o puro, o bom e o belo: normalizaÇÃo dos … · movimento de normalização dos mestres,...
TRANSCRIPT
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3577
O PURO, O BOM E O BELO: NORMALIZAÇÃO DOS PROFESSORES
E O AMERICAN JOURNAL OF EDUCATION (1851-1858)1
José G. Gondra2 Aline Machado3
Fernanda Fontes4
Introdução
Em 1882, os pareceres relativos à reforma da instrução primária e outras instituições
complementares da instrução pública (1882/1883) desafia a técnica
do parecer, seja pela dimensão do mesmo, seja pela erudição.
Apoiado em vasta literatura e fontes de língua inglesa, francesa e
portuguesa, este documento se constitui em observatório
privilegiado para se compreender aspectos do debate relativo à
escolarização inicial em escala nacional e transnacional em curso,
mobilizados, à época, por Ruy Barbosa, Ulisses Machado Pereira
Vianna e Thomas Bonfim Spinola. Nessa espécie de enciclopédia
nacional, a comissão recorre à “enciclopédia” de outra nação, o
American Journal of Education (AJE), publicado nos EUA entre
1855 e 1881, sob a responsabilidade de Henry Barnard.
Chama atenção a circulação e uso do periódico norte
americano e o fato dos autores usarem apenas o volume
correspondente ao ano de 1880, condição para apoiar reflexões a
respeito da infância, ensino obrigatório, tempo escolar, saberes e
analfabetismo, ainda que os pareceres sejam diversos, vastos e rigorosos, recobrindo 275
temas, como afirmado por Lourenço Filho (2001). Neste estudo, analisamos a problemática
da formação de professores, duplicada no dispositivo editado por Barnard, ele mesmo
1 Apoios: CNPq e FAPERJ 2 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Professor Associado no Departamento de Ciências Sociais
e Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-Mail: [email protected] 3Pedagoga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante do Núcleo de Ensino e Pesquisa em
História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. (NEPHE-UERJ).E-Mail: [email protected]
4 Graduanda em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista de Iniciação Científica, pelo CNPq, do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. (NEPHE-UERJ).E-Mail: [email protected]
Figura 1 - Capa do American Journal of
Education, ano de 1856
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3578
destinado ao aperfeiçoamento desta corporação e construção de uma agenda comum para os
problemas da educação estadounidense. Duplicação que se amplia, considerando-se a
publicidade de livros relativos às escolas normais no AJE. Como recurso para pensar o
movimento de normalização dos mestres, analisamos os dois volumes do livro Normal School
(1851), de Henry Barnard, objeto de publicidade nos volumes iniciais do AJE (1855-1858).
O volume I do livro se destina a observar o aparecimento das escolas normais em vários
estados e cidades dos EUA. O outro volume se destina às experiências promovidas em alguns
países e cidades europeias. Esta pauta se vê confirmada no periódico, insistindo, contudo, na
expansão e aperfeiçoamento da tecnologia destinada a formar para formar o docente puro,
bom e belo.
Neste texto, optamos por uma descrição geral dos dois livros, chamando atenção para o
debate acerca da forma a ser assumida pela Escola Normal. Com este investimento,
procuramos dar a ver as mediações em torno deste dispositivo nos EUA e na Europa, como
recurso para pensar as tensões e negociações voltadas para afirmar uma determinada
tecnologia de formação, articulada à outras estratégias de profissionalização do magistério e
racionalização da pedagogia.
Henry Barnard, Normal Schools e The American Journal of Education
Henry Barnard foi um norte-americano “poliédrico”, tendo
atuado na gestão, na política e na imprensa, uma longa folha de
serviços associada à problemática da educação5. Ocupou diversos
cargos como superintendente (1838-1842) e diretor da escola normal
(1851-1855) do Estado de Connecticut. Escreveu diversos impressos
para a melhoria da educação, direcionados à formação/modelação
dos docentes, dentre eles o livro Normal School (1851) e as revistas
The Connecticut common school journal and annals of educational
(1838-?) e American Journal of Education (1855-1881).
O livro Normal Schools, and other Institutions, Agencies, and
Means desingned for the Professional Education of Teachers6,
consiste em uma obra ilustrada sobre as formas de modelação da carreira docente; escolas
5 Cf, por exemplo, a biografia escrita por Macmullen, 1990. 6 Este material foi consultado em sua versão digitalizada, disponível em duas plataformas:
<http://www.googlebooks.com.br/> ou <http://www.achives.org/>. Acesso em: 31 mar. 2017.
