o que o governo fez com o nosso dinheiro - murray rothbard

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O QUE O GOVERNO FEZ COM O NOSSO DINHEIRO? Murray N. Rothbard

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O Que o Governo Fez Com o Nosso Dinheiro - Murray Rothbard

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  • O QUE O GOVERNO

    FEZ COM O NOSSO

    DINHEIRO?

    Murray N. Rothbard

  • Introduo quarta edio

    A poltica monetria , alm da guerra, a ferramenta primria de

    engrandecimento do estado. Ela assegura o crescimento do governo, financia

    dficits, premia privilegiados e determina eleies. Sem ela, o Leviat federal

    entraria em colapso e ns retornaramos repblica de nossos Pais Fundadores.

    Nosso sistema monetrio no est apenas sujeito a abusos polticos, ele

    tambm causa inflao e ciclos econmicos. O que se deve fazer?

    Para responder a essa pergunta, o Instituto Mises tem prazer em

    apresentar sua quarta e expandida edio de O que o governo fez com o nosso

    dinheiro?.

    Publicado em 1964, este um dos trabalhos mais influentes do Professor

    Rothbard, apesar de sua parca extenso. No sou capaz de contar quantas vezes

    tanto acadmicos quanto no-acadmicos vieram at mim e disseram que este

    livro mudou para sempre o modo como viam a poltica monetria. Ningum que

    o tenha lido se sente intimidado ao ouvir os pronunciamentos dos oficiais do

    Federal Reserve ou l textos monetrios com credulidade. O que o governo fez

    com o nosso dinheiro? a melhor introduo moeda, exceo de nenhum

    outro. A prosa direta, a lgica rgida, os fatos convincentes como em todos os

    escritos do Professor Rothbard.

    Seus temas so tericos, polticos e histricos. Na teoria, est de acordo

    com Ludwig von Mises ao afirmar que a moeda surgiu atravs de transaes

    voluntrias no mercado. Nenhum contrato social ou dito governamental deu

    origem moeda. Ela uma conseqncia natural da busca individual por

    relaes econmicas mais complexas que o escambo.

    Porm, em distinto contraste com todas as outras mercadorias, um

    aumento da oferta monetria no confere qualquer benefcio social, uma vez

    que a funo principal da moeda facilitar as transaes de outros bens e

    servios. De fato, aumentar a oferta monetria atravs de um banco central

    como o Fed tem conseqncias desastrosas, e o Professor Rothbard nos prov a

    mais clara explicao disponvel da inflao.

    Na seara poltica, o livro argumenta que o mercado livre pode e deve ser

    deixado a cargo da produo e distribuio da moeda. No h necessidade de

    torn-la monoplio do Tesouro Nacional, muito menos de um cartel pblico-

    privado como o Fed.

    Uma moeda slida necessita somente uma definio fixa baseada na

    mercadoria mais apropriada ao uso monetrio e um sistema legal que honre

    contratos e puna roubos e fraudes. Num mercado livre, o resultado foi e seria

    o padro-ouro.

    Em tal sistema de livre mercado, a moeda seria conversvel domstica e

    internacionalmente. Os depsitos em conta corrente teriam reservas de 100% e

    a proporo de reservas para depsitos a prazo estaria sujeita prudncia

    econmica dos banqueiros e dos olhos vigilantes do pblico consumidor.

  • sua dimenso histrica, contudo, que torna o trabalho do Professor

    Rothbard to persuasivo. Comeando pelo padro-ouro clssico do sculo XIX,

    ele termina com a provvel emergncia de uma unidade monetria europia e

    uma eventual moeda mundial criada a partir de decretos governamentais.

    Particularmente notveis so suas explicaes do sistema de Bretton Woods e

    do fim do padro-ouro no comeo da dcada de 1970.

    O Professor Rothbard demonstra que o governo foi sempre e em todos os

    lugares um inimigo da estabilidade monetria. Atravs de cartis bancrios e da

    inflao, o governo e seus grupos privilegiados saqueiam os bens das pessoas,

    depreciam o valor da moeda e causam recesses e depresses econmicas.

    A maior parte do que demonstrado aqui ignorado ou negado pela

    ortodoxia econmica. A nfase est sempre no "melhor" modo de usar a poltica

    monetria. O que deveria guiar as decises do Fed? O PIB? As taxas de juros? A

    curva de rendimentos? O valor cambial do dlar? Um ndice de preos de

    mercadorias? O Professor Rothbard nos diria que todas essas questes

    pressupem o planejamento central e so a raiz dos problemas monetrios.

    Que este livro seja distribudo em todos os lugares, para que quando a

    prxima crise monetria chegar os americanos finalmente se neguem a tolerar o

    que o governo est fazendo com o nosso dinheiro.

    Llewellyn H. Rockwell

    Ludwig von Mises Institute

    Auburn University

    Novembro de 1990

  • I

    Introduo

    Poucas reas da economia so mais obscuras e confusas que a da moeda.1

    Abundam discusses sobre as vantagens e desvantagens do tight money e do

    easy money,2 sobre as tarefas do Federal Reserve e do Tesouro, sobre as vrias

    verses do padro-ouro, etc. O governo deve colocar ou tirar dinheiro da

    economia? Ele deve incentivar o crdito ou restringi-lo? O padro-ouro deve

    voltar? Se sim, qual seria sua taxa de converso? Estas e outras inmeras

    perguntas se multiplicam quase infinitamente.

    Talvez a confuso acerca da moeda advenha da propenso humana ao

    "realismo", i.e., ao estudo de problemas polticos e econmicos imediatos. Se

    nos mergulharmos inteiramente em questes cotidianas, deixamos de fazer

    distines fundamentais ou de fazer perguntas realmente bsicas. Logo questes

    bsicas so esquecidas e uma firme adeso a princpios toma o lugar do

    movimento anterior sem objetivo definido. Freqentemente ns precisamos

    ganhar certa perspectiva e colocar de lado nossos afazeres cotidianos para

    compreend-los mais completamente. Isso particularmente verdadeiro em

    nossa economia, onde as relaes so to intricadas que ns devemos isolar uns

    poucos fatores importantes, analis-los e ento rastrear suas operaes no

    mundo real. Esse era o objetivo da "economia de Cruso", uma das ferramentas

    preferidas da teoria econmica clssica. A anlise de Cruso e Sexta-Feira numa

    1 Como Donald Stewart Jr. em sua traduo de Ao Humana de Ludwig von Mises, preferi aqui traduzir money como moeda em vez de usar o termo dinheiro. Stewart justifica sua escolha da seguinte maneira:

    Preferimos adotar na traduo a palavra moeda, embora a palavra dinheiro esteja consagrada pelo jargo tcnico. Essa escolha deveu-se ao fato de que a palavra money freqentemente usada no texto original em expresses ou substantivos compostos; nestes casos, a palavra moeda ou de uso mais freqente na lngua portuguesa ou permite uma traduo mais fluente. Expresses como paper money, money theory, credit money, fiat money, money substitutes, quasi money, quantity of money, issue of money ficam melhor traduzidas com o emprego da palavra moeda do que com o emprego da palavra dinheiro. O fato de no existir na lngua portuguesa um adjetivo derivado do substantivo dinheiro, enquanto que para a palavra moeda o adjetivo monetrio de uso corrente e consagrado, fortaleceu ainda mais essa escolha. Assim sendo, de uma maneira geral adotamos a palavra moeda como traduo de money, reservando o uso da palavra dinheiro para expresses em que, na lngua portuguesa, seu emprego inequvoco, como por exemplo: ganhar dinheiro (to make money). (Ludwig von Mises, Ao Humana: Um tratado de economia. Trad. Donald Stewart Jr., Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 3 ed., p. 662.)

    Apesar das evidentes diferenas entre o presente texto e o do Ao Humana, a justificativa acima tambm se aplica a este livro. [N.T.]

    2 Tight money e easy money se referem facilidade de obteno de crdito (ou dinheiro). Caso a oferta de crdito seja restrita, os juros sero mais altos e h a o tight money. Se, pelo contrrio, os juros forem baixos por conta da oferta mais abundante de moeda, usa-se o termo easy money para se referir facilidade de obteno de crdito. Embora o termo dinheiro fcil exista para designar o easy money, no existe um correspondente satisfatrio para o tight money. Para manter a fluncia do texto, decidi deixar os termos em ingls. [N.T.]

  • ilha deserta, embora desprezada pelos crticos como irrelevante ao mundo atual,

    na verdade executava a utilssima funo de evidenciar os axiomas bsicos da

    ao humana.

    De todos os problemas econmicos, a moeda possivelmente o mais

    obscuro e talvez aquele em que precisamos de maior perspectiva. A moeda, alm

    do mais, a rea da economia mais atingida por sculos de intromisses e

    controles governamentais. Muitas pessoas inclusive muitos economistas

    geralmente leais causa do livre mercado hesitam em defender a liberdade no

    caso da moeda. A moeda, insistem elas, um caso parte; ela deve ser provida e

    regulamentada pelo governo. Elas nunca pensam no controle estatal da moeda

    como uma interferncia no livre mercado; um livre mercado no sistema

    monetrio lhes impensvel. Os governos devem cunhar moedas metlicas,

    imprimir papel-moeda, definir a moeda de curso legal, criar bancos centrais,

    colocar e tirar dinheiro no mercado, "estabilizar o nvel de preos", etc.

    Historicamente, a moeda foi uma das primeiras reas controladas pelo

    governo, e a "revoluo" do livre mercado nos sculos XVIII e XIX fez muito

    pouco para abalar esse controle da esfera monetria. Portanto, j hora de

    dedicarmos ateno especial quilo que confere vitalidade a nossa economia o

    dinheiro.

    Primeiro perguntemos a ns mesmos: O dinheiro pode ser organizado

    sob o princpio da liberdade? Ser que podemos ter um livre mercado na moeda

    assim como em outros bens e servios? Como seria tal mercado? E quais so os

    efeitos dos vrios controles governamentais? Se ns defendemos o livre

    mercado em outros setores, se desejamos eliminar a invaso governamental das

    vidas e propriedades das pessoas, no h tarefa mais importante que a de

    explorar as formas e maneiras pelas quais um livre mercado monetrio

    funcionaria.

  • II

    A moeda numa sociedade livre

    1. O valor de troca

    Como surgiu a moeda? Obviamente Robinson Cruso no precisava de

    dinheiro. Ele no podia comer moedas de ouro. Nem Cruso e Sexta-Feira,

    talvez trocando peixe por lenha, precisavam se preocupar com dinheiro. Mas

    quando a sociedade se expande para alm de umas poucas famlias, surge o

    cenrio ideal para a emergncia do dinheiro.

