o refugiado no espaÇo histÓrico da cidade€¦ · privilégios e dessa forma possibilitar uma...
TRANSCRIPT
O REFUGIADO NO ESPAÇO HISTÓRICO DA CIDADE
Ana Flávia Costa Eccard
Doutoranda PPGFIL UERJ e PPGD UVA.
Email: [email protected]
Jordana Aparecida Teza
Advogada, mestranda PPGD UVA.
Email:[email protected]
Resumo: O atual trabalho busca estudar o refugiado inserido nas condições de
possibilidade de sobrevivência da cidade a partir de um prisma histórico da construção
desse espaço como direito. O direito à cidade é um termo cunhado por Lefebvre que
pesquisou as tensões geradas no âmbito da cidade com a finalidade de pensar o acesso à
esta. No caso em tela, essas tensões podem ser tornar hostis e atrapalhar a efetivação do
direito de proteção do refugiado, nesse sentido buscamos compreender a cidade a partir
de seus aspectos históricos. Nobert Elias apresenta-nos outra perspectiva a ser superado
por esse grupo, o estigma o que articularemos com o conceito de hospitalidade de
Derrida. Entendendo ser este um grupo marginalizado, além das tensões burocráticas
existe ainda os impedimentos de ordem social, como a não aceitação pelo grupo
nacional que vai imputar características que atrapalham esse acolhimento e podem torna
essa experiência cruel. A diferenciação organizada pelo grupo dominante do território,
que estão em coesão social, apresenta um afastamento da ideia de ser humano dotado de
humanidade, aspecto importantíssimo para se combater a lógica capitalista que só
permite a circulado de objetos e não se pessoas. O atual trabalho se constrói a partir de
um prisma interdisciplinar que se constitui, em síntese, dos direitos aos agentes que
estão na cidade, a construção histórica do território e o desdobramento filosóficos do
acolhimento ou não desses indivíduos. Como aporte teórico podemos identificar:
Lefebvre no entendimento do direito à cidade, Milton Santos na compreensão de
território ocupado, Nobert Elias na construção das subjetividades do espaço e seus
estigmas; Hobsbawm na construção da sociedade e das lógicas capitalistas que
permeiam suas relações, por último mas não menos importante Derrida no suporte
filosófico do entendimento do acolhimento, hospitalidade e diferença.
Palavras-chave: Refugiado; Cidade, Territórios; Direito à Cidade.
Introdução
Em consonância com o mundo global e suas constantes crises a urgência em
estudar as fronteiras e circulação de pessoa se torna necessário no cerne das ciências
humanas. O atual artigo se propõe a pensar o refugiado na cidade entendendo ser este
um indivíduo que foge da morte certa ou iminente advindo de perseguições políticas,
religiosas entre outras situações. Sobre a concepção de refugiados, temos:
(...) refugiado é toda pessoa que por causa de fundados temores de perseguição
devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo
social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por
causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo.
(ACNUR, 2007, p. 18).
O espaço da cidade é compreendido a partir do prisma do direito à cidade na
concepção de Levfebre, nesse sentido a questão em pauta é o acesso ao complexo de
direitos que envolvem a sobrevivência nesse lugar, a saber, a cidade, ele defende que:
O espaço não é um objeto científico descartado pela ideologia ou pela
política; ele sempre foi político e estratégico. Se esse espaço tem um aspecto
neutro, indiferente em relação ao conteúdo, portanto ‘puramente’ formal,
abstrato de uma abstração racional, é precisamente porque ele já está
ocupado, ordenado, já objeto de estratégias antigas, das quais nem sempre se
encontram vestígios. O espaço foi formado, modelado a partir de elementos
históricos ou naturais, mas politicamente. O espaço é político e ideológico. É uma representação literalmente povoada de ideologia. Existe uma ideologia
do espaço. Por quê? Porque esse espaço, que parece homogêneo, que parece
dado de uma vez na sua objetividade, na sua forma pura, tal como o
constatamos, é um produto social (...). (LEFEBVRE, 2008, p. 61-62).
