o rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio canal fluminense

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Cássio Cornachi do Nascimento O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense Rio de Janeiro 2011

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O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense.

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Page 1: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Cássio Cornachi do Nascimento

O rádio na era da convergência digital:

um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Rio de Janeiro

2011

Page 2: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Cássio Cornachi do Nascimento

O rádio na era da convergência digital:

um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Estácio de Sá como requisito

para obtenção do 3º grau no curso de

Comunicação Social – habilitação em

Jornalismo

Orientador: Prof. Marcio Gonçalves

Rio de Janeiro

2011

Page 3: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Cássio Cornachi do Nascimento

O rádio na era da convergência digital:

um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Estácio de Sá como requisito

para obtenção do 3º grau no curso de

Comunicação Social – habilitação em

Jornalismo

BANCA EXAMINADORA

Prof. Marcio Gonçalves

Orientador

Universidade Estácio de Sá

Francisco Aiello

Universidade Estácio de Sá

Gabriela Toledo

Universidade Estácio de Sá

Rio de Janeiro, 08 de dezembro de 2011.

Page 4: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelos ensinamentos que certamente vão além de qualquer aprendizado

universitário.

À minha avó, padrinho, madrinha e demais parentes próximos, pelo carinho e apoio.

À minha namorada Yasmin, pelo amor, ternura e companheirismo demonstrados diariamente.

Aos amigos Allan, Diego, Diogo e Tania, pelas incontáveis gargalhadas.

Aos amigos Gabriel Peres e Claudio Kote, pela primeira oportunidade profissional.

Aos professores Marcio Gonçalves e Rafael Rocha, pela orientação ao longo da pesquisa.

Aos professores Francisco Aiello, Patrícia Cupello e Ricardo Mazella, que sem meias

verdades contribuíram para minha formação.

Ao Fluminense Football Club. Você é a história.

Page 5: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

“Quem olha o nosso passado, quem examina a

nossa história, tem que chegar honestamente a

uma conclusão fatal: o Fluminense deve ser o

primeiro em tudo, particularmente, no

futebol”.

Nelson Rodrigues

Page 6: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

RESUMO

Esta monografia consiste em um estudo sobre as características e uma análise da

interatividade da webrádio Canal Fluminense, veículo segmentado de mídia de massa que

transmite todos os jogos do Fluminense Football Club através do site oficial do clube. Os

objetivos com este trabalho eram o de abordar a evolução histórica das mídias rádio e internet

e entender como elas funcionam no ambiente digital em que convergiram; apresentar o

funcionamento de uma webrádio com programação exclusiva para a internet e as questões

técnicas envolvidas no projeto da rádio online e digital; explicar a utilização de uma

linguagem deliberadamente parcial em transmissão de jogos de futebol com base nas

características éticas e comportamentais exigidas aos jornalistas em geral; demonstrar como

os profissionais da rádio interagem com os ouvintes e verificar se estes usuários se sentem

valorizados com a participação deles ao longo das transmissões; e apontar se o Fluminense,

por sua vez, foi privilegiado com a disseminação das notícias de interesse dele e se houve

algum benefício com a integração da rádio como veículo oficial. Desta forma, a conclusão

baseia-se na ascensão de um veículo segmentado que utiliza as novas tecnologias de

comunicação e cultura. A metodologia usada é a pesquisa bibliográfica e o estudo de caso. As

principais referências foram Cornu (1998), McCombs (2009), Magnoni e Carvalho (2010) e

Lanna Fernandez (2010).

Palavras-chave: webrádio, convergência, rádio e internet, Fluminense Football Club, Canal

Fluminense, jornalismo esportivo, interatividade, imparcialidade e emoção.

Page 7: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

ABSTRACT

Page 8: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Súmula de Fluminense Football Club 8 x 0 Rio Football Club 50

Quadro 2 – Fred recebendo o troféu Guerreiro da Galera 58

Quadro 3 – Enquete no Facebook do Canal Fluminense 62

Page 9: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10

1 DO DESENVOLVIMENTO DO RÁDIO ATÉ A ERA DA INTERNET ......................12

1.1 RÁDIO: O PONTO A PONTO PELO AR ............................................................12

1.2 INTERNET: COMUNICAÇÃO EM ESCALA GLOBAL ...................................16

1.3 CONVERGÊNCIA: O RÁDIO NA WEBEMERGÊNCIA ...................................21

2 FILTROS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO .....................................................26

2.1 TEORIA DO AGENDAMENTO E GATEKEEPING: OS PRESSUPOSTOS DA

NOTÍCIA .................................................................................................................................26

2.2 ÉTICA NO JORNALISMO: OS DOIS LADOS DE UMA MESMA MOEDA

...................................................................................................................................................32

2.3 O RECEPTOR NO RÁDIO: NOVOS PÚBLICOS NO AR ..................................37

3 HISTÓRIAS QUE SE CONFUNDEM .............................................................................41

3.1 ESTRANGEIRICES ENTRAM, SIM, NA TERRA DO ESPINHO .....................41

3.2 IMPARCIALIDADE E EMOÇÃO: OS ASPECTOS COMPORTAMENTAIS

DOS PROFISSIONAIS ...........................................................................................................46

3.3 FLUMINENSE FOOTBALL CLUB: RETUMBANTE DE GLÓRIAS ...............49

3.4 RÁDIO CANAL FLUMINENSE: A PROPOSTA DA SEGMENTAÇÃO ..........55

3.5 ANÁLISE QUALITATIVA DA INTERATIVIDADE E DA VALORIZAÇÃO

DO USUÁRIO DA RÁDIO CANAL FLUMINENSE ............................................................60

CONCLUSÃO ........................................................................................................................63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................65

Page 10: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

INTRODUÇÃO

No século XXI, com a popularização dos computadores e, consequentemente, da

internet, ficou cada vez mais intensa a demanda por notícias em “tempo real”, tendo em vista

suprir mais uma parcela que se abria no mercado da comunicação. Neste período, alguns

veículos radiofônicos já consolidados passaram a produzir notícias exclusivas para a internet,

enquanto outros ainda embrionários vislumbraram neste cenário a chance perfeita para

crescer.

Com o desenvolvimento da tecnologia streaming, tornou-se possível a distribuição de

conteúdo multimídia sem a necessidade de se descarregar o arquivo para o computador, ou

seja, a mídia passa a ser reproduzida à medida que os pacotes de informações são salvos no

buffer, região da memória do computador utilizada para a retenção temporária de dados.

Embora algumas emissoras apenas reproduzam na web o conteúdo das transmissões

realizadas no dial, existem as webrádios que funcionam exclusivamente para o público da

grande rede, aproveitando as diversas características oferecidas por este novo meio. Uma das

ferramentas que é mais bem utilizada na web do que em rádios AM e FM é a interatividade,

mais aguçada no público da internet. Além disso, é mais barato levar uma webrádio ao ar do

que administrar uma emissora convencional.

Com a meta de explorar este novo mercado, cheio de novas possibilidades e um tanto

quanto ‘desconhecido’ do grande público – inclusive de grandes veículos –, a empresa Canal

Fluminense lançou, em 2007, a primeira rádio online dedicada exclusivamente às

transmissões de jogos de um clube de futebol: o Fluminense Football Club.

A proposta do veículo era de permitir que torcedores em todo o lugar do mundo

pudessem acompanhar o clube do coração – através de uma emissora parcial, em que todos os

profissionais torciam deliberadamente pelo Fluminense ao longo das transmissões –

utilizando apenas um computador conectado à internet, sem que a qualidade da transmissão

fosse afetada pelas interferências de sinal.

Para explorar a interatividade, um profissional se dedicava apenas a conversar com os

torcedores-ouvintes por programas de mensagem instantânea, reproduzindo no ar a opinião de

Page 11: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

alguns torcedores. Em 2011, a Rádio Canal Fluminense foi agregada ao site oficial do

Fluminense < www.fluminense.com.br > e tornou-se a rádio oficial do clube.

Page 12: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

1 DO DESENVOLVIMENTO DO RÁDIO ATÉ A ERA DA INTERNET

1.1 RÁDIO: O PONTO A PONTO PELO AR

O rádio é o meio de comunicação que funciona através da propagação de ondas

eletromagnéticas no espaço. Estas ondas podem ser curtas com alta frequência ou longas de

baixa frequência. O rádio atingiu seu auge entre os anos de 1919 e 1951. No Brasil, o

aparelho foi apresentado ao público apenas na década de 20, mais precisamente no ano de

1922, como parte dos festejos do centenário da independência política do país em relação a

Portugal.

Segundo Straubhaar e LaRose (2004, p. 56), no final da década de 1890 e início da

década de 1900, o italiano Guglielmo Marconi, que “[...] ajudou a inventar o rádio, com

patentes na Grã-Bretanha, em 1896. [...] tentou empurrar o rádio para o uso militar e em

negócios em sua Itália nativa, mas o governo não estava interessado”. Entretanto, a oferta de

Marconi foi aceita pela Inglaterra e, mais tarde, pelos Estados Unidos.

O rádio, utilizado como equipamento militar, teve importância evidenciada durante a

Primeira Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918. Para Straubhaar e LaRose (2004, p. 56),

neste período “[...] o rádio era visto como um telégrafo de duas mãos ou ponto a ponto pelo

ar”. Já na opinião de Worts (1915, p. 647-650), a razão pelo rádio ter se destacado foi que

“[...] no início das hostilidades, os principais cabos de comunicação da Alemanha haviam sido

cortados ou desligados, de modo que seu contato com o exterior dependia essencialmente da

comunicação sem fio”.

O equipamento sem fio que o General Joffre usava para manter contato com

as linhas de frente dos aliados era portátil e tinha um alcance de 320 km.

Não eram precisos mais do que 15 minutos para montar esta estação e torná-

la operante. Na linha de frente eram utilizados equipamentos menores e mais

leves, conhecidos como "knapsack". Podiam ser divididos de modo que

quatro homens pudessem transportá-los - cada parte pesava menos de 10 kg -

e eram preparados para entrar em operação em menos de 5 minutos

(WORTS, 1915, p. 647-650).

Page 13: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Marconi ainda “[...] tentou comprar as patentes dos Estados Unidos para consolidar o

monopólio de comunicações entre esse país e a Europa, mas o governo dos Estados Unidos se

opôs ao controle estrangeiro” (STRAUBHAAR E LAROSE, 2004, p. 57). Em face desta

recusa, “[...] um acordo negociado forçou Marconi a vender seu patrimônio americano para a

General Electric. Em conjunto com a AT&T e a Westinghouse, a GE montou uma nova

empresa, a Radio Corporation of America” (STRAUBHAAR E LAROSE, 2004, p. 57).

Com o fim da Primeira Guerra, os aparelhos de rádio fabricados para a utilização dos

militares estadunidenses ficaram em estoque e, por conta disso, uma das opções encontradas

para minimizar o prejuízo foi instalar uma antena no pátio da empresa Westinghouse, a

fabricante dos aparelhos, e transmitir música para as pessoas da vizinhança, que puderam

comprar os rádios estocados. Foi então que o engenheiro Frank Conrad deu início a uma

estação regular de transmissão na Companhia.

Uma loja de departamentos de Pittsburgh decidiu tentar vender rádios para

sintonizar as transmissões de Conrad. Não demorou muito para que a

Westinghouse descobrisse que a transmissão regular de rádio poderia ajudar

a vender rádios, e ela logo abriu a estação KDKA em Pittsburgh, em 1920.

[...] Foram 100 mil em 1922 e mais de 500 mil em 1923 (STRAUBHAAR E

LAROSE, 2004, p. 58).

A popularização do rádio foi tanta que, em pouco mais de um ano, o número de

emissoras de rádio dos Estados Unidos passou de quatro para 382. E esse novo conceito de

utilização do rádio se estendeu mundo a fora, sendo “[...] particularmente importante por

alcançar com muito mais facilidade as áreas rurais”. (STRAUBHAAR E LAROSE, 2003, p.

34) Nas palavras de McLuhan, (1977, p. 192) “[...] nossa própria ‘turbulenta década de vinte’

foi a primeira a sentir o meio quente do filme e também o não menos quente do rádio. Foi a

primeira grande era de consumo”.

A primeira emissora de rádio brasileira foi a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro – hoje

Rádio MEC –, com finalidade cultural e educativa. Contudo, além da qualidade ruim das

transmissões, tanto no que se refere ao profissionalismo quanto às dificuldades técnicas para

minimizar os ruídos, as taxas cobradas pelas rádios sociedades afastaram parte do público

ouvinte da rádio, que só recebiam a transmissão mediante o pagamento pelo serviço.

Page 14: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

A fórmula utilizada, então, para a criação de uma nova emissora era a da

formação de uma rádio-sociedade, que previa em seus estatutos a existência

de associados com obrigação de colaborar com uma determinada quantia

mensal. A verba arrecadada dessa forma era a principal, senão a única, fonte

de renda das emissoras. Muitas pessoas se associavam, mas poucas se

mantinham pagando regularmente as mensalidades. Eram tempos difíceis

para as rádio-sociedades (CALABRE, 2004, p. 12).

Anos depois, o rádio de galena foi substituído pelo de válvula. Essa substituição

barateou o custo de fabricação dos aparelhos, culminando na popularização do rádio e no

maior alcance da população. Em face disso, o rádio rapidamente consolidou-se como o

principal meio de comunicação brasileiro e viveu seu auge até a década de 50, tendo

crescimento freado pelo aparecimento de um novo meio de comunicação: a televisão.

O rádio criou modas, inovou estilos, inventou práticas cotidianas, estimulou

novos tipos de sociabilidade. Ícone de modernidade até a década de 1950,

ele cumpriu um destacado papel social tanto na vida privada como na vida

pública, promovendo um processo de integração que suplantava os limites

físicos e os altos índices de analfabetismo no país (CALABRE, 2004, p. 7).

Situação semelhante aconteceu nos Estados Unidos, segundo Straubhaar e LaRose

(2004, p. 63), que citaram a utilização do rádio na Segunda Guerra (1939–1945) e, assim

como a autora Lia Calabre, ligaram a queda do número de emissoras de rádio à ascensão da

televisão.

