o redentor, o precursor · 2017-11-05 · as profecias e a “voz clamante”, a que elas se...

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 1 Que circunstâncias influíram para o início da vida pú‑ blica de Jesus? Para responder devemos recuar no tempo e assistir ao nascimento de João Batista. João nascera seis meses antes de Jesus e era filho de Za‑ carias e Izabel, prima de Myriam e, portanto, parente de Jesus. O rei David, ao seu tempo, repartira o serviço sacerdotal entre 24 famílias escolhidas, que se revezavam semanalmente no serviço do templo móvel e, um ano antes do nascimento de Jesus, tocara o serviço à 8ª família, a de Abias, da qual descendia o sacerdote Zacarias. Moravam na aldeia de Karen, a 7 quilometros de Jerusa‑ lém e, ao tempo, eram bastante velhos e não possuíam filhos. Mas no dia em que tocou a Zacarias oferecer os sacrifícios no Altar dos Perfumes dentro do “Santo”, tomou ele as brasas rituais, derramou‑as sobre o altar e, seguindo o rito, quando as trombetas soaram no adro, verteu sobre as brasas os per‑ fumes e prosternou‑se, enquanto os levitas e a multidão can‑ tavam o salmo da vinda do Messias. Mas, quando se levantou, viu à sua frente um espírito angélico; e enquanto dominava, a custo, o seu assombro, ouviu que o anjo dizia que “lhe nas‑ ceria um filho que seria grande aos olhos do Senhor, animado do espírito de Elias e precursor daquele que estava para vir”. O termo “animado do espírito de Elias” dá bem a enten‑ der a lei da reencarnação visto que João foi, de fato, uma reencarnação de Elias, conforme as profecias já haviam anun‑ ciado antes. Espantado com a aparição e duvidando no que via, Za‑ carias externou sua estranheza, considerando sua avançada velhice e isso levou o espírito a declarar que ele ficaria mudo e surdo pela sua falta de fé, até que o menino nascesse. 1 Havendo, logo depois, morrido Izabel e Zacarias, João fi‑ cou orfão e foi levado, então, pelos essênios (a cuja comunida‑ de o sacerdote e sua mulher pertenciam) para o mosteiro do Monte Hermon, na Fenícia, para que se cumprissem também as profecias e a “voz clamante”, a que elas se referiam, viesse mesmo do deserto e onde, assim como também o fazia Jesus, durante 27 anos preparou‑se para sua tarefa, aguardando a hora de começá‑la. E quando esta chegou, as inteligências espirituais que custodiavam a excelsa entidade encarnada, Jesus, deram or‑ dem a João para que descesse para as margens do Alto Jor‑ dão, iniciasse o batismo da purificação (um dos ritos essênios) e anunciasse ao mundo a presença do Messias esperado. * * * A esse tempo tudo estava favorável ao advento: os ro‑ manos já haviam transformado a orgulhosa e rica Israel em simples colonia; suas legiões aguerridas ocupavam todo o território nacional e seus funcionários tinham em mãos os postos administrativos de maior importância. Os invasores, regularmente e com o máximo rigor, cole‑ tavam para Roma pesados impostos, e a própria classe privi‑ 1 Realmente, no dia do nascimento de João, ao cogitar a família sobre o nome a ser‑lhe dado, o velho sacerdote repentinamente recuperou a fala e determinou que se lhe desse o nome de Jochanan. Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira Escola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma 20ª aula: Textos complementares GEAEL Transcrito do livro O Redentor, Edgard Armond Aula 20ª — Entre muitas, a lição que fica: Nada nos acontece por acaso, e nos dói exatamente no local onde mais carecemos de remédio. Onde mais somos atingidos pelo sofrimento é também onde mais necessariamente a corrigenda deve ser feita. Manual Prático do Espírita O Precursor

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 1

Que circunstâncias influíram para o início da vida pú‑blica de Jesus? Para responder devemos recuar no tempo e assistir ao nascimento de João Batista.

João nascera seis meses antes de Jesus e era filho de Za‑carias e Izabel, prima de Myriam e, portanto, parente de Jesus.

O rei David, ao seu tempo, repartira o serviço sacerdotal entre 24 famílias escolhidas, que se revezavam semanalmente no serviço do templo móvel e, um ano antes do nascimento de Jesus, tocara o serviço à 8ª família, a de Abias, da qual descendia o sacerdote Zacarias.

Moravam na aldeia de Karen, a 7 quilometros de Jerusa‑lém e, ao tempo, eram bastante velhos e não possuíam filhos. Mas no dia em que tocou a Zacarias oferecer os sacrifícios no Altar dos Perfumes dentro do “Santo”, tomou ele as brasas rituais, derramou‑as sobre o altar e, seguindo o rito, quando as trombetas soaram no adro, verteu sobre as brasas os per‑fumes e prosternou‑se, enquanto os levitas e a multidão can‑

tavam o salmo da vinda do Messias. Mas, quando se levantou, viu à sua frente um espírito angélico; e enquanto dominava, a custo, o seu assombro, ouviu que o anjo dizia que “lhe nas‑ceria um filho que seria grande aos olhos do Senhor, animado do espírito de Elias e precursor daquele que estava para vir”.

O termo “animado do espírito de Elias” dá bem a enten‑der a lei da reencarnação visto que João foi, de fato, uma reencarnação de Elias, conforme as profecias já haviam anun‑ciado antes.

Espantado com a aparição e duvidando no que via, Za‑carias externou sua estranheza, considerando sua avançada velhice e isso levou o espírito a declarar que ele ficaria mudo e surdo pela sua falta de fé, até que o menino nascesse.1

Havendo, logo depois, morrido Izabel e Zacarias, João fi‑cou orfão e foi levado, então, pelos essênios (a cuja comunida‑de o sacerdote e sua mulher pertenciam) para o mosteiro do Monte Hermon, na Fenícia, para que se cumprissem também as profecias e a “voz clamante”, a que elas se referiam, viesse mesmo do deserto e onde, assim como também o fazia Jesus, durante 27 anos preparou‑se para sua tarefa, aguardando a hora de começá‑la.

E quando esta chegou, as inteligências espirituais que custodiavam a excelsa entidade encarnada, Jesus, deram or‑dem a João para que descesse para as margens do Alto Jor‑dão, iniciasse o batismo da purificação (um dos ritos essênios) e anunciasse ao mundo a presença do Messias esperado.

* * *

A esse tempo tudo estava favorável ao advento: os ro‑manos já haviam transformado a orgulhosa e rica Israel em simples colonia; suas legiões aguerridas ocupavam todo o território nacional e seus funcionários tinham em mãos os postos administrativos de maior importância.

Os invasores, regularmente e com o máximo rigor, cole‑tavam para Roma pesados impostos, e a própria classe privi‑1 Realmente, no dia do nascimento de João, ao cogitar a família sobre o nome a ser‑lhe dado, o velho sacerdote repentinamente recuperou a fala e determinou que se lhe desse o nome de Jochanan.

Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de LimeiraEscola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma

20ª aula: Textos complementaresGEAEL

Transcrito do livro O Redentor, Edgard Armond

Aula 20ª — Entre muitas, a lição que fica:

Nada nos acontece por acaso, e nos dói exatamente no local onde mais carecemos de remédio. Onde mais somos atingidos pelo sofrimento é também onde mais necessariamente a corrigenda deve ser feita.

Manual Prático do Espírita

O Precursor

2 20ª aula: O Precursor

legiada dos sacerdotes em muitos pontos estava sujeita, tam‑bém, aos conquistadores da nação.

Para os romanos os judeus eram um povo atrasado, bár‑baro, dominado por insuportável fanatismo religioso. Com os saduceus — que eram céticos — ainda se entendiam de algu‑ma forma mas, em relação aos fariseus, que eram maioria, um abismo de ódio e revolta ia‑se aprofundando cada vez mais entre ambas as partes.

Em toda a Palestina, nessa época, os judeus se voltavam, cheios de ânsia e desespero, para o Messias prometido. Já ti‑nha havido a conjunção planetária indicial e o Esperado, no caso de ter nascido, já deveria ser um homem adulto, pronto para assumir sua magnífica tarefa libertadora. E a pergunta insistente era proferida em todas e quaisquer circunstâncias: porque então ele não aparecia? Porque não empunhava o ce‑tro de comando e expulsava o invasor, libertando Israel?

“O povo estava à espera” — diz Lucas — “desse grande acontecimento” e, quando a hora chegou, como a tempestade prestes a desencadear‑se sobre a terra envolta em ódio, o tro‑vão rolou do deserto, bramindo: “fazei penitência ... que o ma‑chado já está posto à raiz das árvores”. E as trevas se ilumi‑naram de claridades novas, trazendo as almas multiplicadas esperanças quando a “voz clamante, do deserto” acrescentava: “preparai os caminhos do Senhor, aplanai os caminhos que o reino dos céus está próximo”.

As escrituras diziam que o Messias seria precedido de Elias, o grande profeta da antiguidade, o qual o ungiria e o consagraria. Ora, João, como o próprio Jesus confirmou, era a reencarnação de Elias e, assim sendo, as profecias estavam então recebendo integral cumprimento.

Havia quatro séculos que em Israel não aparecia profeta algum. A Divindade guardava silêncio e o povo, atemorizado e supersticioso, se voltava, cada vez com mais ânsias, para as esperanças do Messias.

Quando, pois, João Batista, que ninguém conhecia, des‑ceu para o rio, lá ao norte, e começou a pregar, o povo acudiu pressuroso e alvoroçado, disposto a ouvir sua mensagem e cumprir à risca suas recomendações. Seus trajes sumários, seu físico agigantado e esquelético, sua aparência austera mas, sobretudo, suas palavras terríveis e seus olhos chame‑jantes, produziam enorme impressão.

Falava do Messias com grande segurança, dando a en‑tender claramente que ele já estava presente e isso, por si só, bastava para incendiar as imaginações e acelerar os corações; por outro lado, como essênio que era, não pregava contra a Thora, limitando‑se a exigir pureza e arrependimento.

Como falava muito de fogo dizendo: “Eu batizo com água, mas Ele batizará com fogo (referindo‑se ao Messias); alimpa‑rá a eira, recolherá o trigo ao celeiro e queimará a palha, num fogo que nunca se apaga; cortará a árvore estéril e a lançará ao fogo”, pensaram que ele era Elias — o profeta que fora arrebatado ao céu em um carro de fogo — o que, então queria dizer que o dia terrível da vinda do Messias tinha chegado. Por isso o alvoroço cresceu.

E com sua voz poderosa, os olhos encovados fixos na multidão, João repetia trechos proféticos do Livro de Enoch,

a respeito do Messias que diziam: “Escolhido Ele foi e oculto de Deus, antes da criação do mundo. Antes que o Sol e os sinais celestes fossem criados, seu nome já tinha sido pronun‑ciado pelo Senhor”. E rematava, elevando os braços numa atitude dramática: “O Filho do Homem, a quem vedes, despo‑ja de seus tronos os reis; manda‑os para as trevas; entrega‑os aos vermes”.

Outros pensavam que ele era o próprio Messias e ficavam aterrorizados com sua figura estranha e impressionante; mas ele dizia bem alto, para que todos ouvissem: — “Eu não sou o Messias, não sou digno de desatar as correias de suas sandá‑lias”. E João sabia o que dizia, porque já conhecia Jesus, de encontros que tiveram há algum tempo, no santuário essênio de onde viera.

