejosorridente e amabilssimo de garons emanobristas, acenou-me paraacompanh-lo a seu carro. Dentro docarro, vi-o dobrar um bolo de notas ep-lo no bolso, murmurando semprebom ter um trocadinho. Como? Comopodia ser aquilo, se poucos momentosantes ele revirava os bolsos para memostrar como estava ainda em piorsituao do que eu? Que milagre eraaquele? o troco respondeu ele,arrancando com brio. Ao Florentino!No perguntei mais nada. No Florentino,pediu minha garrafa a!, congregou

  • novo grupo de amigos mesa, apalavrouduas casas em Bzios, analisou osocialismo moreno e convidou umamoa para uma volta em Nova Iorqueuma hora dessas, nesta poca do anoest uma beleza. Com a noite cada vezmais florida e animada, ele meperguntou se eu no queria jantar. Jantar? Sim, uma boa. Aqui? Eu... Ao Hippopotamus! Mas...Pegando mais um pouco de troco nocaixa, ele chegou rapidamente aoHippopotamus. Um leo de chcara (lpode ser que seja country-house lion,mas a mesma coisa) sorriureluzentemente, abriu a porta, ele entrou,

  • deu um beijinho na moa da recepo,perguntou com exuberncia: Tudo bem, meu amor? Minha mesa?A mesa dele estava l, sim senhor, omatre veio conversar, sugeriu umpratinho especial (quanto aos drinques,j estvamos tomando usque da garrafadele, que chegou antes de ns mesa).Depois de consultar-me com grandefidalguia, ele deu algumas instruesadicionais ao matre, garantiu-me que euiria gostar muito daquele prato, dedicouo resto da noite a conversar e a acenarpara praticamente todo mundo quepassava: tudo bem a, querida? comovai, meu bem? beijos, beijos! Samos jbem tarde, ele com a alegria do poder edo reconhecimento social, eu com o

  • contentamento recatado que nos traz aboca-livre. Como estava com sono, temique ele desse novo brado de guerra,quisesse fretar um jatinho para dar umpulo ao Maxims ou qualquer coisaassim. Mas ele tambm tinha ficado comsono. Bom, agora vamos encerrar disseele. Amanh tenho de trabalhar. Mas amanh domingo. E o que que voc pensa? Vocpensa que eu tenho folga? Eu trabalho nodomingo tambm e assim mesmo no d!O dinheiro no chega para nada! Vocsabe que eu fico imaginando onde quens vamos parar? Voc veja ns dois:trabalhamos como um par de cavalos es vivemos na pior! Est certo isto?

  • No estava certo, claro. Entramos nocarro, lembrei-me subitamente de umdetalhe. Desta vez voc esqueceu de pegar otroco. Ah, tudo bem disse ele. Aquieu no pago.Uma experincia como essa no podedeixar de ser inspiradora. Eu mal podiaesperar a volta de minha mulher paraintroduzir a nova poltica da casa. Mulher! falei, assim que elachegou, na segunda-feira. A palavracrise no existe no meu dicionrio! Que tal bancarrota? perguntou ela.

  • Aventuras Naturais

    UMA VEZ O cineasta Geraldo Sarno, que muito natural embora no parea, melevou para almoar num restaurantenatural e sa de l deprimido, levei doisdias para me recuperar. Quanto a ele,garantiu-me que adorava aquilo tudo,apesar de comer com o mesmo arfunreo dos demais presentes. Pior doque essa experincia acabrunhante, s aque tive num restaurante macrobiticode Salvador, ao qual concordei que melevassem num momento de insensatez e

  • que me deixou abaladssimo aquelesmastigadores obstinados, aquela aura deexpiao de pecados atravs depenitncias alimentares, aquelaatmosfera plida e astnica.Desconfiado, diria mesmo queintimidado, perguntei se no haviaqualquer coisinha para beber eresponderam que havia, claro que havia.Maravilhoso, que podia ser, ento?Dependia da minha preferncia. Ah, sim,nesse caso, que sugeriam? Comrevoltante cinismo, o falso amigo queme levou a esse lugar desfiou um rosriohorripilante de possibilidades, acomear por suco de espinafre (quenunca vi, mas considero imoral pordefinio) e terminando por suco de

  • beldroega, que no sei o que mastampouco soa como algo decente.Perguntei se no havia gua, ento, umaaginha mineral. Mineral no,responderam com desdm, temos guadescansada. gua descansada? Descansada? Sim, gua descansada. E essa gua descansada diferenteda gua comum? Quer dizer quenormalmente bebo gua cansada? Isso mau? De certa maneira, voc bebe guacansada, sim, pode-se dizer isso. guamisturada com aditivos nocivos, talvezpoluda, esterilizada atravs de meiosviolentos e antinaturais como a filtragem

  • e a fervura. A daqui no filtrada nem fervida? Claro que no. gua natural, deuma fonte lmpida, que deixamosdecantando em vasos de cermicaespecial. Descansando, portanto. Fantstica gua. Ser que eu possobeber um copo dgua geladinha? Geladinha no temos. Por qu? Gelar cansa a gua? No natural beber gua gelada, outra violncia que se comete contra oorganismo. Alm disso, o senhor nodevia beber gua s refeies, no bom, talvez um ch, temos chsexcelentes. De beldroega?

  • Se o senhor quiser. Mas temos detlia, de... No, no, esquea, tudo bem, euespero a comida.No sei por que resolvi esperar, deviater fugido antes, inclusive porque, deoutra ponta da sala, como um espectroossudo, aparece um outro amigo meu,que por sinal no reconheci na mesmahora. Macilento, de uma cor pardaindefinida, gestos fluidos, voz aflautada,cumprimentou-me festivamente. Quealegria eu lhe dava, aparecendo ali,vendo finalmente o caminho da sade,da felicidade e da paz de esprito. Nunca tive tanta sade disse, comum sorriso de mmia.

  • Voc no est me achando bem? Hein? Sim, muito bem, est muitobem mesmo. Pois disse ele, os olhos muitoprotuberantes no rosto escaveirado. Sinto-me uns 10 a 15 anos mais moo.Embora parea uns 40 mais velho,pensei eu, mas no disse, at porqueestava chegando a comida. Ao contrriodo que acontece quando a comida chegaem circunstncias normais, ningumesfregou as mos, lambeu os beios,sorriu ou lanou um olhar satisfeitosobre os pratos. Ao contrrio, criou-seum clima contido e grave, piorado nomeu caso pela dor nas costas que me dsentar em almofadas no cho, o quetambm me deixa sem saber o que fazer

  • com as pernas. Mas, de fato, a comidano mereceria outro tipo de recepoque no aquele velrio. Que isto aqui? perguntei a umdos amigos, apontando uma massa decor repelente e consistncia suspeita. Isto arroz, arroz integral. Receitada casa, os donos so gnios culinrios. Com certeza, conseguem vender essenegcio e o pessoal ainda paga eagradece. Hein? Nada, no. Arroz, hein? Quem diria,assim primeira vista eu pensei que erapapa de alpiste com goma arbica. Ha-ha, mas arroz. uma delcia,experimente.

