o público que se dane

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Revis ta Super Sul {Abr/Mai de 2011} 36 COMUNICAÇÃO CORPORATIVA NO VAREJO O público que se dane! magine o seguinte diálogo: — Boa tarde, de onde falam? — Do supermercado, pois não? — Meu nome é Fulano, sou jor- nalista do jornal da cidade e gostaria de falar com o proprietário. — Eu sou o proprietário. O que foi que houve? Produto vencido? Quem lhe atendeu mal desta vez? — Não, não. Só gostaria de saber quanta pipoca o senhor vai vender a mais esse ano em comparação com a Festa Junina do ano passado. Pode ser em percentual. — Mas para que você quer saber isso? — Para usar na minha reportagem. — Mas isso é bom para o meu súper, vai chamar gente. Quanto você vai me cobrar? — Não vou cobrar nada, não, se- nhor. Só preciso de informações so- bre as empresas para escrever a minha matéria. Embora esta conversa não seja real, ela revela uma característica preocupante do mercado varejista: o entendimento da relação entre estes dois personagens – o jornalista e o empresário – ainda não está completamente amadurecido. Para muitos profissionais das empresas, quan- to mais longe o jornalista estiver, me- lhor. Ora, não é isso que aconselham os especialistas, ao contrá- rio: quanto mais sua empresa crescer, mais precisará de bom relacionamento com a mídia. Mas e por quê? Porque desde sempre, grande par- te daquilo que influencia alguém a comprar no seu supermercado ou no seu negócio é a confiança que este al- guém tem no que você vende. “E como se constrói esta confiança?”, alguns perguntarão. Com bom atendimento e qualidade, uns responderão. Com pro- dutos baratos e propaganda, outros dirão. E todos estarão certos. Mas se ficarem por aí, deixarão de mencionar a influência da mais relevante, tradi- cional e respeitada forma de dissemi- nação de informações que o homem já inventou: a notícia veiculada pela imprensa. Mas e as pessoas confiam na imprensa a ponto de construir uma imagem sobre a minha empresa por meio das notícias que leem? Sim. Primeiro, porque confiam no jornalista, e depois, porque confiam na imprensa. Pesquisa realizada em março de 2010 pela GfK, 4ª maior empresa de pesquisa de mercado no Brasil e 4º maior grupo mundial do setor, que mediu o nível da confiança da população em profissões e organizações no Brasil, confirmou a credibilidade do jornalista entre os brasileiros. Os profissionais da imprensa ficaram na sexta posição, com 76% das menções dos entrevistados, à frente, por exemplo, de publicitários, juízes, policiais, instituições reli- giosas e diretores de grandes empresas. A publicidade veiculada pela minha empresa no jornal não pode ser considerada notícia? Não. Basi- camente, a diferença entre uma notícia e uma propa- Por Juliano Rigatti I FABRÍCIO BARRETO DIVULGAÇÃO

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Artigo de minha autoria publicado na edição Abril-Maio de 2011 da revista Super Sul, especializada no varejo da região Sul.

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EJO O público que se dane!

magine o seguinte diálogo:— Boa tarde, de onde falam?— Do supermercado, pois não?— Meu nome é Fulano, sou jor-

nalista do jornal da cidade e gostariade falar com o proprietário.

— Eu sou o proprietário. O quefoi que houve? Produto vencido? Quemlhe atendeu mal desta vez?

— Não, não. Só gostaria de saberquanta pipoca o senhor vai vender amais esse ano em comparação com aFesta Junina do ano passado. Pode serem percentual.

— Mas para que você quer saberisso?

— Para usar na minha reportagem.— Mas isso é bom para o meu

súper, vai chamar gente. Quanto vocêvai me cobrar?

— Não vou cobrar nada, não, se-nhor. Só preciso de informações so-bre as empresas para escrever a minhamatéria.

Embora esta conversa não seja real,ela revela uma característica preocupantedo mercado varejista: o entendimentoda relação entre estes dois personagens– o jornalista e o empresário – ainda nãoestá completamente amadurecido. Paramuitos profissionais das empresas, quan-to mais longe o jornalista estiver, me-

lhor. Ora, não é isso queaconselham os especialistas, ao contrá-rio: quanto mais sua empresa crescer,mais precisará de bom relacionamentocom a mídia. Mas e por quê?

Porque desde sempre, grande par-te daquilo que influencia alguém acomprar no seu supermercado ou noseu negócio é a confiança que este al-guém tem no que você vende. “E comose constrói esta confiança?”, algunsperguntarão. Com bom atendimento equalidade, uns responderão. Com pro-dutos baratos e propaganda, outrosdirão. E todos estarão certos. Mas seficarem por aí, deixarão de mencionara influência da mais relevante, tradi-cional e respeitada forma de dissemi-nação de informações que o homem já

inventou: a notícia veiculada pela imprensa.Mas e as pessoas confiam na imprensa a ponto

de construir uma imagem sobre a minha empresa pormeio das notícias que leem? Sim. Primeiro, porqueconfiam no jornalista, e depois, porque confiam naimprensa. Pesquisa realizada em março de 2010 pelaGfK, 4ª maior empresa de pesquisa de mercado noBrasil e 4º maior grupo mundial do setor, que mediuo nível da confiança da população em profissões eorganizações no Brasil, confirmou a credibilidade dojornalista entre os brasileiros. Os profissionais daimprensa ficaram na sexta posição, com 76% dasmenções dos entrevistados, à frente, por exemplo,de publicitários, juízes, policiais, instituições reli-giosas e diretores de grandes empresas.