As redes de rádio continuaram fortes ao longo da Segunda Guerra Mundial,

o que em muitos casos representou um pico na importância do rádio quando

comparado a outras formas de mídia. [...] As redes de rádio desenvolveram-

se altamente até 1947, o mesmo ano em que a audiência dos cinemas chegou

ao pico, mas, à medida que a televisão cresceu em proeminência, tornando-

se a principal fonte nacional de entretenimento de massa, a rede de rádio

começou a ter seu progresso restringido. O número de redes afiliadas caiu de

97%, em 1947, para 50% em 1955 (STRAUBHAAR E LAROSE, 2004, p.

63).

Page 15: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Em paralelo à ascensão da televisão, que foi tomando o espaço ocupado pela rádio por

unir som e imagem, iniciou-se a Guerra Fria, que durou de 1945 a 1989, ano em que o

socialismo já estava praticamente suprimido na extinta União Soviética. Foi neste período

histórico, em que os Estados Unidos e a União Soviética travaram uma corrida armamentista,

que a internet se desenvolveu.

Page 16: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

1.2 INTERNET: COMUNICAÇÃO EM ESCALA GLOBAL

A internet, segundo Castells (2003, p. 8), foi o meio de comunicação que permitiu

“[...] pela primeira vez, a comunicação de muitos-com-muitos, num momento escolhido, em

escala global”, aspecto aguçado pela criação recente das redes sociais. No entanto, esta forma

de comunicação era diferente do conceito de comunicação de massa que classificava o rádio,

a televisão e as demais mídias existentes, em que a comunicação era de um-para-muitos.

Comunicação de massa é geralmente definida como um-para-muitos ou

ponto a multiponto. Nesse caso, uma mensagem é comunicada de uma única

fonte para centenas ou milhares de receptores, com relativamente poucas

oportunidades para a audiência comunicar-se de volta com a fonte

(STRAUBHAAR E LAROSE, 2004, p. 9).

Embora existam divergências entre autores quanto ao conceito de comunicação de

massa e quais mídias se encaixam neste modelo, fator que vai ser esclarecido no capítulo

‘Convergência: o rádio na webemergência’, neste será abordado o surgimento e

desenvolvimento da internet, que, assim como o rádio, foi utilizada com objetivos militares.

O intuito dos estadunidenses, que travava corrida armamentista contra a União

Soviética, era desenvolver a possibilidade de manter comunicação com as bases militares

mesmo que o Pentágono e os meios convencionais de comunicação da época fossem atingidos

em um ataque inimigo durante a Guerra Fria.

Um grupo de programadores e engenheiros eletrônicos, contratados pelo

Departamento de Defesa dos Estados Unidos, desenvolveu o conceito de

uma rede sem nenhum controle central, por onde as mensagens passariam

divididas em pequenas partes [...] Assim, as informações seriam transmitidas

com rapidez, flexibilidade e tolerância a erros, em uma rede onde cada

computador seria apenas um ponto (ou “nó”) que, se impossibilitado de

operar, não interromperia o fluxo das informações (MONTEIRO, 2001, p.

28).

Page 17: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Com esta proposta surgiu a Arpanet, precursora da internet, que foi “[...] uma rede de

computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) em setembro de

1969” (CASTELLS, 2003, p. 13). Entretanto, o projeto foi usado pelo cientista da

computação J.C.R. Licklider, contratado pela ARPA para liderar o IPTO (Information

Processing Techniques Office), para realizar um sonho pessoal dele, o da criação de “[...] uma

rede de computadores que permitisse o trabalho cooperativo em grupos, mesmo que fossem

integrados por pessoas geograficamente distantes” (IMRE, 1997).

Para montar uma rede interativa de computadores, o IPTO valeu-se de uma

tecnologia revolucionária de transmissão de telecomunicações, a comutação

por pacote, desenvolvida independentemente por Paul Baran na Rand

Corporation e por Donald Davies no British National Physical Laboratory. O

projeto de Baran de uma rede de comunicação descentralizada, flexível, foi

uma proposta que a Rand Corporation fez ao Departamento de Defesa para a

construção de um sistema militar de comunicações capaz de sobreviver a um

ataque nuclear, embora esse nunca tenha sido o objetivo por trás do

desenvolvimento da Arpanet (grifo nosso). O IPTO usou essa tecnologia

de comutação por pacote no projeto da Arpanet (CASTELLS, 2003, p. 14).

“O passo seguinte foi tornar possível a conexão da Arpanet com outras redes de

computadores, a começar pelas redes de comunicação que a ARPA estava administrando, a

PRNET e a SATNET” (CASTELLS, 2003, p.14). A possibilidade de conexão entre diferentes

redes foi alcançada apenas no fim da década de 1970, com “o desenvolvimento e utilização do

TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) como protocolo para a troca de

informações na ARPAnet” (MONTEIRO, 2001, p. 28).

Para que pudessem falar umas com as outras, as redes de computadores

precisavam de protocolos de comunicação padronizados. Isso foi conseguido

em parte em 1973, num seminário em Stanford, por um grupo liderado por

Cerf, Gerard Lelann (do grupo de pesquisa francês Cyclades), e Robert

Metcalfe [então no Xerox PARC], com o projeto do protocolo de controle de

transmissão [TCP]. Em 1978 Cerf, Postel e Crocker, trabalhando na

Universidade da Califórnia do Sul, dividiram o TCP em duas partes,

acrescentando um protocolo intra-rede [IP], o que gerou o protocolo TCP/IP,

o padrão segundo o qual a Internet continua operando até hoje (CASTELLS,

2003: p. 14-15).

Page 18: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Por mais que a abrangência da rede tenha aumentado enormemente após a criação do

protocolo TCP/IP, a internet se popularizou apenas após o desenvolvimento do WWW

(World Wide Web), “[...] aplicação de compartilhamento de informação desenvolvida em

1990 por um programador inglês, Tim Berners-Lee, que trabalhava no CERN, o Laboratório

Europeu para Física de Partículas baseado em Genebra” (CASTELLS, 2003, p. 17).

A WWW permite a troca de conteúdos multimídias, como texto, imagens, sons e

vídeos, em um ambiente de interface mais agradável e o acesso a informações através de

navegadores. “[...] a WWW foi imediatamente adotada pela comunidade da internet, sendo

responsável [...] pelo grande crescimento da internet verificado na década de 1990, com um

aumento de 50% a cada ano em média (DIZARD, 2000, p. 24).

A Mosaic Communications, que mais tarde foi obrigada a mudar seu nome

para Netscape Communications [...] tornou disponível na Net o primeiro

navegador comercial, o Netscape Navigator em outubro de 1994, e

despachou o primeiro produto no dia 15 de dezembro de 1994. Em 1995,

lançaram o software Navigator através da Net, gratuitamente para fins

educacionais e ao custo de 39 dólares para uso comercial (CASTELLS,

2003, p. 18).

“Depois do sucesso do Navigator, a Microsoft finalmente descobriu a Internet e em 1995,

junto com seu software Windows 95, introduziu seu próprio navegador, o Internet Explorer”

(CASTELLS, 2003, p. 19). O surgimento cada vez mais acelerado de browsers, provedores de

acesso e possibilidades de websites, fizeram com que os usuários começassem a enxergar na

internet a chance de conhecer novas pessoas, expandir os negócios da empresa, entreter-se

com os mais diversos jogos e seguir buscando conhecimento tanto através de pesquisas como

com veículos online, que na década de 90 apenas reproduziam as notícias dos jornais

impressos.

Com o maior interesse das pessoas no universo online, a internet se desenvolveu e se

tornou mais colaborativa – conceito wiki –, além de favorecer a interação entre internautas em

fóruns específicos. Por conta disso, em 2004, Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly Media,

classificou esta nova fase da internet de ‘Web 2.0’, em que a “nova versão” era referente às

formas de comunicação entre usuários e não às alterações técnicas.

Page 19: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

A Web 2.0, termo criado por Tim O’Reilly, não traz quase nenhum

paradigma tecnológico novo, mas aponta para o conceito de ampla troca de

informações e colaboração dos usuários dos serviços, sem, contudo,

demandar uma infraestrutura proprietária para o fornecimento de conteúdo.1

De acordo com Hamadoun Toure (2011), responsável pela agência de comunicação da

ONU (Organização das Nações Unidas), em janeiro de 2011, 2,08 bilhões de pessoas no

mundo já haviam acessado a internet, quase 1/3 da população mundial, estimada em 6,8

bilhões. Em 2009, a quantidade de internautas era de 1,86 bilhão. Este aumento desenfreado

de usuários da internet é motivo de preocupação para Wolton (2010, p. 23), pois, segundo ele,

“[...] com a tecnologia, tudo se simplifica, com os homens e a sociedade, tudo se complica”.

Eis o desafio: perpetuar, num mundo saturado de informação, de

comunicação e de tecnologia, o valor da emancipação, que sempre as regeu

desde o século XVI. É preciso impedir que a informação e a comunicação,

até ontem fatores de aproximação, tornem-se aceleradores de incompreensão

e de ódio justamente por serem visíveis todas as diferenças e toda alteridade

(WOLTON, 2010, p. 14).

Entretanto, este crescente uso das redes sociais não pode ser encarado apenas por um

viés negativo no que se refere aos desentendimentos virtuais, ele também oferece um novo

espaço a ser explorado pelas companhias, ou seja, “[...] uma grande oportunidade de mercado

para as empresas sintonizadas com as novas tendências de mídias e canais”.2

A crescente adoção das mídias sociais nos ambientes corporativos se

evidencia como a migração bem sucedida de uma tendência que começou no

mundo individual e chegou ao organizacional. A compreensão e o

reconhecimento prático da sua utilidade com o meio e/ou estratégia para

melhorar os negócios, processos, relacionamentos e comunicações da

empresa – internas ou externas –, de forma a transformar sua prática diária

em um modelo mais participativo e interativo com os diversos públicos de

1 Disponível em: < http://www.ecnetwork.com.br/a-web-2-0-acelerando-e-desgovernando-a-

convergencia/ >. Acesso em: 21/09/2011.

2 Disponível em: < http://www.publicidadedigital.com/index.php/publicidade-online/ > Acesso em:

21/09/2011.

Page 20: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

relacionamento [stakeholders] é fator essencial para que as empresas 1.0 se

redefinam, de fato, como organizações 2.0.3

Além da ampliação do mercado comercial, a internet também propiciou novas

possibilidades de comunicação, muito em virtude da multimidialidade, ou seja, a

convergência, que “[...] consiste na união de todos os meios de comunicação em um único”

(MAGNONI E CARVALHO, 2010, p. 274).

3 Disponível em: < http://www.e-consultingcorp.com.br/midia/ultimos-artigos/Redes-Sociais-S.A-1 >.

Acesso em: 21/09/2011.

Page 21: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

1.3 CONVERGÊNCIA: O RÁDIO NA WEBEMERGÊNCIA

A internet tem a capacidade de absorver os mais diversos meios de comunicação e

fazer com que eles funcionem juntos, a chamada convergência digital. A multimídia, na

opinião de Straubhaar e LaRose (2004, p. 23), “[...] está apagando as antigas distinções

rígidas entre os meios de comunicação”. Segundo Fidler (1998, p. 57), a convergência é uma

“[...] metamorfose dos meios antigos. E quando emergem novas formas de meios de

comunicação, as antigas geralmente não deixam de existir, mas continuam evoluindo e se

adaptando”.

Foi o caso do rádio. De acordo com Castells (2003, p. 157), “[...] a radiotransmissão

está vivendo um renascimento, tornando-se de fato o meio de comunicação de maior

penetração no mundo”, sendo considerado por Magnoni e Carvalho (2010, p. 7) como “[...] a

maior prova da capacidade de convivência dos diferentes meios de comunicação”.

A audição de rádio está florescendo na Internet, tanto a partir de estações de

transmissão aberta quanto de transmissões radiofônicas feitas pela Internet.

A relação de rádios feita pelo MIT nos EUA mostra mais de 10.000 estações

transmitindo na Internet (CASTELLS, 2003, p.162).

Quantidade superior à de rádios analógicas encontradas no Brasil, que “[...]

ultrapassou a marca de nove mil estações de rádio em 2010. No final do ano, eram 2.602 FMs,

1.784 Mas, 4.193 comunitárias, 465 FMs educativas, 74 OTs e 66 OCs, totalizando 9.184

emissoras” (Sandra Regina da Silva, 2011, p. 24). Estes números mostram que a opinião de

Barbeiro e Lima (2003) é mais do que correta.

É preciso separar a idéia de rádio como aquele aparelhinho quadrado, com

botões, e que retransmite emissoras de áudio. O rádio, comunicação auditiva,

eletrônica à distância, pode se materializar no computador, basta que este

tenha instalado um programa de áudio (BARBEIRO E LIMA, 2003, p. 45).

Para Jung (2011, p. 21), a “[...] internet deu um novo fôlego para o rádio. É o meio em

que ele vai navegar. Mais do que o próprio rádio digital, que até agora não conseguiu se

Page 22: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

estabelecer no Brasil. [...] rádio é internet, é lá que as pessoas vão nos ouvir cada vez mais”.

Com o surgimento da internet, o fazer radiofônico se digitalizou e surgiram as webrádios:

rádios com veiculação exclusiva na rede (PRATA, 2008). Uma característica importante de

uma webrádio é a junção de linguagens sonoras, imagéticas e textuais, que se encontram

através de um endereço na URL (BRAZ E MEIRELES, 2011, p. 1).

São veículos complementares. Não tenho dúvida de que a internet valorizou

o rádio. Primeiro, porque é o único veículo que opera em conjunto com a

internet. E segundo, por ser o único realmente real time. Internet e rádio

trabalhando em conjunto geram resultados, inclusive para anunciantes,

excepcionais (CALAINHO, 2011, p. 33).

Entretanto, para o rádio “navegar” na internet, é necessário se adaptar a este novo

ambiente. Apenas retransmitir a programação do analógico não basta, pois os usuários estão

cada vez mais exigentes. É necessário, então, criar um portal mais personalizado, mais

agradável, com constante atualização de conteúdos interessantes, de forma a não perder

audiência.

Quando um usuário acessa um portal, quer sentir-se único. Gosta de ser

ouvido e interage [seja conversando nas salas de bate-papo, mandando

mensagens nos fóruns ou respondendo pesquisas de opinião]. Essas

mudanças, ainda que em estágio inicial, delineiam o novo padrão de

informação e entretenimento de massa. É uma combinação da mídia antiga e

da nova, que se complementam e ao mesmo tempo competem entre si

(FERRARI, 2008, p. 38).

A programação também terá de ser alterada, pois os usuários de determinada rádio

querem a opção de ouvir o conteúdo em tempo não-linear, uma possibilidade oferecida pela

rádio digital, ou rádio na internet, que não é disponibilizada pela rádio de caráter analógico.