  • Est certo. Acontecendo algumacoisa, avise famlia. Hein, que tal? Hein? No! No! No o qu? O que foi, eu estouplido? Estou roxo? No isso, voc no mastigou. Mastiguei, sim. No havia muito oque mastigar, mas mastiguei. Nada disso, voc tem de mastigarpelo menos 50 vezes. Cinqenta vezes? por isso queningum fala aqui, todo mundo contandoas mastigadas? No preciso que sejamrigorosamente 50 mastigadas. Mas essa a mdia para que voc consigaliquidificar a comida na boca.

  • Se assim, ento por que no passamtudo logo no liquidificador? No, tem de ser feito na boca. Deve-se mastigar at a gua. Cinqenta vezes cada gole? Mais ou menos.Na sada, com os maxilaresdestroncados e a sensao de que tinhacomido vento modo, refugiei-meimediatamente num boteco da esquina,comi um sanduche de pernil e jureiromper relaes com o primeiro que melevasse macrobitica ou naturalidadeou a qualquer coisa correlata. Mas odestino irnico. No que minha filhaChica, que recentemente colheu aprimeira flor no jardim de sua

  • existncia, com 13 quilos e fsico delutador de sum, metida a natural?Com essa idade, vejam vocs, j todanatural, no come carne, cheia denovidades. Altas preocupaes nafamlia, grandes leituras do dr. Spock edo dr. Delamare essa menina precisacomer protenas, carboidratos e lipdios.Mas o preparo fsico dela (se houvesserecorde infantil para levantamento depeso, essa medalha j estava no papo)demonstra que alguma coisa d certo nadieta dela. Como ser que ela obtm asto faladas protenas? A resposta, comooutras grandes descobertas, veio poracaso. Aqui em Itaparica tivemostambm uma praga de grilos, umainfestao generalizada, grilo por tudo

  • quanto era canto. Em nossa casa,contudo, a infestao era mais moderadaque em outros lugares. Por qu? Eis que,observando Chica brincando no cho,noto que ela pegou alguma coisa que psna boca. Que isso a na boca? Tire isso daboca!Tarde demais. Mastigando com grandeprazer gastronmico, Chica acabara dejantar um grilo ao primo cri-cri. Sconsegui puxar uma perninha, jmastigadinha. Mulher! gritei l para dentro. Chica comeu um grilo! So Joo Batista tambm comia disse ela.

  • Mas voc acha certo esse negcio deChica comer grilo? No posso fazer nada, isso nem apior coisa que ela j comeu. Voc quersaber o que eu j peguei ela comendo?Ela... No, no diga, no diga, eu j sei!Bem, protena, isso ningum podenegar. Dobramos a vigilncia, masChica consegue traar uns dois grilospor dia, no mnimo. E a verdade quetudo na vida pode ser visto por umngulo favorvel. Outro dia mesmo,quando Z de Honorina estava l emcasa para tomar um cafezinho, observouque tnhamos bem menos grilos do queas outras casas da ilha.

  • Que que voc faz, usa muitoinseticida? perguntou ele. No. Ns usamos controle biolgico respondi, olhando para minha filhaorgulhosamente.

  • Alpiste para as Rolinhas

    SEI QUE EST bastante fora de voga fazalgum tempo, mas sou dos que acreditamque, se fizemos uma promessa, devemosprocurar cumpri-la. Prometi descrever oque esperava, com toda a honestidade,ser uma tarde empolgante, jogandoalpiste para as rolinhas da rua DiasFerreira, aqui no Leblon. Tenhopouqussima experincia no assunto,mas, depois de dcadas numa profissoem que saber observar indispensvel,no vou dizer que sou bom reprter, no

  • sou nem reprter mediano, mas conheouns dois macetes operosamenteaprendidos ao longo do tempo, peruandoo trabalho dos craques e fazendoperguntinhas importunas.A responsabilidade aumentouconsideravelmente quando minhapromessa despertou interesse emalgumas pessoas, todas quase ansiosasem colaborar com minha misso, emdiversas condies possveis, desdeassessoria tcnica ornitolgica a jogaralpiste tambm. Fui obrigado a usarexpedientes variveis para evitar queisso acontecesse. Nos tempos em quevivemos, o evento ultrapassaria emmuito minha capacidade jornalstica,pois o mnimo que iria acontecer seria o

  • surgimento de grupos usando camisetascom a inscrio Rolinhas Contra AViolncia e a organizao de umapasseata aqui o pessoal muitochegado a uma camiseta e uma passeatacomo via de ao poltica. E, no sei,algo no me soa bem em rolinhascontra a violncia e suspeitaria demalcia em exortaes qui inocentes,como alimente uma rolinha hoje oud alpiste pra rolinha, vocs sabemcomo cabea suja nojenta de velho.Cheguei a extremos, at. Oirrepreensvel escritor e meu particularamigo Rubem Fonseca me skypeou,neologismo pelo qual suplico perdoaos puristas, mas quer dizer conversarpelo computador atravs de um

  • programa chamado Skype, indagando ahora e o local exatos em que serealizaria a distribuio de alpiste,porque ele, como de hbito embuado,pretendia comparecer. (Sim, devo abrirestes parnteses para dizer que elecertamente no vai gostar, quando viraqui que eu contei que ele tem Skype,mas nunca vou revelar o nome dele nosistema e, de qualquer forma, elebloqueia qualquer um numa boa; queremver, experimentem.) A presena dele sempre bem-vinda em qualquer lugar euma honra e alegria para mim, mas emtudo nesta vida h excees e adistribuio de alpiste, receei, seria umadelas.Vocs no sabem como o Z Rubem.

  • Todo mundo pensa que sabe, mas nosabe. Eu o conheci (sorry, periferia) emParis, faz muitos anos, e tenho certeza deque, no segundo dia em que samosjuntos, a gendarmerie j nosacompanhava a uma distncia discreta.Ele apronta com a maior cara-de-pau ecom certeza ia aparecer com a cabeaenterrada at os olhos num chapu depano e se apresentar a uns como LcioMauro, a outros como ArmandoNogueira e ainda a outros como umvisitante hngaro incapaz decompreender ou falar uma s palavra emportugus com exceo de banana.No ia dar certo e, no meio do furdncioassim criado, ele arrumaria umanamorada, proeza que executa com

  • instantaneidade fulminante, edesapareceria, me deixando com opepino, o abacaxi, o angu de caroo, abatata quente e o que mais possametaforizar a confuso. E depois meskypearia novamente para dizer que eume revelara pssimo dador de alpistepara rolinhas e, alm do mais, meucomputador de quinta categoria.No, tinha que ser uma experinciasolitria e to bem planejada quantopossvel. Mas eu no podia prever amo implacvel do destino, que sepreparava para me ministrar uma liode que h muito devo vir precisando.Cheguei esquina onde costumava versempre multides desses popularesperisterdeos (claro que eu no conhecia