Figura 2 - Capa do livro Normal Schools.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3579
normais, agências e instituições de professores. Tal impresso é datado de 1851, foi publicado
em Hartford, totalizando 669 páginas. Como outros escritos de Barnard, buscava ser uma
obra completa, podendo instruir de maneira integral o público leitor, além de se constituir
em uma peça valiosa da escrita da história da educação dos Estados Unidos da América. De
acordo com os estudos de Santos (2016) estes escritos de Barnard durante os primeiros 5
anos da década de 1850, direcionados especificamente aos professores, foram grandes
responsáveis pela compreensão do intelectual da necessidade de uma ação eficaz para a
qualificação docente, o que se realizaria através da sua revista enciclopédia American
Journal of Education.
O Normal School encontra-se estruturado em duas partes ou volumes. Na primeira, o
autor se debruça sobre os principais Estados norte-americanos, ou melhor, os que possuíam
ações específicas voltadas para a formação de professores, em especial as escolas normais, e
alguns relatos dos principais empreendimentos das Províncias Britânicas. Na segunda seção,
o foco recai sobre a Europa, nos países que, segundo a seleção de Barnard, mereciam ser
estudados e seguidos como exemplos.
Normal Schools, Part I – United States and British Provinces
A circular do livro, que antecede a introdução do primeiro volume, o qual trata dos
Estados norte-americanos e das Províncias Britânicas, apresenta o escrito como parte de uma
série de ensaios sobre as melhorias das common schools, autorizados pela lei a serem
difundidos em Connecticut. Buscava ser um conjunto de textos para o aperfeiçoamento
educacional incluindo os diversos departamentos como bibliotecas, professores, institutos,
escolas normais, etc.
Será dada certa atenção a estas instituições nas páginas seguintes, juntamente com a reedição de vários documentos e endereços que expõem a origem, a natureza e as vantagens das Escolas Normais e das suas instituições, agências e meios, para a profissão, educação e aperfeiçoamento de professores, nos Estados Unidos. (BARNARD, 1851, p.3)
Por volta de 1825, em diversas partes dos EUA, especificamente em Connecticut e
Boston, circularam nos jornais, e em formas de panfletos, textos defendendo a criação de
instituições próprias para a formação de professores. Anos depois, em 1829, outro panfleto
foi publicado reivindicando a melhoria dos Seminários de Aprendizagem, estabelecendo as
necessidades e vantagens de uma formação adequada para os professores. A partir da difusão
destas iniciativas, a importância da formação profissional dos docentes e da criação de uma
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3580
instituição dedicada a este fim ganhou espaço entre os intelectuais e governantes. De acordo
com Barnard, depois de quatro séculos, a ideia das escolas normais estava quase totalmente
realizada nos Estados, resultante da promoção das primeiras ações voltadas para este fim.
A seguir apresentamos uma tabela elaborada por Henry Barnard onde constam os
locais, a data da fundação e a quantidade de escolas normais em Connecticut, Massachusetts,
New York, Pensilvânia, Rhode Island, Michigan e nas Províncias Britânicas. Na sequência,
apresentamos as principais ações de modelagem docente descritas pelo autor nos 5 Estados
que destaca e nas Províncias Britânicas7.
TABELA 1: ESCOLAS NORMAIS NOS EUA
Fonte: Normal Schools, 1851, p.3
Como se pode notar, a experiência de normalização dos professores para as “Common
schools” se inicia em 1839 e todas elas se localizam na chamada “Nova Inglaterra”,
considerada como a região mais avançada do “Novo mundo”8.
a) Connecticut
A história da criação das escolas normais do Estado de Connecticut iniciou em 1823
quando, pela primeira vez, o panfleto “Sugestões sobre a Educação”, de William Russel9, no
7 De modo geral, a narrativa se apoia em relatórios de homens da administração do aparato escolar, alguns de sua própria autoria, do legislativo e da própria legislação. Neste estudo, não é possível avançar na problematização da documentação coligida e do modo como Barnard opera com a mesma. Em linhas gerais, cabe chamar atenção para a seleção que realiza e para a profusão de recortes dos relatórios e legislação que emprega.