Para além das mudanças de território forçada o refugiado encara, dentro dessa
perspectiva, inúmeros outros problemas como a questão da habitação, pertencimento,
hostilidade, mobilidade, segregação espacial, acesso às oportunidades de emprego e
estudos. Portanto se trata de perscrutar um cenário de não exclusão diante da qualidade
do indivíduo refugiado, estudar tal assunto tem o intuito de amenizar a segregação sócio
econômica que afasta esses sujeitos dos centros urbanos, tornando esses espaços hostis e
não acolhedores a sorte da diferença e impedindo uma construção plural do território
urbano. O direito à cidade que está na base de toda discussão aqui presente é um viés
estritamente democrático de acepção, uma vez que trata-se de uma motivação a
conceber o espaço citadino como um lugar que une, o qual se experiência a vivência
humana pelo prisma da coletiva onde o sujeito é ser humano e não possui valor de troca.
A coisificação do sujeito é um fenômeno muito comum em uma sociedade
mercantilizada pelo capitalismo, o ponto da crítica que o pensador francês tece é nesse
sentido, a cidade deve servir ao grupo e não tornar excludente e máquina de produção
de segregação material. O que deve ser garantido a este grupo minoritário no aspecto
qualitativo é o devido acesso aos direitos mínimos para sobrevivência em um novo
território.
Desenvolvimento
Na legislação pátria o direito à cidade é espelhado no estatuto da cidade, pode se
inferir que essa parte da legislação se preocupa com a política urbana, trata se de um
complexo de direitos que dispõe sobre a infra-estrutura urbana, não só pelas questões de
moradia e saneamento como também, trabalho, aspectos sociais e o futuro da
população. Neste sentido a lei se preocupa com o que podemos chamar de cidade
sustentável, portanto há uma preocupação de tornar esse lugar digno e pensar para alem
do agora, em o aspecto de manutenção para as futuras gerações. Ainda nesse diapasão
os titulares do referido direito à cidade são os próprios moradores, contudo essa
titularidade não é pensada apenas no momento presente, coadunando a idéia de
sustentabilidade, os habitantes da cidade devem per pensados nas próximas gerações,
com essas perspectivas percebe se que o direito citadino e sua perspectiva democrática é
uma ramificação de direitos humanos, pois compreende a necessidade de garantir os
direitos a todos.
A hiperatividade da norma e sua efetiva aplicação no que tange Direito à Cidade
é ilustrado pelo plano diretor como ferramenta expressa de institutos jurídicos, é
possível ainda reconhecer que tais institutos buscam afastar os agentes que reforçam os
privilégios e dessa forma possibilitar uma equidade material. Através do direito de
superfície; da operação urbana consorciada; da outorga onerosa e da progressão no
tempo do IPTU, vemos claramente institutos jurídicos e políticos que buscam reduzir as
desigualdades no espaço da cidade.
O ponto de contato entre direito à Cidade e refugiados, está em compreender que
a cidade é um espaço comum, portanto afastado de qualquer tipo de exclusão e
discriminação. Esse entendimento acompanha as diretrizes dos documentos técnicos
internacionais que compreendem a necessidade de promoção e garantia de direitos
humanos, impedindo dessa forma que a cidade se torne um local hostil e sirva
puramente ao mercado, contudo para efetivação desses direitos há necessidade de um
alinhamento com diversos a todos, políticos, econômicos e sociais. A recomendação de
u m espaço urbano inclusivo que possui incentivo a participação cidadã na construção
política, cumprindo o ideário da diversidade compondo o espaço democrático desejado
no mundo global que recai ao meio ambiente sustentável como proposta inclusiva.
Precipuamente o direito á cidade é uma disputa a apropriação dos espaços
públicos por todos os corpos que nele habitam, por ilustração pode se compreender o
acesso à terra urbana, o saneamento, a mobilidade urbana, aos serviços públicos, a
oportunidade de trabalho e ao lazer. Uma das características da urbanização foi o seu
rápido processo com falhas de planejamento, o processo não representou o fim da
desigualdade, pelo contrário, gerou consequências sentidas até o presente momento, um
resultado de uma estrutura urbana completamente fragmentada, podendo se observar
nos grupos mais pobres que são excluídos da dinâmica dos centros urbanos, habitando
os espaços periféricos que não possuem serviços básicos, como saúde e saneamento
básico e com escassez de possibilidade de inserção no mercado de trabalho regular,
colocados compulsoriamente na informalidade.