A grade de programação do rádio analógico é linear e cronológica. Prevê

antecipadamente todos os programas e intervalos para publicidade, serviços,

utilidade pública etc. A grade define o perfil ou segmento de mercado em

que a emissora vai atuar. No rádio digital, os programadores terão que criar

novas estratégias para suprir uma grade que não contará só com os ouvintes

em tempo real. Os recursos, os espaços e conteúdos para interatividade com

Page 23: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

os ouvintes também será tarefa da programação (MAGNONI E

CARVALHO, 2010, p. 138).

Magnoni e Carvalho (2010) tratam com mais serenidade, sem exagero, as mudanças

pelos quais o rádio com tecnologia digital terá de passar. Assim como em outros momentos,

como no que precisou se adaptar à migração de seus profissionais para outros meios, o rádio

passará por nova mudança, porém não muito brusca.

É presumido que a digitalização não irá reescrever totalmente a cultura

radiofônica consolidada no trajeto social de um veículo que já resistiu e se

adaptou à concorrência do cinema sonoro, da televisão, do videocassete e da

informática, bem como de todas as suas ferramentas versáteis de

comunicação e entretenimento. De imediato, o novo processo apresentará

poucas rupturas e muitas readaptações em matrizes clássicas da programação

das emissoras, que foram desenvolvidas, copiadas, aperfeiçoadas ou

reinterpretadas desde meados dos anos 1930 (MAGNONI E CARVALHO,

2010, p. 119).

Para os autores (2010, p. 109), o “[...] rádio continuará sendo sonoro, porém com

funções multimídia, portanto terá de agregar uma linguagem flexível que possibilita

diversificar conteúdos, o que torna inevitável integrar sua programação a novos formatos de

distribuição”.

A digitalização também oferece um novo padrão de qualidade dos sons, sem os ruídos

da transmissão analógica. Este aspecto deve-se à programação dos computadores em código

binário, ou seja, zeros e uns, que garante mais estabilidade ao som durante a transmissão

digital.

Na transmissão analógica há a oscilação elétrica que provoca uma perda

natural de tensão: um sinal que é gerado com 1,0 volt pode cair para 0,8

volts na recepção. Uma perda de sinal que compromete a qualidade do som

recebido, principalmente em altas frequências. Essa perda de tensão não

ocorre com a digitalização se um sinal digital for gerado com a combinação

1001, o primeiro dígito corresponderia a 1 volt. Na transmissão analógica,

com a perda de percurso, ele chegaria ao receptor reduzido a 0,8 volts. Para a

lógica digital não existe 0,8 volts: ou é zero ou é um. Se há tensão maior do

que zero (0,8), ela terá de ser elevada para 1. Portanto, o sinal é regenerado

com sua tensão original na recepção. Para cada dígito ocorre o mesmo

processo de restauração da tensão de origem. (MOREIRA E DEL BIANCO,

1999, p. 48).

Page 24: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Para Magnoni e Carvalho (2010, p. 57), esta alteração traz também outros benefícios,

pois com ela “[...] consegue-se não apenas transmitir um som mais puro mas, além disso,

como bit é bit, pode-se transmitir qualquer coisa que seja digital – de pequenos vídeos a

programas de computador”. Os autores, contudo, manifestam um pouco de receio acerca desta

possibilidade.

Com isso, o rádio poderá deixar de ser uma mídia baseada exclusivamente

no áudio, e certamente haverá quem receie pela perda de identidade que isso

pode provocar. Afinal, uma das características do rádio é a de ser uma mídia

intimista, com forte apelo ao uso da imaginação e sugestão, e a introdução da

imagem poderá distorcer ou suprimir essa característica (MAGNONI E

CARVALHO, 2010, p. 83).

Há outros fatores negativos causados por esta digitalização da transmissão, como o

delay (atraso, em inglês) de cerca de oito segundos entre a emissão e a recepção e a demora de

alguns segundos para o receptor conseguir restabelecer o sinal da rádio quando há perda.

“Com isso, a recepção em automóveis, em que essa situação de perda de sinal ocorre com

certa frequência, pode provocar sensações desagradáveis”. (Magnoni e Carvalho, 2010, p. 81).

A velocidade da conexão também é um problema para a rádio na internet, segundo eles.

Embora já existam diversas emissoras nesse sentido, a transmissão de rádio

via internet ainda padece de problemas de velocidade da rede. Se, de um

lado, a contínua construção de novas redes pode melhorar a velocidade

escoada, e portanto tornar o “ouvir uma rádio na internet” menos traumática

do que é hoje em dia, por outro lado o aumento do tráfego total da internet,

devido à adesão de novos usuários e ao surgimento de novos serviços, pode

anular aquele ganho do aumento das redes (MAGNONI E CARVALHO,

2010, P. 86).

A tecnologia streaming, pela qual são feitas as transmissões de rádio via internet, tem

na utilização do protocolo IPTV a principal saída para esta pouca velocidade na conexão, que

acaba por prejudicar a qualidade das transmissões. Como a internet funciona através da troca

constante de pacotes de dados por milhões de usuários, essa tecnologia garantiria a

continuidade no fluxo de pacotes.

Page 25: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Os protocolos de IPTV visam contornar esse problema, criando canais

virtuais de comunicação dentro desse caos, nos quais o tráfego de pacotes é

razoavelmente protegido e estável. Embora até o momento o foco do IPTV

tenha sido a televisão (por assinatura), esses protocolos poderiam ser

empregados para as rádios, possibilitando um fluxo mais ininterrupto de

pacotes de áudio (MAGNONI E CARVALHO, 2010, p. 87).

Agora fugindo ao aspecto técnico e falando sobre o caráter noticioso dos veículos

comunicacionais, no que se refere às informações difundidas ao público, o capítulo seguinte

vai abordar as teorias que estudam os responsáveis pela seleção das notícias publicadas nas

mídias e a capacidade de influência destas notícias no cotidiano dos indivíduos.

Page 26: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

2 FILTROS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

2.1 TEORIA DO AGENDAMENTO E GATEKEEPING: OS PRESSUPOSTOS DA

NOTÍCIA

Com o desenvolvimento da internet e das novas tecnologias de informação, aliado ao

desejo do público de ser alimentado, a todo instante, com novas informações, a presença da

mídia no cotidiano dos indivíduos ganhou ainda mais força. E em consequência deste fato, o

agendamento do espaço público pela agenda midiática torna-se mais evidente. Mas antes de

abordar este aspecto, explicaremos “Agendamento” (agenda setting, em inglês).

Segundo McCombs (2009), “Walter Lippmann resumiu, em 1922, a ideia do

agendamento. A tese dele era de que a opinião pública não respondia ao ambiente, mas ao

pseudoambiente criado pelos veículos noticiosos”. Ou seja, a realidade comentada pelas

pessoas não era a realidade dos fatos, mas a realidade demonstrada pelos veículos midiáticos.

A agenda da mídia é algo mais do que ser simplesmente um veio condutor

para os eventos e as situações do mundo real. [...] A mídia constrói e

apresenta ao público um pseudoambiente que significativamente condiciona

como o público vê o mundo. [...] O agendamento é um efeito robusto e

amplo de comunicação de massa, um efeito que resulta de conteúdo

específico nos mass media (MCCOMBS, 2009, p. 47, 57 e 65).

Para McCombs (2009), na “[...] sua seleção diária e apresentação das notícias, os

editores e diretores de redação focam nossa atenção e influenciam nossas percepções naqueles

que são as mais importantes questões do dia”. Opinião compartilhada por Cohen apud

Traquina (2000), que afirma que as mídias “[...] podem não dizer às pessoas como pensar,

mas sim sobre o que pensar”.

Mas essa influência não se limita apenas a pautar os assuntos do público. De acordo

com Cassol (2006, p. 29), “[...] esse sistema padrão inclui as referências e necessidades,

Page 27: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

crenças e expectativas que influenciam aquilo que o receptor retira de uma situação

comunicativa”.

Visando ao entendimento da função do agendamento, basta observar as entrelinhas de

um veículo impresso. “A matéria principal da p. 1, a página de capa versus a página interior, o

tamanho do título, e mesmo o tamanho de uma matéria comunicam a saliência dos tópicos da

agenda noticiosa” (MCCOMBS, 2009, p.18).

Os públicos usam estas saliências da mídia para organizar suas próprias

agendas e decidirem quais assuntos são os mais importantes. Ao longo do

tempo, os tópicos enfatizados nas notícias tornam-se os assuntos

considerados os mais importantes pelo público. A agenda da mídia torna-se,

em boa medida, a agenda do público. Em outras palavras, os veículos

jornalísticos estabelecem a agenda do público (MCCOMBS, 2009, p. 18).

Esta teoria foi desenvolvida por McCombs e Shaw, dois professores da Faculdade de

Comunicação da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, durante uma

campanha presidencial no país. “A hipótese central deles era de que os mass media

estabeleciam a agenda de temas para a campanha política influenciando a saliência dos temas

entre os eleitores” (MCCOMBS, 2009, p. 21).

De forma a levar mais consistência ao estudo, buscou-se um método que comprovasse

esta influência da agenda midiática, um “[...] sumário estatístico que [...] permita comparar o

grau em que o agendamento está ocorrendo em diferentes localidades” (MCCOMBS, 2009, p.

28).

A mais comum medida utilizada pelos pesquisadores que examinam o papel

dos veículos noticiosos no agendamento é a correlação estatística. Este dado

estatístico resume com precisão o grau de correspondência entre o ranking

dos temas da agenda da mídia – que assunto recebeu mais cobertura

noticiosa, que assunto recebeu a segunda cobertura noticiosa mais intensa etc

– e o ranking daqueles mesmos temas na agenda pública – qual tema a

maioria dos membros do público considera o mais importante, que assunto

vem em segundo lugar etc. A amplitude possível de pontuação para a

correlação estatística vai de +1,0 (correspondência perfeita) através do zero

(não há correspondência) até -1 (uma relação perfeitamente inversa). A

Teoria da Agenda prevê uma correlação positiva alta entre a agenda da mídia

e a subsequente agenda pública (MCCOMBS, 2009, p. 28).

Page 28: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Esta estatística provou-se acertada quando foi feita a observação de três diferentes

comunidades eleitorais durante as eleições presidenciais de 1976, nos Estados Unidos. “[...]

durante as primárias da primavera quando a influência da agenda tanto da televisão como dos

jornais estava no seu auge, a correlação entre a agenda nacional da televisão e a agenda

subsequente do leitor era de +0,63. Este é um grau significativo de influência (MCCOMBS,

2009, p. 29).

A evidência revista até aqui, além de muitos outros levantamentos de campo

conduzidos em todo o mundo, corroboram uma relação de causa e feito entre

a agenda da mídia e a agenda do público. A condição inicial necessária para

demonstrar causalidade é um significante grau de correlação entre a

presumida causa e seu efeito. De acordo com este requisito de evidência, há

correlações substanciais entre as agendas da mídia e do público em todas as

análises recentemente revistas assim como em centenas de outras

(MCCOMBS, 2009, p. 37).

Foram realizados outros levantamentos em todo o mundo, que ratificaram “[...] uma

relação de causa e efeito entre a agenda da mídia e a agenda do público” (MCCOMBS, 2009,

p. 37). Segundo McCombs (2009, p. 39), uma “[...] variedade de controles averiguou que as

modificações na saliência do tópico manipulado ocorreram, de fato, devido à exposição à

agenda noticiosa”.

[...] num experimento, sujeitos que viram programas noticiosos na TV

enfatizarem o alerta do sistema de defesa foram comparados a sujeitos num

grupo de controle cujos programas de notícias não incluíam o alerta do

sistema de defesa. A modificação na saliência deste tema foi

significativamente mais alta para os sujeitos testados do que para os sujeitos

no grupo de controle. Em contraste, não houve diferenças significativas entre

os dois grupos de antes para depois de assistirem aos telejornais para outros

sete temas (MCCOMBS, 2009, p. 39).

Após a confirmação, por outros estudos, de que a agenda pública influencia a agenda

da mídia, iniciou-se uma comparação entre a Teoria da Agenda e outras teorias de

comunicação massiva, para que fosse descoberto “[...] quanto tempo é necessário para que um

assunto veiculado pela mídia transforme-se em algo saliente na agenda pública”

(MCCOMBS, 2009, p. 75).

Page 29: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

A Teoria da Agenda continuou a se desenvolver por mais de 35 anos porque

ela complementa e é compatível com uma variedade de outras ideias nas

ciências sociais. À medida que os acadêmicos construíram um mapa

intelectual crescentemente detalhado da influência da comunicação massiva

no público, a Teoria da Agenda incorporou ou convergiu com vários outros

conceitos comunicacionais e teorias (MCCOMBS, 2009, p. 135).

Ainda segundo o autor (2009, p. 75), a “[...] antiga teoria hipodérmica via os efeitos da

mídia como essencialmente imediatos. Naquela visão, as mensagens da mídia eram injetadas

na audiência da mesma forma como as injeções são administradas nos pacientes alcançando

efeitos rápidos”. Esta visão, após outros estudos, foi contestada por alguns teóricos.

A base para esta visão praticamente desapareceu com o acúmulo de

evidência empírica nas décadas de 1940 e 1950, um volume de evidências

registrado no livro The Effects of Mass Communication de Klapper como a

Lei das Consequências Mínimas. Em resposta, acadêmicos como Wilbur

Schramm afirmaram que os efeitos verdadeiramente significativos da

comunicação massiva seriam provavelmente de longo prazo, da mesma

forma que as formidáveis formações de estalactites e estalagmites em

cavernas são criadas por gotas numa eternidade de tempo (MCCOMBS,

2009, p. 75).

De fato, o “prazo exigido para que sejam notados [...] os efeitos do agendamento estão

longe de ser instantâneos, mas são relativamente de curto prazo” (MCCOMBS, 2009, p. 75).

McCombs (2009, p. 77) afirma que o “[...] período de tempo envolvido na transferência da

saliência de um tópico da agenda midiática para a agenda pública é geralmente de um prazo

de quatro a oito semanas”. Na internet, o período é menor.

No ambiente contemporâneo da internet, o exame das postagens de quatro

edições na BBS – imigração, atendimento medido, impostos e aborto –

durante a campanha presidencial de outono de 1996 encontrou evidência de

que as notícias tradicionais da mídia estabeleceram a agenda de discussão

para todas estas edições exceto o aborto com períodos de tempo de um a sete

dias (MCCOMBS, 2009, p. 107).