8 De acordo com Villela (1990, 2002), a primeira Escola Normal da América, inaugurada em 1835, funcionou em Niterói, à época capital da Província do Rio de Janeiro. A respeito das primeiras escolas normais no Brasil, cf. Gondra & Schueler, 2008 e Araújo, Freitas & Lopes, 2008; dentre outros.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3581
qual menciona a necessidade do estabelecimento de um seminário para professores. Em 1825
a imprensa continuou o seu trabalho de propagar a necessidade de profissionalização
docente, por meio de uma série de ensaios escritos por Thomas H. Gallaudett10. Entre os anos
de 1838 e 1849 diversas ações legislativas transcorreram em prol de uma instituição
específica para a formação inicial de professores, até que, em maio de 1849, foi sancionada a
lei que estabelecia a escola normal do Estado de Connecticut.
Em 15 de maio de 1849 na cidade de New Britain foi estabelecida a escola normal do
Estado de Connecticut, inaugurada exatamente um ano após e financiada através da doação
feita pelo Banco Central e por outro banco. A Escola estava localizada na cidade de New
Britain devido às possibilidades de locomoção proporcionada por uma estrada de ferro, a sua
posição geográfica central no Estado, pela disponibilidade de todas as escolas elementares se
tornarem escolas de prática para os neo professores e por fim pela oferta de um prédio
equipado e a quantia de 16.000 dólares de custeio. Henry Barnard era o diretor geral e
juntamente com um conselho composto de 8 curadores, que representavam os principais
locais do Estado, administravam a escola normal.
A admissão dos alunos da escola normal de Connecticut era realizada da seguinte
forma: os visitantes de cada sociedade escolar apresentavam dois candidatos (um de cada
sexo) que apresentassem boa saúde, moralidade impecável, talento educacional e alguns
conhecimentos. Estes, por sua vez, se apresentavam através de uma declaração
comprometendo-se a ensinarem nas common schools (escolas primárias) do Estado. Após a
aprovação nos exames eram admitidos na instituição, recebiam sua matrícula e livros-textos
gratuitos.
Os alunos eram divididos em 3 classes: juniores, onde revisavam os estudos das
common schools; medianos, que estudavam os conhecimentos mais elevados do ensino; e
sênior, que aprendiam a arte de ensinar e seu métodos, sobretudo, nas escolas de prática
anexas. Além disso, aos alunos que desejassem prosseguir nos estudos era oferecido um
aperfeiçoamento. Era promovida uma reunião de troca de experiências no aniversário da
instituição. Ainda era intenção da escola normal estabelecer relações sociais e profissionais
9 10 A respeito das relações e da força deste personagem na trajetória de Barnard, cf. Mcmullen (1990), Steiner
(1918) e Santos (2015).
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3582
com diretores e pais, além de assistir os Institutos de Ensino Fundamental, as Associações e
reuniões escolares.
O edifício previsto para o alojamento da escola normal e das escolas de prática continha
três grandes salas de estudo, com nove salas de aula anexadas, um salão para palestras e
exposições, um laboratório para experiências químicas e filosóficas, um escritório para os
curadores principais conselheiros, uma sala para a biblioteca, e acomodações adequadas para
aparelhos, roupas, fornos, combustível, etc. Todo o edifício era montado e decorado da forma
mais substancial, com especial referência à saúde, o conforto e ao trabalho bem sucedido dos
alunos e professores. Além do edifício da Escola Normal, existiam três casas localizadas em
diferentes partes da cidade, para o alojamento das escolas primárias que deveriam funcionar
como “Escolas de Prática”.
A escola normal se multiplicaria e tornaria indispensável ao sistema escolar comum.
