o que está ao meu alcance?

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O QUE ESTÁ AO MEU ALCANCE ? LUIZ FERNANDO SARMENTO IDEIAS E METODOLOGIAS PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS O QUE ESTÁ AO MEU ALCANCE ? LUIZ FERNANDO SARMENTO IDEIAS E METODOLOGIAS PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de trinta anos. Reflexões, descobertas – minhas, de outros – e práticas que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que movimentos sociais são compostos por movimentos individuais. Conhecimentos misturados, este livro cuida da formação de redes presenciais, da terapia da palavra, da utilização do próprio sangue, da comunicação do que dá certo, do trabalho como sinônimo de prazer.

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Page 1: O Que Está ao Meu Alcance?

O Q U E E S T Á A OM E U A L C A N C E ?

LUIZ FERNANDO SARMENTO

IDEIAS E METODOLOGIAS PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS

O Q U E E S T Á A OM E U A L C A N C E ?

LUIZ FERNANDO SARMENTO

IDEIAS E METODOLOGIAS PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS

Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de trinta anos. Refl exões, descobertas – minhas, de outros – e práticas que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que movimentos sociais são compostos por movimentos individuais.

Conhecimentos misturados, este livro cuida da formação de redes presenciais, da terapia da palavra, da utilização do próprio sangue, da comunicação do que dá certo, do trabalho como sinônimo de prazer.

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para quem deseje

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S255qSarmento, Luiz Fernando, 1946-O que está ao meu alcance? ideias e metodologias para movimentos sociais e individuais / Luiz Fernando Sarmento. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Viajante do Tempo, 2014.196 p. ; 20 cm.

ISBN 978-85-63382-32-0

1. Sociologia. 2. Sociologia - Metodologia. 3. Capitalismo. 4. Mudança social. I. Título.

14-14967 CDD: 301 CDU: 316

2014Impresso no Brasil - Rio de JaneiroTodos os direitos desta edição reservados àEditora Viajante do Tempo [email protected]

Ilustrações e Diagramação: Pedro Sarmento

Page 3: O Que Está ao Meu Alcance?

Índice

Introdução 10

I. Agências de inFormações Independentes 15

II. Rede de Comunicação Popular 23

III. Reflexões sobre o Homem Novo 43

IV. Rodízio Criativo 71

V. Visão de Mundo 77

VI. Auto-hemoterapia 89

VII. Terapia Comunitária 95

VIII. BRincadeiras 103

IX. Movimentos Relacionados 111

X. Redes Humanitárias Comunitárias 135

XI. Sonho e Realidade 153

XII. Redes na Prática 177

Page 4: O Que Está ao Meu Alcance?

Se o leitor é um editor

– e acredito que cada um é –

merece ter ao lado um caderno em branco,

onde anote o que intui e faça o bem que lhe aprouver.

Lembrete

Tão bom não ter que fazer prova.

Leio o que me atrai,

salteio, paro, regresso, esqueço.

Às vezes algo fica.

Aí me reconheço. E cresço.

O que desejo pra mim,

desejo para quem deseje.

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Jovem, não acreditava em mim. Meu corpo esquelético, sem óculos ceguim, insuficiente nas brincadeiras, nunca escolhido nas peladas, frangueiro. Inseguro de tudo, sensação de excluído. Isto de um lado. De outro, na família, tratado como igual. Sorte minha ter nascido ali, naquele espaço e tempo, do jeito que foi.

A insegurança estimula minha curiosidade. Tantos mistérios no mundo fora de mim, no mundo dentro de mim. A cada descoberta, um porto. No mundo e em mim, qualidades que desconhecia. Noutros lugares, noutras épocas, com outras pessoas, passo a passo, aprendi um tanto do que é e do que parece ser. Certezas mesmo, só de dúvidas: quase tudo permanece e muda a cada instante. Assim, aqui, o que foi talvez não seja.

Introdução

Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de trinta anos. Reflexões, descobertas – minhas, de outros – e práticas que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que movimentos sociais são compostos por movimentos individuais.

Conhecimentos misturados, o O que está ao meu alcance? cuida da formação de redes presenciais, da terapia da palavra, da utilização do próprio sangue, da comunicação do que dá certo, do trabalho como sinônimo de prazer.

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Intenção e gesto

Os mesmos fatos, visões diferentes. É assim em relação à própria criação do universo, da terra, do homem. Ser ou não ser, estar ou não estar, passam os séculos, ao fundo permanecem estas e outras questões. Cada homem, do seu jeito, cultiva – ou não – sua própria evolução, em tentativas de viver melhor. A soma destas revoluções individuais se traduz na evolução da humanidade como um todo.

A memória nos lembra de nossa história recente: vida rural, industrial, pós-industrial. Agora globalização, fase de stresses, tendências desumanizadoras. Indivíduos, bairros, cidades, países fortes e fracos – é só olhar ao longe e ao redor – destinam recursos para armas. Volta e meia, implosões de insatisfações que – juntas – se transformam em conflitos e confrontos coletivos. A vida, breve: tempo curto para lutar contra. O buraco – quase sempre – mais embaixo. O inconsciente individual e coletivo – parece – induz nossas ações.

Por outro lado, olhando bem, sinais de vida no planeta Terra. A favor do homem. Também aqui, cada ato traz resultados. No que pode neste barco, cabe a cada um de nós – que deseje – dar-se conta, sentir, refletir, nortear, realizar seus gestos.

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IAgências de

inFormações Independentes

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17Agências de inFormações Independentes

Síntese

Informações de qualidade podem chegar a muita gente, através de veículos de comunicação já existentes. A ideia básica: qualquer pessoa ou instituição pode montar sua própria agência de inFormações independente. Esta agência oferecerá inFormações a veículos de comunicação.

Para a realização desta agência – além de informações benéficas de interesse público – é necessária uma pessoa, um computador com acesso à internet e endereços virtuais de veículos de comunicação. Simples assim.

Consciência

É mais fácil compreender processos de transformações, individuais e coletivas, quando reconheço a existência do meu inconsciente e considero o que vai pelo meu e pelo do outro. Freud, Jung, Reich me ensinam que cada um de nós, no correr da vida, adquire e internaliza defesas. Elas têm a função de impedir sentimentos que nos incomodam.

Por outro lado, a construção de relações de confiança me facilita comunicações mais profundas. Assim, antes de entrar propriamente nos conteúdos, é necessário cuidar de mim e do outro, estabelecer aproximações. Como no namoro: há o olhar, a empatia, a delicadeza na aproximação, as identificações comuns, os sinais, o pegar na mão, a construção da relação.

As inFormações profundas somente chegam ao seu destino quanto o destinatário está receptivo. Comunicar é uma arte.

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18 Agências de inFormações Independentes 19Agências de inFormações Independentes

vinculados. Há instituições especializadas que oferecem comercialmente estas informações. Talvez, por exemplo, a Meio & Mensagem, http://www.meioemensagem.com.br. Ou a Comunique-se, http://www.comunique-se.com.br.

Merecem ser também ser relacionados – além dos mais conhecidos – os profissionais e veículos menos conhecidos. E jornais, revistas, rádios, TVs... produzidos e voltados para suas comunidades.

No campo virtual, outro mundo de comunicações. Aqui, quando a inFormação disponibilizada toca quem a recebe, são incontáveis as possibilidades de reprodução e espalhamento. Dependem basicamente da iniciativa de cada um. Assim mais facilmente se formam redes e movimentos.

• Uma relação de fontes possíveis de inFormações. Vale pesquisa. Há as pessoas e instituições que já dão certo, já fazem trabalhos reconhecidamente em favor do desenvolvimento integral da pessoa e da coletividade. Há os desconhecidos do público, atuantes ou na semeadura. O boca-a-boca constrói redes. Um leva a outros que leva a muitos.

Estas fontes podem estar relacionadas ao foco da agência. Imagino uma diversidade grande, de acordo com o interesse de quem envolvido. Agências voltadas para o bem estar das crianças, mães, pais, adolescentes. Ou para áreas de conhecimento específicas: agronomia, psicologia, engenharia, medicina, alimentação, esportes, lazer, voluntariado, magistério... Aqui vale um livre pensar, além de aproximações dos próprios desejos de quem – pessoa ou instituição – intenciona atuar como agente de inFormações.

Da compreensão...

Conteúdos diferenciados – que intencionam contribuir para qualidade na vida de cada um e de todos – podem ser oferecidos a veículos de comunicação de todo o país, em todo o mundo.

Existem fontes – individuais, coletivas, comunitárias, ONGs, Oscips... Existem veículos potencialmente interessados – jornais, revistas, rádios, TVs. E os virtuais, inventados ou por inventar – sites, blogs, orkuts, twitters, faces...

As fontes não têm normalmente conexão com os veículos. Agências de inFormações podem ter esta função: colher conteúdos de qualidade e disponibilizá-los para veículos e seus públicos.

O terceiro setor – organizações de interesse público sem fins lucrativos, formais ou informais – e um quarto setor – indivíduos, pessoas físicas – podem assim compartilhar suas visões de mundo.

... Ao gesto

A realização de uma Agência de inFormações independente é trabalhosa, mas simples. O básico:

• Uma pessoa interessada, com senso ético internalizado e capacidade de aprender o fazimento e articular a integração de recursos: colher informações e fomentar sua veiculação. Se necessário, editá-las, formatá-las.

• Um espaço, uma mesa, cadeira, um computador, um telefone com fax, um scanner.

• Uma relação atualizável de profissionais de comunicação atuantes no país – e suas funções nos veículos a que estejam

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20 Agências de inFormações Independentes 21Agências de inFormações Independentes

Todo o mundo quer

Aqui, ali, acolá, conteúdos de qualidade, quando emocionalmente entendidos, tendem a encontrar pessoas e instituições pró-ativas que utilizam e reproduzem os conhecimentos adquiridos. Assim, em leve prazo, se sucesso aqui, também sucesso entre outras pessoas, outros povos de outros países com outras línguas, que tenham em comum a mesma humanidade.

Conteúdos

Todo este trabalho só faz sentido se os conteúdos das inFormações a serem oferecidas contribuírem para o bem estar individual e coletivo. Para não ter dúvidas, me pergunto: é o que desejo oferecer aos meus filhos, aos meus pais, aos amigos, aos que não conheço? Poderá fazer bem, estimular reflexões?

InFormações atemporais tendem a permanecer. Foram úteis ontem, podem ser úteis hoje e amanhã.

A construção de um mundo melhor comporta variedade de temas e públicos: ética, comportamento, brincadeiras passo a passo, notícias que geram esboços de sorrisos, agradáveis de saber... Escritas para todos nós ou especificamente destinadas a pais, crianças, babás, professores, empresários, médicos, políticos, funcionários públicos... InFormações que tragam, mais que informações, conhecimentos. Que estimulem a consciência, possibilitem insights...

Formas

Lembranças difusas. No início da segunda metade do século vinte, um jornal de circulação nacional oferecia a jornais do interior matérias atemporais em cadernos-tipo-cultura, com espaços para inserções publicitárias locais. Informações de qualidade, para públicos virgens, ampliaram visões de mundo.

Hoje abrem-se novas fronteiras para a imaginação. Textos, fotos, vídeos, áudios... Em releases, artigos, cromos, fitas, DVDs, CDs – virtuais ou físicos... Escolhas de produção e oferta em função dos veículos, físicos e virtuais, escritos e audiovisuais.

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IIRede de Comunicação Popular

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25Rede de Comunicação Popular

Conteúdos para transformações

Retrato rápido

Os jornais pendurados nas bancas exibem quase sempre as mesmas notícias, escritas de forma um pouco diferentes. As fontes de informações, parece, são as mesmas. Umas poucas agências de notícias. No Brasil, Agências O Globo, Folha de São Paulo e quais mais?

Uma jovem conhecida, no início do século, registrou que manchetes de grandes jornais de cidades europeias exibiam, no mesmo dia, fotos semelhantes sobre o mesmo assunto. Também lá as mesmas poucas agências como fontes principais. Reuters, UPI, France Presse... Eventualmente só uma fonte, o Pentágono?

Bom problema

Como podemos contribuir para chegar à população informações diversificadas e com qualidade de conteúdo?

O que sabemos

Há conteúdos de qualidade ainda invisíveis para a maioria da população.

Há pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas informações.

Há veículos potencialmente interessados em difundir estas informações.

Há públicos potencialmente interessados nestes conteúdos.

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26 Rede de Comunicação Popular 27Rede de Comunicação Popular

Sabemos do corre-corre geral que toma conta de muitos de nós, inclusive do pessoal da imprensa. É curto o tempo para ir fundo nas matérias. Talvez a preferência habitual seja pelas informações que chegam tão completas que delas é quase só selecionar o texto que será prensado. Daí a importância das fontes e das qualidades dos conteúdos.

As fontes possíveis são inumeráveis. Se os conteúdos são atemporais, ampliamos as possibilidades de produzir e difundir textos estimuladores de reflexões, facilitadores de insights, escritos por livres-pensadores contemporâneos e anteriores, aqui incluídos filósofos, o pessoal da literatura, o pessoal psi, o pessoal da educação, das artes e da cultura... Além de informações sobre tecnologias e metodologias voltadas para o bem estar individual e coletivo...

Se os conteúdos são temporais, notícias originadas de territórios ou de temas – se possível focadas mais nas competências que nas faltas. E notícias de interesse público geradas por instituições, tanto as de Estado quanto as não governamentais ou as privadas eventualmente sem fins lucrativos. Uma desvantagem de conteúdos temporais é que se desatualizam com o passar dos tempos. Pressões por tempos e datas estimulam ansiedade.

Uma vantagem de conteúdos atemporais está exatamente na sua atemporalidade. Podem ter sido lidos ontem, podem ser lidos hoje ou amanhã. Mais que informações, trazem conhecimentos, estimulam reflexões.

Possibilidades

Num dia qualquer de um maio de um outro ano, em busca de referências de tamanho de colunas, contei 3.564 dígitos no texto de Chico Alencar, 2.448 no de Nelson Motta e 3.120 no de Luiz Garcia. Média de 3.061.

Há instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras de agências de informações de interesse das populações.

A ideia é simples

Oferta de informações atemporais para veiculação na mídia existente. Para isto, criação de agências de informação independentes. Para compor esta agência: uma pessoa, computador, telefone, scanner, fax, internet, softwares que facilitem acesso a veículos de comunicação. E um espaço, que pode ser residência.

Esta pessoa:Contata e articula produtores de informações atemporais. Constrói um baú virtual com estes textos disponibilizáveis.Contata e articula editores e colunistas de veículos de comunicação em todo o país. Oferece os textos do baú.

Esta pessoa:Ao aprender, fazendo, testa e reinventa uma metodologia singela que possa ser compartilhada com instituições e pessoas ativas, interessadas em montar suas próprias agências para fomentar a difusão – através de veículos de comunicação já existentes – de informações específicas atemporais.

Na prática, estas informações são contribuições para os conteúdos de veículos de comunicação. Para quaisquer veículos, físicos ou virtuais. Tanto jornais, revistas quanto rádios, TVs, alto-falantes...

Diversidade de fontes

Com as agências, uma diferença: são as informações que buscam os veículos. As agências contribuem para as pautas dos veículos.

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oportunidade de falar o que oferece e o que procura, em relação a um tema ou a um território. E quando cada sabe do outro, as aproximações possibilitam formações de vínculos, de parcerias, de projetos comuns, de capital social. Existem tanto a metodologia quanto os movimentos e somas que ela fomenta. Como a Rede Brasileira de Artistas de Rua, com participantes de quase todas unidades da Federação. Articulados, profissionais ampliam suas possibilidades, oportunidades, conhecimentos.

Ou a Terapia Comunitária, metodologia que estimula solidariedade quando disponibiliza espaços de escutas – para se falar do que aflige, incomoda, deixa um sem dormir. Para falar do que gera dores de cabeça, gastrites, distúrbios funcionais cotidianos. A Terapia Comunitária se tornou política pública nacional e é também utilizada em países do primeiro mundo – a materialidade que aqui faz falta talvez lá corresponda à ausência de afetividade. Há núcleos de formação e terapeutas comunitários já formados e sendo formados em diversos estados do Brasil.

Movimentos de interesse social

Lembro que movimentos surgem, desaparecem, renascem em outros tempos e espaços. Os exemplos que abaixo relato existiram em lugares e tempos específicos.

Um exemplo: A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Entre os seus objetivos encontram-se o fomento da mobilização de todos os segmentos da sociedade brasileira na busca de soluções para as questões da fome e da miséria, visando realizar o sonho de um país sem fome, alimentado, onde todos tenham direitos de cidadania, onde a justiça seja mais do que uma palavra e que a integração social seja mais fato do que discurso. Hoje talvez, como outros movimentos, já tenha se adaptado a novas realidades. E os focos poderão ser outros, como educação e arte.

Imagino vale tentar oferecer uma série de textos, formatáveis como colunas. 26 textos corresponderiam a 26 semanas ou um semestre. Movimentos, redes surgem, atuam e desaparecem, de acordo com os desejos e ações que os originam. Deixam sementes que, como fênix, renascem, reciclam. O que escrevo aqui no presente pode ser, passado um tempo, passado para quem lê. Os exemplos são como oportunidades de desenvolvimento humano que não chegam aos ouvidos e corações de muitos que delas poderiam usufruir.

Agências específicas e independentes de inFormações facilitarão desenvolvimentos individuais e coletivos, ao oferecer conteúdos saudáveis aos públicos, através de veículos de comunicação hoje existentes. A interatividade com leitores será uma decorrência natural. Não é assim que caminha a humanidade?

Exemplos práticos

A Rede de Tecnologias Sociais, por volta de 2010, congregava centenas de pessoas e instituições. A RTS contém informações de interesse de toda a população – podem facilitar a vida de muita gente que ainda não tem estes conhecimentos. Na maioria são soluções simples, custos diferenciados, para as questões mais diversas.

É a cisterna, inventada pelo pedreiro nordestino, que acumula água durante as chuvas e a conserva para o período das secas. Resolveu o problema de sua família. A nova tecnologia se tornou política pública. Hoje são milhões de cisternas assim no Brasil.

É o tijolo construído a partir do entulho. É o aquecedor solar que pode ser feito em casa, com insumos simples oferecidos por lojas de materiais de construção.

Ou a metodologia focada nas competências e não na falta. Nas Redes Comunitárias há reuniões presenciais onde cada um tem

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grande imprensa. Desconfio aqui da interferência de interesses financeiros: saúde dá lucro pra quem tem. Doenças dão lucros pra quem vive delas.

Paralelamente, o vídeo Auto-hemoterapia – Conversa com Dr. Luiz Moura, a partir de iniciativas individuais, circula na internet e há indicações que tenha sido acessado milhões de vezes. Foi transcrito para o papel, publicado física e virtualmente e já existem versões em inglês, espanhol.

Ampliando, há interesse potencial de populações pelas sabedorias e práticas milenares das medicinas chinesa e hindu. E pelas sabedorias populares – indígenas, negras, brancas, de todas as cores e credos, miscigenadas – adquiridas pelas práticas de todo dia: com as folhas, os chás, os toques, os sons, as espiritualidades. E mais, é só lembrar: homeopatia, acupuntura... Além do entendimento de si mesmo, que muda tudo.

Comunidades populares: pessoas ativas, reaplicando, reinventando a metodologias – inclusive a das agências independentes de inFormações – poderão, com simples e justos custos, gerar conteúdos para a imprensa escrita. Desde textos atemporais, reflexivos, de construção intelectual local até informações temporais, notícias mesmo.

Exemplo: algumas pessoas ativas em Vila Aliança, bairro do Bangu, no Rio, se dedicaram a formar um centro cultural local. Inicialmente sem espaço, trocavam ideias nas esquinas. Ocuparam uma escola desativada pela prefeitura, articularam uma formalização desta ocupação ao mesmo tempo que produziram oficinas e cursos para o público local, com os recursos humanos locais, solidariamente. Estimulam a inclusão de instituições e pessoas que desejem participar. Têm, entre outras soluções, utilizado metodologias que possibilitam a expressão de cada um e de todos. A partir do

O movimento atua através de comitês locais: cidadãos solidários que se mobilizam por toda a nação. Em todos os estados brasileiros, comitês regionais da Ação da Cidadania promovem ações conjuntas integradas pela coordenação nacional, com sede no Rio de Janeiro. Os comitês locais atuam junto a famílias, promovem ações assistenciais e de mobilização de comunidades na luta pela conquista dos direitos sociais. Formados por voluntários, os comitês promovem, individualmente e por iniciativas próprias, projetos nas mais diversas áreas, como a doação de alimentos, a geração de emprego e renda, educação, creches, esporte e lazer, arte e cultura, saúde, assistência à população de rua...

Outro exemplo: comunidades populares dos centros urbanos. O UNICEF quer contribuir com a redução das iniquidades que separam, em mundos completamente diferentes, crianças e adolescentes que vivem em comunidades populares daqueles que estão em outras regiões dos centros urbanos.

Para isso, foi desenvolvida a Plataforma dos centros urbanos, uma iniciativa que visa a mobilizar a cidade para que todos – governo, sociedade civil, empresas e cada cidadão – trabalhem juntos pela garantia dos direitos de cada menino e menina. Em meados de 2012 centenas de pessoas, satisfeitas de si, se encontraram no Armazém da Utopia, no Rio de Janeiro, para comemorar alegremente os 3 anos do projeto-movimento. 43 GALs – Grupos de Articulação Local – compunham a Plataforma.

E outro: durante uma semana, em outro maio, ocorreu audiência pública no STF, focada na Saúde. As intenções, por exemplo, incluíam a liberação da auto-hemoterapia, técnica centenária de baixo custo utilizada por milhares de brasileiros – na prática comprovadamente eficaz e, que eu tenha conhecimento, sem relato algum de contraindicação. Mesmo sendo realizada a partir de um movimento popular espontâneo, a audiência não foi noticiada pela

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De modo semelhante, uma agência voltada para o áudio cuidaria de, além de congregar conteúdos já existentes, gerar novos conteúdos para as rádios.

Difícil, hoje, além das rádios AM e FM tradicionais, dizer onde e quantas são as rádios comunitárias em funcionamento no Brasil. São milhares.

Há geradores de conteúdos em plena atividade – independentes, em comunidades populares, em escolas de comunicação, instituições e pessoas físicas. O Rio – como outros lugares? – , desconhece o que tem. Talvez um ou outro saiba do movimento de Comunicação Crítica que inclui a Maré. Ou dos produtores audiovisuais de Manguinhos, Vidigal, Japeri. Há também os estudantes de comunicação das universidades – UFRJ, UFF, PUC, FACHA, Gama, Estácio... Quando há possibilidades reais de veiculação, cresce o interesse pela produção e oferta.

Convivemos há tempos com a não-veiculação de produções culturais populares. O Cinema Novo e produções comunitárias recentes, quase ou totalmente invisíveis, são exemplos de filmes e vídeos que permanecem nas prateleiras.

Talvez as informações temporais que aqui descrevo já sejam diferentes no presente.

Anotações não editadas

Movimento interativo, colaborativo: as Agências oferecem e prospectam conteúdos para e de veículos e leitores.

O que chamo de inFormações são conteúdos geradores de conhecimento. Mais que informação, aprendizagem.

que cada um oferece e do que cada um procura em relação àquele território, montam seus projetos e programações. Querem ser referência para o mundo. Para informar ao mundo e interagir com ele, estão interessados em articular uma Agência de inFormações de Vila Aliança.

Assim... Estas e outras informações, na medida em que interessados a elas tenham acesso, podem gerar tanto as chamadas soluções práticas quanto estimular as evoluções subjetivas – estas que interferem nos desejos, no bem estar de cada um, independente de raça, credo, classe social.

Mais possibilidades

Num segundo momento, esta nascente metodologia de difusão de textos atemporais, adaptável a cada realidade, poderá ser uma referência para a criação de metodologias de difusão áudio e audiovisual.

Uma Agência de inFormações Audiovisuais cuidaria de gerar ou congregar conteúdos, editados ou brutos, e disponibilizá-los – considerando as experiências de assessorias de imprensa – para TVs abertas, fechadas, comunitárias. Além da internet.

Há Assessorias de Imprensa que disponibilizam conteúdos organizados – em books, releases, conjuntos de cromos, fitas... – para veículos os mais variados. A foto e a informação que vão para a Folha de São Paulo são um tanto diferentes da foto e da informação que vão para O Globo. As fitas de vídeo, EPKs – contêm trailers, cenas de making-off não editadas, entrevistas brutas com atores, atrizes, diretores... – são destinadas a responsáveis pelas pautas de programas específicos de TV.

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Cada Agência de inFormações teria esta função de integração dos stakeholders – produtores de conteúdo, veiculadores, público, financiadores, apoiadores, agentes – assim fomentando aplicações destes capitais disponíveis para transformações sociais.

Conteúdos atemporais porque: informações colhidas hoje e ontem, servirão para amanhã e depois.

A atemporalidade poderá evitar a ansiedade provocada pelos prazos, além da corrida em concorrência com agências de notícias temporais tradicionais.

Conteúdos de qualidade, evolucionários, atemporais, motivadores de reflexões, poderão se tornar temas específicos de agências de inFormações. Fontes fortes poderão ser tanto clássicos – Platão, Freud, Reich, Jung... – quanto livres pensadores contemporâneos: Boff, Beto, Veríssimo, De Masi, Morin, Calligaris, Millôr, Barreto, Freire... Além dos ainda desconhecidos, do interior e das capitais.