* * *

E assim, batizando e pregando a penitência dos pecados e exortando o povo a purificar seus sentimentos, ia o profeta terrível descendo o rio, do norte para o sul, até que parou em Bethabara, no deserto da Judéia, à margem ocidental do Mar Morto; e ali, como em outros lugares por onde passara, for‑mou‑se logo um acampamento para abrigar as multidões que não cessavam de chegar diariamente para vê‑lo e ouví‑lo, devi‑do ao crescente prestígio que já adquirira em toda a Palestina.

João, em suas pregações, demonstrava indômita coragem profligrando a ação dos fariseus e suas corrupções, aos sadu‑ceus o seu ceticismo e aos escribas seu espírito de vergonhoso mercantilismo. Pregava quase abertamente a revolta contra a situação reinante; a vida austera que levava, nutrindo‑se de mel silvestre, bolotas de árvores (gafanhotos) e raizes vege‑tais, isso impressionava grandemente o povo. Usava as ablu‑ções essênias na forma de batismo, mergulhando as pessoas nas águas do rio, após promessa firme de arrependimento de erros passados e compromisso de vida mais reta e perfeita daí por diante, em honra ao Messias.

Para o historiador Flávius Josepho, já citado, “João Ba‑tista era um homem justo, de grande piedade, que exortava os judeus a abraçarem as virtudes, a exercerem a justiça e a receberem o batismo, tornando‑se assim agradáveis a Deus”.

Ele afirmava que João era o cabeça de um partido consi‑derável, cujos membros eram inteiramente devotados às suas ordens e que movimentava essas forças contra a dominação romana e contra Herodes Antipas.

A arrebatadora eloquência de João realmente arrastava após si, dia por dia, multidões consideráveis e em breve sua fama se espalhou por toda a nação e regiões vizinhas. Pregava abertamente contra os romanos, os reis corruptos e o clero, sendo natural que, do ponto de vista político, fosse considera‑do por Josephus um revolucionário.

Esse foi, segundo o mesmo historiador, o principal mo‑tivo que levou Herodes a mandar prender João: o prestígio popular que já adquirira representava realmente poder políti‑co, podendo ele, se o desejasse, levantar as massas do povo e lançá‑las em qualquer direção.

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 3

(continuação da aula anterior — Os essênios)

Ora, por esse tempo, João Batista pregava no Jordão. Esse não era um essênio, mas um profeta popular da raça for‑te de Judá. Arrastado para o deserto por uma piedade bravia, ali levava a mais dura vida, em orações, jejuns e penitências. Sobre a pele nua, tostado pelo sol, trazia em forma de cilí‑cio um vestuário tecido com pêlo de camelo, como sinal da penitência que queria impor‑se a si e ao seu povo. Sentindo profundamente a desgraça de Israel, aguardava a salvação. Conforme a idéia judaica, afigurava‑se‑lhe que em breve vi‑ria o Messias como um vingador e um justiceiro, que, novo Macabeu, sublevaria o povo, expulsaria o romano, castigaria todos os culpados, e depois entraria triunfalmente em Jerusa‑lém, restabelecendo, na paz e na justiça e superior a todos os povos, o reino de Israel.

Anunciava às multidões a próxima vinda do Messias, acrescentando que era necessário prepararem‑se para a sua chegada pelo arrependimento do coração. Pedindo empres‑tado aos essênios o costume das abluções, transformando‑o a seu modo, imaginaria o batismo no Jordão, como um símbolo visível, como uma manifestação pública da purificação inte‑rior que ele exigia. Esta cerimônia nova, esta predicação vee‑mente diante de multidões imensas, no quadro do deserto, em frente das águas sagradas do Jordão, entre as severas monta‑nhas da Judéia e da Peréia, impressionando as imaginações, atraía os povos. Ela recordava os dias gloriosos dos velhos profetas, dando ao povo o que ele não encontrava no templo: o abalo interior e, após os terrores do arrependimento, uma esperança vaga e prodigiosa.

Para escutar o santo do deserto que anunciava o Messias, corria gente de todos os lugares da Palestina e ainda de mais longe. As populações, atraídas pela sua voz, acampavam à sua volta durante semanas para o ouvir todos os dias, não querendo mais ir embora, esperando que o Messias surgisse. Muitos queriam pegar em armas para, sob o seu comando, recomeçar a guerra santa. Herodes Antipas e os sacerdotes de Jerusalém começavam a inquietar‑se com esse movimento popular. De mais a mais, os sinais do tempo eram graves.

Tibério, com setenta e quatro anos de idade, acabava a sua velhice nos deboches de Capréia; Pôncio Pilatos redo‑brava de violência contra os judeus e no Egito os sacerdotes haviam anunciado que a fênix ia renascer das suas cinzas.1

Jesus, que sentia engrandecer interiormente a sua vo‑cação profética, mas que hesitava ainda na estrada a tomar, também veio ao deserto do Jordão, acompanhado de alguns irmãos essênios, que o seguiam já como a um mestre. Quis ver o Batista, ouvi‑lo e submeter‑se ao batismo público, pois de‑sejava entrar em cena por um ato de humildade e de respeito para com o profeta, que ousava levantar a sua voz contra os poderes constituídos e acordar do seu sono a alma de Israel.

1 Tacito, Anais, VI, 28, 31.

Ele viu o asceta rude e cabeludo, com a sua cabeça de leão visionário, em pé sobre um escabelo de madeira, debai‑xo dum tabernáculo rústico, coberto de remagem e de peles de cabra. A sua volta, entre os magros arbustos do deserto, acotovelava‑se uma multidão imensa, todo um acampamento: eram portageiros, soldados de Herodes, samaritanos, levitas de Jerusalém, idumeus, com seus rebanhos de carneiros e até árabes acampados ali com os seus camelos, as suas tendas e as suas caravanas e chamados pela “voz que clama no deser‑to”. E esta voz trovejante, rolando sobre essas multidões, di‑zia: “Emendai‑vos, olhai os caminhos do Senhor, tomai pelas suas veredas.” Chamava aos fariseus e saduceus “uma raça de víboras”, acrescentando que “o machado já estava metido à raiz da árvore”. Do Messias dizia: “Eu só voz batizo com água, porém ele batizar‑vos‑á com fogo”.

Depois, pelo entardecer, Jesus viu massas populares aglo‑merarem‑se junto a uma enseada, nas margens do Jordão, e mercenários de Herodes, salteadores de estrada, curvarem os rudes espinhaços debaixo da água que o Batista lhes vertia. Então aproximou‑se também. João não conhecia Jesus, nada sabia dele; mas por causa da túnica de linho, logo o reconhe‑ceu como um essênio.

Viu‑o, perdido na multidão, meter‑se na água até a cin‑tura e curvar‑se humildemente, a fim de receber a aspersão.

Quando o neófito se levantou, o olhar terrivél do prega‑dor leonino e o olhar do Galileu encontraram‑se. O homem do deserto estremeceu sob esse olhar duma maravilhosa doçura, e da sua boca escaparam involuntariamente estas palavras: Serás tu o Mesias?2 O misterioso essênio não respondeu, mas, inclinando a pensativa cabeça e cruzando as mãos sobre o peito, pediu ao Batista a sua bênção. João sabia que o silêncio era lei para os essênios noviços. Estendeu, pois, solenemente sobre Jesus as suas mãos espalmadas, e o Nazareno, seguido dos seus companheiros, desapareceu por entre os canaviais do rio.

O Batista viu‑o partir com um sentimento que era um misto de dúvida, de secreta alegria e de melancolia profunda. Que era, que valia a sua ciência e a sua esperança profética da luz que tinha admirado nos olhos do desconhecido, luz que parecia iluminar todo o seu ser? Ah! Se o moço e belo galileu era o Messias, ele tinha visto a alegria dos seus dias! Mas o seu papel acabava, a sua voz ia calar‑se. A partir desse dia, pôs‑se a pregar com uma voz mais profunda e mais comovida sobre este tema melancólico: “É necessário que ele cresça e eu diminua,” É que começava a sentir a lassitude e a tristeza dos leões velhos, que, fatigados de rugir, se deitam em silêncio

2 Segundo os evangelhos, João reconheceu imediatamente Jesus como o Messias e como tal o batizou. Sobre este ponto a sua narração é contraditória, porque mais tarde João, prisioneiro de Antipas em Maquerunte, pergunta a Jesus: — És tu aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro? (Mateus, XI, 3). Esta dúvida tardia prova que, se João tinha suspeitado que Jesus fosse o Messias, não estava inteiramente certo disso. Porém, os primeiros redatores dos evangelhos, sendo judeus, procuravam apresentar Jesus como tendo recebido a sua missão e a sua consagração de João Batista, profeta judeu e popular.

João Batista

4 20ª aula: O Precursor

para esperar a morte.Seria o Messias? A pergunta do Batista ressoava tam‑

bém na alma de Jesus. Desde a eclosão da sua consciência, ele achara Deus em si mesmo e a certeza do reino do céu na beleza radiosa das suas visões. Depois, o sofrimento humano tinha lançado no seu coração o grito terrível de angústia. Os sábios essênios tinham‑lhe ensinado o segredo das religiões, a ciência dos mistérios; haviam‑lhe mostrado a decadência espiritual da humanidade, a sua esperança na vinda dum sal‑vador. Mas onde encontrar a força para a arrancar ao abis‑mo? E eis que a interrogação direta de João Batista tombava no silêncio da sua meditação como o raio do Sinai. Seria ele o Messias?

Jesus não podia responder a esta pergunta senão reco‑lhendo‑se ao mais profundo do seu ser. Daí esse retiro, esse je‑jum de quarenta dias, que Mateus resume sob a forma duma legenda simbólica. Realmente a “Tentação” representa na vida de Jesus essa grande crise moral e essa visão soberana da verdade, que todos os profetas, todos os iniciados religiosos, devem infalivelmente atravessar antes de começar a sua obra.

Por cima de Engada, onde os essênios cultivavam o sé‑sano e a vinha, uma vereda escarpada conduzia a uma gruta aberta nos rochedos do monte, à qual davam entrada duas colunas dóricas talhadas na rocha bruta, semelhantes às do Retiro dos Apóstolos, no vale de Josafá. Ela ficava suspensa sobre o abismo a pique, como o ninho de águia. Dali des‑cobriam‑se, no fundo duma garganta, vinhedos e habitações humanas; depois, ao longe, o mar Morto, cinzento e imóvel, e as montanhas desoladas de Moabe. Os essênios tinham esta‑belecido esse retiro para aqueles que queriam submeter‑se à prova da solidão. Por isso havia lá aromas fortificantes, figos secos e um fio d’água, únicos alimentos do asceta em medita‑ção. Foi para ali que Jesus se retirou.

Ele reviu primeiro em seu espírito todo o passado da hu‑manidade; depois mediu a gravidade da hora presente. Roma dominava e com ela aquilo que os magos persas tinham cha‑mado o reinado de Arimã e os profetas o reinado de Satã, o signo da Besta, a apoteose do Mal. As trevas invadiam a humanidade, essa alma da terra.