    Para explicar o papel da moeda, ns precisamos fazer uma regresso

    ainda maior e perguntar: por que os homens fazem trocas? As trocas so a base

    primordial de nossa vida econmica. Sem trocas, no haveria economia real e,

    na prtica, no haveria sociedade. Parece claro que uma troca voluntria s

    ocorre porque ambas as partes esperam se beneficiar. Uma troca um acordo

    entre A e B para a transferncia de bens ou servios de um homem por bens e

    servios de outro. bvio que ambos se beneficiam porque cada parte valoriza

    mais o que recebe do aquilo de que abre mo. Quando Cruso, digamos, troca

    certa quantidade de peixe por lenha, ele valoriza mais a lenha que "compra" do

    que o peixe que "vende", enquanto Sexta-Feira, ao contrrio, valoriza mais o

    peixe do que a lenha. De Aristteles a Marx, os homens tm acreditado

    equivocadamente que uma troca pressupe algum tipo de igualdade de valores

    que se um barril de peixes for trocados por dez toras de madeira, h alguma

    igualdade essencial entre eles. Na verdade, a troca s foi realizada porque as

    partes valorizavam os produtos em ordem diferente.

    Por que as trocas so to universais entre a humanidade?

    Fundamentalmente, por conta da grande variedade existente na natureza: a

    variedade humana e a diversidade de recursos naturais. Todo homem tem um

    conjunto diferente de habilidades e aptides e cada pedao de terra tem

    caractersticas nicas, recursos prprios e distintos. Por causa dessa variedade

    natural ocorrem trocas; o trigo do Kansas pelo ferro de Minnesota; os servios

    mdicos de um homem pelos trabalhos artsticos do tocador de violino. A

    especializao permite que cada homem desenvolva suas melhores habilidades e

    permite que cada regio desenvolva seus recursos particulares. Se ningum

    pudesse fazer trocas, se todos os homens fossem forados a ser totalmente auto-

    suficientes, bvio que a maioria de ns morreria de fome e que o resto da

    humanidade mal seria capaz de se manter viva. As trocas so o sustentculo no

    apenas de nossa economia, mas da prpria civilizao.

    2. O escambo

    A troca direta de bens e servios, contudo, no suficiente para sustentar

    uma economia alm do nvel mais primitivo. Trocas diretas ou seja, o

  • escambo so pouco melhores que a total auto-suficincia. Por qu?

    Primeiramente porque a produo no pode sair de um nvel mnimo. Se Jones

    contrata alguns trabalhadores para lhe construrem uma casa, com que ele ir

    pag-los? Com partes da casa ou materiais que eles no poderiam usar? Os dois

    problemas bsicos seriam a indivisibilidade e a no-coincidncia de demandas.

    Assim, se Smith possui um arado que gostaria de trocar por vrias coisas

    diferentes digamos, ovos, pes ou roupas como ele poderia fazer isso?

    Como ele poderia dividir o arado e dar parte dele para um fazendeiro e parte

    para um alfaiate? Mesmo quando os bens so divisveis, geralmente

    impossvel que dois interessados se encontrem ao mesmo tempo. Se A tem um

    estoque de ovos para vender e B tem um par de sapatos, como eles podem fazer

    comrcio se A deseja um palet? E pense no azar de um professor de economia

    que tem que encontrar um produtor de ovos que deseje algumas aulas de

    economia em troca deles! claramente impossvel que exista uma economia

    civilizada baseada exclusivamente em trocas diretas.

    3. As trocas indiretas

    O homem, porm, descobriu, atravs do processo de tentativa e erro, o

    caminho que permite a existncia de uma economia muito maior: a troca

    indireta. Atravs de trocas indiretas, voc vende o seu produto no por um bem

    de que necessite diretamente, mas por outro bem que, por sua vez, ser vendido

    pelo bem que voc deseja. primeira vista, esse esquema parece estranho e

    trabalhoso. Mas ele na verdade o incrvel instrumento que permite o

    desenvolvimento da civilizao.

    Consideremos o caso de A, o fazendeiro, que deseja comprar os sapatos

    produzidos por B. Apesar de B no querer seus ovos, ele nota que B quer,

    digamos, manteiga. A ento troca seus ovos pela manteiga de C e vende sua

    manteiga pelos sapatos de B. Ele compra a manteiga no porque a queira

    diretamente, mas porque ela permitir que ele adquira seus sapatos. Da mesma

    forma, Smith, o dono do arado, vender seu arado pela mercadoria que ele pode

    dividir e vender mais facilmente digamos que seja a manteiga e trocar

    partes da manteiga por ovos, pes, roupas, etc. Em ambos os casos, a

    superioridade da manteiga a razo pela qual uma parcela de sua demanda

    no para o consumo direto sua maior comerciabilidade. Se determinado

    bem mais comercivel que outro se todos tm confiana de que ele ser

    imediatamente vendido , ento ele ter uma demanda maior porque ser

    usado tambm como meio de troca. Ser o meio pelo qual um especialista pode

    trocar seu produto pelos bens de outros especialistas.

    Agora, da mesma forma que h na natureza uma grande variedade de

    aptides e recursos, h tambm uma variedade de comerciabilidade entre os

    bens. Alguns bens so mais demandados que outros, alguns so melhor

    divisveis em unidades menores sem perda de valor, alguns so mais durveis

    por longos perodos de tempo, alguns so mais facilmente transportveis por

  • grandes distncias. Todas essas vantagens contribuem para a comerciabilidade

    de um bem. Est claro que em todas as sociedades os bens mais comerciveis

    sero gradualmente selecionados como meios de troca. medida que forem

    mais e mais selecionados como meios de troca, a demanda por eles crescer e

    eles se tornaro ainda mais comerciveis. O resultado uma espiral cada vez

    mais forte: uma maior comerciabilidade leva a um uso mais generalizado como

    meio de troca, o que torna o bem mais comercivel, e assim por diante.

    Eventualmente uma ou duas mercadorias so usadas como meios gerais em

    quase todas as trocas e estas so chamadas de moeda.

    Historicamente, muitos bens diferentes foram usados como moeda: o

    tabaco na Virgnia colonial, o acar nas ndias Ocidentais, o sal na Abissnia, o

    gado na Grcia antiga, pregos na Esccia, o cobre no antigo Egito, gros, contas,

    ch, conchas de moluscos, anzis. Com o tempo, duas mercadorias, o ouro e a

    prata, emergiram como a moeda atravs da livre competio do mercado e

    substituram as outras. Ambas so particularmente comerciveis, tm grandes

    demandas como ornamentos e se sobressaem em outras qualidades. Nos

    tempos mais recentes, a prata, sendo relativamente mais abundante que o ouro,

    tornou-se mais til para trocas menores, enquanto o ouro era reservado para

    transaes maiores. De qualquer maneira, o importante que, por quaisquer

    razes, o mercado livre julgou o ouro e a prata como as moedas mais eficientes.

    Esse processo de desenvolvimento cumulativo de um meio de troca no

    livre mercado a nica maneira pela qual uma moeda pode se estabelecer. A

    moeda no pode se originar de nenhuma outra forma nem que todos decidam

    repentinamente criar dinheiro a partir de materiais inteis, nem que o governo

    chame pedaos de papel de "moeda". Pois est embutida na demanda pela

    moeda o conhecimento dos preos da moeda no passado imediato; em contraste

    com os bens de consumo ou de produo utilizados diretamente, a moeda

    precisa ter preos preexistentes sobre os quais basear sua demanda. E a nica

    forma pela qual isso pode ocorrer que ela seja inicialmente uma mercadoria

    til trocada atravs do escambo e que mais tarde seja adicionada uma demanda

    por ela para servir como meio de troca em adio demanda para uso direto

    (e.g., para ornamentos, no caso do ouro1). Portanto, o governo no tem o poder

    de criar a moeda para a economia; ela pode apenas se desenvolver atravs dos

    processos do livre mercado.

    Uma das verdades de maior importncia acerca da moeda emerge neste

    ponto de nossa discusso: a moeda uma mercadoria. Aprender essa simples

    lio uma das tarefas mais importantes para o mundo. Freqentemente as

    pessoas falam da moeda como se ela fosse algo muito maior ou menor que isso.

    A moeda no uma unidade de conta abstrata, separada dos bens concretos;

    no um smbolo intil que s serve para fazer trocas; no uma "demanda

    sobre a sociedade"; no uma garantia de um nvel de preos estvel.

    1 Sobre a origem da moeda, cf. Carl Menger, Principles of Economics, Glencoe, Illinois: Free Press, 1950, p. 257-71; Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit, 3 ed., New Haven Yale University Press, 1951, p 97=123.

  • simplesmente uma mercadoria. Ela difere de outras mercadorias por ser

    demandada principalmente como meio de troca. Mas, a no ser por isso, ela no

    passa de uma mercadoria e, como todas as mercadorias, possui um estoque

    em existncia, demandada pelos indivduos para comprar, para mant-la em

    caixa, etc. Como todas as mercadorias, seu "preo" em termos de outros bens

    determinado pela relao de sua oferta total, ou estoque, com sua demanda

    total pelas pessoas que querem compr-la e mant-la. (As pessoas "compram"

    moeda atravs da venda de seus bens e servios em troca dela, da mesma forma

    que "vendem" dinheiro quando compram bens e servios.)

    4. Os benefcios da moeda

    A emergncia da moeda foi uma grande bno para a humanidade. Sem

    ela sem um meio de troca universal no seria possvel existir uma

    verdadeira especializao e quaisquer avanos econmicos alm de nveis

    bastante primitivos. Com a moeda, todos os problemas de indivisibilidade e

    coincidncia de demandas que afligiam a sociedade escambista desaparecem.

    Agora, Jones pode contratar trabalhadores e pag-los com... dinheiro. Smith

    pode vender seu arado em troca de unidades de... dinheiro. A moeda-

    mercadoria divisvel em pequenas unidades e geralmente aceita por todos.

    Assim, todos os bens e servios so vendidos por moeda, que , por sua vez,

    usada para comprar outros bens e servios desejados pelas pessoas. Por causa

    da moeda, uma elaborada estrutura de produo pode se formar, com a

    cooperao e remunerao em moeda da terra, do trabalho e dos bens de capital

    em cada etapa da produo.

    O estabelecimento da moeda ainda confere outro grande benefcio. Uma

    vez que todas as trocas so feitas com o uso da moeda, todas as razes de troca

    so expressas em moeda e, portanto, as pessoas podem comparar o valor de

    mercado de cada bem em relao ao de todos os outros bens. Se um aparelho de

    TV vendido por trs onas2 de ouro e um automvel vendido por sessenta

    onas, ento fcil perceber que um automvel "vale" vinte aparelhos de TV no

    mercado. Essas razes de troca so preos e a moeda-mercadoria serve como

    denominador comum para todos os preos. Somente a emergncia dos preos

    monetrios no mercado permite o desenvolvimento de uma economia civilizada,

    pois apenas eles permitem que os empresrios calculem economicamente. Os

    empresrios podem assim julgar a satisfao que proporcionam aos

    consumidores ao comparar os preos de venda de seus produtos com os preos

    que tm que pagar pelos fatores de produo (seus custos). J que todos esses

    preos so expressos em termos de moeda, os empresrios podem determinar se

    esto incorrendo em lucros ou prejuzos. Esses clculos guiam o comportamento

    de empresrios, trabalhadores e donos de terras em suas buscas por maiores

    2 Uma ona equivale a pouco mais de 28 gramas. A ona e a libra que equivale a 0,453 quilo so unidades de peso bastante utilizadas ao longo do texto. Outra unidade esporadicamente utilizada ao longo do texto o gro, equivalente a 64,8 miligramas. [N.T.]