Veículos potencialmente interessados Por confirmar: softwares como o do Meio & Mensagem e o do Comunique-se disponibilizam informações – inclusive contatos e endereços – sobre a maior parte da mídia brasileira. Utilizando estes serviços é possível entrar corresponder com quase todos veículos de comunicação do país – jornais, revistas, rádios, TVs, internet... Outros softwares devem facilitar acesso a veículos de países de língua portuguesa, da América Latina, de todo o mundo.

Públicos potencialmente interessados

O que os olhos não veem, o coração não sente. Do que não sei, não usufruo.

As Agências de inFormações intencionam, interativamente, pesquisar e disponibilizar – para e junto a populações – conteúdos que facilitem o bem estar e possibilitem transformações individuais e coletivas.

Num primeiro momento, informações atemporais em texto, que estimulem reflexões e ampliações de visão de mundo. E informações objetivas – sobre tecnologias sociais, por exemplo – que possibilitem soluções acessíveis a cada um e todos. Estes textos serão oferecidos a veículos de comunicação impressos. Do Brasil, de países de língua portuguesa, de países de língua espanhola, do mundo.

Num segundo momento, informações de áudio e audiovisuais.

Quando uma informação é internalizada – quando cai a ficha – muda a visão de mundo, muda um tanto de tudo, mudam os desejos de quem compreendeu, mudam suas necessidades de consumo, muda a economia. Transformações individuais e coletivas se realizam.

A credibilidade de pessoas e instituições-fontes facilitará o acolhimento de conteúdos delas originados e sua reprodução por veículos de comunicações.

Uma vez criadas e testadas metodologias voltadas para a difusão de informações que beneficiem populações, são muitos e diversos os potencialmente reaplicadores – pessoas e instituições voltadas para o interesse público, comunidades ativas, movimentos sociais...

Numa primeira fase, as inFormações – os conteúdos iniciais oferecidos aos meios de comunicação – poderão ser basicamente atemporais, estimuladores de reflexões, de insights, de ampliações de visões de mundo.

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Instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras:

Há recursos potencialmente disponíveis. Materiais, humanos, financeiros... No Brasil, a FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos, a Caixa Econômica Federal, a Fundação Banco do Brasil, a Petrobrás, além de organismos regionais, estaduais, municipais... Há voluntários à procura de oportunidades de prestar serviços pelo bem comum. Há equipamentos ociosos aqui e ali. Há tecnologias e metodologias desenvolvidas e disponíveis. Estes recursos, parece, podem ser integrados em agências. Metodologia, reaplicação

A metodologia inicial poderá ser apenas uma referência, pois sua reaplicação naturalmente possibilitará criação de metodologias adaptadas a cada realidade. É estimulante a diversidade de visões de mundo que poderão se expressar através de agências específicas. Além das transformações individuais e coletivas que a difusão de conhecimentos poderá facilitar.

Espectadores

Salvo engano, oficiosamente, em 2010, talvez existissem no Rio 8 gatos-net para cada net oficial. Se assim, quem mais vê a net são os mais pobres. Que não se veem, não são representados na TV.

Realidade virtual

Parece, grosso modo, acredita-se mais na TV que na realidade. Ver-se na TV estimula gostar de si mesmo.

Há gente com sede...E há possibilidades de água ao seu lado.

Há gente doente... E há possibilidades de saúde ao seu alcance.

Há gente com culpa...E há possibilidades de desculpabilizar-se.

Há gente com soluções... E há gente que delas precisam e não sabem.

Pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas informações: Difícil hoje encontrar profissionais de comunicação com tempo e disponibilidade para pesquisar conteúdos, aprofundar conhecimentos e difundi-los. Mas se lhes chegam às mãos conteúdos que lhes toquem e que possam contribuir pruma vida melhor tanto pra si quanto pra sua família e leitores...

Uma assessoria de imprensa focada em cinema, por exemplo, constrói um kit – com informações em book e em release, fotos em cromos, material audiovisual não totalmente editado numa fita (entrevistas com atores, diretores, cenas do filme e de making-off, trailer...) – e oferece, com critérios, parte ou todo deste material a diversos veículos de comunicação. Funciona. Nos veículos, este material é editado e veiculado.

Além da mídia, há pessoas e instituições também interessadas em veicular informações de qualidade. É só lembrar.

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38 Rede de Comunicação Popular 39Rede de Comunicação Popular

Ludemir, Jorge Russo Dumas, Jorge Rodrigues, Jeferson Cora, Itamar Silva, Isabel Miranda, Gustavo Barreto, Glória Rodrigues, George de Araújo, George Cleber da Silva, Fernando Lannes, Félix Ferreira, Felipe Sarmento, Evandro Ouriques, Elizeu Ewald, Eliberto Martins, Eliany Fully, Edu Pereira, Cunca Bocayuva, Clemente Viscaíno, Christiane Agnese, Charles Feitosa, Cássio Martinho, Carolina Pellegrino, Caio Silveira, Ana Martinez, Alita Margutti, Alex Vargas, Alcir Raymundo, Alberto Mejia.

Encontros de comunicadores

Em 2010 convidamos para rodas de conversas pessoas e instituições interessadas em comunicação popular interativa. Gente de rádios, TVs, jornais comunitários. Gente que utiliza internet, alto-falantes, filipetas e outros meios de comunicação que levam informações até moradores de comunidades populares. Chamamos estes encontros de Comunicação Comunitária Interativa, CCI na intimidade. George de Araújo, logo de início, deu força, convidou mais gente, tornou-se parceiro e coprodutor.

Foram, na prática, encontros singelos voltados para trocas de experiências relativas a comunicações de interesse comunitário. Sem excluir outras possibilidades, uma intenção inicial era facilitar movimentos de comunicação comunitária interativa e construções de parcerias.

Uma metodologia utilizada nos encontros é aquela em que todos têm tido oportunidade de se expressar, saber do que cada participante oferece e interagir com aqueles com quem se identifica.

Os encontros fizeram parte de um processo de desenvolvimento de metodologias de comunicação interativa popular, compartilháveis e reaplicáveis, de acordo com cada realidade.

Autonomia

Autonomia é característica de redes. Cada Agência, também, tem sua autonomia. Inclusive na definição de seu foco, do seu campo de atuação, de seu nome, de suas características. Como exemplos sonhados, Agências Independentes de inFormações sobre Ética, Cuidados com os Bebês, Brincadeiras, Insights, Economia, Filosofia, Terapias, Saúde, Redes, Alimentação, Agricultura, Educação, Tecnologias Sociais, sobre...

E outras e outras com inFormações para desenvolvimento integral do ser humano, motivadoras, reflexivas, metodológicas – a diversidade prevalece.

Redes de Agências

A partir de sua própria iniciativa – na medida em que tenha os contatos de outras – uma Agência poderá trocar inFormações com outra e outras. A tendência será formação de redes de Agências interativas, colaborativas e autônomas.

Influências

Este texto tem se modificado, na medida em que conversei com Viviane Oliveira, Michel Robin, Jean Engel, Gilberto Fugimoto, Egeu Laus, Bianca Beser. E, ai minha memória, Vinicius Carvalho, Vânia Faria, Tito César, Thiago Catarino, Theresa Williamson, Tainá Diniz, Silvana Gontijo, Samuca, Rudá Almeida, Rosita Chaves, Roseli Franco, Rosa Zambrano, Roberto Pontes, Richard Riguetti, Regina Rodrigues Chaves, Phillip Johnston, Pedro Sarmento, Paulo Magalhães, Oscar Pereira, Michelle Lopes, Mário Pereira, Mário Margutti, Mário Chaves, Mariana Dias, Marco Pantoja, Marcos Alvito, Márcia dos Anjos, Luiz Soares, Luiz Pina, Luciana Phebo, Lília Coelho, Larissa Barros, Katty Cuel, Jun Kawaguchi, Júlio

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40 Rede de Comunicação Popular

Havia intenção de construirmos condições para – além de mapear meios de comunicação contemporâneos – desenvolver, testar e promover a reaplicação de metodologias de comunicação que possibilitem compartilharmos interativamente conteúdos de qualidade com quem deseja e necessita: trocas de informações e conhecimentos que facilitem melhor viver, em benefício de todos.

Neste tipo de encontros – onde a diversidade se identifica – comunicações se movimentam, movimentos se espraiam, interações e parcerias se constroem.

Em cada novo movimento, como caderno novo, há páginas em branco em busca de atores.

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IIIReflexões sobre o Homem Novo

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45Reflexões sobre o Homem Novo

PRIMEIRA PARTE Este texto escrevi em Moçambique. Estive lá como cooperante em 1981, colaborei para a reorganização do Instituto Nacional de Cinema. A necessidade de trabalho aliada à leitura de poemas de Samora Machel me despertou o desejo de ir. Alberto Graça me apresentou a Rui Guerra, que articulou minha ida.

Soldados e populares de mãos dadas, conversando naturalmente me surpreenderam. Revolução, independência recente, o país alerta em estado de guerra, faltava de um tudo, mas havia uma distribuição bem mais justa da que eu vivia já no Brasil de então. Mesmo assim, a tristeza nos olhares me incomodava. Porque esta tristeza? À procura de respostas, escrevi.

Comportamento

Ao escrever aqui, pensei em mim, lembrei de nós, no que nos imagino semelhantes. Quando semelhantes, talvez caiba escrever nós. Se diferentes, talvez permaneça o eu.

Está sempre presente na minha cabeça a esperança de um futuro mais humano e mais gostoso. Volta e meia me pego na expectativa de acontecimentos externos a mim – uma revolução social, um cristo, uma nova fórmula – que alterem o sistema atual e outros seres humanos.

Mas esqueço que meu caráter está fundamentalmente impregnado de informações que, no correr da vida, recebi tanto da escola, igreja, família quanto dos meios de comunicações e do meu alredor. E que eu mesmo colaboro para a manutenção da moral atual, quando nos atos e encontros de toda hora transmito preconceitos a meus filhos, amigos, vizinhos, colegas de trabalho.

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46 Reflexões sobre o Homem Novo 47Reflexões sobre o Homem Novo

Enfim: o homem amanhã deverá ser fruto do que hoje aprende e sente. Quem hoje vê na TV a violência como ato rotineiro, talvez rotineiramente conviverá com a violência. E naturalmente outros exemplos de todos os momentos contribuem também para a deformação de homens de amanhã. Ontem mesmo não nos disseram que éramos a esperança do futuro? Nós não somos marcados pelos modelos que nos foram apresentados? O futuro de ontem não é agora?

Sinto-me impotente diante de tantas mudanças necessárias: o meu poder de influência sobre o atual estado das coisas é mínimo. O que fazer?

De tudo isto e de não sei o que mais, veio a necessidade de refletir sobre um homem novo. Falo por mim, cheio de dúvidas. Sem a certeza absoluta nas reflexões e nos resultados. A certeza de agora, o que acredito agora, tento traduzir.

Proibição de Emoções

Acredito no ser humano recém embrionado como totalmente original, sem nenhum comportamento de origem moral. As regras que vai absorvendo têm suas fontes em seus modelos, que são as pessoas ao seu redor, a vida ao seu redor.

Acredito ainda que a cada regra pode corresponder uma limitação de atuação do novo ser. E esta atuação deformada, pressionada de fora – ou esta atuação suprimida – gera sentimentos, emoções. Que podem ser de medo, raiva... Estas emoções, por sua vez, necessitam ser expressas.

Assim, muitas vezes, quando são expressas estas emoções e sentimentos – percebidos socialmente como algo ruim – acontece de serem proibidas por outros seres humanos com quem convive

Quase nunca me lembro de transformações que estão dentro do meu poder de atuação. E sinto que as sonhadas transformações sociais interdependem, complementam transformações pessoais.

Das observações destes fatos veio a vontade de saber o que é necessário para o ser humano individual – eu mesmo – tomar consciência da irracionalidade de falsas verdades atuais, e alterar o seu – o meu próprio – comportamento. Na busca de um ser humano emocionável, lúcido, saudável, autônomo, vivo. É sobre este homem novo que procuro refletir.

Veneno para Crianças

Num mundo tão maluco como é o que vivo, a todo momento me pego querendo que outras pessoas se modifiquem, para que este mundo se transforme no mundo que desejo. Mesmo desejando que, consciente do que é, caiba a cada um cuidar de se desenvolver integralmente. Assim – adeus onipotência? – a alteração de comportamento de outras pessoas está fora do meu limite de poder.

Gostaria que pessoas que detêm o poder público fossem racionais e humanas, sábias, atuantes, ternas e de bom humor. Mas não tem jeito, não conseguem enxergar muitas soluções que parecem óbvias a pessoas que permanecem vivas.

Um exemplo próximo a todos nós é a televisão, com programas influindo diretamente no comportamento de quem os assiste: o moralismo, o preconceito, a violência, a fofoca quase sempre presentes. E se são crianças os espectadores, a tristeza se multiplica: quase 24 horas por dia a televisão está deformando adultos do futuro.

O homem aprende do que vê, ouve, tateia, cheira, bota na boca e sente. Desde criança transforma-se um tanto no que lhe é apresentado como modelo.

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48 Reflexões sobre o Homem Novo 49Reflexões sobre o Homem Novo

Agir, alterar comportamentos já rotineiros, recuperar as próprias emoções, acredito ser a base para a tentativa de trabalhar pela autonomia de outros seres humanos, emocionáveis como eu.

Certeza absoluta, nenhuma: o que aqui tento relatar tem a intenção de compartilhar informações com pessoas que usam o seu poder de refletir. São anotações pessoais, frutos da observação constante: acredito que possam representar o que percebo como verdades.

Formação do Caráter

Quando nasce, às vezes sofre já no parto. É separado da mãe, único ponto de referência até então. Aplicam-lhe substâncias químicas: líquidos nos olhos, pomadas na pele, vitaminas artificiais pela boca. “Remédios”. Deixam-no sem mamar na mãe. Às vezes a incubadeira, cesariana, fórceps. Reclama como sabe: chora.

Seu choro não é entendido, e seu choro é sua maneira de se expressar. Tem medo. Como defesa, naturalmente se contrai. O ato de contrair se dá com o enrijecimento de musculaturas. Se uma contração muscular é repetida diversas vezes, a tendência é se formar uma contração muscular crônica. Ou seja, um endurecimento constante (fixo) da musculatura. Que corresponde a uma alteração do comportamento original.

Enfim, fisicamente, intelectualmente, emocionalmente o ser humano já é induzido a endurecer-se desde quando nasce. Este endurecimento funciona como uma defesa contra as tantas agressões inesperadas e repetidas que sofre. Em resumo: a uma situação de perigo corresponde uma reação muscular de contração. À repetição de situações de perigo semelhantes, correspondem contrações musculares semelhantes. A repetição de uma contração muscular torna o músculo cronicamente rígido. Ou seja: um enrijecimento muscular (físico) corresponde a uma fixação de uma repressão emocional, intelectual.

este novo ser. E, em função destas proibições, o novo ser tende a se sentir incomodado, ridículo, inseguro.

A partir de então, para evitar estes desagradáveis sentimentos reativos, o novo ser aprende a evitar as emoções originais, geradoras de atuações de repressões externas. O novo ser evita as emoções originais, internaliza a repressão.

Como evita as emoções? Engolindo, se contendo. Alterando a respiração natural, enrijecendo a parte do corpo que for necessária enrijecer para que a emoção seja suprimida. Até que a repetição constante deste enrijecimento torne a parte do corpo cronicamente enrijecida – quando da sensualidade do requebro, por exemplo, parando de requebrar, endurecendo a musculatura pélvica. Para sossego dos pais (viado meu filho não vai ser!), da igreja (alma em estado de graça, assexuado, sem pecados, passivo e submisso...), do quartel (homem tem que ser duro!), dos que exploram operários como escravos.

Recuperar o jogo dos quadris, outras sensações, sentimentos e emoções, implica numa recuperação da mobilidade da parte do corpo enrijecida.

Trabalhar o corpo, a cabeça, recuperar a flexibilidade perdida tem sido difícil, às vezes quase impossível. Acredito - pelas vivências sinto - que recuperar emoções, sentir de novo emoções pode ser inicialmente doloroso. Em seguida – fluem energias contidas – atraente, gostoso, gratificante.

E quando as emoções gostosas pintam, as ações são mais produtivas. Soluções mais claras, humor mais leve, comportamentos mais racionais. E quando do avesso, da contenção de emoções, restam mesquinharia, burrice, mau humor invadindo a vida.

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crescer o homem “civilizado”. O processo se inicia com as crianças, cresce com os adolescentes e se solidifica com os adultos.

Situações repressivas continuam a acontecer no dia a dia, com adultos trabalhadores, quando o poder é utilizado para fazer prevalecer uma ideia ou uma ação. A todo momento poderosos de diversos níveis dão ordens que têm a função de – aparentemente – fazer produzir mais. Os oprimidos (*), na maioria das vezes sem condições de agredir diretamente quem os oprime, inconscientemente ou conscientemente, se “vingam” de maneiras as mais inesperadas. Mão de obra mecânica, omissão, trabalho malfeito. São resultados de desprazer no trabalho e na vida.

A emoção, a mente contra o ato do corpo. Resultado: a burocracia, o mal-estar, a dissociação trabalho-prazer.

O Trabalho como Prisão

Para tentar mudar a situação, o poder reage com o controle e o castigo. A imagem antiga é a do feitor com o chicote. A imagem atual é a do relógio de ponto, do corte do salário, da suspensão, do controle de papel. Tanto controle se torna necessário, que uma grande quantidade de mão-de-obra é destinada a esta tarefa. O volume do trabalho de controlar pede utilização de tecnologia avançada. Entram os computadores. São formados especialistas em controles. Faz-se a ciência do controle. Isto já são fatos no Brasil, em boa parte do mundo.

(*)Oprimidos também se tornam opressores. Acredito que o opressor de hoje tem origem em opressões sofridas anteriormente. Quem deseja ardentemente o poder não estaria procurando inconscientemente suprir um vazio antigo – por exemplo, o peito que precocemente lhe retiraram? O exercer o poder de mando não representaria o cobrar do mundo o que se percebe como devido pelo mundo? Cobro o que me devem. Estes e ou quais seriam os motivos que fazem tantos oprimirem e tantos se submeterem a opressões?

Na verdade, no corpo de cada homem está escrita sua história. No corpo de cada homem, individualmente.

Vejamos: quando começa a se expressar, a criança já é alvo de repressões por parte de pessoas que a rodeiam. Um exemplo: uma criança de dois, três anos. O brincar com o seu próprio corpo lhe dá sensações. Em princípio, de prazer. Ao brincar com os seus órgãos genitais, uma pessoa lhe diz: “para com isto menino. Que feio.”. Se a criança continua, é alvo de uma sanção – um tapa, um falar enérgico. “Tira a mão daí!”. Ao lhe ser proibido o prazer, a criança reage. Primeiro, com raiva. Vê-se impotente diante do mais forte. Então chora.

Mas toda vez que chora, lhe é dito: “ih, bobo. Homem não chora.”. E, toda vez que ouve isto, sente-se ridículo. Para evitar a sensação desagradável do ridículo, corta o choro. A maneira de cortar o choro é engoli-lo. Para engolir, tem que contrair musculaturas da garganta.

Situações que provocam choro são repetidas constantemente. Situações de corte de choro são também repetidas constantemente: ou seja, situações de contração de uma mesma musculatura são muitas vezes repetidas. Contrações musculares repetidas geram contrações musculares crônicas. No exemplo do choro, quando o choro é engolido repetidamente, a musculatura correspondente se endurece. Aí então já não é necessário se esforçar para cortar o choro. Ele já está definitivamente cortado. A criança virou “homem”.

Só que o endurecimento muscular - efetuado para se dar o corte do choro – impede também o se expressar plenamente: o cantar a todo vapor, o falar, o gritar. Impede muito mais que só o choro.

Inúmeras outras situações repetidas a todo momento, no dia a dia de cada um de nós, “assassinam” o ser humano natural e fazem

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Pra me sentir bem, acredito ser mais do que necessário ter consciência um tanto de mim mesmo. Desde tentar perceber meu próprio corpo, minhas emoções, minha mente... a tornar-me autônomo na realização do que desejo. Amplio minha consciência, amplio meu mundo.

Transformações Pessoais

A revolução social não exclui a revolução individual: na verdade se complementam. Acredito que transformações pessoais sejam mais fáceis num lugar onde os problemas econômicos sejam resolvidos em função do bem-estar dos seres humanos. Em termos práticos, num lugar onde o que é produzido é distribuído em consenso entre os que nele vivem. Em síntese, onde – como em mim? – a ética prevaleça.

Mesmo não sendo estas as condições em que vivo, sinto posso transformar-me. Um ponto de partida, acredito, é a tomada de consciência de origens de fatos incômodos atuais. Do que tenho aprendido, algo como uma compreensão emocional, um insight. Aquele Ah! Entendi!

Tanto esta compreensão quanto a vivência de uma forte emoção podem ser pontos de partida para alterações de hábitos, aprendizado de novos comportamentos. Sinto que eu – como cada um dos meus semelhantes? – tenho meus próprios recursos para inventar meus caminhos. A recuperação da capacidade de sentir emoções tem me pedido alguma atenção e o cultivo de respeito por mim mesmo. Em resumo, reflexões e compreensões – além de emoções – têm estimulado mudanças em minha vida.

A Busca das Origens dos Incômodos

Tateio. Rever as verdades talvez seja um caminho. Sinto que o que é tido como verdade talvez permaneça – ou não? – verdade.

Como resolver então o problema do aumento de produção, dito tão necessário? Em última instância um dos fatores decisivos para o aumento de produção é a mão-de-obra. Em mão-de-obra leia-se homem.

A mão-de-obra deverá ter a sua produtividade aumentada. Poderá também ter o volume de tempo de trabalho aumentado.

Sigamos pelo aumento de produtividade: isto com certeza aumentará a produção. Como fazer com que isto aconteça? Tentando fazer com que a mão-de-obra participe por iniciativa própria? Tentando controlar o seu trabalho? Enfim: mão-de-obra autônoma ou mão-de-obra mecânica?

Para a formação de autômatos, reforçar o controle e o castigo é um caminho. Para a formação de autônomos, temos que refletir.

Anotações sobre a Autonomia

Há anos me interesso pelas relações corpo-mente, no ser humano. Acredito, como outros observadores, que, via de regra, o corpo é um espelho da história de cada um. A barriga, o olhar, o andar, o falar, são sinais da história de cada um. A nuca que dói pode ser sintoma do músculo que endureceu de tanta tensão provocada, por exemplo, pelo medo. A boca rigidamente fechada pode refletir a raiva tão longamente contida.

Acredito também, pela observação e alteração de mim mesmo, que a situação pode ser mudada. Um lado gratificante é a ampliação da percepção, o acesso a novos olhares. Uma boa e honesta conversa, também comigo mesmo. Parece, porém, ser indispensável tentar entender profundamente o ser humano, eu próprio, meu próximo, para apoiar-me no meu novo parto. Para ajudar-me a aprender a andar, pensar, agir, emocionar-me, ser autônomo.

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54 Reflexões sobre o Homem Novo 55Reflexões sobre o Homem Novo

preconceitos e os compreendo – meus sentimentos de medo e culpa se dissolvem um tanto, perdem suas fontes. Vivo mais levemente, retorna minha alegria da inocência.

Procuro e pratico os conceitos radicalmente humanos, ou adapto-me aos preconceitos existentes? Dura luta. E esta luta tem uma importância maior do que a que antes eu lhe dava. Atrás do preconceituoso, do moralista, está o eu mecânico.

Estou em aprendizado. Um caminho tem sido repensar as verdades estabelecidas – o repensar como ato cotidiano, o refletir em cada ação de que me dou conta – e isto tem criado possibilidades de alterar meu mundo, ampliá-lo. Dá trabalho, canso, descanso, cresço. E, mais do que digo e escrevo, meu comportamento tem sido minha mensagem para os meus filhos, companheiros de trabalho, vizinhos, amigos, os que passam e estão em minha vida. Como eu, sinto, acreditam mais no que sou do que no que digo que sou.

Inda bem. Estou aprendendo a me aceitar como originalmente sou. Assim fica mais fácil aceitar o outro como é, outros como são.

31 anos depois, 2012

Fico mais tranquilo - e estou gostando - quando me limito ao que está ao meu alcance. Não sei nem dizer direito, não sei se a memória alimenta desejos... e se desejos diminuem com ausências de memória. Esqueço e me tranquilizo. O que não quero esquecer, anoto. Inclusive compromissos.

Tateio neste novo mundo – pra mim – onde me aceitar me facilita a compreensão do outro... Sem complicações, o indicador tem sido meu humor. Meu bom humor indica que estou bem... Tento, tropeço, engatinho... Estou gostando.

Intuo que verdades atuais necessitam ser sentidas, analisadas, repensadas. Para ser verdade somente o verdadeiro, enquanto verdadeiro. Para deixar de ser verdade o preconceito, o moralismo, o basicamente falso.

Fui marcado em minha inocência. Por muito tempo permaneceram dúvidas. Tudo que a igreja católica (**) me ensinou não foi verdade durante tanto tempo? O prazer a gerar o pecado? O pecado a gerar o castigo? A possibilidade de castigo a gerar o medo, a culpa? A culpa, o medo a gerar submissão?

Sentir prazer? É pecado! Namoro, sonho, raiva, beijos? Pecados! Veniais ou mortais, do tamanho da culpa. Sentimentos e sensações suprimidos pelo medo, durante toda minha vida. E cada vez mais insensível, mais homem, mais burro.

O correto, me diziam, era a submissão. Submissão hoje, paraíso amanhã. Nada de aqui e agora. O passado com a “cultura”, o futuro com o “juízo final”. Com tanta pressão só me restava, no presente, o medo.