Converteria o ensino em um emprego permanente, contribuindo para verificar a “vocação”
dos alunos para a profissão. Os professores formados pela escola normal estimulariam os
demais a se qualificarem. Os salários dos professores bem qualificados aumentariam
gradualmente, assim como as condições de ensino seriam aprimoradas. Por fim, o último
efeito esperado indicava que os professores formados na escola normal auxiliariam a escrever
uma literatura profissional adequada ao sistema de common schools.
b)Massachusetts
Os primeiros apontamentos da necessidade de uma instituição para a formação de
professores surgiram em 1823, por intermédio de uma série de artigos publicado no
periódico “Boston Patriot”, inspirados na organização educacional europeia, sobretudo, a da
Alemanha. Em 1838 duas resoluções legislativas proveram o financiamento para a
qualificação dos professores. Deste modo, três escolas normais foram estabelecidas no
Estado de Massachusetts. A primeira foi estabelecida no dia 3 de julho de 1839 em Lexington,
no Condado de Middlesex, mas devido às acomodações insuficientes foi removida para West
Newton no ano de 1844, admitindo, a partir de então, somente o sexo feminino. A segunda
foi estabelecida em Barre no condado de Worcester, no dia 4 de setembro de 1839 e, pouco
tempo depois, removida para Westfield, no condado de Hampden,aceitando alunos de ambos
os sexos. A terceira escola também admitia meninos e meninas, tendo sido estabelecida no
ano de 1840 em Bridgewater.
Apesar das especificidades de cada instituição, existia o Regulamento do Conselho que
regia as três escolas normais. Este documento determinava que a admissão dos alunos exigia
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3583
como pré-requisito uma declaração do desejo de tornar-se professor das common schools do
Estado. Quando a intenção do candidato era qualificar-se e não lecionar em Massachusetts, o
pagamento da taxa de matrícula se tornava obrigatório. Os requerentes ainda necessitavam
ser submetidos à aprovação intelectual e moral. Dos estudos constavam os saberes que
seriam posteriormente ensinados nas escolas distritais. Havia, ainda, um conselho de
visitantes que auxiliava na regência de escola e uma instituição modelo anexa com a
finalidade de ser um local de exercício da prática do ensino. Os traços principais de uma
instituição para ensino dos professores fundada pelo governo seriam: uma biblioteca,
professor principal e assistente nos diferentes departamentos, uma escola modelo anexa e
um conselho de comissários para resolver questões públicas.
A escola de West Newton era destinada somente a mulheres. A idade mínima para
ingresso era 16 anos e o tempo de permanência 4 períodos. Cada aluno devia ter ardósia e
lápis, livro em branco, Bíblia, Dicionário Compreensivo de Worcester e Geografia de Morse, o
restante dos materiais seria fornecido pela escola. Os estudos eram divididos pelos
departamentos matemático, filosófico e literário. A escola normal em Bridgewater, assim
como aquela em Westfield, recebia estudantes de ambos os sexos. A escola normal de
Westfield possuía sempre um quantitativo maior de alunos do sexo masculino. A escola
normal em Bridgewater foi elogiada por Horace Mann11 devido à excelência de seus
equipamentos e aparelhos.
As escolas normais eram representadas como o órgão mais importante para o avanço
da formação de professores e melhoria do ensino nas common schools, entretanto existiam
os Institutos de Professores que igualmente formavam docentes para as common schools do
Estado. Entre estes centros de normatização dos mestres, Barnard (1851) cita o Instituto
Americano de Instrução e o Seminário de Professores em Andover, as Academias, instituições
particulares, Associações de Professores e os periódicos educacionais.
A grande ênfase na formação dos professores se encontrava pautado em uma dupla
qualificação: o conhecimento a ser ensinado e a capacidade de comunicá-lo a outrem. As
escolas normais seriam a consumação do estabelecimento eficaz das escolas livres, pois a
reforma da educação popular, o entendimento da educação como uma ciência que merecia
atenção pública, passava obrigatoriamente pela qualificação dos docentes. Apesar das
inúmeras críticas em relação ao estabelecimento das escolas normais, sobretudo em relação a
sua inutilidade e custo, a maioria do povo de Massachusetts defendia que a estabilidade vital
11 Ver Mann ( 1865) e Santos (2013), dentre outros.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3584
de um Estado livre dependia da educação obtida nas common schools. Então era preciso
elevar o grau destes estabelecimentos, o que seria obtido com a qualificação dos professores.
c)New York
Entre os anos de 1825 e 1828 diversos escritos ressaltavam a importância da
qualificação dos professores para a realização de uma “educação completa” no Estado de New
York. Em 1827, um projeto de lei intitulado “Um ato para fornecer fundos permanentes para
as common schools, aumentar o Fundo de Literatura12 e promover a educação de professores”
propunha que o Fundo de Literatura fosse aumentado e que uma quantia destinada as
Academias incorporasse um seminário de formação de professores. Depois de aprovado em
1835 um plano estabeleceu os seminários de formação para professores nas Academias que,
em grande quantidade, aderiram à proposta.
