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1056 O PrOgrama Cura I em Santa marIa (1979-1985) TALES HENRIQUE ALBARELLO Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo [email protected] Resumo Durante o período da Ditadura Civil-Militar, por meio do Banco Nacional de Habitação, o Governo Federal patrocinou o Programa Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada, o Programa CURA. Compreender as ações da primeira edição do Programa CURA em Santa Maria (1979-1985) e a repercussão delas na comunidade santa-mariense foram objetivos desta pesquisa. A base empírica da investigação são os documentos oficiais e fontes bibliográficas. Observou-se. pelas informações contidas no jornal A Razão, que grandes obras foram feitas e melhorias realizadas na infraestrutura de ruas e avenidas. Os investimentos foram bem recebidos pela população, já que a cidade carecia desse tipo de obras. No entanto, ocorreu um grande endividamento do município e com as melhorias de determinadas áreas ocorreu um processo de crescimento da especulação imobiliária e também de aumento de impostos. Palavras-chave: Ditadura Civil-Militar; Política urbana; Santa Maria. As cidades existem desde a Antiguidade Oriental, quando, por volta de 4.000 a.C., surgiram os primeiros núcleos urbanos na região do Crescente Fértil. Durante a chamada Idade Antiga, as cidades tiveram grande importância. Já durante o período medieval, na Europa Ocidental, os eixos econômico e político deixaram de ser as cidades, passando para o campo. Entretanto, após o Renascimento Comercial e Urbano do século XIV, as cidades ganham maior importância na Europa Ocidental a partir de uma nova lógica para a sua organização. As novas cidades foram caracterizadas por regiões centrais e periféricas, nas quais a segregação social e espacial que a população de baixa renda passou a ter foi mais notável. As cidades organizadas a partir do avanço das relações capitalistas adquirem uma estrutura que se diferencia totalmente das outras estruturas de cidades, que até então tiveram ocorrência na história. Uma nova estrutura urbana, fragmentada, segmentada, dividida entre regiões nobres e regiões periféricas, espaços de mercado e espaços de exclusão, uma estrutura reprodutora de uma forte segregação social, a verdadeira ‘cidade do capital’, a cidade que se organiza como parte da lógica do capitalismo. (BOTEGA, 2004, p. 1). A história das cidades no Brasil segue essa nova lógica de organização. Existentes desde o período colonial, o crescimento urbano brasileiro foi expressivo ao longo do século XX. O País passou por várias mudanças. A crescente industrialização, principalmente a partir do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960); a transferência das famílias do meio rural para o meio urbano em razão da mecanização do campo; o crescimento vegetativo da população,

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O PrOgrama Cura I em Santa marIa (1979-1985)

Tales Henrique albarello

Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo [email protected]

Resumo

Durante o período da Ditadura Civil-Militar, por meio do Banco Nacional de Habitação, o Governo Federal patrocinou o Programa Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada, o Programa CURA. Compreender as ações da primeira edição do Programa CURA em Santa Maria (1979-1985) e a repercussão delas na comunidade santa-mariense foram objetivos desta pesquisa. A base empírica da investigação são os documentos oficiais e fontes bibliográficas. Observou-se. pelas informações contidas no jornal A Razão, que grandes obras foram feitas e melhorias realizadas na infraestrutura de ruas e avenidas. Os investimentos foram bem recebidos pela população, já que a cidade carecia desse tipo de obras. No entanto, ocorreu um grande endividamento do município e com as melhorias de determinadas áreas ocorreu um processo de crescimento da especulação imobiliária e também de aumento de impostos.

Palavras-chave: Ditadura Civil-Militar; Política urbana; Santa Maria.

As cidades existem desde a Antiguidade Oriental, quando, por volta de 4.000 a.C., surgiram os primeiros núcleos urbanos na região do Crescente Fértil. Durante a chamada Idade Antiga, as cidades tiveram grande importância. Já durante o período medieval, na Europa Ocidental, os eixos econômico e político deixaram de ser as cidades, passando para o campo. Entretanto, após o Renascimento Comercial e Urbano do século XIV, as cidades ganham maior importância na Europa Ocidental a partir de uma nova lógica para a sua organização. As novas cidades foram caracterizadas por regiões centrais e periféricas, nas quais a segregação social e espacial que a população de baixa renda passou a ter foi mais notável. As cidades organizadas a partir do avanço das relações capitalistas

adquirem uma estrutura que se diferencia totalmente das outras estruturas de cidades, que até então tiveram ocorrência na história. Uma nova estrutura urbana, fragmentada, segmentada, dividida entre regiões nobres e regiões periféricas, espaços de mercado e espaços de exclusão, uma estrutura reprodutora de uma forte segregação social, a verdadeira ‘cidade do capital’, a cidade que se organiza como parte da lógica do capitalismo. (BOTEGA, 2004, p. 1).

A história das cidades no Brasil segue essa nova lógica de organização. Existentes desde o período colonial, o crescimento urbano brasileiro foi expressivo ao longo do século XX. O País passou por várias mudanças. A crescente industrialização, principalmente a partir do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960); a transferência das famílias do meio rural para o meio urbano em razão da mecanização do campo; o crescimento vegetativo da população,

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com a redução das taxas de mortalidade infantil; e as migrações internas levaram a um grande incremento da população urbana.

Com o crescimento urbano, aumentou a demanda por habitações e, em consequência, por equipamentos urbanos, como redes de eletricidade, água, esgotos, calçamento ou asfaltamento de ruas, etc. O crescimento das cidades brasileiras não foi acompanhado de políticas públicas que suprissem as demandas de habitação e infraestrutura. Por vezes, o Estado interveio nesses espaços por meio de reformas urbanas. O período da Ditadura Civil-Militar no Estado Brasileiro foi um desses momentos de intervenção.

No Brasil, entre os anos de 1964 e 1985, tivemos o período da Ditadura Civil-Militar no governo do Estado Brasileiro no qual o País teve um novo modelo de desenvolvimento econômico. Com o Plano de Ação Econômica do Governo, o PAEG, o Governo pretendeu acelerar o crescimento brasileiro e conter a inflação, bem como de diminuir o déficit público. Para isso, criou um novo Código Tributário Nacional, em 1966, o qual concentrou as rendas do País nas mãos do Governo Federal.

Ainda em 1966 foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, que facilitou e as cadernetas de poupanças, utilizadas pela classe média para aplicar seu dinheiro com garantias do Tesouro Nacional. Além dessas criações, o crescimento econômico mundial, por intermédio da facilidade de empréstimos a governos e empresas multinacionais no exterior, ajudou o Brasil a elevar suas taxas de crescimento econômico, no período que ficou conhecido como “Milagre Econômico”. Entre 1968 e 1973, a baixa inflação, as crescentes exportações e as altas taxas de crescimento, em média de 10% ao ano, do Produto Interno Bruto, o PIB, serviram como legitimadores da Ditadura Civil-Militar implantada no Brasil.