O refugiado é um indivíduo hostilizado nos espaços da cidade, dessa forma os
abrigos ou assentamentos cedidos pelo Estado se concentram nas áreas periféricas,
como no caso da região oeste da cidade do Rio de Janeiro, é possível encontrar no
centro e na zona sul carioca pequenos abrigos temporários, mas esses não são de
iniciativa do poder público e sim um projeto de caridade da igreja católica.
As funções sócias da cidade foram institucionalizadas de fato em 1988 quando
se definiu na legislação pátria instrumentos a regularização fundiária urbana, entre elas
o usucapião de imóveis urbanos, desse cenário se observa uma política de
desenvolvimento do espaço da Cidade que busca efetivar os direitos de acesso e
manutenção aos espaços públicos, infraestrutura e mobilidade, através de planejamentos
e políticas públicas relacionadas a essas questões, compreender essas questões como
cerne da preocupação urna é efetivar uma gestão democrática dos direitos a cidade e a
partir daí, estabelecer diretrizes nos documentos que organizam projetos. As lutas
reivindicadas pelo direito à cidade entram em consonância com o direito dos refugiados
quando buscam direito de igualdade vida como plataforma primordial, são muitas as
expressões que povoam os espaços urbanos, a questão dos estrangeiros traz em si uma
construção do diverso. Nesse sentido se produz no espaço urbano a ocupação e
construção como expressão de vida, daí a chamada apropriação dos espaços pelos
habitantes, como observa se em:
É nesses espaços que os excluídos do processo de planejamento e construção
da cidade, como os migrantes e refugiados, mulheres, jovens, idosos e pessoas com deficiência, alem dos invisibilizados, a exemplo da população
de rua, indígenas e população LGBT, exercem sua soberania e reivindicam
direito à cidade. (Gorsdorf, L. F ET AL. 2016).
Em virtude da disputa da apropriação dos espaços na cidade observamos a
configuração que as relações e tensões urbanas tomam, o refugiado se encontra com os
grupos minoritários, os excluídos, os invisíveis às questões de garantia de direitos, não
pela qualidade que possuem, mas pela política do lugar. A sua existência nos espaços
urbanos é constantemente atacada, seja pela burocracia no trato com as agências em
legitimar sua permanência no lugar, seja pelo simples trato humano do estigma criado
que o refugiado é um fugitivo, um criminoso. Uma falácia tamanha uma vez que o
refugiado para possuir tal estatuto pelo governo brasileiro não pode possuir
antecedentes criminais, o título de refugiado é dado pelo governo a possui requisitos
próprios e inegociáveis.
Estabelecer o instituto dos refugiados se faz importante para poder
pensar enquanto entidade metafísica, agora na figura do outro, a questão do
acolhimento e da hospitalidade do povo que recebe enquanto estatuto ético-
político de tolerância dentro do espaço urbano. Insta dizer, que o fluxo contínuo
de acontecimentos de uma época globalizada e tecnicista permite a formação de
um “estar” e não “ser” refugiado, classificação identitária que faz toda
diferença no tocante social.
De acordo com o dicionário Michaelis (1998) o termo refúgio significa:
1. Lugar seguro para onde alguém vai para não se expor à situação de perigo;
abrigo, esconderijo.
2. Amparo ou proteção que se pede a alguém. 3. Esconderijo de pessoa fugitiva
da justiça; valhacouto. Ao remontarmos etimologicamente o vocábulo refúgio
notamos que sua origem latina refugere é composta por re-, mais fugere, e seu
significado é fugir. Comparando com a terceira acepção encontrada no
dicionário Michaelis notamos a intensidade da noção de fuga, com o adicional
de fuga da justiça.
