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O PROGRESSO TÉCNICO NA IDADE MÉDIA Ênio José Toniolo Em geral, os historiadores mostram grande má vontade para com o período medieval: Teria sido uma época de superstição e atraso, estagnação e crueldade. É uma visão certamente preconceituosa, causada pelo ódio à influência exercida naquela época pela Igreja Católica tradicional, de cujo espírito estavam impregnadas, em maior ou menor grau, todas as instituições. Todavia, a Idade Média foi época de muitos inventos, grandes e pequenos, de cuja origem às vezes não se suspeita. Vejamos, por exemplo, o setor de transportes. Com o desenvolvimento dos mastros, a junção da vela latina e da vela quadrada, a multiplicação dos remadores nas galeras, o reforço do casco por meio de um esporão robusto, obtiveram-se melhores condições de nevegabilidade. (Perroy, 1957 : 177). Contudo, maior progresso alcançou-se no século XIII, ao generalizar-se o leme de cadaste, que veio substituir o pesado remo situado na popa do navio, permitindo uma direção mais segura de embarcações muito maiores. (Wolff, 1988: 146; Heers, 1968 : 255). “Devido à pressão exercida pela vela de proa sobre o leme, tornou-se necessário um certo contrapeso mais a ré. Isso levou ao acréscimo de um terceiro mastro na popa conhecido como mastro de mezena. A primeira ilustração datada de uma carraca de três mastros é de 1466. No final da Idade Média algumas dessas embarcações tinham 60 metros de comprimento com uma boca de 15 metros e uma capacidade de cerca de 1.400 toneladas.” (Hodgett, 1975 : 131) A invenção do leme (desconhecido na civilização greco-romana) e da bússola provocaram o ciclo das descobertas dos séculos XV e XVI. (Fonseca, 1958 : 273-274). É quando aparecem as primeiras cartas marítimas (Giordani, 1993 : 324), invenções que, associadas ao astrolábio, permitiram a navegação em alto-mar. (Vianna, 1962 : 620). Atribui-se ao Papa Silvestre II a invenção, ou talvez a introdução, a partir do mundo islâmico, do astrolábio “para medir a altura dos astros sobre o horizonte, da esfera sólida destinada a estudar os movimentos ce-lestes e do primeiro relógio mecânico acionado por pesos. As conseqüências foram incalculáveis.” (Puiggrós, 1965 : 173). O astrolábio, de início ainda rudimentar, aperfeiçoou-se pouco a pouco: Presença dos azimutes, aparecimento do ostensor , exatidão na graduação da eclíptica. (Beaujouan, 1959 : 130). Em 1434, surge a caravela em Valença. (Wolff, 1988 : 237). Nos Países Baixos, apareceu a eclusa; constituída por uma câmara com portas em cada extremidade, possibilitava a passagem da embarcação de um nível de água para outro. Canais e eclusas surgiram em Flandres e na Holanda já no século XII. (Hodgett, 1975 : 132). No século XI, os europeus começaram a usar ferraduras nos animais; isto lhes aumenta a vida útil e, com a utilização da carreta de quatro rodas, possibilita um distanciamento maior entre a aldeia e os campos. (Silva, 1986 : 47). “Do século X ao século XII, generaliza-se no Ocidente o moderno atrelamento dos animais, a coelheira dura, os tirantes, a disposição em fila e a ferragem com pregos: desde então os cavalos podem tirar com toda a sua força e peso, em vez de erguerem a cabeça, semi- estrangulados, como ‘os altivos corcéis’ da Antiguidade. (...) o jogo dianteiro móvel data

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Page 1: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

O PROGRESSO TEacuteCNICO NA IDADE MEacuteDIA

Ecircnio Joseacute Toniolo

Em geral os historiadores mostram grande maacute vontade para com o periacuteodo medieval Teria sido uma eacutepoca de supersticcedilatildeo e atraso estagnaccedilatildeo e crueldade Eacute uma visatildeo certamente preconceituosa causada pelo oacutedio agrave influecircncia exercida naquela eacutepoca pela Igreja Catoacutelica tradicional de cujo espiacuterito estavam impregnadas em maior ou menor grau todas as instituiccedilotildees

Todavia a Idade Meacutedia foi eacutepoca de muitos inventos grandes e pequenos de cuja origem agraves vezes natildeo se suspeita Vejamos por exemplo o setor de transportes

Com o desenvolvimento dos mastros a junccedilatildeo da vela latina e da vela quadrada a multiplicaccedilatildeo dos remadores nas galeras o reforccedilo do casco por meio de um esporatildeo robusto obtiveram-se melhores condiccedilotildees de nevegabilidade (Perroy 1957 177) Contudo maior progresso alcanccedilou-se no seacuteculo XIII ao generalizar-se o leme de cadaste que veio substituir o pesado remo situado na popa do navio permitindo uma direccedilatildeo mais segura de embarcaccedilotildees muito maiores (Wolff 1988 146 Heers 1968 255) ldquoDevido agrave pressatildeo exercida pela vela de proa sobre o leme tornou-se necessaacuterio um certo contrapeso mais a reacute Isso levou ao acreacutescimo de um terceiro mastro na popa conhecido como mastro de mezena A primeira ilustraccedilatildeo datada de uma carraca de trecircs mastros eacute de 1466 No final da Idade Meacutedia algumas dessas embarcaccedilotildees tinham 60 metros de comprimento com uma boca de 15 metros e uma capacidade de cerca de 1400 toneladasrdquo (Hodgett 1975 131) A invenccedilatildeo do leme (desconhecido na civilizaccedilatildeo greco-romana) e da buacutessola provocaram o ciclo das descobertas dos seacuteculos XV e XVI (Fonseca 1958 273-274) Eacute quando aparecem as primeiras cartas mariacutetimas (Giordani 1993 324) invenccedilotildees que associadas ao astrolaacutebio permitiram a navegaccedilatildeo em alto-mar (Vianna 1962 620) Atribui-se ao Papa Silvestre II a invenccedilatildeo ou talvez a introduccedilatildeo a partir do mundo islacircmico do astrolaacutebio ldquopara medir a altura dos astros sobre o horizonte da esfera soacutelida destinada a estudar os movimentos ce-lestes e do primeiro reloacutegio mecacircnico acionado por pesos As consequumlecircncias foram incalculaacuteveisrdquo (Puiggroacutes 1965 173) O astrolaacutebio de iniacutecio ainda rudimentar aperfeiccediloou-se pouco a pouco Presenccedila dos azimutes aparecimento do ostensor exatidatildeo na graduaccedilatildeo da ecliacuteptica (Beaujouan 1959 130) Em 1434 surge a caravela em Valenccedila (Wolff 1988 237) Nos Paiacuteses Baixos apareceu a eclusa constituiacuteda por uma cacircmara com portas em cada extremidade possibilitava a passagem da embarcaccedilatildeo de um niacutevel de aacutegua para outro Canais e eclusas surgiram em Flandres e na Holanda jaacute no seacuteculo XII (Hodgett 1975 132)

No seacuteculo XI os europeus comeccedilaram a usar ferraduras nos animais isto lhes aumenta a vida uacutetil e com a utilizaccedilatildeo da carreta de quatro rodas possibilita um distanciamento maior entre a aldeia e os campos (Silva 1986 47) ldquoDo seacuteculo X ao seacuteculo XII generaliza-se no Ocidente o moderno atrelamento dos animais a coelheira dura os tirantes a disposiccedilatildeo em fila e a ferragem com pregos desde entatildeo os cavalos podem tirar com toda a sua forccedila e peso em vez de erguerem a cabeccedila semi-estrangulados como lsquoos altivos corceacuteisrsquo da Antiguidade () o jogo dianteiro moacutevel data

do seacuteculo XIV e permitiraacute a traccedilatildeo das peccedilas de artilharia receacutem-inventadasrdquo (Beujouan 1959 143) A adoccedilatildeo generalizada da coelheira possibilitou o atrelamento aos arados de cavalos em lugar de bois uma mudanccedila que ocorreu por volta de 1200 Os bois tambeacutem passaram a ser utilizados com maior eficiecircncia atraveacutes da invenccedilatildeo da canga frontal pois esta deu-lhes mais forccedila de traccedilatildeo que a anterior presa nos chifres (Hodgett 1975 220) Surge um pequeno objeto na aparecircncia evidente mdash mas totalmente desconhecido na Antiguidade o estribo graccedilas ao qual o cavaleiro podia empunhar a sua arma com muito mais forccedila e confianccedila (Trevor-Roper 1966 102-104)

A pavimentaccedilatildeo das estradas mais faacutecil e mais econocircmica substitui com vantagem o lajeamento das vias romanas O Satildeo Gotardo por tanto tempo intransponiacutevel transformou-se em via de tracircnsito atraveacutes da primeira ponte pecircnsil de que se tem conhecimento datada provavelmente do iniacutecio do seacuteculo XIII (Pirenne 1982 39) Por outro lado o tuacutenel de estrada mais antigo o do Monte Viso com de cerca de cem metros foi construiacutedo entre 1478 e 1480 com a finalidade de facilitar o transporte do sal da Provenccedila (Wolff 1988 144) Foi inventado tambeacutem esse aparelho extraordinaacuterio o carrinho de matildeo que permite a um homem realizar o trabalho de dois (Fremantle 1970 125 Vianna 1962 621)

Nas cidades a calccedilada destinada aos pedestres introduziu-se a partir de 1185 em Paris 1235 em Florenccedila 1310 em Luumlbeck (Mumford 1965 401) As ruas largas natildeo eram necessaacuterias ldquopois havia pouco traacutefego sobre rodas e nenhum exigia tracircnsito raacutepidordquo (Hodgett 1975 71) Satildeo tambeacutem criaccedilotildees medievais a chamineacute domeacutestica a vela e o ciacuterio (Vianna 1962 621)

A partir do seacuteculo X os cursos drsquoaacutegua satildeo regulados cortados por desvios barragens e quedas destinadas a movimentar moinhos de cereais e lagares A roda drsquoaacutegua era tatildeo utilizada que na Inglaterra de Guilherme o Conquistador (seacuteculo XI) contavam-se cinco mil Foi usada em toda a parte para bombear aacutegua serrar madeira pulverizar o pigmento das tintas e o malte da cerveja acionar maacutequinas triturar mineacuterios forjar ferro espichar arames Com ela a escavaccedilatildeo das minas ultrapassou em muito os 800 metros de profundidade (Puiggroacutes 1965 179 Hodgett 1975 28) Aprimoraram-se as engrenagens e outros dispositivos mecacircnicos Surge o fole com placas e vaacutelvulas ldquoNo fim da Idade Meacutedia o alto-forno possibilitou a fabricaccedilatildeo do ferro fundido Essa foi a invenccedilatildeo mais importante da induacutestria metaluacutergica O bronze uma liga de cobre e estanho com um ponto de fusatildeo mais baixo que o ferro era fundido desde os comeccedilos do seacuteculo XII e utilizado na fabricaccedilatildeo de sinos e estaacutetuasrdquo (Hodgett 1975 189) ldquoA fabricaccedilatildeo de um sino exigia teacutecnica especial para que o mesmo produzisse um som adequado O fundidor deveria antes de iniciar o trabalho calcular o tamanho do sino e as proporccedilotildees exatasrdquo (Giordani 1993 159)

A partir do seacuteculo XII explorou-se outra fonte de energia o vento Os moinhos de vento satildeo mencionadas em Arles pela primeira vez entre 1162 e 1180 (Hodgett 1975 222) No seacuteculo XIII jaacute se comprova a existecircncia de moinhos de mareacute na foz do Adour perto de Bayonne (Giordani 1993 158)

O primeiro poccedilo artesiano conhecido foi perfurado em 1126 Entre as inovaccedilotildees medievais aparecem tambeacutem a sericultura (introduzida na Siciacutelia por volta de 1130) a falcoaria o arenque defumado e a ldquochampanhizaccedilatildeordquo do vinho branco (Beaujouan 1959 144)

Na induacutestria domeacutestica a roca substitui o fuso para enrolar a estriga E a partir de 1280 ldquoa roda de fiar ( provavelmente uma das grandes invenccedilotildees da induacutestria tecircxtil) compete com a roca e o fuso os quais possibilitaram agraves mulheres trabalhar enquanto supervisionavam outras atividades No seacuteculo XIV o linho eacute pela primeira vez empregado na confecccedilatildeo de roupas brancas em oposiccedilatildeo aos grosseiros panos de latilde ateacute entatildeo usados o que acarreta uma melhoria na higiene e o retrocesso da lepra fornece tambeacutem mateacuteria-prima barata para a induacutestria papeleira trazida da China no seacuteculo XIII (Beaujouan 1959 144 Hodgett 1975 161) A introduccedilatildeo do tear horizontal de pedal provavelmente triplicou a produtividade dos lanifiacutecios (Anderson 1982 215) Em fins do seacuteculo XII surge um invento no processo de tecelagem da latilde O pisatildeo que substituiu a pisagem de peacutes humanos pela batida de martelo sobre o tecido Um tambor giratoacuterio preso ao eixo de uma roda drsquoaacutegua acionava os martelos Outra invenccedilatildeo foi a maacutequina cardadora constituiacuteda por um conjunto de rolos com cardas movimentado tambeacutem pela forccedila hidraacuteulica (Hodgett 1975 160 177) O moinho mecacircnico de dobar a seda parece ter surgido na Itaacutelia no fim do seacuteculo XIII (Wolff 1988 100) Aleacutem disso foram inventados o botatildeo e a camisa

O aacutelcool aparece em Salerno por volta de 1110 e sua fabricaccedilatildeo melhora rapidamente com o emprego de desidratantes como o carbonato de potassa Aleacutem disso a teacutecnica da destilaccedilatildeo aperfeiccediloa-se empregando-se o alambique claacutessico cujo escoadouro tubular em forma de serpentina mergulha numa cuba para a circulaccedilatildeo da aacutegua (Beaujouan 1959 144-145) Em Toulouse fabrica-se aguardente no comeccedilo do seacuteculo XV ldquoo uacuteltimo grande seacuteculo do comeacutercio de vinho Concorrentes vatildeo aparecer e desenvolver-se em primeiro lugar a cerveja que se aprende a fabricar melhor na Alemanha no seacuteculo XIV com a utilizaccedilatildeo do luacutepulordquo (Wolff 1988 89)

Alberto Magno (1183-1280) conseguiu preparar a potassa caacuteustica Foi o primeiro a descrever a composiccedilatildeo quiacutemica do cinabre do alvaiade e do miacutenio Raimundo Luacutelio (1235-1315) preparou o bicarbonato de potaacutessio Teofrasto Paracelso (1493-1541) descreveu o zinco desconhecido ateacute entatildeo Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos quiacutemicos

Os oacuteculos para corrigir a miopia aparecem por volta de 1285 primeiro de cristal de rocha depois de vidro Nos seacuteculos seguintes outros artesatildeos iriam melhorar as lentes de onde resulta-riam o telescoacutepio e o microscoacutepio (Fremantle 1970 149)

Os reloacutegios mecacircnicos de peso difundem-se no fim do seacuteculo XIII No seacuteculo XV surgem os reloacutegios de areia ou ampulhetas (Wihthrow 1993 119)

O estilo goacutetico na arquitetura surge como um progresso essencialmente teacutecnico que consistia numa diminuiccedilatildeo das pressotildees exercidas pelas aboacutebadas as quais podiam elevar-se pelo afilamento das flechas e o equiliacutebrio dos arcobotantes leves (filhos da

ciecircncia dos nuacutemeros inven-tados em Paris em 1180 para erguer mais alto a nave de Notre-Dame) e colunas com corucheacuteus As aboacutebadas atingem alturas cada vez maiores 32 metros em Paris 37 em Chartres 42 em Amiens 48 em Beauvais Acessoriamente a aboacutebada melhorava os valores acuacutesticos dum edifiacutecio destinado agrave execuccedilatildeo do canto coral Por sua vez o adelgaccedilamento das paredes fez desabrochar a teacutecnica do vitral cujo emprego fora ateacute entatildeo limitado pela estreiteza das aberturas romacircnicas os vatildeos puderam alargar-se havendo mais espaccedilo para as janelas e assim as igrejas tornam-se mais iluminadas No periacuteodo que vai de 1170 a 1270 construiacuteram-se na Franccedila mais de 500 grandes igrejas goacuteticas (Fremantle 1970 127 Duby 1979 121 281 Perroy 1957 166-167) Aliaacutes a heranccedila mais duradoura da Idade Meacutedia eacute sua arquitetura Os castelos satildeo em sua maioria ruiacutenas impressionantes as catedrais continuam de peacute desafiando os seacuteculos (Ferguson 1970 220)