E quantas ditas verdades tão duramente implantadas em mim, na minha infância e no correr da minha vida, ainda permanecem no meu inconsciente como marcas e verdades? Mas quando repenso o que me foi ensinado – volto às origens, tomo consciência de

(**)Hinduísmo, budismo, islamismo, judaísmo, cristianismo. Católicos, protestantes, kardecistas, umbandistas, candomblecistas. Batistas, metodistas, pentecostais, quacres. xintoístas, taoístas, confucionistas. Não tenho experiências com outras culturas religiosas. Sei que minha vivência pessoal na cultura católica mais contribuiu para minhas limitações de que para meu desenvolvimento integral – seja emocional, intelectual ou espiritual.

Isto naturalmente não exclui o bem estar que cada uma das religiões possa ter propiciado a outros. A fé vem da experiência. Não devo criticar quem, por ter vivido o que não conheço, tem fé. Ninguém melhor que cada um para melhor se conhecer, saber de si.

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56 Reflexões sobre o Homem Novo 57Reflexões sobre o Homem Novo

Algo que escrevi, sinto, me faz bem e permanece. Outros algos, hoje não me identifico. Estava em plena juventude, me perdoo, não sabia o que hoje penso que sei. Nem não sabia que não sabia. Misturado, compartilho.

Está sendo difícil refletir sobre o homem novo. Desconfio que atrás desta dificuldade está o meu desejo mais profundo de transformar a mim mesmo. As tentativas práticas de vivenciar a minha própria vida, de buscar a cada momento a emoção naquele momento sentida, constantemente se chocam com os incômodos que me fazem fugir do presente, relembrando o passado ou imaginando o futuro.

É a vida correndo solta. Juntos inseguranças, incertezas, emoções não percebidas, impaciências, nervosismos, incapacidades. E às vezes, juntos, lucidezes, entendimentos, levezas. Num eterno troca-troca, mau humor-bom humor, beleza-feiúra, vida-estagnação. Hoje, ontem, em qualquer lugar.

Urgência

Quem não beijou ontem, não beijará jamais aquele beijo, não reviverá aqueles momentos. Outros beijos estão sendo perdidos por cada um de nós? Hoje, muitas pessoas que detêm algum poder estão constantemente a nos prometer beijos para amanhã. Agora, dizem, a contenção das emoções, o sacrifício, a poupança, o aumento de produção; no futuro, a explosão das emoções, o paraíso, o descanso, o consumo.

Fizeram e fizemos a mesma coisa com nossos pais e avós desde há muito tempo. O destino nosso e de nossos filhos construímos, constroem, agora, a todo momento.

Viver o Presente

Da reflexão sobre meu próprio comportamento percebo que também é revolucionante respirar naturalmente, deixar minhas emoções se expressarem, não aceitar submissamente impedimentos morais. Deixar o tesão ter voto, a ternura, o desejo ter voto. Respeitar meu próprio corpo, minha própria mente, minha própria vida nos meus atos cotidianos. Que também é revolucionante procurar caminhos para não ter que trabalhar em coisas que desinformam ou que contribuem para a manutenção dos que autoritariamente detêm o poder. É difícil, eu sei, colocar em prática o que já sei.

E, paralelo à reflexão, quando trabalho consciente com o corpo, no sentido da recuperação da minha mobilidade natural, encontro emoções há muito tempo suprimidas.

Esta auto-revolução pessoal, de refletir e de trabalhar meu próprio corpo, acredito que esteja dentro da área de atuação de outros como eu, individualmente: tento viver o presente, procuro gratificações aqui e agora, busco o homem novo em mim mesmo.

SEGUNDA PARTE

De volta ao Brasil, ainda em 1981, tentei prosseguir. O resultado, aqui. Agora, quando releio, sinto que faria mais sentido se eu tivesse escrito na primeira pessoa do singular, eu. Soa pretensioso o nós, o vós, o ele, os eles. Tento, então, trocar nós por eu... por que, sinto, só devo falar de mim. Como saber do outro se não sou o outro, se somente imagino que sei dele? Mesmo assim, volta e meia falho o ato, me confundo com o outro que imaginava não ser eu. Entende? Nem eu.

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Os melhores repórteres somos nós. É só olhar em volta. Ou pra gente mesmo. Hoje acredito que uma coisa é tomar consciência, sentir. Outra, imediata, é o movimento, a ação. E a primeira ação possível pode ser comigo mesmo. Perceber o moralismo, examinar suas fontes, entendê-lo. Deixar de lado o moralismo e criar os meus próprios valores. Seguir os meus sentimentos, respeitar os limites das outras pessoas envolvidas. Só esta ação comigo já sinto revolucionante.

E com certeza as minhas mudanças pessoais influem em quem convive comigo: no trabalho, em casa, na rua. E oportunidade para isto tenho em cada segundo de minha vida. O melhor ou o pior lugar do mundo é aqui e agora: o momento que de fato existe é o que vivo agora, aqui. E, mesmo sabendo que os castigos normalmente, quando existem, são menores do que meu medo antevê, há que tomar cuidados a toda hora para não ser atropelado por quem odeia a vida.

A função do controle no trabalho

O controle é feito para quem não gosta do trabalho. Para controlar é necessário um controlador. Que utiliza relógio de ponto, papéis. E exerce um poder de determinar quem faz o que, em que prazo. Determina o prêmio e o castigo.

O controlador controla até o momento em que perde o poder. Em não havendo mudança de ideias, há uma substituição de um controlador por outro. Controlador. Onde há controladores, há controlados. Que expressam suas insatisfações no próprio ato de trabalhar: a omissão, a apatia, a fuga dos controles que os oprime.

Quando há controle, a produção também é função da intensidade do controle. Quanto maior é o controle, aparentemente maior a produção. O clima é de tensão.

O melhor lugar do mundo

Incomoda-me a inflação, o trânsito, a burrice, poluição, pobreza, tudo que interfere no nosso bem-estar. Mas muitas vezes não consigo ver o que está atrás de tudo. E, mesmo quando tomo consciência, o salto para a ação como que fica reprimido. Incomoda-me a angústia provocada pela não satisfação dos meus desejos mais profundos. Incomoda-me também as reclamações do meu corpo, com “doenças” muitas vezes provocadas pelas alterações físicas correspondentes às emoções suprimidas. Mas chega num ponto em que não dá para esperar amanhã. Os desejos estão aqui, agora. O medo, a culpa, o remorso, a timidez, a insegurança, até a falta de condições de realizar os desejos, vêm colados à vontade de gozar o prazer que a realização dos desejos traz.

Sinto que a diferença entre a vida e a morte em vida pode ser medida pelas tentativas que faço, indo à luta. Se respeito minha vontade, o que meu corpo pede, se quebro a moral que está grudada em mim, ai, que bom, junto com o prazer o charme, o me sentir bonito, inteligente, gostoso, vivo. Se não respeito os desejos que surgem em mim fico triste, burro, feio, duro, não há brilho nos meus olhos.

Não tem jeito, tenho que cuidar de mim. Até para poder me juntar a outros que sentem a vida. A esperança de que alguém vá cuidar de mim, de que uma revolução vai acontecer lá fora e de que pegarei o vácuo dela, sinto ser só esperança, anestesia.

O pior lugar do mundo

Tem tanto tempo que o mundo é assim, mais pro feio. Passo por uma escola pública e, triste, vejo a educação castradora se repetir, como foi comigo há 25 anos. Igualzinho. Talvez mais dolorido. E o que dá pra sacar da história confirma: quando a vida emerge, lá vem sufoco. Nem é preciso ver os grandes jornais, TVs, rádios.

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Mas, por mais que mudem os outros, outras angústias em mim permanecem. A mim cabe saber o que está dentro da minha área de atuação. E, como um compromisso com a minha própria felicidade, a mim me cabe também tentar minha difícil mudança.

Aos muito amigos, também o não!

Estou à vontade para tudo? Isto implica que posso me dizer: não! E que considero que um não! dirigido a mim por outra pessoa tem sua origem na pessoa que o diz. Ela é quem tem a melhor capacidade de saber dos motivos que a levaram a dizer não! Acredito que este não! dito por ela possa representar algum problema dela. Tenho que me cuidar para não imaginar, não dar asas à minha imaginação, o tipo de problema que poderá ser.

Enfim, a origem do não! é um problema da pessoa que o disse. Já quando o não! dirigido a mim por outra pessoa me incomoda, surge um novo problema. Um problema meu. O que me incomoda e o porquê deste incômodo cabe a mim sabê-lo. Está na minha área de atuação.

Assim, um problema é o incômodo que o não! me traz. Outro problema é o incômodo que gerou o não! na pessoa que o disse. Talvez o caminho para a solução destes problemas seja, primeiro, resolver ou compreender o problema meu. Depois compreender e atuar no problema da outra pessoa.

As razões de cada um

Ver os outros com os olhos meus, é o que normalmente faço. Posso também tentar ver com os olhos do outro. Compreendo melhor o outro quando consigo me colocar no seu lugar, com os seus olhos. E, quando compreendo o outro, compreendo a posição que toma, mesmo sendo contrária à minha. Aqui o diálogo se torna mais fácil.

A tensão também é função do controle. De um lado, o trabalhador, controlado. De outro, a direção, controladora.

Quando o trabalho é emocionante

Quem gosta do trabalho não precisa ser controlado. Quem gosta do trabalho procura a melhor maneira de fazer o seu trabalho. Presta atenção no que faz. Cada vez que faz é uma nova vez. No prestar atenção, enxerga problemas. Por gostar do trabalho, procura soluções. O trabalho compõe sua vida. Tem prazer em chegar ao trabalho. Gosta de trabalho. As ideias na sua vida surgem em qualquer momento. Em qualquer momento surgem ideias sobre o trabalho. Ele as aproveita. Quem gosta do trabalho não precisa ser controlado. Quem gosta do trabalho não faz as coisas automaticamente. Tende a ser autônomo, saudável, vivo.

É difícil. Pensar em mim, prestar atenção no meu próprio corpo, em meus sentimentos, sensações. Perceber o que meu próprio corpo e mente me dizem. O que está atrás dos meus próprios sentimentos: “quando foi que começou esta minha raiva? Por que este remorso?”. É difícil buscar as origens dos meus sentimentos. Rever a história da minha própria vida, do meu próprio corpo. Relembrar, revivenciar, refletir.

“Percebo que as minhas ações são muitas vezes frutos dos meus sentimentos. Sinto e ajo.”. É difícil tomar conhecimento do que é interessante mudar. Mesmo na busca do prazer, é desconfortável mudar; volta e meia afloram angústias.

É mais fácil pensar em como mudar os outros. É menos doloroso mudar, tentar mudar os outros que a mim próprio. É mais fácil ver a solução dos problemas nos outros.

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emocionável, com brilho. Tem capacidade também de vivenciar suas dores e, com a vivência, crescer humanamente.

Emoções e transformações

Este lugar começa a existir para mim a partir do momento em que eu passo, em busca do prazer, a mudar meu comportamento em relação a mim próprio e em relação às pessoas com quem convivo: em casa, no trabalho, na rua, a todo momento.

Parece ser necessário, como base para uma mudança de comportamento, eu tomar consciência de meus próprios sentimentos e sensações. Também tomar consciência do que meus olhos, orelhas, nariz, boca e pele percebem do mundo ao meu redor. Na verdade, me permitir sentir, deixar fluírem as emoções.

Por sua vez, parece que as emoções geram transformações. Quando me emociono, sou depois diferente do que fui.

TERCEIRA PARTE

Entrada na cabeça

Não tenho conseguido concluir o terceiro artigo de uma série que chamei de reflexões sobre o homem novo, iniciada no Luta & Prazer número três. Decidi então passar para o papel ideias soltas que me afloram à cabeça. Não as ordenei nem as conclui. Expressam, no entanto, preocupações minhas atuais. Um lado de mim as vê ridículas, desnecessárias e repetitivas. Outro as vê humanas e lúcidas. Arrisco.

Entendo o outro e me entendo. Tento instigá-lo a ver com os meus olhos, me compreender.

Talvez a melhor maneira de perceber um problema seja vivê-lo. Percebe muito mais o problema de um salário insuficiente quem vive a insuficiência do seu salário. Se não vivi o problema do outro no máximo me solidarizo. Tendo a preocupar-me mais com os problemas que eu próprio estou a viver.

Em busca do prazer

Um lugar – um país, uma cidade, bairro, uma roça, uma rua, um teto – onde as pessoas que aí vivam estejam também constantemente atentas ao presente, ao que está acontecendo a cada momento. Um lugar onde as pessoas ajam em função dos sentimentos e sensações que percebem em si. Onde cada pessoa, conscientemente, consegue perceber e respeitar também os espaços – físico, psíquico, espiritual, integral – de outras pessoas com quem convive. Um lugar onde, em decorrência do acima suposto e em decorrência da racionalidade natural e da vida que aí frutificam, problemas econômicos e sociais perderiam suas fontes.

Neste lugar cada pessoa se percebe e se respeita. Sua moral é natural, não lhe foi ensinada como dogmas. Seu princípio é o prazer. Em função do prazer é que define o seu trabalho. O trabalho só tem sentido se é também fonte de seu prazer. Cada pessoa usufrui dos frutos do seu trabalho. Não se apodera do resultado do trabalho de outros.

Também em função do prazer é que busca novos conhecimentos. Não aceita os conhecimentos que lhe são impostos como verdades inquestionáveis: busca os novos conhecimentos em função das necessidades. Neste lugar cada pessoa tem consciência da liberdade que necessita ter e usufruir para que possa continuar vivo,

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origens dos medos? E, atento, discernir entre o que em cada medo é gerado pela imaginação e o que é gerado pelas possibilidades reais de perigo?

Manter a vida significa manter a liberdade. Liberdade é poder ser. O poder ser de um se limita com o não poder matar no outro o poder ser do outro.

Os projetos de cada um não estarão ligados, objetiva e subjetivamente, à solução do que cada um vivencia como problema?

Serão recuperáveis as possibilidades de emoção não vivenciadas hoje?

Os filhos crescem, eu cresço ou envelheço, as situações mudam, está tudo acontecendo.

As pessoas, mesmo desinformadas, sentem. Inclusive se ressentem. E agem em função dos seus próprios sentimentos, conscientemente ou não. A omissão, a apatia, a iniciativa, a autonomia são reflexos da situação interior do ser humano.

A cada fato, cada pessoa reage de acordo com o seu ser. Ao mesmo fato correspondem tantas reações quantos são os indivíduos que percebem este fato, naquele momento. Estas reações estão ligadas às histórias de vida de cada um.

Como esperar compreensão de outras pessoas, se não tento compreendê-las, procurando sentir do ponto de vista delas as razões delas?

Cada pessoa tem seu projeto, seus sonhos, suas conceituações de felicidade e infelicidade, em função do que apreendeu durante sua vida.

Sonhar e praticar o sonho

Que mundo enorme, meu mundo em que meus olhos, cheiro, gosto, tato e audição não atuam. Um mundo do tamanho da minha autopercepção.

Ilógica lógica? Irracionalidade é a prática do irracional. Irracional é o que falta razão. Razão é o natural. Natural é o que vem da natureza. Natureza é o que é original. Original é o que vem da origem. Origem é nascimento. Nascimento é ponto de partida.

Amanhã e outro lugar é completamente diferente de aqui e agora. E estar aqui e agora não exclui sonhar e trabalhar um amanhã em outro lugar. O futuro se faz no presente, nasce do presente. Se o presente é amplo, aberto, o futuro está sendo aberto, está se ampliando. Se limito o presente, não deixo o futuro se abrir. Limito o futuro.

Como entender pessoas que agem de forma contrária à da gente? Como o que não policia poderá compreender o que policia, do ponto de vista de quem policia?

Cada ação tem sua origem, tem suas razões.

Estar a fazer o que gosta, em função do seu próprio estar bem: felicidade?

Quando se quer conviver com outras pessoas, socialmente, qual o limite da busca individual de felicidade: não atrapalhar a felicidade de cada um dos outros?

A percepção mais completa não é o sentir? A falta de percepção não é o não sentir? Quem não sente não percebe? Como vencer o medo? Vivendo mais profundamente situações que nos causam medo? Tentando chegar, pela vivência mais profunda dos medos, às

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bem consigo mesmo, mas deseja ou detém o poder de interferir no bem estar de outros.

Que presente é este que consigo suportar? Em que devo me transformar e em que devo transformar meu mundo para que o meu, o nosso bem estar aconteça?

É tanta coisa a toda hora. Uma vida para viver.

Paro para perceber e dissecar este sentimento de culpa por não estar agora cuidando de quem eu ajudei a por no mundo? Dou uns socos no travesseiro para gastar esta agitação interna? Vivencio, agudizo meu estar ou me contenho?

Que estrutura é esta que se desagrega quando chegam pessoas de fora?

Devo gastar meu tempo, energia, enfim, devo me gastar procurando viver agora o bem estar desejado, ou devo estar constantemente me preparando para um futuro melhor, desatento ao presente?

Cortar agora a raiva presente ou expressá-la a quem ela é dirigida, cuidando de não ferir?

Por que não dizer da insegurança de não saber o que dizer ou fazer?

Vida e morte

Sua respiração se solta, seu coração bate mais rápido. Sôfrego, seu corpo pede. Sua pele encosta na outra pele, arrepia ao passar de uma força. Sua boca encontra outra boca, a outra boca suga seu ombro, procura sua orelha, pescoço. Sua garganta solta o som do seu prazer. Sua mente está aqui, você vive o momento presente. Mas não! Sua respiração se prende, ao bater mais rápido do coração. Seu

Meu espaço se limita com outros espaços. Meu limite é a outra pessoa, as outras pessoas, seus espaços.

Em cada cabeça, muitos sonhos.

Em cada dúvida, a possibilidade de tomar consciência: é só pensar.

Quando construo uma casa, já na profundidade da fundação, coloco a minha própria história: se eu for inseguro, desejo uma fundação tão profunda quanto a necessária para me fazer sentir seguro. Se estou bem comigo, a fundação poderá ter somente a profundidade realmente necessária. Se quero me isolar do mundo, muitas paredes, grades, muros. Se quero me abrir, a amplidão dos espaços.

O mundo acaba quando um morre?

Descubro a todo momento: crianças estão constantemente atentas. Entendem e se expressam. Já os adultos normalmente nem as entendemos nem conseguimos com elas – as crianças – manter contato.

Economia, política, controle, ciência, impostos, construções, festa, trabalho, tudo que os homens criam, em princípio criam para melhorar as condições em que homens vivem. Mas quem executa, coordena, planeja cada trabalho também é humano. E, como humano, cada um carrega consigo as marcas que as emoções ou a falta delas trazem. E estas marcas influem no comportamento de cada um. Inclusive nos atos cotidianos de trabalhar, divertir, conviver, falar, andar, mover, parar. E se quem executa, coordena, planeja, não consegue perceber os seus próprios problemas internos como pessoas humanas, que capacidade terá para tentar melhorar as condições em que outros homens vivem? Não consegue estar

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próprio vivencio em mim mesmo. Fui duramente orientado para isto. Acredito no futuro paradisíaco prometido, e não acredito no presente infernal real.

Inferno e paraíso

Como recuperar o ser humano natural em mim mesmo? Mesmo com dúvida, me sugiro: usar os sentidos. Não agir mecanicamente. Atenção no presente. Ver, ouvir, provar, cheirar, tatear. Deixar meu corpo se exprimir. Deixar meu corpo fazer o que nele é espontâneo. Deixar o ar entrar e sair. Respirar. Perceber em mim mesmo as sensações e sentimentos que este estar no presente proporciona. Vivenciar o aqui e agora, prazer e desprazer.

E para compreender tudo isto, me informar. Wilhelm Reich é uma fonte: O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes da vida. Deviam também governá-la.

corpo se contrai, ao encostar da sua pele na outra pele. Sua boca, seca, se fecha ao ser procurada pela outra boca. Seu ombro, orelha, você, incomodados se remexem com as cócegas. Sua garganta se entope, sua mente foge daqui. Você não vive o momento presente.

Só nos resta a vida

Ser humano. A história pode começar a partir da fecundação. Cada um de nós tem uma história. A mente e o corpo de cada um retratam hoje as experiências vividas por cada um. Somos únicos, cada um.

No útero as condições internas sofrem influência da mulher gestante. Seu próprio corpo exprime também as experiências que ela própria vivencia. Se angustiante, defende-se contraindo-se. Se repetidamente angustiante, contraindo-se cronicamente. O ser humano, já no útero, sofre pressões do seu meio ambiente.

No parto uma forte agressão, a separação da mãe, o contato com seres humanos des-emocionados, frios, endurecidos. Depois, no dia a dia, o não faz isto, cala a boca, não grite, não chore, não ria alto, não esperneie, tire a mão daí. E, a cada proibição, o corpo e a mente tendem a se adaptar. Até nos tornarmos estes seres que somos: angustiados, culpados, tortos, deformados. Uns mais, outros menos.

O poder de cada um

É possível o ser humano ser ele próprio o ponto de partida para a sua transformação pessoal? A realidade ao meu redor sempre foi, é na maioria das vezes, tão incômoda, feia, que, para não sofrer, fujo dela. Fujo do presente para o futuro ou para o passado. Olho e não vejo, ouço e não escuto, pego, cheiro, provo e não percebo. Respiro mal: corto assim pela raiz a fonte de energia que não consigo experimentar. Acredito mais no que me dizem do que eu

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IVRodízio Criativo

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73Rodízio Criativo

Cuidar de quem cuida

Imagine uma instituição de porte médio: empresa, serviço público, ong.... Em consenso interno, trabalhadores de um setor – considerando o cumprimento do conjunto das suas obrigações normais – liberam um ou mais do grupo, por um ou mais dias, para visitarem-estagiarem em outros setores da instituição.  Esta a ideia básica. Parece ser bom para a instituição que cada trabalhador, além da múltipla capacitação, amplie sua visão de mundo, adquira outros conhecimentos e construa oportunidades pessoais e profissionais. A prática tem ensinado o melhor caminho. Aqui sinais de sucesso.  Retrato 1

Muitas vezes o trabalhador não tem noção da importância do seu trabalho em relação ao conjunto da obra e aos seus resultados. Desconhece desde a missão da instituição até o que se passa em outros setores. Desestimulado, retém em si mesmo iniciativas e possibilidades de soluções sobre o que profundamente conhece. Sente necessidade de conhecer o todo, mas muitas vezes não tem consciência disto. Prevalece o isolamento, a contenção.

Retrato 2

Um setor – o operacional, por exemplo – é responsável por uma série de tarefas, relativas à manutenção física da instituição. As tarefas normalmente são distribuídas entre os trabalhadores que compõem o setor. Rodízio

É colocado para os trabalhadores do setor que poderão liberar um ou mais deles próprios para um estágio-visita em outros setores

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74 Rodízio Criativo 75Rodízio Criativo

– quando com elas identificadas – com sua própria capacidade de apreendê-las e praticá-las. Resultados

Observou-se, dos relatos dos estagiários-visitantes, o prazer em serem reconhecidos e em conhecerem outros mundos-caminhos. Relações humanas e profissionais se fortaleceram. Naturalmente, acredito, crescem o bem estar, o interesse, a produtividade, a produção, os lucros sociais e econômicos. Criadas oportunidades, os trabalhadores tendem a se organizar e vivenciar suas próprias experiências. No conjunto, parece bom para a instituição e para o trabalhador. Já o público usufrui dos atendimentos precisos e das qualidades adicionadas a produtos e serviços.

da instituição, na medida em que consigam distribuir todas as tarefas de sua responsabilidade entre os que permanecem no seu próprio setor.  Os trabalhadores liberados – por um dia ou uma semana, por exemplo – poderão, dentro da instituição a que pertencem, escolher em que outro ou outros setores estagiarão-visitarão naquele período. Este estágio-visita, naturalmente, poderá incluir a realização de tarefas específicas, se os estagiários-visitantes desejarem e estiverem capacitados para tal. Deverão permanecer normais as atividades do setor que o trabalhador estagia-visita.  Prática

Como cooperante, já nos últimos dias da assessoria que prestei ao Instituto Nacional de Cinema de Moçambique – primeiro semestre de 1981 – sugeri o rodízio à direção e trabalhadores.

No correr de abril de 2003 realizamos a experiência com o setor Operacional do Sesc Ramos, no Rio de Janeiro, onde eu exercia a função de gerente-adjunto. Conversamos com os trabalhadores e a ideia foi acolhida. Eles próprios se organizaram e, semanalmente, escolheram dois dentre todos para usufruírem da oportunidade. Nas semanas seguintes, novos dois. Conheceram praticamente todos os outros setores: comunicação, matrícula, esportes, recepção, contabilidade, informática, biblioteca, piscina, recreação infantil...

Muitos relataram, do próprio punho, observações sobre a experiência, gratos e surpresos com as inFormações acessadas e

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VVisão de Mundo

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79Visão de Mundo

Ideias e movimentos

Este e alguns dos próximos textos, a maioria, escrevi paralelamente ao correr do meu trabalho no Sesc Rio, a partir do ano 2.000. Percebi o óbvio: nos encontros comunitários, como pano de fundo, sempre presentes questões emocionais. Muito parecido com o que acontece em reuniões de condomínio, em reuniões familiares. Em reuniões que envolvam gente. Amplio? Em reuniões que envolvam seres vivos, outros animais também?