As primeiras iniciativas para a qualificação dos professores consistiram em enxertar
departamentos nas Academias já existentes no Estado. Entretanto, o tempo confirmou o
fracasso dessa ação e, em 1836, o superintendente de educação de New York relatou que o
ideal era uma instituição exclusiva para o aprimoramento docente. Em 1840 as escolas
normais eram apontadas como a solução para o ensino dos conhecimentos e do saber em
como comunicá-los.
[...] no julgamento dos sucessivos superintendentes das common schools, dos regentes da Universidade e dos amigos mais eminentes e práticos da educação em todo o Estado, essas instituições, no agregado ou com referência àqueles especialmente designados, de tempos em tempos, para o desempenho deste importante dever, de abastecer as common schools com professores competentes, não conseguiram a realização desse objeto tendo, portanto, de voltar a linguagem do superintendente antes mencionada, "revelou-se inadequada para os fins propostos” [...) (BARNARD,1851, p.199)
No ano de 1844 a câmara dos deputados considerou o estabelecimento de uma escola
normal do Estado em Albany, financiada pelo governo e sob a direção do superintendente de
common schools e os regentes das universidades. A escola entrou em funcionamento em
dezembro do mesmo ano por um período experimental e somente em 1848, se tornou
permanente e um edifício para esta finalidade foi erguido.
A escola normal era destinada para ambos os sexos. No seu quadro de alunos, no ano
de 1848, havia estudantes de 14 municípios de New York. A idade mínima para as mulheres
era de 16 anos e, para os homens, 18 anos. Os candidatos deviam ser aferidos na sua condição
12 Fundo de literatura- Espécie de fundo educacional organizado pelo poder público com o objetivo de manutenção e melhoria das instituições educacionais do Estado.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3585
moral e habilidades para o ensino. O tempo de permanência da escola variava de 1 a 4
períodos. A matrícula e o livro texto eram gratuitos, assim como uma quantia para custeio
dos alunos. Instrumentos foram adquiridos para o ensino ilustrado de todos os saberes.
Havia, também, uma biblioteca equipada com livros associados à todos os ramos de ensino.
Os alunos podiam ficar hospedados como pensionistas, a baixo custo, em casa de famílias
selecionadas. A escola experimental anexa ao edifício da escola normal era a oportunidade
dos alunos vivenciarem a prática do ensino. As classes de estudos eram divididas em
juniores, médios e seniores, com disciplinas específicas para cada fase (assim como existiam
saberes específicos para homens e para mulheres). De forma geral, a matriz continha estudos
de leitura, soletração, gramática, aritmética, geografia e história.
d) Pensilvânia
Uma lei de 1818, com o objetivo de prover educação das crianças custeada pelo
governo, estabeleceu uma escola modelo para qualificar os professores para as common
schools. Em 1848 esta instituição se tornou uma escola normal, atendendo, aparentemente,
apenas o sexo feminino.
A admissão dos alunos era feita duas vezes ao ano, depois de comprovada a idade
mínima de 15 anos e de aprovação em teste oral e escrito. Os estudos consistiam em teoria e
prática do ensino, matemática, gramática, leitura, história, escrita, desenho, música,
instrução em filosofia natural, química e fisiologia. As escolas de prática anexas à escola
normal também eram uma realidade na Pensilvânia.
Após ter completado os estudos o aluno que possuísse as qualidades morais,
conhecimentos dos saberes a serem ensinados nas escolas elementares, capacidade de
comunicar o que sabia e as realizações literárias gerais; recebia o diploma de professor
qualificado.
e)Rhode Island
Entre os anos de 1843 e 1848 diversas medidas foram tomadas em Rhode Island para a
expansão e aperfeiçoamento da tecnologia destinada a formar para o ofício da docência.
Entre as ações estavam: a criação de bibliotecas destinadas à educação em cada cidade,
instituição de escolas modelos, o estabelecimento de institutos e associações de professores,
escola normal itinerante, escola normal, reuniões públicas sobre o tema da educação e
publicação de diversos tipos de impressos sobre educação. Além disso, em 1850 houve a
reorganização do curso de instrução na Universidade de Brown com a introdução do curso de
"Didática ou Teoria e Prática do Ensino".
