o regime internacional de mudanÇa climÁtica e o

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Este artigo é constituído de três partes. Na primeira, analisa-se o processo de formação do regime internacional de mudança climática, desde as negociações e a assinatura da convenção Qua- dro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, no Rio de Janeiro (1992), passando pela negocia- ção e a assinatura do Protocolo de Kyoto (1997), até a conclusão das questões pendentes do Proto- colo na VII Conferência das Partes (COP), em Marrakesh (2001). Na segunda, analisam-se as políticas públicas relacionadas às emissões de carbono no Brasil, na década de 1990, e o posicionamento brasileiro quanto ao regime de mudança climática. O Brasil teve uma posição de liderança no processo de ne- gociação da Convenção de Mudança Climática (1990-1992), pois sua política externa se afastava da posição desenvolvimentista radical predomi- nante até 1988. Durante Protocolo de Kyoto (1996-2001), o país se opôs a compromissos de redução da taxa de crescimento futuro das emis- sões de carbono por parte dos países emergentes, ao estabelecimento de mecanismos flexibilizadores de mercado e à inclusão das emissões derivadas de mudança do uso da terra. Em maio de 1997, o Brasil fez uma proposta original: a criação de um Fundo de Desenvolvimento Limpo (FDL), que apli- caria multas aos países desenvolvidos que não cumprissem as metas de redução de emissões. A proposta foi apoiada pelos países em desenvolvi- mento e rejeitada pelos países desenvolvidos. Em outubro de 1997, os Estados Unidos e o Brasil elaboraram uma nova versão do FDL, que passou a ser chamado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL criou a possibilidade de os países desenvolvidos cumprirem parte de suas me- tas de redução de emissão condicionada ao finan- ciamento de projetos de desenvolvimento sustentá- vel nos países em desenvolvimento. Na terceira parte, analisam-se as perspectivas futuras do Protocolo de Kyoto depois dos acordos nas convenções de Bonn e Marrakesh, particular- O REGIME INTERNACIONAL DE MUDANÇA CLIMÁTICA E O BRASIL Eduardo Viola RBCS Vol. 17 n o 50 outubro/2002

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Este artigo é constituído de três partes. Naprimeira, analisa-se o processo de formação doregime internacional de mudança climática, desdeas negociações e a assinatura da convenção Qua-dro das Nações Unidas sobre Mudança Climática,no Rio de Janeiro (1992), passando pela negocia-ção e a assinatura do Protocolo de Kyoto (1997),até a conclusão das questões pendentes do Proto-colo na VII Conferência das Partes (COP), emMarrakesh (2001).

Na segunda, analisam-se as políticas públicasrelacionadas às emissões de carbono no Brasil, nadécada de 1990, e o posicionamento brasileiroquanto ao regime de mudança climática. O Brasilteve uma posição de liderança no processo de ne-gociação da Convenção de Mudança Climática(1990-1992), pois sua política externa se afastavada posição desenvolvimentista radical predomi-nante até 1988. Durante Protocolo de Kyoto(1996-2001), o país se opôs a compromissos deredução da taxa de crescimento futuro das emis-

sões de carbono por parte dos países emergentes,ao estabelecimento de mecanismos flexibilizadoresde mercado e à inclusão das emissões derivadas demudança do uso da terra. Em maio de 1997, oBrasil fez uma proposta original: a criação de umFundo de Desenvolvimento Limpo (FDL), que apli-caria multas aos países desenvolvidos que nãocumprissem as metas de redução de emissões. Aproposta foi apoiada pelos países em desenvolvi-mento e rejeitada pelos países desenvolvidos. Emoutubro de 1997, os Estados Unidos e o Brasilelaboraram uma nova versão do FDL, que passoua ser chamado de Mecanismo de DesenvolvimentoLimpo (MDL). O MDL criou a possibilidade de ospaíses desenvolvidos cumprirem parte de suas me-tas de redução de emissão condicionada ao finan-ciamento de projetos de desenvolvimento sustentá-vel nos países em desenvolvimento.

Na terceira parte, analisam-se as perspectivasfuturas do Protocolo de Kyoto depois dos acordosnas convenções de Bonn e Marrakesh, particular-

O REGIME INTERNACIONAL DEMUDANÇA CLIMÁTICA E O BRASIL

Eduardo Viola

RBCS Vol. 17 no 50 outubro/2002

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mente em relação à sua viabilidade com a ausênciados Estados Unidos.

A Formação do regime internacional demudança climática

O regime de Mudança Climática é um dosmais complexos e relevantes regimes internacio-nais porque implica profundas inter-relações en-tre a economia e o ambiente global. Os principaisinstrumentos do regime são a convenção Quadrodas Nações Unidas sobre Mudança Climática, as-sinada no Rio de Janeiro em junho de 1992, e oProtocolo de Kyoto, assinado em Kyoto em de-zembro de 1997. Um dos problemas fundamen-tais da viabilidade desse Protocolo deriva do fatode ele ter sido aprovado no interior de uma ne-gociação extremamente difícil e emergencial.Além disso, vários artigos-chave ficaram em sus-penso, devendo ser discutidos em uma conferên-cia posterior. Desde a IV Conferência das Partes,realizada em Buenos Aires, em 1998, até a VI, emHaia, em 2000, tem predominado um impasse nanegociação dessas questões pendentes. O Proto-colo de Kyoto dividiu os países em dois grupos:os pertencentes (membros da OECD e países doex-bloco comunista do Leste Europeu) e os nãopertencentes ao Anexo Um. Os do primeiro gru-po, ao contrário dos do segundo, têm compro-missos obrigatórios de emissões máximas para oano 2010, ainda que os do segundo grupo pos-sam tê-los em data posterior a esta.

Os problemas ambientais globais, juntamentecom a revolução da informação e a globalizaçãoeconômica, contribuíram para alterar as relações en-tre os Estados (North, 1990; Haas, Keohane e Levy,1993; Hurrell, 1995; Haas, 1997). Para compreendera complexidade desses problemas é necessário nãose restringir aos principais enfoques teóricos das re-lações internacionais – neo-realismo e instituciona-lismo liberal – e analisar quatro dimensões de cliva-gem e alinhamento – interestatal, civilizatória,democracia versus não-democracia, e dentro da de-mocracia, liberalismo versus comunitarismo.

Na primeira dimensão, a clássica clivagementre os Estados nacionais continua sendo uma

fonte essencial de competição e cooperação, comdiminuição do conflito e aumento da cooperação(comparado com o período da Guerra Fria), devi-do à intensificação da interdependência econômicae tecnológica. Na ordem interestatal, os EstadosUnidos ocupam uma posição de superpotência,sendo considerados hiperpotência militar e, econo-micamente, compartilham a centralidade com aUnião Européia e o Japão. Em seguida, têm-se aspotências regionais: Rússia, China, Índia e Brasil.Pelo critério da eficácia e da eficiência de governa-bilidade, os Estados podem ser classificados como:desenvolvidos, emergentes, semifracassados e fra-cassados. A ordem interestatal é fundamental ao seanalisar os problemas ambientais globais, na medi-da em que são os Estados as partes contratantesnos regimes internacionais.

Na segunda, observa-se uma diferenciaçãoentre as grandes civilizações, cuja obra de Hun-tington tornou-se referência fundamental, a sa-ber: ocidental, latino-americana, eslava, japone-sa, confuciana, islâmica, hinduísta e africana. Acivilização ocidental representa o que podería-mos chamar de “vanguarda do processo civiliza-tório”, pois a integração de elementos como eco-nomia de mercado, individualismo, Estado dedireito e democracia representativa produziramuma sociedade “superior” quanto ao domínio danatureza e à construção de uma tecnosfera. A ci-vilização japonesa já segue plenamente o mode-lo ocidental. A civilização latino-americana é,atualmente, bastante heterogênea – países comoChile, Costa Rica, Uruguai, Brasil e México se ali-nham com a civilização ocidental e, em outro ex-tremo, observa-se uma grande distância, no casode Cuba, Haiti, Nicarágua, Guatemala e Hondu-ras. A civilização eslava somente em 1989 iniciouo processo de aproximação com o Ocidente,contando com avanços e retrocessos. A civiliza-ção confuciana tende, de um lado, a uma con-vergência com o Ocidente em virtude do vetortecnológico e, de outro, a um distanciamento emvirtude do vetor sociopsicológico. A civilizaçãohinduísta mantém-se muito distante da ocidental,na medida em que conserva o regime de castas,mas aproxima-se em virtude do vetor tecnológi-co e da democracia política. A civilização islâmi-

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ca vive atualmente um processo de confrontocom a civilização ocidental e, em menor grau,com as civilizações hinduísta, eslava e chinesa. Acivilização africana depois de ter sido parcial-mente ocidentalizada durante o período colonialde meados do século XIX a meados do séculoXX encontra-se em processo de regressão. A ci-vilização ocidental foi, na década de 1960, o ber-ço do moderno ambientalismo. A partir de então,houve uma expansão da discussão dos proble-mas ambientais para a civilização japonesa, nadécada de 1970, e para a latino-americana, nadécada de 1980 até hoje.

Na terceira, tem-se a clivagem entre o mun-do democrático (enraizado nas civilizações oci-dental e japonesa, quase consolidado em algunspaíses da civilização latino-americana, mas aindafrágil em outros e nas civilizações hinduísta e es-lava) e o mundo não-democrático (a maior partedas civilizações chinesa, islâmica e africana). Comexceção de Singapura, pode-se constatar uma for-te relação entre democracia e expansão da preo-cupação pelos problemas ambientais.

Na quarta, tem-se a clivagem entre liberalismoe comunitarismo no interior do mundo democráti-co. O liberalismo é a corrente dominante em todoo mundo democrático (exceto Japão) e baseia-seno domínio do indivíduo sobre os grupos, do mer-cado sobre a política, na meritocracia e na repre-sentação política com participação esporádica atra-vés de partidos. O comunitarismo é uma correntesecundária no mundo democrático (exceto no Ja-pão, onde predomina) e apresenta períodos degrande avanço, como na rebelião estudantil de1968, na utopia da governabilidade por meio dasociedade civil mundial logo depois da Guerra Friae no movimento antiglobalização de Seattle emPorto Alegre. Baseia-se no predomínio do gruposobre o indivíduo, da política sobre o mercado (nasformas mais extremadas há rejeição ao mercado) ena alta participação política por meio de múltiplasestruturas associativas que podem ser mais adscri-tivas ou mais baseadas nas opções construídas in-dividualmente. O ambientalismo moderno origi-nou-se na vertente comunitária da democracia, mascom o passar do tempo, uma parte importante delese converteu à vertente liberal.

Se até a década de 1970 todos os Estados im-portantes, agindo em interesse próprio, eram capa-zes de solucionar, seja pela conciliação, seja pelaimposição, a maioria de suas disputas com outrosEstados sem prejuízo de sua soberania, a partir dadécada de 1980 ocorreu uma perda diferenciadade autonomia de quase todos eles (com a únicaexceção dos Estados Unidos) e uma necessidadecada vez maior de cooperação internacional, oque exige muita flexibilidade nas negociações. Obenefício coletivo exige cada vez mais ações quecontrariam os interesses de cada Estado indivi-dual. A formação de regimes internacionais eco-nômicos, de segurança e ambientais passa a im-por algumas restrições à soberania da grandemaioria dos Estados (Chayes e Handler Chayes,1995; Keohane e Miller, 1996). Existe, ao mesmotempo, uma certa transferência de poder do Esta-do para instituições supranacionais que vão cons-tituindo novos centros de autoridade e para cor-porações transnacionais (Risse-Kappen, 1995; Co-mission on Global Governance, 1995; Castells,1996; Rosenau, 1997; Keck e Sikkink, 1998).