  • esta palavra; catei-a no dicionrio edesta vez dou uma folga do exercciodominical a que lhes exorto sempre, depegar o dicionrio, pois usar odicionrio do computador consideradocomportamento antiesportivo, eu mesmonem ligo para o Aurlio e o Houaiss quetenho instalados aqui e a folga passar-lhes o conhecimento sem o qualvocs no vo compreender comoviveram at agora, qual seja o de queesse o nome da famlia das rolinhas) eno vi nenhum. Perguntei a um chaveiroque tem cabine perto, ele me disse queas rolinhas andavam sumidas.Como, andavam sumidas assim semmais nem menos? Era o que eu ouvira,estamos em falta de rolinhas. Ele tinha

  • idia da razo? No, no tinha, derepente elas no mais abundam comoabundavam. Disse ento a ele que ia darum jeito nisso. Ia voltar logo mais comalpiste para derramar no cho e atrair devolta as rolinhas, era um esporte radicaladequado a meu preparo fsico. Ele riu.Rolinha come alpiste, claro, mas nocurte muito, eu provavelmente ficariadesmoralizado com meu alpiste. No,esquecesse aquilo, as rolinhas tinhamsumido mesmo, s pintava uma ou outrade vez em quando.Fiquei pensando nas razes para odesaparecimento. Seriam as rolinhasnordestinas, agora deportadas de voltapela prefeitura? Descobriu-se que fumarrolinha moda d mais barato do que ch

  • de fita cassete? Tero armado algumesquema de lavagem de dinheiroenvolvendo rolinhas? Mistrio quecertamente jamais desvendarei e, meiodeprimido, confesso-lhes que fracassei.No comprei o alpiste, no me enchi deadrenalina como esperava, no lhes fizuma narrativa arrepiante. E, comoantecipei, aprendi uma lio dehumildade. Se dar alpiste a rolinha difcil, muito mais ser governar, aindamais quando, como eu, no se temexperincia. Era a desculpa que faltavapara eu mudar minhas posies. Quandoser que vo passar a creditar meumensalo?

  • Questes Cornolgicas

    SE VOCS ESTO pensando que trocaramuma letra a em cima, esclareo que notrocaram. No cronolgicas, cornolgicas mesmo. Trata-se do quepresumo ser um neologismo, paraqualificar fenmenos ligados a cornos.Apesar de injusta fama em contrrio,no sou dado a inventar palavras eperpetrei esta por ach-la necessriapara sanar uma falha em nosso jindigente vocabulrio. Bem verdade quesua etimologia, misturando latim com

  • grego, haver de alar sobrolhos entreos fillogos, mas, se Auguste Comtepde fazer a mesma coisa comsociologia, creio que, transcorridotanto tempo, um brasileiro j tem omesmo direito, sem macularexcessivamente a nossa luzente imagemno exterior ou expor-se a acusaes deplgio e macaqueao.A noo de corno, a comear pelaprpria palavra, ainda classificadacomo chula mas de emprego corriqueiro(e prtico, ouso arriscar peraltamente)na melhor sociedade, vem sofrendo,como testemunhamos os mais velhos ejamais sabero os mais novos, enormesmodificaes em nossa cultura. Ainda semata e bate bastante por motivos

  • cornolgicos no Brasil, mas a verdade que se trata de prtica cada vez maisdmod, politicamente incorretssima einconcebvel para uma pessoa realmentemoderna. Vem a calhar, se procurarmosno ser hipcritas, a reflexo que meupranteado amigo Z de Honorinaexpunha em Itaparica, ao perceberexcessiva confiana ou negligncia daparte de algum consorte: De um bomcorno ningum neste mundo pode dizerque est livre.Tanto assim que at mesmo no Nordeste,onde, quando eu era menino, chamaralgum de corno rendia invariavelmentepeixeirada e provvel absolvio dopeixeirador por um jri popular, amaneira de encarar o tema mudou muito,

  • tanto assim que h notcias deacalorados concursos de cornos emPernambuco, alm de clubes e outrasentidades da categoria. Na praia doForte, Bahia, onde estive faz algunsanos, me informaram, garantindoabsoluta veracidade, sobre odisputadssimo trofu Corno do Ano.Estavam at estudando umareformulao do regulamento, paraevitar problemas como o ocorrido noano anterior, em que o irresignadosegundo colocado fez um discurso deprotesto, devolveu o diploma (o trofuprincipal um chapu com dois vistososchifres de zebu a ornament-lo) e quasequebra tudo. Ele de fato era e ainda um grande

  • corno me disse meu informante. No se pode negar valor a ele, cornoh muitos anos, tem uma grandetradio. Mas deu azar de pegar umconcorrente imbatvel, um coroa vivo,pai de trs filhos grandes, que casoucom uma moa uns quarenta anos maisnova, que no s comeou a dar cornonele com toda a vizinhana em menos deum ms como no poupou nem os trsenteados, passou os trs nas armas! Avoc tem de admitir que no tinhacompetidor altura, caso de Guinness.Este ano eu acho que vo criar um trofuespecial pelo conjunto da obra, para verse ele se consola, ele merece.Contudo, o assunto ainda sujeito acontrovrsia. Nem todo mundo aceita

  • essa mudana de costumes. Sei quesomente eu leio essas coisas, mas limesmo, como j noticiei aqui, que noJapo vendem (comercializam, alis;hoje em dia ningum vende mais nada,s comercializa) calcinhas e cuecas queficam irremediavelmente manchadas deuma cor pouco discreta, se tocadas poralgum vestgio de esperma. Alm disso,h um produto, j esqueci se creme,loo ou outro, que, passado na pele,tambm a mancha, se o paciente tomarum banho ou lavar a parte do corpo sobfiscalizao. Claro, no Brasil a roupa debaixo no funcionaria, porque ascompatriotas dispostas (gua morroabaixo, fogo morro acima e mulherquando quer dar ningum segura

  • repetia tambm o grande Z) a aporchifres nas testas de seus parceiroshabituais teriam um estoque de calcinhasextras nas bolsas ou nas gavetas, assimcomo os homens guardariam estepes decuecas nas pastas ou tambm nas gavetasdo escritrio. Quanto lavao, nocreio que tampouco houvesse problema,porque, como no se ignora, o brasileiroe a brasileira so muito limpinhos e umaindignada alegao de que eu lavei, eulavo sempre! poderia bastar paraexplicar a mancha.Agora, tambm li que cientistas dauniversidade americana de Emory, emAtlanta, descobriram um certo gene dafidelidade. Caminho aberto, ainda quepresentemente remoto, para os

  • cornfobos exigirem atestado de vacinade seus eleitos e o governo lanar oprograma Corno Zero, certamenteprefervel, para a vasta maioria dosgovernados, cornido participativaque algum idelogo poderia sugerir.Mas tambm receio que essa tentativano dar certo. Alm de, provavelmente,a vacina no dever fornecer proteoabsoluta, a experincia indica que elapassaria a ser vendida em camels 80por cento mais barata e sua versoparaguaia, alm de dar ressaca,produziria uma quantidade insustentvelde tocadores de harpas, e o Brasil noprecisa de mais um problemasociocacofnico, entre os muitos que jenfrenta.