As histórias emocionais de cada um facilitam ou atrapalham as relações de confiança necessárias à realização de objetivos de interesse comum. Eu só me associo tranquilamente a quem eu confio. O tal do capital social desejável nasce de relações humanas saudáveis. Assim, hoje, valorizo os inteligentes emocionais, amorosos. Pessoas equilibradas são naturalmente confiáveis, integradoras.

Muito do que escrevo, vivi. Sinto que estas experiências têm sido úteis pro meu bem estar no mundo. Por isto compartilho.

Então fica combinado

Tiramos um tempo para pensar em dúvidas, as minhas que imagino também suas. Inicialmente um tanto confuso. Arrisco terminar com mais dúvidas do que as que agora tenho. Pressupomos, se concordarmos, que, em comum, buscamos resultados semelhantes e desejamos para outros o que desejamos para nós próprios: satisfação, emancipação.

Como quase tudo, também aqui quase tudo está fora de ordem e é incompleto em si mesmo. Assim, este texto, pela sua natureza, é incompleto. Como sabemos que somos únicos – com nossas histórias pessoais, visões de mundo, jeitos de imaginar-sentir-organizar-

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80 Visão de Mundo 81Visão de Mundo

A rede, como instrumento, é ignorante, pode ser burra ou inteligente. Simplificando, pode ser utilizada para o bem e para o mal. Cada informação disponibilizada – se absorvida pelo receptor, conscientemente ou não – estimula ações efetivas favoráveis, ou contrárias, às essências de seus conteúdos. Qualidades agregadas à rede vêm dos conteúdos das informações oferecidas.

Escuto você me escuta

Muitas das metodologias de comunicações tradicionais dificultam comunicações. Palestras, por exemplo, poucos de nós têm paciência para só ouvir.

A inter-ação parece ser uma chave. Quando todos têm oportunidade de se expressar individualmente – mesmo num tempo limitado pré-combinado – cada um se sente participante. Especialmente se o respeito pelo outro está presente.

Monólogos iniciais – de cada um, incluindo todos – facilitam diálogos posteriores, básicos para construções de parcerias. E quando mais de dois conversam entre si, as possibilidades de entendimento se multiplicam. O boca a boca espontâneo acompanha os desejos: entre os que têm desejos semelhantes, a comunicação é passo largo para construções coletivas...

Pressupostos

Permanecem mistérios quanto às primeiras origens – se é que existem – de tudo ou de cada objeto, ação, energia, pensamento... Como exemplo, quando vivenciadas, ausências ou abstrações de tempo e espaço mexem com visões de mundo e provocam decorrências, inclusive alterações de comportamentos. Quem vivenciou, sente, sabe.

fazer-ser-sei lá – talvez caiba você editar as informações que seguem, respeitando as regras que cria, em função do que se propõe.

Nesta procura, nos conectamos, você e eu. Uma vez conectados, possibilitamos comunicações entre você e – pessoas a quem me ligo – minha rede pessoal. Vale vice versa. Ampliamos nossas redes. Compomos assim, como instrumentos e meios, redes de redes.

Complexo e simples

Aparentemente caótica porque incontrolável e sem hierarquias, é a rede. Conexões horizontais, transversais, multidirecionais. Sincronicidade como possibilidade. Intuição como novo sentido.

Numa rede, ao invés de isto ou aquilo, agora isto e aquilo. Nas redes, movimentos. Iniciativas individuais, nos tempos de cada um. A procura, quando encontro, tende para oferta. Na aparência da doação, a realidade constante da troca. A mão que ajuda é a do coração que recebe. À racionalidade é acrescentado o desejo.

A rede possibilita o inimaginável. Complexa e simples, como o Homem. Razão e desejo.

Instrumento

Cenário para comunicações, a rede é virgem. Seus conteúdos são construídos e disponibilizados a partir da auto inserção voluntária de cada indivíduo que a compõe.

O que mobiliza cada participante é o desejo internalizado de compartilhar, especialmente informações. E a qualidade das informações compartilhadas é função do conhecimento e da atitude ética de quem gera.

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transformações individuais? O ser humano individual como base? Aqui o foco?

Pequenos prazeres – o arrepio, o frescor, este fogo, aquele olhar, ai-meu-deus-só-de-lembrar, a brincadeira, o insight, o descanso, o banho, a comida, encher o peito, pele macia, o afeto, solidariedade, o alívio. Pequenos prazeres, a gente esquece? Tão simples, tão perto, um gesto... Tão complexo, tão longe, uma paralisia.

Aparente bagunça

Desorganizado internamente, quero tudo certinho, limpinho, arrumadinho. Já alguma lucidez me traz compreensão. São fluxos: o caos precede a ordem que antecede o caos. Equilíbrios diferentes.

No tantra preservo o ching – o ki? –, interrompo um fluxo e internalizo outro. Nas redes de meus pensamentos se conectam lembranças. Ausentes espaços – se fundem com meu pulsar. E ausentes tempos – futuro, passado – agora se confundem: inexistem desordem e ordem.

E de novo tudo se inverte. Existe agora, existe lugar, já sou eu separado do mundo à procura de me re-integrar. Tudo isto, sinto-sei, é só outro ritmo de respirar.

Mas vamos parar com isto e fazer o que de mim meu redor espera. Se divago, sonho. Se sonho... Mas o sonhar não antecede toda realização?

É isto?

Gasto tanto tempo tentando mudar o comportamento do outro que me esqueço de mudar em mim este vício de querer mudar o outro.

Sabemos, quando permitimos a consciência, que a razão muitas vezes funciona como defesa em relação ao sentir. Inclinam, declinam, flutuam civilizações, permanecem as questões – de onde viemos, quem somos, para onde vamos? Donkivim, onkotô, pronkovô? E, sempre presente, ser ou não ser? Sou eu ou sou o outro? Em cada momento, estou ou não estou? O que você quer que eu queira, para eu querer?

Sou um mapa da minha vida. Sinto que dentro de mim tenho um tanto de quem senti, me identifiquei. Sou parte de meus filhos, meus pais, irmãs, irmão. Sou parte de quem convivo ou convivi intensamente. Socorro, Ana, Vânia, Vera, Regina. Descubro em mim mamãe, papai, João Porphírio, Stella, Lina, Ló... Tanta gente hoje ainda interfere em mim, pelo que me tocou, pelo que me trouxe direta ou indiretamente. Mesmo que eventualmente me esqueça de mim mesmo ou de quem tive boas lembranças.

A consciência – quem vivencia, sabe – facilita mudanças. Enquanto isto, com todas minhas limitações, percebo em mim mesmo – quando me permito – que minhas ações são precedidas pelos meus sentimentos.

Parece claro que a emoção precede a razão. Que meu comportamento é influenciado por minhas emoções – atuais e passadas. E que o conhecer e o reconhecer causas de meu comportamento atual facilitam e estimulam minhas próprias transformações.

Livre associação

Se não me permito, a outros inibo. Só dou o que tenho, o que sou. Entre a intenção e o gesto, o que impede é mistério. Tantos caminhos, tantas as pessoas. Transformações sociais, somas de

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vezes menos ou mais – a turma do não é bem maior. Eu cá tento. Aproveito os bons momentos: serão lembranças.

Eu

Mamo. Com o olhar procuro mamãe neste momento de prazer, mas mamãe não suporta, desvia a atenção. Olho então pro teto, estrabizo, me míopo. Entre poucos sins, minha família, os vizinhos, professores, patrões, meus colegas de infância-adolescência-trabalho – em gestos, palavras – me dizem não e não. Tudo que aprenderam a não se permitir, me ensinam. Não bote a mão aí, não chore, não grite, este prazer não. Outros vazios.

Cultura pesada

Mandamentos, leis normatizam o que devo ser. Se transgrido, o castigo – se não vier agora – virá depois da morte. Tento e tento cumprir as normas. Exame de consciência, arrependimento, confissão, penitência. Volto, em estado de graça, a ser comedido.

Associo prazer a castigo.O prazer se torna insuportável.A alegria se torna insuportável.Não me permito o amor.

Consigo um pouco seguir as leis. Fraquejo, transgrido de novo e repito o ciclo. A moral – moralismo? – toma espaço da ética original. Internalizo a repressão. Meu corpo traduz o que estou. E, guerrilheiro de mim mesmo, como uns docinhos aqui, um prazer solitário ali – seriam substitutos de prazeres originais, válvulas de escape? E construo minhas verdades.

Supro meus vazios emocionais com os objetos que agora desejo. Me engano que gosto. Farinha pouca meu feijão primeiro. E, paralelo,

No quarto de brinquedos

Quem beijou, beijou. Quem não beijou, beijará jamais? Beija! Beija! Beija! Beija já! Quando escolho o médico, escolho o tratamento. Se vou ao cirurgião, ele vai fazer o que? E o homeopata, o pai-de-santo, o psicanalista? E nós? Somos dos que cuidamos dos sintomas – e tome aspirina? Somos dos que cuidamos das causas?

De longe se vê mais tudo. De perto se vê mais fundo. De longe, um sistema. De perto, práticas. Vamos pela aparente ordem. Eu sou você.

Close

A história pessoal a gente imagina, se não conhece: anterior à fecundação, mistério. Já na gestação, o estado emocional da mãe interfere no estar do filho.

Do ponto de vista do feto, um maremoto antecipa o parto: o que me espera do outro lado deste inconsciente paraíso? Se cesária, é ferro. Se minha mãe se entregou aos reflexos, ao invés de dor, prazer. Se recepção afetuosa, pulo pro colo, volto ao meu mundo que conheço, nestes primeiros momentos em espaço estranho.

Se recepção neurótica, me viram de cabeça pra baixo, batem na minha bunda, espetam meu pé, me enrolam em panos, me isolam no berçário, vislumbro gente do outro lado da vitrine, sinto medo e medo e em defesa me contraio. E choro e choro e meu choro não é compreendido. Quero mamãe. Um vazio dentro de mim.

Nós

Se você, neste momento, não sou eu, parabéns pra você. Mas se você é comum, como eu, prepare-se. Intercalado aos prazeres – às

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o real. Se não droga, consumo. De tão conservador de tudo, incho, engordo. Acumulo, enfezo.

Sem graça

As piadas denigrem alguém. Rio do outro, da desgraça do outro. Pegadinhas são falsas delícias. Rio mesmo é de mim, não lembro que o outro sou eu. Mais que tudo da programação da TV são filmes. A maioria, violência pura. Bandido caça mocinho que caça bandido, como se em cada um de nós não residisse um tanto de cada um.

Como no cinema, me divirto com a violência. Maniqueísmo, coerente com visões de mundo limitadas. Venda e compra de produtos e serviços desnecessários movimentam a economia. Alimentam ciclos viciosos, ignorância como fonte de si própria. Aqui procuro suprir vazios que acumulei e empanturro.

Retiro agora estes óculos escuros. Caio na rede.

Luzes ao lado

Vejo, neste enorme palco, outras cenas. Que que aquele pessoal está fazendo ali? Oba! É a turma do sim. Sim ao que enleva, embevece, enobrece, engraça, estimula, acalma, acalenta, amorece. Esboço um sorriso, recebo outro de volta. Me enredo. É outro o ciclo. Virtuoso?

Práticas

Redes se formam a partir de interesses comuns.

se eu não posso, porque eles? Meu umbigo é do meu tamanho. Nada vejo em volta além de mim. Um tanto assim, mais ou menos, sou um homem comum. Quadro pintado preto, a realidade me salva com seus tons cinzas.

Abstração

Tiro então o bode da sala. Minha vida é melhor que esta paisagem. Olho no espelho, satisfeito comigo. Minha vida, em espiral, intercala equilíbrios nos meus movimentos. Hoje melhor que ontem. Meu humor é minha referência, me qualifica. O sorriso que esboço se faz espelho em quem recebe.

Escolho um tanto quem sou. Minha vida é cada canal que clico. Em cada momento decido o que vivo. Exercito o prazer, ganho espaços, fujo dos chatos, estimulo os frágeis. Tudo funciona como reflexo de mim. Sou responsável pelo que sou. Só posso reclamar ao espelho.

Como gente, reflexo tem de tudo. Retrata quem está bem, mal, mais ou menos. Reproduz em duas dimensões a realidade. Abstraio tudo acima. Cada um tem sua história, seu retrato, seu espelho. Abro a lente, amplio.

Olho ao redor

Montes de pessoas. Alguns passam ao meu lado. Um ou outro se sobressai. Na maioria, sérios. Uns tensos, outros calmos. Uns assim, outros assado. No chão, largados, cada vez mais dois vezes dois. Acostumo, nem vejo quando não quero. E crianças com aquele olhar e tom de voz: ei tio, me dá? Isto aqui, em toda terra.

Nas favelas uns sons de tiros, os silêncios que inocentam quem não fala. Quem cala, não falha. Medo. Nem em mim mesmo confio. Nos subúrbios se não igual semelhante. Legal ou ilegal, a droga muda

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VIAuto-hemoterapia

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91Auto-hemoterapia

Conversei com Dr. Luiz Moura pela primeira vez em 1994, apresentado por Ralph Viana. Gravamos, editamos e oferecemos ao público o vídeo Energia da Vida, onde ele, Moura – além de Neuci da Cunha Gonçalves e Alex Leão Flores Xavier, médicos também – fala de manutenção da saúde e alternativas para tratamentos de doenças do nosso tempo.

Em 2004, Ana Maria Martinez, satisfeita com os resultados em si mesma, sugere que façamos um vídeo específico sobre auto-hemoterapia, método utilizado há mais de 100 anos e que, na década de 40 do século passado, quase desapareceu com a chegada de antibióticos.

Juntos realizamos e distribuímos algumas cópias. Alguém, por sua própria iniciativa, insere na internet o Auto-Hemoterapia – Conversa com Dr. Luiz Moura. Em pouco tempo passamos a receber retornos espontâneos de usuários, com relatos de resultados benéficos em relação aos mais variados distúrbios. O vídeo ganhou espectadores. Consultados por um ou outro, facilitamos, autorizamos a reprodução quando para fins humanitários, não comerciais.

Nestes anos, usuários se comunicam, trocam informações. Redes naturais se formam. Cada um que deseja participa com o que está ao seu alcance. Um movimento popular se cria e se espalha. Surgem versões subtituladas em espanhol e inglês. Mais textos informativos e científicos são disponibilizados na internet – milhões de pessoas se interessam, especialmente no Brasil, mas também na Argentina, Uruguai, Japão, Estados Unidos, Espanha, Itália... Criam-se sites, blogs, salas virtuais de debates. Outros vídeos relativos à auto-hemoterapia são disponibilizados virtualmente. Um livreto – transcrição integral do vídeo-depoimento – é dedicado especialmente aos que não têm acesso à internet. Em 2012, Ida Zaslavsky relata, em livro, resultados observados em vinte anos como aplicadora.

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92 Auto-hemoterapia 93Auto-hemoterapia

O vídeo Auto-Hemoterapia, conversa com Dr. Luiz Moura – e a transcrição das falas do Dr. Luiz Moura, além de alguns textos e outros vídeos – está disponível:

www.luizsarmento.blogspot.com.bre no www.videolog.tv/LuizFernandoSarmento

Tenho me surpreendido a cada vez que incluo a palavra auto-hemoterapia na pesquisa do Google. São dezenas, talvez já centenas de sites e inúmeros depoimentos e trocas de informações. E muitos vídeos. Redes em plena vida.

Tudo isto, além de real, é significativo e simbólico. Há uma intensa procura por soluções saudáveis. A realidade se transforma. Mais uma oportunidade para que pessoas que compõem serviços públicos se informem – a Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde... E pesquisem – sobre a auto-hemoterapia. Por exemplo: há uma quantidade enorme de trabalhos acadêmicos, depoimentos, testemunhos. E atuem em favor do bem comum.

Imagino histórias semelhantes para as medicinas tradicionais e contemporâneas chinesa e ayurvédica, as sabedorias populares, africanas, latino-americanas, indígenas, caboclas... E relativas à homeopatia, à acupuntura, às medicinas complementares, aos florais... Parece que o conjunto de conhecimentos da humanidade, hoje, é mais que suficiente para que todos estejamos cuidados. E alimentados, física e emocionalmente.

Se também considerarmos outros campos de conhecimento, sabemos que hoje toda a humanidade tem oportunidades de se tornar saudável. E esta melhoria acontece a cada vez que cada um – com o que está ao seu alcance – compartilha conhecimentos, inventa fusões de prazer no trabalho, na vida cotidiana.

Eu já desconfiava. O espalhamento da auto-hemoterapia me confirma: redes e movimentos se formam assim, a partir da iniciativa de cada um. Sem hierarquias, cada um contribui com o que está ao seu alcance...

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VIITerapia Comunitária

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97Terapia Comunitária

Lembro: esta história, como outras, conto com o que penso que sei. Sempre o risco de ser diferente do que, pra outro, é.

Uma família pobre,dez filhos, naturais e adotados. Interior do Ceará, o pai trabalha num lugar após outro, na equipe que cava poços em busca d’água, a família acompanha. Cristãos. Adalberto quer ser padre. Conseguem bolsa num seminário. As informações que os padres-professores lhe passam não correspondem às suas crenças. Incomodado, prossegue os estudos, se forma em medicina. Faz teologia no Vaticano, filosofia na Itália, doutoramentos em psiquiatria e antropologia na França. Volta às suas origens, interior do Ceará, junta conhecimentos acadêmicos a sabedorias populares. Cria um jeito simples de conversar, que estimula solidariedades imediatas.

A metodologia

Em roda, um espaço para cada um falar de problemas do cotidiano, de questões que afligem, trazem insônia, incomodam. O pai que bate na mãe, o filho que se droga, eu mesmo que não consigo trabalho. Ou que estou deprimido, sem saída.

Logo no início, já em busca de clima propício, o terapeuta ou um seu auxiliar propõe compartilhamentos de alegrias recentes. Intercalados com palmas, um e outro diz da satisfação do nascimento de um filho, da recuperação de uma vó, do sucesso nos estudos de um amigo, do prazer de uma viagem, do aniversário que chega e por aí vai.

Agora combinam-se umas regras. Aqui não vale julgar nem dar conselhos. Quando dou um conselho, é como se eu soubesse mais do outro que ele próprio. Todos terão oportunidade de falar. Não é um espaço para segredos: o que pode lhe fazer mal se alguém lá fora souber, sugere-se, não compartilhe aqui, proteja-se. Só se

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encontro. Agradece com atenção, nominalmente, a cada um dos que apresentaram suas questões e não foram escolhidos naquele dia. Deixa claro que, após o encontro, poderá conversar com aqueles que sentirem necessário. E que – se quiserem – podem voltar a apresentar as mesmas questões numa próxima roda.

Dirige-se agora àquela pessoa que apresentou o tema escolhido. Por favor, conte mais, para nós todos, sobre o que o aflige. Sempre com a intenção de cuidar, cada um de nós pode lhe fazer perguntas. Responda se desejar.

E o caso é contextualizado. Como exemplo, se o escolhido foi o do pai que bate na mãe: meu pai bate na minha mãe toda vez que bebe. Ele está desempregado, fica nervoso, bebe. Minha mãe não sabe o que fazer, nem eu, o filho, sei. Sofre calada. Entro na frente, defendo minha mãe, acabo apanhando também. Quando passa a bebedeira, muda tudo. Meu pai sofre com sua fraqueza, fica num canto, mudo, os olhos tristes...

No sentido de contribuir para a compreensão do caso que é apresentado – nunca culpabilizando quem está na berlinda – um faz uma pergunta, outro outra, até o momento que o terapeuta, considerando suficientes as informações, solicita, pelo nome, a quem apresenta seu sofrimento: José, estamos agradecidos por você compartilhar conosco o problema que vive. Pedimos agora que você ouça, em silêncio, o que alguns de nós vamos falar aqui.

E lança um mote, que pode ser específico – quem já teve em casa um pai que bate na mãe e pode agora compartilhar conosco sua experiência? Ou um mote que amplia o tema: quem já sofreu violência doméstica e pode compartilhar conosco sua experiência? Ou ainda: quem se sentiu de alguma forma tocado pelo que nos foi contado e pode compartilhar conosco sua experiência? Quem desejar falar, por favor, levante o braço, espere sua vez, diga seu nome.

fala a partir da própria vivência, da própria experiência. Cada fala começa com Eu – este talvez o maior desafio. Quando um fala, todos escutam. Se durante o andamento do encontro alguém se lembra de uma música, um provérbio, uma piada, uma história curta, que levante a mão, peça licença, diga seu nome e se expresse, conte, cante ou proponha o canto.

É lembrado, como estímulo à participação, que, quando não é falado o que está dentro de si, vem a gastrite, a depressão, o mal estar, a doença. Quando a boca cala os órgãos falam. Quando a boca cala os órgãos adoecem. Já quando a boca fala, os órgãos saram.

Alguém quer falar do seu problema? O silêncio inicial é seguido de desabafos. Problemas pessoais são apresentados. Quem coordena a roda, o terapeuta comunitário, ao final de cada fala, anota, tenta sintetizar, pergunta: veja se entendi direito. Seu sofrimento é porque você não consegue renda suficiente para manter sua família? Se é aceita a síntese, o terapeuta agradece, passa para outro, assim por diante. Quando casos suficientes são apresentados, propõe uma nova fase.

Peço agora que, resumidamente, os que desejarem indiquem o caso com o qual se identificam e digam porquê. Um e outro se identifica com uma ou outra das questões apresentadas.

Agora vamos votar

Lembro que vamos escolher, não o caso mais importante, mas o caso que mais pessoas aqui presentes desejam hoje escutar. Cada um só pode votar uma vez, todos podem votar. E, repetindo cada síntese feita anteriormente, solicita a votação para cada um dos problemas apresentados.

Junto com todos, conta e anota os votos. Definem assim – pelo maior número de votos – aquele caso que será aprofundado neste

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moça que sofre, com os filhos, violência doméstica e não sei o que fazer. Ou a mestranda que, entristecida, expõe sua dúvida: continuo o mestrado ou acompanho o crescimento de meu filho?

As identificações são quase sempre imediatas. Os relatos correlatos emocionam e confortam um e outro. A solidariedade se instala, independente de classes, raças, credos, gêneros. Somos semelhantes, estamos próximos.

Adalberto de Paula Barreto, criador da Terapia Comunitária, em entrevista a Letícia Lins e Isabela Martins, d’O Globo, 22 de abril de 2007:

Na favela lidamos com a miséria material que nutre a miséria psíquica. Já na Suíça, encontrei a miséria afetiva, o esfriamento das relações. Na Europa, não achei favelas miseráveis como as nossas, mas encontrei favelados existenciais.

Alguns vídeos e informações sobre Terapia Comunitária – inclusive depoimento de Adalberto sobre o método, a história, resultados – estão em:

www.luizsarmento.blogspot.com.brou em www.abratecom.org.br

Um após outro são apresentadas situações semelhantes. Minha vó também apanhava muito do meu avô, que era muito bravo e ignorante. Até que um dia nós combinamos e falamos juntos para ele: ou o senhor para e se cuida ou nós vamos tomar uma atitude, vamos embora, vamos pedir ajuda a quem o senhor respeita. Alguém chora. Outro apresenta uma música, inicia, os que sabem cantam juntos: encosta sua cabecinha no meu ombro e chora... E os compartilhamentos de casos vão se sucedendo.

Já a caminho da finalização, o terapeuta convida todos para ficarem de pé, mais próximos, ainda em roda, braços nos ombros ou na cintura. Sugere um balanço de corpo coletivo. Alguém lembra uma música. Tou balançando, mas não vou cair, não vou cair... O terapeuta pergunta: o que estou levando daqui? Um diz Calma, outro Conforto, mais um Solidariedade.

Devagar a roda se desfaz, um e outro se abraçam, formam-se duplas e grupos de conversas. A confraternização traduz a humanidade presente.

Os encontros de Terapia Comunitáriasão abertos. Há pessoas que vão com frequência, há os esporádicos. Há jovens, velhos, adultos, pobres, ricos, classe média. Têm em comum a possibilidade de se compreender emocionalmente.

No mesmo encontro surgem questões variadas. Desde o adolescente – que vou fazer da vida agora que terminei o segundo grau? Preciso ganhar dinheiro e não me sinto preparado nem para escolher uma profissão nem concorrer no mercado –, passando pela senhora indignada (fomos assaltados na rua, meu marido foi baleado, eu gritei desesperada à procura de ajuda, mas ele morreu ali, nos meus braços... e meu filho hoje me culpa pela morte do seu pai... como sofro...), até a

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VIIIBRincadeiras

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Cada um de nós tem suas boas lembranças. Jogos, brincadeiras fazem parte delas. Gregos, romanos, egípcios, chineses, hindus, samoanos, árabes, ingleses, brasileiros, os povos mais diversos têm em comum, há séculos, o gosto pelos jogos e brincadeiras.

Contribuem para a sociabilidade, estimulam o espírito, fortificam o corpo. É difícil falar em educação sem incluí-los. Sua execução depende em grande parte da cooperação entre os que brincam, jogam.

O interesse das crianças, a alegria com que se entregam se traduz em momentos de felicidade, internalizados para toda a vida.

As brincadeiras, os jogos acompanham a história da humanidade, são necessidades vitais para o Homem. Mens sana in corpore sano. Os jogos olímpicos têm aqui sua origem.

Hoje os brinquedos quase que substituíram as brincadeiras. Mas permanece o interesse. Basta ver o público cativado pelos programas infantis. Ou adultos emocionados pelos programas esportivos.

Já nas primeiras anotações abre-se uma enorme relação de brincadeiras e jogos. As fontes variam de conversas, lembranças informais a pesquisas acadêmicas.