A publicidade veiculada pela minha empresa nojornal não pode ser considerada notícia? Não. Basi-camente, a diferença entre uma notícia e uma propa-

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ganda é que a primeira é resultado do trabalho de umjornalista, motivado pelo interesse da sociedade, en-quanto a propaganda é o discurso livre de uma em-presa, sem a mediação do jornalismo. Como bem de-finem Jorge Duarte e Wilson Corrêa da Fonseca Júnior,respectivamente doutor e mestre em Comunicação,em artigo sobre o tema, diferentemente do que faz apropaganda, “o negócio da imprensa não é promoverpessoas ou organizações. Em vez de promoção, a im-prensa precisa oferecer informações independentes,autônomas, críticas, confiáveis, capazes de explicara vida social”. Em suma, a publicidade não tem a res-ponsabilidade de explicar a vida social; ela apenasdá a versão de sua organização.

Então a publicidade não tem importância? Cla-ro que tem! Notícia e publicidade são complemen-tares para o seu negócio. A reflexão que proponhocom esse artigo é relativa à valorização deste ou-tro tipo de comunicação: além das já valorizadasáreas de Operações, Marketing, Comercial, Logística,Contabilidade, Recursos Humanos, sua empresa pre-cisa passar a investir mais no diálogo entre a orga-nização e a imprensa.

Querem ver a importância disso? Outro levan-tamento sério, este feito pela CDN (Companhia de

Notícias, uma das maiores agências de comunica-ção do País), que entrevistou 500 executivos deempresas de São Paulo e Rio de Janeiro, em outubrodo ano passado, revelou que 92% modificariam suaopinião sobre uma empresa lendo uma notícia, con-tra apenas 8% que mudariam de ideia vendo umapropaganda. O mesmo estudo revela que 57% dosrespondentes concordam que costumam tomar de-cisões de mercado tendo como base as notícias queleem nos jornais e revistas.

Mas e se a maioria das experiências da minhaempresa com a imprensa foi ruim? Convido-o à refle-xão mais uma vez. Voltemos vinte, trinta, quarentaanos. Estávamos na escola. Será que fazíamos ques-tão de nos reunir com os amigos para contar os “fo-ras” que havíamos levado das meninas? Claro que nosorgulhávamos só do que nos era favorável. É assimquando nos preocupamos com a reputação de nossasempresas hoje. Queremos que o jornal veicule só oque é positivo para os nossos negócios. E o jornalis-ta sabe disso. Por isso, sua missão é mais difícil. Oseu esforço é jogar luz ao que está oculto para, comodisseram Duarte e Júnior há pouco, “explicar a vidasocial”. Com todos os seus fatos, contrapondo pon-tos de vista, idealizando a imparcialidade, investi-gando versões, doa a quem doer.

“Mas o que há de bom nisso para a minha em-presa?”, você perguntaria. Tem muita coisa positivaque a sua empresa faz, de interesse público, que umbom jornalista também gostaria de saber. Afinal, o

“Então a publicidade não tem importância?

Claro que tem! Notícia e publicidade são

complementares para o seu negócio.”

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seu supermercado ou o seu negócio não geram em-prego? Não investem nos municípios onde se insta-lam? Sua organização não tem casos de gente quecresceu na carreira e tem lições para dar aos jovens?Vocês não realizam ações comunitárias ouimplementam projetos sustentáveis que serviriam deexemplo para o mercado? Um bom jornalista gostariade saber tudo isso com detalhes. E publicaria. E cita-ria a sua empresa. E isso aumentaria a confiança dosclientes da sua organização.

É preciso que compreendamos o trabalho do jor-nalista. Ele é pago para preencher as páginas dosjornais, ou os sites da internet, ou os minutos de umboletim de rádio. Se você não falar, para compor asua matéria, ele falará com outro. Se o caso for nega-tivo, for sobre sua empresa e você não falar, ele falarácom alguém que queira falar sobre você. E isso podeser bem pior.

Um dia, em 1882, William Henry Vanderbilt, ex-clamou a famosa frase “the public be damed!” (o pú-blico que se dane!), quando criticado e cobrado porcausa da péssima qualidade dos serviços que suas fer-rovias prestavam nos Estados Unidos. Desculpe a mi-nha sinceridade, mas quando a sua empresa decidenão falar com a imprensa, você está repetindo a rea-

ção deste empresário que viveu há mais de 120 anos.E neste 2011, se o seu cliente descobrir que vocênão se importa com ele, você terá problemas.

“Ah, mas na minha cidade, o jornalismo não éassim”, alguém dirá. O jornalismo é o mesmo em qual-quer parte; a imprensa pode não ser. Mas, acredite,se na sua cidade, o noticiário só fala bem das empre-sas que anunciam; se ataca os empresários por causade desavenças pessoais, respire fundo e relaxe: cer-tamente, muitos leitores pensam o mesmo que vocêsobre este jornal. Como completam Duarte e Júnior,“a existência da imprensa depende da credibilidadeatribuída pela sociedade às informações por ela ge-radas. Parcialidades, promoção, endeusamento sãotudo o que o público não quer da imprensa”.

Entre todos os stakeholders (pessoas ou or-ganizações afetados pelos negócios de sua empre-sa) com os quais sua empresa se relaciona, talvez aimprensa seja o que mereça um cuidado especial.Gerenciar mal este relacionamento é mandar o pú-blico se danar.

Juliano Rigatti é jornalista, possui MBA emGestão Empresarial e trabalha com varejohá 10 anos. E-mail: [email protected]