o projeto de macrodrenagem da bacia do …...modo de vida de seus habitantes. tratou-se de um grande...
TRANSCRIPT
O PROJETO DE MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA EM BELÉM (PA):
CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE SOB A ÓTICA DO PLANEJAMENTO ESTRATÈGICO
Sandra Helena Ribeiro Cruz1 Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares2
André Luiz Santos Alves3
RESUMO
Este artigo apresenta uma discussão sobre o Projeto de
Drenagem, Vias, Água e Esgoto das Zonas Baixas de
Belém, o Projeto Una, cujas obras ocorreram na Bacia do
Una entre os anos de 1993 e 2004. O projeto é caracterizado e
avaliado em seus objetivos declarados em documentos oficiais
e em relação aos benefícios sociais para a população
pretendidos após a sua implementação. Em seguida, é
questionado se este empreendimento foi capaz de
representar a concepção do modelo de planejamento
estratégico, que consiste em produzir as cidades para o
mercado através de grandes projetos.
PALAVRAS-CHAVE: Urbanização; Direito à cidade; Intervenções urbanísticas; planejamento estratégico.
ABSTRACT
This article presents a discussion about the Una
Watershed Drainage Project, whose public works took
place in the city of Belém from 1993 to 2004. First, the
project is examined in terms of its official goals, mostly
referred to social gains for the population of the Una
watershed after it’s the conclusion of the project. Then, it
is questioned if the project was capable of representing
the urban planning model known as strategic planning,
which consists in market based policies of shaping cities
through large-scale projects.
KEYWORDS: Urbanization; Right to the City; Infrastructure projects; strategic planning.
1 Assistente Social, Mestra em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará, Doutora
em Ciências Socioambientais pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA e docente Associada II da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 2 Antropólogo, Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista PNPD/CAPES e docente visitante no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 3 Graduando em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará e bolsista de iniciação científica PIBIC/UFPA.
E-mail: [email protected]
I. INTRODUÇÃO
A Bacia do Una é uma área geográfica que abrange 20 bairros da cidade de
Belém (PA)4. Trata-se de uma extensão territorial que abrange aproximadamente
60% do sítio urbano de Belém, com uma área de 36,64 km² e 397.339 habitantes
segundo o último senso do IBGE (2010). Até os anos 1990 a Bacia do Una era
comporta por uma grande quantidade de áreas alagáveis – cerca de 19% do seu
território – que foram ocupadas por populações de baixa renda (Trindade Júnior,
1997). Migrantes do interior do estado e até mesmo de outras áreas empobrecidas
da capital ocuparam terrenos úmidos e nas encostas dos igarapés que recortavam a
cidade, caracterizando a formação dos assentamentos precários conhecidos nos
termos locais como baixadas. Alguns dos bairros da Bacia do Una situados mais
próximo do centro da cidade como Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta
também receberam estes contingentes populacionais.
Durante os anos 1990 até meados dos anos 2000 a Bacia do Una passou por
uma intervenção física que transformou substancialmente a paisagem urbana e o
modo de vida de seus habitantes. Tratou-se de um grande projeto de vias,
drenagem, esgoto e abastecimento de água chamado Projeto de Macrodrenagem da
Bacia do Una (PMU) ou, simplesmente, Projeto Una. Entre suas mais importantes
medidas, o Projeto Una aterrou áreas alagadiças, abriu ruas onde antes havia
pontes de madeira e, principalmente, criou um amplo sistema de drenagem e
acúmulo de águas pluviais formado galerias subterrâneas e quilômetros de canais
onde antes havia igarapés.
Este artigo discute este processo de transformação da Bacia do Una e seus
impactos ambientais, sociais e econômicos, dando destaque à redefinição dos usos
do solo urbano após a conclusão do PMU sob a perspectiva do modelo de
planejamento urbano conhecido como planejamento estratégico (Vainer, 2011). Este
modelo se caracteriza pela realização de grandes projetos urbanos para a
valorização da cidade para o mercado e também pela negação da política e do
direito à cidade (Lefebvre, 2001).
4 Entre estes bairros, 16 encontram-se integralmente na Bacia do Una: Barreiro, Benguí, Cabanagem, Castanheira, Fátima, Mangueirão, Maracangalha, Marambaia, Miramar, Parque Verde, Pedreira, Sacramenta, Souza, Telégrafo, Una e Val-de-Cans. Outros 4 bairros estão presentes na Bacia do Una de forma parcial: Marco, Nazaré, São Brás e Umarizal.