No domiacutenio das obras puacuteblicas mencionam-se as pontes com arcos em segmento as comportas e as dragas (Beaujouan 1959 145-146)

A contabilidade ganha em clareza com a adoccedilatildeo do meacutetodo veneziano das duas colunas frente a frente (creacutedito e deacutebito) mas sua transformaccedilatildeo mais importante consistiu nas partidas dobradas que provavelmente surgiram simultaneamente em vaacuterias cidades italianas entre 1250 e 1350 Elas natildeo precisaratildeo sofrer ateacute o fim do seacuteculo XIX senatildeo pequenas alteraccedilotildees de detalhe A letra de cacircmbio aparece no seacuteculo XIII (Wolff 1988 126) Os cambistas examinavam e pesavam as moedas do ldquobancordquo onde eles realizavam essa operaccedilatildeo surgiu a instituiccedilatildeo bancaacuteria e as variadas praacuteticas financeiras nasceram desse serviccedilo primitivo de cacircmbio de dinheiro (Fremantle 1970 74) O seguro mariacutetimo estaacute presente em documentos genoveses desde o seacuteculo XII (Pirenne 1982 124)

As feiras existentes desde o seacuteculo XI eram centros de intercacircmbio em grande escala que se esforccedilavam em reunir o maior nuacutemero possiacutevel de homens e produtos (Pirenne 1982 102)

Foram fundadas no seacuteculo XIII algumas organizaccedilotildees postais privadas Em 1357 dezessete companhias florentinas fundaram a lsquoScarsella dei Mercanti Fiorentinirsquo que mantinha toda semana um correio comum e nos dois sentidos com Avignon Foi a primeira companhia postal conhecida cujos estatutos foram conservados (Wolff 1988 156)

ldquoEm 1305 para uniformizar as medidas em certos negoacutecios o rei Eduardo I da Inglaterra decretou que fosse considerada como uma polegada a medida de trecircs gratildeos secos de cevada colocados lado a lado Os sapateiros ingleses gostaram da ideacuteia e passaram a fabricar pela primeira vez na Europa sapatos em tamanho padratildeo baseados no gratildeo de cevadardquo (Superinteressante Satildeo Paulo 2 13 fev 1988)

A obra medieval de Beda conteacutem a primeira investigaccedilatildeo cientiacutefica das mareacutes envolvendo o mais antigo estudo sobre o intervalo meacutedio entre o momento da mareacute cheia e o do tracircnsito anterior do meridiano pela lua (Whithrow 1993 90)

ldquoA primitiva lavoura utilizava no Meacutedio Oriente e no Mediterracircneo o sistema da lsquosulcagemrsquo um espigatildeo com a ponta virada para baixo puxado por uma junta de bois primeiro numa direccedilatildeo depois transversalmente arroteava um lote quadrado de terra Este meacutetodo era suficiente para os terrenos leves e secos Mas nos solos huacutemidos e pesados do norte da Europa esse tipo de arado era inadequado exceto nos outeiros bem drenados Por conseguinte a agricultura foi a princiacutepio praticada apenas em zonas muito limitadas Na Idade Meacutedia comeccedilou a generalizar-se gradualmente pelo Norte da Europa um novo tipo de arado Tratava-se de um arado pesado com lacircmina e relha para fender o solo e uma aiveca para voltar os torrotildees para os lados e abrir um sulco drenando desse modo o terreno ao mesmo tempo que o lavravardquo (TrevorRoper 1966 121-122 Heers 1968 121) Comeccedila-se a utilizar a grade revolvido mais amplamente melhor arejado o solo absorve melhor a marga uma argila que conteacutem carbonato de caacutelcio e quando misturada agrave camada superior do solo mostra-se um fertilizante valioso (Perroy 1957 23-24) A irrigaccedilatildeo (de pastos e terras de lavoura) comeccedilou a ser empregada em larga escala e a Itaacutelia provavelmente abriu o caminho Na Idade Meacutedia outra invenccedilatildeo o mangual que substituiu a vara de bater aperfeiccediloa o processo de debulha (Hodgett 1975 29 221 Mumford 1965 337)

Nesse periacuteodo aleacutem das plantas cultivadas nos tempos claacutessicos foram aprimorados A espelta o centeio a aveia e o fagoacutepiro Aleacutem do sorgo outras culturas foram introduzidas na regiatildeo mediterracircnea pelos gregos ou aacuterabes Arroz cana-de-accediluacutecar algodatildeo e amoreira (Hodgett 1975 30 225) O pousio trienal e a partir do seacuteculo VIII o sistema de trecircs plantaccedilotildees alternadas permitem a aclimataccedilatildeo de novas culturas e aumentam acentuadamente a produccedilatildeo agriacutecola

Seria o mundo medieval um inferno de miseacuterias Descobre-se o contraacuterio a partir de um levantamento referente agrave cidade de Toulouse onde em 1322 havia 177 accedilougueiros ou seja um para cada 226 habitantes ldquopara uma populaccedilatildeo maacutexima de 40000 almas mdash cerca de duas ou trecircs vezes mais que hoje e alguns figuravam entre os comerciantes mais ricos da cidaderdquo (Wolff 1988 82-83) A conserva do arenque no sal foi descoberta em 14l6 por Willem Beeckelz (Fonseca 1958 314) ldquoApareceram as boas maneiras a lsquoetiquetarsquo a faca passou a ser um componente da mesa assim como o garfo que acabou se tornando um utensiacutelio domeacutestico apoacutes a peste negra (1348-1349)rdquo (Villa 1998 10)

ldquoJaacute em 1159 os primeiros pocirclderes porccedilotildees de terra tomadas aos alagadiccedilos ou ao mar por meio de diques foram criados em Flandresrdquo (Mumford 1965 336) A maior parte dos diques holandeses foi construiacuteda entre os anos de 1250 e 1350 Em 1408 aparece o primeiro exemplo conhecido de moinho de vento para bombear a aacutegua dos pocirclderes

Depois da manivela mdash descoberta de importacircncia fundamental mdash ocorreu a invenccedilatildeo alematilde da biela peccedila riacutegida com duas articulaccedilotildees para transformar o movimento rotativo em alternativo Comeccedilaram a utilizar-se ferramentas como a plaina e passou-se a usar o carvatildeo como combustiacutevel Diversas invenccedilotildees como a cola e o papel foram transmitidas pela China agrave Europa (Whithrow 1993 102 109) A tinta romana para escrever feita do negro da fumaccedila com goma e aacutegua natildeo tinha fixadores era uma tinta

moiacuteda ao passo que a utilizada na Idade Meacutedia se fazia por infusatildeo com goma pedra-ume e resina de carvalho (Spina 1977 30-31)

Vecirc-se portanto que a Idade Meacutedia ao contraacuterio do que muitos imaginam foi extremamente fecunda em avanccedilos teacutecnicos

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WOLFF Philippe Outono da Idade Meacutedia ou primavera dos tempos modernos Satildeo Paulo Martins Fontes 1988

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

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1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 2: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

do seacuteculo XIV e permitiraacute a traccedilatildeo das peccedilas de artilharia receacutem-inventadasrdquo (Beujouan 1959 143) A adoccedilatildeo generalizada da coelheira possibilitou o atrelamento aos arados de cavalos em lugar de bois uma mudanccedila que ocorreu por volta de 1200 Os bois tambeacutem passaram a ser utilizados com maior eficiecircncia atraveacutes da invenccedilatildeo da canga frontal pois esta deu-lhes mais forccedila de traccedilatildeo que a anterior presa nos chifres (Hodgett 1975 220) Surge um pequeno objeto na aparecircncia evidente mdash mas totalmente desconhecido na Antiguidade o estribo graccedilas ao qual o cavaleiro podia empunhar a sua arma com muito mais forccedila e confianccedila (Trevor-Roper 1966 102-104)

A pavimentaccedilatildeo das estradas mais faacutecil e mais econocircmica substitui com vantagem o lajeamento das vias romanas O Satildeo Gotardo por tanto tempo intransponiacutevel transformou-se em via de tracircnsito atraveacutes da primeira ponte pecircnsil de que se tem conhecimento datada provavelmente do iniacutecio do seacuteculo XIII (Pirenne 1982 39) Por outro lado o tuacutenel de estrada mais antigo o do Monte Viso com de cerca de cem metros foi construiacutedo entre 1478 e 1480 com a finalidade de facilitar o transporte do sal da Provenccedila (Wolff 1988 144) Foi inventado tambeacutem esse aparelho extraordinaacuterio o carrinho de matildeo que permite a um homem realizar o trabalho de dois (Fremantle 1970 125 Vianna 1962 621)

Nas cidades a calccedilada destinada aos pedestres introduziu-se a partir de 1185 em Paris 1235 em Florenccedila 1310 em Luumlbeck (Mumford 1965 401) As ruas largas natildeo eram necessaacuterias ldquopois havia pouco traacutefego sobre rodas e nenhum exigia tracircnsito raacutepidordquo (Hodgett 1975 71) Satildeo tambeacutem criaccedilotildees medievais a chamineacute domeacutestica a vela e o ciacuterio (Vianna 1962 621)

A partir do seacuteculo X os cursos drsquoaacutegua satildeo regulados cortados por desvios barragens e quedas destinadas a movimentar moinhos de cereais e lagares A roda drsquoaacutegua era tatildeo utilizada que na Inglaterra de Guilherme o Conquistador (seacuteculo XI) contavam-se cinco mil Foi usada em toda a parte para bombear aacutegua serrar madeira pulverizar o pigmento das tintas e o malte da cerveja acionar maacutequinas triturar mineacuterios forjar ferro espichar arames Com ela a escavaccedilatildeo das minas ultrapassou em muito os 800 metros de profundidade (Puiggroacutes 1965 179 Hodgett 1975 28) Aprimoraram-se as engrenagens e outros dispositivos mecacircnicos Surge o fole com placas e vaacutelvulas ldquoNo fim da Idade Meacutedia o alto-forno possibilitou a fabricaccedilatildeo do ferro fundido Essa foi a invenccedilatildeo mais importante da induacutestria metaluacutergica O bronze uma liga de cobre e estanho com um ponto de fusatildeo mais baixo que o ferro era fundido desde os comeccedilos do seacuteculo XII e utilizado na fabricaccedilatildeo de sinos e estaacutetuasrdquo (Hodgett 1975 189) ldquoA fabricaccedilatildeo de um sino exigia teacutecnica especial para que o mesmo produzisse um som adequado O fundidor deveria antes de iniciar o trabalho calcular o tamanho do sino e as proporccedilotildees exatasrdquo (Giordani 1993 159)

A partir do seacuteculo XII explorou-se outra fonte de energia o vento Os moinhos de vento satildeo mencionadas em Arles pela primeira vez entre 1162 e 1180 (Hodgett 1975 222) No seacuteculo XIII jaacute se comprova a existecircncia de moinhos de mareacute na foz do Adour perto de Bayonne (Giordani 1993 158)

O primeiro poccedilo artesiano conhecido foi perfurado em 1126 Entre as inovaccedilotildees medievais aparecem tambeacutem a sericultura (introduzida na Siciacutelia por volta de 1130) a falcoaria o arenque defumado e a ldquochampanhizaccedilatildeordquo do vinho branco (Beaujouan 1959 144)

Na induacutestria domeacutestica a roca substitui o fuso para enrolar a estriga E a partir de 1280 ldquoa roda de fiar ( provavelmente uma das grandes invenccedilotildees da induacutestria tecircxtil) compete com a roca e o fuso os quais possibilitaram agraves mulheres trabalhar enquanto supervisionavam outras atividades No seacuteculo XIV o linho eacute pela primeira vez empregado na confecccedilatildeo de roupas brancas em oposiccedilatildeo aos grosseiros panos de latilde ateacute entatildeo usados o que acarreta uma melhoria na higiene e o retrocesso da lepra fornece tambeacutem mateacuteria-prima barata para a induacutestria papeleira trazida da China no seacuteculo XIII (Beaujouan 1959 144 Hodgett 1975 161) A introduccedilatildeo do tear horizontal de pedal provavelmente triplicou a produtividade dos lanifiacutecios (Anderson 1982 215) Em fins do seacuteculo XII surge um invento no processo de tecelagem da latilde O pisatildeo que substituiu a pisagem de peacutes humanos pela batida de martelo sobre o tecido Um tambor giratoacuterio preso ao eixo de uma roda drsquoaacutegua acionava os martelos Outra invenccedilatildeo foi a maacutequina cardadora constituiacuteda por um conjunto de rolos com cardas movimentado tambeacutem pela forccedila hidraacuteulica (Hodgett 1975 160 177) O moinho mecacircnico de dobar a seda parece ter surgido na Itaacutelia no fim do seacuteculo XIII (Wolff 1988 100) Aleacutem disso foram inventados o botatildeo e a camisa

O aacutelcool aparece em Salerno por volta de 1110 e sua fabricaccedilatildeo melhora rapidamente com o emprego de desidratantes como o carbonato de potassa Aleacutem disso a teacutecnica da destilaccedilatildeo aperfeiccediloa-se empregando-se o alambique claacutessico cujo escoadouro tubular em forma de serpentina mergulha numa cuba para a circulaccedilatildeo da aacutegua (Beaujouan 1959 144-145) Em Toulouse fabrica-se aguardente no comeccedilo do seacuteculo XV ldquoo uacuteltimo grande seacuteculo do comeacutercio de vinho Concorrentes vatildeo aparecer e desenvolver-se em primeiro lugar a cerveja que se aprende a fabricar melhor na Alemanha no seacuteculo XIV com a utilizaccedilatildeo do luacutepulordquo (Wolff 1988 89)

Alberto Magno (1183-1280) conseguiu preparar a potassa caacuteustica Foi o primeiro a descrever a composiccedilatildeo quiacutemica do cinabre do alvaiade e do miacutenio Raimundo Luacutelio (1235-1315) preparou o bicarbonato de potaacutessio Teofrasto Paracelso (1493-1541) descreveu o zinco desconhecido ateacute entatildeo Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos quiacutemicos

Os oacuteculos para corrigir a miopia aparecem por volta de 1285 primeiro de cristal de rocha depois de vidro Nos seacuteculos seguintes outros artesatildeos iriam melhorar as lentes de onde resulta-riam o telescoacutepio e o microscoacutepio (Fremantle 1970 149)

Os reloacutegios mecacircnicos de peso difundem-se no fim do seacuteculo XIII No seacuteculo XV surgem os reloacutegios de areia ou ampulhetas (Wihthrow 1993 119)

O estilo goacutetico na arquitetura surge como um progresso essencialmente teacutecnico que consistia numa diminuiccedilatildeo das pressotildees exercidas pelas aboacutebadas as quais podiam elevar-se pelo afilamento das flechas e o equiliacutebrio dos arcobotantes leves (filhos da

ciecircncia dos nuacutemeros inven-tados em Paris em 1180 para erguer mais alto a nave de Notre-Dame) e colunas com corucheacuteus As aboacutebadas atingem alturas cada vez maiores 32 metros em Paris 37 em Chartres 42 em Amiens 48 em Beauvais Acessoriamente a aboacutebada melhorava os valores acuacutesticos dum edifiacutecio destinado agrave execuccedilatildeo do canto coral Por sua vez o adelgaccedilamento das paredes fez desabrochar a teacutecnica do vitral cujo emprego fora ateacute entatildeo limitado pela estreiteza das aberturas romacircnicas os vatildeos puderam alargar-se havendo mais espaccedilo para as janelas e assim as igrejas tornam-se mais iluminadas No periacuteodo que vai de 1170 a 1270 construiacuteram-se na Franccedila mais de 500 grandes igrejas goacuteticas (Fremantle 1970 127 Duby 1979 121 281 Perroy 1957 166-167) Aliaacutes a heranccedila mais duradoura da Idade Meacutedia eacute sua arquitetura Os castelos satildeo em sua maioria ruiacutenas impressionantes as catedrais continuam de peacute desafiando os seacuteculos (Ferguson 1970 220)