Fiz uma pesquisa empírica, singela sobre jogos e brincadeiras. Uns e outras abrangem todas as faixas etárias, da primeira à última infância. Possibilitam somar crianças, pais, avós, vizinhos, colegas, amigos. Alguns acrescentam dramatizações e músicas. Outros independem de tempos, números e espaços.

Amarelinha, cabra-cega, boca de forno, anelzinho, berlinda, roda, pique-esconde, pula carniça, chicotinho queimado.

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E ainda: estas brincadeiras intencionam estimular a iniciativa de cada um, o prazer de brincar, a integração com outras crianças e adultos. Intencionam principalmente ser úteis ao público, promovendo seu bem estar.

Estas brincadeiras poderão ter espontaneidade e simplicidade como características básicas. Poderão também ser atemporais, de forma que possam ser veiculadas hoje e em outras épocas.

Cada programa com início, meio e final estimulantes... gerariam, geram, gerarão boas lembranças para cada um de nós.

Baú

Tenho comigo uma pesquisa empírica com cerca de 1.000 brincadeiras e jogos para as mais diversas idades e espaços. Merecem chegar ao público. Um possível grande público são as escolas: salvo engano, são mais de trezentas mil no Brasil. A pesquisa está disponível pra quem deseje chegar mais, estudar, elaborar projetos, realizar, compartilhar.

Acredito que, com os dados disponíveis, parceiros potenciais possam elaborar projetos Brincadeiras adaptáveis aos nossos desejos comuns, considerando características específicas de públicos, de parceiros ou patrocinadores. Sem excluir outras possibilidades, pensei em BRasil, em instituições que carregam BR em si: BRincadeiras.

Audiovisuais

Imagine que cada escola tenha disponível um DVD com brincadeiras, de jeito que um professor, um aluno veja e tenha vontade de brincar. Ou que estas brincadeiras estejam disponíveis na internet. São várias as possibilidades. Se os pequenos vídeos

Queimada, estátua, bonequinho de mola, corrida de saco, ovo, a cavalo, passará, quatro cantos, espelhos.

Mímica, teatrinhos, dobraduras, casinha de boneca, telefone, sombras, boneco de pano, gestos, jogar pedrinhas.

Sons do corpo, instrumentos musicais, cantos, danças, brincadeiras de roda, língua do pê, pentes altas, pau de sebo, pula corda.

Montanha russa, nariz contra nariz, morto e vivo, pisar na sombra, carrinho de mão, seu rei mandou dizer, pegador...

Uma ideia, um desejo

O desejo é recuperar o prazer de brincar. A ideia é audiovisual.

Os primeiros vídeos / filmes / programas / pílulas / vinhetas deverão estimular o espectador a jogar, brincar. A intenção é de quem assista, aprenda. E brinque. Quem aprende, aprende brincando. Quem ensina, ensina brincando.

Cada vídeo deve mostrar, de uma maneira simples, uma ou mais brincadeiras antigas e recentes.

Brincando de situações, a criança experimenta o seu mundo e aprende mais sobre si mesma. Função vital para a criança, na brincadeira ela expressa o que sente. Brincar é uma forma de terapia.

E todos sabemos que brincadeiras podem estimular criatividades, humanizar, incentivar o convívio social, contribuir para uma vida, presente e futura, saudável.

Na brincadeira, a vida mais como um jardim.

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Recreio

Adivinhação. É simples. Faça com calma. E só pense, não fale.

Pense um número, de 2 a 9... Pensou?Multiplique por 9 o número que pensou. O resultado desta multiplicação deve ser um número com 2 algarismos: some estes 2 algarismos.Retire agora 5 desta última soma. Pronto. Guarde este número.

Agora faça de conta que 1 corresponde à letra A, 2 à letra B, 3 à letra C... e assim por diante, até descobrir a que letra corresponde o número que você guardou.Lembre agora o nome de um país que começa com esta letra. Lembrou?

Separe agora a terceira sílaba do nome deste país.Exclua a última letra desta sílaba.Pense o nome de um animal muito parecido com o homem, que comece com as letras que sobraram. Pronto.

Quer saber o que deve ter pensado?

Macaco na Dinamarca? A base desta brincadeira é matemática simples: sempre dá 9 a soma final dos algarismos de quaisquer números multiplicados por 9. Se penso qualquer número entre 2 e 9 – e multiplico por 9 – o resultado será um número com 2 algarismos que, somados, darão 9. Como o autor da brincadeira sabe agora que o outro tem o 9 no pensamento... a partir daqui é inventar. Por exemplo: se orientado para retirar 5 do número que tem na cabeça (sabemos, 9), o resultado é 4. E se é sugerido para substituir este resultado por uma letra, pressupondo que 1 corresponde a A, 2 a B, 3 a C... chegaremos à letra D. Qual país começa com a letra D? Talvez exista outro, mas é bem provável que se lembre da Dinamarca. Terceira sílaba: mar. Retira a última letra: ma. Bicho que começa com este nome, parecido com o homem: macaco...

a)b)c)

d)

e)

f)

g)h)i)

que o DVD contenha – um vídeo pra cada brincadeira – são de curta duração, poderão também ser veiculados em canais de TV abertos e fechados, como componentes de programas ou nos espaços de comerciais. Se atemporais, serão úteis hoje, amanhã e depois.

Se sem falas, sem línguas, sua veiculação em outros lugares, países estará facilitada. Se seus áudios suportarem, poderão ser veiculados em TVs comerciais e comunitárias. Se estimulantes, poderão deflagrar movimentos brincantes, numa espiral sem fim. Brincadeiras podem mudar o mundo. Mais brincadeiras que brinquedos, mais satisfações menos tensões, mais risos menos conflitos...

Ao DVD pode ser acrescentado um livreto com informações complementares, sugestões de uso em aulas, em recreios, em locais de trabalho. Mistura de trabalho e prazer, sabemos, aumenta produtividade.

Imagine 300 mil a 400 mil cópias de DVDs e livretos distribuídos por igual número de escolas. E outros – tantos quanto necessários – oferecidos a canais de rádio e TV.

Cada brincadeira, cada pequeno vídeo poderia ser realizado por fazedores de vídeo e cineastas das mais diferentes regiões do país. Os custos incluem produção de conteúdos, feitura e reprodução de DVDs e livretos, remessa a cada escola e veículo de comunicação do país, acompanhamento e avaliação de resultados. Cada um destes custos poderá se transformar, parcial ou integralmente, em parceria com instituições sensíveis e interessadas. Versões em outras línguas – e a liberação de reproduções sem fins comerciais – ampliarão o movimento em direção ao prazer.

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IXMovimentos Relacionados

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Compus este texto a partir de uma solicitação de George Cleber, o Binho, do Centro Cultural A História que Eu Conto, de Vila Aliança, subúrbio do Rio de Janeiro. Talvez aqui repita o que já antes escrevi.

Mistura, desejos e gestos

Há uma criança que vive em mim. Como em outros. Há um lugar na minha memória infantil que poderia ter sido Vila Aliança. Descubro que um quanto de tudo acontece um tanto ao mesmo tempo. Quando lembro A História que Eu Conto surgem lembranças paralelas, de alguma maneira relacionadas àquele espaço e movimento. Como se estivessem repousando na mesma caixa daquele tempo. Pra mim é a vida inesperada como acontece. Parece confuso e é.

Lembranças

Anoto pra não esquecer. Corro o risco de me enganar. Curto minha memória, que hoje vive de livres associações. Minha memória é curta. E filtra um tanto o que porventura me incomode, me angustie. Uma face amiga que não revejo há tempos não é reconhecida claramente pelos meus chips. Os nomes se perdem. Se me comprometo, anoto, agendo no papel, no computador, no celular. Tenho vivido bem assim. O amadurecimento acompanha meu prazer em viver. Paradoxo, a memória afetiva permanece, selecionada nem sei como.

Admiro a inteligência do outro. Pressuponho o leitor – você – como editor, me permito escrever fora de ordem. Certeza mesmo não tenho. Arrisco contar o que me vem. Tudo misturado, nos mesmos tempos. Assim, esta é a história que eu conto.

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Binho já acumulava livros em casa, embrião de biblioteca comunitária. Jê fazia arte, grafite. Samuca, música. Imagino conversas e conversas com um e uma, outra e outro. Oscar, Ana, Bartolomeu, Néti, Luiz Fernando Pinto, Nena, Thamires, Grasiela, Andressa, Thiago, Moisés, Cínthia, Viviane... Vínculos se reforçam, desejos se encontram, mais interessados chegam mais. A turma aumenta. Mulheres, homens, jovens, crianças. Mais gente que minha memória.

Sei que nesta época eu trabalhava para o Sesc Rio, com Gilberto Fugimoto. Um conselheiro, Adriano Londres, encontra-se com Samuca, se interessa, fala com o Dionino Colaneri, então diretor geral. Dionino fala com Gilberto. Gilberto e eu vamos lá. Sugerimos que pesquisem, mapeiem quem tem interesse em contribuir para a melhora de Vila Aliança. E convidem a eles e a nós pr’uma reunião.

Mais de 40 pessoas na hora marcada. Curiosidades e desejos presentes. Uma roda, duas perguntas pra cada um: em relação à Vila Aliança, o que você oferece? O que você procura? Dois minutos pra responder, por favor. Pra facilitar, escreva suas respostas, inclua seu nome, telefone, email.

Cada fala, uma surpresa. Ofertas e procuras cruzam os ares. Um recreio, um lanche, as conversas rolam, aproximações, confianças estimuladas, parcerias aventadas, germinam vínculos. Depois, as ofertas e procuras são digitadas e compartilhadas com quem esteve no encontro e com quem não esteve. Ainda tímida, a rede se espalha. O tal do capital social mostra a cara. A inteligência coletiva fica clara.

Em outros encontros, vêm mais pessoas. Instituições se interessam, chegam. Não sei como foi no detalhe, mas a cada ida a Vila Aliança, novidades. As pessoas se movimentam, se encontram, pensam, propõem, planejam, projetam, buscam e somam recursos, agem,

Em mim como em todos, ou quase, tudo começa em casa. Mamãe professora, eu quarto filho, uma terra com sal, Salinas. O sol das tardes, a feira e os cheiros, feijão, farinha, rapadura. O Vale do Jequitinhonha. Os barros, as botijas, os boizinhos. Requeijão e melado. Boas lembranças, difusas, de uma infância ali. Pra mim não havia pobreza nem riqueza. Os afetos me supriam. Havia os medos. Mas meu mundo era ali, aquele, não mais. E este mundo ficou em mim, mesmo depois que me tornei cidadão de outros mundos.

Estas lembranças facilitam identificações, hoje e talvez sempre, com mundos de algum jeito semelhantes ao meu mundo original. Minha Salinas tem um tanto de Vila Aliança. E o Centro Cultural lembra quem sou.

Sementes

Sabe aquela imagem que você viu no Jornal Nacional da TV Globo? Aquela filmada de dentro de um helicóptero, ratátá-ratátá-ratátá de balas saindo à procura de jovens alvos humanos lá embaixo? Foi lá, em Vila Aliança. Os alvos correm, zigzagueiam, as balas alcançam, os corpos caem, pronto, missão cumprida.

Naquele dia, há muito, Samuel Muniz de Araújo, o Samuca, já tinha saído da prisão. Cumprira pena por sequestro. Condenação de 15 anos. Passam-se sete, reflete, tem conversas com a psicóloga, insights. Resolve redirecionar sua sabedoria. Cuidará de jovens da sua terra.

Uma escola pública, em Vila Aliança, é desativada pela Prefeitura. Samuca sabe – através do Binho – que prédios públicos abandonados podem ser ocupados em benefício da população. Já juntos com Jeferson Cora – o Jê – tomam de baldes, vassouras e limpam a área. Está pronta a semente física do Centro Cultural a História que Eu Conto. O sonho brota.

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do Centro Cultural, num átimo, freou também um carrão potente. E da janela do motorista surgiu uma mão e voz firmes: me dá a câmera! Ingênuo, recusei, fala tranquila: não vou dar meu brinquedo não. A voz, com autoridade, repetiu: me dá esta câmera!

Caiu minha ficha. Abri a porta do carro e quando levantei vi no colo dos dois homens armas pesadas – fuzis, metralhadoras? Entreguei a câmera.

Justo neste intervalo surgiu Samuca e se apresentou calmamente, digno mas respeitoso, aos dois homens. A câmera e a voz voltaram pra mim: vê lá, coroa, o que está filmando!

Agradeci a compreensão. Já dentro do Centro, soube da tensão presente no bairro com uma esperada invasão inimiga.

Livres associações

Adoro livre associação. Quando encontro um amigo que há muito não vejo, proponho logo: cada um de nós faz seu monólogo, o outro só escuta e anota o que deseja falar. Depois dos monólogos, diálogos. Dá certinho. Em 10, 15, 20 minutos no máximo, tomo conhecimento de tudo que me fala, num fluxo ininterrupto, anoto o que associo livremente. Agora minha vez. Aí sou ouvido. As anotações me guiam, minha história se insere na minha fala, conto tudo que desejo, nos saciamos de informações e falas e escutas.

Alegre, descubro que este processo monólogos-diálogos é uma metodologia. De vez em quando ampliamos para monólogos-triágolos, tetrálogos, polígolos quando mais gente estamos juntos. Facilita o fluxo de emoções e, surpresa, facilita a objetividade.

Quanto à objetividade, utilizo também outra metodologia, simples. Quando desejo, só ou com parceiros, realizar algo, proponho,

realizam. A biblioteca se expande, o teatro atua, cursos e oficinas se experimentam.

No dia a dia, imagino, diferentes visões de mundo geraram discussões, conflitos. Mas alguma coisa, não sei exatamente o que, era diferente ali. Talvez a expressão dos afetos e dos desejos. Algo impalpável. Ética? Solidariedade? Delicadeza? Sei que este algo me mobilizava para me deslocar e estar volta e meia lá, com o que estava ao meu alcance.

O Jean Engel Martinez, antes de Gilberto Fugimoto e eu, já atuava junto. Antes ainda, muita gente da região deu as mãos. Depois, outras pessoas se interessaram, colaboraram voluntariamente ou como instituições. Vieram inteiros. Da zona sul, lembro de Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, Alex Vargas, Cláudia Pfeiffer, Caio Silveira, Luciana Phebo, Paulo Magalhães, Márcia dos Anjos, Carolina Pellegrino, Lídia Nobre, Michel Robin, Armênio Graça, Bel Lobo, Vitor Pordeus, Roberto Pontes, Marcos Alvito, Júlio Ludemir, Marcos André,... Menos de 3 anos depois veio o prefeito, assina autorização formal para uso do espaço. Antes, pelo Ministério da Cultura, o Centro é feito Ponto de Cultura.

Primeira vez

Vila Aliança faz, pra mim, juz ao nome. Gosto dos afetos que lá rolam. Gentileza gera gentileza, eu sei. Ali mais me aliei a outros amigos.

Chutando, fui a Vila Aliança umas 20, 30 vezes. Uma hora de viagem, se trânsito bom. Já nas primeiras ruas abaixávamos o vidro do carro, expondo quem dentro. Na primeira vez que fui, tudo novo pra mim, sentei na frente com quem dirigia e liguei minha câmera, direto, num plano sequência quase sem fim. Gravei o que via na frente, virava pro lado, voltava. Quando paramos o carro na porta

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Sinto que a ausência de ética permeia boa parte dos problemas da humanidade. E cada vez mais percebo que a internalização da ética está ligada profundamente à vivência de afetos, especialmente nos primeiros anos de vida. John Lennon tinha razão: all we need is love.

De maneira geral, nossos pais eram neuróticos, tinham seus motivos para ser. Como lembra Frinéa Brandão, a psicoterapeuta, no mínimo, sabendo ou não, sofreram as dores e decorrências das guerras. Hoje, cada vez mais, conhecemos pessoas que agem sem culpa, sem considerar sentimentos alheios. Não há aqui compaixão. Tenho me perguntado se e quando ajo assim. Não quero. Desconfio de mim quando percebo em outros atitudes frias. Só reconheço no outro o que conheço em mim? Em busca de classificação, do que entendi, agir sem culpa é característica de psicopatia. Psicopata age sem culpa. Mente, passa pra trás, rouba, trai, engana e, no extremo, mata. Não vive a alegria dos afetos. Sofre sem consciência, foge do próprio sofrimento? Merece compaixão. Mas psicopatas não devem comandar pessoas, é perigoso para todos. Quando um comandado, pra se manter no emprego, internaliza a ideologia do dirigente, passa a ter também comportamento similar. Psicopatia gera psicopatia?

Ausência de afetos é comum em atitudes desumanas. Quem rouba, quem mata, quem atua numa empresa ou num governo sem considerar o outro vive o frio. Talvez nem consiga falar ao filho o que faz. Se envergonha? Nas veias, parece, não corre alegria. Não sabe porque, dorme mal, tem mau humor, adoece, perde o sentido da vida. Quer mais e mais, em busca do preenchimento do vazio que tem, e não sabe.

Sorte quando encontra o insight, se dá conta...E se aproxima de si mesmo.

como ponto de partida, sintetizar em 1, 2 ou 3 linhas o que nos propomos. Em seguida rabisco um quadro com 5 colunas: tarefas, responsáveis, custos, até que dia, observações. À medida em que conversamos, descobrimos e anotamos as tarefas decorrentes do que nos propomos. Definimos quem se dispõe responsável pela sua realização ou coordenação. Calculamos, limitamos os custos de cada tarefa, se existentes. E o prazo para sua finalização. Na coluna observações anotamos livremente o que consideramos necessário. Ao final, revisamos tudo e reordenamos de acordo com as datas. Funciona.

Consigo participar paralelamente de vários projetos e movimentos. E é interessante porque imprevistos acontecem, um anda mais rápido, outro mais lento. E eu tento me adaptar à realidade e funciono de acordo com o andamento de cada um. Aliás, tem um amigo, o Sérgio Mello, que lembra bem: os planos funcionam. Difícil é o cronograma.

Ética e Afeto Os afetos são berços da ética. A ética nasce do amor. Sinto – Winnicott tem razão: tudo começa em casa. Uma criança cuidada afetuosamente se relaciona com o mundo como aprendeu. Mas, se carrega em si vazios que desconhece, poderá passar a vida tentando suprir estes buracos com objetos, poderes ou lá o que seja.

Eu só posso dar o que tenho. Se carrego vazios, dou vazios. Nestes momentos não posso cuidar do outro, se não consigo cuidar nem de mim. Como me faz bem, desejo que – como eventualmente eu – pessoas que dirigem pessoas reflitam sobre suas reais condições de assumir esta direção. Quando não cuidam de si, muitas vezes têm até boas intenções, são eficientes. Mas não eficazes: pensam estar indo à praia mas dirigem pra dentro do incêndio. E dentro do incêndio só vêem chamas. As saídas, escondidas.

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120 Movimentos Relacionados 121Movimentos Relacionados

todos terão oportunidade de falar, não é um espaço para segredos, só se fala a partir da própria vivência, da própria experiência. A sessão de Terapia Comunitária segue uma sequência. Um ditado popular estimula a participação: quando a boca cala os órgãos falam. Quando a boca cala os órgãos adoecem. Já quando a boca fala, os órgãos saram. Hoje, no Brasil, é uma política pública federal.

Planos

A Cláudia Ribeiro Pfeiffer, da UFRJ, é doutora em planejamento. Já havíamos estado próximos quando do Plano de Desenvolvimento da Cidade de Deus, outra surpresa. Um tempo antes das Olimpíadas Pan-americanas, e já em preparação para elas, empresários em fórum definiram a necessidade de cuidados com a Cidade de Deus. Gilberto Fugimoto, responsável pela Assessoria de Projetos Comunitários do Sesc Rio foi acionado para promover encontros e integração de instituições potencialmente participantes do estímulo ao desenvolvimento da Cidade de Deus, a CDD. Eu fazia dupla com Gilberto. Já havíamos planejado e coordenado ações comunitárias de grande porte em diversos municípios do Estado do Rio. Tínhamos alguma experiência. Definiu-se então a necessidade de um plano para a CDD. Cláudia aceitou coordenar sua feitura. Moradores ativos da CDD foram convidados a participações ativas. Orientados por Cláudia, fizeram in loco levantamentos iniciais, relativos às necessidades expressas pela população. E deram sugestões de soluções. Habitação, Transportes, Educação, Saúde, Cultura, Comunicação, Meio Ambiente, Promoção Social...

Fomos – 40, 50, 60 pessoas? – para uma pousada, o Sesc Nogueira. Lá interagimos. Depois – ou antes? – um fórum local, na CDD, contribuiu para a redação final. Aquele Plano de Desenvolvimento passou a ser uma referência para atuações. Não sei a história toda, e do que sei as lembranças são difusas. Sei que a Caixa Econômica Federal, através e ativada por Paulo Magalhães, financiou a

Movimentos Emocionais

Adoro orelha de livro. Como não tenho que fazer prova, leio de tudo, vou em frente mesmo quando no momento não entendo. Percebo que as questões que vivo estão próximas das que outros, em outros tempos, vivenciaram. Bebo deles. Folheio Freud, Jung, Nise da Silveira, Winnicott, Reich, Laing, Bubber, Platão. Escuto os versos de Lennon, Caetano, Rita Lee, Chico, Gil. Admiro a história de Francisco, o dito santo, a leveza de quem levita. Pé no chão é uma alegria, me acalma. Adoro comédias que me fazem rir de mim, pretencioso como tenho sido. Perco pouco a pouco a vergonha de ser eu.

Michel Robin Rabinowitz, nos conhecemos nos anos 70, aproximados pelo Ralph Viana com sua Rádice e seus simpósios focados em alternativas no espaço psi. Nos reaproximamos há poucos anos, em comum interessados no crescimento próprio e do outro, de outros. Cursamos juntos Terapia Comunitária. Antes promovemos os encontros METS – Movimento Emocional e Transformações Sociais. Uma tentativa de aprendermos o que provoca mudanças de comportamento. No meio do processo, já numa sala vazia do Centro de Deborah Colker cedida pelo João Elias, sem móveis, em roda, cada participante trazia sua experiência e eventualmente algo pro café coletivo. As apresentações eram respostas à pergunta “quem sou?” e não “que faço?”. Até que Maria Tereza Maldonado nos falou do movimento de Adalberto de Paula Barreto. Aprendemos e aplicamos. No Centro Cultural, em Vila Aliança, fizemos algumas vezes. A maioria dos participantes, mulheres.

Terapia Comunitária

Adalberto criou um jeito simples de conversar, que estimula solidariedades imediatas. Em roda, um espaço para cada um falar de problemas do cotidiano, de questões que afligem, trazem insônia, incomodam. Algumas regras: não vale julgar nem dar conselhos,

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122 Movimentos Relacionados 123Movimentos Relacionados

institucionais – só olhar o mundo ao redor – tendem a se enrijecer e recusar movimentos libertários.

No espelho me pergunto o sentido da vida. O que me alegra, me dá sentido são os afetos e os movimentos que geram e reproduzem.

Outras Redes

Gilberto Fugimoto é um amigo. Tem a qualidade da escuta ativa, integra pessoas. Eu vi, vivi. Eu me convidei para trabalhar junto, ele acolheu. Juntos fotografamos realidades, refletimos, conversamos e conversamos, planejamos, atuamos.

Conto esta história com o que meu coração se recorda. Meu coração, parte de mim, corre o risco do engano. Arrisco. Cheguei ao Sesc Rio em outubro de 2.000. Em plena ebulição, a instituição passava de cerca de 3.000 funcionários para pouco mais de 1.000. Insegurança em tudo quanto é lugar, reforçada pela ausência ou fragilidade de relações de afeto entre direção e comandados.

Vânia Faria, mãe de meu filho Pedro, me deu a dica quando viu um tijolinho no jornal anunciando procura por profissional experiente em assistência de produção. Mandei currículo, fiz entrevistas, 7 meses de atenção. Soube depois mais de 400 candidatos para 3 vagas, fui selecionado. Coordenador Técnico do Sesc Ramos, próximo ao Complexo do Alemão. Entrei de cabeça, corpo e alma. Entre tentativas, erros, acertos, antes de tudo, procurei olhar com os olhares de pessoas com quem ali me relacionei diretamente. Nesta busca de compreensão, tentei estabelecer relações de confiança mútua, vincular-me. Eterna, terna experimentação. Naquela época eu não sabia, hoje sei, meu grande capital são os afetos.

Sempre – ou quase? – em parceria com cada novo colega, atuei. Pra eliminar burocracias, acompanhei, passo a passo, andamentos

construção de moradias para 618 famílias em favela periférica integrante da CDD. Nesta favela, muitos dos moradores não tinham nem certidão de nascimento. Não-pessoas. Não-cidadãos. Era um pântano, onde corriam histórias de jacarés que comiam pessoas condenadas por infringir regras locais. A prefeitura, dona do terreno, demorou meses – anos, acho – para liberar o terreno onde estava a favela para que a CEF providenciasse a construção das moradias. Outros resultados benéficos estão relacionados a este movimento de cidadania que o Plano de Desenvolvimento representa.

Lembro que a CDD é coirmã da Vila Aliança, da Vila Kennedy. Os moradores iniciais de todas elas, na década de 60 do século XX, são originários de favelas da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Entre outras, uma reclamação constante é das novas localidades não terem infraestrutura para receber os novos moradores – faltavam, inda faltam, escolas, hospitais, serviços básicos. E, grave, remoções efetuadas à revelia dos desejos de removidos.

Sei que os recursos têm seus limites. E as prioridades definem suas aplicações. Não estando dentro do processo, difícil saber quais variáveis influem nas decisões. Sei que, se aqui em casa já é complicado eu me limitar às minhas fontes de recursos, imagino em órgãos públicos... Parabéns pra quem bem administra corretamente recursos públicos: acredito que só pessoas ética, técnica e afetuosamente capazes têm possibilidades de administrar bem o que é do público.