Entretanto, as saliências na agenda do público dependem da necessidade do receptor

por informações. “Quanto maior for a necessidade de orientação que as pessoas têm no

Page 30: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

âmbito dos assuntos públicos, maior é a probabilidade deles atentarem para a agenda da

mídia” (MCCOMBS, 2009, p. 94).

Na evolução da Teoria da Agenda, o conceito de necessidade de orientação é

a mais proeminente das condições contingentes para os efeitos do

agendamento, aqueles fatores que estimulam ou constrangem a força destes

efeitos. Estas condições contingentes podem ser divididas em dois grupos, as

características da audiência – tal como a necessidade de orientação – e as

características da mídia – tal como as comparações entre os jornais e a

televisão (MCCOMBS, 2009, p. 109).

Essa evolução da Teoria da Agenda culmina no desenvolvimento de outros conceitos

teóricos voltados para a comunicação massiva, como o “Gatekeeping, que descreve e explica

o fluxo das notícias desde uma organização noticiosa à outra” (MCCOMBS, 2009, p. 135).

Esta teoria “[...] esteve ligada com a Teoria da Agenda [...] quando os acadêmicos

inauguraram uma nova fase [...] ao perguntarem ‘Quem é que define a agenda da mídia?’”

(MCCOMBS, 2009, p. 135).

Segundo Cassol (2006, p. 36), “há vários procedimentos padrões, estabelecidos em

conjunto pelos profissionais, que fazem com que a seleção a cargo do gatekeeper tenha um

mínimo de subjetividade”. Ainda de acordo com a autora (2006, p. 36), os fatores que

influenciam na decisão do editor sobre os assuntos filtrados são a empresa, a linha editorial do

veículo e a visão de mundo do profissional e dos seus colegas.

[...] o contexto profissional-organizativo-burocrático circundante exerce uma

influência decisiva nas escolhas dos gatekeepers: já o clássico estudo de

Breed (1955) sobre controlo social nas redações – analisando os mecanismos

de manutenção da linha editorial e política dos jornais – confirma essa linha,

raramente explicitada e discutida, é apreendida ‘por osmose’ e é imposta,

sobretudo, através do processo de seleção dos jornalistas no interior da

redação. A principal fonte de expectativa, orientações e valores profissionais

não é o público, mas o grupo de referência constituído pelos colegas ou

pelos superiores (WOLF, 1995, p. 164).

A tarefa de conseguir filtrar, além das notícias, uma grande carga de influências

provenientes de diferentes partes da hierarquia da empresa, além dos cuidados em não afetar

Page 31: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

os interesses dos anunciantes, o que em contrapartida atrapalharia os índices financeiros do

veículo, o jornalista tem mais um desafio: manter-se ético dentro deste cenário.

Page 32: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

2.2 ÉTICA NO JORNALISMO: OS DOIS LADOS DE UMA MESMA MOEDA

A ética tem como meta estabelecer um modelo perfeito para a vida dos indivíduos em

sociedade, tanto na esfera público quanto na esfera privada, sobretudo porque se baseia nos

princípios comportamentais humanos, como o que é bom, mau, certo ou errado. Ou seja, a

ética investiga a conduta dos homens, nos aspectos referentes ao caráter, e normatiza as

atitudes individuais que sejam favoráveis ou não ao bem estar social.

Vivemos, entretanto, em um mundo extremamente individual, em que as pessoas se

preocupam cada vez mais com a própria satisfação, muitas vezes em detrimento do

contentamento de outros indivíduos. A era da liberdade sem compromisso. Da má utilização

dos direitos alcançados em lei.

De éticas socialmente constituídas, passamos por uma ética definida em

torno de cada indivíduo, o que parece uma contradição de termos, um

paradoxo, já que as condutas pessoais só podem ser avaliadas na sua

articulação com outras condutas. Pode ser uma ética provisória. O fato é que

hoje, dentro de limites bastante amplos, cada um tem o direito de pensar e

agir como quiser (GOMES, 2002, p. 9).

Essa ética paradoxalmente individual, ou “provisória”, como trata Gomes (2002),

também acaba se refletindo nos campos profissionais que atuam diretamente com a ética.

Contudo, essas mutações do “ser ético”, ou seja, do indivíduo de “bom caráter”, são delicadas

e merecem atenção.

Alheio à ética em áreas de atuação em que o aspecto moral pode variar de caso a caso,

como na medicina, em que diferentes situações levam a refletir sobre a atitude que será

melhor para o bem estar de um paciente, embora o objetivo da profissão seja sempre o de

deixar o indivíduo saudável, no jornalismo o comportamento ético deve “caminhar” junto ao

conteúdo que vai ser publicado e, principalmente, dos meios utilizados para a realização da

apuração.

O jornalista é o primeiro responsável pelas análises e críticas que ele propõe

do acontecimento. Seu trabalho, porém, insere-se num sistema de regras e

Page 33: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

restrições, e que não pode declinar da responsabilidade daquilo que ele

divulga, sejam textos ou imagens. O ato de difusão tem o efeito de conduzir

a informação a seu estágio último: é pela mídia que ela chega ao

conhecimento do público, é difundida em meio à sociedade, é amplificada.

Entre os textos e imagens que lhe são oferecidos, entre os resumos do

acontecimento que lhe asseguram uma informação pluralista, cada pessoa do

público também tem a liberdade, e a responsabilidade de realizar certas

escolhas (CORNU, 1998, p. 78).

Afinal, informar é “[...] tratar uma informação visando torná-la significativa para outra

pessoa, ou várias. Informação, no sentido corrente, compreende ao mesmo tempo um

conteúdo e uma forma, bem como sua transmissão, sua comunicação (CORNU, 1998, p. 8).

Neste trecho, nota-se a importância de tratar o receptor e as personagens envolvidas na notícia

com o respeito que qualquer indivíduo merece, por mais que estas personagens sejam

antiéticas.

Teoria e prática, representando os dois lados da moeda, tornam-se difíceis de coexistir

diante do ciberespaço. Com a internet, que propiciou a conversação de “muitos-com-muitos”,

os veículos noticiosos iniciaram uma imensa disputa entre ideologias a fim de influenciar a

audiência. A mais evidente é entre a Rede Globo e a Rede Record. Segundo Gomes (2002, p.

10), o “[...] vazio ético do jornalismo [...] é a rigor o reflexo ideológico que se dá além da

esfera estrita da comunicação, um embate entre propostas divergentes de civilização e de

organização”.

Os profissionais consideram a atividade jornalística como uma profissão

liberal. Em sua grande maioria, são empregados assalariados. Trabalham

para alguma organização, exercem funções, seu trabalho se insere num

processo de fabricação, e estão submetidos a uma hierarquia de autoridade.

Sua inserção na empresa os obriga a um “compromisso permanente” entre a

aplicação das normas deontológicas e as exigências da empresa (CORNU,

1998, p. 83 e 84).

Na opinião do autor desta pesquisa, os jornalistas, em sua maioria, “vestem a camisa

da empresa” e se deixam levar pelas “orientações” dos superiores. “Orientações” estas que às

vezes nem existem, mas os jornalistas “deduzem” que sim e colocam em prática. Não é uma

ode à liberdade do jornalista ou ao descompromisso com o veículo e, tampouco, um grito pela

anarquia diante da hierarquia, mas sim a defesa da verdadeira imprensa.

Page 34: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

A imprensa, que remete à “[...] categoria profissional dos jornalistas, aos jornais e

periódicos, às empresas de comunicação em geral e mesmo ao conjunto do sistema

desenvolvido para a difusão de informações e opiniões à sociedade” (CORNU, 1998, p.15),

não pode esquecer-se de sua finalidade.

Objetivo final [da mídia] é conciliar a aplicação de regras com práticas e

costumes permitindo responder às supostas expectativas do público e de

maximizar assim os benefícios da atividade ligada à produção de notícias.

Ela indica um recurso à utilização estratégica da ética: pela fixação de

normas, transmitir uma boa imagem da profissão ou do meio de

comunicação, estimular uma sensação de confiança no público, promover o

reconhecimento e maior credibilidade, dissuadir os poderes públicos de

intervir na regulamentação do jornalismo (CORNU, 1998, p. 26).

Os jornalistas têm muitas responsabilidades, porém, de acordo com Cornu (1998), elas

são tratadas em pormenores em vários códigos nacionais. Ainda segundo Cornu (1998, p.43),

a Declaração dos Deveres e Direitos dos Jornalistas, publicada na cidade alemã de Munique,

em 1971, que poderia orientar os profissionais sobre a conduta ideal, dedica “[...] maior

espaço aos direitos dos jornalistas, à proteção de sua integridade profissional”.

Entre as responsabilidades dos jornalistas com o público que consome a informação

por ele noticiada, evidencia-se o compromisso com a verdade: “[...] informações exatas,

verificadas, apresentadas de modo equânime, opiniões expostas com honestidade livres de

preconceitos, relatos jornalísticos verídicos e ciosos de sua autenticidade” (CORNU, 1998, p.

64).

[...] para com os grupos de interesse, poderosos ou não, que constituem o

ambiente econômico e social da empresa; para com o Estado e seus órgãos,

que definem a missão geral da mídia e enquadram suas atividades num certo

número de leis; frente à sociedade como um todo (CORNU, 1998, p. 49-50).

Consciente disto, o profissional de comunicação não deve fazer uso de artifícios não

condizentes com a realidade dos fatos, como a “[...] espetacularização da informação, que

privilegia certos aspectos da realidade como método para manter os níveis de audiência e o

número de leitores” (CORNU, 1998, p. 16).

Page 35: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

O jornalista também tem responsabilidades com o veículo de comunicação que o

emprega. Além de respeitar a hierarquia, essas responsabilidades também envolvem os

anunciantes que adquirem espaço no meio de comunicação, independentemente do tipo de

mídia, seja ela impressa, rádio, TV ou até mesmo a internet.

[...] junto a seu público e à opinião pública em geral; para com suas fontes e

as pessoas sobre as quais tece comentários; para com as normas profissionais

e seus órgãos tutelares; perante suas próprias convicções e conforme sua

consciência individual; para com a hierarquia redacional, que é também

responsável pelo trabalho desenvolvido pelos jornalistas individualmente

junto ao editor ou proprietário do veículo de comunicação, bem como aos

anunciantes (CORNU, 1998, p. 49-50).

Mais uma vez o compromisso com a verdade e o respeito aos indivíduos são

salientados. Ou seja, desempenhar um bom jornalismo, que não se deixa levar pela influência

de terceiros ou pela preguiça de se dedicar a ouvir os diversos lados envolvidos com a notícia,

de forma a não arranhar a imagem do veículo.

A credibilidade dos meios de comunicação está ligada à veracidade das

notícias, à honestidade com que são tratadas, à exatidão de seu conteúdo.

Uma boa informação apresenta o reflexo do essencial dos fatos ocorridos no

dia. Ela é plural e deve visar a objetividade, em particular pela apresentação

de todos os seus elementos constitutivos e a ausência de manipulações

(CORNU, 1998, p. 65).

E também sem afetar a imagem dos personagens citados na reportagem.

Os jornalistas são responsáveis, quanto ao conteúdo, pelo reflexo fiel e

completo dos negócios públicos, pela proposta de uma visão crítica,

assegurando uma informação respeitosa dos fatos e pessoas. Esta

responsabilidade, individual e coletiva ao mesmo tempo, estende-se sobre o

campo dos deveres que são impostos aos jornalistas pelas diversas

formulações de sua deontologia profissional (CORNU, 1998, p. 107).

Em caso de publicação de uma notícia errada, o jornalista tem o dever ético de

desmentir, por mais que esta atitude não seja capaz de minimizar os danos à imagem de uma

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pessoa, no caso de haver algum indivíduo envolvido na informação, pois o público toma

como verdade qualquer notícia veiculada em meios de comunicação. A atitude de retificar a

notícia, entretanto, é o mínimo que se pode fazer.

A notícia divulgada pode ser desmentida, corrigida, complementada por

outros personagens, testemunhas ou peritos. Em sua pretensão da verdade,

de valor fundamental, a informação fica portanto submetida a uma avaliação

crítica permanente. A obrigação de retificação representa um desafio

importante. Se um fato foi relatado de modo parcial ou inexato, se um artigo

ou uma emissão divulgou uma informação contendo erros materiais, os fatos

devem ser precisados e os erros, corrigidos. Não existem jornalistas ou

jornais que não cometam erros, por menores que sejam. Os jornais sérios e

os jornalistas exigentes distinguem-se dos demais por publicar precisões e

retificações. O Código de conduta dos jornalistas britânicos acrescenta a

obrigação de pedir desculpas (CORNU, 1998, p. 68-69).

Como apontado neste capítulo, a conduta ética dos jornalistas é imutável, entretanto, a

forma com a qual o público se relaciona com os meios de comunicação sofre alterações. Essas

mudanças têm ocorrido atualmente, em virtude da convergência entre os meios e a crescente

popularização da internet, que trouxe novas ferramentas para uso no meio digital.

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2.3 O RECEPTOR NO RÁDIO: NOVOS PÚBLICOS NO AR

Conforme aponta Prata (2002, p. 1), no Brasil e em toda a América Latina existe “[...]

uma tendência de se voltar para o receptor as pesquisas em comunicação”. Para ela, “[...] há

uma intensa procura sobre o que pensa, o quer, o que deseja e como age o receptor e, mais do

que isto, entender o receptor como sujeito do processo de comunicação”.

Prata (2002, p.2) ressalta que, em entrevista de Nilda Jacks com Guilherme Orozco,

publicada em 1993 pelo INTERCOM, ele salientava que os primeiros estudos da

comunicação eram voltados para o emissor, sendo o receptor “[...] estudado como um

consumidor, em função de suas necessidades, seus gostos, para ver de que maneira seriam

oferecidos mercadorias e serviços”.

De acordo com Sousa (1995:40), no modelo antigo de estudos da recepção, o

receptor era uma tábua rasa, apenas um recipiente vazio para depositar os

conhecimentos originados, ou produzidos, em outro lugar, havendo uma

confusão permanente “da significação da mensagem com o sentido do

processo e o das práticas de comunicação, como também reduzindo o

sentido destas práticas na vida das pessoas ao significado que veicula a

mensagem” (PRATA, 2002, p. 2).