No domiacutenio das obras puacuteblicas mencionam-se as pontes com arcos em segmento as comportas e as dragas (Beaujouan 1959 145-146)

A contabilidade ganha em clareza com a adoccedilatildeo do meacutetodo veneziano das duas colunas frente a frente (creacutedito e deacutebito) mas sua transformaccedilatildeo mais importante consistiu nas partidas dobradas que provavelmente surgiram simultaneamente em vaacuterias cidades italianas entre 1250 e 1350 Elas natildeo precisaratildeo sofrer ateacute o fim do seacuteculo XIX senatildeo pequenas alteraccedilotildees de detalhe A letra de cacircmbio aparece no seacuteculo XIII (Wolff 1988 126) Os cambistas examinavam e pesavam as moedas do ldquobancordquo onde eles realizavam essa operaccedilatildeo surgiu a instituiccedilatildeo bancaacuteria e as variadas praacuteticas financeiras nasceram desse serviccedilo primitivo de cacircmbio de dinheiro (Fremantle 1970 74) O seguro mariacutetimo estaacute presente em documentos genoveses desde o seacuteculo XII (Pirenne 1982 124)

As feiras existentes desde o seacuteculo XI eram centros de intercacircmbio em grande escala que se esforccedilavam em reunir o maior nuacutemero possiacutevel de homens e produtos (Pirenne 1982 102)

Foram fundadas no seacuteculo XIII algumas organizaccedilotildees postais privadas Em 1357 dezessete companhias florentinas fundaram a lsquoScarsella dei Mercanti Fiorentinirsquo que mantinha toda semana um correio comum e nos dois sentidos com Avignon Foi a primeira companhia postal conhecida cujos estatutos foram conservados (Wolff 1988 156)

ldquoEm 1305 para uniformizar as medidas em certos negoacutecios o rei Eduardo I da Inglaterra decretou que fosse considerada como uma polegada a medida de trecircs gratildeos secos de cevada colocados lado a lado Os sapateiros ingleses gostaram da ideacuteia e passaram a fabricar pela primeira vez na Europa sapatos em tamanho padratildeo baseados no gratildeo de cevadardquo (Superinteressante Satildeo Paulo 2 13 fev 1988)

A obra medieval de Beda conteacutem a primeira investigaccedilatildeo cientiacutefica das mareacutes envolvendo o mais antigo estudo sobre o intervalo meacutedio entre o momento da mareacute cheia e o do tracircnsito anterior do meridiano pela lua (Whithrow 1993 90)

ldquoA primitiva lavoura utilizava no Meacutedio Oriente e no Mediterracircneo o sistema da lsquosulcagemrsquo um espigatildeo com a ponta virada para baixo puxado por uma junta de bois primeiro numa direccedilatildeo depois transversalmente arroteava um lote quadrado de terra Este meacutetodo era suficiente para os terrenos leves e secos Mas nos solos huacutemidos e pesados do norte da Europa esse tipo de arado era inadequado exceto nos outeiros bem drenados Por conseguinte a agricultura foi a princiacutepio praticada apenas em zonas muito limitadas Na Idade Meacutedia comeccedilou a generalizar-se gradualmente pelo Norte da Europa um novo tipo de arado Tratava-se de um arado pesado com lacircmina e relha para fender o solo e uma aiveca para voltar os torrotildees para os lados e abrir um sulco drenando desse modo o terreno ao mesmo tempo que o lavravardquo (TrevorRoper 1966 121-122 Heers 1968 121) Comeccedila-se a utilizar a grade revolvido mais amplamente melhor arejado o solo absorve melhor a marga uma argila que conteacutem carbonato de caacutelcio e quando misturada agrave camada superior do solo mostra-se um fertilizante valioso (Perroy 1957 23-24) A irrigaccedilatildeo (de pastos e terras de lavoura) comeccedilou a ser empregada em larga escala e a Itaacutelia provavelmente abriu o caminho Na Idade Meacutedia outra invenccedilatildeo o mangual que substituiu a vara de bater aperfeiccediloa o processo de debulha (Hodgett 1975 29 221 Mumford 1965 337)

Nesse periacuteodo aleacutem das plantas cultivadas nos tempos claacutessicos foram aprimorados A espelta o centeio a aveia e o fagoacutepiro Aleacutem do sorgo outras culturas foram introduzidas na regiatildeo mediterracircnea pelos gregos ou aacuterabes Arroz cana-de-accediluacutecar algodatildeo e amoreira (Hodgett 1975 30 225) O pousio trienal e a partir do seacuteculo VIII o sistema de trecircs plantaccedilotildees alternadas permitem a aclimataccedilatildeo de novas culturas e aumentam acentuadamente a produccedilatildeo agriacutecola

Seria o mundo medieval um inferno de miseacuterias Descobre-se o contraacuterio a partir de um levantamento referente agrave cidade de Toulouse onde em 1322 havia 177 accedilougueiros ou seja um para cada 226 habitantes ldquopara uma populaccedilatildeo maacutexima de 40000 almas mdash cerca de duas ou trecircs vezes mais que hoje e alguns figuravam entre os comerciantes mais ricos da cidaderdquo (Wolff 1988 82-83) A conserva do arenque no sal foi descoberta em 14l6 por Willem Beeckelz (Fonseca 1958 314) ldquoApareceram as boas maneiras a lsquoetiquetarsquo a faca passou a ser um componente da mesa assim como o garfo que acabou se tornando um utensiacutelio domeacutestico apoacutes a peste negra (1348-1349)rdquo (Villa 1998 10)

ldquoJaacute em 1159 os primeiros pocirclderes porccedilotildees de terra tomadas aos alagadiccedilos ou ao mar por meio de diques foram criados em Flandresrdquo (Mumford 1965 336) A maior parte dos diques holandeses foi construiacuteda entre os anos de 1250 e 1350 Em 1408 aparece o primeiro exemplo conhecido de moinho de vento para bombear a aacutegua dos pocirclderes

Depois da manivela mdash descoberta de importacircncia fundamental mdash ocorreu a invenccedilatildeo alematilde da biela peccedila riacutegida com duas articulaccedilotildees para transformar o movimento rotativo em alternativo Comeccedilaram a utilizar-se ferramentas como a plaina e passou-se a usar o carvatildeo como combustiacutevel Diversas invenccedilotildees como a cola e o papel foram transmitidas pela China agrave Europa (Whithrow 1993 102 109) A tinta romana para escrever feita do negro da fumaccedila com goma e aacutegua natildeo tinha fixadores era uma tinta

moiacuteda ao passo que a utilizada na Idade Meacutedia se fazia por infusatildeo com goma pedra-ume e resina de carvalho (Spina 1977 30-31)

Vecirc-se portanto que a Idade Meacutedia ao contraacuterio do que muitos imaginam foi extremamente fecunda em avanccedilos teacutecnicos

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 3: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

O primeiro poccedilo artesiano conhecido foi perfurado em 1126 Entre as inovaccedilotildees medievais aparecem tambeacutem a sericultura (introduzida na Siciacutelia por volta de 1130) a falcoaria o arenque defumado e a ldquochampanhizaccedilatildeordquo do vinho branco (Beaujouan 1959 144)

Na induacutestria domeacutestica a roca substitui o fuso para enrolar a estriga E a partir de 1280 ldquoa roda de fiar ( provavelmente uma das grandes invenccedilotildees da induacutestria tecircxtil) compete com a roca e o fuso os quais possibilitaram agraves mulheres trabalhar enquanto supervisionavam outras atividades No seacuteculo XIV o linho eacute pela primeira vez empregado na confecccedilatildeo de roupas brancas em oposiccedilatildeo aos grosseiros panos de latilde ateacute entatildeo usados o que acarreta uma melhoria na higiene e o retrocesso da lepra fornece tambeacutem mateacuteria-prima barata para a induacutestria papeleira trazida da China no seacuteculo XIII (Beaujouan 1959 144 Hodgett 1975 161) A introduccedilatildeo do tear horizontal de pedal provavelmente triplicou a produtividade dos lanifiacutecios (Anderson 1982 215) Em fins do seacuteculo XII surge um invento no processo de tecelagem da latilde O pisatildeo que substituiu a pisagem de peacutes humanos pela batida de martelo sobre o tecido Um tambor giratoacuterio preso ao eixo de uma roda drsquoaacutegua acionava os martelos Outra invenccedilatildeo foi a maacutequina cardadora constituiacuteda por um conjunto de rolos com cardas movimentado tambeacutem pela forccedila hidraacuteulica (Hodgett 1975 160 177) O moinho mecacircnico de dobar a seda parece ter surgido na Itaacutelia no fim do seacuteculo XIII (Wolff 1988 100) Aleacutem disso foram inventados o botatildeo e a camisa

O aacutelcool aparece em Salerno por volta de 1110 e sua fabricaccedilatildeo melhora rapidamente com o emprego de desidratantes como o carbonato de potassa Aleacutem disso a teacutecnica da destilaccedilatildeo aperfeiccediloa-se empregando-se o alambique claacutessico cujo escoadouro tubular em forma de serpentina mergulha numa cuba para a circulaccedilatildeo da aacutegua (Beaujouan 1959 144-145) Em Toulouse fabrica-se aguardente no comeccedilo do seacuteculo XV ldquoo uacuteltimo grande seacuteculo do comeacutercio de vinho Concorrentes vatildeo aparecer e desenvolver-se em primeiro lugar a cerveja que se aprende a fabricar melhor na Alemanha no seacuteculo XIV com a utilizaccedilatildeo do luacutepulordquo (Wolff 1988 89)

Alberto Magno (1183-1280) conseguiu preparar a potassa caacuteustica Foi o primeiro a descrever a composiccedilatildeo quiacutemica do cinabre do alvaiade e do miacutenio Raimundo Luacutelio (1235-1315) preparou o bicarbonato de potaacutessio Teofrasto Paracelso (1493-1541) descreveu o zinco desconhecido ateacute entatildeo Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos quiacutemicos

Os oacuteculos para corrigir a miopia aparecem por volta de 1285 primeiro de cristal de rocha depois de vidro Nos seacuteculos seguintes outros artesatildeos iriam melhorar as lentes de onde resulta-riam o telescoacutepio e o microscoacutepio (Fremantle 1970 149)

Os reloacutegios mecacircnicos de peso difundem-se no fim do seacuteculo XIII No seacuteculo XV surgem os reloacutegios de areia ou ampulhetas (Wihthrow 1993 119)

O estilo goacutetico na arquitetura surge como um progresso essencialmente teacutecnico que consistia numa diminuiccedilatildeo das pressotildees exercidas pelas aboacutebadas as quais podiam elevar-se pelo afilamento das flechas e o equiliacutebrio dos arcobotantes leves (filhos da

ciecircncia dos nuacutemeros inven-tados em Paris em 1180 para erguer mais alto a nave de Notre-Dame) e colunas com corucheacuteus As aboacutebadas atingem alturas cada vez maiores 32 metros em Paris 37 em Chartres 42 em Amiens 48 em Beauvais Acessoriamente a aboacutebada melhorava os valores acuacutesticos dum edifiacutecio destinado agrave execuccedilatildeo do canto coral Por sua vez o adelgaccedilamento das paredes fez desabrochar a teacutecnica do vitral cujo emprego fora ateacute entatildeo limitado pela estreiteza das aberturas romacircnicas os vatildeos puderam alargar-se havendo mais espaccedilo para as janelas e assim as igrejas tornam-se mais iluminadas No periacuteodo que vai de 1170 a 1270 construiacuteram-se na Franccedila mais de 500 grandes igrejas goacuteticas (Fremantle 1970 127 Duby 1979 121 281 Perroy 1957 166-167) Aliaacutes a heranccedila mais duradoura da Idade Meacutedia eacute sua arquitetura Os castelos satildeo em sua maioria ruiacutenas impressionantes as catedrais continuam de peacute desafiando os seacuteculos (Ferguson 1970 220)

No domiacutenio das obras puacuteblicas mencionam-se as pontes com arcos em segmento as comportas e as dragas (Beaujouan 1959 145-146)

A contabilidade ganha em clareza com a adoccedilatildeo do meacutetodo veneziano das duas colunas frente a frente (creacutedito e deacutebito) mas sua transformaccedilatildeo mais importante consistiu nas partidas dobradas que provavelmente surgiram simultaneamente em vaacuterias cidades italianas entre 1250 e 1350 Elas natildeo precisaratildeo sofrer ateacute o fim do seacuteculo XIX senatildeo pequenas alteraccedilotildees de detalhe A letra de cacircmbio aparece no seacuteculo XIII (Wolff 1988 126) Os cambistas examinavam e pesavam as moedas do ldquobancordquo onde eles realizavam essa operaccedilatildeo surgiu a instituiccedilatildeo bancaacuteria e as variadas praacuteticas financeiras nasceram desse serviccedilo primitivo de cacircmbio de dinheiro (Fremantle 1970 74) O seguro mariacutetimo estaacute presente em documentos genoveses desde o seacuteculo XII (Pirenne 1982 124)

As feiras existentes desde o seacuteculo XI eram centros de intercacircmbio em grande escala que se esforccedilavam em reunir o maior nuacutemero possiacutevel de homens e produtos (Pirenne 1982 102)

Foram fundadas no seacuteculo XIII algumas organizaccedilotildees postais privadas Em 1357 dezessete companhias florentinas fundaram a lsquoScarsella dei Mercanti Fiorentinirsquo que mantinha toda semana um correio comum e nos dois sentidos com Avignon Foi a primeira companhia postal conhecida cujos estatutos foram conservados (Wolff 1988 156)

ldquoEm 1305 para uniformizar as medidas em certos negoacutecios o rei Eduardo I da Inglaterra decretou que fosse considerada como uma polegada a medida de trecircs gratildeos secos de cevada colocados lado a lado Os sapateiros ingleses gostaram da ideacuteia e passaram a fabricar pela primeira vez na Europa sapatos em tamanho padratildeo baseados no gratildeo de cevadardquo (Superinteressante Satildeo Paulo 2 13 fev 1988)

A obra medieval de Beda conteacutem a primeira investigaccedilatildeo cientiacutefica das mareacutes envolvendo o mais antigo estudo sobre o intervalo meacutedio entre o momento da mareacute cheia e o do tracircnsito anterior do meridiano pela lua (Whithrow 1993 90)

ldquoA primitiva lavoura utilizava no Meacutedio Oriente e no Mediterracircneo o sistema da lsquosulcagemrsquo um espigatildeo com a ponta virada para baixo puxado por uma junta de bois primeiro numa direccedilatildeo depois transversalmente arroteava um lote quadrado de terra Este meacutetodo era suficiente para os terrenos leves e secos Mas nos solos huacutemidos e pesados do norte da Europa esse tipo de arado era inadequado exceto nos outeiros bem drenados Por conseguinte a agricultura foi a princiacutepio praticada apenas em zonas muito limitadas Na Idade Meacutedia comeccedilou a generalizar-se gradualmente pelo Norte da Europa um novo tipo de arado Tratava-se de um arado pesado com lacircmina e relha para fender o solo e uma aiveca para voltar os torrotildees para os lados e abrir um sulco drenando desse modo o terreno ao mesmo tempo que o lavravardquo (TrevorRoper 1966 121-122 Heers 1968 121) Comeccedila-se a utilizar a grade revolvido mais amplamente melhor arejado o solo absorve melhor a marga uma argila que conteacutem carbonato de caacutelcio e quando misturada agrave camada superior do solo mostra-se um fertilizante valioso (Perroy 1957 23-24) A irrigaccedilatildeo (de pastos e terras de lavoura) comeccedilou a ser empregada em larga escala e a Itaacutelia provavelmente abriu o caminho Na Idade Meacutedia outra invenccedilatildeo o mangual que substituiu a vara de bater aperfeiccediloa o processo de debulha (Hodgett 1975 29 221 Mumford 1965 337)