Apesar de um crescimento econômico nunca visto no País, a distribuição de renda piorou consideravelmente nesse período. A economia cresceu, mas beneficiou a poucos. Foi nesse contexto econômico que as ações do Banco Nacional de Habitação passaram a se desenvolver. Destarte,

estas reformas das políticas fiscal, creditícia e trabalhista eram consideradas necessárias para garantir a definitiva superação do problema inflacionário e condições adequadas para que o setor privado promovesse a retomada do desenvolvimento econômico sob sua liderança. Assim, a estratégia de desenvolvimento da equipe econômica pretendia acabar com os fatores que restringiam uma postura ativa do empresariado, cujo dinamismo intrínseco era um postulado da visão que economistas do governo tinham de uma economia de mercado. (PRADO; EARP, 2003, p. 216).

No início da Ditadura Civil-Militar, houve a criação do Banco Nacional de Habitação, o BNH, criado juntamente com o Sistema Financeiro da Habitação, o SFH. O BNH foi o braço interventor do Governo Federal quando o assunto se referia à habitação, e tinha por objetivo principal facilitar a construção e a aquisição de casas por pessoas de baixa renda.

Em sua criação, no ano de 1964, o BNH possuía um capital inicial de 1 bilhão de cruzeiros, sendo sua principal fonte de recursos a contribuição compulsória de 1% do valor da folha de pagamento mensal de todas as empresas sujeitas ao regime da Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, no País. Já em 1966, com a criação do FGTS e das Cadernetas de Poupança, o BNH passou a gerir esses recursos, o que fez com que se tornasse o segundo maior banco brasileiro, atrás somente do Banco do Brasil. Destarte, podemos constatar que recursos para as suas finalidades o BNH dispunha.

Durante o seu período de existência, entre 1964 e 1986, o BNH financiou em torno de um quarto das habitações brasileiras, tanto no setor formal quanto informal. No entanto, suas linhas de financiamento beneficiaram, majoritariamente, a classe média e alta da sociedade brasileira, que representavam segmentos identificados com a Ditadura Civil-Militar.

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A política de concentração de renda que ocorreu durante esse momento histórico propiciou a criação de um mercado imobiliário mais forte para a provisão de moradias. Embora as habitações também sejam mercadorias, diferem-se de outros produtos, visto o seu preço maior e a demora na construção. Além do preço decorrente do imóvel, o próprio terreno onde a moradia está localizada também é uma mercadoria, o que a encarece ainda mais.

Como Villaça (1986) apontou, “no final dos anos 60 já estava claro que o BNH não poderia financiar casas para a população com menos de três salários mínimos”. Essa população não conseguia garantir o valor das prestações da casa própria, fazendo com que a política de construção de habitações não alcançasse o seu objetivo principal, conforme a legislação que a criou. Com isso, podemos notar que

a intervenção do Estado na política habitacional brasileira ocupou os espaços existentes, de modo a definir não apenas a política institucional de setores ligados diretamente ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), mas também parte do que podemos chamar de provisão informal de habitações, onde situamos a auto-construção, a favela, o loteamento clandestino, etc. (MARICATO, 1987, p. 29).

Além de prover habitações, pela lei que o criou, o BNH também poderia intervir em obras de infraestrutura urbana. Em 1971, o BNH tem uma mudança em seu estatuto jurídico, o que o tornou, no interior do Sistema Financeiro de Habitação, responsável pela coordenação, fiscalização e financiamento dos recursos aos agentes financiadores, como as caixas econômicas, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo e bancos comerciais. Essa mudança possibilitou ao BNH que transferisse seus recursos para esses agentes financiadores, os quais ficavam com a responsabilidade das cobranças e o problema da inadimplência. Nessa situação, o BNH tinha maiores condições de adotar políticas voltadas a obras urbanas. Assim,

desde o início da década de [19]70, o BNH passou sistematicamente a orientar seus recursos para o financiamento de governos estaduais e municipais na produção de obras de infra-estrutura urbana, tais como implantação ou melhoria do sistema de abastecimento de água e esgoto sanitário do sistema viário e pavimentação, da rede de distribuição de energia elétrica, de transporte, de comunicação, de educação e cultura, de serviços públicos, de esgoto de águas pluviais e outras. Além das obras, o BNH se propõe a financiar planos, estudos para elaboração de legislação e projetos. (MARICATO, 1987, p. 29).

Entre os projetos planejados pelo BNH, citamos o Plano Nacional de Saneamento, o PLANASA, de 1970; Financiamento para Urbanização, o FIMURB, e o Financiamento para o Planejamento Urbano, o FIPLAN, ambos de 1974, entre outros projetos. A partir disso, percebemos que o BNH passou a ter programas que interviram nos meios urbanos. Aliada a essa nova política de atuação do BNH, tivemos a reforma do Código Tributário Nacional de 1966 que prejudicou as administrações municipais e retirou recursos das prefeituras municipais. As lideranças municipais, em busca de recursos, retiravam empréstimos por meio do BNH para obras urbanas, já que estas obras com recursos próprios eram difíceis de serem realizadas pela concentração de verbas no Governo Federal durante o período da Ditadura Civil-Militar.

Neste contexto, o BNH financiou três tipos de investimentos: grandes projetos de abrangência regional ou nacional; apoio aos conjuntos habitacionais e obras urbanas desligadas dos conjuntos habitacionais financiados pelo banco. Cabe reiterar que recursos não faltavam. Não havia era quem atendesse às exigências do banco. Por meio de seus projetos

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de desenvolvimento urbano, atendeu aos interesses das empresas de construção pesada. A orientação dada aos investimentos do BNH, defende Maricato (1987), “enveredou pela trilha das grandes obras, [e] foi coerente com as orientações mais amplas da política econômica para o período e coerente, em particular, com os interesses das grandes empresas nacionais de construção pesada”. Entre as obras patrocinadas pelo BNH estão a Ponte Rio Niterói e o metrô das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Em síntese, o BNH foi uma instituição pública que com suas políticas ajudou no processo de concentração de renda no País, ao financiar grandes obras e atender precariamente às necessidades básicas de habitação digna da população de baixa renda, que não tinha como garantir os valores emprestados pela instituição em razão da inflação e a correção monetária do período em questão.

Os Programas CURA

Um dos meios de entrada do BNH em financiamentos de grandes obras urbanas foi o Programa Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada, conhecido como Programa CURA. A regulamentação para os programas CURA foi dada pela Resolução do Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação nº07/1973. O programa fazia

em suas justificativas plenas de boas intenções o estímulo ao adensamento da população urbana até níveis tecnicamente satisfatórios, assim como eliminar a capacidade ociosa dos investimentos urbanos e reduzir os efeitos negativos da especulação imobiliária, através da execução de obras de infra-estrutura. Este programa abre definitivamente a possibilidade de o BNH entrar no âmago do jogo imobiliário urbano capitalista, ou seja, a geração de renda imobiliária devido à localização de imóvel em área beneficiada por investimentos públicos. Nem sempre (ou quase nunca) o efeito conseguido é o que preconizam as ‘boas intenções’ dos técnicos, mas nesse caso, por exemplo, pode-se obter o efeito contrário, ou seja, de alimentar a especulação imobiliária. (MARICATO, 1987, p. 33)

Os projetos CURA fizeram parte dos programas de complementação urbana propostas pelo BNH. Esses projetos deveriam levar em consideração uma série de fatores, tais como o crescimento desordenado das cidades brasileiras, a não obediência das especificações no planejamento e construções de loteamentos; o direito da população em habitar locais com infraestrutura urbana digna; a especulação imobiliária, que encarecia lotes com infraestrutura urbana satisfatória e a injustiça da execução de obras que beneficiassem proprietários de terrenos que aguardavam a valorização destes para posterior loteamento.