Antes tratados apenas como meros consumidores de informação ou serviços, aos

poucos os ouvintes começam a ser observados de maneira diferente pelos veículos e,

principalmente, se fazem querer ser ouvidos. Hoje o receptor é visto como Prosumer, conceito

criado pelo escrito Alvin Toffler, em que o usuário é encarado como produtor (producer, em

inglês) e consumidor (consumer, em inglês) do conteúdo.

As evoluções acompanharam os avanços tecnológicos. Para Braz e Meireles (2011, p.

2), quando “[...] o rádio passa a se fazer presente na internet, algumas de suas características

passam por mudanças muito peculiares que outrora o definiam e agora já não se fazem

presente, nem tampouco o definem”. Essas alterações acabam influenciando os ouvintes. Por

se tratar de uma mídia massiva, ou seja, capaz de alcançar parcela significativa da população,

a influência se torna ainda mais evidente, inclusive na linguagem.

Page 38: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

No rádio hertziano a linguagem utilizada é a oral, que atua em conjunto com

os recursos sonoros. Para o entendimento da mensagem basta apenas o

sentido da audição, não necessitando qualquer grau de instrução do ouvinte.

Já na webradio, juntamente com a linguagem sonora, outras linguagens

também se fazem presentes, como a textual e a imagética. Diferentemente do

rádio com transmissão em ondas eletromagnéticas, as webradios ainda

conservam um certo grau de exclusão, exigindo um mínimo de instrução

para se compreender as mensagens textuais e até mesmo para se ter acesso

ao endereço das emissoras da web (BRAZ E MEIRELES, 2011, p. 2).

Desde os primeiros anos em que o rádio foi implantado já existia uma demanda por

parte dos ouvintes de se comunicar com os profissionais das rádios, conceito que hoje

chamamos de interatividade. Até pouco tempo atrás, esse relacionamento era realizado de

forma mais lenta, através de cartas, telefonemas e telegramas.

O rádio firmou-se como um meio interativo desde os seus primeiros anos de

existência. Cartas, telegramas e telefonemas sempre foram a ponte de

interação entre a produção dos programas radiofônicos e os ouvintes. Ao

convergir com a internet, e tornar-se uma mídia digital, o caráter interativo

do rádio ganha dimensões ainda maiores (BRAZ E MEIRELES, 2011, p. 3).

O avanço da tecnologia colocou diversas plataformas à disposição dos ouvintes –

agora chamados de usuários –, que começaram a alimentar os veículos com mensagens em

áudio e vídeo e a utilizar largamente as redes sociais, como Twitter e Facebook, para enviar

recados para o programa, tudo com muito mais velocidade.

Thompson (1998, p. 77) explica que “[...] os indivíduos se relacionavam entre si

principalmente na aproximação e no intercâmbio de formas simbólicas, ou se ocupavam de

outros tipos de ação dentro de um ambiente físico compartilhado”, culminando na existência

de três situações interativas: ‘interação face a face’, ‘interação mediada’ e ‘quase interação

mediada’.

A interação face a face acontece num contexto de co-presença [...] e têm

também um caráter dialógico, no sentido de que geralmente implicam ida e

volta no fluxo de informação e comunicação, os receptores podem responder

aos produtores, e estes são também receptores de mensagens que lhe são

endereçadas pelos receptores de seus comentários. (THOMPSON, 1998,

p.78.).

Page 39: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Outro tipo de interação dialógica são as mediadas.

[...] formas de interação tais como cartas, conversas telefônicas etc. As

interações mediadas implicam o uso de um meio técnico (papel, fios

elétricos, ondas eletromagnéticas etc.) que possibilitam a transmissão de

informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no

espaço, no tempo, ou em ambos. [...] Os participantes de uma interação

mediada podem estar em contextos espaciais ou temporais distintos

(THOMPSON, 1998, p.78.).

Já as quase mediadas são estabelecidas através de meios de comunicação.

[...] relações sociais estabelecidas pelos meios de comunicação de massa

(livros, jornais, rádio, televisão etc.). [...] este terceiro tipo de interação

implica uma extensa disponibilidade de informação e conteúdo simbólico no

espaço e no tempo. [...] é monológica, isto é, o fluxo da comunicação é

predominantemente de sentido único. O leitor de um livro, por exemplo, é

principalmente o receptor de uma forma simbólica cujo remetente não exige

(e geralmente não recebe) uma resposta direta e imediata (THOMPSON,

1998, p.78.).

Primo (2008) diz que “[...] existem dois níveis de interação mediada por computador:

interação reativa e interação mútua”. Segundo Braz e Meireles (2011, p. 5), “as interações

reativas são aquelas que ocorrem entre o usuário e o sistema informático [...] os sistemas são

fechados e se caracterizam por operarem na forma estímulo-resposta”.

[...] quando o indivíduo seleciona essa ou aquela função o sistema

informático já tem a resposta predefinida. Se o usuário selecionar a mesma

função, obterá a mesma resposta. Outra característica desse tipo de interação

é a linearidade, visto que só quem codifica a mensagem é o webdesigner.

Não podemos nos esquecer que é devido a essa relação linear e unilateral

que o sistema é fechado (BRAZ E MEIRELES, 2011, p.5).

Já as interações mútuas são o oposto. Ainda de acordo com Braz e Meireles (2011, p.

5), neste tipo de interação o “[...] sistema é aberto e vale-se das trocas de conteúdo entre os

Page 40: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

indivíduos, que se dá de forma dinâmica e sempre em desenvolvimento. Os agentes são ativos

e criativos, por isso, interagem”. Entretanto, elas ressaltam que as duas podem funcionar

simultaneamente.

A existência de um nível interativo não exclui a existência do outro. O que

queremos destacar aqui é que a interatividade pode ocorrer nesses dois níveis

simultaneamente. Para que um internauta tenha acesso a uma sala de bate

papo virtual, para iniciar um diálogo com outro internauta, ele deve interagir

com o mouse, com o teclado ao mesmo tempo em que interage com o

software e também com a outra pessoa que está no bate-papo (BRAZ E

MEIRELES, 2011, p. 5 e 6).

A internet intensificou essa interação. Para Recuero, este meio de comunicação “[...]

amplificou a capacidade de conexão, permitindo que redes fossem criadas e expressas nesses

espaços: as redes sociais mediadas pelo computador”. De acordo com Braz e Meireles (2011,

p. 6), essas redes “[...] tornaram-se mais uma fonte de interação e de estreitamento da relação

entre produção e audiência que muitas mídias, tanto as analógicas quanto as digitais, utilizam

desse mecanismo para fomentar a interatividade com o seu público-alvo”.

Page 41: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

3 HISTÓRIAS QUE SE CONFUNDEM

3.1 FUTEBOL: ESTRANGEIRICES ENTRAM, SIM, NA TERRA DO ESPINHO

O futebol, como é conhecido atualmente, foi criado apenas em 1846, na Inglaterra,

quando foram definidas regras distintas para a prática do football, que passou a ser jogado

com os pés – com exceção do goleiro (goalkeeper, em inglês), que pode utilizar as mãos –, e

do rugby, que permaneceu sendo disputado com as mãos. Até então, ambos os esportes eram

semelhantes, com diferenciações apenas nas escolas em que eram praticados.

Essas regulamentações, porém, só haviam sido estipuladas nas escolas de elite, sendo

que o football também era praticado pela classe operária e, sem regras, era bastante violento,

provocando a ausência dos operários e, consequentemente, a perda de lucro pelas empresas.

Desta forma, fez-se necessário estender as Regras de Cambridge.4

Era preciso, assim como foi feito nas escolas, regulamentar esses jogos, para

torná-los menos violentos e trazê-los para dentro da esfera do controle do

Estado. Tal regulamentação do Football foi expandida, com a ajuda do

Estado, para toda a sociedade inglesa. A classe burguesa industrial triunfou,

e suas regulamentações esportivas se massificaram, tornado o futebol em um

esporte de massa (ANTUNES DE LIMA, 2002, p. 6).

Em 1863 foi criada, também na Inglaterra, a Football Association (FA), primeira

associação de futebol de todo o mundo, que desenvolveu e universalizou as regras oficiais do

esporte. Foi então definido que os jogos de futebol seriam disputados em datas especificadas

pela FA, que, desta forma, teria controle sobre a prática do esporte. Os confrontos passaram a

ser disputados nos sábados à tarde, dia de folga dos operários.

4 Criada em outubro de 1948, no Trinity College, em Cambridge, Reino Unido.

Page 42: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Assim, num curtíssimo espaço de tempo, o futebol conquistou por completo

toda a população trabalhadora inglesa e, em breve, conquistaria a do mundo

inteiro. Como entender esse frenesi, esse poder irresistível de sedução, essa

difusão epidêmica inelutável? Como vimos, parte da explicação está nas

cidades, parte no próprio futebol. A extraordinária expansão das cidades se

deu, como vimos, a partir da Revolução Científico-Tecnológica, pela

multiplicação acelerada da massa trabalhadora que para elas acorreu em

sucessivas e gigantescas ondas migratórias. Nas metrópoles assim surgidas,

ninguém tinha raízes ou tradições, todos vinham de diferentes partes do

território nacional ou do mundo. Na sua busca de novos traços de identidade

e de solidariedade coletiva, de novas bases emocionais de coesão que

substituíssem as comunidades e os laços de parentesco que cada um deixou

ao emigrar, essas pessoas se vêem atraídas, dragadas para a paixão

futebolística que imana estranhos, os faz comungarem ideais, objetivos e

sonhos, consolida gigantescas famílias vestindo as mesmas cores

(SEVCENKO, 1994, p. 35).

Embora existam indícios de que o futebol já era praticado no Brasil, o esporte,

oficialmente, foi introduzido no país por Charles Miller, em 1894, que voltara da Inglaterra,

onde passara dez anos estudando, trazendo uma bola e um conjunto de camisas. Ele ensinou a

prática aos sócios do São Paulo Atletic Club.

Três anos mais tarde, Oscar Cox, que retornara da Suíça trazendo a ideia de formar

uma equipe profissional de futebol, tentou encontrar jovens dispostos a “comprar” a ideia. A

meta só foi alcançada em 1901, no Rio Cricket Club, clube de Niterói-RJ fundado por George

Cox, pai de Oscar. No que é considerado o jogo inaugural do Rio de Janeiro, Rio Cricket e

Payssandu empataram em 1 a 1 após disputarem dois tempos de 20 minutos com 15 de

intervalo.

A primeira partida envolvendo equipes de dois diferentes estados do Brasil foi

realizada no mesmo ano, em 19 de outubro, quando o Rio Team e o São Paulo Scratch Team

também ficaram no empate, desta vez em 2 a 2, em partida que teve inicio às 4h55 da manhã e

foi realizada no Estádio do Velódromo, que pertencia ao clube São Paulo Atletic e estava

sendo inaugurado naquele dia (LANNA FERNANDEZ, 2010, p. 17).

Segundo Lanna Fernandez (2010), em novembro de 1901, Oscar Cox e outros dois

atletas do Rio Cricket, Mário Frias e C. Robinson, redigem um comunicado informando sobre

uma reunião que trataria da fundação do primeiro clube criado especificamente para o futebol,

o qual se chamaria Rio Football Club. Entretanto, essa ideia não vingaria rapidamente.

Page 43: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Ainda de acordo com Lanna Fernandez (2010, p. 18), em julho de 1902 o inglês Mr.

Machentock, que era o capitão da equipe, foi barrado por Cox de uma partida realizada em

São Paulo e acabou se desligando do grupo. Ele então fundou, no dia 18 daquele mês, o Rio

Football Club, que só aceitava atletas de origem inglesa. Ao tomar conhecimento da fundação

do Rio Football Club, Cox decidiu fundar o Fluminense Football Club.

Conforme trata Coelho Netto, “[...] o Fluminense foi o verdadeiro guia e modelo de

todos os clubes cariocas. A ele se deve o desenvolvimento do Football (grifo do autor) no Rio

de Janeiro. É uma sociedade que tanto vem trabalhando pelo aprimoramento moral e cultural

da mocidade”. Mais tarde falaremos do Tricolor das Laranjeiras, alcunha pela qual o

Fluminense é conhecido.

Segundo o jornalista Paulo Vinícius Coelho (2011, p. 7), o escritor Graciliano Ramos,

no início do século XX, fez o pior palpite da história do futebol ao afirmar que “Futebol não

pega, tenho certeza; estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho”. Graciliano não

tinha nada contra o futebol, ele apenas acreditava que o esporte inglês não iria se firmar entre

os brasileiros. Mas se firmou.

Em 7 de maio de 1919, quatro dias antes do Campeonato Sul Americano daquele ano,

realizado no Brasil, o jornal ‘A Rua’ fez a seguinte publicação, de acordo com (COELHO,

2011): “Antes do campeonato, o football aqui já era uma doença: agora é uma grande

epidemia, a coqueluche da cidade, de que ninguém escapa”. Já no dia 11, data da estréia da

Seleção Brasileira, foi a vez do ‘Rio Jornal’ estampar o torneio em suas páginas, ressaltando o

apoio do Fluminense, que construiu com a própria renda um estádio para ser Sede da

competição.

Iniciou-se hoje, às 15 ½ horas, sob os melhores auspícios, o sensacional

Terceiro Campeonato Sul-Americano de Football. Fazendo coincidir com

esta temporada de “matches” internacionais, a festa de hoje teve ainda o seu

brilho aumentado pela inauguração do stadium do Fluminense Football

Club, o glorioso campeão tricolor brasileiro. A cerimônia de inauguração do

stadium consistiu juntamente na inauguração do “match” internacional, para

o qual foi construído o soberbo campo (COELHO, 2011).

No dia 29 de maio, data de disputa da grande final da competição, em que o Brasil

viria a se sagrar campeão com uma vitória de 1 a 0 sobre o Uruguai, com gol marcado por

Friedenreich aos dois minutos do primeiro tempo da segunda prorrogação – atualmente só

Page 44: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

existe uma prorrogação e não havendo um vencedor a partida vai para a disputa de pênaltis –,

o jornal ‘A noite’ estampou o triunfo brasileiro da seguinte forma.

A concorrência, se não era colossal como a de domingo, era seletíssima,

notadamente pelo número de senhoras. A animação, extraordinária desde 11

horas, tornou-se como poucas vezes tem acontecido ao aproximar-se a hora

do jogo. Um alarido unânime atroava e nos morros vizinhos a multidão

agitava bandeiras nacionais, por entre vivas. [...] O jogo de hoje era já de

desempate e, assim, de graves responsabilidades para ambos os teams. [...]