Nesse periacuteodo aleacutem das plantas cultivadas nos tempos claacutessicos foram aprimorados A espelta o centeio a aveia e o fagoacutepiro Aleacutem do sorgo outras culturas foram introduzidas na regiatildeo mediterracircnea pelos gregos ou aacuterabes Arroz cana-de-accediluacutecar algodatildeo e amoreira (Hodgett 1975 30 225) O pousio trienal e a partir do seacuteculo VIII o sistema de trecircs plantaccedilotildees alternadas permitem a aclimataccedilatildeo de novas culturas e aumentam acentuadamente a produccedilatildeo agriacutecola

Seria o mundo medieval um inferno de miseacuterias Descobre-se o contraacuterio a partir de um levantamento referente agrave cidade de Toulouse onde em 1322 havia 177 accedilougueiros ou seja um para cada 226 habitantes ldquopara uma populaccedilatildeo maacutexima de 40000 almas mdash cerca de duas ou trecircs vezes mais que hoje e alguns figuravam entre os comerciantes mais ricos da cidaderdquo (Wolff 1988 82-83) A conserva do arenque no sal foi descoberta em 14l6 por Willem Beeckelz (Fonseca 1958 314) ldquoApareceram as boas maneiras a lsquoetiquetarsquo a faca passou a ser um componente da mesa assim como o garfo que acabou se tornando um utensiacutelio domeacutestico apoacutes a peste negra (1348-1349)rdquo (Villa 1998 10)

ldquoJaacute em 1159 os primeiros pocirclderes porccedilotildees de terra tomadas aos alagadiccedilos ou ao mar por meio de diques foram criados em Flandresrdquo (Mumford 1965 336) A maior parte dos diques holandeses foi construiacuteda entre os anos de 1250 e 1350 Em 1408 aparece o primeiro exemplo conhecido de moinho de vento para bombear a aacutegua dos pocirclderes

Depois da manivela mdash descoberta de importacircncia fundamental mdash ocorreu a invenccedilatildeo alematilde da biela peccedila riacutegida com duas articulaccedilotildees para transformar o movimento rotativo em alternativo Comeccedilaram a utilizar-se ferramentas como a plaina e passou-se a usar o carvatildeo como combustiacutevel Diversas invenccedilotildees como a cola e o papel foram transmitidas pela China agrave Europa (Whithrow 1993 102 109) A tinta romana para escrever feita do negro da fumaccedila com goma e aacutegua natildeo tinha fixadores era uma tinta

moiacuteda ao passo que a utilizada na Idade Meacutedia se fazia por infusatildeo com goma pedra-ume e resina de carvalho (Spina 1977 30-31)

Vecirc-se portanto que a Idade Meacutedia ao contraacuterio do que muitos imaginam foi extremamente fecunda em avanccedilos teacutecnicos

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WOLFF Philippe Outono da Idade Meacutedia ou primavera dos tempos modernos Satildeo Paulo Martins Fontes 1988

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 4: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

ciecircncia dos nuacutemeros inven-tados em Paris em 1180 para erguer mais alto a nave de Notre-Dame) e colunas com corucheacuteus As aboacutebadas atingem alturas cada vez maiores 32 metros em Paris 37 em Chartres 42 em Amiens 48 em Beauvais Acessoriamente a aboacutebada melhorava os valores acuacutesticos dum edifiacutecio destinado agrave execuccedilatildeo do canto coral Por sua vez o adelgaccedilamento das paredes fez desabrochar a teacutecnica do vitral cujo emprego fora ateacute entatildeo limitado pela estreiteza das aberturas romacircnicas os vatildeos puderam alargar-se havendo mais espaccedilo para as janelas e assim as igrejas tornam-se mais iluminadas No periacuteodo que vai de 1170 a 1270 construiacuteram-se na Franccedila mais de 500 grandes igrejas goacuteticas (Fremantle 1970 127 Duby 1979 121 281 Perroy 1957 166-167) Aliaacutes a heranccedila mais duradoura da Idade Meacutedia eacute sua arquitetura Os castelos satildeo em sua maioria ruiacutenas impressionantes as catedrais continuam de peacute desafiando os seacuteculos (Ferguson 1970 220)

No domiacutenio das obras puacuteblicas mencionam-se as pontes com arcos em segmento as comportas e as dragas (Beaujouan 1959 145-146)

A contabilidade ganha em clareza com a adoccedilatildeo do meacutetodo veneziano das duas colunas frente a frente (creacutedito e deacutebito) mas sua transformaccedilatildeo mais importante consistiu nas partidas dobradas que provavelmente surgiram simultaneamente em vaacuterias cidades italianas entre 1250 e 1350 Elas natildeo precisaratildeo sofrer ateacute o fim do seacuteculo XIX senatildeo pequenas alteraccedilotildees de detalhe A letra de cacircmbio aparece no seacuteculo XIII (Wolff 1988 126) Os cambistas examinavam e pesavam as moedas do ldquobancordquo onde eles realizavam essa operaccedilatildeo surgiu a instituiccedilatildeo bancaacuteria e as variadas praacuteticas financeiras nasceram desse serviccedilo primitivo de cacircmbio de dinheiro (Fremantle 1970 74) O seguro mariacutetimo estaacute presente em documentos genoveses desde o seacuteculo XII (Pirenne 1982 124)

As feiras existentes desde o seacuteculo XI eram centros de intercacircmbio em grande escala que se esforccedilavam em reunir o maior nuacutemero possiacutevel de homens e produtos (Pirenne 1982 102)

Foram fundadas no seacuteculo XIII algumas organizaccedilotildees postais privadas Em 1357 dezessete companhias florentinas fundaram a lsquoScarsella dei Mercanti Fiorentinirsquo que mantinha toda semana um correio comum e nos dois sentidos com Avignon Foi a primeira companhia postal conhecida cujos estatutos foram conservados (Wolff 1988 156)

ldquoEm 1305 para uniformizar as medidas em certos negoacutecios o rei Eduardo I da Inglaterra decretou que fosse considerada como uma polegada a medida de trecircs gratildeos secos de cevada colocados lado a lado Os sapateiros ingleses gostaram da ideacuteia e passaram a fabricar pela primeira vez na Europa sapatos em tamanho padratildeo baseados no gratildeo de cevadardquo (Superinteressante Satildeo Paulo 2 13 fev 1988)

A obra medieval de Beda conteacutem a primeira investigaccedilatildeo cientiacutefica das mareacutes envolvendo o mais antigo estudo sobre o intervalo meacutedio entre o momento da mareacute cheia e o do tracircnsito anterior do meridiano pela lua (Whithrow 1993 90)

ldquoA primitiva lavoura utilizava no Meacutedio Oriente e no Mediterracircneo o sistema da lsquosulcagemrsquo um espigatildeo com a ponta virada para baixo puxado por uma junta de bois primeiro numa direccedilatildeo depois transversalmente arroteava um lote quadrado de terra Este meacutetodo era suficiente para os terrenos leves e secos Mas nos solos huacutemidos e pesados do norte da Europa esse tipo de arado era inadequado exceto nos outeiros bem drenados Por conseguinte a agricultura foi a princiacutepio praticada apenas em zonas muito limitadas Na Idade Meacutedia comeccedilou a generalizar-se gradualmente pelo Norte da Europa um novo tipo de arado Tratava-se de um arado pesado com lacircmina e relha para fender o solo e uma aiveca para voltar os torrotildees para os lados e abrir um sulco drenando desse modo o terreno ao mesmo tempo que o lavravardquo (TrevorRoper 1966 121-122 Heers 1968 121) Comeccedila-se a utilizar a grade revolvido mais amplamente melhor arejado o solo absorve melhor a marga uma argila que conteacutem carbonato de caacutelcio e quando misturada agrave camada superior do solo mostra-se um fertilizante valioso (Perroy 1957 23-24) A irrigaccedilatildeo (de pastos e terras de lavoura) comeccedilou a ser empregada em larga escala e a Itaacutelia provavelmente abriu o caminho Na Idade Meacutedia outra invenccedilatildeo o mangual que substituiu a vara de bater aperfeiccediloa o processo de debulha (Hodgett 1975 29 221 Mumford 1965 337)

Nesse periacuteodo aleacutem das plantas cultivadas nos tempos claacutessicos foram aprimorados A espelta o centeio a aveia e o fagoacutepiro Aleacutem do sorgo outras culturas foram introduzidas na regiatildeo mediterracircnea pelos gregos ou aacuterabes Arroz cana-de-accediluacutecar algodatildeo e amoreira (Hodgett 1975 30 225) O pousio trienal e a partir do seacuteculo VIII o sistema de trecircs plantaccedilotildees alternadas permitem a aclimataccedilatildeo de novas culturas e aumentam acentuadamente a produccedilatildeo agriacutecola

Seria o mundo medieval um inferno de miseacuterias Descobre-se o contraacuterio a partir de um levantamento referente agrave cidade de Toulouse onde em 1322 havia 177 accedilougueiros ou seja um para cada 226 habitantes ldquopara uma populaccedilatildeo maacutexima de 40000 almas mdash cerca de duas ou trecircs vezes mais que hoje e alguns figuravam entre os comerciantes mais ricos da cidaderdquo (Wolff 1988 82-83) A conserva do arenque no sal foi descoberta em 14l6 por Willem Beeckelz (Fonseca 1958 314) ldquoApareceram as boas maneiras a lsquoetiquetarsquo a faca passou a ser um componente da mesa assim como o garfo que acabou se tornando um utensiacutelio domeacutestico apoacutes a peste negra (1348-1349)rdquo (Villa 1998 10)

ldquoJaacute em 1159 os primeiros pocirclderes porccedilotildees de terra tomadas aos alagadiccedilos ou ao mar por meio de diques foram criados em Flandresrdquo (Mumford 1965 336) A maior parte dos diques holandeses foi construiacuteda entre os anos de 1250 e 1350 Em 1408 aparece o primeiro exemplo conhecido de moinho de vento para bombear a aacutegua dos pocirclderes

Depois da manivela mdash descoberta de importacircncia fundamental mdash ocorreu a invenccedilatildeo alematilde da biela peccedila riacutegida com duas articulaccedilotildees para transformar o movimento rotativo em alternativo Comeccedilaram a utilizar-se ferramentas como a plaina e passou-se a usar o carvatildeo como combustiacutevel Diversas invenccedilotildees como a cola e o papel foram transmitidas pela China agrave Europa (Whithrow 1993 102 109) A tinta romana para escrever feita do negro da fumaccedila com goma e aacutegua natildeo tinha fixadores era uma tinta

moiacuteda ao passo que a utilizada na Idade Meacutedia se fazia por infusatildeo com goma pedra-ume e resina de carvalho (Spina 1977 30-31)

Vecirc-se portanto que a Idade Meacutedia ao contraacuterio do que muitos imaginam foi extremamente fecunda em avanccedilos teacutecnicos

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WOLFF Philippe Outono da Idade Meacutedia ou primavera dos tempos modernos Satildeo Paulo Martins Fontes 1988

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 5: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

ldquoA primitiva lavoura utilizava no Meacutedio Oriente e no Mediterracircneo o sistema da lsquosulcagemrsquo um espigatildeo com a ponta virada para baixo puxado por uma junta de bois primeiro numa direccedilatildeo depois transversalmente arroteava um lote quadrado de terra Este meacutetodo era suficiente para os terrenos leves e secos Mas nos solos huacutemidos e pesados do norte da Europa esse tipo de arado era inadequado exceto nos outeiros bem drenados Por conseguinte a agricultura foi a princiacutepio praticada apenas em zonas muito limitadas Na Idade Meacutedia comeccedilou a generalizar-se gradualmente pelo Norte da Europa um novo tipo de arado Tratava-se de um arado pesado com lacircmina e relha para fender o solo e uma aiveca para voltar os torrotildees para os lados e abrir um sulco drenando desse modo o terreno ao mesmo tempo que o lavravardquo (TrevorRoper 1966 121-122 Heers 1968 121) Comeccedila-se a utilizar a grade revolvido mais amplamente melhor arejado o solo absorve melhor a marga uma argila que conteacutem carbonato de caacutelcio e quando misturada agrave camada superior do solo mostra-se um fertilizante valioso (Perroy 1957 23-24) A irrigaccedilatildeo (de pastos e terras de lavoura) comeccedilou a ser empregada em larga escala e a Itaacutelia provavelmente abriu o caminho Na Idade Meacutedia outra invenccedilatildeo o mangual que substituiu a vara de bater aperfeiccediloa o processo de debulha (Hodgett 1975 29 221 Mumford 1965 337)

Nesse periacuteodo aleacutem das plantas cultivadas nos tempos claacutessicos foram aprimorados A espelta o centeio a aveia e o fagoacutepiro Aleacutem do sorgo outras culturas foram introduzidas na regiatildeo mediterracircnea pelos gregos ou aacuterabes Arroz cana-de-accediluacutecar algodatildeo e amoreira (Hodgett 1975 30 225) O pousio trienal e a partir do seacuteculo VIII o sistema de trecircs plantaccedilotildees alternadas permitem a aclimataccedilatildeo de novas culturas e aumentam acentuadamente a produccedilatildeo agriacutecola

Seria o mundo medieval um inferno de miseacuterias Descobre-se o contraacuterio a partir de um levantamento referente agrave cidade de Toulouse onde em 1322 havia 177 accedilougueiros ou seja um para cada 226 habitantes ldquopara uma populaccedilatildeo maacutexima de 40000 almas mdash cerca de duas ou trecircs vezes mais que hoje e alguns figuravam entre os comerciantes mais ricos da cidaderdquo (Wolff 1988 82-83) A conserva do arenque no sal foi descoberta em 14l6 por Willem Beeckelz (Fonseca 1958 314) ldquoApareceram as boas maneiras a lsquoetiquetarsquo a faca passou a ser um componente da mesa assim como o garfo que acabou se tornando um utensiacutelio domeacutestico apoacutes a peste negra (1348-1349)rdquo (Villa 1998 10)

ldquoJaacute em 1159 os primeiros pocirclderes porccedilotildees de terra tomadas aos alagadiccedilos ou ao mar por meio de diques foram criados em Flandresrdquo (Mumford 1965 336) A maior parte dos diques holandeses foi construiacuteda entre os anos de 1250 e 1350 Em 1408 aparece o primeiro exemplo conhecido de moinho de vento para bombear a aacutegua dos pocirclderes

Depois da manivela mdash descoberta de importacircncia fundamental mdash ocorreu a invenccedilatildeo alematilde da biela peccedila riacutegida com duas articulaccedilotildees para transformar o movimento rotativo em alternativo Comeccedilaram a utilizar-se ferramentas como a plaina e passou-se a usar o carvatildeo como combustiacutevel Diversas invenccedilotildees como a cola e o papel foram transmitidas pela China agrave Europa (Whithrow 1993 102 109) A tinta romana para escrever feita do negro da fumaccedila com goma e aacutegua natildeo tinha fixadores era uma tinta

moiacuteda ao passo que a utilizada na Idade Meacutedia se fazia por infusatildeo com goma pedra-ume e resina de carvalho (Spina 1977 30-31)

Vecirc-se portanto que a Idade Meacutedia ao contraacuterio do que muitos imaginam foi extremamente fecunda em avanccedilos teacutecnicos

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WOLFF Philippe Outono da Idade Meacutedia ou primavera dos tempos modernos Satildeo Paulo Martins Fontes 1988

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 6: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

moiacuteda ao passo que a utilizada na Idade Meacutedia se fazia por infusatildeo com goma pedra-ume e resina de carvalho (Spina 1977 30-31)

Vecirc-se portanto que a Idade Meacutedia ao contraacuterio do que muitos imaginam foi extremamente fecunda em avanccedilos teacutecnicos

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WOLFF Philippe Outono da Idade Meacutedia ou primavera dos tempos modernos Satildeo Paulo Martins Fontes 1988