O universo da análise comporta os bairros da Bacia do Una já citados nesta
introdução: Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta. Os referidos bairros foram
escolhidos pela sua proximidade do centro da cidade, o que alimenta a hipótese de
que nesses espaços os processos de valorização do solo urbano, verticalização e
segregação socioespacial tenham sido mais intensos após a conclusão do PMU.
II. O PROJETO DE MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA
As origens do Projeto Una remontam à sua fase de estudos ainda na década
de 1980. Somente em 1993 o projeto é oficialmente iniciado com a assinatura do
contrato de financiamento entre o Governo do Estado do Pará e o BID – Banco
Interamericano de Desenvolvimento. Segundo Portela (2005), o PMU foi,
inicialmente, planejado para ser concretizado em quatro anos, com previsão de
término para dezembro de 1997, mas seu prazo foi prolongado para o final de 2002,
e depois prorrogado mais uma vez para 2004.
Os documentos oficiais publicados pelo Governo do Estado do Pará após a
conclusão do Projeto Una mostram que o PMU havia se caracterizado por dois
objetivos centrais (Companhia de Saneamento do Pará, 2006, p.25). O primeiro,
seria o de "solucionar o problema das inundações nas zonas baixas da bacia do Una
através da instalação de um sistema de drenagem eficiente". O segundo seria o de
prover "a todos os habitantes da Bacia do Una uma infraestrutura adequada em
termos de vias de acesso, cobertura das redes de água potável, esgoto sanitário,
drenagem pluvial e coleta de lixo", de modo a melhorar a qualidade de vida da
população. No mesmo documento (Companhia de Saneamento do Pará, 2006, p.20)
também constam alguns resultados estipulados e esperados após a conclusão das
obras do PMU, os quais seguem:
Aumento das ligações domiciliares às redes de esgoto construídas pelo
Projeto;
Com a paulatina despoluição e a descontaminação, a navegabilidade dos
canais permitirá a prática do lazer, de esportes náuticos e as atividades
produtivas de agricultura urbana;
Diminuição significativa do número de casos de doenças por veiculação
hídrica;
A expansão do nível de sensibilização quanto as questões ambientais criará
uma consciência crítica e coletiva que viabilizará o prolongamento da vida
útil das obras executadas e a preservação do meio ambiente;
Incremento da ação participativa entre comunidade e poder público nas
discussões sobre políticas públicas.
A realidade, porém, mostrou-se contrária a estas expectativas. Pesquisas
recentes (Soares, 2015; Moraes, 2014) mostraram o desmonte das estruturas
políticas de sustentabilidade do Projeto Una. Em 2005, na primeira estação de
chuvas após a conclusão das obras do PMU, moradores de diversos pontos da
Bacia do Una experimentaram inundações provocadas pelo transbordamento dos
canais de drenagem. Estes episódios se repetiram pelos anos subseqüentes.
A causa dessas inundações relaciona-se à falta de manutenção técnica no
sistema de macrodrenagem da Bacia do Una (17 canais, 6 galerias e 2 comportas).
Há denúncias 5 do desaparecimento, má utilização e extravio do conjunto de
máquinas, veículos e equipamentos destinados a realizar a manutenção das obras
do PMU. Portanto, o êxito do PMU a longo prazo enquanto obra de engenharia é
questionável, na medida em que o assoreamento e perda de vazão dos canais, as
pendências de obras complementares e a exclusão de áreas do escopo de obras
tem impedido que o referido projeto atinja o máximo de sua funcionalidade,
principalmente no que diz respeito ao sistema de drenagem. No entanto o sistema
viário – outro dos sistemas implementados pelo PMU – foi capaz de incorporar as
baixadas da Bacia do Una à malha urbana através da abertura e pavimentação de
ruas e vias paralelas aos canais. É desse modo que, apesar das inundações que
ocorrem a cada ano, áreas antes desvalorizadas passam a ser vistas como fronteira
de expansão para o capital imobiliário.