Ora, o presente trabalho se propõe a discutir o refugiado no espaço
citadino, entendendo este um légitimo no ordenamento. Contudo, é notório que a
etimologia de refúgio/ refugiado denota uma ação de fuga, o que remete a
realidade das pessoas que se encontram nessa posição, porém cabe ressaltar que
se tomar a literalidade da terceira acepção não teremos a dimensão do indivíduo
que solicita refúgio em outro país. Isto porque se a fuga for tomada como uma
atitude de covardia não se pode empregar.
A vivência do refugiado é diametralmente oposta. A saída de seu país de
origem em busca de abrigo em outro explicita a coragem da luta pela vida. A
fuga então é de um espaço de violência, conflito, risco de morte à procura de um
espaço que se possa chamar de seu, que se possa construir um lar. Em A poética
do espaço¸ Bachelard afirma que a casa é onde os sujeitos têm sua
subjetividade construída e onde reside a coragem contra o medo, fortalecendo
as lutas cotidianas por abrigo seja em termos de espaço físico seja em termos
subjetivos. O trecho a seguir permite que percebamos tais assertivas:
Que imagem de concentração de ser, essa casa que se “aperta”
contra seu habitante, que se torna a célula de um corpo com suas
paredes próximas! O refúgio contraiu-se. E, mais protetor, tornou-
se exteriormente mais forte. De refúgio passou a reduto. A
choupana transformou-se em fortaleza da coragem para o solitário
que nela deve aprender a vencer o medo. Tal morada é educativa.
Lemos nas páginas de Bosco como um acúmulo das reservas de
força nos castelos interiores da coragem. Na casa que a imaginação
converteu no próprio centro de um ciclone, é preciso superar as
meras impressões de conforto que sentimos em qualquer abrigo. É
preciso participar do drama cósmico enfrentado pela casa que luta.
(BACHELARD, 1993. pág. 62).
Desse modo, temos a um mesmo termo a atribuição da ideia de fuga e a
ressignificação a partir de um caráter de força. Da mescla de ambas as noções partimos
para a conceituação de refúgio com a qual trabalharemos. Ao pensarmos do que se trata
quando falamos de refugiados é preciso que levemos em consideração a partir de qual
problemática ele surge. A Primeira Guerra foi palco de sangrentas disputas que
abalaram as estruturas do século XX e expuseram ao mundo em larga escala os horrores
ao qual milhares de pessoas são submetidas. O Direito Internacional dos Refugiados,
tributário do Direito Internacional dos Direitos Humanos, surge da necessidade de
conceder amparo às pessoas em situações de vulnerabilidade a fim de proteger as
pessoas da morte que se fazia presente.
Podemos pensar que ao longo da história o nomadismo esteve presente
nas mais diversas sociedades e o movimento ao qual esses andarilhos se
embalavam surge da necessidade de se manter vivo. O deslocamento, portanto,
sempre fez parte da existência humana, mas ocorreu em regiões distintas, em
tempos distintos e por motivos distintos. Mesmo considerando as diferenças
entre os conceitos de refúgio, asilo e migração, devemos salientar que todos
tem algo em comum: a necessidade de deslocamento e a escolha por fazê-lo.
No caso do refúgio essa necessidade implica que se assegure o mais elementar
dos direitos, o direito à vida. Saltando na história e chegando ao século em que
esse direito passa a ser assegurado por lei, temos uma série de diferenças que
envolvem os casos citados, mas o objetivo é o mesmo.
O Alto Comissariado das Nações Unidas, que a partir de agora
trataremos por sua sigla, ACNUR, entende como situação de refúgio aquelas
pessoas que por fundado temor se veem obrigadas a abandonar seu país de
origem por perseguição política, raça, sexo, conflito armado ou guerra,
pertencimento social. As pessoas ou grupos que se encontram sob ameaça
podem solicitar o refúgio amparadas pelo Direito Internacional dos Refugiados.