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 7: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

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WOLFF Philippe Outono da Idade Meacutedia ou primavera dos tempos modernos Satildeo Paulo Martins Fontes 1988

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 8: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

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A Educaccedilatildeo Infantil na Idade Meacutedia [1]

Ricardo da Costa Prof Adjunto de Hist Medieval da UFES Universidade Federal do Espiacuterito Santo

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No Brasil a Idade Meacutedia ainda eacute citada por muitos neacutescios como um tempo de ignoracircncia e barbaacuterie um tempo vazio um tempo em que a Igreja escondeu os conhecimentos que naufragaram com o fim do Impeacuterio Romano para dominar o ldquopovordquo Nesse movimento consciente e ideoloacutegico em direccedilatildeo agraves trevas o clero teve como aliado principal a nobreza feudal Juntos nobreza e clero governaram com coturnos sinistros e maleacutevolos todo o ocidente medieval que permaneceu assim envolto em uma escuridatildeo de mil anos soterrado amedrontado e preso a terra num trabalho servil humilhante [2]

Quem ainda acredita piamente nesse amontoado de tolices ficaraacute agradavelmente surpreso espero com o tema desse trabalho que natildeo poderia ser mais propiacutecio Minhas perguntas baacutesicas seratildeo existiu educaccedilatildeo na Idade Meacutedia E ciecircncia E as crianccedilas Eacute incriacutevel mas haacute quase quarenta anos atraacutes o proacuteprio Jacques Le Goff perguntou ldquoteria havido crianccedilas no Ocidente Medievalrdquo [3] Seguindo a trilha deixada por Philippe Ariegraves [4] ele buscou a crianccedila na arte e natildeo a encontrou Eacute verdade Apressadamente concluiu entatildeo que a crianccedila foi um produto da cidade e da burguesia [5] e portanto o mundo rural natildeo a conheceu Pior a conheceu sim mas a desprezou marginalizando-a [6]

Deixo claro entatildeo que minha perspectiva seraacute bastante diferente Responderei sim a todas agravequelas perguntas opondo-me a Jacques Le Goff e a Philippe Ariegraves [7] Para provar isso dividi minha narrativa em duas partes primeiro busquei a condiccedilatildeo infantil registrada pela Histoacuteria na Alta Idade Meacutedia (seacuteculos V-X) para a seguir tratar da estruturaccedilatildeo das ciecircncias que Ramon Llull (1232-1316)

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 9: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

apresentou a seu filho Domingos quando em um ato de puro amor paterno escreveu um livro para ele a Doutrina para crianccedilas [8]

Falei haacute pouco de amor paterno O amor eacute uma forma muito profunda e especial de afeto difiacutecil de ser descrito difiacutecil de ser registrado a natildeo ser nas emoccedilotildees daqueles que o compartilham Por isso a Histoacuteria registra sempre o que se veste onde se vive o que se come mas dificilmente narra como se ama especialmente a intensidade e a forma do amor [9] Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crocircnicas por exemplo - estatildeo mais atentos aos acontecimentos importantes aos personagens e agrave poliacutetica Assim ofereceram pouco espaccedilo para o mundo infantil deixando muitas perguntas que natildeo puderam ser respondidas satisfatoriamente Por exemplo como pais e filhos exprimiam seus carinhos suas incompreensotildees De que forma as crianccedilas apreenderam o mundo existente Como reagiram agrave escola e aos estudos

De qualquer maneira o fato eacute que historicamente o papel da crianccedila sempre foi definido pelas expectativas dos adultos [10] e esse anseio mudou bastante ao longo da histoacuteria embora a famiacutelia elementar e o amor tenham existido em todas as eacutepocas [11] Vejamos entatildeo o caso medieval

A primeira heranccedila da Antiguumlidade natildeo eacute nada boa a vida da crianccedila no mundo romano dependia totalmente do desejo do pai O poder do pater familias era absoluto um cidadatildeo natildeo tinha um filho o tomava Caso recusasse a crianccedila - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada Essa praacutetica era tatildeo recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas [12] E o que acontecia agrave maioria dos enjeitados A morte [13]

A segunda heranccedila que a Idade Meacutedia herda da Antiguumlidade a cultura baacuterbara foi-nos passada especialmente por Taacutecito Ele nos conta que a tradiccedilatildeo germacircnica em relaccedilatildeo agraves crianccedilas era um pouco melhor que a romana Os germanos natildeo praticavam o infanticiacutedio as proacuteprias matildees amamentavam seus filhos e as crianccedilas eram educadas sem distinccedilatildeo de posiccedilatildeo social [14] O povo germacircnico era composto por um conjunto de lares com dois poderes distintos o matriarcal exercido no seio da famiacutelia e o patriarcal predominante na poliacutetica e na organizaccedilatildeo social [15] No entanto o destino das crianccedilas naqueles clatildes como na cultura romana tambeacutem dependia da vontade paterna (direito de adoccedilatildeo de renegaccedilatildeo de compra e venda) A crianccedila aceita ficava aos cuidados dos parentes paternos (agnatos) e o destino dos bastardos oacuterfatildeos e abandonados era entregue aos parentes maternos especialmente a tios e avoacutes maternos [16]

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

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1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 10: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

Dessas duas tradiccedilotildees culturais que se mesclaram e fizeram emergir a Idade Meacutedia concluo que o status da crianccedila naquelas sociedades antigas era praticamente nulo Sua existecircncia dependia do poder do pai se fosse menina ou nascesse com algum problema fiacutesico poderia ser rejeitada Seu destino caso sobrevivesse era abastecer os prostiacutebulos de Roma e o sistema escravista [17] Ateacute o final da Antiguumlidade as crianccedilas pobres eram abandonadas ou vendidas as ricas enjeitadas - por causa de disputas de heranccedila - eram entregues agrave proacutepria sorte [18]

Nesse contexto histoacuterico-cultural eacute que se compreende a forccedila e o impacto do cristianismo que rompeu com essas duas tradiccedilotildees [19] O Cristo disse

Em verdade vos digo que se natildeo vos converterdes e natildeo vos tornardes como as crianccedilas de modo algum entrareis no Reino dos Ceacuteus Aquele portanto que se tornar pequenino como esta crianccedila esse eacute o maior no Reino dos Ceacuteus (Mt 18 1-4)

A tradiccedilatildeo cristatilde abriu portanto uma nova perspectiva agrave crianccedila uma mudanccedila revolucionaacuteria [20] No entanto foi um processo bastante lento um processo civilizacional levado a cabo pela Igreja Primeiro por forccedila das circunstacircncias Por exemplo dos seacuteculos V ao VIII na Normandia o iacutendice de mortalidade infantil era muito elevado 45 e a expectativa de vida bem pequena 30 anos [21] Agrave primeira vista esses dados arqueoloacutegicos poderiam sugerir ao historiador um sentimento de descaso para com a crianccedila a regularidade da morte poderia criar nos espiacuteritos de entatildeo uma apatia um medo de se apegar a algo tatildeo fraacutegil que poderia morrer agrave primeira doenccedila [22]

Paradoxalmente ao inveacutes disso a documentaccedilatildeo nos mostra que havia um grande apego dos pais aos filhos apesar da mortalidade infantil Em sua Histoacuteria dos Francos Gregoacuterio de Tours nos conta o sentimento de tristeza e a lamentaccedilatildeo de Fredegunda (concubina e depois esposa do rei dos francos Chilperico) quando da morte de crianccedilas

Essa epidemia que comeccedilou no mecircs de agosto atacou em primeiro lugar a todos os jovens adolescentes e provocou sua morte Noacutes perdemos algumas criancinhas encantadoras e que nos eram queridas a quem noacutes haviacuteamos aquecido em nosso peito carregado em nossos braccedilos ou nutrido por nossa proacutepria matildeo lhes administrando os alimentos com um cuidado delicado [] O rei Chilperico tambeacutem esteve gravemente doente Quando entrou em convalescenccedila seu filho mais novo que natildeo era ainda renascido pela aacutegua e pelo Espiacuterito Santo caiu enfermo Assim que melhorou um pouco seu irmatildeo mais velho Clodoberto foi atingido pela mesma doenccedila e sua matildee Fredegunda vendo-o em perigo de morte

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 11: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

e se arrependendo tardiamente disse ao rei ldquoA misericoacuterdia divina nos suporta haacute muito tempo noacutes que fazemos o mal porque sempre ela nos tem advertido atraveacutes das febres e outras doenccedilas mas sem que nos corrijamos Noacutes perdemos agora os nossos filhos eis que as laacutegrimas dos pobres as lamentaccedilotildees das viuacutevas e os suspiros dos oacuterfatildeos os matam e natildeo nos resta esperanccedila de deixar os bens para ningueacutem Noacutes entesouramos sem ter para quem deixar Os tesouros ficaratildeo privados de possuidor e carregados de rapina e maldiccedilotildees Nossas adegas natildeo abundam em vinho Nossos celeiros natildeo estatildeo repletos de trigo Nossos tesouros natildeo estatildeo abarrotados de ouro e de prata de pedras preciosas de colares e outras joacuteias imperiais Noacutes perdemos o que tiacutenhamos de mais belo Agora por favor venha Queimemos todos os livros de imposiccedilotildees iniacutequas e que nosso fisco se contente com o que era suficiente ao pai e rei Clotaacuteriordquo (Gregoacuterio de Tours Historiae V 34) (os grifos satildeo meus) [23]

Pois bem Fredegunda uma das mulheres mais crueacuteis da Histoacuteria apesar de filha de seu tempo baacuterbaro chora a morte de seus filhos e afirma que perdeu o que tinha de mais belo [24] Mesmo nessa aristocracia meroviacutengia rude e cruel ndash no pior sentido da palavra [25] ndash haacute espaccedilo para amor materno

Por sua vez fora do mundo secular um espaccedilo social lentamente impocircs uma nova perspectiva agrave educaccedilatildeo infantil o monacato [26] Os monges criaram verdadeiros ldquojardins de infacircnciardquo nos mosteiros [27] recebendo indistintamente todas as crianccedilas entregues [28] vestindo-as alimentando-as e educando-as num sistema integral de formaccedilatildeo educacional [29]

As comunidades monaacutesticas ceacutelticas foram as que mais avanccedilaram nesse novo modelo de educaccedilatildeo pois se opunham radicalmente agraves praacuteticas pedagoacutegicas vigentes das populaccedilotildees baacuterbaras que defendiam o endurecimento do coraccedilatildeo jaacute na infacircncia [30] Pelo contraacuterio ao inveacutes de brutalizar o coraccedilatildeo das crianccedilas para a guerra e a violecircncia os monges o abriam para o amor e a serenidade [31]

As crianccedilas eram educadas por todos do mosteiro ateacute a idade de quinze anos A Regra de Satildeo Bento prescreve diligecircncia na disciplina que as crianccedilas natildeo apanhem sem motivo pois ldquonatildeo faccedilas a outrem o que natildeo queres que te faccedilamrdquo [32] Toco aqui em um ponto importante e de grande discussatildeo na Histoacuteria da Educaccedilatildeo O sistema medieval e monaacutestico previa a aplicaccedilatildeo de castigos Na Biacuteblia haacute passagens sobre os castigos com vara que devem ser aplicados aos filhos [33] na Regra de Satildeo Bento haacute vaacuterias passagens (puniccedilatildeo com jejuns e varas [34] pancadas em crianccedilas que natildeo recitarem corretamente um salmo [35] ) e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna que no entanto natildeo levou em consideraccedilatildeo as circunstacircncias histoacutericas da eacutepoca [36] Por exemplo Manacorda interpreta os castigos do periacuteodo antigo e medieval

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 12: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

como puro sadismo pedagoacutegico [37] linha de interpretaccedilatildeo que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que por esse motivo buscava a solidatildeo do mosteiro [38]

Naturalmente isso se deve a um anacronismo e preconceito que natildeo condizem com a postura de um historiador seacuterio Basta buscar os textos de eacutepoca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados criados e educados Darei apenas dois breves exemplos Ao se recordar do mosteiro onde passou sua infacircncia Satildeo Cesaacuterio de Arles (c 470-542) diz

Essa ilha santa acolheu minha pequenez nos braccedilos de seu afeto Como uma matildee ilustre e sem igual e como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens ela se esforccedilou para me educar e me alimentar [39]

Por sua vez Walafried Strabo (806-849) entatildeo jovem monge nos conta em seu Diaacuterio de um Estudante

Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifiacutecios do convento () fiquei muito contente pelo grande nuacutemero de companheiros de vida e de jogo que me acolheram amigavelmente Depois de alguns dias senti-me mais agrave vontade () quando o escolaacutestico Grimaldo me confiou a um mestre com o qual devia aprender a ler Eu natildeo estava sozinho com ele mas havia muitos outros meninos da minha idade de origem ilustre ou modesta que poreacutem estavam mais adiantados que eu A bondosa ajuda do mestre e o orgulho juntos levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas tanto que apoacutes algumas semanas conseguia ler bastante corretamente () Depois recebi um livrinho em alematildeo que me custou muito sacrifiacutecio para ler mas em troca deu-me uma grande alegria [40]

Esses satildeo apenas dois de muitos exemplos que contam a felicidade e a alegria que os medievais sentiram com o fato de terem tido a sorte de serem acolhidos em um mosteiro Assim devemos sempre confrontar em retrospecto as regras com a vida cotidiana o sistema institucional com o que as pessoas pensavam dele para entatildeo construirmos um juiacutezo de valor mais adequado e menos sujeito a anacronismos

Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educaccedilatildeo e disciplina voltada para uma formaccedilatildeo eacutetica e moral das crianccedilas - com o mundo exterior Por exemplo no periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VIII a X) apesar do avanccedilo da implantaccedilatildeo da famiacutelia conjugal simples (modelo cristatildeo) com uma meacutedia de 2

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 13: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

filhos por casal e um periacuteodo de aleitamento de dois anos a praacutetica do infanticiacutedio continuava comum a idade meacutedia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade) a poligamia e a violecircncia sexual eram recorrentes pelo menos na aristocracia [41] e ainda havia a questatildeo da escravidatildeo de crianccedilas [42] Confronte vocecirc caro leitor essa realidade com a vida de uma crianccedila em um mosteiro

Por sua vez os bispos caroliacutengios do seacuteculo IX tentaram regulamentar o casamento cristatildeo redigindo uma seacuterie de tratados (espelhos) [43] Neles o casamento era valorizado a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em peacute de igualdade com o marido e a violecircncia sexual denunciada como crime grave e do acircmbito da justiccedila puacuteblica [44] Para o nosso tema o que interessa eacute que as crianccedilas tambeacutem foram objeto de reflexatildeo nesses espelhos a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigaccedilatildeo de aceitar e reconhecer os filhos [45]

Assim a accedilatildeo da ordem clerical foi dupla de um lado os bispos lutaram contra a praacutetica do infanticiacutedio de outro os monges revalorizaram a crianccedila que passou por um processo de educaccedilatildeo direcionada de cunho integral e totalmente igualitaacuteria ndash por exemplo as escolas monacais caroliacutengias davam preferecircncia a crianccedilas filhas de escravos e servos ao inveacutes de filhos de homens livres a ponto de Carlos Magno ser obrigado a pedir que os monges recebessem tambeacutem para educar crianccedilas filhas de homens livres [46] Estes seacuteculos da Alta Idade Meacutedia foram cruciais para a implantaccedilatildeo do modelo de casamento cristatildeo conhecido por todo o mundo ocidental para a valorizaccedilatildeo da mulher como parceira e igual do marido e para a ideacuteia de crianccedila como ser proacuteprio e com necessidades pedagoacutegicas especiacuteficas [47] Por fim a sociedade era pensada como o conjunto de pessoas casadas (ordo conjugatorum) e a crianccedila tinha um papel fundamental nessa estrutura pois era o fim uacuteltimo da uniatildeo