  • No, receio que, apesar dos progressoscientficos, o Ibama no precisarincluir o corno na lista de espciesameaadas. Ele faz parte da vidanacional. Outro dia mesmo, no boteco,um dos companheiros de mesa, vtimade memorvel corneamento que, apesarde longnquo no tempo, ainda hoje lembrado, lamentou que no se podemais contar piada de portugus, piada dejapons, piada de negro, piada dehomossexual, piada de ano, piada demdico, piada de nada. Mas piada decorno pode, queixou-se ele ressentido,todo mundo curte com a cara do corno.Por que tal injustia? Isso o entristecia. No fique assim consolou-o umadas senhoras presentes. simples,

  • porque no minoria.

  • Zefa, Chegou o Inverno

    QUANDO OS LONG-PLAYS eram altanovidade, l em casa a gente tinha umaporo, porque meu pai sempre foimuito a favor do progresso, de maneiraque no deixava passar nada e, aochegar em casa com a novidade, aindafazia uma conferncia erudita sobre ela.Como uma, inesquecvel, a respeito doliquidificador novidade que, alis,encarei com certa ambivalncia, vistodetestar banana e minha me ter passadoa tacar vitamina de banana em toda

  • criana que aparecesse na frente dela.Mas os long-plays no, os long-playseram apreciadssimos, notadamente seexecutados na eletrola de gabinete demeu pai, Standard Electric, ltimo tipo,apresentando diversas caractersticassensacionais, tais como no precisarnem dar corda nem mudar a agulha todahora era agulha de safira, tocavamais de cem discos sem trocar, coisaadiantadssima mesmo. Tnhamos,inclusive, o disco de demonstrao queeu executava para as visitas e, depoisque elas saam, minha me reclamavacomigo por ser o mais exibido dafamlia.As sesses eram variadas. Meu pai nodistingue uma nota de outra, nunca

  • cantou nem assoviou na vida, absolutamente atonal, mas sempre fezquesto de cultura musical na casa, deforma que a gente se reunia muitocompostamente frente da eletrola e eleanunciava, tirando o long-play da capa: Schubert! Grande compositor.Sinfonia Inacabada. Bote a que eu nosei mexer nessa estrovenga. Quem derum pio leva um tabefe.A gente escutava com muita ateno,porque o velho nunca foi de prometerum tabefe sem dar o tabefe, o clima nacasa era de grande harmonia. E tambmtnhamos sesses de msica popular,algumas didticas e com palestras como o lbum de Noel Rosa gravadopor Aracy de Almeida, ou discos

  • franceses dos quais eu era obrigado atirar a letra. Isso me deixava nervoso,porque eu nunca tinha visto um francsna vida, mas meu pai me consideravaperfeitamente equipado para morar emParis, por causa de um livro chamadoFrancs sem mestre, que trazia apronncia transcrita entre parnteses acei-vu, lev-vu, qus-qui-c? Davapara ler, mas a primeira vez em que eufalei francs com um francs, ele pensouque era russo, at hoje tenho traumadisso. Bem, de qualquer forma, ele mechamava para a sesso de msicafrancesa e o ritual era parecido, com aagravante da tirada da letra. Msica francesa! Jean Sablon,Charles Trenet, Yvette Giraud, Edith

  • Piaf, Patachou. Grandes cantores,grandes artistas. Silncio a. Bote JeanSablon, aquela msica que comea como ditemu. Voc a, pegue o lpis e tirea letra. Dites-moi un mot gentil. Puisque je vous dmande pardon. Oui je sais, je sais, chrie, Que vous avez toujours raison cantava Jean Sablon, mas s hoje queeu sei que assim, porque, na poca, euentendia tudo, embora com grandesacrifcio, mas no pescava o un mot.Nervosssimo, quase desesperado,inventei uma soluo para enrolar ovelho. Rezei um Padre-Nosso paraNosso Senhor me ajudar naquele transe,

  • e Ele me ajudou. Expliquei para o velhoque, como tinha lido na revista OCruzeiro, Jean Sablon estivera no Riode Janeiro e tinha dito que gostava muitodo Brasil, que a mulher brasileira era amais elegante do mundo, que SantosDumont tinha inventado o avio etc. etc.E, por conseguinte, numa homenagem aalguma carioca, ele havia feito aquelamsica: Dites-moi, amor gentil com esse amor a em portugus. Ovelho desconfiou um pouco, acabouconformado. , pode ser disse. Essesfranceses so muito safados, vai ver queSablon traou l uma carioca daquelasde perna de fora. Ele fez o qu, pai?

  • Cale essa boca, no se ouse, v lpara dentro!Finalmente, tnhamos tambm os recitaisde poesia com Floriano Faissal, SadiCabral e outros, tudo nos long-plays. Omais popular era o de Jorge de Lima,declamado por Sadi Cabral, que tinhaEssa Nega Ful, que me dava umasidias, O Acendedor de Lampies,que deixava meu pai de nimofilosfico, e o Zefa-chegou-o-inverno,formigas de asas e tanajuras... Era tolindo esse inverno do poeta que euficava chateado por estarmos no vero,queria participar daquelas coisas detanajuras, cheiro de terra molhada,plantas brotando em toda parte.Isto, naturalmente, antes de morar em

  • Itaparica. Pois no que me surpreendi,assim que roncou a primeira trovoada eo cu escureceu no meio da manh, arecitar o Zefa-chegou-o-inverno? Zefa, chegou o inverno! bradei,com os braos estendidos para asprimeiras gotas. Que Zefa essa a? veio perguntarminha mulher, que desconfia da minhaveia potica. Nada, no respondi. Eis achuva, a trovoada, o temporal, oinverno da ilha, que belez... Na cozinha tem uma goteira com amesma vazo que Paulo Afonso disseela.Como de fato. No s na cozinha como

  • na sala, como no corredor, como nosquartos... Na verdade, s se salvou obanheiro, um baluarte da segurana dafamlia, todos flageladinhos ali,coitados, com o seu chefe prometendosolenemente que, na primeira estiada,iria providenciar o conserto do telhado.Pusemos um guarda-chuva em cima dateleviso, juntamo-nos no canto seco dasala, fomos esquecer as mgoas aliaconchegados, era uma bela cena deconvvio familiar. At que umas coisascomearam a se mexer debaixo dolenol com que tnhamos coberto ascabeas. Que isso, que isso? Ai! Formigas de asas e tanajuras disseminha mulher desdenhosamente.

  • Como o resto do poema?Vejam o que a natureza. Das cerca de800 milhes de formigas de asas etanajuras que a gua gera ao tocar emqualquer coisa, 750 milhes resolveramfazer assemblia geral aqui em casa, obulcio de suas asinhas difanas amusicar os ares, o colorido de seuelegante esvoaar enfeitando a paisagemdomstica, tanajuras e formigas de asassuficientes para aterrar o aterro doFlamengo. Acho que estamos diante de um casoclaro de necessidade de evacuar a casaimediatamente disse minha mulher,que paulista e costuma reiterar que alocomotiva que arrasta os trs vages(eu e os dois meninos, desnaturada).