Os programas CURA pretenderam dotar determinadas áreas urbanas de equipamentos urbanos adequados para habitação, em locais onde o espaço urbano fosse parcialmente habitado. Após a execução das obras, os terrenos localizados na chamada “Área CURA” deveriam ter legislação tributária que instituísse alíquota de imposto territorial progressiva, além de fixar a taxa de ocupação do solo adequada. Ainda havia a exigência de comprovação de mercado habitacional em expansão na cidade que pretendia ter obras executadas a partir desses recursos. Essas três exigências, além do estudo de viabilidade econômica da área a ser recuperada, eram requisitos essenciais para a obtenção de financiamentos

Os recursos provenientes do BNH foram fruto de empréstimos, e deveriam ser pagos pelas prefeituras municipais que os utilizassem. Após a Reforma Tributária de 1966, os municípios perderam boa parte de sua arrecadação. Assim, para a execução de grandes obras, as prefeituras se viam sem recursos financeiros, tendo que recorrer ao Governo Federal para

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conseguir executar as obras. Assim, o CURA era um

programa que se destina a ofertar recursos para aplicação em infra-estrutura e equipamentos urbanos em áreas caracterizadas pela existência de terrenos vagos (ou vazios urbanos), comprovada a viabilidade econômica-financeira, como garantia de retorno aos investimentos realizados[...]. Os equipamentos e serviços [...] são: energia elétrica, escoamento de águas pluviais, sistema viário e pavimentação, transporte coletivo, iluminação pública, comunicações em geral, educação e cultura, saúde, abastecimento, recreação, serviços públicos e outras obras e serviços considerados pelo BNH como de interesse para a viabilização do projeto. (LUZ JÚNIOR, 1989, p. 43).

Com essa concepção aproximada, podemos entender o Programa CURA como um dos principais mecanismos de ação do BNH na promoção de obras de infraestrutura urbana. Luz Júnior (1989) também relaciona as obras realizadas através desses projetos com as teorias da chamada Renovação Urbana, a RU. O termo Renovação Urbana foi criada pelo economista norte-americano Miles Colean, por volta de 1950. Richardson (1978) definiu o conceito de renovação urbana como sendo composto por três tipos de intervenções: a Reabilitação, que transforma áreas com estruturas de baixo padrão para um padrão desejado; a Conservação, envolvendo a reabilitação e as demolições para conseguir as melhorias de determinada área; e ainda o Redesenvolvimento, que seria a demolição, a remoção e a reconstrução de uma área determinada em sua integralidade.

Grebler (1964 apud RICHARDSON, 1978, p. 113) define a Renovação Urbana como “um esforço deliberado para mudar o meio urbano por ajuste planejado, de larga escala, de áreas existentes da cidade para necessidades atuais e futuras de moradia e trabalho urbano”. A partir dessa definição, podemos notar como os objetivos dos projetos CURA vêm ao encontro dessa teoria, pois, como supracitado, os projetos só teriam a execução autorizada caso se provasse que havia na cidade um mercado habitacional em expansão, o que os projetos baseados na teoria da Renovação Urbana se propunham a realizar.

A influência dessa teoria fica mais explícita quando vemos que o aumento dos impostos da área a ser recuperada, por meio de legislação que já deveria ser colocada no projeto CURA, também é um dos objetivos da teoria de Renovação Urbana, que pretendia melhorar áreas para posterior aumento de impostos. Importante frisar que para que projetos baseados nessa teoria pudessem ser efetivados, a participação do Estado neles era fundamental, uma vez que

a RU só funciona se o setor público assumir o custo de afetações privadas e substituir uma mistura de investimento público-privado pelas operações do mercado. Se a RU deve ser então empreendida depende da soma de seus benefícios exceder à soma de seus custos. Isto leva a questão complexa incerta da relevância à análise de custo-benefício para a RU. (RICHARDSON, 1978, p. 114-115).

Percebemos que as operações financeiras realizadas deveriam ter por fim o crescimento do mercado urbano, o que demonstra que, apesar das justificativas dos projetos CURA terem um cunho social, ao final, os meios urbanos mais necessitados de obras de infraestrutura não seriam beneficiados pelas obras. A importância do papel estatal para essas mudanças também deve ser ressaltado, visto ser ele o provedor dos recursos e elaborador das legislações necessárias para atingir os objetivos dos projetos.

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Santa Maria e o Programa CURA I

A cidade de Santa Maria está localizada na região central do Estado do Rio Grande do Sul. Seu surgimento remonta ao final do século XVIII e início do século XIX. Carvalho (2005) aponta que, com a chegada da via férrea a Santa Maria nas primeiras décadas dos anos de 1900, a cidade teve um crescimento populacional acelerado. Esse primeiro grande crescimento populacional não se verifica no restante do Estado do Rio Grande do Sul, nem no Brasil, de maneira geral. Do período da fundação da Viação Férrea até meados dos anos de 1950, a cidade de Santa Maria foi marcada por um grande desenvolvimento econômico, social e populacional, além de um intenso processo de urbanização. Grünewaldt (2010, p. 336) destaca que “a imagem de vilarejo foi sendo deixada para trás e, com a chegada dos escritórios da Cia. Belga, em 20 de julho de 1905, com a construção das oficinas na cidade e no Km 3, Santa Maria chega ao século XX [...]”.

A partir da década de 1950, percebemos em nível nacional o crescimento da população urbana. Soares e Ueda (2001) nos mostram, através dos censos demográficos do IBGE que, em 1940, a população urbana do Rio Grande do Sul era de 31,25%. Já em 1960, 44,89% da população vivia nas cidades; em 1970, 53,31% da população vivia na zona urbana, e em 1980, 67,55% da população vivia nas cidades.

Além do intenso processo de urbanização, percebemos também um crescimento vegetativo da população. O exemplo de Santa Maria pode ser constatado na tabela que segue:

Tabela 1 – Crescimento da população do município de Santa Maria

1940 1950 1960 1970 198039.074 45.907 78.682 156.609 181.679

Adaptado de: SOARES, Paulo Roberto Rodrigues; UEDA, Vanda. Cidades médias e modernização do território no Rio Grande do Sul. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (org.). Cidades médias:

espaços e transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 381-408

Em um período de quarenta anos, Santa Maria teve um grande incremento no número de habitantes, sendo que a sua população aumentou em mais de quatro vezes. Apesar da decadência do setor ferroviário, esse crescimento esteve ligado ao crescimento vegetativo da população, com a queda nas taxas de mortalidade infantil; o processo de migração das pessoas do meio rural para o meio urbano; a criação da Universidade Federal de Santa Maria, em 1960; a instalação de novas unidades do Exército Brasileiro e a construção da Base Aérea de Santa Maria.