Mulher crianccedila minorias revalorizadas na Idade Meacutedia em relaccedilatildeo agrave Antiguumlidade Para completar esse quadro compreensivo quero responder agrave terceira pergunta feita no iniacutecio qual era o conceito de educaccedilatildeo que alicerccedilava esse novo sistema pedagoacutegico medieval Essa eacute uma resposta relativamente mais simples Para os homens da eacutepoca as palavras eram transparentes havia um prazer muito grande em saborear o sentido etimoloacutegico delas Os intelectuais de entatildeo diziam que o homem eacute um ser que esquece suas experiecircncias Ele consegue resgataacute-las atraveacutes da linguagem [48] Assim a expressatildeo educaccedilatildeo era entendida como estando associada agrave sua raiz etimoloacutegica latina educe ldquofazer sairrdquo Como o conhecimento jaacute existia inato no indiviacuteduo restava responder agrave

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 14: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

seguinte pergunta de que modo o estudante era conduzido da ignoracircncia ao saber [49] Como o aluno aprendia Essa era a questatildeo baacutesica dos educadores medievais Preocupados com a forma da aquisiccedilatildeo os pedagogos de entatildeo tiveram uma importante consciecircncia cabia ao professor ldquoacender uma centelhardquo no estudante e usar seu ofiacutecio para formar e natildeo asfixiar o espiacuterito de seus alunos [50] Muito moderna a educaccedilatildeo medieval [51]

[1] Este artigo eacute dedicado ao meu amigo e colega de trabalho Prof Josemar Machado Oliveira (UFES) que certa vez presenteou-me com um belo livro (GIMPEL Jean A Revoluccedilatildeo Industrial da Idade Meacutedia Rio de Janeiro Zahar Editores 1977) e aproveitou o ensejo para dizer-me que natildeo existiu ciecircncia na Idade Meacutedia

[2] Um excelente livro que apresenta estes mitos e os destroacutei completamente eacute HEERS Jacques A Idade Meacutedia uma impostura Porto Ediccedilotildees Asa 1994

[3] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol II p 44

[4] ARIEgraveS Philippe Lrsquoenfant et la vie familiale sous lrsquoAncien Reacutegime Paris 1960

[5] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval op cit p 45

[6] LE GOFF Jacques ldquoOs marginalizados no ocidente medievalrdquo In O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval Lisboa Ediccedilotildees 70 p 169

[7] Le Goff recupera o tema da crianccedila como natildeo-valor em sua biografia Satildeo Luiacutes (Rio de Janeiro Editora Record 1999 p 84) citando uma farta bibliografia como apoio agrave sua tese mas somente uma fonte Joatildeo de Salisbury (ldquoNatildeo haacute a necessidade de recomendar muito a crianccedila aos pais porque ningueacutem detesta sua carnerdquo - Policraticus ed C Webb p 289-290) justamente uma passagem de um texto medieval onde se afirma o amor dos pais em relaccedilatildeo aos filhos como algo comum

[8] Utilizarei minha traduccedilatildeo feita a partir da ediccedilatildeo de Gret Schib RAMON LLULL Doctrina pueril Barcelona Editorial Barcino 1957

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 15: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

[9] MARQUES A H de Oliveira A Sociedade Medieval Portuguesa - aspectos de vida quotidiana Lisboa Livraria Saacute da Costa 1987 p 105

[10] BURKE Peter Histoacuteria e teoria social Satildeo Paulo Editora Unesp 2002 71-72

[11] Interessante afirmaccedilatildeo do antropoacutelogo Jack Goody Citado em GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 18

[12] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo In DUBY Georges e PERROT Michelle (dir) Histoacuteria das Mulheres no Ocidente A Antiguumlidade Porto Ediccedilotildees Afrontamento Satildeo Paulo Ebradil sd p 363

[13] VEYNE Paul ldquoO Impeacuterio Romanordquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 23-24

[14] ldquoLimitar o nuacutemero de filhos ou matar algum dos receacutem-nascidos eacute crime assim seus bons costumes podem mais que as boas leis em outras naccedilotildees De qualquer modo eles crescem desnudos e sem asseio ateacute chegarem a ter esses membros e corpos que admiramos Os filhos satildeo nutridos com o leite de suas matildees nunca de criadas ou amas-de-leite Natildeo haacute distinccedilatildeo entre o senhor e o escravo em nenhuma delicadeza de crianccedila Passam a vida entre os mesmos rebanhos e na mesma terra ateacute que a idade e o valor distingam os nobresrdquo― TAacuteCITO ldquoGermaniardquo In Obras Completas Madrid M Aguilar Editor 1946 p 1026

[15] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 24

[16] GUICHARD Pierre ldquoA Europa Baacuterbarardquo op cit p 28

[17] DE CASSAGNE Irene (PUC - Buenos Aires - Argentina) Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media p 20 (artigo consultado em wwwucaeduar)

[18] ROUSSELL Aline ldquoA poliacutetica dos corpos entre procriaccedilatildeo e continecircncia em Romardquo op cit p 364

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 16: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

[19] Um dos melhores ensaios a respeito eacute de JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo Rio de Janeiro Imago 2001 especialmente as paacuteginas 11-148

[20] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 20

[21] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo In ARIEgraveS Philippe e DUBY Georges (dir) Histoacuteria da vida privada I Do Impeacuterio Romano ao ano mil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991 p 442-443

[22] Essa ideacuteia - da indiferenccedila como consequumlecircncia do mau haacutebito - estaacute muito bem expressa no conceito de banalizaccedilatildeo do mal criado por Hannah Arendt em sua obra Origens do Totalitarismo (Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990)

[23] Traduccedilatildeo de Edmar Checon de Freitas (doutorando em Histoacuteria Medieval pela UFF) a partir da versatildeo francesa de R Latouche (GREacuteGOIRE DE TOURS Histoire des Francs Paris Les Belles-Lettres 1999 p 295-296)

[24] ldquoFredegunda foi concubina de Chilperico (neto de Cloacutevis) Ele casou-se com Galasvinta filha do rei visigodo Atanagildo e sua irmatilde Brunilda desposou Sigisberto meio-irmatildeo de Chilperico (Hist IV 27-28) Galasvinta acabou assassinada por ordem de Chilperico ficando Fredegunda como sua primeira esposa (Hist IV 28) Gregoacuterio insinua uma influecircncia de Fredegunda na morte da rival Chilperico e Fredegunda figuram nas Historiae como um casal maleacutevolo e sanguinaacuterio A passagem sobre a morte de seus filhos tem de ser lida nesse contexto Contudo eacute importante destacar a forma escolhida pelo autor para sublinhar o castigo divino a perda dos filhos e herdeiros O tema da morte das crianccedilas era caro a Gregoacuterio Por sua vez no capiacutetulo V (22) eacute narrada a morte de Sansatildeo outro filho pequeno de Chilperico e Fredegunda Nascido durante um cerco sofrido por Chilperico - em guerra com o irmatildeo Sigisberto - ele foi rejeitado pela matildee (que temia sua morte) O pai salvou-o e Fredegunda acabou batizando a crianccedila que morreu antes dos 5 anos Mais tarde nasceu um outro filho do casal Teuderico ocasiatildeo na qual o rei libertou prisioneiros e aliviou impostos (Hist VI 23 27) Novamente a desinteria vitimou a crianccedila com cerca de 1 ano de vida (Hist VI 34) O uacutenico herdeiro de Chilperico Clotaacuterio nasceu jaacute no fim de sua vida (Hist VI 41 ele foi assassinado em 584) Tornou-se ele rei sob o nome de Clotaacuterio II tendo unificado o regnum Francorum Chilperico teve outros filhos de sua primeira mulher Audovera Teodeberto morreu no campo de batalha (Hist IV 50) Cloacutevis e Meroveu (Hist V 18) foram mortos a mando do pai o primeiro sob a instigaccedilatildeo de Fredegunda Na ocasiatildeo ela suspeitara de malefiacutecios contra seus filhos recentemente mortos nos quais

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 17: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

Cloacutevis estaria envolvido ela tambeacutem ordenou a tortura de algumas mulheres suspeitas (Hist V 39)rdquo ― FREITAS Edmar Checon de

[25] LE GOFF Jacques A civilizaccedilatildeo do ocidente medieval Lisboa Editorial Estampa 1984 vol I p 58-60

[26] JOHNSON Paul Histoacuteria do Cristianismo op cit especialmente as paacuteginas 167-188

[27] DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 21

[28] ldquoSabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia quanto os pobres filhos dos servosrdquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 p 113

[29] Mesmo Manacorda um criacutetico do periacuteodo afirma que ldquodevemos reconhecer que na pedagogia cristatilde ela (a maxima reverentia) eacute um elemento novo de consideraccedilatildeo da idade infantilrdquo ― MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias Satildeo Paulo Cortez 1989 p 118

[30] Por exemplo em sua Guerra Goacutetica o historiador bizantino Procoacutepio de Cesareacuteia (dagger 562) nos conta que ldquonem Teodorico permitira aos godos enviar os filhos agrave escola de letras humanas antes dizia a todos que uma vez dominados pelo medo do chicote nunca teriam ousado enfrentar com coragem o perigo da espada e da lanccedila () Portanto querida soberana - diziam a ela - manda para aquele lugar esses pedagogos e potildee tu mesma ao lado de Atalarico alguns coetacircneos estes crescendo junto com ele o impeliratildeo para a coragem e a valentia segundo o uso dos baacuterbaros (I 2)rdquo ― Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135-136

[31] ROUCHE Michel ldquoAlta Idade Meacutedia ocidentalrdquo op cit p 446

[32] Regra de Satildeo Bento (depois de 529 dC) cap 70 Documento consultado na INTERNET httpwwwricardocostacombentohtm

[33] ldquoO que reteacutem a vara aborrece a seu filho mas o que ama cedo o disciplinardquo (Prov 1324) ldquoNatildeo retires da crianccedila a disciplina pois se a fustigares com a vara natildeo morreraacutes Tu a fustigaraacutes com a vara e livraraacutes a sua alma do infernordquo (Prov 2313-14)

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 18: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

[34] ldquoOs meninos e adolescentes ou os que natildeo podem compreender que espeacutecie de pena eacute na verdade a excomunhatildeo quando cometem alguma falta sejam afligidos com muitos jejuns ou castigados com aacutesperas varas para que se curemrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 30 (httpwwwricardocostacombentohtm)

[35] ldquoAs crianccedilas por tal falta recebam pancadasrdquo ― Regra de Satildeo Bento cap 45

[36] Mesmo nesse aspecto o das surras haacute de se relativizar um dos maiores sucessos editoriais no Brasil o livro Meu Bebecirc Meu Tesouro de DELAMARE defendia que as crianccedilas deveriam levar uma surra todos os dias

[37] MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 119 Naturalmente Manacorda se refere ao sadismo por parte de quem aplicava o castigo isto eacute os monges Falo isso porque certa vez ao ler parte desse texto em sala de aula na UFES uma aluna ficou em duacutevida se o sadismo era por parte de quem batia ou de quem apanhava

[38] ldquoPode haver com efeito alguns casos particulares desses tipos Mas os monges satildeo pessoas que fizeram e fazem livremente a sua opccedilatildeo pela vida silenciosa e penitente por amor a Deus que transborda na caridade para com o proacuteximordquo ― NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 91-92

[39] San Cesaacutereo de Arles Sermo ad monacho CCXXXVI 1-2 Morin t II p 894 Citado em DE CASSAGNE Irene Valorizacioacuten y educacioacuten del Nintildeo en la Edad Media op cit p 22

[40] Citado em MANACORDA Mario Alighiero Histoacuteria da Educaccedilatildeo - da Antiguumlidade aos nossos dias op cit p 135 Esse belo texto medieval tambeacutem eacute analisado em NUNES Rui Afonso da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia op cit p 157-159 (SOumlHNGEN C J De medii aevi puerorum institutione in occidente Diss Amsterdam 1900)

[41] TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo In BURGUIEgraveRE Andreacute KLAPISCH-ZUBER Christiane SEGALEN Martine e ZONABEND Franccediloise (dir) Histoacuteria da Famiacutelia Tempos Medievais Ocidente Oriente Lisboa Terramar 1997 p 69-84

[42] ldquoO comeacutercio de escravos fora rigorosamente interdito em 779 e 781 () mas continuou natildeo obstante () Agobardo mostra-nos que este comeacutercio vinha de longe () conta-nos que no comeccedilo do seacuteculo IX chegara a Liatildeo um homem

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 19: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

fugido de Coacuterdova onde tinha sido vendido como escravo por um judeu de Liatildeo E afirma a este propoacutesito que lhe falaram de crianccedilas roubadas ou compradas por judeus para serem vendidasrdquo ― PIRENNE Henri Maomeacute e Carlos Magno Lisboa Publicaccedilotildees Dom Quixote sd p 228

[43] Christopher Brooke analisa a histoacuteria do casamento (O casamento na Idade Meacutedia Lisboa Publicaccedilotildees Europa-Ameacuterica sd) sem contudo tratar da eacutetica conjugal dos espelhos caroliacutengios preferindo fazer seu recorte nos seacuteculos feudais (XI-XII)

[44] ldquoO modelo conjugal que a elite religiosa procura entatildeo impor como regulador da violecircncia social implica aleacutem disso um reconhecimento da mulher enquanto pessoa enquanto consors de pleno direito na sociedade familiar () A perfeita igualdade entre os cocircnjuges eacute um dos temas mais constantes da literatura matrimonial em plena concordacircncia com a legislaccedilatildeo que desde meados do seacuteculo VIII natildeo cessa de proclamar que a lei do matrimocircnio eacute uma soacute tanto para o homem como para a mulherrdquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87 Tambeacutem eacute desnecessaacuterio dizer que a violecircncia sexual da eacutepoca era contra a mulher

[45] ldquoEsta temaacutetica deveraacute ser relacionada com a luta que nessa eacutepoca se travava contra as praacuteticas contraceptivas o aborto provocado e o infanticiacutedio Comporta igualmente um dever de educaccedilatildeo cristatilde que tem como resultado em Teodulfo de Orleatildees uma definiccedilatildeo do officium paterno e maternordquo ― TOUBERT Pierre ldquoO periacuteodo caroliacutengio (seacuteculos VII a X)rdquo op cit p 87

[46] ldquoQue ajuntem e reuacutenam ao redor de si natildeo soacute filhos de condiccedilatildeo servil mas tambeacutem filhos de homens livresrdquo ― Da Admonitio generalis cap 72 In BETTENSON H Documentos da Igreja cristatilde Satildeo Paulo ASTE 2001 p 168

[47] Todos esses avanccedilos juriacutedicos em relaccedilatildeo agrave mulher e agrave crianccedila foram acompanhados paradoxalmente por um discurso clerical anti-feminino Para esse tema ver especialmente DUBY Georges Eva e os padres Damas do seacuteculo XII Satildeo Paulo Companhia das Letras 2002 De qualquer modo eacute fato que a mulher moderna ocidental hoje desfruta de uma posiccedilatildeo social melhor que no Oriente especialmente nos paiacuteses de cultura islacircmica

[48] ldquoO gosto que os autores medievais tinham pela etimologia derivava de uma atitude com relaccedilatildeo agrave linguagem bastante diferente da que geralmente temos hoje Na Idade Meacutedia ansiava-se por saborear a transparecircncia de cada palavra para noacutes pelo contraacuterio a linguagem eacute opaca e costuma ser considerada como mera convenccedilatildeo (e nem reparamos por exemplo em que coleira colar

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 20: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

colarinho torcicolo e tiracolo se relacionam com colo pescoccedilo)rdquo ― LAUAND Luiz Jean Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 106

[49] Esse eacute um ponto no qual a pedagogia medieval difere enormemente da moderna pois eacute quase senso comum hoje afirmar que as crianccedilas satildeo receptaacuteculos vazios (tabula rasa) e o educador enche-as de conteuacutedo

[50] PRICE B B Introduccedilatildeo ao Pensamento Medieval Lisboa Ediccedilotildees Asa 1996 p 88