O povo de Israel recebera de Moisés a missão real e sa‑cerdotal de representar a varonil religião do Pai, do Espírito puro, de a ensinar às outras nações e de a fazer triunfar. Por acaso os seus reis e os seus sacerdotes tinham cumprido esse encargo? Os profetas, únicos que tinham a consciência da missão que fora imposta à sua raça, respondiam abertamen‑te: Não! Israel agozinava sob o joelho de Roma. Conviria ar‑riscar, pela centésima vez, um levantamento em massa, como o sonhavam ainda os fariseus, uma restauração pela força da clareza temporal de Israel, ou deveria declarar‑se filho de Davi e gritar como Isaías: “Eu calcarei os povos com a mi‑nha cólera, dementá‑los‑ei com minha indignação e deitarei por terra a sua força”? Seria porventura melhor tornar‑se um novo Macabeu e fazer‑se nomear pontífice‑rei? Jesus podia tentá‑lo. Ele vira as multidões prontas a levantar‑se à voz de João Batista, e a força que sentia em si era bem maior ain‑da! Mas a violência deveria combater‑se com a violência? A

espada pôr fim ao reinado da espada? Não seria isso fornecer novos recrutas às potências das trevas, que na sombra esprei‑tavam a presa?

Não conviria antes tornar acessível a todos essa verda‑de que até então sempre fora privilégio de alguns santuários de raros iniciados, abrir‑lhes o corações aguardando que ela, pela revelação interior e pela ciência, penetrasse nas consci‑ências isto é pregar o reino dos céus ao simples, substituir o reinado da Graça ao da Lei, transformar a humanidade pelo fundo e pela base, regenerando as almas?

Mas a quem caberia a vitória? A Satã ou a Deus? Ao espírito do mal, que reina como as potências formidáveis da terra, ou ao espírito divino, que reina nas invisíveis legiões celestes e dorme no coração do homem como a faísca no ca‑lhau? Qual seria a sorte do profeta que ousasse rasgar o véu do templo para patentear o vazio do santuário, desafiar a um tempo Herodes e César?

E, no entanto, era preciso! A voz interior não lhe dizia como a Isaías: “Toma um grande volume e escreve nele com uma pena de homem!” A voz do Eterno gritava‑lhe: “Ergue‑te e fala!” Tratava‑se de encontrar o verbo vivo, a fé que trans‑porta as montanhas, a força que derruba as fortalezas.

Jesus pôs‑se a orar com fervor. Então apoderou‑se dele uma inquietação, uma perturbação crescente. Cuidou perder a felicidade maravilhosa em que vivia e mergulhar num abis‑mo de trevas. Envolveu‑o uma nuvem negra. Essa nuvem era feita de sombras de toda espécie e ele distinguiu nela as figu‑ras dos seus irmãos, dos seus mestres essênios, de sua mãe. As sombras diziam‑lhe umas após outras: ‑ “Insensato que queres o impossível! Tu não sabes o que te espera! Renuncia!’’

A invencível voz interior respondia: “É preciso!’’ Ele lu‑tou assim durante uma série de dias e de noites, ora de pé, ora de joelhos, ora prostrado. E mais profundo se tornava o abismo onde descia, e mais se adensava a nuvem à sua volta! Então veio‑lhe a sensação de se aproximar de alguma coisa de terrivel e inominável.

Por fim entrou nesse estado de êxtase lúcido que lhe era próprio, em que a parte profunda da consciência desperta, entra em comunicação com o Espírito vivo das coisas e proje‑ta sobre a teia diáfana do sonho as imagens do passado e do futuro. O mundo exterior desaparece: os olhos fecham‑se. O Vidente contempla a verdade sob a luz que inunda o seu ser e faz da sua inteligência um foco incandescente.

O trovão rolou; a montanha tremeu até à base. Um tur‑bilhão de vento, vindo do fundo dos espaços, transportou o Vidente ao cimo do Templo de Jerusalém. Tetos e minaretes reluziam nos ares como uma floresta de ouro e prata. Saíam hinos do Santo dos Santos. Ondas de incenso subiam de todos os altares e vinham turbilhonar aos pés de Jesus. Envergando vestuário de festa, o povo enchia os pórticos; mulheres sober‑bas entoavam‑lhe hinos de amor ardente. Soavam trombetas e cem mil vozes gritavam: — Glória ao Messias! ao rei de Israel!

— Tu serás esse rei, se quiseres adorar‑me ‑ disse uma voz vinda de baixo.

— Quem és tu? — perguntou Jesus.

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 5

De novo o vento o arrastou, através dos espaços, ao cume duma montanha. A seus pés, os reinos da terra patentea‑vam‑se a um clarão dourado.

— Eu sou o rei dos espíritos e o príncipe da terra — disse a voz de baixo.

— Conheço‑te — repondeu Jesus. — As tuas formas são inumeráveis, o teu nome é Satã. Aparece sob a tua forma ter‑restre.

Então a figura dum monarca coroado surgiu sobre um trono de nuvens. Uma auréola lívida cingia‑lhe a cabeça im‑perial. A face pálida e sombria destacava‑se sobre um nimbo sangrento, o olhar tinha o brilho do fio dum machado. Ele disse:

— Eu sou César. Curva‑te somente, e eu dar‑te‑ei todos estes reinos.

Jesus respondeu:— Afasta‑te, tentador. Está escrito: “Tu não adorarás se‑

não o Eterno teu Deus.”Imediatamente a visão se desvaneceu. Achando‑se só na

caverna de Engada, Jesus disse: — Por que sinal vencerei as potência da terra?

— Pelo sinal do Filho do Homem — respondeu uma voz do alto.

— Mostra‑me esse sinal — replicou Jesus.Então uma constelacão brilhante surgiu no horizonte. Ti‑

nha quatro estrelas em forma de cruz. O Galileu reconheceu o sinal das antigas iniciações, familiar ao Egito e conserva‑do pelos essênios. Na mocidade do mundo, os filhos de Jafé tinham‑no adorado como o sinal do fogo terrestre e celeste, o sinal da Vida em todas as suas alegrias, do Amor em todas as suas maravilhas, Mais tarde, os iniciados egípcios tinham visto nele o símbolo do grande mistério, a Trindade dominada pela Unidade, a imagem do sacrifício do Ser inefável que se divide e reparte para se manifestar nos mundos. Símbolo a um tempo da vida, da morte e da ressurreição, cobria hipo‑geus, túmulos e templos inumeráveis.

A cruz esplêndida, engrandecida, aproxima‑se, como que atraída pelo coração do Vidente. As quatro estrelas vivas fla‑mejavam como sóis de potência e glória.

— Eis o sinal mágico da Vida e da Imortalidade — diz a voz celeste. — Os homens possuíram‑no outrora, mas perde‑ram‑no. Queres tu dar‑lho?

— Sim, quero — disse Jesus.— Então, olha, cotempla o teu destino.Bruscamente as quatro estrelas extinguiram‑se. Fez‑se

noite. Um trovão subterrâneo sacudiu a terra e do fundo do mar Morto saiu uma montanha sombria, sobrepujada por uma cruz negra. Pregado nela, um homem agonizava. Um povo demoníaco cobria a montanha e ululava com um riso infernal: — “Se tu és o Messias, salva‑te!” O Vidente abriu muito os olhos; depois caiu para trás, gotejando um suor frio: Porque esse homem crucificado era ele próprio!...

Compreendera. Para vencer, era necessário identificar‑se com esse duplo terrível, evocado por ele próprio e colocado à sua frente como uma sinistra interrogação. Suspenso na sua incerteza, como no vácuo dos espaços infinitos, Jesus sentiu a

um tempo as torturas do crucificado, os insultos dos homens e o silêncio profundo do céu.

— Tu podes toma‑la ou repeli‑la — disse a voz angélica.Já a visão se desfazia por espaços e a cruz‑fantasma co‑

meçava a empalidecer com o seu supliciado, quando, de sú‑bito, Jesus reviu ao seu lado os doentes do poço de Siloé e, atrás deles, uma multidão de almas desesperadas que mur‑muravam: “Sem ti, nós estamos perdidos. Salva‑nos, tu que sabes amar!” Então o Galileu ergueu‑se lentamente e, abrindo seus braços cheios de amor, exclamou: “A mim a cruz! e que o mundo se salve!” Imediatamente Jesus sentiu um despedaça‑mento de todos os seus membros e soltou um grito terrível... Ao mesmo tempo, a montanha negra submergiu‑se, a cruz abismou‑se; uma luz suave, uma felicidade divina inundaram o Vidente, e, nas alturas do azul, uma voz triunfante atraves‑sou a imensidade, dezendo:

— Satã já não reina! A Morte está vencida: Glória ao Filho do Homem! Glória ao Filho de Deus!

Quando Jesus despertou desta visão, nada mudara à sua volta: o sol nascente dourava as paredes da gruta de Engada; um orvalho tépido, como lágrimas de angélico amor, molhava os seus pés doloridos e do mar Morto levantavam‑se brumas flutuantes. Porém ele é que já não era o mesmo.

Um acontecimento definitivo tinha‑se operado no abis‑mo insondável da sua consciência. Ele resolvera o enigma da vida, conquistara a paz, e a certeza absoluta entrara no seu espírito. Do despedaçamento do seu ser terrestre, que calcara aos pés e deitara ao abismo, surgira uma consciência nova, radiosa: — ele sabia que, por um ato irrevogável da sua von‑tade, se havia tornado o Messias.

Pouco depois, descia à aldeia dos essênios. Soube então que João Batista havia sido mandado prender por Antipas e encarcerado na fortaleza de Maquerunte. Longe de se aterrar com esse presságio, viu antes nele um sinal de que os tempos eram chegados e de que urgia acionar por sua vez. Anunciou, portanto, aos essênios que ia pregar na Galiléia “o Evangelho do reino dos céus”. Isso queria dizer: pôr os grandes Mistérios ao alcance dos simples, traduzir‑lhes a doutrina dos inicia‑dos. Semelhante audácia não se vira desde os tempos de Xá‑quia Múni, o último buda que, amadurecido por uma pieda‑de imensa, tinha pregado nas margens do Ganges. A mesma compaixão sublime pela humanidade animava Jesus, porém ajuntava ainda a esse sentimento profundo uma luz interior, um poder de amor, uma grandeza de fé e uma energia de ação que só a ele pertenciam. Do fundo da morte, que tinha an‑tecipadamente sondado e saboreado, o profeta trazia a seus irmãos a esperança e a vida.

Os Grandes Iniciados (Jesus)Édouard Shuré

Martin Claret

6 20ª aula: O Precursor

As virtudes (II)Ney Pietro Peres — Manual Prático do EspíritaGEAEL

RESIGNAÇÃO

Existem males que não dependem da maneira de agir e que ferem o homem mais justo. Não há algum meio de se preservar deles?— O atingido deve resignar‑se e sofrer sem queixas, se deseja progredir. Entretanto, terá sempre uma consolação da sua própria consciência, que lhe dá a esperança de um futuro melhor, desde que faça o necessário para obtê‑lo!Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. Livro Quarto. Capítulo I. “Penas e gozos terrenos”. Pergunta 924.

A doutrina de Jesus ensina a obediência e a resignação, duas virtudes que são companheiras da doçura, muito ativas, embora os homens as confundam erroneamente com a nega‑ção do sentimento e da vontade. A obediência é o consenti‑mento da razão; a resignação é o consentimento do coração.Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo IX. “Bem‑aventurados os brandos e pacíficos. Obediência e resignação” — Lázaro.

Para sermos resignados precisamos aprender a não la‑mentar a nossa sorte e a aceitar com submissão paciente os sofrimentos da vida.

Pelo que já entendemos do valor que representa o sofri‑mento, no burilamento do nosso espírito, nas ações correti‑vas ao nosso orgulho, como colheita dos males que tenhamos plantado ontem, é a resignação o melhor testemunho da nos‑sa compreensão, a melhor prova do nosso amor a Deus.

Nada nos acontece por acaso, e nos dói exatamente no lo‑cal onde mais carecemos de remédio. Onde mais somos atin‑gidos pelo sofrimento é também onde mais necessariamente a corrigenda deve ser feita.