O conceito de refúgio e suas bases jurídicas metanacional foram
elaborados após a Primeira Guerra Mundial. Viu-se a necessidade de amparar
grupos vulneráveis através da concessão de asilo e até procedimento de
extradição com intuito de proteger os que encontravam em sua terra natal morte
iminente. O fato histórico supracitado acarretou um desarranjo nas questões
políticas e econômicas dos países, demonstrando assim o aclame pelo estatuto
jurídico que desse conta de tornar a situação do refúgio algo regulado.
Um dos objetivos deste artigo é pensar o conceito de refugiado, contudo
não devemos fazê-lo apenas no aspecto jurídicos, para melhor entendimento
desse conceito devemos concebe-lo em sua totalidade com os devidos diálogos
nas ciências humanas. No que tange a perspectiva sociológica o que nos
auxiliou a perscrutar tal caminho foi a compreensão que o refugiado pode ser
visto por mundos sociais de diferentes virtualidades, o que aqui podemos inferir
é da tensão que este promove e a relação entre excluído ou incluído em
determinando contexto social, ou ainda no espaço da cidade.
Como aporte teórico, Nobert Elias (2000) nos aparece aqui adequado
uma vez que sua sociologia se preocupa em apresentar uma universalidade
contida em um estudo singular, como se aplicássemos as teóricas sociológicas a
partir de um estudo etnográfico de um grupo de refugiados, contudo não é este
o compromisso do presente trabalho.
Insta estabelecer que os dados empíricos não são menos importantes, e
nos enunciam teorias sociológicas que contribuem para entender a realidade
social oriunda de uma tensão e da exclusão, como no caso dos refugiados. A
sociologia de Elias não se concentra em uma etnografia, contudo quando ele o
faz nos remonta questões de extrema importância, como por ilustração a
necessidade de dar atenção aos chamados sociólogos aplicados, profissionais
como jornalistas, que acabam por endossar certas naturalizações que advém dos
estigmas produzidos pelos agentes sociais. No caso dos refugiados muitas são as
participações desses tipos de profissionais principalmente nas questões urbanas.
É possível dizer que as fontes da etnografia como: entrevistas, estatísticas
oficiais, relatórios governamentais, documentos jurídicos e a própria observação
do agente são de grande relevância, a diversidade das fontes nos permite um
mergulhar nas possíveis formações de ponto de vista que constituem a figura
social do refugiado. Deste modo tem-se munição para entender a natureza dos
laços socias que se formam, ou pela dependência que acontece ou pela distinção
e por consequência, exclusão. O pertencimento é outra característica que
fundamenta essa questão, principlamenteo na insersçao desse sujeito no espaço
urbano.
A discussão sobre anomia se encontra em torno de sua metodologia, ela
pode ser descritiva que busca compreender o fenômeno social a partir da forma
social do particular, que por sua vez gera condições sociais específicas, ou
ainda, ela pode referir- se a um estado de ausência, de carência de regras, onde
não há ordem ou qualquer sorte de estrutura. No sentido etnográfico a anomia
descritiva se torna interessante para um estudo de observação de um grupo que
está na atualidade passando por tais questões como a saída do país de origem
para manter sua integridade física, por esclarecimento.
Ora, face as considerações aduzidas a quais dizem respeito ao refugiado
como excluído, para essa proposicação se dá é preciso que se infira a existência
de grupos dicotômicos, que formam uma polaridade e dái as tensões. Podemos
observar os nacionais como um lado desse polo e os estrangeiros, refugiados
como o lado antagônico deste. Estudar essa perspectiva é entender a cidade
como um laboratório de tensões, e buscar nessa tensão compreender as
propriedades gerais da relação de poder que ali se estabelece.
As relações de poder são constituídas por elementos como a
superiodade social e moral, a percepção do próprio sujeito, questões acerca do
reconhecimento, pertencimento ou ainda da ordem da exclusão. A dicotomia
estabelecida pelos nacionais e pelos refugiados, é na verdade, uma distinção
entre o grupo de maioria qualitativa e seu domínio pelo grupo que está marginal
a esta realidade social.