  • Deixe de ser besta, mulher, onde jse viu, uma chuvinha -toa dessas! Umasformiguinhas bobas, que isso?Tive de repetir o que isso, porque asluzes se apagaram. Que isso? Blecaute disse ela. Medidasensata. Estamos sofrendo um ataqueareo. Voc j viu Os Pssaros? Que talAs Tanajuras? As tanajuras serebelam e... Mulher, procure no baixar o moralda casa! dever da esposa... ... botar todo mundo para dormir namesma cama no banheiro completouela. Em frente!Durante toda a noite, em intranqilo

  • sono receando pela resistncia dotelhado do banheiro (que, por sinal, sehouve galhardamente, o melhor telhadode banheiro que j vi, fao um preorazovel, propostas aos cuidados destapublicao), mostrei quela famlia depouca f como eram todos unsinsensatos. Arturzinho Pedreiro, que jtinha feito o conserto do telhado quandoele quebrou por causa das pedras que osmeninos jogavam na mangueira egarantido o conserto pela vida toda(me tomou vinte contos), iria cumprir agarantia, eu conhecia o povo da minhaterra um povo que j expulsou at osholandeses, um povo destes graa?No, no . Procurado nos cinco minutosem que no choveu na manh seguinte,

  • Arturzinho me deu um sorriso de desdm(aqui na ilha existe uma grande escolafilosfica, fundada pelo meu primoWalter Ubaldo a escola do Sorrisode Desdm, coisa de razes fundas, vaiat Digenes , e quem nunca enfrentouum dos discpulos do Sorriso deDesdm no sabe o que a dureza davida) e explicou que todas as casas dailha estavam assim, o inverno brabo. Como inverno brabo? Eu fui criadonaquela casa e nunca vi essa goteiradatoda. No meu tempo... Isto foi no seu tempo respondeuele, me aplicando outro Sorriso deDesdm e me olhando como se eutivesse nascido nos albores da EraCenozica. Hoje em dia, porm...

  • Voltei para casa meio chateado comArturzinho, procurando a solidariedadeda famlia. No a obtive, fui alvo dechacotas, chistes, dichotes, eptetos,verrinas, apostrofaes e debiques.Decidi reagir. Encolhi-me no canto secoda sala, que por sinal est diminuindobastante, empreguei a energia requeridapela situao. Quem der um pio a leva um tabefe! Sefa, cegou o inverno disse meufilho Bento, que ainda no fez trs anos. O que tabefe?A harmonia familiar o tempora, omores! j no como a deantigamente. Ser que ningum pode passar a o

  • guarda-chuva um instantinho? disseeu.

  • Num Boteco do Leblon

    OLHA A, Z Mrio, tu lavou bemesse copo? Tu t sabendo que tem de darlavagem dupla nesses copos, devia atferver, os caras to dizendo que o Aidstambm passa pela baba! Qual baba, rapaz, tu t por fora. Oque pega pela baba a epilepsia, todomundo sabe disso. O Aids s pega nessepessoal alegre a, essa turma a que...sabe como , o contgio no bem pelocopo, tu t me entendendo, no bempor a, he-he!

  • A que tu demonstra tua ignorncia.Tu conhece o dr. Carvalho? Tu conhece,ele vinha muito aqui, ultimamente queno tem vindo, depois que a mulher deleinternou ele numa clnica pelo problemado alcoolismo. Tu conhece ele,verdadeira sumidade, respeitado aqui eem todos os outros Estados, su-mi-da-de, pergunte a qualquer daquelesvelhotes bbados do Degrau, no tem umque ele no tenha curado a pancreatite,at o Lula Grande, que ficou paralticode um porre de Johnny Bull, ele botoupra andar. Agora s t bebendo guamineral e guaran, por isso que ele spinta aqui de vez em quando, para seresguardar da nostalgia. Eu tive com eleno Bracarense, no dia em que o

  • Flamengo perdeu, eu tomando um porrede vodca e ele de gua mineral com gs,e tu sabe o que eu vi ele fazer na horaque o portugus botou o copo na frentedele? Ele tirou do bolso um pedacinhode algodo e um frasquinho parecendodesses de colrio, molhou oalgodozinho no lquido do frasquinho eesfregou pela beirada do copo toda,esfregou vrias vezes com a maiormeticulosidade. E o que era que tinha no frasquinho? lcool, xar, lcool de farmcia. Eufalei: no tou sacando nada, doutor, serque o senhor no est esfregando esselcool no copo para dar uma alegria ana gua mineral? A ele falou: deixa deser otrio, Lourival, acho bom tu

  • tambm adotar o lcool na beirada docopo como eu, que a barra do Aids tficando pesada. A eu falei: mas, doutor,esse Aids no uma transao que s dem boneca, o cara que... ali... o caraque... justamente... no ? E ele falou que no? Ele falou duas coisas. Primeiramenteele falou que verdade que d mais emboneca, mas s por enquanto e, almdisso a que voc v o raciocniodo homem que tem cultura, a pessoa temde admirar , ele falou o seguinte: meucaro Lourival, voc um homem queconhece a vida e vai concordar comigono seguinte: quem parece , e muitos queno parecem tambm so, a verdade essa, tu sabe disso.

  • Bom, isso , isso uma grandeverdade. uma grande verdade! Tem muitomoleque safado por a que no dnenhuma bandeira! Tu conhece oCarlo? Que Carlo? O Carlo da Humbertode Campos, um que faz musculao alina esquina da Joo Lira, o da motoca? Pois , Carlo-Carlo, esse mesmo. No! O Carlo? No! Que que vocest me dizendo, cara, o Carlo... Agora,pensando bem, com aquela machidotoda, todo forto, todo cabeludo nascostas... Agora que tu t me falando, tusabe que eu sempre desconfiei,pensando bem... O Carlo, quem diria...

  • Mas ele no t de Aids, ontem elepassou pelo Mar Mansa e t com amesma cara, no d nenhuma pinta deAids. Que isso, cara, o Carlo no nadadisso, meu amigo, conheo ele bem,nada disso. U, tu no falou que... Tu no esperou eu acabar de falar,que isso, o Carlo no... No, nadadisso. que o Carlo teve um problemacom um travesti no carnaval passado. Ah, ele saiu com um travesti nocarnaval, hein? A o travesti... , cara,tem muita gente que toma bonde erradocom esse negcio de travesti a que...He-he! Quer dizer que o Carlo, como

  • que se diz, o Carlo foi buscar a l esaiu atosquiado, no assim que se diz?O travesti... he-he, vai ver que o Carlobebeu demais, se distraiu... He-he! No, cara, nada disso, foi um caso deengano, o Carlo no tava sabendo que ocara era travesti, era desses todoscheios de silicone, sabe como , dessesque se tu no prestar ateno tu dana, tsabendo como que ? Ah, essa no, quer dizer que o Carlos foi descobrir depois que a desgraaj tava feita? Ah, qual , Vav, pra cimade mim? Ah, vai, conta outra, essa dano cola. Tou falando srio, cara, eu conheo oCarlo! O problema no nada disso,cara, deixa eu acabar de falar!