  • retornos monetrios no mercado. Apenas tais clculos so capazes de alocar

    recursos da forma mais produtiva de empreg-los de forma que gerem maior

    satisfao das demandas dos consumidores.

    Muitos livros-texto afirmam que a moeda tem vrias funes: a de meio

    de troca, unidade de conta, "medida de valor", "reserva de valor", etc. Mas deve

    ficar claro que todas essas funes so simplesmente corolrios de uma s: a de

    meio de troca. J que o ouro um meio de troca, tambm a mercadoria mais

    comercializvel, pode ser guardado para servir como meio no futuro tanto

    quanto no presente, e todos os preos so expressos em sua razo.3 Uma vez que

    o ouro a mercadoria usada em todas as trocas, ele pode servir como unidade

    de conta para preos presentes e para a antecipao de preos futuros.

    importante notar que a moeda no pode ser uma unidade de conta abstrata, a

    no ser enquanto serve como meio de troca.

    5. A unidade monetria

    Agora que vimos como a moeda surgiu e o que ela faz, ns podemos

    perguntar: como usada a moeda-mercadoria? Especificamente, qual o

    estoque a oferta de moeda numa sociedade e como ela comercializada?

    Em primeiro lugar, a maior parte dos bens fsicos tangveis

    comercializada de acordo com seu peso. O peso a unidade distintiva de uma

    mercadoria tangvel e, assim, as trocas se baseiam em termos de toneladas,

    libras, onas, gros, gramas, etc.4 O ouro no exceo. O ouro, tal como outras

    mercadorias, ser comercializado de acordo com seu peso.5

    bvio que o peso de uma unidade comum escolhida no comrcio no

    tem qualquer relevncia para o economista. Um pas que utilize o sistema

    mtrico pode preferir a medio em gramas; a Inglaterra ou os Estados Unidos

    podem preferir medir em gros ou onas. Todas as unidades de peso so

    conversveis; uma libra igual a dezesseis onas; uma ona igual a 437,5 gros

    ou 28,35 gramas, etc.

    Assumindo-se que o ouro seja escolhido como moeda, o tamanho da

    unidade usada para calcular o peso do ouro irrelevante para ns. Jones pode

    vender um casaco por uma ona de ouro nos Estados Unidos ou por 28,35

    gramas na Frana; ambos os preos so idnticos.

    Tudo isso pode parecer circular em torno do bvio, mas muita misria no

    mundo poderia ser evitada se as pessoas percebessem essas simples verdades.

    Quase todos, por exemplo, pensam na moeda como uma unidade abstrata de

    3 A moeda no "mede" preos os valores; ela o denominador comum para sua expresso. Ou seja, os preos so expressados em termos monetrios, mas no so medidos pela moeda.

    4 Mesmo bens trocados nominalmente em termos de volume (pacotes, alqueires, etc.) assumem tacitamente um peso padro por unidade de volume.

    5 Uma das principais qualidades do ouro enquanto moeda sua homogeneidade ao contrrio de muitas outras mercadorias, ele no tem diferenas em qualidade. Uma ona de ouro puro igual a qualquer outra ona de ouro puro em todo o mundo.

  • algo nico a cada pas. Mesmo quando os regimes monetrios dos pases eram

    baseados no padro-ouro, as pessoas pensavam dessa maneira. O dinheiro

    americano era o "dlar", o francs era o "franco", o alemo era o "marco", etc.

    Todas essas moedas eram baseadas no ouro, mas consideradas soberanas e

    independentes e da foi fcil para cada pas abandonar o padro-ouro. No

    entanto, todos esses nomes eram simples designaes para unidades de ouro

    ou prata.

    A libra esterlina britnica originalmente designava o peso de uma libra de

    prata. E quanto ao dlar? O dlar comeou como o termo geralmente aplicado

    para designar uma ona de prata cunhada por um conde da Bomia chamado

    Schlick no sculo XVI. O Conde de Schlick viveu no Vale de Joachim ou

    Joachimsthal. As moedas do conde adquiriram grande reputao por sua

    uniformidade e fineza e foram chamadas por todos de "thalers de Joachim", ou,

    finalmente, "thaler". O nome "dlar" eventualmente surgiu como corruptela de

    "thaler".

    No livre mercado, ento, os vrios nomes que as unidades podem ter so

    simplesmente definies de unidades de peso. Quando estvamos sob o padro-

    ouro antes de 1933, as pessoas gostavam de dizer que o "preo do ouro" estava

    "fixado em vinte dlares por ona". Essa era, porm, uma forma perigosamente

    ilusria de se referir ao dinheiro. Na verdade, o "dlar" era definido como o

    nome de (aproximadamente) 1/20 de uma ona de ouro. Era, portanto, errneo

    falar sobre "taxas de cmbio" entre uma moeda e outra. A libra esterlina no era

    "cambiada" por cinco dlares.6 O dlar era definido como 1/20 de uma ona de

    ouro e a libra esterlina era, ao mesmo tempo, definida como o nome para 1/4

    (isto , 5/20) de uma ona. evidente que essas trocas e essa multido de

    nomes eram confusas e poderiam facilmente levar a equvocos. Como elas

    surgiram ser explicado no captulo que lida com a interferncia do governo na

    moeda. Num mercado puramente livre, o ouro seria trocado diretamente em

    gramas, gros ou onas e nomes confusos como dlar, franco, etc., seriam

    suprfluos. Portanto, nesta seo, trataremos as trocas monetrias

    simplesmente em termos de onas ou gramas.

    Claramente o mercado livre escolher a unidade monetria do tamanho

    mais conveniente. Se a platina fosse a moeda, ela provavelmente seria trocada

    em termos de fraes de uma ona; se o ferro fosse utilizado, ele seria medido

    em libras ou toneladas. Mas evidente que o tamanho da unidade no faz

    diferena para o economista.

    6. A forma da moeda

    Da mesma maneira que o tamanho ou o nome da unidade monetria tem

    pouca relevncia econmica, a forma do metal que constitui a moeda tambm

    pouco pertinente. Dado que certo metal seja a moeda, segue-se que todo o seu 6 Na verdade, a libra esterlina valia US$4,87, mas estamos usando a converso de US$5 para maior convenincia no clculo.

  • estoque que esteja disponvel para o homem constitui a oferta mundial de

    moeda. No faz diferena qual a forma de cada metal a qualquer tempo. Se o

    ferro for a moeda, ento todo o ferro moeda, estando em forma de barras,

    blocos ou incorporado em maquinarias especializadas.7 O ouro j foi

    comercializado na forma de pepitas, de p em pequenos sacos e mesmo em

    forma de moeda. No deve ser surpresa que o ouro ou outras moedas possam

    ser cambiados em vrias formas, j que sua caracterstica essencial o peso.

    verdade, contudo, que algumas formas so freqentemente mais

    convenientes que outras. Em sculos mais recentes, o ouro e a prata foram

    transformados em moedas8, para transaes cotidianas menores, e em barras

    maiores, para transaes envolvendo valores mais altos. Outra parte do ouro

    transformada em jias e ornamentos. Agora, quaisquer tipos de transformaes

    de uma forma para outra custa tempo, esforo e outros recursos. A execuo

    desse trabalho um negcio como qualquer outro e os preos por esse servio

    sero estabelecidos da maneira usual. A maioria das pessoas concordaria que

    legtimo que os joalheiros produzam ornamentos a partir do ouro, mas

    freqentemente nega que o mesmo se aplica produo da moeda. Entretanto,

    num mercado livre a cunhagem essencialmente um negcio como qualquer

    outro.

    A maioria das pessoas acreditava, nos tempos do padro-ouro, que as

    moedas eram "na verdade" algo mais que simplesmente "barras" de ouro

    (pepitas, lingotes ou qualquer outra forma). verdade que havia uma diferena

    entre o preo das moedas e o das barras de ouro, mas isso no era causado por

    alguma virtude misteriosa das moedas; a diferena advinha do fato de que

    custava mais para produzir moedas a partir de barras do que para derret-las de

    volta para a forma de lingotes. Por conta dessa diferena, as moedas eram mais

    valorizadas no mercado.

    7. A cunhagem privada

    A idia da cunhagem privada parece to estranha hoje em dia que se deve

    analis-la com maior cuidado. Estamos acostumados a pensar na cunhagem

    como uma "necessidade de soberania". No entanto, ns no estamos presos a

    uma "prerrogativa real" e o conceito americano de soberania se baseia no no

    governo, mas no povo.

    Como funcionaria a cunhagem privada? Da mesma forma, como

    observamos, que qualquer outro negcio. Cada cunhador produziria moedas nos

    formatos e tamanhos que mais agradassem seus clientes. O preo seria

    estabelecido pela livre competio no mercado.

    7 Enxadas de ferro j foram utilizadas extensivamente como moeda tanto na sia quanto na frica.

    8 Naturalmente o termo aqui se refere pea de metal chamada moeda, no ao meio de troca. [N.T]

  • A objeo mais comum a de que seria muito trabalhoso pesar ou

    examinar cada pea de ouro a cada transao. Mas o que impediria que os

    cunhadores privados gravassem sua assinatura nas moedas e garantissem seu

    peso e pureza? Eles poderiam garantir uma moeda pelo menos de qualidade

    equivalente daquela cunhada pelo governo. Pedaos de metal sem estampas

    no seriam aceitos como moeda. As pessoas usariam as moedas daqueles

    cunhadores com a melhor reputao pela boa qualidade de seu produto. Ns j

    vimos que foi precisamente dessa forma que o "dlar" se sobressaiu como

    uma moeda de prata competitiva.

    Os oponentes da cunhagem privada argumentam que a fraude seria

    desenfreada. Contudo, os mesmos oponentes confiam no governo para cunhar a

    moeda. Mas se podemos confiar no governo para fazer qualquer coisa,

    certamente que poderamos ao menos confiar no governo para evitar e punir

    fraudes no caso da cunhagem privada. Normalmente se assume que a preveno

    ou a punio de fraudes, roubos e outros crimes a real justificao do governo.