Quando assim não aplicamos a resignação, desperdiça‑mos o aproveitamento que a prova dolorosa nos oferece e pro‑longamos a experiência retificadora até que o consentimento do coração nos transforme.

Então, como agir?

a) Manter a paciência, por mais demorada que pareça ser a fase de dificuldade pela qual estamos passando;b) Render obediência aos impositivos que possam nos con‑trariar as preferências no trabalho ou em casa;c) Aceitar as incompreensões dos entes mais próximos, nas horas mais amargas, sem esboçar quaisquer reações de revolta;d) Submeter‑se ao despotismo e à rispidez das criaturas agressivas que surjam no nosso convívio;e) Renunciar ao que não podemos possuir, mesmo sendo algo de há muito desejado;f) Conformar‑se com os sacrifícios que devamos fazer nas horas de escassez financeira;g) Não reclamar de quem quer que seja nas épocas de crise social, política ou econômica;

h) Consolar‑se em preces profundamente sentidas com a esperança de que a Providência Divina suprirá nossas neces‑sidades na hora aprazada;i) Recorrer à sustentação vibratória dos amigos espirituais, pela leitura evangélica e pelo estudo doutrinário nas reuni‑ões do lar, quando renovamos nossas forças para resistir aos embates da vida.

As expressões de obediência e resignação nos elevam a alma, como forças de grande impulso transformador, am‑pliando‑nos a capacidade de amar a Deus, de seguir a Jesus e de difundir, entre os homens, a fé, a esperança e a consolação. Com elas valorizamos as nossas provas e completamos nossos resgates; sem elas repetimos oportunidades perdidas e pror‑rogamos nossos ajustes.

SENSATEZ

... Não tenta dar valor ao seu espirito, nem aos seus talentos, a expensas dos outros. Pelo contrário, aproveita todas as ocasiões para fazer sobressair as vantagens dos outros. Não se envaidece jamais com sua sorte, nem com seus predicados pessoais, porque sabe que tudo quanto lhe foi dado pode ser retirado.Usa mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe tratar‑se de um depósito, do qual deverá prestar contas, e que o emprego mais prejudicial para si mesmo, que poderá lhes dar, é pô‑los ao serviço da satisfação de suas paixões.Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo XVII. “Sede perfeitos. O homem de bem”.

Ser sensato nas suas determinações é aquele indivíduo judicioso, que age com cautela e sabedoria. Sabedoria pres‑supõe conhecimento das verdades espirituais e, portanto, da importância dos fatos e ocorrências da vida como meios para nos elevar na escalada da evolução espiritual. Assim, a visão desse ângulo, quando somos chamados a agir, é posição que devemos tomar, para sermos coerentes com a lei divina ou natural que a tudo preside.

É até inadmissível agirmos contrariamente a esse posi‑cionamento, quando já estamos a par dos princípios doutri‑nários espíritas. No entanto, como somos quase sempre en‑volvidos pelos impulsos emocionais que antecedem nossas ações no proceder, deixamos de analisar com prudência os acontecimentos vividos e não aplicamos a sensatez no que fazemos.

De que modo podemos ser sensatos?

a) Pensando cautelosamente nas conseqüências que os nos‑sos atos possam causar de prejudicial a outrem;b) Evitando comentários que possam acarretar dificuldades,

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 7

separações, intrigas, desentendimentos a quaisquer pessoas;c) Afastando as oportunidades que nos induzam a cometer erros e falhas;d) Renunciando aos desejos caprichosos de posse entre as paixões que ainda perduram em nós;e) Pesando com reserva os próprios pensamentos, idéias ou impressões, antes de articulá‑los em palavras, para não vei‑cularmos por hipótese alguma a má informação;f) Agindo com discrição, sem alaridos, discussões ou críticas, nas decisões que nos dizem respeito, que envolvam criaturas humanas;g) Controlando com previdência os hábitos e costumes que possam comprometer nossa saúde física ou nosso equilíbrio emocional;h) Indagando sempre do bom uso que estamos fazendo, com proveito geral, dos bens materiais que nos foram confiados;i) Utilizando os talentos que judiciosamente identificamos em nós, colocando‑os a serviço do bem comum, sem vaidade ou presunção, com circunspecção e modéstia.

Quem já conhece — embora pouco — a destinação espi‑ritual do ser que nos anima o corpo, é naturalmente dirigido a pesar muito bem todos os pensamentos, palavras e atitudes, como decorrência do amadurecimento interior, cujos frutos começamos a cultivar, nos cuidados de tudo que sai de nós: criações ou obras, expressões ou gestos, conversas ou comen‑tários, idéias ou irradiações, que a sensatez pode aprimorar dignificando‑nos à condição de filhos de Deus.

PIEDADE

O sentimento que mais acelera o progresso, domando o ego‑ísmo e o orgulho, dispondo a alma à fraternidade, à benefi‑cência e ao amor do próximo, é a piedade; essa piedade que vos comove até as fibras mais íntimas, diante do sofrimento de vossos irmãos, que vos leva a estender‑lhes a mão carido‑sa e arrancar lágrimas de simpatia.Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capitulo XIII. “Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita. Item 17. A piedade” — Michel.

Esse sentimento que emana dos corações sensíveis em di‑reção aos que estão sofrendo pode refletir em nós com maior ou menor intensidade, variando dos menores lampejos de dó às comoções mais profundas.

O que nos torna mais sensíveis ao sofrimento alheio?Quais os meios de canalizar mais corretamente esses sen‑

timentos, em benefício daqueles que nos tocam a compaixão?Podemos cultivar a piedade? Com que finalidade?Essas talvez sejam algumas indagações que faríamos nes‑

sa época de tantas tribulações e de interesses imediatistas. Pensar no problema dos outros já é difícil, que dirá sentir a dor alheia.

“A piedade é a virtude que mais vos aproxima das almas aprimoradas; é a irmã da caridade que vos conduz a Deus”. (Id., ibid.)

O sentimento, que é manifestação da alma, se amplia na medida em que nos despojamos dos interesses egocéntricos,

abandonamos os apegos aos nossos pertences e nos voltamos para o bem‑estar dos que estão ao nosso redor. As satisfações que nos preenchem a alma transbordam do nosso íntimo, abrangendo os semelhantes, e apenas se completam quando proporcionamos a eles algum benefício. Desponta, então, den‑tro de nós, a devoção, e a piedade cresce, como precursora que é da caridade, a mais sublime das virtudes.

Desse modo devemos, como esforço de aprimoramento, cultivar a piedade, que acelera o nosso progresso espiritual e é indicativa do nosso amor ao próximo.

Como, então, impulsionar a piedade dentro de nós?

a) Estimulando os próprios sentimentos de compaixão para com os males alheios;b) Dirigindo nossa atenção e nosso olhar para os que convi‑vem conosco, analisando‑lhes as preocupações e os receios;c) Dedicando mais tempo em pensar nas aflições dos que nos cercam em vez de nos absorver nas necessidades próprias;d) Interessando‑nos pelos problemas que atormentam as criaturas sem rumo, oferecendo‑lhes apoio e orientação evangélica;e) Permitindo que o nosso coração se enterneça diante das dores e tribulações de nossos semelhantes;f) Visitando parentes, amigos e indigentes, hospitalizados ou em reclusão, levando‑lhes o bálsamo pelas expressões de carinho, restaurando‑lhes a esperança e a resignação com palavras de conforto;g) Estendendo nossas mãos, em auxílio fraterno e amparo, aos que nos comovam as fibras do coração;h) Não sufocando jamais as emoções de pena, para com qualquer pessoa, deixando‑as crescer em nós e transforman‑do‑as em resultados benéficos objetivos.

“Ao contato da desventura alheia, a alma sem dúvida experimenta um estremecimento natural e profundo, que faz vibrar todo o vosso ser e vos afeta penosamente. Mas a com‑pensação é grande, quando conseguis devolver a coragem e a esperança a um irmão menos feliz, que se comove ao aperto da mão amiga, e cujo olhar, ao mesmo tempo umedecido de emoção e reconhecimento, se volta com doçura para vós, an‑tes de se elevar a Deus, agradecendo por lhe ter enviado um consolador, uma sustentação.”(Id., ibid.)

8 20ª aula: O Precursor

Sois bons quando estais totalmente conscientes de vosso discurso.

Khalil Gibran

Os mentores amigos do grupo “voadores”, como o tinham denominado, ao qual pertencia o camboninho Juju, haviam programado uma visita especial naquela noite. Iriam a um asilo de idosos, a fim de estudar e avaliar um pouco da vida de alguns irmãos que ali resgatavam débitos pretéritos, vivendo seus últimos dias terrenos.

Como de praxe, na hora combinada todos foram auxi‑liados a deixar seus corpos físicos e se dirigirem ao terreiro, na sua contraparte astral. Após os preparativos e instruções, rumaram ao asilo.

Observando de longe o ambiente fluídico da construção, tornavam‑se visíveis os matizes diferenciados dos raios que emanavam do local. No setor da enfermaria, onde ficavam isolados os mais adoentados, uma névoa densa envolvia o teto, formando uma espécie de tapume que impedia de entrar ali até a energia solar. O instrutor orientou o grupo esclarecendo que isso era gerado pelos sentimentos de dor e desolação das pessoas do ambiente. Mais adiante, na ala onde se localizavam os quartos dos idosos, as cores variavam conforme a emoção de cada um de seus ocupantes. Porém, havia uma emanação radiante bem no final de uma das alas: era onde se localizava a capela. Eram tantos matizes de cores luminosas jorrando e se entrelaçando rumo ao alto, que mais parecia um espetáculo pirotécnico.

Quando o grupo adentrou, a maioria dos idosos já dor‑mia em seus leitos pelo avançado da hora. Mas o impressio‑nante mesmo era ver que, mesmo desdobrados ou fora do corpo físico, eles vagavam pelos corredores. Alguns iam até a capela rezar, outros tentavam fugir pela porta e poucos haviam saído do ambiente, levados por seus protetores espi‑rituais. Num dos quartos, ao lado do seu corpo, um homem demonstrava grande irritação. Mãos cerradas, rosto tenso, gesticulava e tentava falar com seus fantasmas. Um dos ins‑trutores que trabalhava na linha dos caboclos e atendia pelo nome de Tucuruí, esclareceu:

Amigos, este homem, ainda na meia‑idade, foi vitimado por um câncer em suas cordas vocais e por isso perdeu a possi‑bilidade de expressão pela fonia. Desde então, acelerou um

estado depressivo por não aceitar aquilo que considerava uma injustiça de Deus. Azedou o humor de tal forma que se tornou insuportável à convivência familiar. Até então, ele exercera a atividade de locutor de rádio e a doença, afetando justamente as cordas vocais, veio como um desastrado boi‑cote que o impediu de continuar fazendo o que mais gostava, justamente nos dias em que havia conseguido uma promoção na empresa. Ele nunca se conformou e, sendo um homem materialista e sem religião, o primeiro que culpou pela sua desgraça foi Deus. Embora toda dedicação da amorosa esposa e de seu esforço em buscar auxílio espiritual para uma eventual cura, ele se negava a colaborar, preferindo a revolta e o isolamento. Após a morte da esposa, os filhos, sem paciência, o colocaram no asilo, visitando‑o apenas uma vez ao mês. Obrigado que foi ao silêncio, poderia e deveria aproveitar esse restante de encarnação para meditar e buscar compreender o seu mundo interior, onde residem as respostas ao resgate por que está passando. Mas, por causa da raiva, que faz questão de cultivar, não é possível maiores ajudas por parte de seus tutores espirituais. Assim, ele mesmo programa novos débitos para encarnação futura, uma vez que a dor não tem só objetivo de resgatar ou drenar erros pretéritos, mas é, principalmente, a oportunidade de um “acordar” os talentos ocultos, a capacidade interior que jaz escondida e que, por meio dela, pode vir à tona. Quando aproveitada como ensinamento, o resultado é um salto evo‑lutivo; é o crescimento do espírito que passa a compreender a necessidade de se manter no bem. Se ele aproveitasse esse momento de forma mais pacífica, compreenderia que o silêncio a que estava condicionado veio para lhe ensinar sobre a importância e o valor da voz e de como, sendo ela um