Brasileiros: Marcos, Píndaro e Bianco, Sergio, Amilcar e Fortes, Millon,

Néco, Friedenreich, Heitor e Arnaldo. [...] 1º Half Time: Brasileiros 0 goal

Uruguaios 0 goal – 2º Half Time: Brasileiros 0 goal Uruguaios 0 goal –

Nova prorrogação: 1º goal brasileiro Hurrah! Friedenreich! Hurrah – Brasil!

(...) Néco corre pela direita, centra, sendo a bola recebida de cabeça por

Heitor, que a passa a Friedenreich. Este, com um shoot de meia altura, ao

meio do poste, marca o 1º goal brasileiro. Hurrah! Friedenreich! Hurrah –

Brasil! [...] Final: Brasileiros 1 goal Uruguaios 0 goal – Com este resultado

foram os brasileiros aclamados campeões da América do Sul (COELHO,

2011)

“Em 1925, o futebol já era o esporte nacional e faltavam apenas cinco anos para o

início da primeira Copa do Mundo. O Brasil havia sido bicampeão sul americano em 1919 e

1922, mas o profissionalismo só chegaria ao país oito anos mais tarde” (Coelho, 2011, p. 11).

Este trecho faz referência ao não pagamento de salários aos jogadores que representavam os

clubes de futebol, o que viria a acontecer em 1933.

Quando o futebol se tornou profissional e os atletas começaram a receber salários,

muitos clubes que até então eram de elite deixaram de praticar o esporte, “a exemplo do Clube

Atlético Paulistano, maior campeão do período do amadorismo no futebol paulista, com 11

títulos” (ANTUNES DE LIMA, 2002, p.12).

Alguns clubes formados em várzea pelos operários das fábricas, entretanto, resistem

até hoje, como o carioca Bangu e os paulistanos Corinthians e Palmeiras (ex-Palestra Itália).

Entre as equipes de elite, a única que continua existindo é a do Fluminense, que,

coincidentemente, foi o primeiro clube nacional dedicado prioritariamente ao futebol, seguido

pelo mesmo Bangu, além do América e do Botafogo.

O futebol brasileiro move, nos dias de hoje, bilhões de reais, entre investimentos em

salários de jogadores, pagamento de prêmios de assinatura de contrato e compra dos direitos

econômicos sobre os atletas, patrocínios em uniforme, fornecedores de material esportivo,

venda dos direitos de transmissão para meios de comunicação, receitas de público etc.

Page 45: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

O rádio, que diferentemente de outros meios de comunicação não é obrigado a pagar

pelos direitos de transmissão das partidas, também realiza essas transmissões. Lógico, dentro

das próprias características dos veículos, lidando com o imaginário e a emoção dos

torcedores, fatores que serão expostos a seguir.

Page 46: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

3.2 IMPARCIALIDADE E EMOÇÃO: OS ASPECTOS COMPORTAMENTAIS DOS

PROFISSIONAIS

É comum observar alguns pais comprando roupas e acessórios do clube do coração

para o filho que ainda está na barriga da mãe e, muitas das vezes, sonhando com o dia em que

levará o herdeiro ao estádio para ver o time ser campeão. Por esses e outros comportamentos,

fica evidente que esporte envolve paixão, principalmente quando se trata de futebol, que para

muitos dos brasileiros é encarada como algo superior às próprias crenças.

Baseamos nossa lealdade e fidelidade, valores importantíssimos no campo

da identidade política e religiosa, em coisa tão pouco séria como o esporte.

Mais uma manifestação da nossa originalidade, autenticidade, criatividade,

singularidade, particularidade, valores românticos dos quais fazemos parte

(LOVISOLO, 2002, p. 13).

Sendo assim, fica difícil separar esse sentimentalismo do cotidiano, inclusive quando

se trabalha diretamente com futebol, não do lado de dentro das quatro linhas, mas do lado de

fora, descrevendo as partidas para os ouvintes durante as transmissões de rádio de uma

maneira que seja capaz de seduzir o ouvinte a manter-se “preso” à transmissão.

O rádio é um veículo de comunicação de massa que apresenta o sentido

midiático da alteridade, razão pela qual afirmamos que, ao produzir qualquer

programa, o produtor deve ter em mente a noção de que vai dizer alguma

coisa a alguém cujo conteúdo deve ser interessante, inteligível e que,

sobremaneira, possa catalisar a atenção para aquilo que é comunicado

(GOMES, 2006, p. 1).

De acordo com Ortriwano (1985, p. 26), o “[...] rádio esportivo sempre foi muito

participante, muito vibrante, gerando polêmicas, um dos setores mais opinativos de toda a

programação”. E as opiniões dos especialistas são essenciais para deixar o ouvinte atento,

interessado tanto nas partidas quanto nos fatores envolvidos nelas. Segundo César (2005, p.

7), “é impossível fazer rádio sem falar em emoção”.

Page 47: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

De Araújo (2007, p. 25) diz que “[...] o rádio passa a evocar o imaginário do ouvinte

nas mais diversas situações. Em rádio, falar de fantasia não quer dizer falar em algo

inverídico. O ouvinte de rádio é capaz de sintonizar não para fruir de uma mera transmissão,

mas, está sintonizado simplesmente por gostar”.

A criação de “imagens mentais” é tão poderosa, a ponto de ser muito mais

emocionante ouvir uma partida pelo rádio do que assisti-la no próprio

estádio. O torcedor vai ao estádio, mas leva seu “radinho” para saber que

está acontecendo... Ou assiste a imagem na televisão, ouvindo a narração do

rádio (ORTRIWANO, 1985, p.27).

Na opinião de Gotschalg (2006, p. 16), torcedores, jornalistas esportivos e críticos de

arte têm em comum a paixão pelo futebol como forma de arte. Para ele, “[...] isso quer dizer

que mediante a emoção, eles se situam na perspectiva dos de dentro, ou seja, dos que

pertencem ao campo de significados das obras que observam. E pra falar de arte ou esporte é

preciso amá-los de alguma maneira”.

As transmissões de rádio, no Brasil, começaram em 1922, mas as notícias de caráter

esportivo, segundo Almeida e Micelli (2004), tiveram início apenas entre os anos 1929 e

1930, com informações curtas sobre as partidas realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo,

devido ao pouco recurso à disposição dos profissionais.

Há muitas divergências sobre quem teria sido o responsável pela primeira transmissão

ao vivo de uma partida de futebol. Entre os possíveis “pais”, são citados Oduvaldo Cozzi, a

emissora Record, e a mais plausível entre as suposições: Nicolau Tuma. Embora Ortriwano

(1985) afirme que a primeira transmissão ao vivo de uma partida de futebol foi realizada por

Tuma em 10 de fevereiro de 1932, Soares (1994, p. 21) defende que aconteceu no ano

anterior, no duelo “[...] entre as seleções dos estados de São Paulo e Paraná”, narrado pelo

próprio Tuma.

Segundo de Araújo (2007, p. 27), Prado (2006) diz que “[...] as coberturas com

emoção agradam mais o público brasileiro do que as do estilo europeu: frias. [...] emissoras

como a CBN de São Paulo procuram investir em uma cobertura que se preocupa mais com o

jornalismo do que com a emoção”. Entretanto, Prado reforça que “[...] esse novo tipo de

narração começou há pouco tempo e não dá para se ter uma ideia se esse estilo vingará”.

Page 48: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Não adianta inventar muito, o forte do esporte no Brasil é o futebol mesmo.

Você até pode introduzir dropes (boletins curtinhos, de dois a três minutos)

de informações sobre as demais modalidades de esporte, como basquete,

tênis ou automobilismo. É uma boa idéia que enriquece a programação

esportiva. Não espere, porém, retorno retumbante. O que dá audiência é a

bola no pé (PRADO, 2006, p.42).

Mas como tentar seu neutro em um ambiente recheado de emoções? Como não deixar

transparecer a felicidade ou a raiva ao ver o time pelo qual torce ou o rival triunfar de maneira

extraordinária ou sucumbir de forma ridícula? Por isso, Souza Neto (2008, p. 43) diz que “[...]

o conceito de imparcialidade no jornalismo traz sempre uma discussão, principalmente na

parte esportiva”.

Jornalismo é tudo igual. Econômico, esportivo, policial, as regras básicas são

sempre as mesmas. Ouvir todos os lados da questão, para checar cada

informação, escrever com ética e clareza. Em uma frase se resume tudo. Ou

quase. O jornalismo esportivo se atrapalha de vez em quando em um

requisito básico da profissão, que é a imparcialidade. Como podemos

praticar a imparcialidade se, no fundo, não somos imparciais? Porque, antes

de mais nada, desconfie de repórter de futebol que diz não ter time. Se não

tem, provavelmente não ama o esporte e talvez esteja sem emprego. (...)

Todos torcemos, a dificuldade é separar a paixão que vem da infância da

atividade diária. Os melhores conseguem, mas muita gente é condescendente

demais quando se trata do próprio clube ou, como costuma acontecer,

extremamente exigente. Temos um complicado exercício cotidiano para

separar emoção de razão. (FILHO, 2008)

Antes de apontar as características da Rádio Canal Fluminense, objeto de estudo desta

pesquisa, e explicar como ela encara os aspectos de imparcialidade e emoção durante as

transmissões, apresentamos um breve histórico do Fluminense Football Club, clube pioneiro

no futebol do Brasil.

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3.3 FLUMINENSE FOOTBALL CLUB: RETUMBANTE DE GLÓRIAS

O Fluminense Football Club foi fundado no dia 21 de julho de 1902, na casa do atleta

Horácio da Costa Santos, localizada na Rua Marquês de Abrantes, nº 21, no bairro do

Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, por 20 sócios fundadores, todos da mais alta classe do

estado, que foram escolhidos por convite.

Segundo Lanna Fernandez (2010, p. 20), a origem do nome Fluminense deve-se ao

hábito de, na época, todos os cariocas, independentemente de morarem na capital ou no

interior, serem chamados, indistintamente, de fluminenses. Ainda de acordo com o autor, essa

distinção “[...] só se estabeleceu depois de 1892, quando o Rio de Janeiro deixa de ser

município neutro e passa a ser Distrito Federal [...] Após a lei, continuou o hábito de se usar o

termo fluminense para os habitantes do Distrito Federal”.

Nessa primeira assembléia, os associados também elegeram Oscar Cox

como presidente e fundaram duas comissões, uma para arranjar um terreno

para a prática do jogo e outra para a redação dos estatutos do novo clube. A

primeira tentativa foi o aluguel de um terreno na Rua Dona Mariana em

Botafogo, mas o aluguel era muito alto e eles desistiram. Outro local foi

encontrado na Rua Guanabara (atual Pinheiro Machado), esquina do Roso

(atual Coelho Netto), bem ao lado do Palácio Guanabara, antiga residência

da Princesa Isabel. O terreno foi alugado ao Banco da República, em 17 de

outubro de 1902, por 100$000. Dois anos depois, Eduardo Guinle comprou a

casa dos fundos do terreno para transformá-la em sede, além de todo o

terreno em volta do campo para ampliar o clube. Nesse momento o clube

contava com cerca de 30 sócios que pagavam uma mensalidade de 5$000,

correspondente à compra de um sapato, com uma arrecadação total de

150$000. Esse dinheiro só bancava as despesas de manutenção do clube.

Quando havia necessidade de gastos extras, como compra de bolas ou para

levantar um barracão para servir de vestiários, abria-se um subscrição que,

nesse caso, chegou a 25$000 (LANNA FERNANDEZ, 2010, p. 21).

Em reunião realizada no dia 17 de outubro de 1902, no clube das Laranjeiras, foi

definido o uniforme oficial do Fluminense: camisas em tonalidades cinza e branco, metade de

cada cor, shorts branco e meias pretas. O escudo tinha as iniciais “F.F.C.” bordadas em

vermelho.

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Depois da fundação, da escolha do campo e do seu primeiro uniforme, o Fluminense

enfrentou o seu primeiro adversário no campo do Paysandu Cricket Club, no dia 19 de

outubro de 1902. O jogo foi contra o Rio Football Club e o placar foi um acachapante 8 x 0

para o Fluminense, com gols de Horácio da Costa Santos (3), Heráclito de Vasconcellos (2),

Félix Frias, Eurico de Moraes e Simonsen (1). O time foi: Américo Couto; M. Frias e V.

Etchegaray (cap.); Mário Rocha , Oscar Cox e W. Schuback; A. Simonsen ; E. Moraes; Costa

Santos , H. Vasconcellos e F. Frias. Sendo que o primeiro gol da história do Fluminense foi

marcado por Horácio da Costa Santos5.

Quadro 1 – Súmula de Fluminense Football Club 8 x 0 Rio Football Club

Fonte: Flu Memória

No mesmo ano, o Fluminense formou uma equipe de atletismo para disputar, a convite

do Rio Cricket, os jogos comemorativos da coroação do Rei Eduardo VII da Inglaterra. Victor

Etchegaray, que era capitão do time de futebol, foi o destaque do clube, conseguindo o

primeiro lugar na prova eliminatória de 100 jardas e ficando com o segundo lugar na prova

final.

Em 1903 o Fluminense, mais uma vez, é pioneiro no futebol, ao alavancar a rivalidade

entre cariocas e paulistas. Em série de três amistosos, empatou em 0 x 0 com o Internacional-

5 Disponível em < http://www.canalfluminense.com.br/historia >. Acesso em: 30/10/2011.

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SP, venceu o Paulistano, de Charles Miller, por 2 a 1, e atropelou o São Paulo Athletic,

campeão paulista daquele ano, por 3 a 0. Em 15 de julho de 1904, ocorreu a mudança que

viria a caracterizar os atletas do Flu como “sportsmen tricolores”.

De acordo com o historiador Marcel Cezar, o uniforme nas cores cinza e branco eram

de rara fabricação em Londres, na Inglaterra, onde eram comprados. Foi então que Oscar Cox

e Mário Rocha, que estavam na cidade londrina, viram uma camisa nas cores verde, branco e

encarnado, encaminhando uma correspondência aos sócios do clube, no Rio de Janeiro,

sugerindo a mudança. A proposta foi colocada em votação e aceita por unanimidade. Na

despedida do uniforme cinza e branco, goleada do Fluminense sobre o Rio Cricket: 4 x 0.