    Porm, se o governo no capaz apreender um fraudador do ramo da

    cunhagem, qual a esperana de que haver uma cunhagem confivel quando a

    integridade dos operadores do mercado privado descartada em prol do

    monoplio governamental? Se no possvel confiar no governo para

    desmascarar um vilo ocasional do livre mercado de moedas, por que se deve

    confiar no governo quando ele est em posio de total controle sobre a moeda e

    pode desvaloriz-la, falsific-la e, com completa sano legal, executar o papel

    de fraudador nico no mercado? certamente uma tolice dizer que o governo

    deve socializar todas as propriedades para evitar que as propriedades sejam

    roubadas. E, no entanto, o raciocnio por detrs da defesa da abolio da

    cunhagem privada o mesmo.

    Alm do mais, todos os negcios modernos so baseados em garantias de

    padres. A farmcia vende um recipiente de oito onas de remdio; o frigorfico

    vende uma libra de carne. O comprador espera que essas medidas sejam

    verdadeiras e elas so. Basta pensar nos milhares e milhares de produtos vitais

    indstria que devem atender a padres e especificaes bastante estritos. Aquele

    que compra um parafuso de 1/2 polegada deve conseguir um parafuso de 1/2

    polegada e no um de 3/8.

    E, no entanto, as empresas no foram falncia. Poucas pessoas sugerem

    que o governo deva nacionalizar a indstria de mquinas e ferramentas como

    parte de seu trabalho de defesa dos padres contra a fraude. A moderna

    economia de mercado contm um infinito nmero de trocas intrincadas e a

    maior parte delas depende de padres definidos de quantidade e qualidade.

    Porm, fraudes no atingem mais que o mnimo dessas transaes e esse

    mnimo, ao menos em teoria, pode ser reprimido. O mesmo ocorreria no caso da

    cunhagem privada. Podemos estar certos de que os clientes e concorrentes de

    cada cunhador estariam de olhos abertos para qualquer possvel fraude no peso

    ou na pureza de suas moedas.9

    9 Ver Herbert Spencer, Social Statics, Nova York: D. Appleton & Co., 1890, p. 438.

  • Os defensores do monoplio governamental da cunhagem j

    argumentaram que a moeda diferente de todas as outras mercadorias, porque

    a lei de Gresham prova que o "mau dinheiro afasta o dinheiro bom" da

    circulao. Portanto, o mercado livre no pode ficar a cargo da oferta do bom

    dinheiro ao pblico. Mas essa concepo se baseia numa m interpretao da

    famosa lei de Gresham. O que a lei de fato diz que "uma moeda

    sobrevalorizada artificialmente pelo governo tirar de circulao uma moeda

    artificialmente subvalorizada". Suponhamos, por exemplo, que haja moedas de

    ouro de uma ona em circulao. Depois de alguns anos de uso e desgaste,

    digamos que algumas moedas passem a pesar somente 0,9 onas. Obviamente,

    no livre mercado, as moedas gastas circulariam apenas a noventa por cento do

    valor de moedas completas e o valor nominal de face da moeda teria que ser

    ignorado.10 No mximo, o que poderia acontecer seria o desaparecimento das

    "ms" moedas. Mas suponhamos que o governo decrete que todos devem tratar

    as moedas gastas como iguais s novas e aceit-las igualmente no pagamento de

    dvidas. O que o governo de fato acaba de fazer? Ele imps coercitivamente um

    controle de preo sobre a "taxa de cmbio" entre os dois tipos de moeda. Ao

    insistir na relao de igualdade quando as moedas desgastadas deveriam ser

    trocadas a um desconto de 10%, ele artificialmente sobrevaloriza as moedas

    gastas e subvaloriza as moedas novas. Conseqentemente todos utilizaro as

    moedas gastas e guardaro ou exportaro as novas. A mxima de que o "mau

    dinheiro afasta o bom", portanto, no se refere ao livre mercado, mas ao

    resultado direto da interveno governamental.

    Apesar das perseguies infindveis dos governos o que tornava as

    condies de cunhagem altamente precrias , as moedas privadas

    prosperaram em vrios momentos da histria. Provando a virtual lei de que

    todas as inovaes surgem a partir de indivduos livres e no atravs do estado,

    as primeiras moedas foram cunhadas por indivduos privados e ourives. De fato,

    quando o governo comeou a monopolizar a cunhagem, as moedas reais

    ostentavam os selos de garantia de banqueiros privados, em quem o pblico

    confiava muito mais do que, aparentemente, no governo. Moedas de ouro

    cunhadas privadamente chegaram a circular na Califrnia at 1848.11

    8. A oferta "adequada" de moeda

    10 Para resolver o problema do desgaste, os cunhadores privados podem ou estabelecer um tempo limite para seus selos de garantia de peso, ou concordar em recunhar as moedas, ao peso original ou a um peso mais baixo. Ns devemos notar tambm que numa economia livre no haveria a padronizao compulsria das moedas que prevalece quando monoplios governamentais comandam a cunhagem.

    11 Para exemplos histricos de cunhagem privada, ver B.W. Barnand, "The Use of Private Tokens for Money in the United States", Quaterly Journal of Economics, 1916-17, p. 617-26; Charles A. Conant, The Principles of Money and Banking, Nova York: Harper Bros., 1905, vol. I, p. 127-32; Lysander Spooner, A Letter to Grover Cleveland, Boston: B.R. Tucker, 1886, p. 79; e J. Laurence Laughlin, A New Exposition of Money, Credit and Prices, Chicago: University of Chicago Press, 1931, vol. I, 47-51. Sobre cunhagem, ver tambm Mises, op. cit., p. 65-67; e Edwin Cannan, Money, Londres: Staples Press Ltd., 1935, p. 33 e segs.

  • Agora ns podemos perguntar: qual a oferta de moeda numa sociedade

    e como essa oferta utilizada? Particularmente, devemos levantar a eterna

    questo: de quanta moeda precisamos? A oferta monetria deve ser regulada

    por algum "critrio" ou ela pode ser deixada a cargo do livre mercado?

    Primeiramente, o estoque total (a oferta) de moeda na sociedade a

    qualquer tempo o peso total daquilo que compe a moeda. Suponhamos por

    ora que apenas uma mercadoria seja estabelecida como moeda no livre

    mercado. Suponhamos tambm que o ouro seja essa mercadoria (embora ns

    pudssemos usar a prata, ou mesmo o ferro; cabe ao mercado, no a ns,

    decidir a melhor mercadoria para o uso como moeda). Uma vez que a moeda o

    ouro, a oferta total de moeda o peso total de ouro existente na sociedade. A

    forma do ouro no importa a no ser se o custo da mudana para certos

    formatos seja maior que para outros (e.g., que os custos de cunhagem sejam

    maiores que os de derretimento). Nesse caso, uma das formas ser escolhida

    pelo mercado como a moeda de conta e as outras formas tero um acrscimo ou

    um desconto, de acordo com seus custos relativos.

    Mudanas no estoque total de ouro sero governadas pelas mesmas

    causas que as em outros bens. Os aumentos sero advindos de uma maior

    produo das minas; decrscimos se originaro do desgaste, do uso na

    indstria, etc. Uma vez que o mercado escolher uma mercadoria durvel como

    moeda, e uma vez que a moeda no consumida na mesma velocidade que as

    outras mercadorias sendo empregada como meio de troca a proporo da

    produo anual em relao ao seu estoque total tender a ser bastante pequena.

    Mudanas no estoque total de ouro, ento, geralmente ocorrem bem

    lentamente.

    Qual "deveria" ser a oferta de moeda? Todos os tipos de critrio j foram

    sugeridos: que a moeda deveria variar de acordo com a populao, com o

    "volume de comrcio", com a "quantidade de bens produzidos", de forma a

    manter o "nvel de preos" constante etc. Poucos de fato j sugeriram que a

    questo fosse deixada a cargo do mercado. Mas a moeda difere de outras

    mercadorias em uma caracterstica essencial. Entender essa diferena nos prov

    a chave para a compreenso dos assuntos monetrios. Quando a oferta de

    qualquer bem aumenta, esse aumento confere um benefcio social; uma

    alegria para todos. Mais bens de consumo significam um padro mais alto de

    vida para o pblico; mais bens de capital significam padres de vida mais altos e

    sustentveis no futuro. A descoberta de novas e frteis terras ou recursos

    naturais tambm confere uma elevao dos padres de vida presentes e futuros.

    Mas e quanto moeda? Uma adio oferta monetria tambm beneficia o

    pblico em geral?

    Bens finais so consumidos pelos consumidores; bens de capital e

    recursos naturais so consumidos no processo de produo de outros bens de

    consumo. A moeda, porm, no consumida; sua funo a de servir como

    meio de troca isto , permitir que bens e servios sejam transferidos mais

  • eficientemente de uma pessoa a outra. Estas trocas so todas feitas atravs de

    preos monetrios. Assim, se um aparelho de televiso trocado por trs onas

    de ouro, ns dizemos que o "preo" do aparelho de TV de trs onas. A

    qualquer tempo, todos os bens da economia sero trocados por quantidades de

    ouro especficas os preos. Como j dissemos, a moeda, o ouro, o

    denominador comum de todos os preos. Mas e quanto prpria moeda? Ela

    tem um preo? J que o preo simplesmente uma razo de troca, a moeda

    claramente tem um preo. Contudo, neste caso, o "preo da moeda" o conjunto

    das infinitas razes de troca de todos os vrios bens do mercado.

    Assim, suponhamos que um aparelho de TV custe trs onas de ouro, que

    um automvel custe sessenta, que um po francs custe um centsimo de ona e

    que uma hora dos servios de advocacia do Sr. Jones custem uma ona. O

    "preo da moeda" ser ento o conjunto de trocas alternativas. Uma ona de

    ouro valer 1/3 de um aparelho de TV, 1/60 de um automvel, 100 pes ou uma

    hora dos servios legais de Jones, e assim por diante. O preo da moeda,

    portanto, o poder de compra da unidade monetria nesse caso, de uma

    ona de ouro. Ele nos diz o que aquele peso especfico de moeda pode comprar

    da mesma maneira que o preo monetrio da televiso nos informa a

    quantidade de moeda que o aparelho pode nos conferir.

    O que determina o preo da moeda? As mesmas foras que determinam

    todos os preos do mercado a venervel, eterna e verdadeira lei da oferta e da

    demanda. Ns todos sabemos que se a oferta de ovos aumenta, o preo tender

    a cair; se a demanda dos consumidores por ovos crescer, o preo tender a

    aumentar. O mesmo vale para a moeda. Um aumento da oferta de moeda

    tender a diminuir seu "preo"; um aumento na demanda por moeda o

    aumentar. Mas o que a demanda por moeda? No caso dos ovos, ns sabemos

    o que a "demanda" significa; a quantidade de moeda que os consumidores

    esto dispostos a gastar em ovos mais os ovos retidos pelos vendedores. De

    forma anloga, a "demanda" por moeda os vrios bens oferecidos em troca de

    moeda em adio moeda retida em caixa por certo perodo de tempo. Em

    ambos os casos, a "oferta" se refere ao estoque total do bem no mercado.