Os problemas de mudança climática estãovinculados aos bens comuns/coletivos globais(Kaul, Grunberg e Stern, 1999). A atmosfera, porexemplo, é um bem público global, desde quesua utilização por um ator não exclua a possibili-dade de utilização por outro. Ela tem, no entan-to, uma capacidade limitada em absorver polui-ção ou emissões de gases de efeito estufa semprovocar alterações na saúde humana ou no cli-ma. Em vista dessa limitação, as cúpulas e as con-venções internacionais da última década atribuí-ram à atmosfera o estatuto de “preocupação co-mum da humanidade”, e os problemas do seuuso foram consensualmente vinculados à constru-ção de regimes internacionais (McCormick, 1989).

Existem duas concepções gerais sobre os re-gimes ambientais internacionais: uma formal(sentido estrito) e outra substantiva (sentido am-plo) (Krasner, 1983; Keohane, 1983; Porter eBrown, 1996; Hurrell, 1995; Soroos, 1997). Deacordo com ambas as concepções, tais regimessão um sistema de regras, explicitadas num trata-do internacional pactuado entre governos, queregulam as ações dos diversos atores sobre o as-

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sunto. Contudo, a visão mais abrangente tambémconsidera os regimes ambientais um vetor tecno-lógico e cultural em desenvolvimento favorável àproteção de um bem coletivo global (Sand, 1992;Gehring, 1994; Norhaus, 1994; Young, 1997). Ouseja, o regime de mudança climática, segundoesta concepção, não se restringe aos acordos es-tabelecidos na Convenção do Rio de Janeiro e noProtocolo de Kyoto, mas prevê também a neces-sidade de uma consciência pública favorável a es-tabilizar o clima e de um vetor tecnológico quefavoreça o investimento em tecnologias não in-tensivas em carbono. Neste trabalho utilizarei oconceito de regime ambiental internacional emsentido amplo.

A comunidade científica tem um papel-cha-ve em relação a essas questões, pois quando agrande maioria de cientistas concorda no diagnós-tico de um problema e é eficiente em comunicá-lo ao público em geral e aos decisores, cria-seaquilo que denominamos “comunidade epistêmi-ca”, adquirindo, então, peso internacional (Haas,1992). A constituição do Painel Intergovernamen-tal sobre Mudança do Clima (IPCC), em 1988, deuinício ao processo de análise e avaliação dos efei-tos da mudança climática que foi traduzido politi-camente na constituição do Comitê NegociadorInternacional (INC) para uma Convenção sobreMudança do Clima. Durante toda a década de1990, o IPCC forneceu subsídios fundamentais paraa condução das negociações no âmbito da Conven-ção e tem assumido um papel de referência na for-mação da opinião pública internacional sobre aquestão da mudança climática. O último relatóriodo IPCC (janeiro de 2001) estabeleceu o fim da in-certeza científica prévia sobre a mudança climática.A temperatura média da Terra poderá subir de 1,5grau até 6 graus, até o ano 2100, com impactos gi-gantescos sobre os ecossistemas naturais, a agricul-tura, as estruturas urbanas, as regiões costeiras e asaúde humana. Fenômenos climáticos locais/regio-nais extremos (secas mais fortes e prolongadas, on-das de calor mais intensas, inundações mais seve-ras, tormentas e furacões mais fortes) já ocorremcom mais freqüência desde meados da década de1990. Os países, em geral, têm sofrido com essasalterações: aumento de mortalidade nos países de

renda baixa (enchentes na África Austral e Norte daÍndia, furacões em Bangladesh e América Central,seca na Ásia Central etc.), destruição de patrimônioem países de renda alta (tormentas e enchentes naEuropa Ocidental, seca no Meio Oeste e queimadasno Oeste dos Estados Unidos etc.), prejuízos seme-lhantes em graus variáveis nos países de renda mé-dia (enchentes na Venezuela e na província deBuenos Aires etc.).

A comunidade científica dos climatólogos,que durante a década de 1980 formulou a teoriado aquecimento global, é constituída em aproxi-madamente dois terços por cientistas que traba-lham em instituições norte-americanas. Os Esta-dos Unidos, sob a recém-iniciada presidência deBush, assumiu um papel de liderança nas nego-ciações que levaram à formação do Painel Inter-governamental sobre Mudança do Clima (IPCC) eà convocação da UNCED, em 1989 (Weiss Browne Jakobson, 1998). Durante a campanha eleitoralde 1988, Bush tinha-se distanciado de Reagan,afirmando que o aquecimento global seria umadas grandes prioridades de seu governo. Travou-se uma disputa interna entre duas facções do go-verno: os globalistas, liderados por William Reilly,diretor da Environmental Protection Agency (equi-valente ao cargo de ministro do meio ambiente),e os conservadores, liderados por John Sununu,chefe da Casa Civil. Desde meados de 1988 (ve-rão mais quente do século no país) até julho de1990, a questão do aquecimento global ocupouuma posição destacada em todas as pesquisas deopinião pública. A invasão do Kuwait pelo Iraque,em agosto de 1990, e a subseqüente Guerra doGolfo desviaram a atenção e arrefeceram as opi-niões pró-ambiente dos norte-americanos. A crisedo Golfo mostrou claramente a intensa dependên-cia do petróleo da economia norte-americana.Além disso, ficou evidente que a economia norte-americana é “carbono intensiva”, ou seja, metadeda energia elétrica é produzida a partir de termoe-léctricas que queimam principalmente carvão e,secundariamente, petróleo; outra metade é produ-zida por usinas hidroelétricas, nucleares, termoe-léctricas de gás natural e, de maneira reduzida,por usinas eólicas; o automóvel individual (de ta-manho médio maior que no resto do mundo) é o

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meio generalizado de transporte de passageiros.Diminuir as emissões de carbono teria custos sig-nificativos em curto prazo. Entre o medo de umamudança climática incerta e num futuro distante ea perspectiva imediata de queda no padrão devida material, a maioria dos norte-americanos in-clinou-se em favor da manutenção de seu padrão.

Essa mudança teve reflexos imediatos no in-terior do governo Bush. A partir de agosto de1990, os conservadores triunfaram em relação aosglobalistas. Nos PREPCOMS que negociaram aconvenção de mudança climática nos anos de1990-1992, a posição norte-americana foi cadavez mais contrária ao estabelecimento de metasde redução da emissão de gases de efeito estufa,com o argumento de que havia muitas incertezasa respeito do assunto e que, portanto, era neces-sário uma maior investigação científica; e cadavez mais favorável à promoção de sumidouros decarbono por meio da plantação maciça de flores-tas. Apenas os países escandinavos, a Holanda ea Alemanha tinham posições definidas em favorde estabelecer metas obrigatórias de redução(Rowlands, 1995; O’Riordan, 1996). O texto finalda United Nations Framework Convention on Cli-mate Change (UNFCCC) estabeleceu um compro-misso genérico para os países pertencentes aoAnexo Um: o ano base das emissões seria 1990e, em 2000, as emissões desses países não deve-riam ser superiores as de 1990. Para os paísesnão pertencentes ao anexo, a convenção estabe-leceu o compromisso de se elaborar inventáriosnacionais de emissões de carbono.

Durante a campanha eleitoral de 1992, logodepois da Conferência realizada no Rio de Janei-ro, Clinton e Gore articularam uma posição clara-mente globalista e prometeram, aproveitando oimpulso favorável da opinião pública norte-ameri-cana, uma ação firme e de liderança para enfren-tar o problema do aquecimento global. Na IConferência das Partes da Convenção de Mudan-ça Climática (Berlim, março de 1995), o governoClinton assumiu uma posição de liderança no sen-tido de estabelecer metas obrigatórias de reduçãopara os países desenvolvidos e metas de reduçãoda taxa de crescimento futuro das emissões paraos países emergentes. O Brasil teve, nessa con-

venção, um papel importante ao argumentar que,numa primeira fase, não seria apropriado o esta-belecimento de compromissos por parte dos paí-ses em desenvolvimento, e, durante a discussão,conseguiu o apoio do Japão e de vários países eu-ropeus, o que isolou a posição norte-americanaem relação a esta questão. Na II Conferência dasPartes (Genebra, 1996), a delegação norte-ameri-cana liderada pelo subsecretário de Estado paraAssuntos Globais, Tim Wirth (senador ambienta-lista de Colorado), afirmou novamente a urgênciade se negociar metas obrigatórias de redução deemissões de efeito estufa, introduzindo, pela pri-meira vez, a idéia de cotas comercializáveis deemissão de carbono, que serviriam como um me-canismo flexibilizador complementar na reduçãode emissões entre os países do Anexo Um(Grubb, 1999). Esta idéia baseava-se na experiên-cia com as cotas comercializáveis de emissão deenxofre e material particulado entre as usinas elé-tricas por bacias aéreas (Milner, 1997), implemen-tada há quatro anos no país e que tinha se mos-trado muito mais efetiva do que os clássicos me-canismos de comando e controle na redução deemissões. A proposta de Wirth foi, em termos ge-rais, rejeitada por três razões: primeiro, em virtu-de da falta de compreensão do modelo, já que ne-nhum outro país havia experimentado tal meca-nismo; segundo, havia um princípio contra o usode mecanismos de mercado para a proteção am-biental; terceiro, porque a proposta norte-ameri-cana incluía compromissos por parte dos paísesemergentes de reduzir a taxa de crescimento dasemissões. Finalmente, a COP II concordou em ini-ciar imediatamente as negociações para estabele-cer um Protocolo que tornaria obrigatória a redu-ção de emissões por parte dos países pertencen-tes ao Anexo Um, e que tentaria estudar formasde estabelecer mecanismos complementares.

Entre a segunda e terceira conferência dasPartes (Genebra, junho de 1996, e Kyoto, dezem-bro de 1997) houve uma série de negociaçõespara a formulação do Protocolo de Kyoto. A posi-ção norte-americana seguiu três linhas principais:o estabelecimento de metas baixas (menos de 5%)de redução de emissões até 2010, tendo como anobase 1990; o estabelecimento de metas de redu-

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ção da taxa de crescimento das emissões por par-te dos países emergentes; e o estabelecimento demecanismos de mercado que flexibilizassem asmetas, particularmente as cotas comercializáveisde emissão entre os países do Anexo Um. Quan-to à primeira meta, os Estados Unidos obtiveramsucesso em relação aos europeus, que queriamcompromissos de redução mais contundentes.Quanto à segunda, foram derrotados, como já ha-viam sido nas conferências de Berlim e Genebra.Em relação à terceira, condicionaram a assinaturado acordo ao compromisso de flexibilização, con-tando com forte apoio do Canadá, da Austrália, daRússia e dos países do Leste Europeu, membrosdo Anexo Um (Cooper, 1998).