II. A MACRODRENAGEM DA BACIA DO UNA SOB A PERSPECTIVA DO
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
O planejamento estratégico (Vainer, 2011) é um modelo difundido por
instituições multilaterais como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento),
responsável pelo financiamento das obras do PMU. O princípio central desta forma
5 Estas denúncias resultaram na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de Belém para investigação, na Bacia do Una, das irregularidades na cessão de maquinários, veículos e equipamentos da Prefeitura Municipal para empresas privadas (Belém, 2014). Existe ainda uma Ação Civil Pública Ambiental (Processo nº 0014371-32.2008.814.0301) contra a Prefeitura Municipal, o Governo do Estado e a COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará) pela obrigação de fazer a manutenção técnica e periódica das obras do Projeto Una, assim como uma série de obras que ficaram pendentes após a dita conclusão do PMU (Pará, 2008).
de planejamento é a competitividade dos territórios em sua capacidade de atrair
investimentos. É importante lembrar que as discussões em torno do PMU iniciam-se
na década de 80 já em um contexto neoliberal, onde as cidades passam a ser
percebidas como centros de dinamização da economia capitalista global. Essa visão
sobre as cidades incide na necessidade dos governos locais em produzir cidades
atrativas e competitivas, transformando a lógica do planejamento urbano em
estratégia de desenvolvimento na contemporaneidade (Vainer, 2011). Nesse
sentido, o PMU pode ser considerado como parte de um plano estratégico de
valorização da Bacia do Una.
A crítica a este a este modelo de planejamento se dirige ao projeto de cidade
o qual ele corrobora, sobretudo no que diz respeito às mudanças que ocorrem no
mercado imobiliário após a conclusão de grandes projetos como o PMU. Abelém
(1989), por exemplo, analisa que as intervenções realizadas pelo Estado, sob o
pretexto de melhorar as condições de vida das classes populares, significam apenas
um paliativo para as mesmas, pois na medida em que a urbanização avança sobre
as baixadas, estas se mostram como novas áreas serem incorporadas ao sistema
imobiliário. Portela (2005) também discutiu que a realização de projetos de
urbanização é seguida pela valorização imobiliária do local decorrente da
implementação de um grande projeto sob a perspectiva do planejamento
estratégico. Isso tem resultado no aumento das taxas e impostos e na ação
desenfreada da especulação imobiliária e, consequentemente, na expulsão das
camadas populares originárias e na substituição destas por um segmento de maior
renda, contradizendo, assim, as justificativas que nortearam a proposta de
intervenção do poder público. A autora observa ainda que no Projeto Una, além dos
interesses políticos, existiam os interesses econômicos, não só do governo, que
visava garantir o retorno de seus investimentos, como também interesses de
proprietários particulares, que viam no projeto uma maneira de valorizar as áreas,
até então esquecidas pelo mercado de imóveis. Desse modo, o discurso oficial
justificativa o projeto por seus benefícios sociais, mas na realidade estes assumem
papel secundário.
Para este artigo considera-se o pressuposto de que os investimentos
empresariais no ramo imobiliário tem se concentrado na verticalização de vários
bairros da capital paraense pela construção de torres residenciais, como tem se
observado historicamente. Oliveira et. al. (2005) escrevem que nas décadas de
1950, 1960 e 1970 a construção de prédios concentrou-se em bairros como Nazaré,
Reduto, Umarizal e Batista Campos. A partir da década de 1980, os terrenos
centrais tiveram seus preços inflacionados, pois, suas ofertas atingiram níveis de
saturação. Agravando esta tendência, houve também neste período acentuado
crescimento populacional. Assim, a verticalização deixou de se concentrar nos
bairros centrais e dirigiu-se para os bairros do Marco e da Pedreira (Oliveira et al.,
2005). Cumpre ressaltar que as áreas destes bairros que passaram por
verticalização foram aquelas que não era baixas ou úmidas e que já na década de
1980 possuíam largas avenidas, alguns equipamentos urbanos e fácil acesso ao
centro.