Nem tudo é economia. A cultura de Vila Aliança inclui solidariedade entre outros afetos básicos. Cultivos de quem vivenciou junto situações cômodas e incômodas. Sinto, o Centro Cultural marca bem quem dele participa e frequenta. Eu pessoalmente o admiro enquanto movimento. Confesso minha insegurança quando se consolida como instituição. Vejo o movimento como livre, inesperado, onde cada um faz o que está ao seu alcance. Já regras

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papel e cada um levava pra casa as informações. Logo ao final de cada reunião, um café. E cada um procurava quem desejava, com a intenção de saber mais... e fazer parcerias. Fora da reunião outros contatos e parcerias se faziam e as redes se expandiam.

Outras unidades do Sesc Rio adotaram espontaneamente a metodologia – Tijuca, Madureira, São Gonçalo, São João de Meriti, Engenho de Dentro, Santa Luzia, Nova Iguaçu, Niterói, Teresópolis, Petrópolis, Barra Mansa, Três Rios, Friburgo... Hoje já não sei quem mais utiliza ou adaptou este jeito de incrementar parcerias. Lembro da Rede Comunitária de Cultura de Minas Gerais, da Rede Brasileira de Artistas de Rua. E de algo em Cuiabá, em Passo Fundo, talvez no Plataforma de Centros Urbanos, projeto do UNICEF...

Livre Pensar

O Centro Cultural a História que Eu Conto, pra mim, foi também um espaço para a prática esporádica do que venho aprendendo na vida. Meu grande capital é o afetivo, as relações que construí e construo. E mais: no dia a dia, tem me facilitado a vida separar o que é meu do que é do outro, especialmente as loucuras.

Por outro lado, sinto, os objetos é que me têm. Não eu que tenho os objetos. Objeto dá trabalho. Um carro, ipva, manutenção, tempo para cuidar, gastos. E um sítio, uma segunda casa? E bibelôs? E os livros empoeirando nas prateleiras? E o carrinho de bebê que o meu filho já não usa mais? E aquelas roupas há tanto tempo quase mofando no armário?

Cacilda Becker, em depoimento no MIS – Museu da Imagem e do Som: não tenho mais tempo pra lutar contra, só luto a favor. Já esta talvez tenha sido fala de Tom Jobim: democracia é muito bom, pratico lá em casa todo dia.

de papéis. Refleti, planejei, cortei fluxos, reorganizei, criei método, contribui diretamente para, em pouco tempo, com os mesmos recursos, quadruplicar a programação. 150 pessoas, em média – quase sempre as mesmas – frequentavam diariamente o prédio. De novo, reflexão, conversas e conversas, planejamento, ação. Filipetas-convites de porta em porta, distribuídas por jovens moradores da região. Carro de som, faixas, livretos com programação, estímulo ao boca-a-boca... Ao mesmo tempo, escuta dos moradores, readaptação da programação. A partir do trabalho em conjunto com os colegas, rapidinho, 1.000, 1.200 pessoas diariamente. No processo, errei, erramos repetidamente ao oferecer ao público o que gostávamos, sem com ele conversar, sem saber nem respeitar seus próprios desejos. Depois, às vezes, queriam açúcar, não conheciam o mel. Se apresentado, experimentaram mel.

Lídia Nobre, assistente social, construiu relações afetivo-profissionais com o pessoal do Alemão. Juntos coordenamos um fórum: Transformações Sociais – O que dá certo? 300 interessados na plateia, uma mesa com representantes de outras instituições, responsáveis por projetos grandes que deram certo. 30 minutos, evasão, já somente 50, 60 pessoas como público. Intuitivamente, levo o microfone e pergunto a um dos espectadores: o que você veio procurar aqui? Gritaria, outros querem falar, uma fila se forma em busca de serem escutados. Eu oriento: 2 minutos para cada um, olha a fila. Pense, diga seu nome e responda rápido: o que você veio procurar? O que você veio oferecer?

Sucesso. Pronto, nasceu a metodologia das redes comunitárias. Reuniões mensais, em roda, dependendo da quantidade de presentes, alguns minutos – ou só 1 ou 2 – para cada pessoa falar do que oferecia, do que procurava. Depois, ou antes, escrevia num papel seu nome, instituição se houvesse, telefone, email... e ofertas e procuras. Após a reunião, digitávamos estas informações e as distribuíamos por email. No encontro seguinte já as tínhamos reproduzidas em

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Flash back. Retrato rápido. Eu tinha pensado, escrito. Os jornais pendurados nas bancas exibem quase sempre as mesmas notícias, escritas de forma um pouco diferentes. As fontes de informações, parece, são as mesmas. Umas poucas agências de notícias. Agências O Globo, Folha de São Paulo...

Uma jovem conhecida, na primeira década do milênio, registrou que manchetes de grandes jornais de 27 cidades europeias exibiam, no mesmo dia, fotos semelhantes sobre a mesma matéria. Também lá as mesmas poucas agências. Reuters, UPI, France Presse...

Bom problema. Como podemos contribuir para chegar à população informações diversificadas e com qualidade de conteúdo?

De outro lado, observa-se: há conteúdos de qualidade ainda invisíveis para a maioria da população. Há veículos potencialmente interessados em difundir estas informações. Há públicos potencialmente interessados nestes conteúdos. Há instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras de agências de informações de interesse das populações. Há pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas informações.

A ideia é simples. Uma agência, inicialmente com informações atemporais. Uma pessoa, computador, telefone, scanner, fax, internet, softwares que facilitem acesso a veículos de comunicação. Um espaço, que pode ser residência. Esta pessoa: contata e articula produtores de informações atemporais. Constrói um baú virtual de textos disponibilizáveis. Contata e articula editores e colunistas de veículos de comunicação em todo o país. Oferece os textos do baú. Esta pessoa: ao aprender, fazendo, testa, reinventa e reconstrói uma metodologia singela que possa ser compartilhada com instituições e pessoas ativas, interessadas em montar suas próprias agências para fomentar a difusão – através de veículos de comunicação já existentes – de informações específicas atemporais.

Sei que só posso dar o que tenho. E compartilhar sentimentos, conhecimentos e objetos têm me trazido sentimentos, conhecimentos e reconhecimentos. Objetos, almejo ter só os essenciais.

Gilberto e eu criamos o Livre Pensar Social – LPS, encontros voltados para reflexões e fomento de políticas públicas. Articuladores, apoiadores e realizadores de projetos comunitários – sem compromisso conclusivo ou deliberativo – compartilham ideias, informações e reflexões focadas em desenvolvimento humano e social.

Sua dinâmica contempla breves falas de um ou dois convidados – sobre temas de sua especialidade – cabendo aos demais um espaço democrático de participação, diálogo, debate.

Para facilitar intercâmbios, o número de participantes é limitado e a metodologia inclui equalização das instituições presentes, cadeiras em roda e curtos tempos de falas focadas no compartilhamento de informações entre os presentes.

Na prática, além das possibilidades de absorção de novos conhecimentos e ampliações de visões, estes encontros fortalecem vínculos entre representantes das instituições participantes – e facilitam micro e macro parcerias. Algumas pessoas do Centro Cultural participaram destes encontros. E algumas pessoas que participaram destes encontros contribuíram para o movimento do Centro Cultural.

Agências de inFormações

Queremos ser referência pro mundo. Não sei se dito assim, ouvi assim de Jeferson, Samuca ou Binho, não sei. Sei que, junto com Oscar Pereira, semearam, dentro do Centro Cultural, uma agência audiovisual de informações.

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O terceiro setor – organizações de interesse público sem fins lucrativos, formais ou informais – e um quarto setor – indivíduos, pessoas físicas – podem assim compartilhar suas visões de mundo.

Breque. Apoiados por Carolina Pellegrino e Andrea Medrado, George de Araújo comprou a ideia e fizemos movimento. Produzimos juntos uma dezena de encontros que chamamos de Comunicação Comunitária Interativa. Uma intenção inicial foi estimular a experimentação de Agências de inFormações independentes. Sucesso: gente das rádios, TVs, jornais comunitários trocou conhecimentos e práticas entre si e com instituições presentes e interessadas em também chegar onde veículos normais não costumam chegar.

A realização de uma Agência de inFormações independente é trabalhosa, mas simples. O básico: uma pessoa interessada, com senso ético internalizado e capacidade de aprender o fazimento: colher informações – eventualmente editá-las, formatá-las – e articular sua veiculação. E um espaço, uma mesa, cadeira, um computador, um telefone com fax, um scanner. Além disto, o ideal, uma listagem de grande parte dos veículos existentes no país – jornais, rádios, TVs, revistas... Por exemplo, conjuntos de informações que incluem endereços virtuais são comercializados por empresas de comunicação especializadas. Uma destas empresas, a confirmar: Meio & Mensagem. Outra, Comunique-se.

Merecem também ser relacionadas, além dos veículos informais, as rádios e TVs comunitárias. E jornais e revistas produzidos e voltados para suas comunidades.

No campo virtual, outro mundo de comunicações. Aqui, quando a inFormação disponibilizada toca quem a recebe, são incontáveis as possibilidades de reprodução e espalhamento. Depende

Na prática, são contribuições para pautas de veículos de comunicação. Pensamos uma rede de comunicação popular, interativa, com agências de inFormações independentes. Pressupomos que a essência seja o conteúdo. E que, assim como redes, movimentos são estimulados por iniciativas individuais e coletivas. Cada um – do seu jeito, com os recursos próprios de que dispõe – contribui com o que está ao seu alcance. Movimenta.

É mais fácil compreendermos processos de transformações, individuais e coletivas, quando reconhecemos e consideramos o que vai pelo inconsciente, nosso e do outro.

Por outro lado, a construção de relações de confiança facilita comunicações mais profundas. Assim, antes de entrar propriamente nos conteúdos, é necessário cuidar de si e do outro, estabelecer aproximações. Como no namoro: há o olhar, a empatia, a delicadeza na aproximação, as identificações comuns, os sinais, o pegar na mão, a construção e aprofundamento da relação. As inFormações profundas somente chegam ao seu destino quanto o destinatário está receptivo, confiante. Comunicar é uma arte.

Conteúdos diferenciados – que intencionam contribuir para qualidade na vida de cada um e de todos – podem ser oferecidos a veículos de comunicação de todo o país.

Existem fontes – individuais, institucionais, comunitárias, ongs, oscips... Existem veículos potencialmente interessados – jornais, revistas, rádios, TVs. E os virtuais, inventados ou por inventar – sites, blogs, orkuts, twitters, facebooks... As fontes não têm normalmente conexão com os veículos. Agências de inFormações podem ter esta função: colher conteúdos de qualidade e disponibilizá-los para veículos que os ofereçam aos públicos.

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os quaes se dão por 1.ooo$, para repartir por uns herdeiros. Na rua S. José n. 35.

Todo o mundo quer: aqui, ali, acolá, conteúdos de qualidade, quando emocionalmente entendidos, tendem a encontrar pessoas e instituições pró-ativas que utilizam e reproduzem conhecimentos adquiridos. Assim, em leve prazo, se sucesso aqui, também sucesso entre outras pessoas, outros povos de outros países com outras línguas, que tenham em comum a mesma humanidade.

O Outro Lado

Uma vez, em Vila Aliança, impressionantes os helicópteros blindados sobrevoando a comunidade, enquanto embaixo viaturas da polícia e homens a pé buscavam seus alvos. Doze carros da imprensa acompanhavam a invasão. Em relação àquela imprensa, o morador mais próximo sussurra: lá vão os urubus. É que se deslocavam pra onde havia sangue, mortos, violência.

Neste dia, ao mesmo tempo – criada e organizada por moradores locais – acontecia nossa reunião de planejamento de um fórum de Desenvolvimento Local de Vila Aliança e, conforme os locais dos confrontos mudavam, mudávamos de sala. Isto no Centro Cultural.

Não sou de heroísmos, nem intenciono. Mas ali, sem que fosse nosso desejo, corríamos risco de ferimento, talvez de morte. Não tínhamos saída naquele momento.

Em Vila Aliança, como em qualquer lugar em que há gente, há movimentos voltados pro bem de todos. Naqueles dias, não vi nos veículos de comunicação que diariamente acesso nenhuma notícia sobre o que ali, paralelamente, aconteceu de bom.

basicamente da iniciativa de cada um. Inclusive o boca-a-boca que amplia e constrói redes. Um leva a outros que leva a muitos.

Chamo inFormação à informação ética como meio e como mensagem. Todo este trabalho só faz sentido se os conteúdos das inFormações a serem oferecidas contribuírem para o bem estar individual e coletivo. Para não ter dúvidas sobre a qualidade, me pergunto: é esta inFormação que desejo oferecer aos meus filhos, aos meus pais, aos amigos, aos que não conheço? Estimula reflexões?

InFormações atemporais tendem a permanecer. Foram úteis ontem, podem ser úteis hoje e amanhã. A construção de um mundo melhor comporta variedade de temas e públicos. Textos provocadores de insights, fomentadores de ética, questionadores de comportamento... incluem descrições de brincadeiras passo-a-passo, notícias que gerem esboços de sorrisos, agradáveis de saber... Escritas por quem vivencia, sabe em si. E destinadas a quem deseja.

Abrem-se fronteiras de imaginação e lembranças. No início da segunda metade do século vinte, um jornal de circulação nacional – Jornal do Commercio? – oferecia a jornais do interior matérias atemporais em cadernos-tipo-cultura, com espaços para inserções publicitárias locais. Qualidade de inFormações para públicos virgens. Interferiu beneficamente na vida de muitos, na minha inclusive.

Epa! Como a vida dá voltas.Muito antes, numa quinta-feira, 22 de dezembro de 1836, o mesmo Jornal do Commercio:

Vende-se um casal de escravos, sendo a preta gravida de 8 meses, que entendem de todas as plantações do paiz; e huma preta boa quintadeira e lavadeira,

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Assisti encontros de mães de família, avós. Encontros de trabalhadores em seus anseios e contribuições pro cotidiano ir além do trabalho e da sobrevivência. Vi resiliência germinando, aquilo de dar voltas por cima, transformações pessoais com os próprios recursos. Vi instituições externas se aproximarem, criarem vínculos, interagirem, cumprindo suas missões. Vi crianças e jovens em atividade. Tantas emoções, as cômodas, as incômodas, transformadoras.

O Centro Cultural é um mundo. Nascido e mantido pelos desejos e gestos de cada um que o frequenta e colabora. O que lá vivi me diz que o Centro Cultural a História que Eu Conto é uma ideia, um espaço e um processo de evolução. Composto por gente, passível de erros e acertos. Sorte minha ter estado ali neste tempo, nesta companhia.

Gravei em vídeo um tanto de alguns encontros em Vila Aliança. Estão no www.videolog.tv/luizfernandosarmento ou através do www.luizsarmento.blogspot.com.br

Divagações

Se a vida é um palco onde várias cenas acontecem, independentes do tempo, se foco no amor, percebo: amor, compaixão, alegria andam de braços dados. Se foco agora na economia, percebo que a economia está ligada às faltas e suprimentos. À tal da oferta e procura. Cá comigo, penso: procuras são geradas por faltas. Faltas estão ligadas a vazios. Vazios são ausências, talvez de amor. O amor é que define se há ética? Se não está presente o amor – se há ausência de ética – quem dirige a economia? Olho no espelho: não é a economia, estúpido! É o amor, meu bem.

Quando volto pro meu umbigo, reflito. Fico bobo. Às vezes tudo perde o sentido se me afasto de mim e me vejo de longe, um pingo no pingo que é a Terra no tudo.

Também se, além do espaço, considero o tempo em que vivo como um nada, quando há ausência de tempo. Só resta o silêncio?

Há, porém, a sensação de pulso, ao mesmo tempo sou nada, me expando, sou tudo, puro movimento, contração e expansão, pulsação. Fico mais bobo. Parece que a vida é assim, do jeito que escolho, no que está ao meu alcance. Vila Aliança é uma oportunidade?

Alianças

Em Vila Aliança lembrei minha infância, especialmente pela solidariedade a que assisti. Vi práticas de redes onde cada um falou do que estava ao seu alcance em relação à comunidade. Muitas ofertas, muitas procuras. Vi rodas de conversas como livre pensar. Outras focadas em formação de universidades populares, agências de inFormações, desenvolvimento pessoal e comunitário, em teatro, música, dança, bibliotecas de uso comum, arquitetura, artes, cultura, terapia, estética, ética.

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XRedes Humanitárias Comunitárias

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Fruto de ideias e informações internalizadas, tentei, em 2005, sistematizar o que vislumbro como Redes. Como tudo, ou quase, um risco. A metodologia descrita tem se transformado em função das realidades. O que desejo são os resultados humanitários.

Redes Humanitárias Comunitárias

Interesses comuns fazem com que um se comunique com outro que se comunica com outro que se comunica com todos que se comunicam com cada um e todos. Cada um agora tem acesso a outro e a todos.

É a rede. É instrumento, é meio, é base para relacionamentos. Facilita comunicações, acessos a informações. Pressupõe autonomia, não hierarquia. A iniciativa é individual. O compartilhamento é coletivo. A interação é decorrência.

Seus conteúdos indicam seus efeitos. Como na natureza, a semente indica a árvore, o fruto.

Redes de Redes

Quando um que faz parte de uma rede se comunica com outro que faz parte de outra rede, dá partida para um sistema de redes. Rede + rede não é soma, é multiplicação de possibilidades de intercomunicações.

Síntese

O conteúdo da rede é sua essência. A essência da rede é seu conteúdo.

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Horizontes

As Redes Comunitárias são aqui instrumentos para o desenvolvimento humano integral – emocional, físico, econômico – de cada um e de todos, especialmente os hoje excluídos, inclusive os excluídos emocional e economicamente.

Para isto, aqui e atualmente, Redes Comunitárias procuram facilitar conhecimentos mútuos, trocas de informações, parcerias e soluções.

Espaços

Como outras redes, as Comunitárias são dinâmicas: agora diferentes de antes e depois. Variam virtual e fisicamente. Alguns encontros presenciais facilitam a sua formação. Primam pela objetividade, propiciam parcerias e realizações.

Hoje, há também espaços para reflexões não conclusivas: os Livre Pensar Social, os Movimentos Emocionais e Transformações Sociais. Em todos, estímulos à criação e fortalecimento de vínculos.

Chega Mais

Suavidade. Singeleza. O diferencial está no acolhimento. E, naturalmente, quem cuida de si mesmo poderá ter melhores condições de cuidar de outros. Só dá quem tem. Só dá de si se tem em si.

Acolher aqui significa facilitar, em cada ato, em cada passo, a inclusão, o compartilhamento de informações e ações. Criar oportunidades para que cada um e todos se expressem, respeitados os limites, especialmente dos focos e dos tempos. Ética como princípio.

Desejos

Vejo o que nunca vi, desejo o novo. Necessidades – físicas, afetivas, financeiras e mais – são volta e meia despertadas. Especialmente se o desejante sente falta e não sabe de que, de quem. Tende então a substituir o que deseja – mas não sabe – por objetos que por um tempo poderão suprir o vazio.

O que não sabe – mas provoca em si desejos substitutivos atuais – pode, como exemplos, estar relacionado, lá atrás, com um parto difícil, um desmame precoce, ausências de afeto, falta de comida e recursos... Ou com sofrimentos de violências físicas e emocionais, antigas ou recentes. Desejos substitutivos não excluem puros desejos.

Desejos não supridos ampliam vazios. Muitos dos desejos não permanecem, desaparecem quando o desejante está emocionalmente suprido. E consciente. Sócrates, parece, tinha razão: conhece-te a ti mesmo.

Mercado Social

Na feira – no teatro, restaurante, livraria, banco, hospital... – uns oferecem, outros procuram. Ali se encontram e interagem, se satisfazem. Neste momento agora, em algum lugar, alguém, alguéns devem estar à procura de pessoas com características semelhantes às nossas, à procura de afetos, objetos e serviços que dispomos. Não sabem que existimos, não sabemos quem são.

Em comunidades mais pobres, populações inteiras desejam se suprir de necessidades básicas – comida, casa, condução, luz, esgoto, trabalho, conhecimentos, insights, afetos > cultura...

Umas se suprem de um tudo ou de um tanto, trabalham, se alimentam, divertem-se, se desenvolvem econômica e

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emocionalmente. Outras, quase nada, falta um quase tudo. Querem trabalho, não têm. Têm fome, também. Mínguam. Sofrem violência, implodem, explodem.

Uns não sabem dos outros. Ou sabem, mas não conhecem como chegar perto, se relacionar, interagir. Alguns nem entre si se conhecem.

Os que têm se sentem ameaçados, se protegem, se fecham, atacam. Ou não: quando se encontram, juntos criam soluções, compartilham. Comunidades, pessoas e instituições oferecem recursos que dispõem – os mais diversos, financeiros ou não – a outras que procuram.

Encontros

As Redes Comunitárias se formam, se ampliam nos encontros. Como instrumento, o principal objetivo das redes é o desenvolvimento integral do indivíduo e da coletividade. Em integral leia-se emocional, econômico, cultural e mais.

Os modos como os encontros se dão, já, em si, adotam práticas de inclusão, simplicidade, eficiência, eficácia, efetividade. A metodologia é dinâmica, comporta criatividade e adaptações às realidades locais.

Cada encontro contribui para o processo de organização e emancipação social. Um cuida do pensar livremente o social, sem intenções conclusivas. Abre janelas e ao mesmo tempo propicia vínculos entre os presentes, representantes de si e de instituições. Outro se foca no desenvolvimento emocional como base para o desenvolvimento humano, comunitário, social. Outros facilitam integrações e práticas de parcerias.

As redes formadas em cada encontro se inter-relacionam. Ampliam-se como redes de redes. E se multiplicam quando interligadas a outras redes internas e externas aos territórios ou temas originais – como as instituições que as promovem, ao bairro-comunidade, à cidade, país, continente, mundo. Incontroláveis, incomensuráveis. Parece brincadeira e não deixa de ser.

Livre Pensar Social

Articuladores, apoiadores e realizadores de projetos comunitários – sem compromisso conclusivo ou deliberativo – compartilham ideias, informações e reflexões focadas em desenvolvimento humano e social.

Sua dinâmica contempla breves falas de um ou dois convidados – sobre temas de sua especialidade – cabendo aos demais um espaço democrático de participação, diálogo, debate.

Para facilitar intercâmbios, o número de participantes é limitado e a metodologia inclui equalização das instituições presentes, cadeiras em roda e curtos tempos de falas focadas no compartilhamento de reflexões e informações entre os presentes.

Na prática, além das possibilidades de absorção de novos conhecimentos e ampliações de visões, estes encontros fortalecem vínculos entre representantes das instituições participantes – e facilitam micro e macro parcerias.

METS

Movimento Emocional e Transformação Social: este encontro procura congregar profissionais – que consideram desenvolvimento emocional como base para desenvolvimento humano e social – e representantes de instituições públicas,

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privadas e do 3º setor que atuam direta ou indiretamente junto a populações excluídas ou que simplesmente se interessam pelo tema ou poderão se interessar por intervenções similares.

Também aqui, é limitado o número de participantes e a metodologia é semelhante à do Livre Pensar Social. É um encontro não conclusivo, interativo, reflexivo, onde todos e cada um têm tempo e espaço para compartilhar sentimentos, ideias e informações. O foco tende para o que é anterior à ação. São estimuladas apresentações tipo quem sou ao invés do que faço. Os vínculos tendem a ser humanizados.

Encontros Comunitários

Aqui nascem redes. São mini-fóruns, encontros períódicos – mensais, semanais... – voltados para a facilitação e realização prática de parcerias entre realizadores de projetos sociais, representantes de comunidades, instituições privadas, públicas e do terceiro setor.

Um a um, cada participante se apresenta e fala do que veio procurar e do que veio oferecer. Todos têm oportunidade de falar. E, quando cada um sabe quem é quem, o espaço se abre para o aprofundamento de relações e formação de parcerias.

Assim as Redes Comunitárias têm se expandido.

Lembretes

A rede é um instrumento.O objetivo da rede é simples: tornar melhor a vida das pessoas. A base da rede é simples: cada um fala do que oferece e do que procura.O que vem escrito a seguir, se útil, deverá ser adaptado a cada realidade.

Se funcionar melhor de outro jeito, melhor utilizar o outro jeito.Vale o bom senso.

Encontros Comunitários: Metodologia

Em função do número de presentes, nestes encontros, cada um, no máximo em um ou dois minutos, se apresenta e fala do que procura, do que oferece.

O ideal é que este tempo de fala seja inicialmente definido em função do número de pessoas presentes e do tempo total em que estarão reunidos. Por exemplo: se 30 pessoas presentes, se 90 minutos é o tempo previsto de duração do encontro, teremos uma média de 2 minutos por pessoa se considerarmos a reserva de 30 minutos para conversas livres, após as falas individuais.

Depois de todos se apresentarem, conversas individuais aprofundam reconhecimentos, na busca de concretização de parcerias. Tem dado certo.

Todos têm a oferecer. Seja o espaço, seja a facilitação de acesso à comunidade. Ou o contato com públicos locais ou os conhecimentos e energia do lider informal. Ou ainda o trabalho voluntário, eventualmente recursos, experiência, know-how, vagas – remuneradas ou não – para estágios ou serviços... Ao mesmo tempo, todos procuram parceiros.