Em julho de 1997, durante a negociação doProtocolo de Kyoto, o Senado norte-americano,com maioria republicana, posicionou-se contrárioà ratificação do protocolo, a menos que os paísesemergentes assumissem compromissos de dimi-nuir sua taxa de crescimento futuro de emissões(Agrawala e Steinar, 1999). Apesar disso, o gover-no Clinton assinou o protocolo, mas não o enviouao Senado para ratificação. Começou, entretanto,a articular politicamente no sentido de obter oscompromissos de atenuação no crescimento dasemissões por parte de alguns países emergentes-chave (Lippman, 2000; Jacoby e Primm, 1998). Adiplomacia norte-americana foi bem-sucedida so-mente em relação à Argentina e à Coréia do Sul.

O regime de mudança climática exige sem-pre a presença de pelo menos um ator que impul-sione o processo e que seja capaz de liderar esustentar o regime. Pela sua importância na eco-nomia e no ambiente global e pela eficiência desua governabilidade, apenas três países apresen-tam este potencial em primeira instância (EstadosUnidos, União Européia e Japão). O Estado Euro-peu supranacional, neste caso, tem uma capacida-de de atuação muito maior do que os Estados na-cionais. Países como China, Índia, Rússia, Canadá,Indonésia e Brasil têm se revelado muito impor-tantes em todo o processo de decisão, apesar denão constituírem um potencial de liderança(Grubb, 1999). Enfim, a participação desses novepaíses é condição básica para o funcionamento doregime de controle de emissões. Os dados, a se-guir, são indicadores econômicos desses países:

• Proporção na população mundial (1999): China21%, Índia 16,5%, União Européia 6,3%, Esta-dos Unidos 4,6%, Indonésia 3,5%, Brasil 2,8%,Rússia 2,4% e Japão 2,1%.

• Proporção na parcela do PIB mundial (por po-der de compra, em 1999): Estados Unidos21,3%, União Européia 20,5%, China 10,2%, Ja-pão 8%, Índia 5,4%, Brasil 2,9%, Rússia 2,4%,Canadá 2,3%, Indonésia 1,3%.

• PIB per capita (poder de compra em 1999): Ca-nadá 31.000 dólares, Estados Unidos 29.200 dó-lares, União Européia 24.000 dólares, Japão23.600, Brasil 6.500, Rússia 6.200, China 3.100,Indonésia 2.400 e Índia 2.100.

• Parcela nas emissões mundiais de carbono(1999): Estados Unidos 24,5%, União Européia14,5%, China 13,5%, Japão 6%, Rússia 5%, Índia4,5%, Canadá 2,5%, Brasil 2,5% e Indonésia 1,5%.

• Parcela da área florestal mundial (1995): Rússia22%, Brasil 16%, Estados Unidos 6%, Canadá5%, China 4%, Indonésia 3%, União Européia2%, Índia 2%, Japão 0,7%.

• Taxa de desmatamento médio anual (1990-1998): Indonésia 1,1%, Brasil 0,5%, China 0,1%,Rússia 0,1%, Índia 0,05%, União Européia 0%,Japão 0%, Canadá 0%, Estados Unidos aumen-ta sua área com florestas 0,3% ao ano.

Os Estados Unidos, como se pode observar,é o único país que está incrementando anualmen-te uma área florestada e, por isso, tem defendidoa inclusão dos sumidouros de carbono no cálculototal de emissões (Brown, Flavin e French, 2001).

Os conflitos de interesse entre os países de-senvolvidos, emergentes e pobres é um dos fato-res determinantes na dinâmica das negociaçõesno processo de estabelecimento do regime demudança climática (Young, 1997; Claussen eMcNeilly, 1998; Mueller, 1999). Nas democraciasexiste uma forte disputa interna de interesses e devalores, o que faz com que a posição de um paísnum momento específico da negociação resultede uma coalizão que oscila de acordo coma de-finição da política do país no cenário internacio-nal. As alianças e os blocos que se formaram desde

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a Conferência no Rio de Janeiro, em 1992, resulta-ram de disputas acirradas entre os países, de cliva-gens e de alinhamentos nacionais, internacionais etransnacionais (Viola, 1998). O regime de mudançaclimática foi liderado pelos Estados Unidos e pelaUnião Européia entre 1989 e 1991; pela União Eu-ropéia entre 1991 e 1995; pelos Estados Unidos,União Européia e Japão entre 1995 e 1997; e, des-de 1998, apenas pela União Européia. Os principaisblocos formados (desde 1992) são (Clark, Van Eijn-doven e Jaeger, 1998; Soroos, 1997; Vogler e Imbler,1996; Wasson, 1997; Schelling, 1997):

• Países desenvolvidos com alta intensidade decarbono por unidade de PIB e per capita (Esta-dos Unidos, Canadá e Austrália). Nesses países,ocorre uma divisão de forças clara entre, de umlado, neoliberais e nacionalistas – contrários aoregime de mudança climática –, e, de outro, neo-socialdemocratas e verdes – respectivamente, fa-voráveis de maneira moderada ao regime e for-temente favoráveis ao regime (Inglehart 1997).Os Estados Unidos encontram-se numa posiçãodelicada, pois sua taxa de emissão de carbonoem 1999 foi 14% superior à de 1990 (ano basepara todos os países), e o compromisso assumi-do em Kyoto é diminuir 7% até 2010. No Cana-dá há uma defasagem similar.

• Países desenvolvidos com média intensidade decarbono por unidade de PIB e per capita, orien-tados a assumir responsabilidades globais (Ale-manha, Reino Unido, Holanda, Suécia, Dinamar-ca, Finlândia, França, Bélgica, Luxemburgo,Áustria e Itália). Nesses países predominam osneosocialdemocratas, fortemente favoráveis aoregime de mudança climática (Guidens 1998).Também os verdes constituem uma minoria for-te, que pressiona no sentido de fortalecer o regi-me. O restante da União Européia (Espanha,Portugal, Grécia e Irlanda), embora tenha popu-lações menos dispostas à redução de emissão,apóia a posição dos primeiros devido às com-pensações recebidas dentro da União. Reino Uni-do, Alemanha, Dinamarca e Suécia são os únicospaíses do Anexo Um que tinham, em 1999, emis-sões compatíveis a atingir os compromissos esta-belecidos para 2010.

• Países desenvolvidos com média intensidadede carbono, que têm dificuldades em reduzirsua emissão, seja porque já haviam reduzidobastante suas taxas antes de 1990 (Japão, NovaZelândia, Noruega), seja porque possuam umaopinião pública com baixa responsabilidadeglobal (Suíça, Islândia). O Japão assumiu ocompromisso de reduzir as emissões em 6% até2010, mas, em 1999, apresentou uma taxa 4%mais altas.

• Países pertencentes à ex-União Soviética quesofreram uma drástica redução nas emissões decarbono (entre 40% e 60% mais baixas, em1999, comparadas com 1990) pelo colapso daeconomia (Rússia, Ucrânia, Bielo-rússia, Bulgá-ria, Romênia) e, em conseqüência, têm créditosno conjunto de compromissos assumidos. Nes-sas sociedades, predominam os nacionalistasou neoliberais com posições favoráveis ao regi-me de mudança climática desde que seus res-pectivos países sejam favorecidos a médio pra-zo (até 2010/2020, aproximadamente) por meiodo mecanismo de comércio de cotas, mas nãoapóiam políticas públicas nacionais que preten-dam diminuir a intensidade de carbono de suaseconomias, muito alta por unidade de PIB. Jáos neosocialdemocratas, presença minoritáriacom relativa força na Rússia, na Ucrânia e naRomênia, são favoráveis a políticas orientadas adiminuir moderadamente a intensidade em car-bono da economia.

• Países exportadores de petróleo (Arábia Saudi-ta, Kuwait, Irã, Iraque, Emirados Árabes, Argé-lia, Líbia, Venezuela, Indonésia e Nigéria), comalta intensidade de carbono por unidade de PIBe alguns também per capita. Nesses países pre-dominam os neoliberais, os nacionalistas, ou ascoalizões entre estas facções, com posiçõesneutras ou contrárias ao regime de mudançaclimática. Em algumas sociedades, como na Ve-nezuela, constitui uma força política importan-te a presença minoritária dos neosocialdemo-cratas, que apóiam moderadamente o regime.

• Países emergentes com média intensidade decarbono por unidade de PIB derivada da matrizenergética predominantemente de carvão e/ou

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petróleo (China, Índia, África do Sul e México)ou do excessivo desmatamento (Brasil, Tailân-dia, Malásia e Filipinas). Esses países, como umtodo, apóiam os compromissos firmados noProtocolo de Kyoto em função dos benefíciosimediatos advindos da implementação do Meca-nismo de Desenvolvimento Limpo. No entanto,há diferenças de opinião entre os países-chavedeste grupo. Na China e na Índia predominamas coalizões entre nacionalistas e neoliberais,contrários a assumir os compromissos de limita-ção das emissões de carbono até aproximada-mente 2030. Eles são favoráveis ao regime so-mente em virtude da perspectiva de ganho coma implementação do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo. Contudo, na Índia, por exemplo,existem fortes minorias verdes, favoráveis aoadensamento do regime de mudança climática.No Brasil e no México predominam coalizõesentre neosocialdemocratas e neoliberais (comapoio de setores nacionalistas), moderadamen-te favoráveis ao regime. No Brasil, em particu-lar, há uma importante minoria verde favorávela uma diminuição drástica do desmatamento naAmazônia (responsável por, aproximadamente,1,8% das emissões globais de carbono, ao pas-so que o restante da economia brasileira produzapenas 0,7% das emissões globais), a assumircompromissos voluntários de redução da taxade crescimento futuro das emissões e a adensaro regime de mudança climática.

• Países emergentes com baixa intensidade decarbono (Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica,Coréia do Sul e Hungria). Igualmente ao grupoanterior, existe um apoio genérico ao Protoco-lo de Kyoto, em função do MDL. Nesses países,predominam coalizões entre neoliberais e neo-socialdemocratas, moderadamente favoráveisao regime. Além disso, os neosocialdemocratassão favoráveis a compromissos de redução porparte dos países emergentes. Em muitos dessespaíses há uma presença minoritária dos verdesmuito ativa que defende o adensamento do re-gime de mudança climática.

• Países pobres (África subsahariana, Bangladesh,Bolívia, Honduras, Guatemala etc.), onde todos

os setores da sociedade são favoráveis ao adensa-mento do regime tanto porque implica ganhosconsideráveis advindos do Mecanismo do Desen-volvimento Limpo quanto porque dificilmente te-riam compromissos de redução antes de 2050.

• Pequenos Estados-ilhas (Fiji, Jamaica, Maltaetc.), muito vulneráveis à mudança climática eonde o conjunto da sociedade é fortemente fa-vorável ao adensamento do regime.

Durante as conferências das Partes posterio-res a Kyoto (Buenos Aires, 1998; Bonn, 1999 eHaia, 2000), houve quatro coalizões principais denegociação: União Européia, Grupo Guarda-chu-va (formado pelos países dos grupos 1, 3 e 4),G77/China, formado pelos países dos grupos 5, 6,7 e 8 (em algumas questões, dois subgrupos di-vergiram do G77/China – países exportadores depetróleo e países mais pobres), e, por fim, Alian-ça das Pequenas Ilhas (Viola, 2001).