Plantio impensado

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 9

dos sentidos dados ao homem, deveria usá‑la somente para construir, jamais para destruir. Compreenderia que, outrora famoso tribuno e possuidor do poder de convencimento, usou de sua palavra para arrastar multidões ao fanatismo de uma seita por ele criada, por meio da qual extorquiu dinheiro e bens de seus discípulos. Endividou seu espírito, usando, como arma mortífera, sua própria língua. E que mesmo aler‑tado constantemente por seu guia espiritual sobre o erro que estava cometendo, sempre dava como resposta: “Nesta vida todo mundo tem que se ‘dar bem’, e esta foi a maneira que eu achei para mim”. Observamos que essa frase tem sido muito usada pelas pessoas que vivem o aqui e agora. “Se dar bem” é a fórmula. A que preço? Como? Pouco interessa. E assim vai uma multidão de pessoas agindo como um arrastão, apenas para “se dar bem”. Diria eu, na minha pseudosabe‑doria, que infelizmente não pude adquiri‑la nem em bancos escolares nem em livros, mas nas experiências que vivi na carne como um simples lavrador, que as pessoas perderam o rumo. Hoje, no mundo espiritual, fazendo o balanço das vidas encarnadas das quais me é permitido lembrar, consigo perceber que a mais importante para minha evolução foi essa, em que o cultivo da terra me sustentava o pão. Aprendi nela a humildade que só a natureza é capaz de exemplificar, a paciência de esperar a semente desabrochar, crescer, florescer e retornar num saboroso fruto. Aprendi valores que ainda vigoram entre as pessoas criadas no interior. Acordando com o amanhecer e arando a terra, curei‑me da preguiça. Observando as estrelas iluminando as noites, compreendi como somos pequenos diante da grandeza da Criação e do

Criador. Ainda mais que naquela época, hoje tudo é auto‑mático e muito fácil. Todos precisam “ter”, quase ninguém se preocupa em “ser”. Tudo tem que ter retorno imediato e lucrativo e, de preferência, reconhecido e exaltado por mui‑tos. Adoração ao deus‑ego, criando uma nova religião! Por vezes, no silêncio em que trabalhamos no mundo espiritual, nos assusta ainda o alarde com que se trabalha no mundo material, inclusive na caridade. Filhos de boa índole, de coração amoroso e de mãos laboriosas, mas que infelizmente se perdem na necessidade do reconhecimento de seus feitos. Esquecem‑se os irmãos encarnados que todo bem realiza‑do não passa de mera obrigação, sem motivos para exaltação ou publicidade, muito menos de disputa. Quando se prati‑cam atos considerados caridosos, que sejam de bom grado, com o coração livre e limpo de cobranças, para que possam gerar energia “construtiva”. Ou o contrário pode estar se dando, sem que o feitor perceba. Sabemos que “tudo” é ener‑gia. Condensada ou solta no espaço cósmico, está disponível para manipulação constante dos seres pensantes. Portanto, o simples fato de “pensar” já constrói ou destrói. Constatamos, pela observação, pela energia gerada em qualquer trabalho realizado, que muitas vezes as mãos constroem aquilo que o pensamento imediatamente destrói. Ou seja, enquanto se realiza um trabalho manual, se ao mesmo tempo nosso cora‑ção e nosso pensamento não estiverem envolvendo aquilo num sentimento elevado de amor e gratidão, é melhor que não o façamos, pois ali estará sendo impregnado pela nossa energia, que ficará refletindo no ambiente. E tudo que reflete, a nós retorna também e sempre em primeira mão. Nossa lição de hoje, aqui neste lugar onde tantos irmãos ter‑minam seus dias terrenos na tentativa de resgate e também de aprendizado da paciência, resignação e humildade, é essa relacionada ao irmão em foco. Façamos o que nos compete em cada jornada terrena, mas não o façamos simplesmente por fazer. Construamos com as mãos, colocando nelas nossos corações, considerando que tudo que delas sai são sementes. Sejamos lavradores e semeadores no dia de hoje, pois ama‑nhã se dará a colheita.

De mãos dadas, o grupo fez ali, junto àquele irmão sofredor, fervorosa prece pedindo a Jesus que, por intermé‑dio de Seus mensageiros, não faltasse a ele o amparo e novas oportunidades de entendimento ainda na atual encarnação. Depois de outras visitas, de produtivas conversas que possi‑bilitavam que isso acontecesse e da ajuda a muitos doentes, o grupo retornou. Havia muito o que repensar sobre o uso indevido de nossos sentidos e isso se fez no silêncio de cada um, no “voo” de volta para casa.

Enquanto DormesVovó Benta / Leni W. Savinscky

Editora do ConhECimEnto

10 20ª aula: O Precursor

PER GUN TA: — Ten des afir ma do que o Cris tia nis mo é a Reli gião Uni ver sal; e Jesus o seu fun da dor insu pe rá vel. No entan to, mui tos espi ri tua lis tas estu dio sos e sim pá ti cos à filo so fia orien tal afir mam que o Budis mo é um movi men to supe rior. Que dizeis?

RAMATÍS: — Sabe‑se que os homens e suas reli giões evo luem de modo para le lo. Con for me o povo se faz cada vez mais civi li za do, a sua reli gião tam bém pro gri de tanto em seus aspec tos quan to na sua prá ti ca. À medi da que a huma ni da‑de assi mi la e cul tua ideais mais ele va dos, esfor çan do‑se para uma rea li za ção moral mais sadia, tam bém o seu culto e o seu enten di men to da Divin da de mani fes tam‑se sob melhor com‑preen são e bom‑senso. Assim, enquan to as reli giões pri mi ti vas con di zem com os povos atra sa dos, o homem civi li za do do sécu lo XX requer uma dou tri na reli gio sa com pa tí vel com o pro gres so atual.

Os estu dio sos ateís tas acham que a reli gião nunca teve uma ori gem além do enten di men to e dos cos tu mes do pró‑prio homem; mas o homem não é exclu si va men te um orga‑nis mo car nal, porém, um espí ri to atuan do do mundo ocul to na com po si ção pro vi só ria desse corpo denso. Em con se qüên‑cia, o sen ti men to reli gio so é inato no homem e o pre ce de mesmo na sua adap ta ção ao mundo mate rial, como o pro‑vam os sel va gens na sua busca de Deus, ado ran do o vento, o sol e outros fenô me nos da natu re za. O homem civi li za do e inte li gen te dife re nessa mesma pro cu ra deís ta, por que a sua devo ção subli ma‑se em aspec tos mais deli ca dos, como a Luz, Ener gia, Divin da de ou Abso lu to.

Eis por que ainda há lugar para qual quer espé cie de reli‑gião e dou tri na reli gio sa no vosso mundo, uma vez que exis tem na huma ni da de tipos ade qua dos aos mais exó ti cos e excên tri‑cos movi men tos de “pro cu ra” e “rela ção” com o mundo ocul to. No seio do Cato li cis mo, do Pro tes tan tis mo e mesmo do Espi ri‑tis mo, nas cem movi men tos dou tri ná rios à parte,1 como ver ru‑gas situa das no corpo da dou tri na prin ci pal. Ante a psi co lo gia e o tem pe ra men to dos cren tes pri má rios, ainda inca pa ci ta dos 1 Da Reli gião Cató li ca Roma na, pri mi ti va, sur gi ram a Igre ja Cató li ca Bra si lei‑ra, a Orto do xa e o Pro tes tan tis mo; deste, sur gi ram sei tas como os Lute ra nos, os Mor mons, Adven tis tas, Pres bi te ria nos, Batis tas, Con gre ga cio nis tas, Assem bléia de Deus, Tes te mu nhas de Jeová, Ciên cia Cris tã, Meto dis tas e outras. Mesmo na área espi ri tis ta há os kar de cis tas, reden to ris tas, eclé ti cos, mediu nis tas, neo‑espí ri tas; e a pró pria Teo so fia e a Rosa‑Cruz cin di ram‑se em outros movi men tos sepa ra dos.

para se ajus ta rem à matriz reli gio sa ori gi nal, é sufi cien te um indi ví duo faná ti co, excên tri co ou toma do de arrou bos mes siâ‑ni cos, ini ciar um movi men to reli gio so, por mais fan ta sio so ou ridí cu lo, para que, em segui da, não tar dem a apa re cer adep tos que leva rão a sério o empreen di men to absur do, con ven ci dos de que encon tra ram a única Ver da de. Daí a inu ti li da de das dis cus sões reli gio sas quan to a fixar‑se a reli gião mais certa, uma vez que essa con di ção é depen den te, pri mor dial men te, da com preen são e do grau de cul tu ra dos pró prios adep tos. Porém, a des pei to dessa diver si da de de cre dos, o Cris tia nis mo é a única Reli gião Uni ver sal pre va le cen te, no futu ro, por que suas bases são abso lu ta men te incon fun dí veis e imo di fi cá veis. Mesmo que a huma ni da de alcan ce o mais alto índi ce de cul‑tu ra e sabe do ria, jamais repu dia rá con cei tos cris tãos como o “ama ao pró xi mo como a ti mesmo” ou “faze aos outros o que que res que te façam”!

Em qual quer posto de coman do ou grau de cul tu ra, os fun da men tos do Cris tia nis mo con ti nua rão inal te rá veis, por‑quan to acon se lham ou deter mi nam um “esta do de espí ri to” supe rior na cria tu ra huma na, qual quer que seja a sua raça, inte li gên cia ou posi ção social. É uma dou tri na que se ajus ta ao anjo, ao sel va gem, ao senhor, ao escra vo, ao rico, ao pobre, ao santo, ao cri mi no so, ao sábio e ao igno ran te.