Como um mini-fórum, um exercício da democratização de oportunidades, de qualificação e equalização dos participantes. Cada um, aqui, tem algo a oferecer ou procura por algo. Nestes momentos, somos iguais.

E são muitos e os mais diversos os atores sociais que participam das Redes. Pessoas comuns, facilitadores, empreendedores

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comunitários, representantes de instituições informais e formais – públicas, privadas e do terceiro setor.

Metodologia, detalhes

Para facilitar intercomunicações e realizações, são elaboradas e disponibilizadas Listas de Participantes, com contatos-telefones e/ou e-mails – de todos que participaram até o encontro anterior.

E, complementando informações, são distribuídos, veiculados os Classificados Sociais, onde os participantes descrevem sinteticamente o que procuram, o que oferecem e relatam parcerias realizadas.

Começa na hora marcada. Com quem esteja presente, em respeito aos que já chegaram. Na sala, cadeiras em roda. Na medida em que novos chegam, os participantes iniciais cedem espaços, se ajeitam para acolhê-los. É estimulado o clima de chega mais! A roda aumenta.

De início, informa-se o que vai acontecer, a duração prevista, a hora de terminar. E o método: cada participante terá um tempo – 1 minuto, 2 minutos – para falar seu nome-telefone-contato, se representa a si mesmo ou a um grupo-instituição-comunidade, o que veio oferecer, o que veio procurar. E, fechando esta fase de mútuas apresentações, se couber, brincadeira interativa, jogo cooperativo.

Jogo cooperativo, exemplo

Do que entendo, jogos cooperativos são aqueles em que todos ganham. Não há perdedores, é ganha-ganha, todos são vencedores. Lembra a brincadeira das cadeiras? Uma quantidade de jogadores, uma cadeira a menos. Toca uma música, os participantes caminham ao redor das cadeiras vazias. De súbito a música para. É o sinal para

cada um procurar uma cadeira, se sentar. Sobra uma pessoa, que fica agora fora da brincadeira. O processo se repete. O chamado vencedor é aquele que se senta na última cadeira, na última rodada.

Quando jogo cooperativo, as regras mudam. Mesma quantidade de jogadores, uma cadeira a menos. Quando a música para, cada um coopera para que caibam todos nas cadeiras disponíveis. Nova rodada, menos outra cadeira. Menos cadeiras pro mesmo número de participantes. Na última rodada, só uma cadeira para todos se sentarem ao mesmo tempo.

Jogo cooperativo, outro exemplo

Tipo: uma – imaginária ou real – bola de soprar para cada um. Todos são convidados a se levantar, a caminhar livremente no espaço do encontro, sempre levando consigo sua bola-que-representa-seu-projeto comunitário.

Sugere-se que cada um procure – por exemplo – alguém com sapatos claros. Encontrou? Encoste seu pé no dele, dela. Encostou, parou, pés colados.

Agora – permaneça colado – veja ao redor quem tem camisa-blusa mais clara. Coloque a mão esquerda no ombro desta pessoa. Sempre cuidando de seu projeto, representado pela sua bola.

Ainda sem sair do lugar, a mão direita no ombro de quem esteja, por exemplo, com saia ou calça comprida escura ou – invente, experimente – no ombro de quem assovie o mais bonito. Neste caso, é sugerido antes que cada um capriche um assovio.

Situação de empatia armada, o aviso. Olhos fechados, contamos até três, no três é jogar a bola-projeto para cima. E cada um e todos tentaremos mantê-los no alto. Um... dois... três.

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E, fala de fechamento: as bolas que estourarem são os projetos que dão certo. Plum-plá-plact-zum... integração.

Metodologia, mais detalhes

Encontro de redes comunitárias, segunda fase: agora, ao lado, mesa com frutas-suco-refresco-biscoito-café-água – quanto mais saudável o lanche, melhor. Cada um troca ideias-informações com quem tenha interesse comum.

Apresentações feitas, informações trocadas, encontros marcados, parceiras articuladas, boca-a-boca a rede se amplia.

Animação de Rede

A primeira fase de um encontro comunitário é a de apresentação de cada um a todos. Uma segunda fase, ao redor da mesa com alimentos, é a possibilidade de conversas individuais livres: cada um procura aquele ou aqueles por quem se interessou e, aí, aprofunda a troca de informações e recursos, articula parcerias.

Cada encontro comunitário pressupõe a existência de um facilitador.

Algumas ações são reais e simbólicas:

começar na hora significa respeitar os que já chegaram.

Formar uma roda do tamanho dos que chegaram significa que todo novo chegante poderá ser acolhido como quem nos visita em casa: puxa uma cadeira, se inclui.

Alimentos saudáveis no lanche significam cuidar da vida.

Também aqui, o meio é a mensagem.

Distribuição de Listas de Participantes e Classificados Sociais significa compartilhamento de informações básicas e fortalecimento de possibilidades de intercomunicações e, em decorrência, parcerias e realizações.

Distribuição de textos simples que geram reflexões – eventualmente insights – amplia visões de mundo, possibilita transformações de comportamentos.

Enviar convites – virtuais e físicos – com antecedência de 30 dias significa: agende-se. De novo, com antecedência de 7 dias, um reforço: desejamos mesmo sua presença.

Telefonar na semana anterior ao encontro para aqueles que não dispõem de internet significa incluir os que não têm internet.

Algumas informações logo no início:

cada participante, logo na entrada, pode preencher uma identificação – nome pessoal, instituição que representa. Durante o encontro expõe no corpo este adesivo ou crachá. Facilita encontros.

A cada um é entregue lista atualizada com informações – instituição, contato, telefone e e-mail – relativa a todos que participaram de encontros realizados anteriormente. E datas-horários-locais previstos para próximos encontros. Também atualizados e distribuidos os Classificados Sociais, impressos que reproduzem informações relativas ao que é oferecido e procurado por cada pessoa e/ou instituição,

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148 Redes Humanitárias Comunitárias 149Redes Humanitárias Comunitárias

além de parcerias já realizadas ou em andamento.

Outras informações poderão ser oferecidas por cada participante: cartões, folhetos, revistas, informativos.

Na primeira fase cada um terá um tempo – 1, 2, 3, mais minutos? – para se expressar. Neste momento deverá manter o foco do encontro – informar nome, instituição que representa e, objetivamente, o que veio procurar, o que veio oferecer.

Eventualmente uma ampulheta, manobrada pela pessoa que fala – ou pelo companheiro ou companheira ao lado – lembra a ele ou ela do limite de tempo. Ou esta lembrança é estimulada por uma bola grande, colorida, que passa de mão em mão e permanece com quem fala durante sua fala. Pronto. Bola para frente.

O facilitador tem aqui a função de, afetiva e efetivamente, orientar, cuidar do respeito aos tempos e aos focos.

Aqui cabem todos, independente de título, sexo, raça, cor, tamanho, crenças, credos. Assim não cabem aqui falas religiosas, partidárias, sectárias.

Solicita-se: só ofereça o que tem condições de oferecer e cumprir. Só procure o que necessita.

Se muitos os participantes do encontro, somente um fala por cada instituição. Se excessivo o número de participantes, bom problema. Merece criatividade em soluções.

Cada um – se deseja divulgar suas informações – deve preencher um formulário com nome, instituição, telefone, e-mail, endereço.

E, sinteticamente, mais o que procura, o que oferece, as parcerias já realizadas ou em andamento. De preferência em letra de forma, facilmente legível.

Estes dados comporão uma Lista de Participantes e os Classificados Sociais – que serão multiplicados e distribuídos, em papel ou por internet, para todos os participantes do próximo encontro e para quem mais o desejar. O objetivo é facilitar intercomunicações e parceria.

Simplificando

Importante mesmo é que os resultados benéficos aconteçam. Por isso cada um deve encontrar seu jeito de realizar encontros.

Futuro, logologo

Os objetivos – desenvolvimento integral individual e coletivo > aliados à metodologia simples, afetiva, eficiente, inclusiva, interativa – estimulam iniciativas de expansão das Redes Comunitárias.

Somos muitos – pessoas, instituições informais e formais – tanto os que desejam se suprir quanto os que desejam contribuir com suprimentos.

Na medida em que nos encontremos, tomemos conhecimento de desejos mútuos, nos conheçamos e criemos relações de confiança, aumentam as possibilidades de realizarmos complementações e parcerias.

Além de braços operacionais públicos, instituições financeiras fortes e empresas privadas com visão social têm tido dificuldade em identificar e acessar comunidades

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150 Redes Humanitárias Comunitárias

menos favorecidas e instituições formais ou informais potencialmente usufruidoras do que oferecem.

Metodologias tradicionais – uns poucos falam, muitos escutam – podem não cumprir satisfatoriamente suas intenções de integrar participantes, gerar intercomunicações, interações, realizações. Naturalmente instituições vivas tenderão a adotar metodologias que supram seus objetivos.

Por outro lado, encontros em rede com metodologias e objetivos similares à metodologia aqui descrita têm se expandido.

Acreditamos que, em sua busca de inclusão e expansão de ações parceiras, comunidades de todo o Brasil e da América Latina – e de quaisquer nações com recursos sub-aproveitados – tenderão naturalmente a também adotar soluções tão simples como os compartilhamentos individuais e coletivos de excedentes. Também o que é bom se espalha.

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XISonho e Realidade

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155Sonho e Realidade

Redes Comunitárias Próximos Passos

Síntese

Este é um texto fragmentado, confuso. Aqui cuidamos do desenvolvimento integral – individual e coletivo.

Agregamos inovação tecnológica social e, ao mesmo tempo – tanto junto a grupos de pessoas interessadas num mesmo tema, quanto junto a comunidades populares menos favorecidas – a utilizamos na prática, nos transformamos.

Consideramos a construção coletiva de conhecimentos, mútua, por todos os que participam do processo.

Mais do que um projeto, são movimentos. Seus resultados dependem da iniciativa de cada um que se proponha participar.

Aberto

Até o momento da publicação, consideramos este um texto aberto. Um tanto do relatado já acontece. Outros quantos são caminhos aventados. Escrito e reescrito como fruto de conversas com parceiros, é um também utoprática: sonhamos, refletimos, caminhamos. É utopia e é prática.

Assim, é um texto alterável em função de realidades concretas e potenciais. Atualizamos nova versão deste texto a cada vez que um e outro – que se permite imaginar, experimentar – contribuia.

Aqui, muitas vezes, ideias ainda fragmentadas, como legos. Quebra-cabeças à procura de montagem. São variadas as fontes das ideias aqui escritas.

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156 Sonho e Realidade 157Sonho e Realidade

Redes podem ser focadas em temas ou territórios. Redes de Cultura, de Agronomia, de Artistas de Rua, de Psicologia... E redes de Vila Aliança, da Tijuca, de Teresópolis, de Friburgo...

Imagine

Pessoas interessantes e interessadas – moradoras de comunidades populares menos favorecidas – se encontrando. Ali se apresentam e trocam informações, conhecimentos... e recursos.

Imagine que destes encontros participam outras pessoas e instituições interessadas, pelos mais diversos motivos, no bem estar coletivo. Instituições públicas, privadas, do terceiro setor.

Imagine que nos momentos dos encontros nos colocamos iguais. E que este espaço neutro está aberto a todos que se interessem, independente de raça, credo, cor, partido...

Ali seres diferentes, mas iguais em direitos e responsabilidades, oferecem, um de cada vez, o que desejam e podem oferecer. E procuram o que eles próprios ou suas comunidades e instituições necessitam.

Encontros transparentes onde cada um dá e recebe força para um e de outro, de e para todos.

Imagine

que estas ofertas e procuras declaradas em cada encontro sejam escritas e distribuídas entre os presentes.

A realidade mostra: muito do que é procurado por moradores de comunidades populares menos favorecidas... pode ser oferecido por moradores de outros locais, por instituições

privadas, públicas, de interesse coletivo. Estas procuras e estas ofertas muitas e muitas vezes não se cruzam, não sabem umas das outras. Imagine se o que procura encontra o que oferece...

Estes encontros

existem e são realizados de um jeito simples e com resultados. E quem vai uma vez, convida outro, que convida outros...

Em todo lugar

Muito de comum existe entre moradores de comunidades populares menos favorecidas do Rio de Janeiro, ...

– Grota, Morro dos Macacos, do Alemão, do Encontro, do Adeus, do Juramento, do Amor, da Baiana, do Urubu, do Estado, dos Prazeres. E Vidigal, Vigário Geral, Cidade de Deus, Fazenda Palmeiras, Chapadão...

... Maré, Lixão, Borel, Rocinha, Manguinhos, Itararé, Rio das Pedras, Parque Everest, Parque Real, Parque Roquete Pinto. Vila Cruzeiro, Vila do João, Vila Proletária, Fragoso, Parada de Lucas, Acari, Arará, Queimados... –

... entre moradores de comunidades de outras pequenas, médias e grandes cidades ...

– Recife, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Resende, Belém, Goiânia, Friburgo, Ribeirão Preto, Macapá, Curitiba, Brasília, Campo Grande, Campos, Campinas...

... Fortaleza, Montes Claros, Salinas, Bocaiúva, Salvador, a sua, a minha, a nossa... –

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158 Sonho e Realidade 159Sonho e Realidade

... e também entre os que moram em comunidades semelhantes, no mundo todo:

em Buenos Aires, Madrid, Cabo, Caracas, Quito, Bombaim, Argel, Casablanca, Havana, Budapeste, Nova York, Cingapura, São Francisco, Pequim, Detroit, Santiago, Moscou, Miami, Maputo, Londres, Luanda, Montreal, Hong Kong, Berlim, Caracas, Nova Delhi, Bagdá, Paris, Okinawa, Sidney...

Aqui, ali e acolá questões locais se tornam universais.

Primeiros passos

Das redes comunitárias participam, além de moradores de comunidades populares e menos favorecidas, profissionais autônomos, voluntários, representantes de empresas, de serviços públicos, de organizações não governamentais.

Na medida em que se encontram, têm oportunidades de se conhecer e expressar o que procuram, o que oferecem. Parcerias são articuladas e, realizadas, relações de confiança são construídas.

Recordamos, em resumo, a metodologia:base das Redes Comunitárias, os encontros são voltados para a prática de parcerias entre comunidades populares e instituições privadas, públicas e do terceiro setor, além de profissionais autônomos voluntários.

De modo simples e objetivo, cada um dos presentes, representantes de instituições e de comunidades, se apresenta e fala do que veio procurar e do que veio oferecer.

Todos têm oportunidade de falar e de ouvir.

E, quando cada um sabe quem é quem, o espaço se abre para o aprofundamento de relações e formação de parcerias.

Para facilitar articulações entre todos, cada um recebe – impressa ou virtualmente – uma relação atualizada de participantes, com endereços, telefones, e-mails. E os Classificados Sociais, que descrevem sinteticamente o que é oferecido, o que é procurado.

Imagine

que estas mesmas informações sejam visíveis através de um site específico de Classificados Sociais. Onde possam ser incluídos todos aqueles que não participam presencialmente dos encontros comunitários – mas que desejam compartilhar o que têm para oferecer: recursos físicos, financeiros, de conhecimento e outros.

Enquanto isto...

No processo de formação de redes comunitárias e de capitais sociais, além dos encontros normais, são realizadas oficinas de redes voltadas para interessados em temas específicos – cultura, por exemplo – ou em territórios, por exemplo, com moradores de comunidades populares menos favorecidas que buscam soluções para suas populações, para sua região.

Estas oficinas têm o propósito de facilitar a integração de interessados, sua intercomunicação e, principalmente, a produção conjunta – mútua – de conhecimentos e metodologias.

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160 Sonho e Realidade 161Sonho e Realidade

E ainda, por meio de trocas de informações e experiências, realizam-se imersões em redes – encontros aprofundados de facilitadores de redes comunitárias com instituições parceiras – focadas no aperfeiçoamento de metodologias de articulação de redes sociais.

Em algumas comunidades

Na construção de novas realidades, então combinamos assim: cuido, com você, um tanto de você. Você, comigo, um tanto de mim.

Ao invés de você ou eu, agora eu e você e outros. Nós. Mais do que soma, multiplicação. Parece simples. E é.

Razão, emoção

Sabemos que nem sempre é assim. Em nossas histórias de vida, momentos difíceis nos marcam. Na tentativa de evitar sofrimentos semelhantes, muitas vezes defesas pessoais são armadas, sentimentos negativos se instalam. Com o medo, a desconfiança do outro, vem o isolamento. “Não me aproximo para não sofrer.”

O emocional sempre presente. Repetidamente, aparentes objetos de desejo têm a função de substituir outros desejos. Algo como um vazio se estabelece quando estes desejos originais, mais profundos, não são supridos.

Ninguém melhor que cada pessoa para estar consciente dos seus próprios vazios. E, consciente, escolher seus caminhos, qualificar sua vida.

Sentir, perceber, pensar, agir.

Caminhos Um clima de confiança facilita entendimentos. Quando descobertos objetivos comuns, se formam eventuais parcerias entre dois ou mais participantes. Com vivências, os vínculos se estreitam. O ambiente se torna propício a relações duradouras. A organização comunitária se torna viável.

Comunitários se fortalecem quando se organizam. Organizados, aumentam as possibilidades de realização de desejos individuais e coletivos.

Imagine um palco. Ali atores – pessoas, instituições – desejam e oferecem. Há recursos: financeiros, físicos, de serviços. Gente, equipamentos, imóveis, estruturas, conhecimentos estão disponíveis. Oferta e procura.

Tempo Trabalhar para o presente. No processo de transformações individuais e sociais – quando o objetivo é alegria no viver – parece ser possível cuidar de vivenciar no presente um tanto do futuro desejado.

Em relação às redes comunitárias lembramos os primeiros movimentos – encontros das redes propiciam aproximações individuais e coletivas – e aventamos os próximos passos.

Individualmente, num segundo momento, é interessante caírem fichas, surgirem insights, tomar consciência, esclarecer-se internamente.

O que é público, o que é privado. O que me permito, o que a outros inibo. O que está em meu poder de

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162 Sonho e Realidade 163Sonho e Realidade

realização, o que depende de outros. O que cabe a mim, o que cabe ao outro. Sentir, sacar, refletir, agir com ética.

Isto – conhecer-se, um tanto, a si mesmo – contorna barreiras que habitualmente impedem aproximações do outro. Este segundo passo se refere então ao desenvolvimento emocional, ao conhecimento subjetivo.

Neste caminho que se confunde com a meta – onde o prazer cada vez mais está no caminhar – o passo seguinte cuida da organização comunitária em si, do conhecimento objetivo.

A realidade determina a ordem dos passos.

Ao mesmo tempo, são sujeitos e objetos de transformação todos os que participam do processo de organização comunitária. Todos aprendem nesta construção. Os representantes das comunidades populares, os facilitadores de rede, os parceiros institucionais e individuais, os alunos-mestres-alunos, os mobilizadores.

Aprender fazendo Imagine que, dentre aqueles que participam dos encontros de rede, alguns identificam desejos, objetivos comuns. Sejam relacionados a um tema – por exemplo, geração de renda para jovens e adultos. Sejam relacionados a um território – uma favela, um conjunto de comunidades, um complexo...

Foquemos. São compartilhadas informações sobre organização comunitária entre os que se propõem desenvolver trabalho coletivo. Paralelamente, é também disponibilizado apoio ao

desenvolvimento emocional do grupo, como contribuição para sua integração.

Aqui consideramos disponíveis os recursos estruturantes. Os parceiros mobilizadores já se articularam e contam com o necessário para, por sua vez, trocar informações com os comunitários.

A um parceiro cabe produzir os encontros comunitários, a base das redes. Em espaços neutros, digamos assim, onde diferentes podem se encontrar – independentemente de raça, credo, cor, partido...

A outro ou a outros cabem realizar os aprendizados mútuos, pragmáticos, para o desenvolvimento integral – emocional, cultural, econômico, social – do território.

Juntos os parceiros originais articulam entre si – e com novos parceiros – para que aconteça o processo de organização comunitária. Constroem coletivamente novas metodologias e tecnologias sociais.

As informações são compartilhadas pelos que participam do processo e as formações e capacitações são mútuas. Aqui incluídos os comunitários, os facilitadores de rede, os parceiros, todos.

Quem está empobrecido economicamente e consegue sobreviver com recursos mínimos tem muito a ensinar da sua vivência. Tem também o que compartilhar aquele que não está empobrecido nem de um jeito nem de outros e consegue estudar, ler, viajar, ampliar seus conhecimentos técnicos e práticos.

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164 Sonho e Realidade 165Sonho e Realidade

Ensinar sendo As informações compartilhadas incluem os conhecimentos básicos necessários ao levantamento de dados para um diagnóstico e para a elaboração de um plano de desenvolvimento territorial. Também a apresentação de outros atores, especialmente representantes de fontes de recursos – financeiros e todos.

No compartilhamento, a prática vem junto com os conhecimentos básicos. O levantamento de dados e o diagnóstico são realizados principalmente pelos comunitários, em consenso com os parceiros reais e potenciais.

O plano

Aqui, como quase sempre, uma visão de processos que não exclui outras, frutos de outras experiências. O jeito de planejar e ou fazer são assim como instrumentos. Importante mesmo é o bem estar, inclusive durante o caminhar.

Montado em consenso, o levantamento de dados abrange a descoberta da história local, a colheita de informações qualitativas e quantitativas sobre a população – educação, renda, meio ambiente, saúde, lazer, comunicação, condições de moradia.

E mais: o desenho da sua organização social, a identificação dos principais problemas. O que existe, o que se deseja, as iniciativas em andamento, as iniciativas previstas, o que precisa ser feito, quando, quem e como poderá contribuir.

O aprender vem junto com o fazer. O fazer junto e o compartilhamento de informações terão como frutos os

resultados do levantamento, o mapeamento, a demarcação do território, a definição de indicadores sociais-econômicos-culturais-emocionais, o diagnóstico.

E mais: a elaboração de um plano, a apresentação em fórum aos comunitários do território, as adaptações e buscas de consenso, as perspectivas de implantação.

Encontro de si consigo mesmo, o desejado equilíbrio emocional – base necessária ao desenvolvimento integral individual e coletivo – é cuidado em cada fase, em cada encontro de um com o outro.

Juntos e ao mesmo tempo, em cada um e no conjunto, se desenvolvem o emocional, o econômico, o cultural, o social.

Recursos O capital básico de uma comunidade são suas relações afetivas... Este é o Capital Social. A organização da comunidade, a partir das suas relações de afeto, facilita o acesso a recursos.

Recursos no sentido amplo, individuais e institucionais: financeiros, físicos, de conhecimento, de serviços... E são tantas fontes que nem sabemos.

O processo de aprendizagem mútua inclui, além da definição das necessidades, pesquisa de fontes de recursos. E articulação: aproximação com as fontes, negociação, busca de consenso. Sabemos que recursos são limitados e seus destinos priorizados.

De um lado, como fontes financeiras, recursos públicos: bancos, instituições de desenvolvimento econômico e

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166 Sonho e Realidade 167Sonho e Realidade

social, fundos de financiamento, isenções fiscais... De outro, recursos privados que visem lucros sociais. Fontes nacionais e externas – internacionais, transnacionais.

Há também, como recursos, os não financeiros – voluntários, serviços, imóveis, equipamentos... Provenientes de todos os setores.

Implantação Numa visão abrangente, a implantação se inicia quando as primeiras e simples parcerias acontecem. Aqui, já tendo o plano de desenvolvimento como referência, o processo de realização se dá agora em função da disponibilidade dos recursos.

A realidade nos surpreende enquanto planejamos. Volta e meia entram em cena outras oportunidades. Ao mesmo tempo, questões diferentes procuram soluções.

A mudança de realidade acontece já na implantação, quando se utiliza mão de obra local, tanto a qualificada quanto a que está sendo capacitada.

Nas construções de novas realidades, a implantação exige atenção, atualizações, adaptações. Cada comemoração pode ser o início do próximo passo.

Políticas públicas Há espaços em setores públicos para representações da sociedade civil organizada. Como exemplo, conselhos municipais, estaduais, federais preveem participação popular. Outros lugares, institucionais ou não, estão disponíveis... E vagos ou acessíveis.

Ali se definem políticas públicas, se constroem orçamentos, se cuida ora da micro ora da macroeconomia, se articulam prioridades. A sociedade civil organizada tanto pode ter acesso a estes espaços quanto a recursos em outros.

Algumas instituições representativas da sociedade civil já participam de espaços no poder público. Por outro lado, recursos públicos, financeiros ou não – em instituições públicas e privadas – estão disponíveis para aqueles da sociedade civil que se organizem para acessá-los.

Bons problemas, outros passos

Aqui novas perspectivas. Quando alguns vazios originais estão supridos, são outros os desejos.

A vida continua, agora noutros patamares. Alimentação, moradia, trabalho, transporte, saúde, educação, lazer... Questões básicas resolvidas ou encaminhadas, surgem novas questões. Melhores problemas.

A imagem é de ondas, em espirais. Num crescente sobe desce constante, novos níveis sócio-econômico-emocionais são alcançados. À medida que os desejos estruturais são supridos, a cultura individual e coletiva se transforma.

Quando atentos, cada um, a tendência é a simplificação dos desejos. No processo de implantação, o desenvolvimento integral.

Tanto quanto o mundo externo, o interno. O consciente, o inconsciente. Outras realidades. Quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Viagens interiores. Além da nossa imaginação...

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168 Sonho e Realidade 169Sonho e Realidade

Centro do meu universo Se acontece em mim, imagino possa acontecer em cada um. Dentro de cada um de nós também funcionam redes, independentes de nosso conhecimento. Sem saber o porquê e o como, livres associações indicam outros caminhos. Uma palavra, uma imagem, um som, um não-sei-o-que dão partidas em ideias, estimulam ações, provocam alterações de comportamento.