  • T legal, v falando, mas minha idia que essa histria do Carlo t muitomal contada. o seguinte, ele descobriu que ocara era travesti, mas s depois quetinha danado com o cara e tudo, tinhatomado assim umas intimidades, sabecomo carnaval. Eu vou lhe dizer umacoisa aqui confidencialmente, voc vaime prometer que no conta isso praningum, uma questo de confiana, oCarlo uma pessoa que me merecemuito. o seguinte olhe aqui, se tusair falando isso por a, eu vou ter umagrande decepo com voc, veja bem, o seguinte. Tou te falando isso atpor uma questo de sade pblica, podecrer, o grilo do Carlo um grilo srio,

  • o seguinte: teve um momento que oCarlo beijou o travesti, um momentoem que ele no tava sacando qual era ado cara. Logo em seguida, ele sacou, tut sabendo como beijo de carnaval, eleinclusive eu conheo o Carlo, eu seique um rapaz de carter, eu manjo eleassim como eu manjo voc, t sabendo? partiu para dar uma bolacha no sem-vergonha, mas o cara sentiu a barra dochoque do Carlo e se pirulitou na hora,sumiu no ar. O Carlo ficou desgostosoetc., passou a noite bochechando comconhaque etc., mas depois esqueceu, quena ocasio esse grilo do Aids no tinhapintado ainda, era uma transa queningum tava sabendo ainda. Masagora...

  • Mas no foi no carnaval? Se foi nocarnaval j tem tempo, no tem nada aver, se o Carlo tivesse de pegar adoena j tinha pegado. A que tu t errado outra vez! O dr.Carvalho me explicou, o cara pode estarcontaminado uns cinco ou seis anos semsaber! Ih, cara, grilo grande! Pois , voc precisa ver o Carlo,cara, parece assim que ele t bem, mast um farrapo, cara! Quer dizer,fisicamente no, ele fisicamente ttimo, mas a psicologia do caradesmoronou. Ele agora s comemacarronada, s come comidaengordante, no pode ver balana defarmcia. Sabe aquelas farmcias todas

  • da Ataulfo de Paiva? Pois no tem umaque ele passe que ele no pule em cimapra controlar o peso, tu t sabendo que aprimeira batida do Aids o cara perderpeso, tu viu a cara do Rock Hudes, umcara boa-pinta como o Rock Hudes, tusaca ele do Maquimila and Uife, pois, no pode ver comida engordante queno caia de boca na hora, inhoque, milquechique, batata frita, vitaminade banana, rissole de camaro em tudoque boteco, um inferno em vida,cara! Tou dizendo a voc, um infernoem vida, grilo grande mesmo. Eu no tava sabendo disso, cara.Quer dizer que a transao do Aids levaat cinco anos pra rebentar? Incubado a, cara, pode crer,

  • incubado. Tipo fantasma da pera, tsabendo? Grilo grande, grilo grande. Cincoanos, tu disse? Cinco, seis. O dr. Carvalho bateu pramim, cinco, seis. Tu t perdendo peso? Nada, cara, tou segurando firme em78, tenho acompanhado. Aquela farmcia ali em frente aSendas tem balana, no tem no? Vai ver que tem, eu no sei, porqueeu controlo naquela da Z Linhares,criei confiana. , eu acho que vou dar um pulo l, suma pesadinha, faz muito tempo que euno me peso.

  • T legal, mas acabe a tua caipirosca,no tem pressa. Eu tenho uma teoria.Minha teoria que o lcool por dentrofaz o mesmo efeito que o lcool porfora, a gente vai bebendo e vaidesinfetando. O dr. Carvalho achouinteressante essa minha teoria, deuvalor. , com certeza, com certeza. E, alm de tudo, o lcool ajuda aesquecer, ou no ? . No que eu tenha nada a esquecer,mas ajuda. Eu tambm no, mas ajuda. O dr. Carvalho falou o que eramelhor, se era caipirinha ou caipirosca?

  • Itaparica by Night

    EM MATRIA DE gente da noite, nuncafomos assim um grande celeiro. Aqui nailha, todo mundo orador, escritor epoeta; produzimos elevado nmero depatriotas; heri, nem se fala; jogador defutebol, s para ficar num exemplorecente, temos Toninho, que foi lateraldo Flamengo e da Seleo e que aquida Gameleira; cantores, desculpem, mascontamos com Natrcio Bastos, que nonasceu aqui mas como se tivesse, cujogog eu s dou ousadia de comparar

  • com o de Orlando Silva; senhorasprendadas, uma fartura; mulher bonita,de todas as cores, pergunte a quem jpassou aqui e espere a baba; at artistasde cinema temos inmeros, todo mundoque vem aqui filma a gente.Mas em matria de noite, foroso reconhecer que no brilhamos como nosoutros setores. Damas da noite notemos, s a variedade botnica. Meuamigo Z de Honorina considera issouma vergonha, sinal de atraso mesmo, sequeixa muito. Ele do tempo em que osbregas eram casas de cultura. Afreguesia ia l com a finalidade habitual,mas tudo num clima de muito respeito,cordialidade e refinamento. Asraparigas recitavam versos, a dona da

  • casa oferecia docinhos, era uma coisafina mesmo, e Z sente falta. So ostempos.Grandes bomios tambm nos faltam.Abundam vocaes, dolorosamenteperdidas pela deficincia do meioambiente. No tempo em que funcionavao Iate Clube, a orquestra era altamentebomia, mas padecia da ausncia deincentivo. Tnhamos Pititinga e seutrompete, hoje abrilhantando cabars deSalvador. Nascimento do saxofone e daclarineta morreu. Almerindo dotrombone tambm morreu. Carlito dabateria abandonou a arte, hoje altofuncionrio, ganhando rios e rios dedinheiro. E assim por diante. bem verdade que hoje em dia temos o

  • Chega-Mais, que uma espcie deHippopotamus montado num curral dejegue. Mas tem luz estroboscpica e somincrementado. Quando o aplaudidocineasta Neville dAlmeida nos visitou,tive a oportunidade de lev-lo aoChega-Mais, eis que ele homem danoite e eu queria mostrar que Itaparicano curva a cabea para ningum.Chegamos l, gostamos bastante, vimosas moas danando lambada e tudomais. Entretanto, descobrimosrapidamente que, se beliscssemos asmoas ou tomssemos outras ousadiassofisticadas, to comuns nos grandescentros urbanos, elas reagiriamdesfavoravelmente. Elas s vo l paradanar lambada mesmo.