Sobre as décadas seguintes à de 1980, os mesmos autores discutem que a
tendência é esse processo de verticalização se espalhar para áreas próximas ao
centro, como os Bairros do Telégrafo, da Matinha e da Sacramenta, todos
pertencentes de modo integral à Bacia do Una. Assim é importante a discussão do
processo de segregação sócio-espacial ocorrido nessas áreas que atingem de forma
agressiva as classes mais baixas quando o processo de verticalização aumenta
exponencialmente. O trabalho de Oliveira et. al. (2005) indica que o processo de
verticalização e a implantação de infraestrutura pelo Estado estão sempre em
diálogo. Tais processos implicaram em alterações físico-ambientais no sítio intra-
urbano, como por exemplo, aterros de planícies inundáveis, aberturas e
pavimentação de ruas, calçamentos, retificação de canais de drenagem e redução
das áreas verdes da cidade. Ou seja, quase todas as medidas propostas direta ou
indiretamente por grandes projetos de infraestrutura urbana como o Projeto Una.
Dez anos após declarada a conclusão do PMU sabe-se que os benefícios
secundários do projeto – os sociais – não tiveram continuidade. No entanto, resta
ainda o questionamento sobre o êxito do referido projeto nos termos do
planejamento estratégico, o que significaria ter disponibilizado, dentro do intervalo de
uma década, mais terras da Bacia do Una no mercado imobiliário, o que pode se
refletir no aumento da verticalização em determinados bairros.
Assim, para alcançar o objetivo deste artigo, isto é, discutir se o PMU foi bem-
sucedido sob a ótica do planejamento estratégico, é necessário considerar os
seguintes dados que mostram o nível de transformação do tipo de domicílio
(apartamento, casa ou cômodo) em quatro bairros da Bacia do Una entre os anos de
2000 e 20106. O bairros escolhidos – Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta são
aqueles nos quais se espera que os efeitos da urbanização estejam relacionados de
forma mais estreita à verticalização.
Tabela 1: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro de Fátima em 2000 e 2010
Tipo de Domicílio 2000 2010
% %
Apartamento 157 5,45 243 8,09
Casa 2.701 93,72 2.754 91,56
Cômodo, Cortiços ou
Cabeça de Porco
24 0,83 8 0,27
Total de Domicílios 2.882 100 3.005 100
Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010
No Bairro de Fátima houve um aumento pequeno no número de
apartamentos, ao mesmo tempo em que o número de casas também aumentou
timidamente. Observa-se que o aumento de apartamentos foi maior que o de casas.
Porém, o Bairro de Fátima em 2010 continuou sendo um bairro predominantemente
composto por casas (91,56%). O aumento do número de apartamentos seguiu o
aumento do total de domicílios do bairro sem que houvesse significativa diminuição
do número de casas ou de moraria em cômodos.
Tabela 2: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro da Pedreira em 2000 e 2010
Tipo de Domicílio 2000 2010
% %
Apartamento 2.674 16,37 3.418 3,45
Casa 13.096 80,15 15.418 81,13
Cômodo, Cortiços ou
Cabeça de Porco
569 3,48 167 0,88
Total de Domicílios 16.339 100 19.003 100
Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010
Na Pedreira, apesar de este ser um dos bairros onde se aponta a olho nu
uma considerável verticalização na última década, o aumento proporcional de casas
entre 2000 e 2010 foi maior que o aumento do número de apartamentos no mesmo
período, havendo também o aumento no total de domicílios.
6 A escolha deste recorte temporal se dá pela disponibilidade dos dados dos censos do IBGE de 2000
e 2010, bem como pelo fato de que cada censo coincide, respectivamente, com o momento anterior à finalização das obras do PMU e com o momento posterior à dita conclusão do projeto em 2005.
Tabela 3: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro do Telégrafo em 2000 e 2010
Tipo de Domicílio 2000 2010
% %
Apartamento 243 2,66 365 3,45
Casa 8.472 92,74 9.246 87,41
Cômodo, Cortiços ou
Cabeça de Porco
420 4,60 50 0,47
Total de Domicílios 9.135 100 10.578 100
Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010
No Bairro do Telégrafo também foi notado o aumento no total de domicílios,
assim como o aumento no número de casas e apartamentos, estes últimos tendo
aumentado entre 2000 e 2010 em uma proporção menor em relação ao número de
casas.
Tabela 4: Número de domicílios segundo o tipo no Bairro da Sacramenta em 2000 e 2010
Tipo de Domicílio 2000 2010
% %
Apartamento 143 1,44 278 2,42
Casa 9.285 93,52 10.079 87,61
Cômodo, Cortiços ou
Cabeça de Porco
500 5,04 58 0,50
Total de Domicílios 9.928 100 11.504 100
Fonte: IBGE, Senso Demográfico 2000/2010
No Bairro da Sacramenta o aumento nos números de casas e apartamentos
também se elevou acompanhando o número do total de domicílios entre 2000 e
2010, embora o número de casas tenha aumentado em uma proporção maior do
que o número de apartamentos.