O objetivo do atual deste momento é compreender a lógica da
configuração social que se estabelece na relação da cidade versus refugiado,
isto devida a grande influência que a configuração tem nos aspectos da vida em
comunidade, como por exemplo, a organização da família, da vizinhança e até
mesmo os índices de criminalidade e possibilidades. Ocorre que com o grupo de
refugiados vemos submergir duas qualificações sociais: o preconceito
individual, que está ligado à personalidade do indivíduo; e a estigmatização
grupal, que rotula de forma negativa o outro, uma dissidência de alteridade.
Ainda que diferentes, ambas qualificações geram instabilidade do poder entre
os grupos de certa sociedade.
No caso dos refugiados, a estigmatização grupal é um fenômeno mais
comumente observável, o que não impede que preconceito individual ocorra.
Podemos definí-lo com um mecanismo que identifica certo sujeito, em um
conhecimento espontâneo, do senso comum que atribui identificação a este que
por vezes são pejorativos e formam sua imagem socialmente negativada.
O estigma nada mais é que um instrumento do controle social e reforça
as diferenciações entre seres humanos. Significa dizer que o estigma de
refugiado carrega em si uma compreensão de marginalidade. O refugiado é esse
que foge, que por essa perspectiva (negativa, que não concordamos, mas aqui
apresentamos), pode ser entendido como um criminoso ou como aquele que não
deve ser aceito como igual nos ambientes comuns da cidade.
Essas situações sociais que reforçam a diferença e impõem uma
normalidade são oriundas dos contatos mistos, isto é, do contato entre grupos
diferentes. Estigmatizar o refugiado é fortalecer um processo de superioridade,
nesta relação o grupo de nacionais com este tipo de atuação busca preservar seu
status social privilegiado. Logo, com base na sua opinião interna, entendem-se
eles determinantes os que obtém a verdade dos fatos para manter o status,
gerando assim um ato de controle. Quando se estigmatiza o indivíduo, o aparta
da aceitação social, este agora não está apto para viver em sociedade, ele é o
outro, uma anormalidade social, um inabilitado que não pertence á cidade.
O ponto de concentração aqui deve ser entorno da limitação que o
estigma produz no agir do homem. A partir dessa qualificação o indivíduo está
sendo discriminado e excluído. Essa discriminação afasta-se completamente
das legislações e intenções dos tratados internacionais de aceite do refugiado,
assim como nas cartas regulatórias de direito á cidade.
Ao negar-lhes a participação em seu próprio carisma grupal e suas
normas, os conquistadores empurram os conquistados para a
situação de pessoas anômicas aos olhos delas mesmas e, ao mesmo
tempo, desprezaram-nos por não obedecer às normas que eles
observaram. (ELIAS, 2000, p. 47)
O conceito de refugiado a partir do prisma da estigmatização social é um
processo cognitivo que nos remonta a uma discussão sobre as relações de
poder. Trata-se de uma estrutura psíquica individual que é construída pelas
atitudes sociais. Inicia-se um processo no qual o indivíduo revê suas próprias
ações através de um autocontrole e autopercepção para poder se enquadrar na
normalidade social. Tão logo a reação social adversa promove uma mudança da
concepção de si. O sujeito agora é autodepreciativo e desenvolve um auto-ódio.
Os processos de controle social exercidos pela classe dominante, no caso
em tela, pelos nacionais elitizados, só é possível através de uma coesão social.
Trata-se de um mecanismo integrador no seio da comunidade. Os indivíduos que
se auto entendem iguais se unem para poder determinar que o outro refugiado é
diferente e desta forma reafirmam a superioridade. Apesar de usarmos o
vocábulo grupo a todo momento nese artigo, no âmbito sociológico só é grupo
os dominantes, pois só eles tem coesão social, estão organizados. A identidade
social deles é construída a partir da autopercepção de ocuparem lugares de
prestígio e consequentemente de poder.
Estes aspectos de construção da subjetividade acontecem a partir de
alguns elementos, a saber, uma identidade social construída partindo de uma
tradição, com entendimento histórico da sua superioridade, sendo sempre um
modelo moral para os outros, possuindo os melhores gostos, e no caso dos
nacionais, uma minoria que se entende superior por ser nativo, um sentimento
de pertencimento, que constitui laços sociais internos em uma combinação que
os fortalece para combater o externo, o outro grupo que possui características
relacionais de poder completamente diferentes.