A seguir, apresentarei um quadro da conjun-tura de forças estabelecida entre os grupos duran-te as conferências de Bonn e Haia.

O Grupo Guarda-chuva deu grande apoioaos mecanismos flexibilizadores (Comércio de Co-tas de Emissão e Implementação Conjunta entreos países do Anexo Um, e Mecanismo de Desen-volvimento Limpo entre todos os países), contra aposição da União Européia. No geral, a posiçãodos países foi bastante variada e, muitas vezes,oportunistas. O Brasil apoiou o Mecanismo deDesenvolvimento Limpo (inclusive porque estemecanismo teve como base uma proposta origi-nalmente brasileira de junho de 1997), alinhando-se ao Grupo Guarda-chuva, mas tendeu a limitara ação do Comercio de Emissões e da Implemen-tação Conjunta, aproximando-se, então, da posi-ção da União Européia.

O Grupo Guarda-chuva apoiou de maneiraincisiva a contabilidade de sumidouros de carbo-no (florestas, manejo do solo etc.) como deduçãodos compromissos de redução de emissões, con-tra a União Européia. Os demais países dividiram-se entre os dois grupos, além daqueles que per-maneceram em uma posição neutra. O Brasilapoiou a União Européia, mas a maioria dos paí-ses latino-americanos se alinhou com o GrupoGuarda-chuva.

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Os países do Grupo Um, apoiados em grausvariáveis pelos países dos Grupos 2 e 3, propuse-ram a necessidade de os países emergentes assu-mirem compromissos voluntários de redução dataxa de crescimento futuro das emissões, contraos países dos Grupos 5, 6 e 7 (exceto Argentina eCoréia do Sul).

O G77/China e a Aliança de Pequenas Ilhaspropuseram um amplo pacote de transferência livrede tecnologias limpas dos países desenvolvidospara os em desenvolvimento, contra os países dosgrupos 1, 2 e 3, que mantiveram uma posição maisbranda, propondo um pacote mais reduzido. O Bra-sil exerceu, nesta questão, um papel de liderança.

Os países exportadores de petróleo, lideradospela Arábia Saudita, defenderam a possibilidade deserem compensados pelas eventuais quedas nas re-ceitas de exportação, contra o resto do mundo.

A União Européia propôs um amplo regimede sanção para aqueles que não cumprissem seuscompromissos, contra o Grupo Guarda-chuva,que apresentou um regime menos radical (WeissBrown e Jacobson, 1998). O Brasil, neste caso,apoiou a União Européia.

No final da Conferência de Haia houve cer-to consenso nas propostas relativas a compromis-sos voluntários, ao regime de sanções e à transfe-rência de tecnologia que seriam discutidas na VIIConferência das Partes, em novembro de 2001. Ospaíses exportadores de petróleo renderam-se aoresto do mundo na questão das compensações dereceitas de exportação, e chegou-se a um acordopróximo da posição do Grupo Guarda-chuva comrelação ao papel dos mecanismos flexibilizadores.O ponto que precipitou o fracasso das negocia-ções foi o teto para a contabilidade dos sumidou-ros de carbono como deduções das emissões dospaíses do Anexo Um. Não houve acordo sobre amagnitude do teto: a União Européia, ao contrá-rio do grupo Guarda-chuva, só aceitaria os sumi-douros com teto bastante reduzido.

Em janeiro de 2001, foi aprovado em Shan-gai o terceiro relatório oficial do IPCC, que alerta-va contra os riscos da mudança climática e para anecessidade de agir rapidamente. Esse relatóriocausou grande impacto sobre o Fórum Econômi-co que ocorreu em Davos uma semana depois.

Neste fórum, o establishment da globalização ape-lou Bush para que, diante da nova certeza cientí-fica sobre a mudança climática, assumisse umaposição de liderança na negociação final de ratifi-cação do Protocolo de Kyoto. No core do gover-no Bush, o secretário do Tesouro, O’Neill, e o se-cretário de Estado, Powel, assumiram uma posi-ção favorável, porém moderada, enquanto o vice-presidente, Cheney, a assessora de Segurança Na-cional, Rice, e o secretário de Energia, Abraham,foram definitivamente contrários à ratificação doprotocolo.

Em março de 2001, o governo Bush anun-ciou oficialmente que se retirava das negociaçõesdo Protocolo de Kyoto por considerá-lo inapro-priado para lidar com a mudança climática porduas razões: a falta de relevância depositada aosmecanismos de mercado e o não estabelecimentode compromissos para os países de renda médiacom rápido crescimento de emissões. A saída dosEstados Unidos causou furor na comunidade in-ternacional, mas, depois de algumas semanas dedesorientação, a União Européia decidiu levar adi-ante as negociações para completar e ratificar oProtocolo.

Em julho de 2001, em Bonn, todos os países,com exceção dos Estados Unidos, chegaram a umacordo sobre a maioria dos pontos que estavampendentes desde a Conferência de Haia, em 2000.Para obter o apoio dos outros países do grupoGuarda-chuva a União Européia teve de ceder emvários pontos: reconhecer os créditos por seqües-tro de carbono através do manejo das florestas edo solo; não colocar restrições ao uso dos meca-nismos flexibilizadores; e aceitar um regime redu-zido de sanções. Nessas três esferas, o acordo ob-tido ficou muito aquém daquele proposto pelogoverno Clinton em Haia (2000) e que tinha sidorejeitado pela União Européia. Em outra frente,para conseguir o apoio ativo de países não per-tencentes ao Anexo Um, a União Européia mobi-lizou o Canadá, a Noruega, a Suíça, a Nova Zelân-dia e a Islândia no sentido de prometer financia-mentos adicionais (em torno de meio bilhão dedólares por ano) para o desenvolvimento de ca-pacidades institucionais e de transferência de tec-nologias limpas, a partir de 2005.

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Depois da saída dos Estados Unidos, a posi-ção negociadora da União Européia baseou-se noprincípio de que um acordo mínimo seria melhordo que o encerramento do Protocolo de Kyoto. Aarrogância de Bush transformou o Protocolo nu-ma espécie carro-chefe da política exterior daUnião Européia – passou a ser operado pelos che-fes de governo e pelos ministros das relações ex-teriores, em vez de ficar restrito aos ministérios domeio ambiente. E, no geral, os países passaram aconsiderar a aprovação de Kyoto um emblema emfavor de uma ordem mundial baseada na negocia-ção multilateral, em desacordo com a política uni-lateralista do governo Bush.

Políticas públicas e sua relação com asemissões de carbono no Brasil e a parti-cipação do país nas negociações do regi-me de mudança climática

A posição brasileira no sistema internacionalsofreu mudanças consideráveis entre 1972 e 1990.Na Conferência de Estocolmo (1972), o Brasil li-derou juntamente com a China a aliança dos paí-ses periféricos contrários a reconhecer a impor-tância em se discutir os problemas ambientais. Omodelo de desenvolvimento, que atingira o ápiceem 1972, baseava-se em uma forte depleção dosrecursos naturais – considerados, na época, infini-tos –, em sistemas industriais muito poluentes ena intensa exploração de mão-de-obra barata edesqualificada. Entre 1950 e 1979, o Brasil era vis-to pelo sistema mundial como um país que ascen-dia ao centro. Durante a década de 1970, foi umdos principais receptores de indústrias poluentesadvindas dos países desenvolvidos, devido ao“avanço” da consciência ambiental. Com o novoparadigma tecnológico (informação intensiva) quese foi implantando no mundo a partir de início dadécada de 1980, o Brasil passou a ter característi-cas pouco vantajosas para a perspectiva interna-cional de mercado: os recursos naturais clássicosperderam valor relativo, a tolerância para a polui-ção tornou-se um estigma e a força de trabalhodesqualificada era incapaz de operar os novos sis-temas produtivos. Estas são algumas causas fun-

damentais da crise e do conseqüente declínio bra-sileiro na década de 1980, além de variáveis denatureza estritamente política, vinculadas aocaráter da transição democrática e à falta de re-novação das elites políticas. Apesar de seu ex-traordinário custo social, a crise do modelo dedesenvolvimento da década de 1980 teve um as-pecto benéfico, qual seja, a tomada de consciên-cia da opinião pública dos problemas relaciona-dos à devastação ambiental. Esta extraordináriamudança manifestou-se na posição do governobrasileiro em 1992, muito diversa da posição assu-mida em Estocolmo, vinte anos antes, e bastantesensível aos problemas ambientais.

Quando Collor nomeou Lutzenberger comosecretário de meio ambiente, em março de 1990,estava sinalizando uma nova responsabilidadeambiental que o governo brasileiro pretendia as-sumir. A súbita conversão ambientalista de Collorexplica-se pela necessidade de ganhar a confian-ça da opinião pública dos países desenvolvidospara seu programa econômico neoliberal, que ne-cessitava novos investimentos estrangeiros. Alémdisso, Collor também percebeu que a escolha doBrasil para sediar a UNCED-92 por parte da As-sembléia Geral da ONU, efetuada poucos dias an-tes de sua eleição, lhe dava oportunidade paraprojetar a si próprio e a seu governo no cenáriointernacional (Viola, 1997).

No primeiro ano de governo, Collor e Lut-zenberger tomaram algumas decisões importantesque lhes deram credibilidade na esfera do am-bientalismo internacional, quais sejam, prorroga-ção da suspensão de subsídios e incentivos fiscaispara agropecuária na Amazônia, suspensão doprograma de ferro-gusa da Amazônia oriental,maior monitoramento e fiscalização do desmata-mento com queda de 50% nas queimadas emagosto/outubro de 1990 (comparadas com o picode 1988), elaboração do macrozoneamento ecoló-gico-econômico, fim do programa nuclear parale-lo dos militares e adesão do Brasil à políticaocidental de não-proliferação nuclear. Em conse-qüência, Collor tornou-se um presidente confiávelpara o establishment ocidental.

As reuniões de presidentes em torno do Pac-to Amazônico e do Mercosul no início de 1992,

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promovidas pelo Brasil, enfatizaram a necessida-de de uma reforma da ordem mundial na direçãodo desenvolvimento sustentável e do reconheci-mento de que também os países emergentes de-veriam fazer um esforço significativo para lidarcom os problemas ambientais globais.

A posição do governo brasileiro no processopreparatório e na realização da Rio-92 baseou-seem dois princípios. Em primeiro lugar, de que osproblemas ambientais globais eram relevantes edeveriam ser tratados de maneira prioritária pelacomunidade internacional; em segundo, de que aresponsabilidade se diferenciava tanto pela causaquanto pela solução dos problemas ambientaisglobais, o que aumentava o custo dos países ricos.Contudo, a operacionalização da posição brasilei-ra nos PREPCOMS (até março de 1992) foi afeta-da pelas divergências entre o Itamaraty e Lutzen-berger, que mantinha uma posição mais radical.Um pouco antes e durante a conferência(maio/junho de 1992), o governo brasileiro pas-sou a implementar uma política exterior maisresponsável quanto aos problemas ambientaisglobais, mudança iniciada em 1989: assumiu umpapel de co-liderança durante a redação dos re-sultados da Convenção de Biodiversidade, facilitouo acordo na convenção de mudança climática eteve posições consistentes e favoráveis a compro-missos em favor do desenvolvimento sustentávelna Agenda 21 (Guimarães, 1994; Lafer e Fonseca,1994). Entretanto, a posição brasileira ficou aprisio-nada pelo velho nacionalismo ao apoiar a Malásiana oposição a uma convenção sobre florestas.