    O que acontece, ento, se a oferta de ouro aumenta, caso a demanda

    permanea a mesma? O "preo da moeda" cai, i.e., o poder de compra da

    unidade monetria se depreciar concomitantemente. Uma ona de ouro agora

    valer menos que 100 pes franceses, 1/3 de um aparelho de TV etc.

    Inversamente, se a oferta de ouro cai, o poder de compra da ona de ouro

    aumenta.

    Qual o efeito de uma mudana na oferta monetria? Seguindo o

    exemplo de David Hume, um dos primeiros economistas, ns podemos nos

    perguntar o que aconteceria se, da noite para o dia, uma boa fada deslizasse

    para dentro de nossos bolsos, bolsas e contas bancrias e dobrasse nossa oferta

    monetria. Em nosso exemplo, ela magicamente dobraria nossa oferta de ouro.

    Ns ficaramos duplamente ricos? Obviamente no. O que nos torna ricos uma

    abundncia de bens e o que limita essa abundncia uma escassez de recursos

  • a saber, de terra, trabalho e capital. A multiplicao da moeda no

    multiplicaria esses recursos. Ns podemos nos sentir duplamente ricos por ora,

    mas tudo o que estamos fazendo diluir a oferta monetria. Quando o pblico

    comear a gastar suas novas riquezas, os preos, aproximadamente, dobraro

    ou, ao menos, se elevaro at que a demanda seja satisfeita e a moeda se

    depreciar.

    Assim, ns podemos perceber que embora um aumento na oferta de

    moeda, como um aumento na oferta de qualquer bem, diminua seu preo, a

    mudana ao contrrio do que ocorre com os outros bens no confere

    qualquer benefcio social. O pblico em geral no fica mais rico. Enquanto bens

    de consumo ou de capital elevam os padres de vida, uma maior quantidade de

    moeda apenas aumenta os preos, i.e., dilui seu prprio poder de compra. A

    razo disso que a moeda til somente por conta de seu valor de troca. Os

    outros bens possuem vrias utilidades "reais", de forma que um aumento em

    suas ofertas satisfaz mais demandas dos consumidores. A moeda s tem

    utilidade por seu potencial de troca; sua utilidade se baseia em seu valor de

    troca, ou "poder de compra". Nossa lei de que um aumento na oferta

    monetria no confere benefcios sociais advm de sua utilidade nica como

    meio de troca.

    Um aumento na oferta monetria, dessa forma, apenas dilui a efetividade

    de cada ona de ouro; por outro lado, uma queda na oferta de moeda aumenta o

    poder de cada ona de ouro para executar sua funo. Ns chegamos

    concluso surpreendente de que no importa qual a oferta monetria. Uma

    oferta ser to til quanto qualquer outra. O livre mercado simplesmente se

    ajustar atravs da mudana do poder de compra isto , da efetividade de

    cada unidade de ouro. No h necessidade de interferir no mercado para alterar

    a oferta monetria que ele determina.

    Nesse ponto, o planejador monetrio pode objetar: "Est bem,

    concedendo que seja intil aumentar a oferta monetria, isso no significa que a

    minerao de ouro um desperdcio de recursos? No seria melhor que o

    governo mantivesse a oferta monetria constante e proibisse novas

    mineraes?" Esse argumento pode parecer plausvel queles que no tm

    qualquer objeo a princpio interferncia governamental, embora ela no

    fosse convencer o determinado defensor da liberdade. Mas a objeo ignora um

    ponto importante: que o ouro no apenas moeda, mas tambm,

    inevitavelmente, uma mercadoria. Uma oferta maior de ouro pode no conferir

    qualquer benefcio monetrio, mas confere um benefcio no-monetrio i.e.,

    ela aumenta a oferta de ouro usado no consumo (ornamentos, aparelhos

    dentrios etc.) e na produo (indstria). A minerao, portanto, no um

    desperdcio social.

    Ns conclumos, portanto, que a determinao da oferta de moeda, como

    a de todos os outros bens, melhor quando deixada a cargo do livre mercado.

    Alm das vantagens morais e econmicas gerais da liberdade em relao

    coero, nenhuma quantidade de moeda imposta ter maior utilidade e o

  • mercado livre estabelecer a produo de ouro de acordo com sua capacidade

    relativa de satisfazer as necessidades dos consumidores em comparao com

    todos os outros bens.12

    9. O problema do "entesouramento"

    O crtico da liberdade monetria no silenciado com to pouco, no

    entanto. H tambm, em particular, o medo irracional do "entesouramento". A

    imagem que vem mente a do velho avarento que, talvez irracionalmente,

    talvez por maldade, acumula uma grande quantidade de ouro em seu poro ou

    ba de tesouro causando assim a interrupo do fluxo de circulao e

    comrcio, causando depresses e outros problemas. Ser o entesouramento

    realmente uma ameaa?

    Em primeiro lugar, o que ocorreu foi simplesmente um aumento da

    demanda por moeda da parte do avarento. Como resultado, os preos dos bens

    cairo e o poder de compra da unidade monetria subir. No houve perda para

    a sociedade, que apenas segue seu curso com uma menor oferta "efetiva" de

    ouro.

    Mesmo assumindo-se a pior perspectiva da questo, nada de mais

    aconteceu e a liberdade monetria no cria quaisquer problemas. Deve se

    encarar o problema por outro ngulo, porm. Pois no irracional que as

    pessoas desejem mais ou menos dinheiro em caixa.

    Neste ponto, vamos analisar mais profundamente os encaixes.13 Por que

    as pessoas mantm encaixes? Suponhamos que todos ns fssemos capazes de

    predizer o futuro com absoluta certeza. Nesse caso, ningum teria por que

    manter encaixes. Todos saberiam exatamente quanto iriam gastar e quanto

    iriam receber a todas as datas futuras. No seria necessrio manter qualquer

    dinheiro em mos e bastaria que cada pessoa emprestasse seu ouro de forma a

    receber seus pagamentos nas medidas necessrias nos dias em que fosse fazer

    seus gastos. Mas, evidentemente, vivemos num mundo de incerteza. As pessoas

    no sabem precisamente o que lhes vai acontecer ou quais sero suas rendas ou

    despesas futuras. Quanto mais incerteza h, maiores encaixes elas querem

    manter; quanto mais seguras estiverem, menores so seus encaixes. Outra razo

    por que manter encaixes que eles so uma funo da incerteza no mundo real.

    Se as pessoas esperam que o preo da moeda caia no futuro prximo, elas

    gastaro seu dinheiro agora enquanto seu dinheiro tem maior valor, executando

    assim um "desentesouramento" e reduzindo suas demandas por moeda.

    Inversamente, se esperam que o preo da moeda suba, esperaro para gastar

    12 A minerao de ouro, naturalmente, no mais lucrativa do que qualquer outro negcio; no longo prazo, sua taxa de retorno ser igual ao retorno lquido de qualquer outra indstria.

    13 O termo encaixe empregado aqui com o significado de saldo de caixa ou saldo monetrio. a quantia em moeda que os indivduos mantm em espcie ou em saldos bancrios. O termo, tambm usado na traduo de Ao Humana, emprestado da contabilidade e traduz a expresso cash balance. [N.T.]

  • seu dinheiro mais tarde, quando ele estiver com o valor mais alto e suas

    demandas por moeda aumentarem. A demanda dos indivduos por encaixes,

    ento, aumenta e diminui por razes perfeitamente razoveis e plausveis.

    Os economistas erram se acreditam que algo est errado quando a moeda

    no est em circulao constante e ativa. A moeda de fato til somente por

    conta de seu valor de troca, mas no til apenas no momento da transao.

    Esse fato tem sido freqentemente ignorado. A moeda igualmente til quando

    est "parada" no encaixe de algum, at mesmo quando "entesourada" pelo

    avarento.14 Pois o dinheiro est sendo guardado agora para uma transao

    futura sua utilidade a de permitir que seu proprietrio execute quaisquer

    transaes que desejar a qualquer tempo, presente ou futuro.

    Deve-se lembrar que todo o ouro precisa ser de propriedade de algum e

    que, portanto, todo o ouro precisa estar mantido nos encaixes das pessoas. Se h

    trs mil toneladas de ouro na sociedade, todas as trs mil toneladas precisam ser

    de propriedade de algum e mantidas nos encaixes dos indivduos. A soma total

    dos encaixes sempre idntica oferta total de moeda na sociedade. Assim,

    ironicamente, se no fosse pela incerteza do mundo real, no existiria qualquer

    sistema monetrio! Num mundo sem incertezas, ningum quereria manter

    dinheiro consigo, a demanda por moeda na sociedade cairia infinitamente, os

    preos aumentariam de maneira exorbitante e o sistema monetrio entraria em

    colapso. Em vez de a existncia de encaixes ser um fator gerador de problemas

    que interfere nas transaes monetrias, ele absolutamente necessrio para

    qualquer economia monetria.

    um equvoco, alm do mais, dizer que a moeda "circula". Como todas as

    metforas emprestadas das cincias naturais, ela conota algum tipo de processo

    mecnico, independente da vontade humana, que se move num fluxo com certa

    "velocidade". Na verdade, a moeda no "circula"; ela , de tempos em tempos,

    transferida do encaixe de uma pessoa para o de outra. A existncia da moeda

    depende da disposio dos indivduos a manter encaixes.

    No comeo desta seo, vimos que o "entesouramento" no causa

    qualquer perda para a sociedade. Agora, veremos que a oscilao do preo da

    moeda causado pelas mudanas na demanda por ela confere um benefcio social

    positivo to positivo quanto aquele conferido por um aumento da oferta de

    bens e servios. Ns vimos que a soma total dos encaixes da sociedade igual

    oferta total de moeda. Vamos assumir que a oferta permanea constante,

    digamos a trs mil toneladas. Agora, suponhamos que, por qualquer razo

    talvez por conta de um aumento da sensao de instabilidade a demanda das

    pessoas por encaixes aumente. Evidentemente, socialmente benfico satisfazer

    essa demanda. Mas como ela pode ser satisfeita se a soma total de moeda

    permanece a mesma? Da seguinte maneira: com um aumento do valor atribudo

    14 A que ponto o encaixe de cada pessoa se torna um maligno "entesouramento" ou o homem prudente se torna um avarento? impossvel estabelecer qualquer critrio definido: geralmente a acusao de "entesouramento" significa que A mantm mais dinheiro do que B considera apropriado para A.

  • aos encaixes pelos indivduos, a demanda por moeda aumenta, os preos caem.

    Como resultado, a mesma soma total de encaixes confere agora um equilbrio

    "real" mais elevado, i.e., mais alto em relao aos preos dos bens ao servio

    que a moeda deve executar. Em suma, a efetividade dos encaixes do pblico se

    elevou. Inversamente, uma queda na demanda por moeda causar maiores

    gastos e preos mais altos. O desejo do pblico por menores encaixes efetivos

    ser satisfeito pela necessidade de que uma dada quantidade de moeda seja

    utilizada.