A partir da importância da cidade enquanto polo regional, e com um crescimento populacional dessa ordem, em um período de apenas vinte anos, a demanda por equipamentos urbanos e moradia também aumentou. Durante esse período, poucas foram as medidas adotadas pelo poder público municipal na tentativa de prover habitações para o número cada vez maior de pessoas que viviam em Santa Maria. Nesse contexto, a população passou a habitar regiões periféricas da cidade desocupadas. Essas áreas geraram várias ocupações ilegais no município, sendo que muitas delas permanecem na mesma situação até os dias atuais.

Esses processos de ocupação na cidade de Santa Maria tiveram inicio na década de 1960, com a constituição da Vila Nossa Senhora do Trabalho. Deste momento até hoje são

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dezenas de ocupações que geraram áreas irregulares em todas as regiões do Município. A tabela a seguir demonstra as primeiras ocupações que ocorreram em Santa Maria, juntamente com a região da cidade:

Tabela 2 – Primeiras ocupações em Santa Maria (1960-1982)

Zona sudeste Zona norte Zona leste Zona oeste Zona nordeste

Esperança em 1964

Nossa Senhora do Trabalho em 1960 Vila Bilibio em 1966 Vila Renascença

em 1976

Nossa Senhora Aparecida em

1970

Cerrito em 1975 Vila Brasília em 1970 Vila Brasil em 1970 Vila Bela Vista em 1980

Nossa Senhora da Conceição em 1980 Vila Jardim em 1982

Adaptado de: PINHEIRO, Alessandra do Carmo. Levantamento e análise do processo de ocupação irregular do solo urbano nos últimos 30 anos (1970-2000) em Santa Maria – RS. 2002. 112f.

Monografia (Graduação em Geografia). Universidade Federal de Santa Maria: Santa Maria, 2000.

Esse crescimento urbano foi muito maior do que as políticas habitacionais adotadas puderam atender e também não foi acompanhado por políticas que dotassem essas novas áreas residenciais de infraestrutura urbana. O surgimento de novas ocupações foi tema de várias reportagens publicadas no Jornal A Razão, visto o número expressivo desses processos.

Uma das medidas adotadas para tentar diminuir o déficit de habitações em Santa Maria foi a busca pelo financiamento de casas populares, por meio de conjuntos habitacionais conhecidas como “COHAB’s”. No período pesquisado, encontramos registros da criação da COHAB do Distrito Industrial1 e da COHAB de Camobi. Ao mesmo tempo que o BNH financiava as casas, também há registros do “risco” que representava contrair um financiamento através do BNH. Em razão do período de reajuste inflacionário e de correção monetária, as parcelas dos financiamentos do BNH eram seguidamente reajustadas, sendo que um dos reajustes chegou a atingir 138%2!

Figura 1 – Segmento da Rua Duque de Caxias, entre Avenida Presidente Vargas e Gaspar Martins (atual Avenida Nossa Senhora Medianeira), em 1979.

1 COHAB inicia inscrições para núcleo habitacional do DISM. A Razão, Santa Maria, 04 mar. 1980, p. 06.

2 COMER ou morar: Vereadores lideram abaixo-assinado contra BNH. A Razão, Santa Maria, 1º jun. 1983, p. 01.

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A falta de habitações era um problema para a cidade. Mas a falta de equipamentos urbanos também caracterizava uma demanda urgente. As dificuldades encontradas pela população em razão da falta desses eram constantemente noticiadas. Com o título de “Sempre as vilas”, o Jornal A Razão, relatou o caso da Vila Lorenzi, onde a população sofria com a falta de água, os poços artesianos particulares estavam secos e o único poço artesiano público estava com a água contaminada3.

O problema com o sistema viário municipal também foi retratado em sucessivas reportagens do Jornal A Razão4. As reclamações da população em reunião junto às Associações Comunitárias levaram o Prefeito Municipal Osvaldo Nascimento a declarar que “calçar e iluminar todas as ruas seria um absurdo, uma utopia”5.

A situação da infraestrutura urbana em Santa Maria pode ser mensurada por meio do Plano Diretor Físico Territorial de Santa Maria, de 1979, e de inúmeras edições do Jornal A Razão que trazem reclamações dos moradores santa-marienses sobre a infraestrutura da cidade. Um dos exemplos é a reportagem “Na tragédia das chuvas, a realidade das vilas”, que tratou dos problemas causados por uma tempestade, pela qual casas foram derrubadas e várias pessoas ficaram sem abrigo na Vila Urlândia6. A região central da cidade também não tinha equipamentos urbanos, o que levava a várias reclamações.

Dessa forma, a Prefeitura Municipal de Santa Maria pleiteou recursos do Governo Federal para a realização de obras em Santa Maria. O Programa Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada foi um dos programas implantados na cidade.

O Programa CURA em Santa Maria

As primeiras tratativas para a implantação do Programa CURA na cidade de Santa Maria foram em 1973, quando a Lei Municipal nº 1.684 de 31 de dezembro de 1973, autorizou o Poder Executivo Municipal a firmar convênios e contratos com o BNH, além de estabelecer as garantias para o pagamento dos empréstimos a serem assumidos. Quando iniciou a gestão municipal de Osvaldo Nascimento da Silva, 1977-1982, as negociações reiniciaram, visto a experiência do Programa CURA implementada em Porto Alegre e a falta de recursos municipais para realizar as obras necessárias para atender as demandas da população7. No ano de 1977 os acordos foram celebrados.

Como percebemos, justificativas para receber o financiamento para as obras do Programa CURA não faltavam, pois a cidade carecia de infraestrutura urbana. Alguns dados indicavam que

o forte êxodo rural (somente 17% da população rural permanece no campo, contra 48%, em 1940, segundo dados censitários da FIBGE), a alta ociosidade do solo urbano (densidade residencial bruta na área de pouco mais de 6ha./Ha., o que equivale a uma ociosidade de 40%), a precariedade do sistema viário e dos serviços urbanos (apenas 11% asfaltado e 25% empedrados, apenas 35% do lixo produzido é coletado; 12% das vias pavimentadas são providas de serviço de varredura; 23% das vias públicas dispõem de iluminação); a reduzida rede de esgotos sanitários (6% da extensão do sistema viário da área abairrada); e a inexistência de rede de águas pluviais, são alguns exemplos significativos [da falta de infra-estrutura urbana]. (LUZ JÚNIOR, 1989, p. 77).