De um modo geral, nota-se que houve um adensamento nos bairros em
questão não apenas com a verticalização, mas também com a construção de casas.
Logo, embora estes bairros tenham disponibilizado terras para o mercado através do
PMU e recebido alguns investimentos imobiliários, estes não foram suficientes para
mudar substancialmente o perfil residencial e socioeconômico desses bairros. Entre
as mudanças mais significativas percebidas pela comparação entre os dados de
2000 e 2010 é a diminuição do número de casas de cômodo, cortiços e cabeças de
porco nos Bairros de Fátima, Pedreira, Telégrafo e Sacramenta. Este pode ser
considerado um dos efeitos positivos do Projeto Una, já que significa a redução do
número de assentamentos precários e aglomerados subnormais na região.
Esta categoria do IBGE – o aglomerado subnormal7 – também é interessante
para examinar os resultados do PMU à luz do planejamento estratégico. No mapa
abaixo, os mesmos bairros aqui analisados aparecem representados pela sua
incidência de favelas ou baixadas baseada na intensidade de aglomerados
subnormais.
Mapa 1 – Aglomerados subnormais nos bairros de Belém em 2010
Fonte: GUSMÃO, Luiz Henrique Almeida. Avanço da verticalização em Belém/PA usando geotecnologias. In: ___ . Geografia e cartografia digital de Belém (Pará). Out. 2014. Disponível em:
<http://geocartografiadigital.blogspot.com/2014/10/o-avanco-da-verticalizacao-em-belempa.html>.
7 O IBGE define aglomerado subnormal como sendo um conjunto de domicílios com no mínimo 51 unidades
que ocupa, de maneira desordenada e densa, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e que não possui acesso a serviços públicos essenciais.
Apesar das limitações do conceito de aglomerado subnormal e maior
afinidade dos autores deste paper com a categoria "assentamento precário"
(Cardoso et. al., 2011), o mapa acima segue na direção que os dados do IBGE vem
indicando no que diz respeito ao questionamento do êxito do PMU sob a perspectiva
do planejamento estratégico. No mapa, o Bairro de Fátima aparece como tendo
média intensidade de favelas ou aglomerados subnormais, enquanto que a Pedreira
apresenta baixa intensidade. Quando aos Bairros do Telégrafo e da Sacramenta,
ambos aparecem no mapa como tendo alta intensidade de favelas ou aglomerados
subnormais.
O mapa mostra como ainda existem áreas de ocupação irregular e com
deficiências infraestruturais em bairros nos quais ocorreu um grande investimento
em saneamento, drenagem e regularização fundiária através do PMU. Ao mesmo
tempo, a própria natureza do mapa apresenta limitações em representar as
experiências concretas dos habitantes desses bairros. Na Pedreira, o bairro que
aparece no mapa com baixa intensidade de favelas, os moradores ainda passam por
inundações mesmo em áreas que foram integralmente beneficiadas pelo projeto
(Soares, 2016). Isso indica como há na Bacia do Una áreas que foram urbanizadas,
mas que se encontram ao lado de canais que transbordam. Ou seja, além das
permanência de comunidades efetivamente favelizadas, ainda há os casos de áreas
que não correspondem à caracterização de favela, aglomerado subnormal ou
assentamento precário, mas que continuam a sofrer com os problemas de
inundação – e consequentemente esgoto – que são próprios de favelas ou baixadas.
IV. CONCLUSÃO
O Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una foi uma iniciativa de grande
porte executada pelas esferas Estadual e Municipal em Belém com o financiamento
do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Entre 1993 e 2004 foram
realizadas obras de infraestrutura urbana que, segundo os discursos oficiais, seriam
responsáveis pela melhoria da qualidade de vida da população de uma área que
abrange 20 bairros da capital paraense. No entanto, o abandono do projeto –
principalmente do sistema de macrodrenagem – após a conclusão das obras coloca
em risco o investimento nos benefícios sociais um dia oferecidos pelo PMU.