Na UNCED, o Brasil assumiu uma posiçãoque pode ser considerada globalista ou neosocial-democrata, mesmo que inserida numa estruturaestatal em que ainda predomina o nacionalismo.A posição neosocialdemocrata foi influenciadapor cinco fatores: 1) crise do modelo desenvolvi-mentista brasileiro na década de 1980 que produ-ziu uma significativa abertura da opinião públicapara com a idéia de desenvolvimento sustentável,mesmo que de forma difusa; 2) sensibilização dogoverno em relação aos problemas ambientais, jáque o país detinha a soberania de 2/3 da maiorfloresta pluvial do mundo e havia, portanto, a ne-cessidade de considerar o impacto ambiental; 3) o

fato de a matriz energética brasileira estar funda-da em recursos naturais renováveis (basicamentehidroelétrica e biomassa) num contexto em que aquase totalidade dos países é dependente decombustíveis fósseis ou de energia nuclear; 4) aconsciência da importância da floresta Amazôni-ca – grande reservatório mundial de biodiversida-de e de apreensão de carbono – que tornava,conseqüentemente, a política favorável ao des-matamento (predominante até 1988) um consen-so favorável a uma combinação de preservaçãocom desenvolvimento sustentável; 5) pressãopelo compromisso com o globalismo, já que oBrasil era o país-sede da UNCED-92.

O governo Cardoso sedimentou a mudançana política externa iniciada por Collor. Houve umreforço dos laços econômicos com os EstadosUnidos, a União Européia e o Japão e abandona-ram-se as tentativas prévias de estabelecer rela-ções privilegiadas com a China, a Rússia e a Índia.O Brasil aliou-se com os Estados Unidos e a Eu-ropa na maioria dos foros multilaterais: proteçãodos direitos humanos, dos direitos da mulher edos direitos reprodutivos; proteção do direito depropriedade intelectual; expansão do papel doFundo Monetário Internacional, do Banco Mun-dial e da Organização Mundial de Comércio; es-forços internacionais para combater o terrorismo eo crime globalizado. Fernando Henrique Cardosoassinou, com muitos anos de atraso, os tratadosde não proliferação nuclear e de controle de tec-nologia de mísseis. De uma maneira geral, seu go-verno tem um perfil neosocialdemocrata no quediz respeito à inserção internacional do país, mas,em aspectos secundários, o Itamaraty mantémabordagens nacionalistas, como a continuidade defiliação ao Bloco G77 (com o intuito de ter apoiopara o país se tornar um novo membro perma-nente do Conselho de Segurança da ONU), a ten-tativa de atrasar a formação da Associação de Li-vre Comércio Americana (ALCA), a crítica à Ar-gentina, devido à nova aliança militar deste paíscom os Estados Unidos e a oposição à interven-ção da OTAN em Kosovo.

A política energética deste governo seguiuos seguintes eixos: privatização da geração e dadistribuição de eletricidade; manutenção da pro-

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priedade estatal da transmissão de eletricidade;novo modelo regulatório favorável a incrementara geração termoeléctrica, baseada em gás natural,e a co-geração; quebra do monopólio da Petro-brás na produção de petróleo e abertura de novoscampos petrolíferos pelo setor privado. A privati-zação da distribuição de energia elétrica realizou-se segundo o que fora programado, mas a priva-tização da geração sofreu atrasos e resistênciaspor parte de sindicatos e políticos nacionalistas.Os preços da energia elétrica continuaram relati-vamente baixos (fator importante para reduzir ainflação anual em um ou dois pontos percentuais,entre 1995 e 2000), o que desestimulou o investi-mento em geração. A construção de novastermoeléctricas a gás natural atrasou devido à pa-ralisia decisória relativa ao modelo regulatório(risco cambial do gás natural importado). Comoconseqüência dos preços relativamente baixos daenergia, da limitada privatização das geradoras edo atraso na definição do risco cambial do gás, osinvestimentos em geração de eletricidade numcontexto de expansão significativa da demandaforam bastante limitados. A não privatização degrandes geradoras, como Furnas e CHSF, dissua-diu novos investimentos de porte por parte decorporações transnacionais, pois a promiscuida-de potencial entre o Estado e as empresas esta-tais criaria uma desvantagem competitiva. Na re-gião Sul, onde a geradora Eletrosul foi compradapor uma empresa belga, houve novos investi-mentos privados importantes em geração. O es-trangulamento da oferta, os níveis de precipita-ção inferiores aos normais nos últimos cincoanos e os erros na condução do sistema, que re-duziram perigosamente o nível dos reservatórios,provocaram uma crise no abastecimento de ener-gia elétrica a partir de maio de 2001. O raciona-mento implementado entre junho de 2001 e fe-vereiro de 2002 (redução de 20% do consumo)causou duplo impacto: de um lado, havia tantoespaço para aumentar a eficiência energética doconjunto da economia, quanto uma boa disposi-ção da população para colaborar com o raciona-mento; de outro, alguns setores econômicos tive-ram de reduzir parcialmente seu nível de ativida-de, provocando uma brusca parada na curva de

crescimento econômico que se desenvolvia des-de o final de 1999.

Em 2001, o Brasil gerou mais de 90% de suaeletricidade a partir de fontes hídricas e continuaocupando um lugar de destaque na hidroeletricida-de mundial (apenas atrás da Noruega e da Áustria).A expansão do consumo de petróleo e derivadosdurante a década de 1990 foi significativa devido àexpansão do parque de automóveis e a diminuiçãodrástica da produção de carros movidos a etanol.O plano de expansão de ferrovias e hidrovias parao período de 2000-2010 fará com que o aumentodo consumo de derivados do petróleo no setor decargas nos próximos anos venha a ser inferior aoda década de 1990. Por outro lado, a grande ex-pansão das termoeléctricas na geração de eletrici-dade deverá aumentar as emissões de carbono de-rivadas do setor energético.

A política externa do governo Cardoso noque se referente a questões ambientais tem tidoposições bastante diferenciadas nos foros interna-cionais. Na Comissão de Desenvolvimento Susten-tável da ONU, o Brasil sugeriu propostas neoso-cialdemocratas e, em contrapartida, no debate so-bre o estabelecimento de padrões mínimos deproteção ambiental no comércio internacional,assumiu posições nitidamente neoliberais. NoMercosul, o país não conseguiu se tornar uma li-derança capaz de introduzir de modo mais con-tundente a sustentabilidade ambiental na agendada integração. O Protocolo Ambiental do Merco-sul, negociado em 1996/1999, constituiu-se umavanço importante, embora sua assinatura tenhasido bloqueada no último momento por certa am-bivalência dos setores mais conservadores do em-presariado argentino.

O núcleo do governo tem concebido a Ama-zônia como uma área destinada basicamente a serocupada por atividades econômicas de modo nãoseletivo, desde que não se promovam desmata-mentos excessivos que coloque em risco a estabili-dade do clima regional e de que haja o mínimo deresponsabilidade nesta ocupação, como exige a co-munidade internacional. A correlação de forçaspolíticas a respeito da Amazônia se dá por umacoalizão entre neoliberais e nacionalistas. O cresci-mento da demanda por madeira, a existência de

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vastos contingentes populacionais em condiçõesde pobreza, e, em razão disso, uma tendência aocomportamento predatório, a extrema falta de ha-bilidade na condução das políticas de instituiçõescomo o Ibama e agências ambientais estaduais e,por fim, a visão de desenvolvimento encerradanuma perspectiva de curto prazo por parte das eli-tes locais têm sido as causas fundamentais do des-matamento na Amazônia. Em 1988, a superfíciedesmatada foi de aproximadamente 28.000 Km2,equivalente a 0,82% da área total da Amazônia. Noperíodo de 1989 a 1994, houve uma queda subs-tancial, correspondente a uma média de aproxima-damente 0,40% ao ano. Em 1995, o desmatamentoteve um novo pico, com 27.000Km2 (0,77% da áreatotal), devido, em grande medida, ao crescimentoeconômico relativo à primeira fase do plano Real.Em 1996 e 1997, verifica-se uma nova queda, comuma média anual de 0,40%. A partir de 1998, ocor-reu um novo crescimento – 0,47%, em 1998, 0,48%,em 1999 e 0,62%, em 2000. Assim, observa-se quehá uma relação imediata entre o crescimento daeconomia nacional e o crescimento do desmata-mento na Amazônia.

Quanto às emissões de carbono, o país quese pretende globalizado e moderno tem sido re-fém daquilo que, em contraposição, podemoschamar de tradicional e marginalizado. Em 2000,a população brasileira era aproximadamente 2,8%da população mundial, com uma economia apro-ximadamente 2,9% da economia mundial (PIBcalculado por poder de compra), e as emissõesde carbono alcançava a taxa em torno de 2,5%das emissões mundiais (25% advindo da indústriae da agricultura moderna e 75% da agriculturatradicional, da conversão de uso na fronteira agrí-cola e das atividades madeireiras ineficientes epredatórias). Cerca de 80% da população estávinculada a atividades produtivas que não depen-dem de altas emissões de carbono e, conseqüen-temente, o Brasil possui uma taxa de emissão percapita e por unidade de PIB bem inferior à mé-dia mundial. Isto é, sobretudo, decorrência doalto peso da hidroeletricidade na matriz energéti-ca. Ademais, aproximadamente 20% da popula-ção está ligada direta ou indiretamente à agricul-tura tradicional, à conversão de uso da terra na

fronteira agrícola e à atividade madeireira inefi-ciente e predatória, o que indica uma responsabi-lidade por emissões de carbono per capita e porunidade de PIB muito superiores à média mun-dial. Estas atividades econômicas representammenos de 10% do PIB brasileiro.

O Estado tem sido irresponsável em relaçãoao controle do crime organizado na Amazônia, eisto se constitui, neste início de século, o principalproblema para a consistência e a eficiência das po-líticas públicas na Amazônia. A postura do governofederal favoreceu certa conivência com o narcotrá-fico nos governos estaduais e municipais da Ama-zônia, com exceção do Acre (1999-2002), que im-plementou uma política no sentido contrário (Viola,1999). A intensificação da guerra civil na Colômbiaa partir de 1997 é um dos fatores que mais promo-veram o crescimento do narcotráfico na região ama-zônica. Esta situação agravou-se com a utilizaçãoem grande escala de desfoliantes biológicos contraas plantações de coca, a partir de 2001, por parte doEstado colombiano com o apoio dos Estados Uni-dos. O uso prolongado desse produto poderá terconseqüências mais graves, afetando a integridadeecológica de uma parte da floresta. O aumento ex-ponencial do consumo de drogas ilegais no paístambém estimula o narcotráfico na Amazônia e emoutras regiões do país, o que confere ao Brasil umlugar de destaque no ciclo global da cocaína (plan-tação de coca, refino, distribuição local/mundial econsumo). Apenas o plantio da coca ainda está au-sente do território brasileiro.