Embora sejam necessárias outras fontes de superioridade de forças
para manter a capacidade de estigmatizar, esta última, por si só, é
uma arma nada insignificante nas tensões e conflitos ao equilíbrio
de poder. Por algum tempo ela pode entravar a capacidade de
retaliação dos grupos de uma parcela menor de poder, bem como
sua capacidade de mobilizar as fontes de poder que estejam em seu
alcance. Pode até ajudar a perpetuar durante algum tempo a
primazia de status de um grupo cuja superioridade de poder já tenha
diminuído ou desaparecido. (ELIAS, 2000, p. 27).
Os refugiados não são entendidos propriamente como um grupo social,
pois não possuem laços sociais intensos por se tratar de um conjunto de
indivíduos heterogêneos, difusos, estigmatizados como se sua humanidade não
fosse suficiente para torná-los semelhantes e pertencentes ao espaço urbano
comum a todos.
Este cenário pode promover embates que desestabilizam as fontes de
poder se o grupo oprimido reagir, porém tal grupo não alcançará o mesmo
status que o grupo dominante, ainda que meça forças com ele, o que acaba por
operar a manutenção das relações de poder vigentes, sem efetividade de
transformação real. Por vezes sendo agressivos, violentos e aumentando o
estigma de não pertencentes à cultura local e ao ambiente cidadino. A
resistência do refugiado pode ser entendida como não civilização ou
comportamento inadequado para essa sociedade e esses espaços.
Em termos das normas de seus opressores, eles se consideram
deficientes, se veem como tendo menos valor. Assim como,
costumeiramente, os grupos estabelecidos veem seu poder superior
como um sinal de valor humano mais elevado, os grupos outsiders,
quando o diferencial de poder é grande e a submissão inelutável,
vivenciam efetivamente sua inferioridade de poder como um sinal
de inferioridade humana. (ELIAS, 2000, p. 164)
Teoricamente a vida na cidade deveria ser pautada no conceito de
comunidade, isto é, organizações, unidades, conjuntos, grupos de indivíduos
habitam o mesmo espaço geográfico e de convivência, não implicando
necessariamente que se estimem. A identificação como pertencentes a um
mesmo grupo não promove como corolário imediato afetos, mas uma
identidade de grupo.
Assim, o abalo que a chegada de grupos distintos daquele até então
estabelecido se dá pela ameaça que o estranho oferece, ainda que não seja de
fato ameaçador, pois “qualquer contato estreito com eles [...] os arrastaria para
baixo, para um status inferior em sua própria estima e na do mundo em geral, e
que reduziria o prestígio [...]” (ELIAS, 2000, p. 167)
Pensar o refugiado nessa perspectiva é se apropriar de um microcosmos e
entendê-lo que pode ser ampliado ao macrocosmos, pois sua dimensão global
permite que se observe em diversas experiências atuações semelhantes na
recepção de refugiados e, desta forma, incorrer em hostilidade e não aceitação,
que por sua vez tem como consequências países que não ratificam os tratados
internacionais. No caso do Brasil, os aspectos de não aceitação atrapalham a
efetividade das leis, gerando problemas de outras ordens. Contudo, a análise
sociológica serve para enfatizar a implementação das leis e sua consequente
efetivação, não interessa-nos uma lei que seja afastada da realidade social, mas
também não podemos desejar que esta seja puramente coercitiva, tão logo o
prisma para esse diálogo é o viés humanitário. Entender o homem pela
aspecto humanitário significa afastá-lo das lógicas capitalistas que criam
fronteiras e fortalecem a xenofobia. A vulnerabilidade que tangencia o
refugiado e o torna alvo de intolerância e violências de todo tipo evidenciam a
necessidade de se operar o ordenamento jurídico em favor de garantir que se
tenha condições que vão além de abrigos fisícos nos espaços geográficos da
cidade, é uma questão de sobrevivência digna. Embora o direito internacional
venha firmando as garantias de direitos desses grupos diaspóricos, a prática de
acolhimento nas Cidades mantêm-se complexa especialmente pela demanda
crescente.