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3586
f)Michigan
A escola normal estadual foi estabelecida em 1849 e inaugurada em 1850. Foi
financiada pelo governo, através da apropriação de salinas cujo lucro era destinado à
manutenção da instituição. Ela atendia a ambos os sexos e tinha o objetivo de ensinar a arte
de educar, instruir nos conhecimentos da agricultura e mecânica, nas leis do país e nos
direitos e deveres dos cidadãos. A escola normal ficaria localizada em Ypsilanti, onde os
cidadãos ofereceram um edifício para o fim da educação.
g)Províncias Britânicas
As Províncias Britânicas compreendiam a Nova Escócia e o Alto Canadá. Em 1848 duas
escolas para a formação de professores foram estabelecidas na Nova Escócia por um período
experimental. Em 1850 essas duas instituições foram fundidas e a escola normal se tornou de
caráter permanente.
A Escola Normal Provincial do Alto Canadá foi estabelecida em Toronto, em 1846. No
ano de 1850 uma quantia de dinheiro foi destinada à construção de um prédio adequado para
a escola normal e a escola modelo. As novas instalações permitiriam os estudos de botânica,
química e ciência agrícola. Os empreendimentos do Alto Canadá, em dez anos, foram muito
superiores do que qualquer ação educacional dos EUA e mereciam ser referidos como uma
valiosa contribuição.
Normal Schools, Part II - Europe
Os capítulos deste volume são: Alemanha, Prússia, Saxônia, Wirtemberg, Hesse Cassel,
Nassau, Hanôver, Mecklemburgo Schwerin, Bavária, Baden, Áustria, Suíça, Holanda, Bélgica,
França, Irlanda, Inglaterra e Escócia. Assim, pode-se afirmar que a ênfase do autor era sobre
a Alemanha e Prússia. Estas aparecem logo no início do livro e suas regiões tem capítulos
independentes, o que não acontece com nenhum outro país. Também é bom salientar que a
península ibérica está ausente no Normal Schools Europe. Em virtude das limitações deste
texto, escolhemos focar no conteúdo sobre a Alemanha, Prússia e Inglaterra, pois são as que
recebem maior destaque no conjunto do volume II.
a) Alemanha e Prússia
Não há imagens das escolas normais, mas sim algumas descrições da arquitetura das
mesmas. Muitos capítulos mencionam o número de alunos e professores, mas seus nomes
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3587
não são citados. Apresenta-se a identidade de alguns diretores, mas em forma de rodapé, sem
maiores informações. São poucos os casos em que o autor fala da obra/vida dos diretores.
Não há conteúdo relacionado às etnias, só em uma ocasião se falou da educação de
deficientes, em uma escola criada em 1828 que atendia a surdos-mudos. Os saberes são
praticamente os mesmos em todas as escolas normais da Alemanha e Prússia: religião, língua
alemã, leitura, escrita, aritmética, música, geometria e história natural. Algumas escolas
acrescentam outros saberes, mas a religião é o tipo de conhecimento que recebe maior ênfase
(Lutero e a bíblia são constantemente citados). Há muitas grades de dias e horários das
classes nesse livro.
A forma de ingresso nas escolas normais alemães não se processava de modo
homgêneo. Os alunos precisavam preencher alguns requisitos, como: idade (a maioria
precisava ter entre 17 e 18 anos), ser batizado, provar capacidade de estudar naquela escola,
pagar uma contribuição anual, etc. Um dos capítulos aponta a existência de cursos
preparatórios para ingressar nas escolas normais. A permanência nessas escolas normais
variava de 2 a 3 anos, onde, geralmente, nos primeiros anos se estudava teoria e, o último, a
prática em colégios de aplicação. Em algumas ocasiões os salários dos professores apareciam
explicitados.