A contraposição, já aludida, entre dois brasis,um globalizado e moderno e outro tradicional emarginalizado é um dos grandes paradoxos denossa época. Tal paradoxo pode ser explicado, doponto de vista econômico e ecológico, pelo fatode a economia brasileira ter sido, durante mais dequatro séculos, pautada pelo desmatamento, e,agora, passar a reprimir queimadas significa nãosó romper com uma tradição, mas também gol-pear interesses econômico-sociais, mesmo que depouca importância no presente. O custo econômi-co da redução da agricultura de queimada, daconversão irracional de uso na fronteira agrícola edas atividades madeireiras ineficientes seria relati-vamente pequeno. Para isso seria necessário:

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1. Políticas sociais que melhorem o nível educa-cional e acelerem a distribuição de terras e detecnologia complementar entre a populaçãoque hoje depende da agricultura tradicional eda conversão do uso da terra.

2. Políticas de controle sobre as atividades madei-reiras ineficientes e predatórias acompanhadasde estímulo para convertê-las em atividades efi-cientes e relativamente sustentáveis.

3. Atuação coordenada do Poder Judiciário, doMinistério Público, da Polícia Federal e das For-ças Armadas para fortalecer o Estado de Direi-to na Amazônia.

A atuação do Brasil durante a negociação doProtocolo de Kyoto (1996-2001) orientou-se peladefinição do interesse nacional segundo quatrodimensões principais: 1) afirmar o direito ao de-senvolvimento como um componente fundamen-tal da ordem mundial, dando continuidade à polí-tica externa brasileira; 2) promover uma visão dodesenvolvimento associada com a sustentabilida-de ambiental, em correspondência com o grandecrescimento da consciência ambiental no país esua tradução em políticas públicas nacionais e es-taduais; 3) promover uma posição de liderança doBrasil no mundo, em correspondência com o cres-cimento do prestígio internacional do país duran-te o governo Cardoso; e 4) evitar que o uso dasflorestas seja objeto de regulação internacionalpara não correr riscos de que outros países pos-sam questionar o uso econômico da Amazônia. Éimportante salientar que a entrada das florestas noregime mundial de clima não foi percebida comouma ameaça à soberania nacional por outros paí-ses: Estados Unidos, Canadá, Rússia, Austrália eCosta Rica, entre outros, promoveram com inten-sidade a regulação internacional das florestas. Ascaracterísticas específicas do posicionamento bra-sileiro nas diversas questões do Protocolo de Kyo-to são assinaladas a seguir.

A delegação brasileira esteve sempre sob ocomando do Ministério da Ciência e Tecnologia (opresidente da Agência Espacial Brasileira, MeiraFilho, teve um papel fundamental) nos aspectossubstantivos e do Itamaraty nos aspectos relacio-

nados ao processo negociador. Até 1999, a presi-dência da República não considerou a negociaçãodo Protocolo uma questão importante sobre aqual deveria interferir. A definição do posiciona-mento brasileiro ficou muito restrita entre 1996 e1999, quase sem a participação de governos esta-duais, empresários ou ONGs. A partir de 2000, aarena de definição ampliou-se com a inclusão, emposição secundária, do Ministério do Meio Am-biente, do Conselho Empresarial Brasileiro para oDesenvolvimento Sustentável, de alguns governosestaduais da Amazônia e de várias ONGs. Em ju-nho de 2000, por iniciativa da presidência da Re-pública e do ex-deputado federal Fabio Feld-mann, foi criado o Fórum Brasileiro de MudançasClimáticas, de caráter multissetorial, que reuniudiversos atores governamentais, empresariais, nãogovernamentais e acadêmicos. Este fórum consti-tuir-se-á uma inovação tanto em termos de criaruma arena propícia para a formação do posicio-namento nacional quanto de internalizar o regimede clima dentro do país. A partir de outubro de2000, o Ministério do Meio Ambiente e governosde alguns Estados amazônicos questionaram a tra-dição brasileira de ter um posição contrária à in-clusão do ciclo do carbono no Protocolo (sumi-douros por meio de florestas e do manejo dosolo). Muitas ONGs, particularmente aquelas quetêm grande atuação na Amazônia, pressionaram ogoverno para apoiar a inclusão de projetos rela-cionados à proteção de florestas primárias no Me-canismo de Desenvolvimento Limpo. Contudo, aposição do Ministério de Ciência e Tecnologia edo Itamaraty continuou predominando.

No Grupo G77/China, o Brasil sempre teveuma posição de liderança, e tornou-se uma pontepara o diálogo entre países desenvolvidos e aque-les que mais se confrontavam com estes, como Ín-dia, China, Indonésia e Malásia. A comissão brasi-leira manteve a opinião de que toda a responsa-bilidade pela redução das emissões era dos paísesdesenvolvidos e, portanto, opôs-se deliberada-mente aos compromissos de redução da taxa decrescimento futuro das emissões por parte dospaíses emergentes. Isto lhe causou vários momen-tos de confronto, particularmente com os EstadosUnidos, em várias ocasiões, e com a Argentina,

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em 1998/1999. O princípio que norteia as propos-tas do país é de que as emissões de carbono de-veriam ser calculadas diacronicamente, ou seja, apartir acumulação de emissão ocorrida desde o fi-nal do século XVIII e não apenas a partir do anobase de 1990. Embora esta posição tenha contadocom forte apoio da maioria dos países não perten-centes ao Anexo Um, não é levada a sério pelosgovernos dos países pertencentes ao Anexo Um e,assim, não tem tido, no processo negociador, oimpacto esperado, pelo menos até o final de 2001.A proposta brasileira é consistente em termos téc-nicos, legítima do ponto de vista histórico e eqüi-tativa no sentido de apresentar uma abordagemteórica baseada em direitos universais da popula-ção mundial ao uso da atmosfera como um bempúblico global, mas pode ser considerada, atual-mente, utópica por estar distante da realidade efe-tiva do poder mundial. Apesar disso, é bem pro-vável que esta proposta acabe contribuindo paramelhorar a capacidade argumentativa dos paísesemergentes na negociação geral sobre a questãodos seus compromissos de redução.

Em junho de 1997, o Brasil, como já foi dito,fez uma proposta original, o Fundo de Desenvol-vimento Limpo (FDL), que teve grande apoio dospaíses emergentes e pobres, mas, como era de seesperar, foi extremamente criticada por todos ospaíses desenvolvidos. Contudo, em outubro de1997, aconteceu um desdobramento inesperado:os Estados Unidos e o Brasil articularam uma ver-são alterada do FDL, que passou a se chamar Me-canismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), con-siderado uma das novidades do Protocolo deKyoto. O MDL abriu a possibilidade de os paísesdesenvolvidos cumprirem parte de suas metas deredução de emissão por meio do financiamentode projetos de desenvolvimento sustentável nospaíses emergentes e pobres. Por causa dele o Bra-sil aceitou a proposta de mecanismos flexibiliza-dores de mercado para complementar os compro-missos de redução de emissões dos países desen-volvidos, e isto significou a ruptura do país em re-lação à sua posição, marcada pela oposição à im-plementação conjunta (prevista na Convenção doRio de Janeiro) e às cotas comercializáveis deemissão entre os países do Anexo Um.

O acordo em torno do MDL foi um momen-to notável de colaboração entre a diplomacia nor-te-americana e a brasileira, pois a negociaçãoimplicou uma vitória para todos os países. O com-ponente mais flexível e criativo da posição brasi-leira em todas as negociações do Protocolo reve-lou-se na sua capacidade de articulação política,sobretudo com a diplomacia norte-americana, emoutubro de 1997, quando da elaboração deste me-canismo inovador. Entre 1999 e 2001, o país lide-rou uma proposta vitoriosa para que o MDL fosseo primeiro dos três mecanismos flexibilizadores aser implementado e para que, no seu conselho di-retor, os países emergentes e pobres tivessem umarepresentação mais forte do que a obtida no Glo-bal Environment Facility.

Com relação aos sumidouros de carbono, ointeresse nacional foi o de assumir uma posiçãodefensiva: a floresta amazônica tornou-se mais umônus por causa do desmatamento do que umtrunfo em virtude do serviço global de seqüestrode carbono. O que estava implícito nas declara-ções dos negociadores brasileiros era que o paísnão conseguiria conter de maneira significativa odesmatamento na Amazônia. Isso levou o Brasil ase posicionar contra a inclusão do conjunto depropostas em torno do ciclo do carbono, temen-do que, no futuro, quando se estabelecerem com-promissos para os países emergentes, o Brasilpossa vir a ter um grande passivo advindo do des-matamento na Amazônia. Como resultado final doProtocolo a respeito dessas questões, o Brasil e aUnião Européia, por um lado, foram derrotados –os sumidouros de carbono passaram a fazer partedo Protocolo –, e, por outro, saíram vitoriosos –apenas o reflorestamento e o florestamento pode-rão ser considerados atividades de seqüestro decarbono, ficando de fora do MDL atividades orien-tadas a evitar o desmatamento de florestas primá-rias. Nesta questão específica, o Brasil ficou emminoria entre os países não pertencentes ao Ane-xo Um, particularmente na América Latina.

Apesar de ser um país em desenvolvimentocom matriz energética limpa, o Brasil assumiu umaaliança geral com países emergentes com matrizenergética dependente de combustíveis fósseis(China, Índia e Indonésia). A vantagem da matriz

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energética ficou sempre subordinada à desvanta-gem do desmatamento na Amazônia na formaçãoda posição brasileira. Por isso, o país se aliou, emgeral, com a União Européia contra os países flo-restais com capacidade de controle do desmata-mento (Estados Unidos, Canadá, Austrália, Rússia,Japão e Costa Rica) na questão da inclusão dos su-midouros de carbono na contabilidade de emissõese, conseqüentemente, na valorização do serviçoglobal prestado pelas florestas como seqüestrado-res de carbono. Uma visão alternativa e positiva so-bre a Amazônia teria levado o Brasil a uma aliançainversa, o que talvez influenciasse sobremaneira operfil final do Protocolo.

Com uma posição de forte liderança naquestão de reafirmar a necessidade de novos fun-dos financeiros dos países desenvolvidos para ofinanciamento de transferência de tecnologias lim-pas e para o desenvolvimento da capacidade ins-titucional nos países emergentes, o Brasil sobres-saiu, obtendo vitórias parciais a este respeito naConferência de Bonn (2001). A ênfase na transfe-rência facilitada de tecnologias produtivas limpasé coerente com o objetivo geral da política exter-na brasileira do governo Cardoso, no sentido depromover a inserção competitiva do país na eco-nomia globalizada.

Reiterando, as relações entre Brasil e EstadosUnidos no âmbito do Protocolo tornaram-se difí-ceis desde meados de 1999. Os Estados Unidossão favoráveis a compromissos de redução da taxade crescimento futuro das emissões para os paísesemergentes no primeiro período (2010), enquantoo Brasil mantém sua posição contrária; o Brasilopõe-se à inclusão das florestas nativas no MDL,ao contrário dos Estados Unidos que, por sua vez,propõem um regime reduzido de sanções, entran-do em confronto com a posição da União Euro-péia, apoiada pelo Brasil. Finalmente, o Brasil, so-mando força com a União Européia, tentou imporlimites aos sumidouros de carbono para os paísesdesenvolvidos, o que foi também motivo de con-flito e disputa com os Estados Unidos durante asnegociações. Desde a saída dos Estados Unidos doProtocolo (março de 2001) até a conclusão das ne-gociações (novembro de 2001), o Brasil destacou-se tanto na crítica da posição norte-americana

como na promoção das negociações entre os di-versos blocos . Além disso, foi liderança na articu-lação da aliança entre a União Européia e os paí-ses emergentes, o que possibilitou o sucesso danegociação final do Protocolo. Em vários discursosinternacionais – antes e depois do 11 de setembro– o presidente Fernando Henrique criticou incisivae consistentemente a política unilateral do gover-no Bush em relação ao regime de mudança climá-tica. Ao se comparar as posições dos dois paísesentre 1989 e 2001, observa-se claramente uma in-versão de papéis: em 1989, o governo Bush (pai),aliado aos outros países desenvolvidos, criticava ogoverno Sarney pela contribuição do país para amudança climática em virtude do intenso desmata-mento na Amazônia; em 2001, o governo Cardoso,aliado aos países desenvolvidos, criticava o gover-no Bush pela falta de uma atitude responsável emrelação ao clima global.