Assim os planos funcionam. São modificados de acordo com a realidade e ações e não-ações de cada um e de todos. Nada é como antes. O retrato de agora traduz só este momento.

Desatentos, nos perdemos. Atentos, acompanhamos os processos, contribuímos, participamos. O que hoje se planeja é o que hoje se deseja. A tese de hoje se mistura com a antítese de amanhã e forma uma síntese. Que por sua vez é naquele momento a nova tese, que se mistura... E caminhamos.

Acredite se quiser Aqui um espaço reservado para o que acontece ao mesmo tempo em que se pratica o antes imaginado. Inovações, documentação do processo e comunicação do movimento. Como aqui agora, neste texto, as ideias ainda fragmentadas – lembram peças de legos, aqueles quebra-cabeças à procura de montagem. Os caos que antecedem ordenações.

Nada além de passar os olhos. E reter o que naturalmente nossos princípios escolherem:

novas metodologias, inversão de visões – por exemplo, invés de formar para o mercado, criar mercados a partir das potencialidades e dos desejos individuais – vivências,

expansão de redes, visibilidade de oferta e procura social.

Formações, autoformações, transformações, oficinas de rede, encontros de facilitadores e parceiros, encontros com voluntários, com instituições, imersões, articulações.

Meios e transparência de comunicação – bocas a bocas, internet, classificados sociais, CDs, DVDs, programas de TV e rádio, textos. Pensamentos, palavras, gestos são a própria mensagem. Os meios são as mensagens.

Criação, integração, produção, distribuição, veiculação, ramificação. Inclusão de parceiros via virtual, acesso a outras classes sociais, tempos e lugares.

Agência de informações, sistema de comunicação. Distribuição, veiculação, compartilhamento do que dá certo e interessa ao público.

Na prática, construção de redes. E redes de redes. Integração de setores internos e externos: encontros com voluntários, encontros com empresas, encontros com instituições públicas e de interesse público, encontros com instituições comunitárias. Interação, encontros entre todos, em busca de identificações e desejos comuns, que desaguem no fazer juntos, em parcerias...

Na praia

Podemos pensar o mundo. Em comum, nele todo, formas de vida. As conhecidas, reino animal, vegetal. As formas de vida – talvez despercebidas – minerais. As misteriosas, espirituais e mais.

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170 Sonho e Realidade 171Sonho e Realidade

Olhando de longe, tomando distância, um ser só, a Terra. Mais de longe, muito longe, o universo, outro ser? Cada vida com sua função, mesmo que desconhecida.

O macro e o micro parecidos. Uma parte representa o todo. O micro é o macro pequeno. O macro é o micro grandão. A Terra é um mundo. O grão, o homem, outros. A Terra é menor que o micro em relação ao Universo. E também a Terra tem cá sua função. Equilíbrios dinâmicos.

Rápido, muito rápido o pensamento atravessa o Universo, vai lá ao fundo do grão. Viajo sem sair de mim. E olha que, até agora, só razão. Limitada pela imaginação que me permito.

Portas para outros universos, as emoções, os sentimentos, as sensações. Se respiro fundo, tudo muda. Minha percepção muda o mundo, mudo eu. Pulso, contraio, expando, origino ondas. Eu comigo mesmo.

Porém, se desatento, me desconheço. Pra mim nada disto existe. Percebo como de fora o que me é de dentro. A pedra se torna responsável pelo meu tropeço. O outro é responsável pelo que sou.

O sonho é sonho enquanto não realizado. Sonho, escrevo, converso, reescrevo, articulo, me integro, realizo. O sonho se faz realidade.

Sonho e realizo se me permito. Escrevo na tentativa de esclarecer, ordenar o aparente caos dos sonhos. Os que se identificam, acrescentam seus próprios sonhos, suas vontades, seus recursos. A soma dos jeitos e feitos, nos tempos de cada um. Do pensamento ao fazimento. Movimentos.

Resumo passo a passo

Imagino cada um tenha seu jeito de realizar o que se propõe. Eu, por necessidade minha, quando pretendo realizar algo, planejo tanto quanto preciso. Saber das tarefas, recursos, tempos... facilita compartilhar responsabilidades e fazimentos. E me serve como memória. Se o descrito a seguir for útil, que bom. Se fútil, pula?

1º passo encontros comunitários, construção de redes, formação de parcerias.

Quando no Sesc Rio, criamos as redes comunitárias. Algumas unidades operacionais do Sesc Rio, por iniciativas próprias, passaram a promover, mensalmente, encontros presenciais comunitários, bases das redes comunitárias.

A metodologia adotada facilita a participação de todos e de cada um dos presentes. E a realização de parcerias.

Adaptações desta metodologia podem ser – e talvez estejam sendo – adotadas em outros encontros focados em transformações pessoais e sociais.

2º passo recursos estruturantes para compartilhamento mútuo de informações.

Recursos básicos são necessários para suprir custos específicos relativos à aprendizagem conjunta dos que participam dos desenvolvimentos comunitários

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172 Sonho e Realidade 173Sonho e Realidade

integrais aqui aventados. Como beneficiadas, instituições experientes, potencialmente parceiras.

Há, no mercado social, recursos disponíveis, especialmente quando, como aqui, se trata de novas tecnologias sociais.

3º passo cuidados com o conhecimento subjetivo, desenvolvimento emocional.

Relações de confiança podem ser consideradas como essenciais à formação do capital social – que por sua vez é a base para o desenvolvimento comunitário.

Ao mesmo tempo, cada vez mais se percebe o equilíbrio emocional como base para o desenvolvimento integral individual e coletivo.

Existem hoje, em atuação dentro e fora das redes comunitárias, instituições e profissionais voltados para estes aspectos do desenvolvimento individual e coletivo.

Além destas experiências específicas, criamos, com Michel Robim Rabinowitz – em paralelo às redes comunitárias – o METS, Movimento Emocional e Transformação Social, um espaço de experimentação em desenvolvimento emocional.

4º passo cuidados com o conhecimento objetivo, instrumentação para o desenvolvimento comunitário, organização comunitária, planejamento.

Hoje são várias as instituições do terceiro setor que se dedicam à organização comunitária, em diversos níveis, no interior e nas capitais, em alguns estados brasileiros. Umas cuidam de desenvolvimentos temáticos, outras de territoriais.

Em muitas delas, profissionais oriundos de comunidades populares contribuem com sua experiência comunitária – nasceram, viveram lá – aliada aos seus conhecimentos acadêmicos atuais. Nestes casos, cuidam do desenvolvimento econômico-cultural-social.

Até conhecer a Terapia Comunitária Integrativa, eu não tinha conhecimento de cuidados paralelos com o desenvolvimento emocional.

5º passo recursos para a realização do plano.

Além das públicas – CEF, FINEP, BNDES, Petrobrás, Fundação Banco do Brasil... – fontes privadas de recursos, nacionais e exteriores, estão acessíveis a programas e projetos de interesse coletivo. Ainda mais quando outros parceiros significativos contribuem com seus recursos nos primeiros passos dos empreendimentos.

No Livre Pensar Social – espaço de reflexão que criamos com Gilberto Fugimoto quando no Sesc Rio – instituições articuladoras de organização social trocavam informações sobre planejamentos e financiamentos sociais. A utilização de parte dos recursos disponíveis é confirmada por projetos realizados.

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174 Sonho e Realidade

6º passo implantação.

Um processo que já se inicia nas primeiras parcerias realizadas a partir dos encontros comunitários. Dinâmica, a implantação toma corpo quando dispõe de novos recursos e quando comunitários participam do processo com seus conhecimentos, competências e mão-de-obra. Realidades individuais e coletivas se transformam com a contrapartida das rendas.

7º passo participação no poder público, representação como sociedade civil.

Em todas as esferas do poder público – municipal, estadual, federal – hoje há espaços em setores para representações da sociedade civil organizada.

Outros passos em aberto

O bem estar de comunidades populares menos favorecidas interfere beneficamente em toda a sociedade.

Se considerado neste processo o aprendizado mútuo do equilíbrio emocional, estas comunidades criam oportunidades inesperadas.

Imagine

Já no ventre, talvez antes dele, o básico individual e coletivo satisfeito: que mais cada um de nós necessitará? E se o suficiente impera, que faremos com nossos tempos, que rumos tomarão nossas vidas?

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XIIRedes na Prática

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179Redes na Prática

Informações para começar

Os ouvintes querem falar

Todos sabemos que há gente procurando e oferecendo de um tudo. Quando se encontram e se entendem, se suprem. Quando não sabem um do outro, oportunidades desaparecem.

Início do milênio, fórum Transformações Sociais – O que Pode dar Certo, palestrantes experientes numa mesa, trezentas pessoas na plateia. Nem mesmo falas interessantes interessaram aos presentes. Em menos de uma hora, evasão, já somente sessenta ficaram.

Levamos o microfone ao público. Agarram: “o governo não presta...“. Muita gente na fila, todos querem falar. Peraí! Seja objetivo, por favor.

O que você veio procurar aqui? O que você veio oferecer? Dois minutos para cada um.

Pronto! Surgiu o jeito, a metodologia.

Encontros

Convidamos quem se interessasse para uma primeira conversa, juntos. Em roda, os tratos iniciais – aqui, neste momento, somos iguais em direitos e deveres. Sem palestra nem eventos, só as falas individuais... Cada um sintetiza quem-é-que-faz ou se representa uma instituição. Diz o que procura, o que oferece. Tempo limitado, um-dois-cinco minutos, dependendo de quantos estão presentes.

Depois que todos falam, os interessados se deslocam para o café. E, ao redor da mesa, cada um aprofunda a conversa com aqueles por

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180 Redes na Prática 181Redes na Prática

cuja oferta-procura se interessou. Trocam informações, ideias, se conhecem. Constroem parcerias.

Base das Redes Comunitárias, os encontros são voltados para a prática de parcerias entre comunidades populares e instituições privadas, públicas e do terceiro setor.

De modo simples e objetivo, cada representante se apresenta e fala o que veio procurar e o que veio oferecer. Todos têm oportunidade de falar e ouvir. E, quando cada um sabe quem é quem, o espaço se abre para o aprofundamento de relações e formação de parcerias.

Bom problema: é uma dificuldade comum falar objetivamente o que procura, o que oferece.

Informações para todos

Cada um deve escrever em três poucas linhas as informações que tem: o que oferece, o que procura, nome-telefone-endereço-instituição. E se já realizou ou está realizando alguma parceria.

Estas informações serão digitadas, impressas, multiplicadas e distribuídas a cada um presente ao próximo encontro. Podem também ser enviadas – para os que as desejam – por e-mail e talvez incluídas num site como Classificados Sociais.

De forma semelhante serão elaboradas e compartilhadas Listas de Participantes – acumuladas a cada encontro.

Os Classificados Sociais e as Listas de Participantes são informações básicas, fundamentais na formação destas redes: servem para facilitar contatos e intercomunicações. Tendo estas informações em mãos, depende de cada um a iniciativa de realizar parcerias.

1º recreio: e eu com isso?

Dentro do meu poder e competência, que posso fazer? Lembro talvez Tom Jobim: Democracia é muito bom. Lá em casa praticamos todo dia.

E Cacilda Becker: Não tenho tempo a perder. Só luto a favor. Ou Caetano Veloso: Só quero saber do que pode dar certo. E Betinho, com a história do beija-flor levando a gotinha d’água: é sua contribuição para apagar o incêndio.

Também Edgar Morin, intervindo numa cultura secular:

ao invés de isto ou aquilo, agora isto e aquilo. Isto e aquilo é rede.

E, só para criar um clima, de Laing, direto ao coração: Mamãe me ama. Eu me acho bom. Eu me acho bom porque ela me ama.

As redes

Nos encontros a gente se vê, se fala, chega perto, se conhece. Ali vínculos se formam, relações se fortalecem. Naturalmente surgem temas de interesse comum: renda, saúde, alimentação, transporte, educação... Ou, em comum, o interesse por áreas específicas: uma comunidade, uma favela, um bairro... O que dá oportunidade para busca de soluções conjuntas: parcerias entre 2 ou mais interessados.

Na medida em que os interessados se organizam, ficam mais próximos os acessos a recursos de pequenos, médios ou grandes portes – financeiros e outros. E os acessos a assentos em conselhos diversos, municipais, estaduais, federais – que, por sua vez, interferem em políticas públicas.

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Quem se encontra

Em princípio, pessoas e instituições interessantes e interessadas. Do 1o setor, organismos públicos. Do 2o setor, empresas privadas. Do 3o setor, organizações de interesse público sem fins lucrativos, formais ou informais – ONGs, instituições religiosas, educacionais, de comunicação, associações, cooperativas, grupos, movimentos... Além de pessoas físicas.

Em alguns encontros de redes comunitárias têm participado representantes de instituições voltadas para a organização comunitária – inFormação de cidadãos, elaboração de projetos, captação de recursos e gestão de realizações.

Também – como apoio e base para o desenvolvimento integral individual e coletivo – têm participado profissionais e representantes de instituições voltadas para o conhecimento de si mesmo e para as relações interpessoais.

Uma vez indicados problemas – procuras, as redes funcionam melhor quando se fala objetivamente sobre soluções – ofertas.

Redes de redes

As redes multiplicam de tamanho quando se articulam com outras redes. Por exemplo, quando movimentos populares já organizados voltados para o bem estar social participam igualmente dos encontros – Ação da Cidadania, Clubes de Serviço: Rotary, Lions, Elos..., Pastorais... Imagine mais...

Eficiência, eficácia, efetividade

Se você chega a um encontro de redes, parabéns pela eficiência. Se no encontro você realiza parcerias, viva sua eficácia. E se as

parcerias permanecem, dão frutos, que beleza, efetividade. Melhor – muito mais – se, em tudo, a afetividade está presente.

Assim, fui eficiente, vim. Eficaz quando articulo e realizo parcerias. E as parcerias se tornam efetivas quando frutificam.

Mas poderia ter sido somente eficiente na minha viagem: fiz bem a mala, comprei a passagem, cheguei aqui.

Mas não teria sido eficaz porque aqui não articulei, não conversei, não criei relações e parcerias. Nem seria efetivo, se as parcerias que eu tivesse realizado não derem resultados que permaneçam.

2º recreio: vamos?

Década de sessenta, século passado, Londres. Ao invés de eletrochoques nos jovens diferentes, Ronald Laing os acolhe afetuosa e psicanaliticamente. Nasce a antipsiquiatria. Compartilha o que aprende, como nos livros Laços, Fatos da Vida, O Eu Dividido.

Enquanto isto, no Brasil, Nise da Silveira criava oportunidades de expressão para os aqui diferentes. Os loucos pintam, esculpem, se relacionam como sabem. Nasce o Museu de Imagens do Inconsciente. E Franco Basaglia, na Itália, estimulava a volta à sociedade dos internos em manicômios...

Cada um deles contribuiu para que todos nós, também diferentes, possamos estar hoje criando nossos próprios movimentos libertários.

Planos

O que, por que, como, quando, quem, onde, quanto?

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As respostas a estas perguntas são primeiros passos para a realização do que desejo. Quando planejo, sei onde piso a cada passo que dou. Cada passo faz sentido, faz parte do todo. Quando planejo posso melhor dividir as tarefas, utilizar meus tempos e recursos. Pelo que aprendo ao planejar e realizar, posso melhor avaliar, criar método, compartilhar estes novos saberes.

Planejamento já é em si um movimento – da intenção em direção ao gesto.

Cidade de Deus

Como aprendizado de desenvolvimento de territórios, merece estudo e acompanhamento a experiência de construção do Plano para o Desenvolvimento Comunitário da Cidade de Deus.

Sua elaboração se deu a partir de informações e desejos de moradores de lá, assessorados por técnicos de planejamento e relações interpessoais – que por sua vez foram disponibilizados inicialmente por empresários, através de recursos públicos do Sistema S e, logo depois, também por órgãos públicos.

Na intenção de colocá-lo em prática, chamam a atenção alguns resultados da soma de recursos da comunidade, do empresariado e do setor público.

Há o que deu certo, o que não deu. Deve-se considerar que tanto a elaboração quanto as realizações têm se tornado possíveis a partir também de comunitários organizados. E da disposição dos mais favorecidos em participar, compartilhar conhecimentos e recursos.

Informações sintéticas

Os encontros de redes são considerados como fase de um processo. A expectativa é que, na medida em que são criados e fortalecidos vínculos entre os que participam, sejam identificados interesses comuns – temáticos ou territoriais.

E, uma vez disponibilizados os conhecimentos necessários à organização, estes com interesses comuns possam ter acesso tanto a recursos nacionais e externos quanto a poderes públicos, através de participações em comitês e conselhos municipais, estaduais e federais.

Participam dos encontros das Redes Comunitárias – sistemática e focadamente – parceiros institucionais com experiência em organização comunitária e relações interpessoais.

3º recreio: filósofos

Luiz Gonzaga, no século passado, cantava:

Seu doutor não dê uma esmolaPara um homem que é sãoOu lhe mata de vergonhaOu vicia o cidadão.

E Milton Nascimento: todo artista tem que ir onde o povo está. E Chico Buarque: o que será que será que dá dentro da gente à revelia? E Gilberto Gil: se eu quiser falar com Deus... A alma e o corpo nus... E Sócrates: conhece-te a ti mesmo.

Todos, em comum, estimulam insights, sabedorias, reflexões.

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Redes paralelas

Enquanto muitas redes facilitam especificamente formações de parcerias, outras cuidam também de reflexões.

Assim é com o Movimento Emocional e Transformação Social. O METS é um encontro não conclusivo, interativo, reflexivo, onde todos e cada um têm tempo e espaço para compartilhar ideias e informações. Ali também se encontram quem articula desenvolvimento emocional como base para desenvolvimento humano integral.

Redes se formam a partir de interesses comuns. Em algum momento pensamos articular Redes Produtivas Populares, que reúnem instituições diretamente interessadas em trabalho e geração de renda. E, paralelamente, as Redes Produtivas Estratégicas, focadas em instituições que se propõem refletir, gerar e articular políticas públicas voltadas para o bem estar coletivo.

Associações de moradores vêm experimentando metodologias de redes, onde todos os que participam têm oportunidade de se expressar. Há tendências de expansão de redes também em órgãos e municípios administrados com participação popular.

Por outro lado, há interessados em formar Redes de Comunicação, que incluem tanto reflexões sobre meios e conteúdos quanto criação de condições para formação de agências de notícias construtivas – o que dá e o que pode dar certo – especialmente as provenientes de instituições de interesse público sem fins lucrativos que compõem o chamado 3o setor.

As possibilidades, aventadas, imaginadas ou desconhecidas, são muitas e variadas. Dependem de interesses comuns e de iniciativas individuais e coletivas.

É simples: a qualquer momento novas redes podem ser formadas por quem deseje – quando se reúnem pessoas interessadas e interessantes que democraticamente compartilham ofertas e procuras em benefício de muitos.

Virtuais

Acredito que um site com Classificados Sociais – descrições sintéticas de ofertas e procuras – facilitará distribuições naturais e espontâneas de recursos. Com espaços virtuais ampliam-se possibilidades de participação de quem tem acesso à internet.

Hoje muitos – pessoas, instituições – não sabem como encontrar o que procuram. Outros tantos oferecem e não sabem como encontrar a quem destinar. Os Classificados Sociais têm esta função: informar sobre o que é oferecido e o que é procurado. Inclusive conhecimentos, serviços, espaços, objetos, recursos financeiros e não-financeiros.

Neste espaço virtual poderia se divulgar metodologias e casos de sucesso e aprendizado, linkar tecnologias sociais... E por aí vai.

Tantos objetos e recursos que estão hoje obsoletos, ocupando espaços... E que poderão ser destinados para quem deles hoje necessite. Imagine, por exemplo, um carrinho de bebê que já não tenha utilidade para quem nele andou: fará bem a outro bebê que agora precisa e não tem. Imagine alguém que deseje oferecer seus serviços como voluntário e não sabe como nem pra quem. Os Classificados Sociais facilitarão os movimentos destes mercados sociais.

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Formação de novas redes

Na intenção de facilitar a realização de encontros voltados para interesses coletivos, relacionamos abaixo alguns lembretes, naturalmente adaptáveis a cada realidade. Colocamos asterisco * nos que consideramos talvez essenciais. Mas, simplificando mesmo, pra formar novas redes é necessário somente pessoas se comunicarem, virtual ou presencialmente, a partir de suas próprias iniciativas e com interesses comuns.

30 dias antes de um encontro

Estruturação

01 levantar parceiros potenciais para realizar juntos

02 Consensuar e distribuir tarefas entre os responsáveis pela produção

03* Identificar público desejado: pesquisa de potenciais participantes dos encontros:

. moradores interessados de comunidades, instituições comunitárias, instituições públicas – municipais, estaduais, federais –, organizações não governamentais, empresas privadas.

. os exemplos variam de lugar para lugar.

No Rio, por exemplo:

Universidades, escolas de ensino médio e primário, creches, secretarias, orgãos federais, postos de saúde, hospitais, instituições religiosas...

Bancos privados, instituições de crédito popular, CEF, BB, FINEP, BNDES, FIA, COMLURB, Leão XIII, SESI, SESC, SEST, SENAT, SENAC, SENAI, SEBRAE, CEDAPS, CIEDS, IBASE, ISER, Viva Rio, Rio Alimentos, Rio Voluntários, incubadoras, conselhos municipais, estaduais, federais, regionais... Pequenas, médias e grandes empresas de transportes, comunicação, alimentação...

Associações voltadas para interesses coletivos: as de moradores, as profissionais... os clubes de serviço – Rotary, Lions, Elos...

Movimentos populares: Ação da Cidadania...Organismos internacionais: órgãos das Nações Unidas: UNICEF, OMS, HABITAT...

04* definir datas

05* definir e produzir local

06* definir responsável/mediador do encontro

07* definir e produzir os recursos necessários para cada encontro, inclusive materiais – café, água – e equipamentos, se realmente necessários.

21 dias antes do próximo encontro

01* elaborar convite-básico

02* convites, o que for possível:

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fazer pessoalmente telefonarenviar pelos correiosenviar por meios virtuais: e-mail, facebook, twitter...

03 pesquisar e identificar textos especiais, estimulantes de reflexões

04 criar e reproduzir folha de presença, que servirá de base para atualização da Lista de Participantes

05* criar e reproduzir cadastro – que servirá de base para a elaboração dos Classificados Sociais. Deve incluir espaços para:

a) nome do participante-instituição-se-houverb) seu email-telefone-endereçoc) o que ofereced) o que procurae) parcerias realizadas

06* reproduzir Lista de Participantes, atualizada até o encontro anterior

07* reproduzir dos Classificados Sociais, atualizados até o encontro anterior

08 reproduzir textos especiais para distribuição

09 reproduzir crachás, se houver... Ou produzir autoadesivos e canetas

10 montar kits para distribuição de* . Classificados Sociais atualizados* . Lista de Participantes, atualizada

. textos especiais

. Papel e lápis 11* produzir café-água simples ou lanche. Frutas facilitam

12* articular com representante de instituição experiente para assessorar elaboração de projetos, captação de recursos, realização e prestação de contas

13* articular com representante de instituição experiente para facilitar relações interpessoais

07 dias antes do próximo encontro

01* reforçar convites, das formas que forem necessárias e possíveis: articular presenças efetivas de participantes

No dia do encontro de redesCoordenar-facilitar o encontro

01* preparar o local

02* orientar a portaria sobre a chegada de participantes + simples

03* checar o espaço, cadeiras, café-lanche, textos...

04* receber os participantes. Identificá-los individualmente: se possível, com crachá ou autoadesivo

05* em respeito aos que cheguem na hora combinada, formar pequenos grupos, em círculos, para facilitar integrações iniciais

06* formar grande roda para iniciar apresentações individuais,

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suas ofertas e procuras. A roda ideal é aquela em que cada um possa ver todos os presentes

07* combinar tratos com todos os presentes:

. Aqui todos nos comportamos como iguais

. Acolhemos, como em nossa casa, a cada um que chega depois

. Aprendemos a ser objetivos nas falas: quem sou, o que ofereço, o que procuro

. Como somos muitos e ficaremos juntos até a hora tal, limitaremos a tantos minutos o tempo para a fala de cada um

. O que faremos hoje: após a fala de cada um, teremos um café-recreio para que cada um possa aprofundar conversas com quem deseje formar parcerias agora ou depois

. Cada um que deseje divulgar o que oferece e o que procura deve preencher o cadastro para os Classificados Sociais. O preenchimento deve ser assim e assado, em letras de forma... E entregue a fulano

. Cada um deve também preencher a lista de presença

. Tanto os Classificados Sociais quanto a Lista de Participantes serão enviados pela internet para cada um que tiver email. Há intenção de também distribuí-los em papel no próximo encontro

. O próximo encontro de redes: data, hora, local

08* distribuir Lista de Participantes, atualizada até o encontro passado

09* distribuir Classificados Sociais, atualizados até o encontro passado

10* distribuir textos especiais, se houver

04 dias após o último encontro

01* atualizar Lista de Participantes: incluir dados coletados no último encontro

02* atualizar Classificados Sociais: incluir dados coletados no último encontro

03* atualizar a mala direta

04* enviar por internet para todos: Lista de Participantes + Classificados Sociais

outras informações

Alguns textos e vídeos que contribuem para a compreensão e formação de redes podem ser acessados em

www.luizsarmento.blogspot.com.br

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Saiba +

www.luizsarmento.blogspot.com.br