  • Assim, qual no foi minha surpresaquando, ao desfilar solitrio pela beirado cais, l pelas dez e meia da noite,tudo deserto (o movimento dalanchonete hoje foram quatro cervejas,me havia informado Z de Honorinarancorosamente), topo com IsaasPortugus que, muito lpido, vai nadireo da ponte nova. Isaas, voc por aqui a esta hora?Alguma festa? Pois! Festa mesmo? como se fosse. Vou ao novo bar. Ao novo bar? Tem um novo bar nacidade? Ah, no sabia? Pois! , ! Um novo

  • bar, coisa porreira mesmo! Ai, que ests a dizer-me? Anto vaisaos copos? Aos copos e s midas! s midas? Como s midas? Quemidas? Midas do tipo daquelas queficam a passar acima e abaixo naavenida da Liberdade? Pois! Desse mesmssimo tipo. S quenovinhas, bonitinhas, todas com dentes,bestiais mesmo. Anto j estiveste l antes? No, esta a primeira vez. Masdisse-me o italiano... O italiano? Que italiano? Um italiano novo que chegou a,foge-me o apelido, um nome italiano

  • desses. Esse italiano montou o barnaquela barcaa imensa que viveatracada ponte nova, diz-me que estcatita, tudo muito moderno e comcamarotes. Com o qu? O qu? Ca-ma-ro-tes, o que estou a dizer-te! Troas, Isaas, fazes piada. No, senhor, no fao piada, nosenhor! Bar, midas e camarotes, oque te digo! Se no acreditas, por queno me fazes companhia? Mas, Isaas, tu achas... Anda l! Mas no achas que, se as nossassantas esposas vierem a saber desta

  • proeza, no ser uma grande estopada?Olha que vo ficar mesmo nas tintas, sesouberem! Disse l minha que ia at a Fonteda Bica para fazer o quilo, pois acaldeirada que comi ceia bateu-me nafraqueza. Bem pensado, carssimo Isaas. Aoscopos e s midas!Bomba, bomba, bomba Itaparica combarzinho e motel flutuante! Imaginei meuav rodopiando na sepultura (no porindignao, mas por no terem inventadoessas coisas ainda no tempo dele, meuav era danado). Fazia-se indispensveluma imediata visita.O italiano foi muito efusivo, levou-nos

  • ao main lounge, onde havia um barzinhobem-arrumado e moas danando.Novinhas, bonitinhas, todas com dentes.Isaas e eu sentamos, o italiano soubeque eu era escritor, levantou-semaravilhado, bateu no peito e, quase slgrimas, recitou Dante. Tivemos umpapo literrio e, subseqentemente,observamos a falta de outrosfreqentadores. Alm de ns trs, shavia as moas. Questo il problema disse oitaliano. Qui non tem homi. No tem homem? Bem, eu e o Isaassomos homens, hein Isaas, ha-ha! E muito homens! Ma vocs... No me refiro in questo

  • sentido. Ah, em outro sentido, ah, sim.Incmodo silncio. No outro sentido, eletinha razo. Isaas e eu nosentreolhamos, olhamos as mocinhas,fomos nos levantando um tantinho semgraa. Estava ficando tarde, outro diavoltaramos com mais calma etc. etc.Quando j amos na ponte, o italianoacenou afavelmente. Io non disse? gritou ele. Ah, vai pastaire resmungou Isaas.Sim, claro, outro dia voltaramos, assima primeira vez era para umreconhecimento, uma avaliao, todomundo sabe como so essas coisas.Despedimo-nos porta de minha casa,

  • ele prosseguiu at a dele. Entrei e, comomarido honesto, achei que deviacomunicar o sucedido minha mulher,para evitar qualquer problema. Mulher disse eu, cutucando-lhe ascostelas para ela acordar , acabo dechegar de um motel. E eu do Moulin Rouge disse ela. Se as crianas acordarem com essebarulho, quem vai cuidar voc.Ela quem sabe da vida dela, pensei eu,adormecendo com um riso cnico noslbios.

  • ConsideraesIatrofilosficas

    REALMENTE, COMO VOCS devem estarcansados de me ver repetir, no se podequerer tudo neste mundo. H gente,contudo, como eu, que continuaneuroticamente tentando. E noconsegue, claro. Por exemplo, aqui como juzo coando, eu ia falar mal dogoverno outra vez. Como tambm jdisse, no que eu goste de falar mal dogoverno. Pelo contrrio, queria falarbem, mas sabem como , s vezes fica

  • difcil (l ia eu de novo, mil perdes).Pronto, no vou falar mal do governo.Mas a outro problema que me aflige seapresentou, como tambm freqente:um dos meus acessozinhos depernosticismo, no ttulo acima, com ouso de uma palavra que nem mesmo estregistrada nos dicionrios que consultei,embora sua formao me parea tolegtima quanto a de imexvel.Procurei esquivar-me, mas no deu e meredimo parcialmente, explicando queiatro um elemento de composioque vem do grego e quer dizermdico. Por exemplo, iatrognico,palavra que existe mesmo, qualifica umaenfermidade ou anomalia provocadapelo tratamento, ou seja, pelo mdico.

  • No sei nem por que ela existe, poisningum ignora que mdico no cometeesse tipo de erro, como, segundo medizem, costuma ser a posio dosconselhos regionais de medicina diantede denncias sempre calniasgeradas por pacientes irresponsveis e,notadamente, pela imprensa, como todasas desgraas e calamidades.Prembulo concludo, apresso-me aapresentar-lhes meu grande amigoToinho Sabacu, conceituado cidado deItaparica, de quem nunca lhes falei antesdevido a injusto esquecimento, pois ele,por suas inmeras boas qualidades, jde muito merecia ser mais conhecido. Etambm porque, apesar de sermosamigos, ai de ns, h mais de 60 anos,

  • no prestara suficiente ateno a certascolocaes suas (vejam como posso noser craque, mas d para manejar olinguajar contemporneo), que consideroeducativas, relevantes e de acentuadointeresse pblico. No exemplo que vounarrar-lhes, as utilidades prticas efilosficas so evidentes e deveminteressar bastante aos que sepreocupam com a sade dos brasileiros,na vanguarda dos quais est o governo(pronto, l vou eu novamente; por favor,ignorem esta ltima ironia).Toinho , que eu saiba, o autor dametfora da catraca, aluso aoinevitvel transcurso de todos ns destapara melhor. Ele sabe que ningumescapa de passar pela catraca e, da

  • mesma forma que a maioria, desejaadiar esse momento, digamos,desagradvel, o mximo possvel. ,alis, da ala radical, no quer nem ouvirfalar na catraca. Cuida-se comseriedade, no fuma, s bebe umcopinho de cerveja de caju em caju, nocome o que faz mal e, enfim, obedeceescrupulosamente s recomendaesaplicveis preservao da boa sade.E oferece conselhos e exemplos prticossempre que surge uma ocasio oportuna.Como os que exps h pouco tempo, emrelao a adivinhe o qu. Claro, examede prstata, ato execrado pelos varesem geral e especialmente ositaparicanos, eis que a machido altivapor l impera, em grau ainda maior que

  • entre outras coletividades. Ele mecontou por que, apesar de seusprincpios, a lembrana da catraca oleva a fazer o exame com resignao eassiduidade, sem receio ouacanhamento. O mdico me disse disse ele uma coisa importante. Ele queria fazer oexame, mas mandava minha naturezaperguntar se no dava para quebrar ogalho sem precisar enfiar o dedo numorifcio de grande privacidade, em queeu nunca aprovei enfiar nada, pelomenos no meu. A ele me explicou que oexame do PSA era uma indicaoimportante, mas insuficiente, por isso epor aquilo. E, no que se refere ultra-sonografia, ele me elucidou: Seu

  • Antnio, vamos comparar a ultra-sonografia a uma fotografia. Ela me duma viso de sua prstata, do tamanho aoutros aspectos, mais ou menos comouma foto. Mas, se eu puser um grozinhode areia da praia na sua mo e fizer afoto dela, o senhor no vai enxergar ogrozinho. No entanto, se o senhorpassar o dedo na mo, vai sentir algumacoisa, por mais miudinha que seja. porisso que, apesar de compreender erespeitar a sua posio, enfiar o dedo indispensvel para um exame correto. E o que foi que voc respondeu? Ah, ento pode at enfiar os cinco,doutor. Eu sou um homem de deciso eno assim que eu vou dar moleza paraa catraca.