Considerações Finais
O atual artigo buscou analisar o conceito de refugiado no espaço histórico da
cidade, o prisma do direito à cidade cunhado por Lefebvre pesquisou as tensões geradas
no âmbito da cidade com a finalidade de pensar o acesso a esta. As essas tensões
encontradas por esse grupo tornam-se hostis e atrapalha a efetivação do direito de
proteção do refugiado, nesse sentido buscou-se compreender a cidade a partir de seus
aspectos históricos, sua divisão e a efetivação de experimentações de seus espaços
urbanos. Cabe ainda ressaltar que a perspectiva abordada no artigo é da proteção e
manutenção aos direitos básicos que norteiam a dignidade mínima para vida no
território urbano. Nobert Elias apresenta-nos outra perspectiva a ser superado por esse
grupo, o estigma o que articularemos com o conceito de hospitalidade de Derrida. Para
além das mudanças de território forçada o refugiado encara, dentro dessa perspectiva,
inúmeros outros problemas como a questão da habitação, pertencimento, hostilidade,
mobilidade, segregação espacial, acesso às oportunidades de emprego e estudos.
Portanto se tratou de perscrutar um cenário de não exclusão diante da qualidade do
indivíduo refugiado, estudar tal assunto tem o intuito de amenizar a segregação sócio
econômica que afasta esses sujeitos dos centros urbanos, tornando esses espaços hostis e
não acolhedores a sorte da diferença e impedindo uma construção plural do território
urbano. O direito à cidade que está na base de toda discussão aqui presente é um viés
estritamente democrático de acepção, uma vez que trata-se de uma motivação a
conceber o espaço citadino como um lugar que une, o qual se experiência a vivência
humana pelo prisma da coletividade onde o sujeito é ser humano e não possui valor de
troca.
Referências Bibliográficas
AGUIAR, José. A cidade do futuro já existe hoje. Lisboa: ATIC Magazine, nº 24,
p.1-17, 1999.
AIETA, Vânia Siciliano. Cidades inteligentes e o pacto dos prefeitos: uma proposta
de inclusão dos cidadãos rumo à ideia de 'cidade humana'. Direito da Cidade, v. 8,
p. 1622-1643, 2016.
BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente: As estratégias de
mudanças da agenda 21. Editora Vozes,2000.
BOLLE, Wille. A cidade como escrita. In: O direito à memória: patrimônio
histórico e cidadania. São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico / DPH,
1992.
CAMPOS FILHO, Cândido Malta. Cidades brasileiras: seu controle ou o
caos.São Paulo: Studio Nobel, 1992.
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos; conflitos multiculturais da
globalização.Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1995.
DERRIDA, J. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1995 (L’écriture
et la différence. Paris: Seuil, 1997, Writing and Difference. Chicago: Chicago
University Press, 1978).
_______. Da hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zoho, 2000.
GORSDORF, L. F. et AL. Os silêncios da Nova Agenda Urbana da ONU. Jornal
Gazeta do Povo, 6 jul. 2016. Disponivel em: www.agendaonu.br/xAtvqG. Acesso em:
05 set. 2019.
HARDT, Michael, NEGRI, Antonio, Império, Rio de Janeiro: Record, 2001
______. Multidão – guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro, Ed.
Record, 2005.
HARVEY, David. O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente
construído nas sociedades capitalistas avançadas. Espaço & Debates, São Paulo, n.
06, ano II, 1982, p. 06-35.
LEFEBVRE,Henri. A revolução urbana. SãoPaulo: BeloHorizonte: EdUFMG,
1999.
______.O direito à cidade. SãoPaulo: Centauro Editora, 2001.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à
consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006.
ONU – Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: A Agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015.
SMITH, Neil. A gentrificação gentrificação generalização: de uma anomalia local à
regeneração urbana como estratégia urbana global. IN: BIDOU-
ZACHARIASEN,C. De volta à cidade: dos processos de gentrificação às politicas de
revitalização dos centros urbanos. São Paulo: Annablume, 2006.