[51] Este trabalho eacute a primeira parte da palestra intitulada Reordenando o conhecimento a educaccedilatildeo na Idade Meacutedia e o conceito de ciecircncia expresso na obra Doutrina para Crianccedilas (c 1274-1276) de Ramon Llull proferida na II Jornada de Estudos Antigos e Medievais Transformaccedilatildeo social e Educaccedilatildeo - 10 e 11 de Outubro de 2002 - Universidade Estadual de Maringaacute (UEM) evento coordenado pela Profordf Drordf Terezinha Oliveira

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 21: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

Reflexotildees sobre o Estudo da Idade Meacutedia

Rauacutel Cesar Gouveia Fernandes M Sc Letras FFLCHUSP - Prof Filosofia FEI

e-mail rfernandesbr2001combr

1 Nas uacuteltimas deacutecadas a Idade Meacutedia tem suscitado um interesse crescente Desde os anos 50 aproximadamente os estudos medievais conquistaram um posto de honra na historiografia razatildeo pela qual tecircm sido amplamente divulgados no Brasil mas essa curiosidade jaacute extrapolou os restritos ciacuterculos acadecircmicos Nos dias de hoje a Idade Meacutedia exerce tambeacutem uma fascinaccedilatildeo irrecusaacutevel sobre a imaginaccedilatildeo do grande puacuteblico conforme testemunham a crescente quantidade de publicaccedilotildees de textos literaacuterios medievais e o fato de que recriaccedilotildees das narrativas sobre o rei Artur o Santo Graal ou o mago Merlin sejam atualmente responsaacuteveis por alguns best-sellers nas livrarias e por gordas bilheterias nos cinemas eacute o sucesso da Idade Meacutedia na sociedade de consumo

Esse interesse eacute bem compreensiacutevel pois falar da Idade Meacutedia eacute de certa forma falar de noacutes mesmos Ela representa o longo periacuteodo de gestaccedilatildeo no qual foi criado o mundo moderno as atuais naccedilotildees europeacuteias das quais derivamos juntamente com suas respectivas liacutenguas e literaturas satildeo parte do legado medieval Nosso quotidiano estaacute repleto de inovaccedilotildees surgidas naquela eacutepoca como as universidades os bancos e ainda a imprensa o reloacutegio mecacircnico e os oacuteculos De acordo com Hilaacuterio Franco Juacutenior devemos agrave Idade Meacutedia inclusive a origem dos modernos sistemas de representaccedilatildeo poliacutetica e os fundamentos da mentalidade cientiacutefica que caracterizam a civilizaccedilatildeo ocidental(1)

Pode-se afirmar portanto que os estudos medievais tambeacutem auxiliam a compreender a histoacuteria e a cultura dos paiacuteses americanos a proacutepria expansatildeo mariacutetima que ocasionou a descoberta do Novo Mundo tem suas raiacutezes solidamente vincadas na Idade Meacutedia Temas da literatura medieval como a gesta de Carlos Magno permanecem vivos ainda hoje na poesia de cordel nordestina aleacutem disso eacute sabido que diversos escritores brasileiros de nosso seacuteculo entre os quais Manuel Bandeira Guimaratildees Rosa e Adeacutelia Prado beberam fartamente de fontes medievais

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 22: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

2 Apesar do significativo renovamento dos estudos sobre a Idade Meacutedia ela ainda eacute muito pouco conhecida ou mdash o que eacute pior mdash mal conhecida por quem natildeo eacute especialista As noccedilotildees fragmentadas e contraditoacuterias transmitidas na escola permitem que se use (e abuse) de conceitos relativos agrave Idade Meacutedia segundo a conveniecircncia de cada um desde o militante poliacutetico que apelida a perversa concentraccedilatildeo fundiaacuteria brasileira de ldquofeudalrdquo ateacute os novos ldquomagosrdquo de hoje que procuram se revestir de uma aura ldquomedievalrdquo para vender livros de auto-ajuda

O fato mais grave no entanto eacute que a Idade Meacutedia segue sendo viacutetima de um grande preconceito Para muitos ela ainda representa um periacuteodo no qual a humanidade subjugada pela ignoracircncia e flagelada pela peste viveu oprimida sob o terror das fogueiras da Inquisiccedilatildeo Afinal de contas continua a ser aceito o roacutetulo de ldquoidade das trevasrdquo como se no milecircnio que permeia a queda do Impeacuterio Romano e a chegada de Colombo agrave Ameacuterica natildeo houvesse sido criado nada que fosse digno de nota Que dizer entatildeo do canto gregoriano da Divina Comeacutedia ou dos avanccedilos arquitetocircnicos que permitiram erguer catedrais ainda hoje admiradas Muitas vezes estes satildeo detalhes convenientemente esquecidos a fim de justificar um quadro histoacuterico esquemaacutetico segundo o qual deve haver uma eacutepoca de barbaacuterie que anteceda e justifique o Renascimento do seacuteculo XVI mdash e assim equiacutevocos histoacutericos injustificaacuteveis satildeo perpetuados(2) Foi contra essa ldquolenda negrardquo que a medievalista francesa Reacutegine Pernoud se insurgiu em seu livro O Mito da Idade Meacutedia(3)

3 O maior obstaacuteculo ao conhecimento da Idade Meacutedia eacute justamente o arraigado preconceito que nutrimos acerca deste periacuteodo Estimulado por uma ideacuteia preconcebida o estudioso pode incorrer no erro de reduzir a pesquisa histoacuterica agrave mera seleccedilatildeo de dados que corroborem sua impressatildeo inicial Acreditamos por exemplo ser este o defeito de O Nome da Rosa famoso romance de Umberto Eco ambientado num mosteiro beneditino do seacuteculo XIV Embora o autor demonstre possuir conhecimento detalhado de algumas particularidades da cultura medieval o resultado eacute no miacutenimo parcial foram escolhidos apenas os elementos mais estereotipados do jaacute gasto bordatildeo sobre a Idade Meacutedia creacutedula e obscurantista O fato de se tratar de um texto de ficccedilatildeo natildeo muda os dados do problema Veja-se a cena do incecircndio da biblioteca ao final do romance eacute destacada a destruiccedilatildeo de livros mas esqueceu-se de dizer que se natildeo fosse pela obra anocircnima dos monges que preservaram e estudaram com a proverbial paciecircncia beneditina a obra dos escritores antigos ao longo de mil anos ela natildeo teria chegado ateacute noacutes(4)

O conhecimento autecircntico pressupotildee aquela ldquovontade de nos enriquecermos de sairmos de noacutes mesmosrdquo que Henri-Ireneacutee Marrou associava agrave virtude da

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 23: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

docilitas a humilde demanda da verdade(5) ldquoSair de noacutes mesmosrdquo neste caso significa estar disponiacuteveis a ouvir com atenccedilatildeo o que os documentos histoacutericos tecircm a nos revelar que eacute o contraacuterio de projetar sobre eles ideacuteias ou teorias preestabelecidas Com efeito a verdade pode nos enriquecer apenas se a procurarmos livres de qualquer tipo de censura preacutevia

4 Outra fonte de equiacutevocos eacute a tendecircncia muitas vezes inconsciente de interpretar os fatos do passado utilizando criteacuterios ditados pela cultura de nosso tempo sem cuidar que eles talvez natildeo se apliquem ao periacuteodo estudado Qualquer dado histoacuterico manifesta plena e adequadamente seu significado apenas se eacute observado no contexto do qual faz parte por isso eacute necessaacuterio inteirar-se dos valores culturais e sociais da eacutepoca que o gerou para avaliaacute-lo com propriedade

Ora uma das principais caracteriacutesticas da Idade Meacutedia eacute sua intensa religiosidade mdash e a dificuldade de compreensatildeo deste fator fundamental tem sido uma importante fonte de mal-entendidos Se hoje o fator religioso eacute percebido como algo estranho agrave vida para o homem medieval ao contraacuterio a esfera do sagrado era reconhecida presente e encarnada nas contingecircncias da vida quotidiana(6) Congregados pelo irresistiacutevel apelo da religiatildeo homens e mulheres de todas as regiotildees da Europa adquiriram a partir do seacuteculo X a consciecircncia de formar um povo uacutenico uma entidade que pretendia espelhar e prefigurar a ordem celeste a Cristandade ldquoCada umrdquo observa Daniel-Rops rdquotrabalhando ao longo de sua existecircncia tinha a certeza de colaborar numa grande obra que o ultrapassavardquo(7) contribuindo com sua pequena pedra para levantar a catedral segundo a imagem utilizada por Paul Claudel(8) A ldquoextraordinaacuteria capacidade que os homens da Idade Meacutedia tinham de pensar e agir em conjuntordquo deve-se portanto ao fato de que ldquoo sentido da transcendecircncia arrancava o indiviacuteduo da sua condiccedilatildeo particular () para impulsionaacute-lo rumo a um ideal absoluto tal como uma terra santa a ser libertada uma igreja a ser construiacuteda ou entatildeo com obstinada candura um herege a ser queimado vivordquo(9) Quem negligenciar esse dado prejudicaraacute gravemente sua capacidade de compreensatildeo histoacuterica como descrever as Cruzadas ou a Inquisiccedilatildeo sem levar em conta o fato de que a religiatildeo era o cimento da sociedade medieval

5 Ateacute aqui insistimos sobre a necessidade de se adotar uma atitude de abertura e submissatildeo aos documentos alertando para o fato de que preconceitos e anacronismos podem distorcer os resultados da pesquisa De fato a realidade histoacuterica sempre se revela mais densa complexa e rica do que certos conceitos dos quais facilmente nos tornamos prisioneiros Frisar a exigecircncia de fidelidade agraves fontes no entanto natildeo quer dizer que o ofiacutecio do historiador seja meramente passivo ou receptivo

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 24: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

Ao estudioso cabe a tarefa de fazer os documentos falarem Muitas vezes o material analisado parece bem pouco eloquumlente a quantidade e a qualidade das informaccedilotildees que seratildeo extraiacutedas dele dependem da habilidade do historiador ao questionaacute-lo A pesquisa natildeo se resume agrave compilaccedilatildeo de informaccedilotildees que os documentos jaacute fornecem ldquoprontasrdquo compete ao estudioso abordaacute-los adequadamente e formular hipoacuteteses explicativas para os dados observados Sendo assim a documentaccedilatildeo histoacuterica pode ser considerada uma fonte inesgotaacutevel de conhecimentos pois sempre poderaacute revelar aspectos ateacute entatildeo ignorados se submetida a novas interrogaccedilotildees Eacute preciso observar contudo que o questionamento das fontes eacute uma habilidade que deve ser desenvolvida pois atualmente se cultiva mais a duacutevida sistemaacutetica (que termina por imobilizar a inteligecircncia) do que a atenccedilatildeo genuiacutena aos porquecircs uacuteltimos da realidade

Eacute justamente por ter formulado interrogaccedilotildees que ainda natildeo haviam sido feitas alargando os horizontes da pesquisa histoacuterica que a obra de certos medievalistas tecircm conquistado relevacircncia crescente Um dos precursores desta renovaccedilatildeo foi Johan Huizinga que mdash haacute 70 anos quando a pesquisa histoacuterica se limitava a temas poliacuteticos e econocircmicos mdash procurou descrever os ideais os sentimentos e as formas de pensamento do homem medieval numa obra que continua estimulante ainda hoje(10) Estava aberto o caminho para a ldquonova histoacuteriardquo escola agrave qual se filiam historiadores do porte de Jacques le Goff e Georges Duby

6 Se o resultado da anaacutelise eacute condicionado pelo questionamento proposto pelo estudioso conclui-se que a investigaccedilatildeo histoacuterica seraacute sempre inevitavelmente plasmada pela personalidade do pesquisador Os documentos histoacutericos satildeo ldquotestemunhos da experiecircncia de homens do passadordquo como tais solicitam que tambeacutem a experiecircncia humana de quem os lecirc entre em jogo para serem compreendidos(11) Quanto mais atento e curioso for o pesquisador mais fecunda seraacute portanto sua investigaccedilatildeo ldquoo valor do conhecimento histoacuterico eacute diretamente funccedilatildeo da riqueza interior da abertura de espiacuterito da magnanimidade de quem o elaborou () O historiador deve ser tambeacutem primeiro que tudo um homem plenamente homem aberto a tudo o que eacute humanordquo(12) E natildeo poderia ser de outra forma o historiador em particular o medievalista lida com elementos que embora cronologicamente distantes dizem algo a respeito de sua proacutepria pessoa e da sociedade na qual ele vive

A pesquisa histoacuterica pode ser descrita portanto como um encontro Neste encontro com o outro reconheceremos para aleacutem das diferenccedilas uma seacuterie de afinidades graccedilas agraves quais eacute possiacutevel estabelecer um diaacutelogo com o passado Com efeito ldquoeacute nesta tensatildeo entre o mesmo e o outro que o conhecimento da humanidade mais antiga pode continuar a enriquecer nossa existecircncia num seacuteculo em que a ansiedade do homem nasce do questionamento de todas as suas

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 25: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

referecircncias fundamentaisrdquo Por isso a histoacuteria se escreve ldquoapoiando-se ao mesmo tempo na presenccedila da memoacuteria do passado e na compreensatildeo da distacircncia que existe entre esse passado e o presenterdquo(13) Exemplar neste sentido eacute a reflexatildeo de Reacutegine Pernoud acerca das origens medievais dos conceitos de casamento e direitos da mulher temas que estatildeo no centro de debates cruciais dos dias de hoje(14)

7 A esta altura o leitor poderaacute perguntar se a investigaccedilatildeo histoacuterica eacute produzida no cruzamento entre o ldquoeurdquo e o ldquooutrordquo entre presente e passado como eacute possiacutevel o conhecimento objetivo da histoacuteria

O conhecimento objetivo ou cientiacutefico do passado pressupotildee a adoccedilatildeo de um meacutetodo seguro que permita uma abordagem fiel das fontes Natildeo se deve entretanto confundir rigor metodoloacutegico com a obsessatildeo positivista de eliminar a possibilidade de interferecircncia da personalidade do estudioso no desenvolvimento da pesquisa para evitar os riscos de uma anaacutelise ldquosubjetivardquo da documentaccedilatildeo Essa pretensatildeo se revela em particular no campo das ciecircncias humanas uma utopia prejudicial se limitarmos nossa investigaccedilatildeo somente agravequilo que pode ser considerado ldquoobjetivordquo ou ldquocomprovadordquo mdash conceitos que satildeo de resto bastante escorregadios mdash terminaremos por reduzir a histoacuteria a uma coleccedilatildeo de fatos desconexos ou entatildeo a simples sondagens estatiacutesticas Dessa forma em suma ficariacuteamos agrave margem do que eacute mais importante conhecer isto eacute o significado dos acontecimentos das ideacuteias e das experiecircncias dos homens do passado(15)

A neutralidade total do pesquisador eacute uma meta inatingiacutevel soacute seria possiacutevel na hipoacutetese absurda de que o objeto de estudo lhe fosse inteiramente indiferente (mas entatildeo por que estudaacute-lo) Imparcialidade natildeo significa aridez jaacute notamos que a riqueza interior do estudioso eacute um ingrediente fundamental na elaboraccedilatildeo do conhecimento histoacuterico

Contrariando a esteacuteril tentativa de levar o pesquisador ao estado de ataraxia a fim de garantir a objetividade do trabalho cientiacutefico Marrou afirma que entre o sujeito e o objeto da investigaccedilatildeo deve haver uma relaccedilatildeo de simpatia e amizade pois como jaacute dizia Santo Agostinho ldquonatildeo se pode conhecer ningueacutem a natildeo ser pela amizaderdquo Natildeo se trata evidentemente de maquiar o passado substituindo a ldquolenda negrardquo sobre a Idade Meacutedia por uma ldquolenda douradardquo igualmente tendenciosa A simpatia e a amizade de que o autor fala constituem o fundamento da dedicaccedilatildeo sincera na tentativa de conhecer o outro como ele realmente eacute ldquoa amizade autecircntica na vida como na histoacuteria supotildee a verdaderdquo(16)

A verdadeira simpatia pelo objeto eacute paradoxalmente uma condiccedilatildeo indispensaacutevel para gerar em noacutes aquele desapego necessaacuterio no caso de os