Figura 1 – Grade com dias da semana e horários das aulas numa escola normal de Baden, Alemanha. Normal Schools and Other Institutions, Agencies and Means, Designed for the Professional Education of
Teachers. Part II - Europe, 1851, p. 136.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3588
O governo faz sua apropriação em auxílio local e financia e gradua os pagamentos de acordo com o caráter e a posição dos vários professores - desde que nenhum professor receba menos de 130 thalers no país e 140 nas cidades, além de uma residência. Em 1846, dos 2.142 professores, apenas 315 receberam menos de 130 thalers (equivalentes aqui a US $ 130), e todos, exceto 687, estavam encarregados não só durante o ano, mas permanentemente, e tinham residência". (BARNARD, 1851, p. 138)
b) Inglaterra
As matérias lecionadas são similares às alemães. Na Inglaterra, contudo, era comum o
aprendizado de línguas estrangeiras, principalmente o latim e grego. A questão religiosa se
eocntra presente, mas não com tanta intensidade como na Alemanha. É mencionado a
existência de uma escola para surdos mudos, “criminosos”, pobres e uma escola rural. O
autor ressalta a influência de outros países europeus, principalmente Suíça e França. Ingleses
iam a esses países visitar as escolas e inspetores franceses iam até escolas inglesas fazer
relatórios. Também cita bastante Pestalozzi, além dos métodos fônicos, admitindo esses
serem tratados em escolas alemães. Assim como na parte que trata da Alemanha, Há
referência às escolas preparatórias e que estas eram similares às holandesas. Nos exames
para ingressar nas escolas normais verificava-se se os alunos sabiam soletrar, fazer as
operações básicas aritméticas, etc. O custo para se manter nas escolas normais era, em
média, 20-25 libras. Algumas escolas cobravam uma taxa de 1 libra com a justificativa que
esse dinheiro iria para bibliotecas e museus.
Considerações finais
Neste exercício, foi possível perceber a afirmação o modelo escolar de formação e sua
expansão na Europa e Américas, bem como a diversidade das formas normais de preparo
prévio dos futuros mestres que, em linhas gerais, tensionam a aprendizagem pela prática
opondo-a ao que se desenvolve nas escolas e seminários de formação de professores.
Afirmação que se sustenta no argumento da profissionalização e racionalização da pedagogia,
condição para se desenvolver o gosto e amor pelo puro, bom e belo, imperativos que
deveriam integrar o ethos do professor bem formado, disposição permanente associada à
afirmação da escola e do ofício de ensinar.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3589
Referências
ARAÚJO, J. C. S.; FREITAS, A. G. B.; LOPEZ, A. P. C. (ORGS). As Escolas Normais no Brasil. Campinas. SP: Alínea. 2008. BARNARD, H. Normal School, and other Institutions, Agencies, and Means desingned for the Professional Education of Teachers. Hartford: Tiffany and Company, 1851, GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008. MACMULLEN, Edith Nye. In the Cause of True Education: Henry Barnard and the 19th Century School Reform. Connecticut, Yale University Press, 1990. MANN, Mary. Life of Horace Mann. Boston: Walker, Fuller and Company, 1865. SANTOS, Aline dos S.. A função da escola primária na sociedade norte americana do século XIX. In: 22° Semana de Iniciação Científica-24° UERJ sem muros, 2013, UERJ, - Rio de Janeiro. _____. American Journal of Education: Um dispositivo para a formação docente. In: VII Congresso Brasileiro de história da educação: Matrizes interpretativas e internacionalização. Anais, Universidade Estadual de Maringá, 2015. _____. Circulação de Saberes Pedagógicos: Brasil e Estados Unidos na Segunda Metade do Século XIX, 2016, 182f. Monografia - Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. STEINER, Bernard. Life of Henry Barnard: The First United States Commissioner of Education, 1867-1870. Washington: Government Printing Office. Department of Interior: Bureau of Education. Bulletin, nº. 8, 1919. The American Journal of Education. Disponível em https://archive.org/details/americanjournalo01barnuoft . Acesso em 31/03/2017. The Connecticut common school journal and annals of education, 1838. Disponível em https://books.google.com.br/books?id=go-gAAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false Acesso em 31/03/2017. THURSFIELD Richard Emmons. Henry Barnard's American journal of education. Baltimore: The Johns Hopkins press, 1945. VILLELA, Heloisa de Oliveira Santos. A primeira escola normal do Brasil: uma contribuição à história da formação de professores. Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1990. ______. Da palmatória à lanterna mágica: a Escola Normal da Província do Rio de Janeiro entre o artesanato e a formação profissional (1868-1876). Tese de Doutorado. São Paulo: FEUSP, 2002.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3590
Anexo 1
Recomendações extraídas do Relatório de Barnard quando foi superintendente da educação em Connecticut, contidas no livro Normal Schools (1851)