Em 1905, o Fluminense tentou a criação de uma liga estadual, mas não obteve sucesso

pela demora dos rivais em responder a ideia. Então disputou alguns amistosos, goleando o Rio

Cricket por 7 x 1, o F. G. Athletic Club por 10 x 0 e o Botafogo de Futebol e Regatas, um de

seus principais rivais na atualidade, por 6 x 0, no primeiro confronto entre os clubes.

No ano seguinte o Fluminense se sagrou o primeiro campeão do Campeonato Carioca

de Futebol. Em dez jogos, venceu nove e perdeu apenas 1, totalizando 52 gols marcados e

apenas seis sofridos. Teve ainda o artilheiro do torneio: Horácio da Costa Santos, que marcou

18 gols, inclusive o primeiro do Estadual, na vitória de 7 x 1 sobre o Paysandu Cricket, em 3

de maio, nas Laranjeiras.

Em 1907, o Fluminense novamente venceu o campeonato do estado, mas o Botafogo

não respeitou o regulamento do torneio, que previa, em caso de igualdade de pontos entre as

equipes, a conquista da taça pelo time que tivesse mais saldo de gols, e exigia a disputa de

uma partida extra. O Fluminense se negou, pois era o campeão de direito, e desligou-se da

Liga Metropolitana de Sports Atléticos. Com a saída do seu principal filiado, a Liga foi

extinta.

Nos dois anos seguintes, 1908 e 1909, em ambos o Fluminense foi campeão invicto do

Estadual, ou seja, sem sofrer nenhum revés. Ao todo, durante a campanha do

Tetracampeonato, foram disputados 39 jogos, com 33 vitórias, quatro empates e apenas duas

derrotas.

Em 1910, o primeiro confronto internacional dos “sportsmen” tricolores. O clube

patrocinou a vinda do Corinthians de Londres, maior time da Inglaterra, para três amistosos.

O Flu abriu o placar aos 15 segundos, gol de Oswaldo Gomes, mas sofreu impiedosa virada:

Page 52: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

10 x 1. Dois anos depois, o episódio que culminou na fundação do futebol do Clube de

Regatas do Flamengo, outro rival do Fluminense na atualidade.

Em julho, Ernesto Paranhos e Haroldo Cox foram demitidos. Os substitutos naturais

seriam Oswaldo Gomes e Alair Antunes, mas após uma série de divergências, Oswaldo

recusou o posto e, em 7 de agosto, enviou carta à diretoria do clube comunicando sobre a

saída dele do quadro de sub-capitão, às vésperar do jogo contra o Rio Cricket.

A Comissão escalou o seguinte quadro: Baena, Píndaro e Nery, Lawrence,

Amarante e Galo; Oswaldo, Orlando, Paranhos, Gustavo e Calvert. Alberto

Borgerth porém sugeriu, com apoio da maioria, que os jogadores fossem

consultados sobre a escalação do quadro. Afonso de Castro, voto vencido,

bateu-se contra a sugestão, ponderando que isso constituiria um mau

precedente, pois transferiria para os jogadores as atribuições do Gound

Committee. Com a exceção de Oswaldo Gomes e James Calvert, os demais

jogadores se pronunciaram pela substituição de Oswaldo por Arnaldo

Guimarães e Paranhos por Borgerth, mas o Ground Committee manteve o

conjunto escalado contra o voto de Borgerth que estava de acordo com a

opinião da maioria dos jogadores. O quadro escolhido pelo Committee

venceu o jogo por 5 x 0... A 3 de outubro, entretanto, Alberto Borgerth,

Othon Baena, Píndaro de Carvalho Rodrigues, Emmanuel Nery, Ernesto

Amarante, Armando de Almeida (Galo), Orlando Mattos, Gustavo de

Carvalho e Lawrence Andrews solicitaram demissão do Club. O Fluminense

perdeu 9 dos seus 11 jogadores campeões do ano, mas seus princípios foram

mantidos (História do Fluminense, Tomo I, Paulo Coelho Netto).

No dia 7 de julho de 1912, com elenco completamente renovado e apenas dois

remanescentes do time campeão invicto de 1911, o Fluminense enfrentaria seus dissidentes

pela primeira vez. Edward Calvert abriu o placar para o time das Laranjeiras logo no primeiro

minuto. Arnaldo empatou aos quatro e assim o jogo prosseguiu até o intervalo. Aos 17 da

segunda etapa, James Calvert, um dos que permaneceram no Flu, recolocou a equipe na

frente, mas a vantagem durou apenas 13 minutos – Píndaro fez para o Fla. O gol que coroaria

a honra tricolor veio aos 32, quando Bartholomeu aproveitou lançamento de James Calvert e

deu a vitória ao Fluminense.

A primeira Seleção Brasileira de Futebol, formada em 1914, também conta com dois

atletas do Fluminense entre os convocados: Marcos Carneiro de Mendonça, goleiro de apenas

19 anos, e Oswaldo Gomes, autor do primeiro gol da história da Seleção, na vitória de 2 x 0

sobre o inglês Exeter City.

Page 53: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Outro dado marcante de 1914 é o episódio que resulta no apelido do

Fluminense. Carlos Alberto, um dos atletas oriundos do América, era um

jogador muito habilidoso, mas que não dispunha das características quase

que obrigatórias para os padrões tricolores da época: ser branco, de família

tradicional e educado. Mulato e de origem humilde, Carlos Alberto ganhou

espaço no 1º quadro tricolor pelo seu bom futebol. Mas tinha receio da

reação da torcida no tocante a sua cor. Por isso, teve a ideia de passar pó-de-

arroz pelo corpo para tentar disfarçá-la. O que Carlos Alberto não imaginava

é que, com o decorrer da partida, quanto mais se esforçava, mais o suor

tirava o pó-de-arroz, vindo à tona a sua cor natural. Pobre Carlos Alberto! E

logo contra o América, seu ex-clube! A torcida americana percebeu o truque

e, de maneira pejorativa, atribuiu o apelido de Pó-de-arroz aos tricolores. Se

para os americanos, o apelido era uma afronta ao Fluminense, para o resto da

cidade o apelido soou como a mais perfeita descrição do aristocrático clube

das Laranjeiras.6

Em 1919, a pedido da prefeitura do Rio de Janeiro, cidade-sede do Sul-Americano de

Seleções daquele ano, o Fluminense constrói, com o próprio dinheiro, o Estádio das

Laranjeiras, primeiro estádio de futebol do Brasil, com capacidade para 18 mil pessoas. Três

anos mais tarde, com o Rio novamente selecionado como sede do torneio, o Flu ampliou o

estádio, que passaria a comportar público de 25 mil pessoas. Para isso, teve de hipotecar a

própria sede para financiar os custos com a construção.

No ano de 1949, o Fluminense recebeu, por unanimidade de votos, o troféu máximo

do esporte, a Taça Olímpica, que foi instituída pelo Barão Pierre de Coubertin com o objetivo

de premiar o órgão esportivo que mais contribuiu para o olimpismo, além de ser organizado e

comprometido com o esporte em geral.

Sempre pioneiro, o Fluminense, introdutor do futebol no Rio de Janeiro, foi

o clube que lançou as bases do esporte nacional, projetando e organizando os

esportes olímpicos. O Tricolor deu à sociedade a oportunidade de praticar

esportes até então desconhecidos e praticados somente fora do país, como

vôlei, basquete, futebol e water pólo. Construiu o primeiro estádio de

futebol, a primeira pista de atletismo, a primeira piscina coberta do país e o

primeiro ginásio poli-esportivo, capaz de abrigar apresentações esportivas e

artísticas. O Fluminense serviu de modelo para as agremiações esportivas da

América do Sul e este feito foi reconhecido no dia 28 de abril, quando foi

6 Disponível em < http://www.canalfluminense.com.br/historia >. Acesso em: 30/10/2011.

Page 54: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

conferida ao Fluminense Football Club a Taça Olímpica de 1949 por

unanimidade.7

Três anos depois, em 1952, no ano em que completava 50 anos de fundação, o

Fluminense se sagrou campeão Mundial de Clubes. De forma invicta – 5 vitórias e 2 empates

em 7 jogos –, o Tricolor das Laranjeiras superou Sporting, de Portugal, Grasshopper, da

Suíça, e Peñarol, do Uruguai, na primeira fase, Áustria Viena, da Áustria, na semifinal, e

Corinthians, do Brasil, na grande decisão, para ficar com a taça.

Em 1970, o Flu conquistou o Campeonato Brasileiro, competição que viria a ganhar

novamente em 1984. Na década de 1990, o Flu acumulou sucessivos rebaixamentos, sendo

um deles revogado após divulgação do escândalo Ivens Mendes, que consistia em um

esquema de corrupção na CBF para que alguns árbitros influenciassem no resultado dos

jogos.

Outra “virada de mesa” também é erradamente atribuída ao Fluminense. Em 2000,

impedida de realizar o Campeonato Brasileiro por estar em litígio judicial com o Gama-DF, a

CBF transfere a função de organizador do torneio para o Clube dos 13. Com isso, Fluminense,

Bahia, Juventude e América-MG são incluídos no Brasileirão, da mesma forma que

Corinthians e Santa Cruz acabaram não sendo rebaixados naquele ano.

Superada esta fase, o Flu volta a se consolidar como uma das principais forças

nacionais a partir do ano de 2007, quando levantou o troféu da Copa do Brasil. Em 2008, foi

vice-campeão da Taça Libertadores, principal torneio da América do Sul, e no ano seguinte

alcançou a mesma posição na Copa Sul-Americana, segunda competição mais importante do

continente.

Em 2010, liderado pelo apoiador argentino Darío Conca, que disputou todos os 38

jogos da competição, o Fluminense voltou a conquistar o Campeonato Brasileiro, com uma

campanha de 20 vitórias, 11 empates e apenas sete derrotas. Marcando, no total, 68 gols e

sofrendo 36, o que credenciou o clube como a defesa menos vazada do Brasileirão.

7 Disponível em < http://www.canalfluminense.com.br/historia >. Acesso em: 30/10/2011.

Page 55: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

3.4 RÁDIO CANAL FLUMINENSE: A PROPOSTA DA SEGMENTAÇÃO

O Canal Fluminense era um canal de bate papo entre torcedores do clube no programa

mIRC, em 2001. Percebendo a “força” do nome para um veículo de comunicação, o jornalista

Gabriel Peres então decidiu criar um site para unir o útil ao agradável: produzir conteúdo

jornalístico para um pequeno, mas fiel, público e colocar em prática o desejo de fazer a

cobertura do time pelo qual torcia.

Em entrevista concedida por ele a um programa de TV acadêmico na Universidade

Estácio de Sá, Gabriel ratificou que a estrutura do site era realmente “muito pequena e

experimental”. Após período de testes que durou todo o ano de 2002, o Canal Fluminense

começou a se estabelecer como veículo informativo a partir de 2003, quando criou a primeira

equipe de jornalistas para fazer a cobertura das notícias do Fluminense para o Campeonato

Carioca daquele.

O primeiro furo veio ainda durante a fase de testes, em 2002, quando noticiou as

contratações do atacante Romário e do apoiador Beto. Segundo Gabriel Peres, “ninguém

acreditou na notícia, mas este acontecimento serviu para percebermos que poderíamos tratar

aquele site, que no início lidávamos de forma despretensiosa, de uma maneira séria”.

Foi aí que o Canal Fluminense passou a ir ao clube diariamente para realizar a

cobertura dos acontecimentos no Tricolor e, além disso, adquiriu uma câmera digital, que

possibilitou a veiculação de imagens feitas pela equipe e reduziu os custos de manutenção do

site. Comprovada a seriedade do trabalho, conseguiu credenciar um jornalista e um estudante

de jornalismo junto a ACERJ (Associação dos Cronistas do Estado do Rio de Janeiro), que

controla o trabalho dos jornalistas e radialistas em praças esportivas.

Conseguimos, aos poucos, a tirar aquela imagem de ‘Que site é esse? Isso é

site de clube? Coisa de garoto... de criança... será que isso é sério?’ Nós

lutamos muito tempo para termos credibilidade perante os usuários, que

eram torcedores querendo notícias. A forma de conquistarmos essa

confiança era desenvolver o trabalho de forma que o torcedor entrasse no

site e visse que ali tinha um conteúdo informativo, com uma linguagem

jornalística. Não era uma brincadeira, apesar de que na internet nós podemos

ver muitas mentiras, principalmente em fóruns.

Page 56: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Em 2005, dois anos após estabelecer-se como veículo noticioso e já com o

conhecimento sobre o que funcionava melhor junto ao público alvo, o Canal Fluminense criou

uma equipe renovada e ainda mais completa para a cobertura do Campeonato Carioca daquele

ano, com jornalistas e fotógrafos credenciados aos órgãos competentes, e reformulou

inteiramente o sistema do site, que passou a ser integrado e baseado em banco de dados,

dando total autonomia para a publicação de notícias através da área de administração.

Os usuários também foram contemplados com essa mudança estrutural no site, pois

puderam utilizar o cadastro deles para acessar o fórum Mural Tricolor, deixar comentários nas

notícias e participar das promoções. Essas novidades aumentaram substancialmente a

quantidade de visitantes, o que atraiu mais parceiros e anunciantes.

Com maior aporte financeiro pôde-se criar um projeto ainda mais atualizado para

2007, com o lançamento de um novo layout para o site e a prática de outras tendências, como

a hiper interatividade e um conteúdo multimídia, até então adotadas apenas pelos principais

sites de informação do mundo.

Em 2010 o site foi novamente renovado, oferecendo informações mais detalhadas

sobre os atletas e mais espaços na capa do site para informações de destaque. O projeto

gráfico do layout é mais “limpo” e vinculado às redes sociais Facebook e Twitter, além de ter

sido desenvolvida uma versão reduzida do site para leitura em telefones celulares e

smartphones.

Em 2003, enquanto conversava com Claudio Kote, até então um dos participantes do

fórum, Gabriel Peres decidiu fazer um novo experimento e transmitir uma partida do

Fluminense através do site para ver como funcionaria perante a opinião do público.

A proposta seria de criar uma rádio dedicada apenas às transmissões dos jogos do Flu,

com caráter parcial. Ou seja, torcendo deliberadamente pelo Tricolor, embora o aspecto da

verdade viesse em primeiro plano. Kote assumiu a coordenação do grupo da rádio e, ao lado

de Gabriel, fez a primeira transmissão.

Foi uma transmissão de teste, de experiência, em um estúdio, sem

preocupação nenhuma com a questão da estrutura que tínhamos à disposição.