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 26: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

resultados da pesquisa contrariarem nossas hipoacuteteses ou expectativas A humilde disponibilidade de aceitar a verdade tal como ela se nos apresenta e natildeo como gostariacuteamos que fosse eacute o que Luigi Giussani apelidou de ldquoregra moralrdquo do conhecimento ldquoamor agrave verdade do objeto maior que nosso apego agraves opiniotildees que jaacute formamos sobre elerdquo(17)

8 Embora entrem em conflito com algumas ideacuteias atualmente em voga as sugestotildees metodoloacutegicas propostas pelos autores citados estatildeo em perfeita sintonia com a mentalidade medieval Se para muitos hoje o termo estudo evoca uma atividade insossa e meramente cerebrina na Idade Meacutedia como notou Luiz Jean Lauand o alcance semacircntico de studium era mais amplo ldquoStudium significa amor afeiccedilatildeo devotamento a atitude de quem se aplica a algo porque amardquo(18)

(1) A Idade Meacutedia Nascimento do Ocidente Satildeo Paulo Brasiliense 1986 pp 170-179

(2) Cf Nunes Ruy A da Costa Histoacuteria da Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo EDUSP 1979 pp 9-30

(3) Lisboa Europa-Ameacuterica s d

(4) Cf Dawson C Il Cristianesimo e la Formazione della Civiltagrave Occidentale Milatildeo Rizzoli 1997 p 60

(5) Do Conhecimento Histoacuterico Lisboa Martins Fontes s d pp 85 e 231

(6) Cf Giussani Luigi O Senso de Deus e o Homem Moderno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 101 e ss

(7) A Igreja das Catedrais e das Cruzadas Satildeo Paulo Quadrante 1993 p 39

(8) O Anuacutencio Feito a Maria Rio de Janeiro Agir 1968 p 28

(9) Marchi Cesare Grandes Pecadores Grandes Catedrais Satildeo Paulo Martins Fontes 1991 p 39

(10) Cf O Decliacutenio da Idade Meacutedia Lisboa Ulisseacuteia s d

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 27: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

(11) Cf Massimi Marina ldquoPartir do Presenterdquo in Litterae Communionis 57 maio junho 1997

(12) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 92

(13) Fontaine J ldquoFace agrave la Foi des Premiers Siegraveclesrdquo in Delumeau J LrsquoHistorien et la Foi Paris 1996 p 116

(14) Cf A Mulher no Tempo das Catedrais Lisboa Gradiva 1984

(15) Cf Brooke Christopher O Casamento na Idade Meacutedia Lisboa Europa-Ameacuterica pp 15-32

(16) Marrou Henri-Ireneacutee Op cit p 88

(17) Giussani Luigi O Senso Religioso 2a ediccedilatildeo Satildeo Paulo Companhia Ilimitada 1993 p 59

(18) Cultura e Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1998 p 302

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 28: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

INSCRICcedilOtildeES

1 Muito antes de se falar em fontes alternativas de energia(3) jaacute o reloacutegio de sol apregoava

A LUMINE MOTUS Movido a luz G05

2 A objetividade do tempo

ABSQUE SOLE ABSQUE USU Sem sol sem hora G20

3 A vida eterna depende do bem agir neste momento (no dizer de Macbeth In this shoal of time we jump the life to come)

AB HOC MOMENTO PENDET AETERNITAS Deste momento depende a eternidade G14

4-5 O convite ao bom comportamento diante de Deus eacute reforccedilado pelo fato de natildeo sabermos qual seraacute nossa uacuteltima hora

AB ULTIMA CAVE Cuidado na uacuteltima hora G16

AB UNA PENDET AETERNITAS A eternidade depende de uma hora G18

6 A vida humana como o ciclo do dia tende agrave morte

AD OCCASUM TENDIMUS OMNES Tendemos todos ao ocaso G22

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 29: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

7 O sol eacute a alegoria claacutessica para Cristo

ADORA SOLEM QUI NON FACIT OCCASUM Adora o sol que natildeo tem ocaso G514

8-10 Frequumlentemente aponta-se para a dimensatildeo subjetiva do tempo

AFFLICTIS LENTAE CELERES GAUDENTIBUS HORAE Lentas as horas tristes raacutepidas as alegres G30

AMICIS AEQUA IBIT HORA Entre amigos natildeo se sente o passar das horas B472

AMICIS QUALIBET HORA Para os amigos qualquer hora G43

11 O reloacutegio louva a si mesmo como distribuidor harmocircnico (temperare) do tempo

ARTE MIRA MORTALIUM TEMPERAT HORAS Um admiraacutevel aparelho organiza as horas dos mortais G58

12 A prudente atenccedilatildeo ao presente requer a experiecircncia do passado e a previsatildeo do futuro

ASPICE RESPICE PROSPICE Veja reveja preveja G72

13 Celebraccedilatildeo ao surgimento

AURORA HORA AUREA Aurora (eacute a) hora aacuteurea G80

14 O valor salviacutefico do tempo

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 30: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

BREVES SUNT SINT UTILES As horas satildeo breves que sejam uacuteteis B672

15-17 Mensagens biacuteblicas e religiosas (referentes ao tempo ao sol agrave sombra etc) tambeacutem satildeo constantes

CADENS SOL NON OCCIDAT SUPER IRACUNDIAM VESTRAM Natildeo se ponha o sol sobre a vossa ira (Ef 4

26) B371

CHRISTUS SOLUS MIHI SALUS Cristo eacute minha uacutenica salvaccedilatildeo G124

COELI LUX NOSTRA DUX Do ceacuteu a luz nos conduz G132

18-19 Nos vazios da existecircncia Deus silenciosamente estaacute presente

DEUS HABET HORAS ET MORAS Deus tem suas horas e suas pausas G187

DEUS MOVET UMBRA DOCET Deus move a sombra que ensina G189 B245

20 A voz existencialista se faz presente beirando o desespero

DIES NOSTRI QUASI UMBRA SUPER TERRAM (I Cro 29 15) Nossos dias na terra satildeo como uma sombra

G209

21 O sutil indicador

DIGITUS DEI DUCET ME O dedo de Deus me conduz G216

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 31: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

22 O luacutedico

DO SI SOL Dou (a hora) se haacute sol G226

23 O salmo

DOMINUS ILLUMINATIO MEA (Sl 261) O Senhor eacute a minha luz G232

24 O pequeno

ET PILO SUA UMBRA Mesmo um fio de cabelo tem sua sombra G283

25 Ainda o nihilismo humano

EXPLEBO NUMERUM REDDARQUE TENEBRIS Completarei meu tempo e retornarei agraves trevas G293

26 Ao contraacuterio dos homens

FALLERE NESCIO Natildeo sei enganar

27 Murphy

FELICIBUS BREVIS MISERIS HORA LONGA A hora eacute curta para os felizes e longa para os aflitos G301

28 O tempo em perspectiva humana devorador

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 32: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

FERT OMNIA AETAS O tempo tudo leva G305

29 O diacutestico beneditino

FESTINA LENTE Apressa-te devagar G306B711

30 O trocadilho

FESTINA MOX NOX Apressa-te logo seraacute noite G307

31-32 Ainda o efecircmero humano

FORSITAN ULTIMA Talvez a (tua) uacuteltima (hora) G317

FORTE TUA Talvez a tua (hora) G318B774

33 O eterno no temporal

FUGIT HORA CARITAS MANET As horas vatildeo

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 33: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

permanece o amor G332

34-35 Nada eacute permanente

FUGIT HORA VENIT HORA Hora vai hora vem G340 B544

FUGIT DUM ASPICIS Ela escapa enquanto a fitas G330

36 O conhecido proveacuterbio

HOMO PROPONIT DEUS DISPONIT O homem propotildee e Deus dispotildee G404

37 Ainda o subjetivo

HORA BREVIS AMICI LENTA ONEROSI Raacutepida eacute a hora com os amigos lenta com os chatos G416B473

38 O luacutedico no trocadilho alusivo agrave resposta das ladaiacutenhas ora pro nobis rogai por noacutes

HORA PRO NOBIS Que a hora nos seja favoraacutevel

39 Em meio ao pessimismo da consideraccedilatildeo da contingecircncia humana um poema luminoso

HORAS NON NOTO NISI LUCIDAS Natildeo registro senatildeo as horas luminosas

40 Vatilde eacute a busca do tempo perdido

IRREPARABILE TEMPUS O tempo natildeo volta G523

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 34: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

41 Conformismo

ITA VITA Assim eacute a vida G529B569

42 A plenitude da vida

JUBILATE DEO Alegrai-vos em Deus G555

43-45 O trabalho na condiccedilatildeo humana

LABORA DUM LUCET Trabalha enquanto haacute luz G602

LABORARE EST ORARE Trabalhar eacute orar G603

LEX DEI LUX DIEI A lei de Deus eacute a luz do dia G647

46 Outro poema sinteacutetico

LUCE LUCENTE RENASCOR Quando a luz brilhar renascerei G671

47 Outra alusatildeo religiosa

LUCET OMNIBUS Ele brilha para todos G674

48-49 Como diz Pro 8 30-31 a Sabedoria divina cria brincando

LUDIMUS INTEREA CELERI NOS LUDIMUR HORA Brincamos enquanto a hora veloz brinca conosco

LUDUS LABORQUE COMPOSITA REPETANTUR HORA O brincar e o trabalho tecircm sua hora adequada

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 35: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

G675B657

50 Inteligecircncia - etimoloacutegica e realmente - eacute ler dentro (intus legere)

LUMEN IN UMBRA LUMEN AB INTUS O sentido desta sombra estaacute na luz interior (da inteligecircncia)

51 Ainda a dialeacutetica luzsombra

LUMEN ME REGIT VOS UMBRA Eu sou governado pela luz vocecircs pela sombra G680

52 A luz do conhecimento faz-se acompanhar para o homem de sombras e misteacuterio

LUX UMBRAM PRAEBET MISTERIA AUTEM VERITAS A luz oferece a sombra a verdade os

misteacuterios

53 O valor do pequeno

MAGNI MOMENTI MINUTIAE As coisas pequenas satildeo de grande importacircncia G698

54 Emauacutes

MANE NOBISCUM DOMINE QUONIAM ADVESPERASCIT Fica conosco Senhor porque estaacute

anoitecendo (Lc 2429) G708

55 O silecircncio eloquumlente

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 36: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

MUTUS LOQUOR Falo calado

56 O valor dos momentos

NE ABUTERE Natildeo a desaproveites G774B708

57 Interdependecircncia

NE REGO NISI REGAR Natildeo regulo se natildeo sou regulado G816

58 Outra versatildeo do anseio de felicidade

NON HORAS NUMERO NISI SERENAS Soacute conto as horas serenas G811

59 Ainda o tesouro do tempo

NOS EXIGUUM TEMPUS HABEMUS SED MULTUM PERDIMUS Nosso tempo jaacute eacute pouco e ainda

desperdiccedilamos tanto G824

60 Bem ou mal a vida sempre ensina

NULLA FLUAT CUIUS NON MEMINISSE VELIS Nenhuma (hora) passe que natildeo desejes recordar

G846B362

61-63 A fugacidade

NUNC EST HERI CRASTINAE DIEI Agora eacute o ontem de amanhatilde

OMNIA FERT TEMPUS OMNIA RAPIT TEMPUS O

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 37: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

tempo tudo traz o tempo tudo leva

OMNIA SOMNIA Tudo eacute sonho G902

64 Sempre alerta

OPTIMA FORTE TIBI Talvez a tua melhor (hora) G919

65 Uma rima com o lema beneditino

ORA ET LABORA SED HORA Reza e trabalha mas na (devida) hora

66 Tal como o sol

ORIENTE ORIENS CADENTE CADENS Nascendo no Oriente acabando no Ocidente G933

67 O repouso soacute eacute repouso em funccedilatildeo do trabalho

POST LABOREM REQUIES Depois do trabalho o repouso B666

68-69 Evocando o Eclesiastes

PRAETERITUM NIHIL PRAESENS INSTABILE FUTURUM INCERTUM O passado eacute nada o presente eacute

instaacutevel o futuro eacute incerto G990

PUNCTUM TEMPORIS OMNIS VITA A vida inteira eacute um ponto do tempo

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 38: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

70 A morte como consumaccedilatildeo

QUALIS VITA FINIS VITAE Tal eacute a vida tal seu final

71-72 Outras sentenccedilas biacuteblicas

QUANDO CONSURGES E SOMNO TUO (Pro 69) Quando despertaraacutes de teu sono

QUI MALE AGIT ODIT LUCEM (Jo 3 20) Quem faz o mal odeia a luz B207

73 Uma pitada de simpatia

SALVE VIATOR VIDE HORAM Salve oacute viandante olha a hora

74 Religiosamente

SEQUERE DEUM UT EGO SOLEM Segue a Deus como eu sigo o sol

75 Atrasou danccedilou

SERIO VENIENTIBUS OSSA Para os atrasados os ossos

76 Sempre de novo a caducidade

SIC LABERIS NON IPSE SENTIS Assim declinas (como as horas) e natildeo reparas B595

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 39: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

77 O reloacutegio como o homem anseia pela luz

SINE NUBE TIBI QUAELIBET HORA FLUAT Que cada hora seja para ti sem nuvens G605

78 Alguns registram enigmas

SINE PEDE CURRO SINE LINGUA DICO Natildeo tenho peacute e corro natildeo tenho liacutengua e falo

79 A feacute como luz

SINE SOLE EGO TU SINE FIDE NIHIL POSSUMUS FACERE Eu sem sol e tu sem feacute nada podemos fazer

80 Cristo o sol

SOL LUCET OMNIBUS O sol brilha para todos

81 A sombra como luz

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

Page 40: O PROGRESSO TCNICO NA IDADE MDIAdas.inpe.br/.../artigos/tecnica_na_idade_media_42.pdf · da Idade Média, o alto-forno possibilitou a fabricação do ferro fundido. Essa foi a invenção

SOL ME VOS UMBRA REGIT Eu sou guiado pelo sol tu pela sombra B241

82-84 Jogos com sol

SOL SOLUS NON SOLI O sol eacute uacutenico mas natildeo para um soacute

SOL SOLUS SOLES SOLARI Soacute o sol soacutei consolar

SOLI SOLI Soacute ao sol

85 Para a mentalidade alegoacuterica dos antigos o reloacutegio eacute um modelo da vida humana

SPECULUM VITAE Sou o espelho da vida

86 As horas de cada um

SUA CUIQUE HORA Cada um tem sua hora B942

87 Ainda os jogos com sol

SUM SI SOL SIT Sou se o sol estaacute

88 Tarda mas natildeo falta

TARDA SAEPE SED CERTA VERITAS AC JUSTITIA VENIT A justiccedila e a verdade frequumlentemente tardam

mas natildeo faltam B186

89 A luz sobrenatural

TE REGAT ALIA LUX Que outra luz te guie B336

90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

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90 Jogo

TEMPORA TEMPORE TEMPERA Oportunamente aproveita as eacutepocas

91 Deus falando

TEMPORIS MEMOR MEI TIBI POSUI MONITOREM Cuida de meu tempo para isto te dei este

medidor

92 O reverso do tempo que passa

TEMPUS AETERNITATEM EMIT Com o tempo se compra a eternidade B366

93 O tempo imagem da eternidade

TEMPUS FUIT EST ET ERIT O tempo foi eacute e seraacute

94 O impeacuterio do tempo

TEMPUS RERUM IMPERATOR O tempo rege todas as coisas

95 O que passa e o que fica

TRANSIT HORA MANENT OPERA As horas passam as obras ficam

96-99 O jogo luzsombra como imagem da criatura que

procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446

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procede do Ser a partir do nada

UMBRA MONET UMBRAM A sombra avisa a sombra (que eacutes tu)

UMBRA SUMUS Sombra somos B302

UMBRAE MULTAE LUX EST UNICA As sombras satildeo muitas a luz uacutenica

VIVENTIBUS LUMEN SOLIS DORMIENTIBUS LUMEN DEI Para os que vivem a luz do sol para os

que dormem a luz de Deus

100 Despertar para o sentido do que se faz

VIVERE MEMENTO Lembra-te de viver B446