3 VILAS sofrem com falta de água. A Razão, Santa Maria, 07 fev. 1980, p. 01.

4 BURACOS impedem tráfego normal dos ônibus. A Razão, Santa Maria, 05 fev. 1981, p. 12.

5 CALÇAR e iluminar todas as ruas seria um absurdo, uma utopia. A Razão, Santa Maria, 24 jun. 1980, p. 09.

6 NA tragédia das chuvas, a realidade das vilas. A Razão, Santa Maria, 23/24 out. 1982, p. 10.

7 O princípio e os fins do Projeto CURA. A Razão, Santa Maria, 21/22 jul. 1984, p. 14.

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A população de Santa Maria, a partir do incremento do efetivo militar sediado na cidade e do crescimento da Universidade Federal de Santa Maria passou a ter uma característica flutuante. Essa população, por sua vez, exigiu a qualificação das habitações e das condições de moradia existentes. Isso acelerou a especulação imobiliária e pressionou o poder público na realização de ações eficazes.

Tais ações eram dificultadas pela falta de recursos disponíveis nas prefeituras municipais, causada pela reforma tributária de 1966. Assim, os empréstimos por meio do Governo Federal representavam uma alternativa para que o poder público municipal dispusesse de recursos para investimentos. O Programa CURA era uma dessas alternativas.

Por meio do Edital de Concorrência nº 46/78, a Magna Engenharia LTDA ganhou a concorrência para a elaboração da proposta técnica para a execução do Programa CURA em Santa Maria. Notamos que o planejamento das obras a serem realizadas era feito pela iniciativa privada, os órgãos públicos apenas financiavam as empresas para realizarem os estudos e as obras. A área CURA atingia uma extensão de aproximadamente 390 hectares, o que representava 13% da área urbana da cidade8. Nessa área,

a falta de uma política integral de desenvolvimento urbano tem permitido que a expansão urbana se faça de forma descontínua, geralmente sujeita a interesses particulares que regem o mercado imobiliário e acarretando problemas de soluções onerosas à Administração Municipal9.

Conforme Luz Júnior (1989, p. 79), o Programa CURA em Santa Maria ganhou o nome de Projeto Sinuelo, para nomear algo que vem a frente, já que se esperava que outros projetos de mesma magnitude fossem executados, atendendo às políticas do próprio BNH. Em seus objetivos, o projeto pretendia melhorar a qualidade dos serviços urbanos, reduzir a ociosidade existente nos lotes urbanos, auxiliar um desenvolvimento urbano mais homogêneo, além de procurar evitar a especulação imobiliária, ao tentar tornar os terrenos das áreas beneficiadas pelo projeto acessíveis à classe média. A partir disso, a área escolhida para a realização das obras levou em consideração a ociosidade da área pretendida, a pequena utilização da infraestrutura já existente, a carência de equipamentos urbanos e a perspectiva de atender à demanda crescente de habitações do município. Diante disso, foram delimitadas três áreas para o Programa CURA. A primeira área, localizada mais próxima à cidade, já apresentava uma boa ocupação e renda média. Esta área corresponde aos bairros Nossa Senhora das Dores e Menino Jesus, além das Vilas Operária e Leste. A segunda área compreende o Bairro Nossa Senhora de Lurdes e as Vilas Belém, Roemer, Ana Maria, São Luiz e Rolim. Já a terceira área compreende as vilas Nonoay e Medianeira.

Para Luz Júnior (1989), essas três áreas possuíam características bem distintas: a área um, com baixos índices de ociosidade, populações de renda média, apresentava características díspares dos objetivos dos Projetos CURA. A área dois tinha uma ocupação recente, população de renda média e alta, selecionada pelo preço dos terrenos. No entanto, os equipamentos urbanos eram precários, e a área obteve sua valorização pela vizinhança que a compunha. Isso levava a altos índices de lotes desocupados. Já a área três foi habitada por uma população de baixa renda, que obteve os títulos de propriedade através de ações de usucapião, apresentava grandes problemas de infraestrutura. Para o autor, a baixa contribuição em impostos e a baixa valorização dos lotes contribuíam para a falta de infraestrutura urbana.

Dos recursos inicialmente previstos para as obras, somente a metade chegou a ser

8 PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA MARIA (BRASIL). Magna Engenharia LTDA. Projeto Sinuelo: proposta técnica. Volume 1. 1979.

9 PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA MARIA (BRASIL). Magna Engenharia LTDA. Projeto Sinuelo: proposta técnica. Volume 1. 1979, p. 3.6.

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efetivamente aplicada, conforme Tabela 3. Os recursos iniciais totalizavam 1.802.438 Unidades Padrão de Capital, as UPC’s10.

Tabela 3 – Comparativo investimento previstos/realizados do Programa CURA

PROGRAMA INV. PREVISTO INV. REALIZADO DIFERÊNÇA

Parque Itaimbé 231.651,00 268.259 36.608Sistema Viário 526.740,18 421.052 (105.668,2)

Terminal Rodoviário 45.317,22 - (45.317,2)Parque Municipal 5.454,85 - (5.454,9)

Núcleo de Atendimento Comunitário 10.490,09 - (10.490,1)

Áreas Verdes 5.454,85 13.121 7.666,2Esgoto Cloacal 134.273,24 - (134.273,2)Esgoto Pluvial 300.562,26 99.798 (200.764,3)

Canalização de Sangas 28.474,32 - (28.474,3)Sistema Gerencial 24.143,08 - (24.143,1)

Desapropriação 419.094,00 77.400 (341.694,0)Projetos Executivos 70.782,92 25.112 (45.670,9)Iluminação Pública (*)1 35.459 35.459,0

TOTAL 1.802.438,00 940.201,00 (862.237,0)

Retirado de: LUZ JUNIOR, Roberto da. O Programa CURA e o processo de renovação urbana: o caso de Santa Maria. 1989. 169f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade de São Paulo, São

Paulo, 1989. P. 88

Por meio da Tabela 3, percebemos que o valor efetivamente empregado foi de 940.201 UPC’s, o que totalizava Cr$ 513.951.474,00. Destarte,

para que se tenha uma idéia da magnitude dos recursos investidos, comparou-se os mesmos à receita total do município no ano de 1978, que totalizou a preços correntes a importância de Cr$ 101.523.501,00 os quais convertidos à UPC média do referido exercício (Cr$ 269,02), correspondem a 377.389.7 UPC’s, ou seja, 40% do investimento, representando portanto, 2,5 vezes a Receita Total (LUZ JÚNIOR, 1989, p. 93).

Entre os motivos para a queda do investimento, Luz Júnior (1989, p. 87) apontou a redução dos recursos destinados ao programa em nível nacional, além da perda de poder aquisitivo das UPC’s, entre o período de licitação e o de obras. No demonstrativo, podemos perceber que os investimentos foram concentrados nas chamadas áreas verdes, como o Parque Itaimbé, e no sistema viário. Notamos também que alguns projetos, como a construção do novo terminal rodoviário, simplesmente não foram executados. Conforme o projeto, o investimento no sistema viário pretendia atender a um maior número de pessoas. As primeiras

10 A UPC foi criada juntamente com o Banco Nacional de Habitação, “a fim de manter a uniformidade do valor unitário em moeda corrente e das condições de reajustamento das letras em circulação [...]”. BRASIL. op. cit. 21 ago. 1964.Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964.