    Dessa forma, embora uma mudana no preo da moeda advinda de

    mudanas na oferta meramente altere a efetividade da unidade monetria e no

    confira qualquer benefcio social, uma queda ou uma elevao causada por uma

    mudana na demanda por encaixes confere um benefcio social pois ela

    satisfaz um desejo do pblico por maiores ou menores propores de encaixes

    em comparao com a moeda de fato utilizada. Por outro lado, um aumento da

    oferta de moeda frustrar a demanda do pblico por uma soma total de moeda

    mais efetiva (mais efetiva em termos de poder de compra).

    As pessoas quase sempre diro, se questionadas, que querem tanto

    dinheiro quanto possvel! Mas o que eles querem no mais unidades de moeda

    mais onas de ouro ou "dlares" mas mais unidades efetivas, i.e., uma

    maior quantidade de bens e servios proporcionada pelo dinheiro. Ns vimos

    que a sociedade no pode satisfazer sua demanda por moeda aumentando sua

    oferta pois um aumento da oferta simplesmente diluir a efetividade de cada

    ona e o dinheiro no vai ser de fato mais abundante do que antes. Os padres

    de vida das pessoas (a no ser em relao aos usos no monetrios do ouro) no

    podem aumentar pela minerao de mais ouro. Se as pessoas desejam mais

    onas de ouro efetivas em seus encaixes, elas podem consegui-las apenas

    atravs de uma queda nos preos e do aumento da efetividade de cada ona.

    10. Estabilizar o nvel de preos?

    Alguns tericos argumentam que a adoo de um sistema monetrio livre

    seria uma atitude pouco inteligente, porque ele no "estabilizaria o nvel de

    preos", i.e., o preo da unidade monetria. A moeda, dizem eles, deve ser um

    parmetro fixo que no muda jamais. Portanto, seu valor, ou poder de compra,

    deve ser estabilizado. Uma vez que o preo da moeda de fato flutuaria no livre

    mercado, a liberdade deve ser suprimida pelo gerenciamento governamental em

    prol da estabilidade monetria.15 A estabilidade faria justia, por exemplo, aos

    devedores e credores, que pagariam e receberiam dlares, ou onas de ouro,

    com o mesmo poder de compra que emprestaram.

    Porm, se os credores e devedores querem se proteger de mudanas

    futuras do poder de compra da moeda, eles podem fazer isso facilmente no livre

    mercado. Quando fizerem seus contratos, eles podem concordar que o 15 O que o governo faria para alcanar esse objetivo no importante aqui. Basicamente envolveria o controle governamental da oferta monetria.

  • repagamento ser feito numa soma de dinheiro ajustada de acordo com algum

    ndice de mudanas do valor da moeda. Os estabilizadores h muito defendem

    tais medidas, mas estranhamente os prprios credores e muturios, que

    supostamente se beneficiam mais da estabilidade, raramente tiraram proveito

    da oportunidade. O governo ento deve forar certos benefcios a pessoas que j

    os livremente rejeitaram? Aparentemente os empresrios prefeririam arriscar,

    neste mundo de irremedivel incerteza, em suas habilidades de antecipar as

    condies do mercado. Afinal, o preo da moeda no diferente de quaisquer

    outros preos livres do mercado. Eles podem mudar em resposta a mudanas

    nas demandas dos indivduos; por que o mesmo no poderia acontecer com a

    moeda?

    A estabilizao artificial na verdade distorceria e impediria seriamente o

    funcionamento do mercado. Como j indicamos, as pessoas teriam suas

    expectativas inevitavelmente frustradas, porque no seriam capazes de alterar a

    proporo de seus encaixes da maneira pretendida; elas no teriam

    possibilidade de mudar seus encaixes em relao aos preos. Alm disso, o

    aumento dos padres de vida do pblico s ocorre como resultado do

    investimento de capital. O aumento da produtividade tende a diminuir os

    preos (e os custos) e distribuir dessa forma os frutos da livre empresa para todo

    o pblico, elevando os padres de vida de todos os consumidores. O aumento

    forado do nvel de preos impede essa difuso dos padres mais altos de vida.

    A moeda, em resumo, no um "parmetro fixo". uma mercadoria que

    serve como meio de troca. A flexibilidade em seu valor em resposta demanda

    dos consumidores to importante e benfica quanto qualquer outro preo do

    mercado.

    11. Moedas coexistentes

    At este ponto ns construmos a seguinte imagem da moeda numa

    economia totalmente livre: o ouro ou a prata vm a ser usados como meios de

    troca; o ouro cunhado por firmas privadas concorrentes, circulando de acordo

    com seu peso; os preos flutuam livremente no mercado em resposta s

    demandas dos consumidores e s ofertas de recursos produtivos. A liberdade de

    preos necessariamente implica a liberdade de oscilao do poder de compra da

    unidade monetria; seria impossvel usar a fora e interferir nos movimentos do

    valor da moeda sem simultaneamente interferir na liberdade de flutuao dos

    preos de todos os outros bens. A economia livre resultante no seria catica.

    Pelo contrrio, ela se moveria rpida e eficientemente para atender s

    demandas dos consumidores. O mercado monetrio tambm seria livre.

    At aqui ns simplificamos o problema ao assumir apenas um metal

    monetrio o ouro. Suponhamos que duas ou mais moedas continuem a

    circular no mercado mundial digamos, o ouro e a prata. Possivelmente o ouro

    ser a moeda em uma rea e a prata em outra, ou eles podem mesmo circular

    lado a lado. O ouro, tendo um maior valor de mercado, ser usado para

  • transaes maiores e a prata, com um valor mais baixo, ser usado para

    menores transaes. A existncia de duas moedas no seria impossivelmente

    catica? O governo no teria que interferir e impor uma razo fixa entre as duas

    ("bimetalismo") ou desmonetizar de alguma forma um ou outro metal (impor

    um padro nico)?

    bem possvel que o mercado, deixado totalmente livre, pudesse

    eventualmente estabelecer um nico metal como moeda. Mas nos sculos

    recentes, a prata teimosamente continuou a desafiar o ouro. No necessrio,

    contudo, que o governo interfira e salve o mercado de sua prpria estupidez ao

    manter duas moedas. A prata se manteve em circulao precisamente por sua

    convenincia (para pequenos trocos, por exemplo). A prata e o ouro poderiam

    facilmente circular lado-a-lado, e de fato circularam no passado. As ofertas e

    demandas relativas pelos dois metais determinaro o cmbio entre os dois e tal

    cmbio, como qualquer outro preo, flutuar continuamente em resposta a

    mudanas de oferta e demanda. A qualquer tempo, por exemplo, as onas de

    prata e ouro podem ser trocadas a uma razo de 16:1, em outro momento a 15:1,

    e assim por diante. Que metal servir como unidade de conta depende das

    circunstncias concretas do mercado. Se o ouro for a moeda de conta, ento a

    maior parte das transaes ser feita com o uso de onas de ouro, as onas de

    prata sero trocadas a preos livremente flutuantes em termos de ouro.

    Deve ficar claro que a taxa de cmbio e os poderes de compra das

    unidades dos dois metais tendero sempre a ser proporcionais. Se os preos dos

    bens so quinze vezes mais altos em prata do que em ouro, ento a taxa de

    cmbio tender a se estabelecer em 15:1. Caso contrrio, ser lucrativo trocar

    uma moeda pela outra at que a paridade seja alcanada. Assim, se os preos

    so quinze vezes maiores em termos de prata que em ouro enquanto a relao

    prata/ouro de 20:1, as pessoas se apressaro para vender seus bens por ouro,

    comprar prata e ento recomprar seus bens com prata colhendo belos lucros

    no processo. Isso rapidamente restaurar a paridade do poder de compra da

    taxa de cmbio; enquanto o ouro fica mais barato em termos de prata, a os

    preos dos bens em prata aumentam e os preos em ouro dos bens caem.

    O livre mercado, em suma, absolutamente ordenado no apenas

    quando a moeda livre, mas mesmo quando h mais que uma moeda em

    circulao.

    Que tipo de "padro" ser provido por uma moeda livre? O ponto

    importante que o padro no ser estabelecido por decreto governamental. Se

    deixado a si mesmo, o mercado pode estabelecer o ouro como moeda nica

    (padro-ouro), a prata como moeda nica (padro-prata) ou, talvez mais

    provavelmente, ambos como moedas com taxas de cmbio livremente flutuantes

    (padres paralelos).16

    16 Para exemplos histricos de padres paralelos, ver W. Stanley Jevons, Money and the Mechanism of Exchange, Londres: Kegan Paul, 1905, p. 88-96, e Robert S. Lopez, "Back to Gold, 1252", The Economic History Review, dezembro de 1956, p. 224. A cunhagem de ouro foi introduzida na Europa moderna quase simultaneamente em Gnova e Florena. Florena instituiu o bimetalismo enquanto "Gnova, pelo contrrio, em conformidade com o princpio da

  • 12. Os depsitos de moeda17

    Suponhamos, ento, que o livre mercado tenha estabelecido o ouro como

    moeda (ignorando novamente a prata para simplificar a questo). Mesmo no

    formato mais prtico de moedas, o ouro freqentemente inconveniente e

    difcil de carregar e utilizar diretamente em transaes. Para transaes

    maiores, inadequado e dispendioso transportar vrias centenas de libras de

    ouro. Mas o livre mercado, sempre preparado para satisfazer as necessidades

    sociais, vem ao resgate. O ouro, antes de tudo, deve ser armazenado em algum

    lugar e, da mesma maneira que a especializao mais eficiente em outras

    linhas de negcio, ela ser mais eficiente no armazenamento de moedas. Certas

    firmas, portanto, tero sucesso no mercado ao prover servios de

    armazenamento. Algumas sero depsitos de ouro e o armazenaro para uma

    mirade de proprietrios. Como em todos os depsitos, o direito do proprietrio

    aos bens estabelecido por um recibo recebido no momento da armazenagem.

    O recibo confere ao proprietrio o direito de reclamar os bens a qualquer

    momento. A maneira pela qual o depsito lucrar no ser diferente do meio

    usado por qualquer outro tipo de depsito i.e., atravs da cobrana de um

    preo por seus servios de armazenagem.

    H vrias razes para acreditar que depsitos de ouro, ou de moeda,

    prosperaro no livre mercado da mesma maneira que outros tipos de depsito.

    De fato, a armazenagem desempenha um papel ainda mais importante no caso

    da moeda. Porque todos os outros bens devem ser utilizados e, assim, devem

    deixar os depsitos depois de um tempo para ser usados na produo ou no

    consumo. Mas a moeda, como vimos, no "usada" no sentido fsico; em vez

    disso, ela trocada por outros bens e para ser guardada em espera para

    transaes futuras. Ou seja, a moeda no "consumida", mas apenas transferida

    de uma pessoa para outra.