Há mui tos sécu los, os pre cur so res de Jesus têm ensi na do máxi mas seme lhan tes. Porém, nenhum deles con se guiu con‑

Jesus e seus precursores

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 11

so li dá‑las em bases indes tru tí veis no enten di men to comum de todos os homens. “Ama ao pró xi mo como a ti mesmo” é sen ten ça de ful gên cia moral eter na, pois o seu sen ti do fra ter no envol ve toda huma ni da de. Jesus, por tan to, fun dou a Reli gião defi ni ti va ou a dou tri na imu tá vel da atua li da de e do futu ro; deu‑nos o meio de rela ções espi ri tuais entre a cria tu ra e o seu Cria dor, a qual quer momen to e em qual quer lati tu de geo grá‑fi ca. As con tra di ções que ainda exis tem entre os reli gio sos que cul tuam o Cris tia nis mo ou des men tem seus con cei tos subli mes são fru tos de inter pre ta ções pes soais e espe cu la ções reli gio sas, que se dis tan ciam da fonte ini ciá ti ca por força de con vic ção faná ti ca ou pre sun ção. Nin guém pode rá “fun dar” ou “inven tar” outro credo mais sábio, justo e sadio do que o Cris tia nis mo, cujo ali cer ce, o Evan ge lho, é um Códi go divi no que, atra vés de seus con cei tos de alta mora li da de, é um refle‑xo vivo das pró prias leis do Cosmo.2

O Cris tia nis mo basea do nas fór mu las do Evan ge lho, imu‑tá vel no tempo e no espa ço, dis pen sa que alguém lhe alte re uma vír gu la ou um til na sua estru tu ra dou tri ná ria. Jesus, seu fun da dor, deve ser con si de ra do o mais ele va do ins tru tor espi‑ri tual do orbe, acima de seus pre cur so res, embo ra estes sejam dig nos do tri bu to devo cio nal, visto terem‑lhe pre pa ra do o cami nho mes siâ ni co. Embo ra o Budis mo seja um movi men to ético‑reli gio so de ele va do alcan ce espi ri tual, falta‑lhe aque la tona li da de da ampli tu de uni ver sal do Cris tia nis mo. Enquan to, para ser cris tão den tro da ética pre ga da por Jesus, o homem de qual quer raça ou posi ção social pode acei tar e viver os seus prin cí pios, o Budis mo está con fi na do a uma espé cie de limi ta‑ção geo grá fi ca, a um tem pe ra men to de raça e gosto. Enquan to o orien tal pode ser tão cris tão quan to o oci den tal, o asiá ti co será sem pre um “ melhor” budis ta do que o lati no, o esla vo ou o ger mâ ni co.

PER GUN TA: — Mas diver sos espi ri tua lis tas do Oci den­te afir mam que Buda é ainda mais evo luí do do que Jesus. Que nos dizeis da dou tri na de Buda?

RAMATÍS: — Não há dúvi da de que Buda é um Ins tru‑tor de alta cate go ria espi ri tual, cujos ensi na men tos extin guem as ilu sões da mente e livram o homem do temor da morte. Ele tam bém pro cu rou con for tar os desa ni ma dos, erguer os fra cos e con so lar os afli tos, pois sua men sa gem tinha algo da “Boa Nova” pre ga da por Jesus. Jovem e prín ci pe, Buda não hesi tou em renun ciar aos ful go res e pra ze res da corte de Kapi la vas tu, a fim de pro cu rar a ver da de reden to ra da vida huma na. Ele adver tiu que “a gló ria do mundo é como uma flor esplên di da pela manhã e mur cha à tarde.” Sua alma entris te ceu‑se dian‑te das desi lu sões e das dores da exis tên cia huma na, em que nada é dura dou ro e tudo ter mi na apa ren te men te sob a laje fria da tumba. Depois de usu fruir dos pra ze res e do con for to pró prios de sua estir pe real, ao tomar con ta to com as rea li‑da des do mundo além dos muros dou ra dos da sua corte, ele viu em torno de si o nas ci men to e a morte, o faus to e a deca‑dên cia, a vida e a dis so lu ção da maté ria. Em todas as ati vi da‑des do mundo, Buda veri fi cou o dese jo e a decep ção, o medo 2 A esse res pei to, Rama tís está ditan do‑nos a obra O Evan ge lho à Luz do Cosmo, na qual estu da o cien ti fi cis mo das máxi mas e dos con cei tos do Evan ge lho.

da dor e o medo da morte, a pai xão e a frus tra ção, o poder efê me ro, a juven tu de fugaz, a velhi ce acu mu la da de sonhos des fei tos ou remor sos cre pi tan tes. As gló rias do mundo encer‑ra vam‑se no sub so lo da sepul tu ra ter re na.

Espí ri to sadio e de alta estir pe side ral, não se con su miu no pes si mis mo e na des cren ça, nem se aba teu dian te do enig‑ma tris te da vida huma na. Sua alma mere ceu os lou vo res do Senhor, por que pes qui sou, des co briu e ensi nou que, embo ra “as coi sas mudem sem ces sar, há sem pre uma ver da de ocul ta e imu tá vel, que dá rea li da de a essas mes mas coi sas”. Assim, a ver da de esta ria em tudo: na pedra, na plan ta e no ani mal, embo ra incons cien tes. Porém, quan to ao homem, este já “sente”, já “sabe” da ver da de, por que ele tem cons ciên cia de ser, de exis tir e de pen sar. A razão dá‑lhe um sen ti do níti do da vida; tem a cons ciên cia do eu; porém ainda engen dra o egoís mo, a injus ti ça e a ini qüi da de até des co brir que, acima do “eu infe rior”, for ja do no mundo tran si tó rio das for mas, exis te o Eu Supe rior, espi ri tual e eter no, por tan to a Ver da de. E que, enquan to tudo é misé ria no mundo de “Sam sa ra”,3 a Ver da de pro por cio na a paz de espí ri to depois que ele vence o erro e “mata” o dese jo, alcan ça do o “Nir va na”.4

PER GUN TA: — Quais as razões que sobre põem Jesus aos seus pre cur so res?

RAMATÍS: — Embo ra con si de ran do‑se a mag ni tu de filo só fi ca de Buda e a sua pas sa gem mes siâ ni ca pela Terra, Jesus viveu toda sua exis tên cia subor di na da ao Supre mo Ideal de ser vir a huma ni da de sofre do ra; afora alguns momen‑tos pra zen tei ros, que teve em sua infân cia, pas sou pela Terra em cons tan te angús tia e pie do sa afli ção por todo o sofri men‑to alheio.

Enquan to os seus pre cur so res ainda mani fes ta vam “dese‑jos” e se envol viam no “Maya”, ou na ilu são de alguns pra ze res da vida huma na, Jesus foi abso lu ta men te imune a qual quer apelo ou ten ta ção da maté ria. Eles só se devo ta ram ao mes‑sia nis mo da reden ção e do escla re ci men to do homem ter re no, depois de expe ri men ta rem as sedu ções da vida car nal. Porém, o filho de Maria e José, desde o berço até à cruz, viveu na mais com ple ta pobre za e entre gue exclu si va men te à tare fa de liber tar os ter rí co las das alge mas do peca do. Buda e outros ilu mi na dos ins tru to res espi ri tuais do Orien te saí ram em busca da Ver da de, depois de algu mas desi lu sões da vida do mundo e quase preo cu pa dos com uma solu ção pes soal.

Jesus, no entan to, desde sua infân cia viveu indi fe ren‑te à sua pró pria feli ci da de, pois os seus sonhos e ideais só obje ti va ram a ven tu ra alheia. Jamais ele pro cu rou sol ver os mis té rios da vida huma na para con ten tar sua pró pria ansie‑da de. Todas as suas ini cia ti vas visa vam ao bem do pró xi mo. Não era um filó so fo acon se lhan do dire tri zes extem po râ neas, 3 Nota de Rama tís: — Sam sa ra, termo sâns cri to, sig ni fi ca lite ral men te “ação de vagar”; é a tran si ção e a muta ção con tí nuas; a pas sa gem pelos mun dos tran si tó rios, que é o físi co, o astral e o pró prio men tal, causa fun da men tal dos renas ci men tos na maté ria e do sofri men to pela igno rân cia da ver da de da vida espi ri tual.4 Nir va na: — É o opos to de San sa ra; é um esta do pere ne de cons ciên cia des per‑ta, o auto co nhe ci men to que liber ta. Não é um esta do de ani qui la men to do ser, como a gota d’água se funde no ocea no; porém, um esta do de plena cons ciên cia espi ri tual; é a vida do Espí ri to liber to das limi ta ções do tempo e do espa ço, com o direi to de trân si to livre no Infi ni to.

12 20ª aula: O Precursor

nem legis la dor enfi lei ran do leis e puni ções para a ata ran ta da huma ni da de, mas sim o com pa nhei ro, amigo fiel e gene ro so, que vivia minu to a minu to aqui lo que ensi na va e ofe re cia a pró pria vida em favor dos humil des e des gra ça dos. Con si de‑ra va a huma ni da de a sua pró pria famí lia.

Moi sés des po sa a filha de um sacer do te media si ta e vive até 120 anos usu fruin do os bens da vida huma na. Zoroas‑tro alcan ça hon ra rias na Terra e casa‑se três vezes. Con fú cio casa‑se aos 19 anos, torna‑se Minis tro da China e desen car na aos 73 anos de idade, após alter na ti vas de gló ria e de hon‑ras polí ti cas. Final men te, o pró prio Buda, edu ca do entre os pra ze res e os ful go res da corte de Kapi la vas tu, casa‑se com a bela prima Yosa da ra. Deixa o lar aos 29 anos e depois de lon gas medi ta ções encon tra a Ver da de espi ri tual aos 35 anos, sob uma árvo re de bô. Entre tan to, Jesus, nas ci do em pau‑pér ri mo lar ope rá rio e par ti ci pan do de árduo ser vi ço domés‑ti co, sem a pos si bi li da de de cul tu ra que mui tos pre cur so res haviam rece bi do nos palá cios afor tu na dos, sente essa mesma Ver da de Espi ri tual desde a infân cia, vive‑a inte gral men te até o sacri fí cio na cruz.

Embo ra oriun do de altas esfe ras angé li cas, nem por isso o ins tin to natu ral do sexo huma no dei xou de aci ca tar o corpo jovem de Jesus, assim como a plan ta sel va gem insis te e tenta domi nar, com sua força agres si va, o enxer to da muda supe‑rior. No entan to, ele matou o dese jo car nal e ven ceu o pró prio “Maya”, a Ilu são da vida huma na, que Buda só fez aos vinte e nove anos, depois de desi lu di do dos pra ze res do mundo e impres sio na do pelas cha gas e maze las do seu povo. Jesus, no entan to, foi casto duran te toda sua vida, pois viveu uma só emo ção, aca len tou um só pen sa men to e teve um só dese jo: a feli ci da de do pró xi mo! Buda, embo ra fosse tam bém um excel‑so e genial ins tru tor espi ri tual, pri mei ra men te con ten tou os dese jos do corpo e os bens do mundo. O seu mes sia nis mo, na ver da de, ini ciou‑se depois da satu ra ção dos seus sen ti dos físi‑cos. Jesus, no entan to, subor di nou toda sua exis tên cia ao ideal inces san te de pro mo ver a feli ci da de dos homens. Sem dúvi da, não houve des dou ro para Buda, pelo fato de ter casa do e pro‑cria do e só sen tir‑se des per to pelo fogo sagra do da vida espi ri‑tual depois que conhe ceu as dores e as ilu sões da vida huma na. No entan to, nin guém jamais foi tão herói co, puro e hones to na doa ção de sua vida ao pró xi mo, como o fez Jesus.

Os ilu mi na dos que ante ce de ram Jesus quase sem pre foram de aspec tos vigo ro sos e tipos bem nutri dos, que pre ga‑ram a sabe do ria com certo oti mis mo espi ri tual, sem mui tas hos ti li za ções do meio e dos homens, ao passo que o Mes tre Gali leu atra ves sou sua época qual junco bati do pelos ven tos géli dos das ingra ti dões huma nas. Ele era um per fil deli ca‑do, tipo de anjo semi fe bril e angus tia do no exí lio ter re no, a refle tir em seu olhar as dores do mundo, a igno rân cia, a hipo cri sia e a mal da de dos homens. Diz a bio gra fia de Buda que ele caiu em medi ta ção e expi rou tran qüi la men te, depois de ter dito: “A des trui ção é ine ren te ao todo com pos to; porém a Ver da de dura rá sem pi ter na men te. Tra ba lhai com afin co por vossa liber ta ção!” Jesus, no entan to, expi rou na cruz, entre dores e sofri men tos acer bos, mas reu nin do suas for ças der ra‑

dei ras e mal gra do ser a víti ma ino cen te da mal da de huma na no arre ma te de uma exis tên cia de incon di cio nal amor aos homens, expres sou‑se assim: “Pai! Per doai‑lhes, por que eles não sabem o que fazem!”