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obras feitas em Santa Maria trataram do setor viário, realizadas em trechos das ruas Pinheiro Machado, Tuiuti, Venâncio Aires, Major Duarte, Euclides da Cunha, Domingos de Almeida (atual Avenida Nossa Senhora das Dores), Fernando Ferrari, André Marques, Silva Jardim, Tamanday e Avenida Gaspar Martins (atual Avenida Nossa Senhora Medianeira), entre outras, sendo que elas compreenderam modificações no saneamento, iluminação, pavimento e sinalização.

A maior obra do Programa CURA foi o Parque Itaimbé, já que seu projeto previa as obras do Centro Administrativo, construção de um pavilhão para atividades múltiplas, quadras esportivas e quiosques para atender a diversas funções comerciais e administrativas do parque. Em consonância aos objetivos do Parque Itaimbé, que, entre outros, pretendia dotar a cidade de áreas verdes, conforme o Plano Diretor aprovado em 1979, foram construídas as Praças Nonoay e Marechal Gomes Carneiro. Somente os investimentos realizados no sistema viário e nas áreas verdes, corresponderam a mais de 70% do investimento total do programa CURA em Santa Maria.

Luz Júnior (1989) também realizou um estudo no qual comprovou, por meio do Cadastro Técnico Municipal, o aumento da carga tributária sobre os terrenos e as habitações da área CURA. Tendo como referência o Imposto Predial e Territorial Urbano, o IPTU, e o valor venal tributável como fontes, o autor destacou as variações existentes nos valores cobrados. Na área CURA, a variação do valor venal foi de 332,28%, enquanto para o restante de Santa Maria o valor médio foi de 96,69%. Especialmente, os terrenos tiveram seu valor aumentado, tanto do valor venal quanto do valor do IPTU.

Outra consequência do projeto CURA foi o endividamento municipal. O percentual da dívida do Programa CURA, que era de 2,87% no ano de 1980, elevou-se para 78,93% da dívida municipal em 1984. Esses dados demonstram que os altos juros cobrados pelo empréstimo, a inflação que aumentou muito no período, além do valor investido, aumentaram significativamente a dívida municipal.

É inegável que os investimentos realizados pelo Programa CURA/Sinuelo trouxeram benefícios para a população santa-mariense. Mas podemos perceber que esses benefícios ficaram restritos à região central da cidade, não atingindo a população que mais precisava que era a de classe baixa e que residia na periferia da cidade em áreas ocupadas. Mas, antes de concluirmos este trabalho, pretendemos compreender de que forma o Projeto Sinuelo repercutiu na comunidade santa-mariense, por meio do Jornal A Razão

O Programa CURA e sua recepção em Santa Maria

Utilizando como fonte o Jornal A Razão, buscamos compreender as expectativas de Santa Maria em relação ao projeto. Dessa forma, procuramos entender a opinião pública no tocante às obras realizadas. Concordamos com Becker (2003) quando nos diz que a opinião pública é difícil de ser definida, especialmente em momentos nos quais a imprensa passa por períodos de censura, como é o caso do período estudado. Ao mesmo tempo, cabe lembrar que os jornais são importantes veículos de comunicação. Dessa forma, as opiniões ali veiculadas podem ajudar a formar as impressões que se tem sobre determinado processo. Diante disso, nos lançamos ao desafio de entender o Programa CURA a partir dos jornais.

As obras referentes ao Projeto Sinuelo, nome local do Programa CURA, ocorreram entre os meses finais de 1979 e o final do ano de 1982. A expectativa quanto ao projeto para o desenvolvimento de Santa Maria foi significativa, visto que o projeto foi considerado como um dos possíveis triunfos da administração do Prefeito Municipal Osvaldo do Nascimento da Silva (1977-1982). Naquele momento, era visível que

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Santa Maria é uma cidade que possui gravíssimos problemas de estruturais. A ocupação do solo foi de modo irracional e desordenado, o sistema viário atualmente existente não possui uma hierarquização de vias é descontínuo e sem alternativas. O perímetro urbano não é definido e a tendência de expansão desordenada da marcha urbana contrapõe-se ao grande número de vazios urbanos passíveis de ocupação a área central da cidade é urbanisticamente desorganizada e ainda existe um sub-desenvolvimento industrial. O déficit de vias pavimentadas chega a casa dos 65% e a conservação do sistema viário é precário em todos os sentidos. 72% da população não recebe os serviços de uma rede de esgotos e a iluminação pública não atende os bairros periféricos. Todos estes problemas estão preocupando tanto a população como a Prefeitura. Para tentar solucionar grande parte destes problemas é que surgiu o Projeto Sinuelo. Ele é baseado e segue as diretrizes do Plano Diretor da cidade que prevê, para 1989, senão uma otimização, pelo menos uma racionalização em termos da cidade de porte médio. Os poderes municipais estão agindo. A população pode já visualizar uma mudança sensível no aspecto físico da cidade. Um zoneamento correto, um sistema viário e circulação ordenada dentro de uma infra-estrutura urbana de serviços é o que pretende o Projeto Sinuelo.

Podemos perceber que os problemas eram grandes. As esperanças de obras por meio do projeto também. Uma das expectativas do programa era a de modificar o espaço urbano de Santa Maria. Com ele, pretendia-se obter um crescimento planejado da cidade. No mês de novembro de 1979, já se noticiava que a cidade começou a mudar com as obras do Projeto Sinuelo. Em várias dessas notícias, notamos o quanto as obras demoravam a começar, visto as indicações de atraso e de planejamento estarem presentes.

As prioridades apresentadas para a execução das obras foi o Parque Itaimbé, o sistema viário e as áreas verdes. Isto coaduna com o relatório de gastos apresentados no trabalho de Luz Júnior, já que os gastos com essas obras foram os maiores. Junto às obras do Programa CURA, Santa Maria elaborava um novo Plano Diretor, havendo inclusive adaptações das obras do Programa CURA para atender esse plano, principalmente no tocante ao novo sistema viário e na construção de áreas verdes na cidade.

As obras do Programa CURA também eram exaltadas pelo Poder Público Municipal. Em discurso proferido na inauguração das obras do Projeto Sinuelo, na Avenida Gaspar Martins, no dia 31 de janeiro de 1980, o Prefeito em exercício, Coronel Getúlio Mário Zanchi, ressalta a importância das obras para a municipalidade, já que vinha a “concretizar uma das mais caras aspirações de nossa cidade”, na qual “os moradores desta região se unem na satisfação de uma aspiração atingida”, que data de quarenta anos de espera.