    Em tal situao, a convenincia inevitavelmente leva transferncia de

    recibos de depsito em vez da transao fsica do prprio ouro. Suponhamos,

    por exemplo, que tanto Smith quanto Jones armazenem seu ouro no mesmo

    depsito. Jones vende a Smith um automvel por 100 onas de ouro. Smith

    restrio da interveno estatal tanto quanto possvel, no tentou estabelecer uma relao fixa entre as moedas de diferentes metais", idem. Sobre a teoria dos padres paralelos, ver Mises, op. cit., p. 179 e segs. Para uma proposta de que os Estados Unidos adotem um padro paralelo, por um oficial do U.S. Assay Office*, ver J.W. Sylvester, Bullion Certificates as Currency, Nova York, 1882.

    * O U.S. Assay Office uma espcie de Inmetro americano voltado especificamente para assegurar a pureza de metais preciosos. [N.T.]

    17 Os depsitos a que se refere o ttulo so os locais de depsito de moeda (os bancos), traduzidos de warehouses. O texto a seguir tambm discute os depsitos monetrios em conta nos bancos (bank deposits), ento se deve manter em mente a distino entre os depsitos entendidos como locais de armazenagem e os depsitos como ao de depositar ou como aquilo que foi depositado. Esta nomenclatura, embora possa parecer confusa, bastante clara ao longo do texto. Ela foi escolhida porque a alternativa (armazm) no se encaixaria estilisticamente no texto ao se referir moeda. [N.T.]

  • poderia retirar seu ouro e mov-lo para o escritrio de Jones e Jones, por sua

    vez, depositaria novamente o dinheiro. Porm, como esse processo bastante

    dispendioso, eles sem dvida escolhero um curso de ao mais conveniente:

    Smith simplesmente dar a Jones um recibo de depsito no valor de 100 onas

    de ouro.

    Dessa maneira, os recibos de depsito passam a ser utilizados cada vez

    mais como substitutos de moeda. Cada vez menos transaes movimentam ouro

    de fato; ttulos de papel ao ouro so utilizados em seu lugar. Com o

    desenvolvimento do mercado, haver trs limites ao avano desse processo de

    substituio. O primeiro ser a medida que as pessoas utilizariam esses

    depsitos de moeda chamados bancos em vez do prprio dinheiro.

    evidente que, se Jones por qualquer razo no quisesse usar um banco, Smith

    teria que transportar fisicamente o ouro. O segundo limite ser a extenso da

    clientela de cada banco. Em outras palavras, quanto mais transaes ocorrerem

    entre clientes de bancos diferentes, mais ouro ter que ser transportado.

    Quando mais transaes forem feitas por clientes do mesmo banco, menor ser

    a necessidade de transportar o ouro. Se Jones e Smith forem clientes de

    diferentes depsitos, o banco de Smith (ou mesmo o prprio Smith) teria que

    transportar o ouro para o banco de Jones. O terceiro limite seria a confiana que

    as clientelas tm em seus bancos. Se elas descobrirem subitamente, por

    exemplo, que os funcionrios do banco tm registros criminais, o banco

    provavelmente perder seus clientes em pouco tempo. Nesse sentido, todos os

    depsitos e todos os empreendimentos que se baseiam na confiana mtua

    so iguais.

    Quanto mais crescerem os bancos e quanto mais confiana o pblico tiver

    neles, seus clientes podem considerar mais conveniente no utilizar recibos de

    papel chamados notas bancrias e, em vez deles, manter seus ttulos como

    contas correntes. Na esfera monetria, essas contas ganharam o nome de

    depsitos bancrios. Em vez de transferir recibos de papel, o cliente faz suas

    transaes atravs de uma ordem escrita para seu depsito para que ele

    transfira parte de sua conta para outra pessoa. Assim, em nosso exemplo, Smith

    dar a ordem para que o banco transfira o ttulo de suas 100 onas de ouro para

    Jones. A ordem escrita chamada cheque.

    Deve ficar claro tambm que, economicamente, no h nenhuma

    diferena entre uma nota bancria e um depsito bancrio. Ambos so ttulos de

    propriedade do ouro depositado, ambos so transferidos similarmente como

    substitutos de moeda e ambos tm os mesmos trs limites extenso de seu

    uso. O cliente pode escolher, de acordo com sua convenincia, se deseja manter

    seu ttulo em forma de nota ou depsito.18

    Agora, o que aconteceu com a oferta monetria como resultado de todas

    essas operaes? Se as notas ou depsitos bancrios so usados como

    18 Uma terceira forma de substituto de moeda so as moedas simblicas utilizadas para transaes bem pequenas (como na forma de centavos). Elas so, com efeito, equivalentes a notas bancrias, mas "impressas" numa base de metal em vez de papel.

  • substitutos de moeda, isso significa que a oferta monetria efetiva na economia

    aumentou apesar de o estoque de ouro ter permanecido o mesmo? Certamente

    no. Pois os substitutos de moeda so apenas recibos de depsito para o ouro

    real. Se Jones guarda 100 onas de ouro em seu depsito e pega em troca um

    recibo, esse recibo pode ser usado no mercado como moeda, mas somente como

    um substituto do ouro, no como um incremento. O ouro guardado, portanto,

    no mais parte da oferta monetria efetiva, mas mantido como uma reserva

    do recibo, podendo ser sacado a qualquer momento pelo proprietrio. Um

    aumento ou uma diminuio do uso de substitutos no ocasiona qualquer

    mudana na oferta monetria. Apenas a forma da oferta modificada, no o

    total. Assim, a oferta monetria de uma comunidade pode comear com dez

    milhes de onas de ouro. Seis milhes podem ento ser depositadas em troca

    de notas bancrias, o que far com que a demanda efetiva seja de quatro

    milhes de onas de ouro e seis milhes de onas de ttulos ao ouro depositado

    na forma de notas de papel. A oferta total de moeda permaneceu igual.

    Curiosamente, muitas pessoas j argumentaram que seria impossvel que

    os bancos fossem lucrativos se tivessem que operar com essa reserva de 100 por

    cento (em que o ouro sempre representado por seu recibo). No entanto, no h

    qualquer problema alm daqueles enfrentados por qualquer outro tipo de

    depsito. Quase todos os depsitos mantm todos os bens disponveis

    imediatamente para seus proprietrios (em reserva de 100 por cento)

    normalmente na verdade, seria considerado fraude ou roubo se eles no

    agissem dessa maneira. Seus lucros so obtidos atravs de cobranas de servios

    de seus clientes. Os bancos podem cobrar por seus servios da mesma maneira.

    Se for objetado que os clientes no pagaro altos preos, isso significa que os

    servios dos bancos no tero grande demanda e cairo a nveis que os

    consumidores consideram apropriados.

    Ns chegamos agora quele que talvez o problema mais espinhoso com

    que se defronta o economista monetrio: a avaliao do sistema bancrio de

    reserva fracionria. Devemos fazer a pergunta: seria a reserva fracionria

    permitida num mercado livre ou seria ela proscrita como fraude? bem sabido

    que os bancos raramente permaneceram numa base de 100% por muito tempo.

    Uma vez que a moeda pode permanecer depositada por um longo perodo de

    tempo, o banco tentado a utilizar uma parte do dinheiro para si prprio

    tambm porque as pessoas normalmente no se importam se as moedas de ouro

    que recebem de volta do depsito so idnticas s que foram depositadas. O

    banco tentado, ento, a utilizar o dinheiro de outras pessoas para obter lucros

    para si prprio.

    Se os bancos emprestam ouro diretamente, os recibos emitidos por ele,

    evidentemente, so parcialmente invalidados. H agora alguns recibos sem o

    correspondente em ouro depositado; ou seja, o banco est efetivamente

    insolvente, uma vez que no pode honrar todas as suas obrigaes caso haja

    necessidade. Ele no pode devolver as propriedades de seus clientes, caso todos

    eles desejassem.

  • Geralmente os bancos, em vez de emprestar o prprio ouro, imprimem

    pseudo-recibos de depsito, i.e., recibos que no contam com cobertura em

    ouro, que no est e no pode estar depositado. Tais recibos so ento

    emprestados por uma taxa. O efeito econmico evidentemente o mesmo. Mais

    recibos de depsito so impressos do que a quantidade de ouro armazenada. O

    que o banco fez foi emitir recibos de depsito de ouro que no representam

    nada, mas que supostamente representam 100% de seu valor de face em ouro.

    Os pseudo-recibos entram no mercado da mesma forma que os recibos reais e,

    assim, adicionam oferta monetria efetiva do pas. No exemplo acima, se os

    bancos agora emitem dois milhes de onas em recibos falsos, sem o

    correspondente em ouro, a oferta monetria do pas vai aumentar de dez para

    doze milhes de onas de ouro pelo menos at que o truque seja descoberto e

    corrigido. H agora, alm dos quatro milhes de onas de ouro mantidas pelo

    pblico, oito milhes de onas em substitutos de moeda apenas seis milhes

    das quais lastreadas em ouro.

    A emisso de pseudo-recibos, da mesma forma que a falsificao de

    moedas, um exemplo de inflao, que ser estudada mais frente. A inflao

    pode ser definida como qualquer aumento na oferta monetria da economia

    que no consista de um aumento correspondente do estoque do metal-moeda.

    As bancas de reserva fracionria, conseqentemente, so instituies

    inerentemente inflacionrias.

    Os defensores dos bancos respondem da seguinte maneira: os bancos

    esto simplesmente funcionando como outros negcios esto assumindo

    riscos. Admitidamente, se todos os depositantes apresentassem seus recibos e

    desejassem retirar seu dinheiro, os bancos iriam a falncia, j que o valor dos

    recibos excede a quantidade de ouro armazenada. Os bancos, porm,

    simplesmente arriscam na maioria das vezes com razo que nem todos vo

    querer resgatar seus ttulos. A grande diferena, entretanto, entre o sistema de

    reserva fracionria e todos os outros negcios esta: os outros indivduos usam

    capital prprio ou emprestado em suas empreitadas, e se contrarem dbito,

    prometem pagar a uma data futura, tomando cuidado para que tenham dinheiro

    a mos para honrar suas obrigaes. Se Smith faz um emprstimo de 100 onas

    por um ano, ele se programar para ter 100 onas disponveis quela data

    futura. O banco, porm, no est pegando um emprstimo de seus depositantes;

    ele no promete pagar uma quantia de ouro a uma certa data no futuro. Ao invs

    disso, ele promete restituir o ouro a qualquer tempo, de acordo com a demanda.