Em ver da de, ele car re gou nos ombros o fardo das maze‑las huma nas, enquan to a maio ria dos gênios, sábios e san tos tecia suas men sa gens liber ta do ras no silên cio amigo do lar, no refú gio da Natu re za ou no ambien te ins pi ra ti vo dos con‑ven tos e das ins ti tui ções fra ter nis tas. Jesus gra vou suas idéias e pen sa men tos ao vivo, dia a dia, minu to a minu to, sob o sol arden te, sob a chuva copio sa ou na terra escal dan te; junto aos men di gos, pros ti tu tas e publi ca nos; entre lepro sos, cha ga dos e lou cos. Os pobres, os mise rá veis e os deses pe ran ça dos foram a arga mas sa de sua edi fi ca ção espi ri tual.

Indis cu ti vel men te, o Mes tre Jesus foi o Espí ri to de maior qui la te jamais pou sa do na Terra, pois desde o seu nas cer até mor rer, ele viveu exclu si va men te a idéia crís ti ca, repre sen ta‑ti va da Ver da de e da Von ta de do Pai.

Jesus, tendo sido o sin te ti za dor do ensi no des ses pre cur so‑res, não veio, pois, criar coi sas novas ou des truir coi sas velhas, mas sim ples men te con so li dar o velho e puro ensi na men to sem pre laten te na tra di ção reli gio sa dos tem plos. No pró prio Ser mão da Mon ta nha ele o con fir ma, lem bran do que não viera des truir os pro fe tas, mas con fir mar o que eles haviam dito. Isto quer dizer que seus ensi na men tos devem ser acei tos incon di‑cio nal men te, des pi dos de vícios, de dis tor ções, de dog mas, de pres cri ções ou de litur gias, pois repre sen tam uma liber ta ção com ple ta do modo de pen sar e de viver.

É óbvio que tudo o que já haviam dito Manu, Antú lio, Numu, Orfeu, Her mes, Rama, Zoroas tro, Kris hna, Buda, Fo‑Hi, Lao‑Tse, Con fú cio, Moi sés, Pitá go ras, Pla tão, Sócra tes ou Maomé, ele o fez pro tes tan do vee men te men te con tra os apa ra tos ceri mo niais e o exaus ti vo sim bo lis mo, que sufo cam a bele za pura do ensi no doado pelo Alto. Seu olhar espraiou‑se pelo mundo e mer gu lhou no pas sa do, veri fi can do, com tris te za, que a semen tei ra gene ro sa do ensi na men to divi no era sem pre asfi xia da pelos homens com o luxo naba bes co dos san tuá rios faus to sos e dos sacer do tes que viviam da ido la tria de todos os tem pos. O seu Evan ge lho está impli ci ta men te exem pli fi ca do no seu modo de amar e de viver. Aque le con tí nuo silên cio e o seu estoi cis mo ante a inu ti li da de de rea gir con tra a estu pi dez huma na falam‑nos com mais força do que a mul ti pli ci da de de pala vras sen ten cio sas que lhe qui se ram atri buir, copian do‑as da boca de outros ini cia dos meno res. A força eter na de Jesus — já o dis se mos — situa‑se fun da men tal men te na sua incon di‑cio nal pro te ção à pobre za, à des gra ça, à infe li ci da de huma na. Basta isso para rea vi var‑lhe nova men te a bele za crís ti ca, pois o mundo des gra ça do de hoje já com preen deu que só o Amor de Jesus o sal va rá!

O Sublime PeregrinoRamatís / Hercílio Maes

17ª edição — 2006, p.210‑216Editora do ConhECimEnto

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 13

Sabíamos, por evocações anteriores, que Bernard Palissy, o célebre oleiro do sexto século, habita Júpiter. As respostas seguintes confirmam, em todos os pontos, o que nos foi dito, sobre esse planeta, em diversas épocas, por outros espíritos, e por intermédio de diferentes médiuns. Pensamos que serão lidas com interesse, como complemento do quadro que traçamos em nosso último número. A identidade que elas apresentam com as descrições anteriores, é um fato notável que é, pelo menos, uma presunção de exatidão.

1. Onde te encontraste, deixando a Terra?— R. Nela ainda habitei.2. Em que condições estavas?— R. Sob os traços de uma mulher, amante e devotada; não era senão uma missão.3. Essa missão durou muito tempo?— R. Trinta anos.4. Lembras do nome dessa mulher?— R. É obscuro.5. A estima que se tem por tuas obras, te satisfaz, e isso compensa os sofrimentos que suportaste?— R. Que me importam as obras materiais de minhas mãos! O que me importa é o sofrimento que me elevou.6. Com qual objetivo traçaste, pela mão do senhor Victorien Sardou, os admiráveis desenhos que nos deste sobre o planeta Júpiter, que tu habitas?— R. Com o objetivo de inspirar o desejo de vos tornardes melhores.

7. Uma vez que voltas sempre sobre a nossa Terra, que habitaste diversas vezes, deves conhecer bastante o seu estado físico e moral para estabelecer uma comparação entre ela e Júpiter; rogamos, pois, consentir em nos esclarecer sobre diversos pontos.— R. Sobre vosso globo, não venho senão em espírito; o espírito não tem mais sensações materiais.

ESTADO FÍSICO DO GLOBO

8. Pode‑se comparar a temperatura de Júpiter com a de uma de nossas latitudes?— R. Não; ela é branda e temperada; sempre igual, e a vossa varia. Lembrai‑vos os campos Elysées que vos foi descrito.9. O quadro que os Antigos nos deram dos campos Elysées seria o resultado do conhecimento intuitivo que tinham de um mundo superior, tal qual Júpiter, por exemplo?— R. Do conhecimento positivo; a evocação permaneceu nas mãos dos sacerdotes.10. A temperatura varia segundo as latitudes, como aqui?— R. Não.11. Segundo os nossos cálculos, o Sol deve aparecer aos habitantes de Júpiter sob um ângulo muito pequeno, e dar‑lhe, por conseqüência, pouca luz. Podes nos dizer se a intensidade da luz é igual a da Terra, ou se é menos forte?— R. Júpiter está cercado de uma espécie de luz espiritual, em relação com a essência dos seus habitantes. A luz grosseira do vosso Sol não foi feita para eles.12. Há uma atmosfera?— R. Sim.13. A atmosfera é formada dos mesmos elementos da atmosfera terrestre?— R. Não; os homens não são os mesmos; suas necessidades mudaram.14. Há água e mares?— R. Sim.15. A água é formada dos mesmos elementos da nossa?— R. Mais etéreos.16. Há vulcões?— R. Não; nosso globo não é atormentado como o vosso; a natureza não teve suas grandes crises; é uma morada de bem‑aventurados. A matéria nele mal se toca.17. As plantas têm analogia com as nossas?— R. Sim, porém mais belas.

ESTADO FÍSICO DOS HABITANTES

18. A conformação do corpo dos habitantes tem relação com a nossa?— R. Sim, é a mesma.19. Podes nos dar uma idéia do seu talhe, comparado ao dos habitantes da Terra?— R. Grandes e bem proporcionados. Maiores do que os maiores dos vossos homens. O corpo do homem é como a marca do seu espírito: belo onde ele é bom; o envoltório é digno dele; não é mais uma prisão.20. Os corpos ali são opacos, diáfanos ou translúcidos?

DESCRIÇÃO DE JÚPITER

14 20ª aula: O Precursor

— R. Há de uns e de outros. Uns têm tal propriedade, os outros tal outra, segundo sua destinação.21. Concebemos isso para os corpos inertes, mas nossa questão é relativa aos corpos humanos.— R. O corpo envolve o espírito sem escondê‑lo, como um véu leve lançado sobre uma estátua. Nos mundos inferiores, o envoltório grosseiro oculta o espírito aos seus semelhantes; mas os bons nada têm a esconder: podem ler no coração uns dos outros. Que seria isso se fosse assim nesse mundo!22. Há sexos diferentes?— R. Sim; há por toda parte onde a matéria exista; é uma lei damatéria.23. Qual é a base da alimentação dos habitantes? É animal e vegetal como aqui?— R. Puramente vegetal; o homem é o protetor dos animais.24. Foi‑nos dito que haurem uma parte da sua alimentação no meio ambiente, do qual aspiram as emanações; isso é exato?— R. Sim.25. A duração da vida, comparada à nossa, é mais longa ou mais curta?— R. Mais longa.26. De quanto tempo é a vida média?— R. Como medir o tempo?27. Não podes tomar um dos nossos séculos por termo de comparação?— R. Creio que em torno de cinco séculos.28. O desenvolvimento da infância é proporcionalmente mais rápido do que entre nós?— R. O homem conserva a sua superioridade; a infância não comprime a sua inteligência, a velhice não a extingue.29. Os homens estão sujeitos a doenças?— R. Não estão sujeitos aos vossos males.30. A vida se divide entre a vigília e o sono?— R. Entre a ação e o repouso.31. Poderias nos dar uma idéia das diversas ocupações dos homens?— R. Seria preciso dizer muito. Sua principal ocupação é encorajar os espíritos que habitam os mundos inferiores a perseverarem no bom caminho. Não tendo infortúnio a aliviar entre eles, vão procurar onde se sofre; são os bons espíritos que vos sustentam e vos atraem ao bom caminho.32. Ali se cultivam certas artes?— R. São inúteis. Vossas artes são futilidades que distraem vossas dores.33. A densidade específica do corpo do homem, lhe permite transportar‑se, de um lugar ao outro, sem permanecer, como aqui, atado ao solo?— R. Sim.34. Experimenta‑se o dissabor e o desgosto da vida?— R. Não; o desgosto da vida não vem senão do desprezo de si mesmo.35. Sendo os corpos dos habitantes de Júpiter menos densos do que os nossos, são formado de matéria compactada e condensada ou vaporosa?— R. Compacta para nós; mas para vós ela não o seria; é menos condensada.36. O corpo, considerado como forma de matéria, é impenetrável?— R. Sim.

37. Os habitantes têm uma linguagem articulada como nós?‑R. Não; há, entre eles, comunicação de pensamentos.38. A segunda vista é, como se nos disse, uma faculdade normal e permanente entre vós?— R. Sim; o espírito não tem mais entraves; nada está oculto para ele.39. Se nada está oculto para o espírito, conhece, pois, o futuro? (queremos falar dos espíritos encarnados em Júpiter)— R. O conhecimento do futuro depende da perfeição do espírito; tem menos inconvenientes para nós do que para vós; é‑nos mesmo necessário, até um certo ponto, para o cumprimento de missões que temos a cumprir; mas dizer que conhecemos o futuro sem restrições, seria nos colocar na mesma posição que Deus.40. Podeis revelar tudo o que sabeis do futuro?— R. Não; esperai até que tenhais merecido sabê‑lo.41. Comunicai‑vos mais facilmente do que nós com os outros espíritos?— R. Sim! sempre: a matéria não está mais entre eles e nós.42. A morte inspira o horror e o pavor que causa entre nós?— R. Por que seria ela apavorante? O mal não existe mais entre nós. Só o mau vê o seu último momento com pavor; ele teme seu juiz.43. Em que se tomam os habitantes de Júpiter depois da morte?— R. Crescem sempre em perfeição sem mais suportar provas.44. Não há, em Júpiter, espíritos que se submetem a provas para cumprirem uma missão?— R. Sim, mas isso não é mais uma prova; só o amor ao bem leva‑os a sofrer.45. Podem falir em sua missão?— R. Não, uma vez que são bons; não há fraqueza senão onde há defeito.46. Poderias nomear‑nos alguns espíritos, habitantes de Júpiter, que cumpriram uma grande missão na Terra?— R. São Luís.47. Poderias nomear‑nos outros?— R. Que vos importa! Há missões desconhecidas que não têm por objetivo senão a felicidade de um só; estas são, por vezes, maiores: são as mais dolorosas.