  • Impressionado com a destemida atitude,passo adiante para o distinto leitor queainda reluta e para as pessoas a eleafeioadas. de fato rematada frescuraesse negcio de no permitir o exame dadedada, catraquismo explcito, para nodizer pior. E acrescento umcomplemento adicional lio. Outroamigo nosso, vivo e em seus galantes66 anos, tem-se recusado a fazer umaoperao na prstata, porque traz apossibilidade de torn-lo impotente. Que que voc est me dizendo? espantou-se Toinho. Ele no vai fazera operao com medo disso? E aindamais com 66 anos? Pois . Interessante essa, muito interessante.

  • Agora eu lhe pergunto, ele quer morrercom uma ereo, isso? Indagou ele,sem propriamente usar a expressocom uma ereo, mas outra, essamesma em que vocs esto pensando. , bonita morte. Caixo especialabaulado no meio, algumas pessoasquerendo conferir, coisa fina mesmo,uma beleza. E de fato no se pode negarque tem uma vantagem nisso. Vantagem, que vantagem? Ele vai poder transar com todas ascaveirinhas do cemitrio, no deve serisso que ele est querendo?

  • A Formao do Jovem

    NO QUE TENHA sido a primeira conversade homem para homem que tive commeu filho Bento, mas acho que, destaltima vez, fui ainda menos homem queele do que da outra vez. A primeira vezfoi na praia e, vergonhosamente, sa pelatangente, alegando a comisso de errosde portugus por parte dele, embora, claro, ele fosse analfabeto na ocasio(ainda , mas agora tem carteira deestudante). Ns estvamos dentro dguae ele quis saber se podia me fazer uma

  • pergunta. Claro que sim, respondi, comminha melhor cara de pai companheiro,aprendida nos filmes americanos. uma pergunta difcil disse ele. Qualquer pergunta para seu pai difcil, ha-ha. Pode perguntar. Voc d beijo de novela em minhame, no d? Eu o qu? Beijo de novela? Sim,beijo de novela. Bem, acho que sim,beijo de novela, claro, sim, acho quesim, de vez em quando eu dou uns beijosde novela nela. Vamos pegar siri? E voc sente uma coisa? Sente uma coisa, como? Sente umacoisa? E... No, s um beijinho denovela, todo marido d beijo de novela

  • na mulher. Olhe ali, pegue aquelepedao de pau, hoje est dando siri,vamos l! Voc sente um arrupeio? Hein? Um arrupeio? Eu vi um homem na televiso dandoum beijo de novela na mulher e eles doisgemeram e ele deu um arrupeio. Quandovoc beija minha me, voc geme e temum arrupeio? Um arrup... Bem... Olha l o siri,pegue o pau, olha l o siri! Voc sente um arrupeio, assim comoo homem da televiso, assim, hrrrrrr? A palavra certa no arrupeio!Arrupeio est errado, o certo arrepio,arrepio, ouviu bem? Voc...

  • Voc s diz arrupeio. Eu... Sim, eu digo arrupeio porquesou meio tabaru sergipano, aprendi issoem Muribeca. Mas voc nunca esteveem Muribeca e no mximo tabaruportugus, portanto tem que dizerarrepio e no arrupeio. Arrupeio errado, ouviu bem? Alis, o senhor jfez o dever de casa? Eu vou falar comsua professora e mostrar a ela que osenhor s sabe o B, o C e o H, assimmesmo com o nome de escadinha, econta um-dois-quatro-nove-oito-dez, osenhor ouviu bem? Olha ali o siri, pai, pegue o pau, olheo siri!Mas no tinha siri nenhum por pertoquando eu estava na sala, lendo o jornal,

  • e minha mulher apareceu na companhiadele, que vinha com uma cara meiointrigada. Pronto disse ela. Converse acom seu pai. Converse com o seu pai o qu? disse eu, que ainda no tinha merecuperado do arrupeio. Ele precisa ter uma conversa dehomem para homem com voc. Conversa de homem para homem?Ele disse isso? No, no disse. Eu que achei queera conversa de homem para homem. Pai pai. Bem, com licena, que eu tenho deir l dentro tratar o peixe. Tratar o peixe? Voc, tratando peixe?

  • Mentirosa! Voc j ameaou fugir decasa se tivesse que tratar peixe! Noexiste essa conversa de homem parahomem! Volte aqui! Mulher machista!No me deixe sozinho aqui! Machista! Est bem, se voc quiser eu fico. No, tudo bem, besteira minha, eucompreendo essas coisas, besteiraminha. Eu posso perfeitamenteconversar com meu filho. Ento tudo bem, eu vou l paradentro. Est bem. Espere a, s uminstantinho. O que que ele querconversar? Ele quer saber o que camisinha. Hein? O que ... Pra que que ele

  • quer saber o que camisinha? Que idia essa? Volte aqui! Mulher machista,volte aqui! Se voc me deixar sozinhoaqui, o divrcio, entendeu, o tudoacabado entre ns hoje de madrugada!Fique aqui! Que cara essa, por queeste olhar fixo em mim? Eu estou esperando que voc d aexplicao. Camisinha... Por que que voc quersaber o que camisinha, Bento? Eu vi na televiso. O homem disseque todo mundo deve usar a camisinhapara no ficar doente no hospital. Vocusa camisinha? Eu... Mulher! Voc disse que podia perfeitamente

  • conversar com seu filho. Sim, claro. Mas voc podia ajudar,voc bem que podia! Voc me d uma camisinha sua, pai?Se eu no usar a camisinha, eu tambmfico doente no hospital? Bem, a camisinha... Mulher, como que eu fao? Se eu soubesse, eu fazia. Bem, meu filho, a camisinha... Vamosfazer o seguinte, depois eu explico, estbem? um pouco complicado, eu voupensar num jeito de explicar, est bem? Est. Mas voc promete que usa acamisinha para no ficar doente nohospital? Eu no quero que voc fiquedoente no hospital.

  • Prom... Depois eu explico, depois euexplico, filho, est bem? Est. Essa televiso daqui passa noRio de Janeiro? Mais ou menos. Quase tudo. Ento pode no passar o aviso dacamisinha e ento eu vou telefonar parameu av para ele usar a camisinha parano ficar doente no hospital. Telefonar para seu av? No, noprecisa, o aviso passa l, pode tercerteza. Eu explico depois, est bem?Depois.Depois esse que ainda no chegou.Discuti a questo metodolgica com amulher. Para explicar a camisinha, temde explicar tudo, no adianta enrolar.

  • Como , vamos comprar uns livrinhosdesses em que a abelhinha voa deflorzinha em florzinha