Desde 2000, o presidente Fernando Henri-que tem elevado o nível da participação brasileirano Protocolo de Kyoto, e isto promete bons fru-tos para o país. A viabilidade de longo prazo doProtocolo de Kyoto depende do retorno dos Esta-dos Unidos ao regime e da aceitação de compro-missos de redução da taxa de crescimento futurodas emissões por parte dos países emergentes (asemissões poderão continuar a crescer, mas a umritmo menor). A posição do Brasil será provavel-mente decisiva a este respeito, já que, entre os paí-ses emergentes, é o melhor situado para avançarno processo de negociação. Entretanto, é essencialque consiga diminuir o ritmo do desmatamentona Amazônia, o que contaria com o apoio damaioria da população. Com certeza, uma coalizãopara o uso mais racional da floresta amazônica te-ria impactos favoráveis não apenas internamente,mas também no âmbito internacional, elevando oprestígio do país no mundo e ganhando, com isso,a cooperação internacional em geral.

Perspectivas do protocolo de Kyotodepois dos acordos de Bonn e Marrakesh

Apesar do clima pessimista desde março de2001 causado pelo posicionamento de Bush, a

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maioria das questões principais pendentes do Pro-tocolo foram negociadas com sucesso na Confe-rência das Partes em Bonn (julho de 2001 – con-tinuação da COP6, suspensa em Haia, em novem-bro de 2000). Para a realização do Acordo, todasas partes contribuíram. A União Européia fez maisconcessões do que em Haia; os países do G77moderaram suas demandas, os países do grupoGuarda-chuva abandonaram os Estados Unidos;as ONGs internacionais (principalmente WorldWide Fund for Nature, Friends of the Earth eGreenPeace) diminuíram suas exigências em prolde um acordo; os Estados Unidos aceitaram a der-rota e não bloquearam as negociações; e o holan-dês Pronk, presidente da conferência, teve umaliderança mais firme e incisiva do que em Haia.Alguns dos pontos específicos, ainda pendentes,foram negociados com sucesso na VII Conferên-cia das Partes, em Marrocos (novembro de 2001):ampliou-se o teto de contabilidade de sumidourosde carbono para Rússia e estabeleceu-se, de ummodo genérico, que haveria um regime desanções para os países do Anexo Um que nãocumprissem os compromissos estabelecidos de re-dução de emissões até 2010. Outros pontos espe-cíficos ficaram para ser negociados na PrimeiraConferência das Partes depois da ratificação doProtocolo: o regime específico de sanções, o qualserá agregado posteriormente como uma emendaao Protocolo de Kyoto, e as bases para aprovaçãode projetos inseridos no Mecanismo de Desenvol-vimento Limpo e na Implementação Conjunta. Ospaíses, liderados pela União Européia, estabelece-ram como meta a ratificação do Protocolo para aConferência das Nações Unidas sobre Desenvolvi-mento Sustentável a ser realizada em Joanesbur-go, em setembro de 2002.

Ao que tudo indica, o Protocolo está em viade ser ratificado para entrar em vigência em 2003.Isso requer a ratificação de pelo menos cinqüentapaíses, dos quais aqueles pertencentes ao AnexoUm devem responder por no mínimo 55% dasemissões deste grupo, segundo o ano base de1990. Como nesta data os Estados Unidos foi res-ponsável por 35% das emissões dos países doAnexo Um, o protocolo precisa ser obrigatoria-mente ratificado pela União Européia, Rússia e Ja-

pão mais dois países (Canadá, Austrália, Ucrâniaou Polônia). Até julho de 2002, a União Européiae o Japão já tinham ratificado o Protocolo e haviauma boa perspectiva de ratificação por parte daRússia, da Ucrânia e da Polônia até o final de2002. O Canadá e a Austrália talvez não ratifi-quem-no. O Congresso brasileiro o validou em ju-nho de 2002.

Resta saber se o Protocolo será um instru-mento efetivo na luta para atenuar a mudança cli-mática ou se representará apenas os anseios uni-versalistas da humanidade em contraposição à re-sistência da política unilateralista norte-americana.De fato, a situação é complexa, pois o própriocontexto em que se deram as negociações do Pro-tocolo é repleto de contradição. É necessário aconsideração de diversas dimensões para se po-der avaliar com mais densidade o significado doatual Protocolo de Kyoto: sustentabilidade de lon-go prazo em virtude da saída dos Estados Unidos,principal país emissor de carbono na atmosfera, eda pressão da opinião pública internacional, per-da potencial de competitividade das empresas eu-ropéias e japonesas, que terão mais custos ao mu-dar o processo produtivo rumo a uma diminuiçãoda emissão de carbono, capacidade de impulsaras medidas por parte de empresas que estão assu-mindo compromissos voluntários, consolidaçãoinstitucional do mercado de carbono, força relati-va do setor conservador na sociedade norte-ame-ricana, emergência de uma proposta alternativa aKyoto por parte do governo Bush num futuropróximo e força relativa dos setores que impul-sionam compromissos de redução da taxa decrescimento futura das emissões nos países emdesenvolvimento.

Pela primeira vez na história contemporâneaum tema desvinculado diretamente de questõesclássicas, como segurança ou economia, ocupouo lugar principal na agenda dos países. Assimcomo, pela primeira vez depois da Segunda Guer-ra Mundial, os Estados Unidos e a Europa ociden-tal entraram em confronto em torno de uma ques-tão de alta relevância na arena internacional. Apolítica unilateralista de Bush está em desacordocom a linha adotada pelos Estados Unidos desdeo final da Guerra Fria. Em dezoito meses de admi-

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nistração Bush, o país assumiu posições unilate-rais em pelo menos outras seis questões interna-cionais importantes: 1) decisão de construir o Es-cudo de Defesa Antimíssil – e, conseqüentemen-te, quebrar o compromisso do Tratado contra osMísseis Antibalísticos de 1972); 2) decisão de seretirar da negociação do Protocolo de Verificaçãodo Tratado contra as Armas Biológicas; 3) oposi-ção a uma convenção eficiente sobre o uso de pe-quenas armas; 4- saída da Conferência sobre Ra-cismo, em Durban; 4) definição do “Eixo do Mal”(Iraque, Irã e Coréia do Norte), incentivando amudança de regime político nesses países; e 6)envolvimento precário na negociação de um acor-do efetivo de paz e de criação do Estado palesti-no, condicionando sua maior participação à subs-tituição de Arafat na liderança palestina. Apesarde já ter havido outras ocasiões em que os Esta-dos Unidos ficaram isolados politicamente nas úl-timas décadas – Lei do Mar, de 1983, Tratado deBanimento das Minas Terrestres, de 1997, e o tra-tado que criou o Tribunal Penal Internacional, de1998) –, nunca isto tinha acontecido em torno deuma questão de “alta política”, como o Protocolode Kyoto. Além disso, há uma forte oposição in-terna e externa que está implicando custos impor-tantes em termos do prestígio do país no âmbitointernacional.

Responsável por um quarto das emissõesglobais de carbono, os Estados Unidos são, obvia-mente, imprescindíveis na mesa de negociação.Sem ratificar o Tratado, poderá haver um cresci-mento das emissões de carbono dos Estados Uni-dos, ao contrário dos outros países do Anexo Um.Assim, por exemplo, em 2010 as emissões daUnião Européia deverão ser 8% inferiores as de1990 e as dos Estados Unidos (caso permaneça atendência atual) serão cerca de 30% superiores asde 1990, o que, com certeza, trará dificuldadepara a sobrevivência dos acordos estabelecidosno Protocolo, visto que as condições de competi-tividade no mercado global se tornariam injustas,como já foi dito. Em contrapartida, a energia eóli-ca já se tornou comercialmente competitiva emtodo o mundo, e uma boa parte da descarboniza-ção poderá se dar com o crescimento da propor-ção das turbinas eólicas na geração energética

mundial. Na Dinamarca, por exemplo, 26% daenergia elétrica já é produzida por turbinas eóli-cas, na Alemanha e na Holanda, 4%, e na Espa-nha, 3%. Na maioria dos países europeus a ener-gia eólica cresce a taxas muito altas desde 1998.

A assinatura do Protocolo de Kyoto, em1997, desencadeou um movimento em setores doempresariado dos países desenvolvidos em favorde novas tecnologias não-carbonizantes, tanto naárea energética como no conjunto do ciclo produ-tivo. Desde 1999, metas voluntárias de redução decarbono vêm sendo assumidas por grandes em-presas comprometidas com o regime de mudançaclimática e impulsionadas, é claro, pela criação,em Bonn, de um arcabouço internacional obriga-tório (BP, Shell, Volvo, Dupont, Cisco, Conoco,Toyota e Honda). Segundo essas empresas, os Es-tados Unidos serão praticamente obrigados a ade-rir ao Protocolo de Kyoto em poucos anos, atémesmo porque o modelo constituído na conferên-cia de Bonn está muito próximo das posições de-fendidas pelos negociadores norte-americanosdesde 1996, quais sejam, atenção diferencial aosmecanismos flexibilizadores de mercado (comér-cio e certificação ilimitada de cotas de emissão decarbono entre os países do Anexo Um e garantiade créditos na balança da redução de emissõesquando do desenvolvimento de projetos realiza-dos em países não pertencentes ao Anexo Um),consideração do conjunto do ciclo do carbono in-cluindo sumidouros e regime de sanções restrito.

O incipiente mercado de carbono já produ-ziu cerca de sessenta transações que envolveramaproximadamente 100 milhões de dólares. Somaapenas simbólica, visto que as estimativas sobreas transações de carbono anuais por volta de 2005deverão oscilar entre 5 a 10 bilhões de dólares porano, sem a presença dos Estados Unidos, e entre40 a 100 bilhões com sua presença. Ademais, ovalor unitário da tonelada de carbono cairá signi-ficativamente sem os Estados Unidos, assim comoo comércio de carbono tornará menor o custo ad-vindo do cumprimento das metas de redução (porparte dos países do Anexo Um com mais dificul-dades para cortar emissões internamente) e criaránovas oportunidades de negócio para empresasmais dinâmicas, incentivando energias renováveis,

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incrementando a eficiência energética dos equipa-mentos e melhorando o manejo das florestas edos solos). Países como Reino Unido, Dinamarcae Noruega lançarão seus mercados internos decarbono nos próximos meses, e apesar da não ra-tificação do Protocolo, os Estados Unidos assistemao surgimento da, Chicago Climate Exchange, ins-tituição destinada a promover o mercado de car-bono entre as empresas norte-americanas que as-sumiram compromissos voluntários de redução deemissões. Além disso, o Banco Mundial vem de-senvolvendo, com sucesso, um Programa Pilotode Mercado de Carbono desde 1999.