OS ANIMAIS

48. Os corpos dos animais são mais materiais do que os dos homens?— R. Sim; o homem é o rei, o deus terrestre.49. Entre os animais há os carniceiros?— R. Os animais não se despedaçam entre si; todos vivem submissos ao homem, amando‑se mutuamente.50. Mas há animais que escapam à ação do homem, como os insetos, os peixes, os pássaros?— R. Não; todos lhe são úteis.51. Foi‑nos dito que os animais são os servidores e operários que executam os trabalhos materiais, construindo as casas etc.; isso é verdade?— R. Sim; o homem não se rebaixa mais servindo seu semelhante.52. Os animais servidores são ligados a uma pessoa ou a uma família, ou são tomados e trocados à vontade, como aqui?‑R. Todos são ligados a uma família particular; mudais por

Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 15

achar melhor.53. Os animais servidores, ali, estão num estado de escravidão ou de liberdade; são uma propriedade, ou podem mudar de senhor à vontade?— R. Estão no estado de submissão.54. Os animais trabalhadores recebem uma remuneração qualquer por seus esforços?— R. Não.55. Desenvolvem‑se as faculdades dos animais por uma espécie de educação?— R. Eles o fazem por si mesmos.56. Os animais têm uma linguagem mais precisa e mais caracterizada do que a dos animais terrestres?— R. Certamente.

ESTADO MORAL DOS HABITANTES

57. As casas, das quais nos deste uma amostra por seus desenhos, estão reunidas em cidades, como aqui?— R. Sim; os que se amam se reúnem; só as paixões fazem solidão ao redor do homem. Se o homem, ainda que mau, procura seu semelhante, que não é para ele senão um instrumento de dor, por que o homem puro e virtuoso fugiria do seu irmão?58. Os espíritos são iguais ou de diferentes graus?— R. De diferentes graus, mas de uma mesma ordem.59. Rogamos consentir reportar‑te à escala espírita que demos no segundo número da Revista, e nos dizer a qual ordem pertencem os espíritos encarnados em Júpiter?— R. Todos bons, todos superiores; o bem desce, algumas vezes, no mal; mas o mal jamais se mistura ao bem.60. Os habitantes formam diferentes povos, como na Terra?‑R. Sim; mas todos unidos entre si por laços de amor.61. Assim sendo, as guerras ali são desconhecidas?— R. Pergunta inútil.62. O homem poderá chegar, na Terra, a um bastante grande grau de perfeição, para abster‑se de guerras?— R. Seguramente chegará; a guerra desaparece com o egoísmo dos povos e à medida que compreendem melhor a fraternidade.63. Os povos são governados por chefes?— R. Sim.64. Em que consiste a autoridade dos chefes?— R. No grau superior de perfeição.65. Em que consistem a superioridade e a inferioridade dos espíritos em Júpiter, uma vez que são todos bons?— R. Têm mais ou menos de conhecimentos e de experiência; se depuram em se esclarecendo.66. Há, como na Terra, povos mais avançados do que os outros?— R. Não; mas nos povos há diferentes graus.67. Se o povo mais avançado da Terra se visse transportado para Júpiter, que categoria nele ocuparia?— R. A classe dos macacos entre vós.68. Os povos são governados por leis?— R. Sim.69. Há leis penais?— R. Não há mais crime.70. Quem faz as leis?— R. Deus as fez.71. Há ricos e pobres, quer dizer, homens que têm abundância

e o supérfluo, e outros a quem falta o necessário?— R. Não; todos são irmãos; se um tiver mais do que outro, ele partilhará; mas não se alegraria quando seu irmão desejasse.72. Segundo isso, as fortunas ali seriam iguais para todos?— R. Eu não disse que todos eram ricos no mesmo grau; perguntastes se há os que têm o supérfluo e outros a quem falta o necessário.73. Essas duas respostas nos parecem contraditórias; rogamos concordá‑las.— R. A ninguém falta o necessário; ninguém tem o supérfluo, quer dizer que a fortuna de cada um está em relação com a sua condição. Estais satisfeitos?74. Compreendemos agora; mas perguntaremos, ainda, se aquele que tem o menos não é infeliz relativamente àquele que tem o mais?— R. Não pode ser infeliz, desde que não é nem invejoso, nem ciumento. A inveja e o ciúme fazem mais infelizes do que a miséria.75. Em que consiste a riqueza em Júpiter?— R. Que vos importa!76. Há desigualdades de posições sociais?— R. Sim.77. Em que são fundadas?— R. Nas leis da sociedade. Uns são mais ou menos avançados na perfeição. Aqueles que são superiores têm, sobre os outros, uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos.78. Desenvolvem‑se as faculdades do homem pela educação?— R. Sim.79. O homem pode adquirir bastante perfeição na Terra, para merecer passar imediatamente para Júpiter?— R. Sim, mas o homem, na Terra, está submetido a imperfeições para que esteja em relação com seus semelhantes.80. Quando um espírito que deixa a Terra deve ser reencarnado em Júpiter, fica errante durante algum tempo antes de ter achado o corpo ao qual deve se unir?— R. Fica durante um certo tempo, até que esteja liberto de suas imperfeições terrestres.81. Há várias religiões?— R. Não; todos professam o bem, e todos adoram um único Deus.82. Há templos e um culto?— R. Por templo há o coração do homem; por culto o bem que ele faz.

Conversas familiares de além‑túmuloRevista Espírita, abril de 1858

Bernard Pallissy1 (9 de março de 1858).

1 Bernard Palissy (1510 — 1590) Artesão, decorador, engenheiro, agrônomo, naturalista, geólogo, químico e escritor francês, nascido em Agen, Lacapelle‑Biron, um dos principais ceramistas franceses. Inicialmente trabalhou na manu‑fatura de vidros coloridos e esmaltes em louças. Depois se estabeleceu em Paris, onde surpreendeu como conferencista de história natural. Passou a estudar a técnica da cerâmica (1540), quando se deixou fascinar por uma peça de faiança esmaltada. Demonstrou grande interesse por geologia, publicou trabalhos sobre a origem das águas dos rios, sobre poços artesianos e sobre construção de fontes para abastecimentos de água domésticos. Estudou fósseis sendo pioneiro na afirmação de que alguns deles relacionavam‑se com formas vivas e outros com espécies extintas. Com seus estudos sobre fósseis abriu caminho para a pale‑ontologia. Historicamente seus trabalhos mais importantes estão na química experimental com estudos sobre sais, medicamentos e adubos e no trabalho de desmoralização dos alquimistas. Huguenote, em função de perseguições religio‑sas, tornou‑se protegido de Catarina de Medici e conseguiu assim escapar ao massacre da noite de são Bartolomeu (1572), porém foi preso como protestante convicto que era (1888) e morreu na Bastilha, dois anos após.

16 20ª aula: O Precursor

Transcrito de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec

1. Ouvistes o que foi dito: “Amareis vosso próximo e odiareis vossos inimigos”. Mas eu vos digo: “Amai vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam, e orai por aqueles que vos perseguem e caluniam, para serdes filhos de vosso Pai, que está nos Céus, que faz com que o Sol se erga todos os dias sobre os bons e os maus e faz chover sobre os justos e os injustos. Pois, se amardes somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também não fazem isso? E se saudardes apenas os vossos irmãos, o que fazeis mais do que os outros? Os pagãos também não fazem isso? Eu vos digo que, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos Céus”. (Mateus, 5:20, 43‑47).

2. Se amardes somente os que vos amam, que mérito haveria nisso, já que as pessoas de má vida também amam aqueles que as amam? Se só fizerdes o bem aos que vos fazem, que mérito haveria nisso, uma vez que as pessoas de má vida fazem a mesma coisa? E se prestardes favores apenas àque‑les de quem esperais receber o mesmo, que mérito haveria nisso, já que as pessoas de má vida também colaboram entre si para receber a mesma vantagem? Mas, quanto a vós, amai vossos inimigos; fazei o bem a todos; e emprestai sem nada esperar. Então, vossa recompensa será muito grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom com os ingratos, e até

mesmo com os maus. Sede, pois, misericordiosos como o vosso Deus! (Lucas, 6:32‑36).

3. Se o amor ao próximo é o princípio da caridade, amar os inimigos é a sua aplicação máxima, pois essa virtude é uma das maiores vitórias alcançadas contra o egoísmo e o orgulho. Entretanto, as pessoas geralmente se enganam quanto ao sentido da palavra amar aplicada nessa circuns‑tância. Jesus não quis dizer, com essas palavras, que se deve ter pelo inimigo o mesmo carinho que se tem por um irmão ou por um amigo, pois carinho pressupõe confiança. E não podemos ter confiança em alguém que sabemos que não nos quer bem; não podemos dar‑lhe demonstrações de amizade, porque sabemos que é capaz de abusar disso. Entre as pes‑soas que desconfiam umas das outras, não pode existir as mesmas manifestações de simpatia que existe entre pessoas que partilham das mesmas idéias. Não podemos, enfim, ao encontrar um inimigo, sentir prazer igual ao que sentimos quando encontramos um amigo, uma vez que esse sentimen‑to tem origem na lei física da atração e repulsão dos fluidos. Por isso, o pensamento maldoso gera uma corrente fluídica cujo efeito é desagradável, e o pensamento benevolente nos envolve com uma emanação agradável. Aí está a razão pela qual experimentamos diferentes sensações diante da aproxi‑mação de um amigo ou de um inimigo.

Amar os inimigos não pode, pois, significar que não devemos fazer distinção alguma entre eles e nossos amigos. Esse ensinamento do Cristo só parece difícil ou impossível de ser posto em prática, porque se pensa, erradamente, que ele manda que se dê, tanto ao inimigo como ao amigo, o mesmo lugar no coração. Se a pobreza da linguagem humana nos obriga a usar a mesma palavra para exprimir várias nuances de um mesmo sentimento, cabe à razão, diante de cada caso, estabelecer a diferença. Dessa forma, amar os inimigos não significa ter por eles uma afeição que não é espontânea, pois o contato com um inimigo faz o coração bater de maneira bem diferente do que acontece quando se trata de um ami‑go. Amar os inimigos é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; é perdoar‑lhes, sem segun­das intenções e incondicionalmente, o mal que nos fazem; é não opor nenhum obstáculo à reconciliação; é desejar‑lhes o bem, e não o mal; é alegrar‑se, ao invés de aborrecer‑se, com as coisas boas que lhes aconteçam; é estender‑lhes a mão caridosa em caso de necessidade; é evitar tudo o que possa prejudicá‑los, seja por palavras ou atos; é, enfim, retribuir‑lhes todo o mal com o bem, sem a intenção de humilhá­los. Quem fizer isso, cumpre as condições do mandamento Amai os vossos inimigos.

Amar os inimigos é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança;é perdoar‑lhes, sem segundas intenções e incondicionalmente, o mal que nos fazem...