No entanto, se considerado o PMU de acordo com os parâmetros do
planejamento estratégico – e da crítica a este modelo de planejamento – os
benefícios sociais estão sempre em segundo plano quando se trata de grandes
projetos de infraestrutura urbana. Em suma, a partir das reflexões de Vainer (2011),
é de se esperar que o planejamento estratégico não prepara a cidade para os seus
habitantes, mas para investimentos e para aqueles que podem consumir os espaços
à venda. Desse modo, o presente artigo questionou se o PMU foi bem sucedido
naquele que seria o objetivo primeiro do projeto, isto é, em promover a apropriação
da Bacia do Una por interesses empresariais.
A análise dos dados coletados pelo IBGE em quatro bairros – Matinha,
Pedreira, Telégrafo e Sacramenta – e a observação in loco das dinâmicas cotidianas
e das condições de vida dos habitantes desses bairros conduziram à seguinte
constatação: o tímido aumento proporcional no número de apartamentos em relação
à elevação do número de casas; a ausência de mudança no perfil residencial em
bairros próximos ao centro; as taxas de verticalização possivelmente aquém do
esperado; a permanência de aglomerados subnormais e assentamentos precários
no interior da Bacia do Una e as próprias inundações por transbordamento dos
canais levam à conclusão de que, mesmo do ponto de vista do planejamento
estratégico, o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una não foi uma experiência
bem sucedida. Isso significa o referido projeto não consolidou a elitização dos
espaços mais valorizados da Bacia do Una pela sua proximidade do centro da
cidade, ao mesmo tempo em que seus habitantes continuam sofrendo com
deficiências na infraestrutura urbana mesmo após um investimento do porte do
Projeto Una.
REFERÊNCIAS
ABELÉM, Auriléa Gomes. Urbanização e remoção: por que e para quem? Belém: Centro de Filosofia e Ciências Humanas/NAEA/UFPA, 1988. BELÉM. Prefeitura Municipal. Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo de investigar indícios de irregularidades na transferência, para empresas da iniciativa privada, de veículos e equipamentos doados pelo Governo do Estado do Pará ao Município de Belém. Diário Oficial da Câmara, Belém, 19 dez. 2014. CARDOSO, Welson; CRUZ, Sandra H. R.; SÁ, Maria. E. R. de; . Indicadores socioespaciais
urbanos nos assentamentos precários em Belém/PA. In: Encontro Nacional da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 14. 2011. Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: ANPUR, 2011.
COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ. Governo do Estado do Pará. Informaçõesgerais sobre o Projeto Una. Belém, 2006.
GUSMÃO, Luiz Henrique Almeida. Avanço da verticalização em Belém/PA usando geotecnologias. In: ___ . Geografia e cartografia digital de Belém (Pará). Out. 2014. Disponível em: <http://geocartografiadigital.blogspot.com/2014/10/o-avanco-daverticalizacao-em-belempa.html>.
LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. ______. O direito à cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
MORAES, Regiane C. de. As intervenções na Bacia Hidrográfica urbana de Belém – PA: um estudo de alagamento/inundação na Bacia do Una (2005 a 2013). 86f. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado e Licenciatura em Geografia) – Universidade Federal do Pará. Belém, 2014. OLIVEIRA, Janete M. G. C.; FRANÇA, Carmena F. de.; BORDALO, Carlos A. L. A
verticalização em Belém-Pará, Brasil, nos últimos trinta anos: a produção de espaços segregados e as transformações socio-ambientais. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina. Anais em CD–ROM. 2005. São Paulo.
PARÁ (Estado) . Poder Judiciário. Tribunal de Justiça. Processo nº 0014371 32.2008.814.0301. Decisão interlocutória. Despacho do Juiz Marco Antônio Lobo Castelo Branco. Belém, 2008.
PORTELA, Roselene de Souza, Planejamento, Participação Popular e Gestão de Políticas Urbanas: A Experiência do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una (Belém/PA). 2005
SOARES, Pedro P. M. A. Memória Ambiental da Bacia do Una: Estudo antropológico
sobre transformações urbanas e políticas públicas de saneamento em Belém (PA). 278f. 2016. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2016.
TRINDADE JR. Saint. Clair. Produção do espaço e uso do solo urbano em Belém. Belém: UFPA/NAEA/PLADES, 1997.
VAINER, B. Carlos. Pátria, empresa e mercadoria. In: ARANTES; VAINER; MARICATO. A cidade do pensamento único. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, pp. 75-103.