Nos jornais, notamos a expectativa que o projeto gerou. Segundo o Prefeito Osvaldo Nascimento, “as obras que mudarão totalmente os aspectos da cidade”. Mesmo assim,

quem percorre Santa Maria hoje constata que é uma cidade em [e]bulição. São obras em diversas frentes, são buracos e máquinas a interromper o fluxo normal de veículos, são novas ruas que surgem e praças que recebem tratamento de beleza. Tudo isso porque foi resolvido pelo Executivo e Legislativo da cidade a implantação do Projeto Sinuelo. Muito se fala e possivelmente muito pouco se sabe sobre a extensão do Sinuelo.

As expectativas iniciais eram de que todas as obras do Programa CURA estariam finalizadas no final de 1981. A repercussão do projeto era positiva. A construção da Avenida Domingos de Almeida, atual Avenida Nossa Senhora das Dores, era noticiada como a que seria a “mais extensa e a mais bonita avenida de Santa Maria11. Para alguns, a construção e o asfaltamento da Avenida Gaspar Martins era um verdadeiro “milagre!”12. O Parque Itaimbé

11 A Gaspar Martins vai ser a nossa maior avenida. A Razão, Santa Maria, 27/28 set. 1980, p. 16.

12 A Gaspar Martins vai ser a nossa maior avenida. A Razão, Santa Maria, 27/28 set. 1980, p. 16.

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foi citado como a maior obra do Governo de Osvaldo do Nascimento da Silva (1977-1982)13! A ideia de transformar Santa Maria, por meio do Projeto Sinuelo, em uma cidade moderna também estava presente14.

Figura 2 – Trecho da Avenida Gaspar Martins, atual Avenida Nossa Senhora Medianeira, em 1979.

Com esses indicativos, as obras ajudavam na legitimação do Governo Municipal, o qual havia sido eleito em 1977 de forma indireta, pois com essas obras

é a palavra empenhada pelo Prefeito Nascimento da Silva que se cumpre em toda a sua extensão. Seu programa de governo conhecido de todos bem antes da sua escolha, para dirigir os destinos de Santa Maria está sendo cumprido e até completar seu tempo, aumentado agora pela prorrogação de mandatos, deverá entregar ao seu sucessor uma cidade mais bonita e sobretudo mais humana, numa reafirmação de que o lema “Desenvolver Humanizando”, criado para ser sua filosofia, administrativa não foi uma emoção momentânea, mas, o aval para as grandes realizações que estão chegando15.

Ao mesmo tempo que haviam os elogios, as críticas surgiram. Uma delas, relativa à escolha das áreas para os investimentos do projeto. O vereador Sérgio Blattes acusava o Executivo Municipal de estar “maquiando” a cidade, pois as obras do Programa CURA atendiam somente o centro de Santa Maria, enquanto os distritos estavam abandonados.

A participação do BNH na escolha das áreas a serem beneficiadas também é explicitada. Flávio Portela relatou que, para a aprovação do projeto, era encaminhado um relatório com as possíveis áreas a serem beneficiadas, sendo que os fatores levados em consideração para a escolha da área foram “a renda para permitir o retorno, tenha carência de equipamento, tenha bastante áreas ociosas”16.

Já em 1983 surgiram os primeiros questionamentos sobre as obras realizadas pelo Projeto CURA I, já que se as instalações do Parque Itaimbé “careciam [...]: Será que não foi muito dinheiro investido numa zona central da cidade, enquanto que outras regiões nada tem?”17. O pouco uso que a infraestrutura teve no primeiro ano foi constatado pois, apenas após um ano de sua inauguração, o parque realizou seu primeiro grande evento18. O descaso com as obras do Projeto CURA I também é retratado, pois, “no Parque Itaimbé [...] apresenta-se uma situação lamentável [...] o capinzal simplesmente tomou conta desse trecho, impedindo

13 COM inauguração do Parque Itaimbé inicia Semana de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 07 mai. 1982, p. 01.

14 SINUELO com verbas milionárias. A Razão, Santa Maria, 08 jun. 1980, p. 01.

15 JULIANI, Paulo Carus. Operários e máquinas modernizando a cidade. A Razão, Santa Maria, 18/19 out. 1980, p. 16.

16 O princípio e os fins do Projeto CURA. A Razão, Santa Maria, 21/22 jul. 1984, p. 14.

17 LIMA, Clery Quinhones de. Quem é quem: Parque de Lazer Itaimbé. A Razão, Santa Maria, 23 mar. 1983, p. 07.

18 LIMA, Clery Quinhones de. Cinco mil pessoas domingo no parque. A Razão, Santa Maria, 23 ago. 1983, p. 07.

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a visibilidade e tornando-se, por isso, uma ameaça constante aos que transitam por esse local”19.

Algumas opiniões surgiram sobre o projeto. Vicente Paulo Bisogno questionou a validade do Projeto CURA I: “valeu ou não valeu? O CURA foi positivo ou negativo para o Município e, principalmente, para os contribuintes locais?”20. Bisogno destaca

admito que a administração anterior tenha errado na escolha das áreas a serem beneficiadas pelo CURA, porque era preciso avaliar o retorno que poderia ser oferecida através inclusive, e sobretudo, do aumento dos impostos. Hoje se observa uma imensa população desesperada pela incapacidade de pagar seus tributos, exatamente por seu baixo poder aquisitivo. Suas moradias foram valorizadas mas que importa isso para que já não pode mais pagar o preço destas melhorias21.

Com as eleições municipais de 1982 e a vitória do Prefeito José Haidar Farret, de oposição ao ex-prefeito Osvaldo Nascimento da Silva, os problemas quanto ao pagamento, e principalmente ao atraso na quitação das parcelas, tornam-se assunto no Jornal A Razão22. A dívida com o Projeto Sinuelo foi estimada em mais de 2 bilhões de cruzeiros em 1983, sendo mais de 70% da estimativa da dívida municipal23. A nova administração municipal não culpava a administração anterior pela dívida, visto não se prever a grande inflação que ocorreu no País naquele momento e a difícil situação financeira na qual o Brasil ingressou após o fim do “milagre econômico”24.

Luz Júnior (1989) apresentou como problema o aumento da especulação imobiliária em Santa Maria após a execução dos Programas CURA, o que também aparece no Jornal A Razão. Faltavam imóveis para serem alugados na cidade. Aliado a isso, havia poucas vagas na Casa do Estudante Universitário e eram precárias as condições das pensões em geral. O aluguel de imóveis, principalmente para estudantes, era desaconselhado pelos proprietários, uma vez que estes eram acusados de danos ao patrimônio e de prejudicarem a vida dos outros moradores em razão da falta de bom comportamento. Isso ajudava ainda mais na pressão pela busca de imóveis, o que contribuiu com a especulação imobiliária, pois os imóveis disponibilizados acabavam tendo seus valores reajustados25. E esse problema da carência de imóveis continuou a ocorrer na cidade, sobretudo na época em que os candidatos aprovados no vestibular passam a procurar moradia26.