O Brasil é um dos países não pertencentesao Anexo Um mais ativo no mercado internacio-nal de carbono por meio do MDL, e já existem nopaís algumas firmas que iniciaram suas operaçõescomo brokers. A criação do Fórum Brasileiro deMudanças Climáticas, de caráter multissetorial(governo, empresas e ONGs), em 2000, tem con-tribuído muito para a participação do Brasil no in-cipiente mercado de carbono. Além disso, há umgrande potencial para o desenvolvimento da ener-gia eólica por causa de três fatores combinados:existência de grandes bacias de vento em quasetodo o litoral, estímulo do MDL e necessidade deaumentar rapidamente a oferta de energia devidoà crise dos reservatórios de hidroeletricidade em2001. Contudo, como mecanismo flexibilizador, oMDL compete em condições desfavoráveis com ocomércio de cotas de emissões, particularmentecom a nova proposta russa de Esquema de Inves-timento Verde, que poderá dominar a compra decréditos de emissões por parte dos países mais ne-cessitados, como Japão, Canadá e Austrália.

Mas é preciso se perguntar se o mercado decarbono poderá se desenvolver plenamente semuma rápida adesão dos Estados Unidos ao Proto-colo, ou, ainda, se a existência de mercados decarbono nacionais e regionais garantirá o efetivomercado global com normas, padrões e compro-missos comuns.

A todo movimento favorável ao Protocolo dealgum importante setor do empresariado dos paí-ses desenvolvidos observa-se um movimento con-trário do empresariado conservador norte-ameri-cano, que acredita que as sociedades desenvolvi-

das (e, em particular, a norte-americana) poderãose adaptar sem maiores problemas à mudança cli-mática e que o custo advindo da redução de emis-são seria muito alto comparado ao da adaptação.Esta visão não se preocupa, evidentemente, comas dificuldades enfrentadas pelos países em de-senvolvimento e, sobretudo, os de baixa renda.Mesmo que de maneira implícita, mas não porisso menos definida, vem à tona a mentalidadedos conservadores republicanos, ou seja, justifi-cam a falta de solidariedade pela incompetência –e, conseqüentemente, o fracasso – dos países po-bres em conduzir sua política e sua economia en-volvidas no facciosismo, na corrupção e nas epi-demias. Os Estados Unidos devem, de acordocom esta perspectiva, se manter bem distantes.

Duas outras incertezas pairam sobre o Proto-colo de Kyoto. Em primeiro, os negociadores deBonn deixaram para um futuro incerto a questãodos compromissos de redução da taxa de cresci-mento futuro por parte dos países de renda mé-dia. Em segundo, o governo Bush poderia propor,num futuro próximo, uma alternativa a Kyoto, queenfatizasse menos o controle de emissões no cur-to prazo e incentivasse a longo prazo o desenvol-vimento de tecnologias limpas e a transferência detecnologia para os países em desenvolvimento.Uma proposta desse tipo poderia obter amploapoio tanto entre os países desenvolvidos mem-bros do grupo Guarda-chuva como entre os paí-ses em desenvolvimento, o que, talvez, fosse maiseficiente do que o Protocolo de Kyoto sem os Es-tados Unidos. A situação de derrota experimenta-da pelo país em Bonn seria revertida pela aprova-ção de um novo mecanismo global liderado entãopelos Estados Unidos.

Portanto, o futuro do Protocolo de Kyoto éincerto e dependerá:

• A Da capacidade de as elites européias, junta-mente com as elites globalistas responsáveisnorte-americanas, persuadirem em seu favor aopinião pública dos Estados Unidos.

• Da capacidade de as elites européias, junta-mente com as elites globalistas responsáveisdos países de renda média, persuadirem a po-pulação desses países em favor da necessidade

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de compromissos de redução da taxa de cresci-mento futuro das emissões.

• Do sucesso de os setores empresariais, já com-prometidos com as metas estabelecidas, pro-duzirem no curto prazo inovações tecnológicaseficientes.

• Da rapidez com que o setor empresarial deenergia eólica desenvolva um ambiente regula-tório favorável na maior parte do mundo.

• Do sucesso de governos, empresas e ONGs emdesenvolver e consolidar um mercado globalde carbono.

• Das dificuldades de o governo Bush elaboraruma proposta alternativa que seja atrativa paraa maioria dos países-chave.

Passando para um contexto mais amplo, ofuturo do regime de mudança climática e do Pro-tocolo de Kyoto, em particular, dependerá da ati-tude e do comportamento predominantes, a médioprazo, nos países desenvolvidos no sentido de as-sumir os custos e as responsabilidades da governa-bilidade global e da produção de bens públicosglobais (como mecanismos para um desenvolvi-mento econômico mais inclusivo e para enfrentaros problemas epidemiológicos e ambientais), alémda reconstrução dos Estados fracassados. Os cus-tos e as responsabilidades estão vinculados àemergência de uma ação do tipo “Plano Marshall”,que forneceria uma maior estrutura aos países emdificuldade. Lembremos que o Plano Marshall im-plicou o destino de cerca de 3% do PIB norte-ame-ricano, durante cinco anos (1948-1952), para areconstrução da Europa ocidental e do Japão. De-dicar uma proporção equivalente do PIB dos paí-ses desenvolvidos durante uma década a essespaíses causaria um impacto gigantesco sobre a go-vernabilidade do mundo sem impor um ônus sig-nificativo às populações. Mas, infelizmente, as di-retrizes tomadas na última década caminham emsentido contrário das necessidades de governabili-dade global: a proporção do PIB dos países desen-volvidos destinada à ajuda ao desenvolvimentocaiu, aproximadamente, de 0,4% do PIB, em 1990,para 0,2% do PIB, em 2000.

A questão que se coloca então é: qual foi oimpacto do atentado de 11 de setembro nos Esta-dos Unidos sobre a população dos países desen-volvidos com relação à sua disponibilidade paraassumir os custos e as responsabilidades da go-vernabilidade global? A ameaça do comunismofez com que, no início da Guerra Fria, os EstadosUnidos pagassem parte do custo da reconstruçãoda Europa e do Japão, propiciando a queda co-munismo e a ascensão da democracia no últimoquarto do século XX. Será o terrorismo uma amea-ça forte o suficiente para impulsar um comporta-mento similar dos países desenvolvidos no iníciodo século XXI? (Viola e Leis, 2001). Infelizmenteas evidências do último ano não condizem comesta expectativa. Há uma tendência protecionistanos setores siderúrgico e agrícola nos EstadosUnidos, pequena disponibilidade dos países de-senvolvidos a negociar na OMC uma abertura ple-na de suas economias nos setores agrícola, têxtile de calçados, justamente onde os países em de-senvolvimento e pobres conseguem ser competi-tivos e, por fim, uma vitória na maior parte dospaíses europeus de candidatos orientados poruma agenda predominantemente defensiva comrelação aos problemas globais.

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O REGIME INTERNACIONALDE MUDANÇA CLIMÁTICA E OBRASIL

Eduardo Viola

Palavras-chavePolíticas públicas, Protocolo deKyoto, Acordo de Bonn, Acordo deMarrakesh, Mudança climática.

Este artigo analisa o processo de for-mação do regime internacional demudança climática desde as nego-ciações e a assinatura da convençãoQuadro das Nações Unidas sobreMudança Climática, no Rio deJaneiro (1992), passando pela nego-ciação e assinatura do Protocolo deKyoto (1997), até a conclusão dospontos pendentes do protocolo naVII Conferência das Partes em Mar-rakesh (2001). Também são estuda-dos as políticas públicas relaciona-das às emissões de carbono no Bra-sil, na década de 1990, e o posicio-namento brasileiro em relação aoregime de mudança climática. NoProtocolo de Kyoto (1996-2001), oBrasil propôs o Fundo de Desenvol-vimento Limpo e opôs-se a compro-missos de redução da taxa de cres-cimento futuro das emissões de gáscarbono por parte dos países emer-gentes, ao estabelecimento de me-canismos flexibilizadores de merca-do e à inclusão das emissões deriva-das de mudança do uso da terra. Fi-nalmente, analisam-se as perspecti-vas futuras do Protocolo de Kyotodepois dos Acordos de Bonn e Mar-rakesh, particularmente em relaçãoà sua viabilidade a longo prazo sema presença dos Estados Unidos.

THE INTERNATIONALREGIME ON CLIMATECHANGE AND BRAZIL

Eduardo Viola

KeywordsPublic Policies, The Kyoto Protocol,The Bonn Agreement, TheMarrakesh Agreement, ClimaticChange

This article has three parts. In thefirst one the author analyses the for-mation of the international regimeon climate change since the negoti-ations and signing of the UnitedNations Framework Convention onClimate Change (Rio de Janeiro,1992), passing through the negotia-tions and signing of the KyotoProtocol (1997), till the conclusionof the Protocol pending issues in the7th Conference of the Parts inMarrakech (2001). In the secondpart the author analyses the publicpolicies related to carbon emissionsin Brazil during the 1990s and theBrazilian standing in the climate-changing regime. The Brazilianstanding in the negotiations of theKyoto Protocol (1996-2001) was acombination of leadership and defen-sive positions: the proposal of theClean Development Fund, oppositionto commitments for the reduction offuture growth rates in carbon emis-sions for emerging countries, initialopposition to the inclusion of marketmechanisms for emissions reduction,and opposition to the inclusion ofemissions derived from land usechanges in the Protocol. In the thirdpart the author analyses the futureperspectives of the Kyoto Protocolafter the Agreements in Bonn andMarrakech, particularly in relation toits long-term viability without the re-entering of the United States.

LE RÉGIME INTERNATIONALDES CHANGEMENTS CLIMATIQUES ET LE BRÉSIL

Eduardo Viola

Mots-clésPolitiques publiques, Protocole deKyoto, Accord de Bonn, Accord deMarrakech, Changement climatique.

Cet article analyse le processus deformation du régime internationaldes changements climatiques depuisles négociations et la signature de laConvention-cadre des Nations Uniessur les Changements Climatiques àRio de Janeiro (1992), en passantpar la négociation et la signature duProtocole de Kyoto (1997), jusqu’àla conclusion des questions pen-dantes du Protocole à la VIIe

Conférence des Parties à Marrakech(2001). Les politiques publiques rel-atives aux émissions de gaz car-bonique au Brésil, dans les années1990 et la position brésilienne pararapport que régime des change-ments climatiques, sont égalementanalysées. Dans le Protocole deKyoto (1996-2001), le Brésil a pro-posé la création d’un Fonds deDéveloppement Propre et s’estopposé à des compromis de réduc-tion de la taxe de croissance futuredes émissions de gaz carboniquepar rapport aux pays en développe-ment, à l’établissement de mécan-ismes de flexibilisation du marché età l’inclusion des émissions issues duchangement de l’usage de la terre.Finalement, l’auteur analyse les per-spectives futures du Protocole deKyoto depuis les Accords de Bonn etde Marrakech, particulièrement parrapport à sa viabilité à long termesans la présence des États-Unis.

RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 179