A transmissão foi dedicada apenas ao público que estava ali no fórum e

serviu, inclusive, para notarmos a força da interatividade com esses usuários.

Page 57: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

O interessante é que todas essas experiências que fizemos nos deram base

para trabalharmos novidades de maneira muito mais sólida.

Ainda em 2003 a rádio Canal Fluminense enfrentou sua primeira dificuldade. Após

transmitir dois jogos experimentais, o veículo teve de interromper os testes devido ao alto

custo da tecnologia streaming, fundamental para a transmissão de áudio através da internet,

que estava orçado em cerca de dez mil reais mensais, o que incapacitava a continuidade do

serviço.

A ideia, entretanto, não foi abandonada e voltou a ser colocada em prática em 2007. O

Canal Fluminense firmou parceria com uma empresa de streaming e transmitiu três jogos do

Campeonato Brasileiro, inclusive a primeira transmissão diretamente de dentro do Maracanã,

de Fluminense 2 x 1 Náutico, no dia 3 de novembro.

No ano seguinte, com o Fluminense classificado para a Copa Libertadores da América

por ter vencido a Copa do Brasil e terminado o Campeonato Brasileiro na 4º colocação, a

rádio Canal Fluminense bateu recordes de audiência e investimentos, contratando

profissionais de renome no mercado, como Ricardo Mazella e Pierri Carvalho, explica

Claudio Kote.

2008 foi o grande ano da rádio. Foi o ano em que a rádio mudou da água

para o vinho. Nós conseguimos um apoio muito grande, fruto de uma

parceria, e conseguimos trazer profissionais de ponta para trabalhar conosco.

A partir desse ano, a rádio começou a ser bem vista por todos os

profissionais de imprensa esportiva no Maracanã. Desse ano para cá,

surgiram outras web rádios, como a Globo e a Tupi, sendo que até ate então

ninguém desenvolvia esse trabalho. A única web rádio esportiva que existia,

até 2008, era a rádio Canal Fluminense.

O aspecto pioneiro da rádio também foi reconhecido por outros veículos, como conta

Kote.

Certa vez, na cabine de imprensa do Maracanã, um casal se aproximou e

perguntou se trabalhávamos com web rádio, pois eles também desenvolviam

esse trabalho. Então eles comentaram que o veículo deles foi o primeiro do

Brasil a transmitir jogos pela web, o que era estampado inclusive na página

Page 58: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

do site deles. Perguntei quando começaram as transmissões e responderam

que haviam começado em 2008. Foi então que eu disse que fazíamos este

trabalho desde 2003. Então eles nos parabenizaram pelo pioneirismo e

tiraram do site a informação de que eram os primeiros.

Em 2010, a equipe da rádio foi novamente renovada e transmitiu todos os jogos da

temporada, inclusive a decisão do Campeonato Brasileiro, na vitória de 1 x 0 do Fluminense

sobre o Guarani, que garantiu o terceiro título brasileiro da história do clube. Em 2011, com o

trabalho reconhecido pelo clube, foi agregada como Rádio Oficial do Fluminense e passou a

ser transmitida pelo site oficial do Flu, contando com o apoio da Fluboutique.

Durante a disputa do Brasileirão de 2011, firmou parceria com a Torcida Organizada

Garra Tricolor e criou o “Prêmio Guerreiro da Galera”, que consiste na entrega de um troféu

ao melhor jogador do Fluminense em campo durante cada jogo. A iniciativa teve grande

aceitação perante o público, que pode votar através do comunicador instantâneo Windows

Live Messenger, no [[email protected]] e pelo Twitter oficial do Fluminense, o

[www.twitter.com/OficialFlu].

A premiação também foi bem aceita dentro do elenco de jogadores. Segundo Claudio

Kote, durante entrega do troféu para o zagueiro Leandro Euzébio, eleito melhor em campo na

vitória de 1 a 0 do Fluminense sobre o Corinthians, no dia 11 de setembro de 2011, o atacante

Fred, capitão do time, agradeceu a iniciativa e disse que os atletas ficavam motivados pelo

prêmio, declarando estar louco de vontade de ganhar o dele, o que aconteceu dois jogos

depois.

Quadro 2 – Fred recebendo o troféu Guerreiro da Galera

Fonte: Canal Fluminense

Page 59: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Segundo Gabriel, boa parte dos usuários da rádio chega a acompanhar os jogos de

dentro do estádio, através do celular, o que revela o alcance da rádio segmentada para este

público, que também atinge outras cidades do Brasil e exterior, conforme revelam os dados do

site no Google Analytics.

De acordo com o Analytics, a rádio Canal Fluminense foi acessada de 119 países

diferentes no ano de 2011. Além do Brasil, que por razões óbvias domina a estatística, os

países mais significativos foram Estados Unidos, Portugal, Japão, França e Argentina. Entre

as cidades brasileiras, o ranking de visitação é, na ordem, formado por Rio de Janeiro-RJ,

Brasília-DF, São Paulo-SP, Vitória-ES, Belo Horizonte-MG e Salvador-BA, atingindo um

total de 2504 cidades.

Na visão continental, as Américas vêm seguidas por Europa, Ásia, Oceania e África,

que reflete um pequeno número de visitantes, a maioria concentrada na cidade de Maputo,

capital de Moçambique. Fora do Brasil, a cidade que mais oferece ouvintes é Houston, nos

Estados Unidos.

A interatividade é um dos pontos fortes da rádio Canal Fluminense, agora rádio

oficial do Fluminense, e promove maior aproximação entre as esferas superiores na hierarquia

do clube e os torcedores que, em contrapartida, se sentem valorizados e participam

ativamente, com opiniões, perguntas e réplicas dos comentários feitos ao longo das

transmissões.

Page 60: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

3.5 ANÁLISE QUALITATIVA DA INTERATIVIDADE E DA VALORIZAÇÃO DO

USUÁRIO DA RÁDIO CANAL FLUMINENSE

Considerada pelos profissionais envolvidos na Rádio Canal Fluminense como um dos

pontos mais fortes das transmissões, a interatividade e a consequente valorização dos usuários

que dela participam são fatores relevantes quando o assunto em questão é o funcionamento

desta webrádio.

Em entrevista aprofundada realizada pelo autor desta pesquisa com Gabriel Peres,

fundador do Canal Fluminense e hoje assessor de imprensa do Fluminense Football Club,

Gabriel expõe os diversos ângulos de visão que ele tem sobre a interatividade da webrádio e

ressalta os pontos fortes e fracos

Gabriel fez uma avaliação sobre a interatividade da Rádio Canal Fluminense e

salientou alguns aspectos que podem ser, inclusive, exemplificados pela participação no

prêmio Guerreiro da Galera, em que o profissional da rádio pede ao longo da transmissão que

os usuários escolham o melhor em campo e recebe, instantaneamente, as respostas através do

Twitter ou MSN.

Desde o primeiro jogo transmitido pela Rádio Canal Fluminense, a

interatividade funcionou e se mostrou um ponto forte da transmissão. Além

das tradicionais questões levantadas pelos ouvintes e respondidas pela

equipe, a possibilidade de participação em tempo real é regularmente

utilizada de maneira inversa, quando algum integrante da equipe traz alguma

questão e rapidamente tem acesso às respostas, que lidas no ar, geram novas

ponderações e permitem quase um bate-papo entre ouvinte e a equipe de

transmissão. A avaliação é super positiva.

Como idealizador do projeto da webrádio e profundo conhecedor da interatividade que

nela existe, tendo em vista ter sido o primeiro a colocar em prática esta funcionalidade,

Gabriel apontou os pontos positivos e negativos da rádio, ressaltando que algumas

possibilidades não são colocadas em práticas por considerar que a demanda não é tanta.

Page 61: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Os pontos fortes da interatividade são, principalmente, a instantaneidade e a

via de mão dupla. É comum que os ouvintes comentem em tempo real os

assuntos que estão sendo discutidos ou citados durante a transmissão e,

como é possível uma via de mão dupla, não ficamos restritos a receber

perguntas, mas também perguntamos muitas vezes ao ouvinte a sua opinião

e divulgamos pincelando algumas respostas ou dando uma visão mais

generalizada das participações. Não sei dizer bem o ponto fraco, talvez seja a

dificuldade técnica de colocar o ouvinte para falar ao vivo. Mas isso também

não é feito muito pela falta de necessidade. Se fosse preciso, dava pra fazer.

No início de 2011, a Rádio Canal Fluminense passou a integrar o quadro de serviços

de comunicação do Fluminense, que conta ainda com páginas no Youtube (Fludigital),

Facebook (FluminenseFC), Twitter (OficialFlu) e Flickr (oficialflu). Para Gabriel, a rádio

serve para – assim como o trabalho nas redes sociais – aproximar o torcedor do clube.

Assim como as redes sociais em que o clube está presente, a rádio permite

uma aproximação maior com o torcedor e a divulgação de informações que o

clube queira disseminar. O formato descontraído e direcionado ao torcedor

tricolor garante uma grande identificação com o mesmo, o que facilita para

divulgar propostas, que são mais facilmente assimiladas.

A interatividade, que antes era realizada pela conta do Canal Fluminense no Twitter

(@canalfluminense), passou a ser realizada pelo @OficialFlu assim que foi integrada como

serviço oficial do clube. Em paralelo, outras ações foram realizadas e, em pouco mais de seis

meses, o número de seguidores do @OficialFlu pulou de 23 mil para 56 mil. Gabriel afirma

que não se pode relacionar o aumento de seguidores apenas às transmissões da rádio.

É difícil mensurar, pois no período em que a interatividade passou a ser feita

pelo @OficialFlu, outras ações paralelas também aconteciam justamente

com o intuito de aumentar o número de seguidores. A utilização do twitter

na interatividade foi mais uma forma de garantir esse aumento e a existência

de uma interatividade verdadeira durante as partidas, já que é comum o

torcedor comentar o jogo citando o twitter oficial, mas sem esperar uma

resposta. Com o uso do @OficialFlu na interatividade da rádio isso passou a

ser possível.

Page 62: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Apesar disso, em acompanhamento realizado pelo autor desta pesquisa através do site

TweetRank, que fornece um serviço de acompanhamento de seguidores de cada conta

existente no Twitter, ficou evidente o aumento de seguidores no @OficialFlu nos dias em que

há transmissão da Rádio Canal Fluminense. Nos dias em que não havia transmissão, a média

de aumento foi de 84,5 usuários por dia, com ápice de 107. Já nos dias em que houve

transmissão, o auge foi de 179 novos seguidores, com média de 120,2 por dia.

Além disso, é comum que os profissionais da rádio desenvolvam relações de amizade

com os usuários. As vinhetas utilizadas na transmissão, por exemplo, foram realizadas pelo

ouvinte e DJ Rodrigo Tuiu. Há também algumas brincadeiras sadias que servem para

aproximar o torcedor e torná-lo fiel, como no caso de Fabiano e Erica.

Fabiano é torcedor do Fluminense e casado com a vascaína Erica. Recentemente, ele

comentou no MSN da rádio que o Flu sempre vencia quando a esposa acompanhava a

transmissão da rádio junto dele. Com isso, sempre que o Fabiano participa da transmissão, o

narrador Claudio Kote pede para que ele amarre a Erica em uma cadeira e a deixe presa

acompanhando a rádio até o fim do jogo.

Em enquete realizada no Facebook do Canal Fluminense

[www.facebook.com/canalfluminense], foi perguntado aos usuários o que eles mais gostavam

na interatividade da Rádio Canal Fluminense. Foram disponibilizadas três opções e permitido

que os usuários acrescentassem as alternativas que eles quisessem. Venceu a via de mão

dupla.

Quadro 3 – Enquete no Facebook do Canal Fluminense

Fonte: Reprodução

Page 63: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

CONCLUSÂO

Conclui-se que a convergência entre rádio e a internet seja positiva para o meio da

comunicação e para os profissionais que trabalham na área midiática. Embora essa

convergência seja limitada pela burocracia nas questões governamentais e tecnológicas, o

cenário é animador.

Em ascensão, as webrádios ainda buscam a identidade ideal para o meio em que

funcionam, ou seja, a linguagem que melhor atinja o usuário da internet, cujo perfil aponta,

além de uma demanda incessante por informações e entretenimento, uma enorme facilidade

para se dispersar.

Também foi observado que a convergência entre meios de comunicação distintos não

é nenhuma novidade, e que o surgimento de uma nova mídia não significa a extinção de outra

já existente. Ao longo do tempo, outros meios ascenderam com base nas características de

outro, mas foram se adaptando até encontrar uma “verdadeira cara”, como a Televisão.

Foi possível notar, através de leitura sobre outras obras, que a ética jornalística é, na

verdade, uma ética individual. Apesar de, na teoria, todos os jornalistas serem cobrados com

base em uma conduta focada em solucionar as demandas do público por notícias verdadeiras,

cada profissional está sujeito ao perfil ideológico do contratante e, por isso, se deixa

influenciar no momento da construção do texto.

Atualmente, acredita-se ser improvável que o público encontre uma notícia imparcial,

daquelas em que todos os personagens envolvidos na história são ouvidos e recebem o direito

ao mesmo espaço para contar as versões que cabem a cada um deles. Esta conduta acontece

por diversos fatores, como ordens superiores, dedução ou preguiça do jornalista.

Com o estudo de caso sobre o funcionamento da webrádio Canal Fluminense e da

interatividade nela existente, observou-se que a linguagem segmentada atrai boa parte dos

torcedores. Alguns alegam que os principais veículos de comunicação de massa não dão a

devida atenção ao Fluminense Football Club, e, por isso, enxergam na webrádio um local

onde o Tricolor das Laranjeiras recebe exclusividade e é sempre exaltado.

A possibilidade de interação, através de redes sociais, com os locutores da webrádio

foi o fator mais elogiado em enquete realizada no perfil do Canal Fluminense no Facebook.

Page 64: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

Desta forma, deduz-se que este é o fator que mais atrai e mantém os

torcedores/usuários/ouvintes fiéis à transmissão.

Além disso, por se tratar de um veículo radiofônico na internet, ou seja, de alcance

ilimitado, observou-se em gráfico do Google Analytics que o veículo atrai grande público no

exterior, onde o usuário precisa apenas de um computador ou celular conectado à internet para

ouvir os jogos.

Page 65: O rádio na era da convergência digital: um estudo de caso sobre a webrádio Canal Fluminense

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