Um dos pontos de maior debate na imprensa santa-mariense, e que após a conclusão do Programa CURA também ocorreu, nos primeiros meses do ano de 1980, foram os aumentos do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana. Notamos a questão pertinente da especulação imobiliária, visto que as áreas com mais infraestrutura teriam aumento no valor venal dos imóveis, os quais poderiam ser revendidos a preços melhores; mas também, traz a indignação da população de ter um direito atendido, que é a dotação das áreas urbanas

19 MATAGAL no Parque Itaimbé. A Razão, Santa Maria, 23 fev. 1984, p. 07.

20 BISOGNO, Vicente Paulo. Os desafios do “CURA”. A Razão, Santa Maria, 16 mar. 1984, p. 04.

21 BISOGNO, Vicente Paulo. Os desafios do “CURA”. A Razão, Santa Maria, 16 mar. 1984, p. 04.

22 DÍVIDA da prefeitura é de quase um bilhão de cruzeiros. A Razão, Santa Maria, 09 mar. 1983, p. 05.

23 JOSÉ Haidar Farret: apresentação dos planos e da dívida do município. A Razão, Santa Maria, 19/20 mar. 1983, p. 14.

24 PROJETO CURA inviabiliza administração. A Razão, Santa Maria, 23/24 jul. 1983, p. 09.

25 PROPRIETÁRIOS instruem imobiliárias para não alugar imóveis a estudantes. A Razão, Santa Maria, 09 mar. 1980, p. 11.

26 IMOBILIÁRIAS enfrentam um novo problema: falta de imóveis para aprovados no vestibular. A Razão, Santa Maria, 16 jan. 1981, p. 12.

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de equipamentos dignos para a sua moradia, tendo que arcar com custos maiores referentes aos impostos devidos ao erário público.

Um dos momentos que se dará maior importância sobre o debate referente ao Programa CURA I foi no anuncio de financiamento para as obras do Programa CURA II, o Projeto Minuano. Em uma entrevista promovida pelo Jornal A Razão, Flávio Portela, Secretário do Planejamento do Governo Farret, diz que

numa época em que o poder central está canalizando todos os recursos e com o nosso orçamento mal e mal pagamos a folha de pagamento e algumas desposas com material de consumo, e se faz uma força desgraçada, o município de maneira nenhuma tem dinheiro para fazer esse tipo de obra. Essa, então, é uma grande salda para se captar recursos e a segunda vantagem é que as melhorias serão feiras e, dentro dessa área, a Prefeitura vai deixar de aplicar o que normalmente gasta com conservação. Esse dinheiro será transferido para área da periferia, que também precisam de melhoramentos, mas não podem receber um CURA porque não darão o retorno27.

Nesse trecho fica claro o conhecimento do Poder Público Municipal de que as áreas CURA não eram destinadas à população de baixa renda, mas sim a áreas centrais com baixa densidade populacional e carência de equipamentos urbanos que pudessem dar retorno através de tributos.

Mesmo tendo gerado dívidas e não ter beneficiado a população de baixa renda do Município, o Secretário de Finanças do Governo Osvaldo Nascimento da Silva, afirmou que, a partir do desenvolvimento do CURA II, validava-se as ações do CURA I, e que no seu entendimento, “o CURA I está redimido, até do ponto de vista financeiro”28.

Ao final deste trabalho, podemos concluir que a política urbana adotada pela Ditadura Civil-Militar beneficiou muito mais as classes médias e altas do que a população de baixa renda, apesar dos objetivos apontarem para esse fim. O financiamento de projetos e obras por meio do Banco Nacional de Habitação foi mais uma das maneiras encontradas para favorecer o processo de concentração de renda que caracteriza o período. Poucas foram as políticas adotadas para propiciar às populações pobres condições dignas de moradia.

O Programa CURA, apesar de suas justificativas, beneficiava as populações de classe média, visto a escolha das áreas a serem beneficiadas pela implementação das reformas previstas. É inegável que as reformas urbanas realizadas pelo Programa CURA/Sinuelo em Santa Maria tiveram grande importância. Várias obras, passados quase trinta anos de sua realização, ainda são utilizadas pela população, como o Parque Itaimbé, o Centro Administrativo Municipal e a Praça Nonoay. Parte do sistema viário foi reformada, mas alguns trechos daquelas obras ainda encontram-se em uso, praticamente sem modificações, até hoje, como é o caso da Rua Tamandaí e da Avenida Fernando Ferrari. Outros espaços, em decorrência da falta de manutenção e conservação, não estão sendo utilizados, como ocorre com o Centro de Atividades Múltiplas, conhecido popularmente como “Bombril”, que se encontra atualmente interditado em razão do desgaste sofrido pelo tempo e da falta de manutenção29.

Apesar de serem significativas, as obras do Programa CURA prometiam ser muito maiores. A construção de um novo terminal rodoviário, do Núcleo de Atendimento Comunitário e do Parque Municipal não se efetivou. Ficou claro pelas áreas escolhidas para a implementação do projeto que seu objetivo não era beneficiar áreas da cidade que mais

27 O PRINCÍPIO e os fins do Projeto CURA. A Razão, Santa Maria, 21/22 jul. 1984, p. 14.

28 O PRINCÍPIO e os fins do Projeto CURA. A Razão, Santa Maria, 21/22 jul. 1984, p. 16.

29 CHARÃO, Lúcio. Quase sem ter utilidade. Diário de Santa Maria, Santa Maria, 01 set. 2010. Disponível em: <http://www.clicrbs.com.br/dsm/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=38&action=noticiasImpressa&id=3024567&edition=15408>. Acessado em 08 nov. 2010.

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careciam de infraestrutura urbana, mas sim, dotar de melhores equipamentos urbanos áreas próximas ao centro da cidade. Além disso, o discurso de modernizar a cidade também estava presente, como meio de justificar as obras.

Outro indicativo de importância do projeto para a cidade é a quantidade de reportagens sobre o Programa CURA no Jornal A Razão, principalmente nos anos de 1980 e 1981. Várias reportagens abordam o início das obras, desde as licitações; acompanham o andamento e anunciam o seu fim. Nos dois primeiros anos do projeto o acompanhamento é mais intenso. A partir do ano de 1982, o maior problema do Programa CURA começa a ser retratado: o endividamento do Município de Santa Maria que ele deixou.

Por essas reportagens percebemos a importância que é dada ao Projeto CURA em Santa Maria. A cidade tinha uma grande carência de infraestrutura urbana, o que levou a uma grande receptividade das obras que estavam por vir. Acreditamos que a mudança de partido na Prefeitura Municipal também tenha tido suas consequências, já que após a mudança de governo, aspectos negativos do Programa CURA passaram a ser divulgados com maior frequência, em detrimento dos benefícios trazidos pelas obras.

Enfim, apesar de apresentar várias contradições, as obras do Programa CURA/Sinuelo ajudaram a melhorar a infraestrutura da cidade de Santa Maria. Junto a essa melhora da infraestrutura, ganhou força o problema da especulação imobiliária nas áreas beneficiadas. Em decorrência do projeto, também houve um grande endividamento resultante do financiamento realizado, o Programa CURA teve a sua continuação, o Programa CURA II, conhecido como Projeto Minuano, o qual foi desenvolvido na segunda metade da década de 1980.

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