    Resumidamente, a nota ou o depsito bancrio no um ttulo de dbito; um

    recibo de armazenagem para a propriedade de outrem. Alm disso, quando um

    empresrio contrai uma dvida ou empresta dinheiro, ele nada adiciona oferta

    monetria. Os fundos emprestados so fundos poupados, sendo parte da oferta

    monetria transferida do credor para o muturio. As emisses feitas pelo banco,

    por outro lado, artificialmente aumentam a oferta monetria, uma vez que

    pseudo-recibos so injetados no mercado.

  • Um banco, por conseguinte, no est assumindo os riscos de um

    empreendimento normal. Ele, ao contrrio de todos os outros empresrios, no

    organiza o padro temporal de seus ativos proporcionalmente ao padro de suas

    obrigaes financeiras, i.e., ele no verifica se ter dinheiro suficiente, nas datas

    devidas, para pagar suas contas. Ao contrrio, a maior parte de suas dvidas

    instantnea, mas seus ativos no so.

    O banco cria nova moeda a partir do nada e no tem que adquirir mais

    dinheiro atravs da produo e da venda de seus servios, como todas as outras

    pessoas. Ou seja, o banco est sempre insolvente; sua insolvncia s revelada

    quando os clientes passam a suspeitar e precipitam corridas bancrias.

    Nenhum outro negcio sujeito ao fenmeno das "corridas". Nenhum outro

    tipo de empreendimento pode ser levado falncia de um dia para o outro

    simplesmente porque seus clientes decidiram reaver suas propriedades.

    Nenhum outro tipo de negcio cria moedas fictcias, que evaporaro se os

    indivduos tentarem reav-las.

    Os efeitos econmicos negativos do sistema de reserva fracionria sero

    explorados no captulo a seguir. Aqui ns conclumos que, moralmente, esse

    tipo de atividade bancria no teria maior direito de existir num mercado

    verdadeiramente livre do que qualquer outra forma implcita de roubo.

    verdade que a nota ou o depsito no dizem abertamente que o banco garante

    total cobertura a qualquer tempo. Mas o banco promete resgat-los vista, de

    forma que quando ele emite quaisquer recibos falsos, j est cometendo fraude,

    porque se torna imediatamente impossvel para o banco manter sua promessa e

    resgatar todas as suas notas e depsitos.19 A fraude, conseqentemente, est

    sendo cometida imediatamente quando ocorre o ato de emisso dos pseudo-

    recibos. Quais so os recibos fraudulentos s possvel descobrir depois que

    uma corrida bancria tenha ocorrido (uma vez que todos os recibos so iguais) e

    os ltimos depositantes no conseguirem retirar seu dinheiro.20

    Se a fraude deve ser proibida numa sociedade livre, ento o sistema de

    reserva fracionria teria o mesmo destino.21 Suponhamos, no entanto, que a

    fraude e a reserva fracionria sejam permitidas, com o nico requerimento de

    19 Ver Amasa Walker, The Science of Wealth, 3 ed., Boston: Little, Brown and Co., 1867, p. 139-41 e p. 126-232, para uma excelente discusso dos problemas de uma moeda de reserva fracionria.

    20 Um sistema libertrio talvez fosse considerar depsitos de garantia geral (que permitem que o depsito retorne qualquer bem homogneo para o depositante) como depsitos de garantia especfica, que, como notas de despacho, recibos de penhor e certificados de portos, estabelecem propriedades sobre certos objetos especficos. Pois, no caso no caso da garantia geral, os depsitos so tentados a tratar os bens como suas prprias propriedades, em vez de como propriedades de seus clientes. Isto precisamente o que os bancos tm feito. Ver Jevons, op. cit., p. 207-12.

    21 Fraudes so roubos implcitos, uma vez que significam que um contrato no foi completado depois que o valor foi recebido. Isto , se A vende para B uma caixa com o rtulo "cereal" e no encontra nada dentro da caixa, a fraude de A , na realidade, um roubo da propriedade de B. Da mesma forma, os recibos de armazenagem para bens no-existentes, idnticos a recibos genunos, so fraudes contra os indivduos que possuem ttulos de propriedades inexistentes.

  • que os bancos honrem suas obrigaes de restituir o ouro vista. A

    impossibilidade de cumprir essa obrigao levaria bancarrota imediata. Esse

    sistema veio a ser conhecido como liberdade bancria. Em tal cenrio haveria o

    uso em larga escala de substitutos fraudulentos de moeda, resultando em um

    aumento artificial da oferta monetria? Muitas pessoas j assumiram que sim e

    acreditaram que essa atividade bancria descontrolada simplesmente inflaria a

    oferta monetria astronomicamente. Porm, pelo contrrio, a liberdade

    bancria levaria a um sistema monetrio muito mais "rgido" do que o que

    temos hoje em dia.

    Os bancos seriam controlados pelos mesmos trs limites que

    mencionamos anteriormente, e o seriam bastante rigorosamente. Em primeiro

    lugar, a expanso monetria de cada banco seria limitada pela perda de ouro

    para outro banco. Isso acontece porque um banco s pode expandir a moeda

    dentro dos limites de sua prpria clientela. Suponhamos, por exemplo, que o

    Banco A, tendo 10.000 onas depositadas, emita o equivalente a 2.000 onas

    em recibos falsos e os empreste a vrios empresrios ou os invista em aes. O

    muturio ou o dono anterior das aes ir utilizar sua nova moeda em vrios

    bens e servios. Eventualmente a moeda circular e chegar s mos de um

    indivduo que cliente do Banco B.

    Nesse ponto, o Banco B exigir que o Banco A resgate seu recibo em ouro,

    de forma que o metal possa ser transferido para os cofres de B. Claramente,

    quanto maior for a extenso da clientela de cada banco e mais os clientes

    fizerem comrcio uns com os outros, maior ser o espao disponvel para que

    cada banco expanda seu crdito e a oferta monetria. Pois se a clientela for

    pequena, ento imediatamente aps a emisso da moeda nova o banco ter que

    resgatar o substituto de moeda e, como j vimos, ele no tem os recursos

    necessrios para resgatar mais que uma frao de suas obrigaes. Para evitar a

    ameaa de falncia, assim, quanto menor for a clientela de um banco, maior

    ser a frao de ouro que ele dever manter em suas reservas e menos ele

    poder expandir. Se houver um banco em cada pas, haver bem mais espao

    para a expanso monetria do que se houvesse um banco para cada duas

    pessoas no pas. Tudo o mais constante, quanto mais bancos houver e quanto

    menores os seus tamanhos, mais "rgida" e melhor a oferta monetria ser.

    Da mesma forma, a clientela de um banco tambm ser limitada por aqueles

    que no usam banco algum. Quanto mais pessoas utilizarem ouro em vez de

    substitutos de moeda, menos espao h para a inflao bancria.

    Suponhamos, no entanto, que os bancos formem um cartel e concordem

    em liquidar os recibos de cada um e no tentar resgat-los. E suponhamos, alm

    disso, que as notas de cada banco sejam de uso universal. Haver quaisquer

    limites para a expanso bancria? Sim, permanece a limitao da confiana da

    clientela nos bancos. Quanto mais o crdito bancrio e a oferta monetria se

    expandir, mais os clientes vo se preocupar com a diminuio das reservas,

    Numa verdadeira sociedade livre, aqueles que sabem a verdade a respeito da

    insolvncia do sistema bancrio sero capazes de formar Ligas Anti-Bancos para

  • incitar os clientes a retirar seu dinheiro antes que seja tarde demais. Ou seja,

    ligas que encorajem corridas bancrias ou a ameaa de sua formao sero

    capazes de parar e reverter a expanso monetria.

    Esta discusso no pretende, porm, impugnar a prtica geral do crdito,

    que tem uma funo importante e vital no livre mercado. Numa transao

    creditcia, o proprietrio da moeda (um bem til no presente) a troca por uma

    promessa de pagamento a uma data futura (a promessa sendo um "bem futuro")

    mais o juro, que reflete a valorizao maior dos bens presentes em relao aos

    bens futuros. Mas as notas e os depsitos bancrios no so crdito; so recibos

    de armazenagem, promessas de resgate vista de moeda (e.g., ouro) dos cofres

    dos bancos. O muturio se assegura que seu dbito seja pago ao vencimento; as

    bancas de reserva fracionria no podem nunca pagar mais que uma pequena

    frao de suas obrigaes.

    Ns nos voltaremos, no prximo captulo, ao estudo das vrias formas de

    interferncia governamental no sistema monetrio a maior parte delas

    planejada no para reprimir a emisso fraudulenta de substitutos de moeda,

    mas, ao contrrio, para remover as limitaes naturais inflao.

    13. Sumrio

    O que ns aprendemos em relao moeda numa sociedade livre? Ns

    aprendemos que toda moeda se originou e necessariamente deve se originar a

    partir de uma mercadoria til escolhida pelo livre mercado como meio de troca.

    A unidade monetria simplesmente uma unidade de peso da mercadoria

    monetria geralmente um metal, como o ouro ou a prata. Num regime de

    liberdade, as mercadorias escolhidas como moeda, seus tipos e formatos, so

    decididas voluntariamente por indivduos livres. A cunhagem privada, portanto,

    to legtima e benfica quanto qualquer outra atividade comercial. O "preo"

    da moeda o seu poder de compra em termos de todos os bens da economia e

    determinado por sua oferta e demanda. Qualquer tentativa por parte do governo

    de estabelecer um preo interferir na satisfao das demandas individuais por

    moeda. Se as pessoas considerarem mais conveniente utilizar mais que um

    metal como moeda, a taxa de cmbio entre elas ser determinada no mercado

    por suas relativas ofertas e demandas e tender a ser igual s razes de seus

    respectivos poderes de compra. Assim que houver uma oferta suficiente de um

    metal para permitir que o mercado o escolha como moeda, nenhum aumento de

    sua quantidade pode aperfeioar sua funo monetria. Uma elevao da oferta

    monetria ento vai simplesmente diluir a efetividade de cada ona de moeda

    sem ajudar a economia. Um aumento do estoque de ouro ou prata, contudo,

    satisfaz demandas no-monetrias (para o uso como ornamentos, para

    propsitos industriais etc.) atendidas pelo metal e , conseqentemente,

    socialmente vantajoso. A inflao (um aumento dos substitutos monetrios no

    cobertos por um aumento do estoque do metal) no nunca socialmente til,

    mas beneficia somente um conjunto de pessoas custa de outro. A inflao,

  • sendo uma invaso fraudulenta da propriedade alheia, no pode ocorrer no livre

    mercado.

    Em resumo, a liberdade pode administrar um sistema monetrio to bem

    quanto administra o resto da economia. Ao contrrio do que dizem vrios

    autores, no existe nada especial em relao moeda que requeira abrangentes

    regulamentaes governamentais. Homens livres so capazes de melhor

    satisfazer as prprias necessidades econmicas. Porque, para a moeda, assim

    como para todas as outras atividades do homem, "a liberdade a me e no a

    filha da ordem".22

    22 A dito entre aspas uma famosa frase de Pierre-Jo