o professor ronaldo lima lins, diretor ... · o professor ronaldo lima lins, diretor da faculdade...

24
O desafio ainda é NOSSO Gabinete do Reitor – Coodernadoria de Comunicação da UFRJ • Divisão de Mídias Impressas • Serviço de Jornalismo Impresso • Ano 2 – nº 15 • Abril de 2006 Pág. 24 Personalidade DomHélderdapaz Jornal da UFRJ http://www.jornal.ufrj.br Marco Fernandes Pág. 8,9 e 10 O O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade contemporânea buscando contribuir para a compreensão da cena política atual. Pág. 12 e 13 Consciência infeliz Entrevista Ronaldo Lima Lins O A crise da mídia ou a mídia da crise Universidade Universidade PDI Zope Bruno Veiga / Banco de Imagens Petrobras Nacional Jornal da UFRJ repercute a chegada da proposta de Plano Qüin- quenal de Desenvolvi- mento Insti- tucional na comunidade universitária Pág. 16 e 17 Com a entrada em operação da plataforma P-50, 66 anos após o início da campanha “O petróleo é nosso”, o Brasil chega a auto-suficiência. Pág. 14 e 15 Cabos óticos mais resistentes Pág. 18 Os segredos da previsão Pág. 19

Upload: lenhan

Post on 28-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

O desafi o ainda é NOSSO

Gabinete do Reitor – Coodernadoria de Comunicação da UFRJ • Divisão de Mídias Impressas • Serviço de Jornalismo Impresso • Ano 2 – nº 15 • Abril de 2006

Pág. 24

Personalidade

DomHélderdapazJornal da

UFRJhttp://www.jornal.ufrj.br

UFRJUFRJ

Mar

co F

erna

ndes

Pág. 8,9 e 10

O

O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade contemporânea buscando contribuir para a compreensão da cena política atual.

Pág. 12 e 13

Consciênciainfeliz

Entrevista

Ronaldo Lima Lins

O

A crise da mídia ou a mídia da crise

UniversidadeUniversidade

PDIZope

Bru

no V

eiga

/ B

anco

de

Imag

ens

Petr

obra

s

Nacional

Jornal da UFRJ repercute a chegada da proposta de Plano Qüin-

quenal de Desenvolvi-mento Insti-tucional na

comunidade universitária

Pág. 16 e 17

Com a entrada em operação da plataforma P-50, 66 anos após o início da campanha “O petróleo é nosso”, o Brasil chega a auto-sufi ciência.

Pág. 14 e 15

Cabos óticos mais resistentes

Pág. 18

Os segredos da previsão

Pág. 19

Jornal da UFRJrepercute a chegada da proposta de Plano Qüin-

Desenvolvi-mento Insti-tucional

comunidade universitária

Pág. 16 e 17

Page 2: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

2 Abril•2006UFRJJornal da

Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitora: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria de Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernandes - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Carlos Antônio Levi da Conceição – Pró-Reitoria de Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria de Extensão – PR-5: Laura Tavares Ribeiro Soares – Superintendente de Graduação SG-1: Deia Maria Ferreira dos Santos – Superintendente de Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superintendente Administrativa

SG-2: Regina Dantas – Superintendente SG-3: Almaísa Monteiro de Souza – Superintendente SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superintendente SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência

Geral de Administração e Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe de Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca – Forum de Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Superintendente do FCC: Marcos Maldonado – Prefeitura Universitária: Hélio de Mattos Alves – Escritório Técnico da Universidade /ETU: Maria Angela Dias – Sistema de Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta de Melo

ExpedienteJORNAL DA UFRJ É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO SERVIÇO DE JORNALISMO IMPRESSO DA DIVISÃO DE MÍDIA IMPRESSA DA COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Brigadeiro Trompovsky, s/n. Prédio da Reitoria - Andar Térreo - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 - Rio de Janeiro - RJ – Telefones: (21) 2598 1621 – Fax: (021) 2598 1605 – [email protected] – Editor Chefe/Jornalista Responsável: Fortunato Mauro – Reg. 20732 MTb – Pauta: Fortunato Mauro e Francisco Conte – Editoria de Arte/Projeto Gráfi co: José Antonio de Oliveira – Ilustração: Jefferson Nepomuceno – Reportagem: Coryntho Baldez, Joana Jahara, Rafaela Pereira e Rodrigo Ricardo – Estagiários de Jornalismo ECO/UFRJ: Bruno Franco, Carlos Eduardo Cayres e Juliana Rettich – Estagiários de Arte, Ilustração e Fotografi a: Anna Carolina Bayer, Juliano Pires, Patrícia Perez, Pina Brandi e Marco Fernandes (EBA/UFRJ) – Estagiária de Revisão de Texto: Daniele Robert (Faculdade de Letras/UFRJ) – Estagiário de Web: Virgílio Fávero Neto (Instituto de Matemática/UFRJ) – Resenhas: Francisco Conte

Fotolito e Impressão – JORNAL DO COMMERCIO – 15 mil exemplares

Internacional

Coryntho Baldez

Notas

ilustração Jefferson Nepomuceno

O silêncio que cala a pesquisa acadêmica

Sobre a matéria O silêncio que cala a pesquisa acadêmica (Edição nº 14, p. 8 e 9, março/2006) do Jornal da UFRJ, gostaria de acrescentar que o Decreto 4.553 de 27 de dezembro de 2002, citado na reportagem, foi alterado pelo Decreto 5.301 de 09 de dezembro de 2004, no que se refere ao tempo de guarda e acesso a documentos sigilosos. Evidentemente que a alteração não foi um grande avanço, porém excluiu a indefi nição de tempo de guarda de documentos sigilosos.

Atenciosamente, Cláudio Muniz

Bibliotecário do SiBI/FAU/UFRJ

Nota da RedaçãoAgradecemos o esclarecimento de Cláudio

Muniz e acrescentamos que o Decreto 5.301, de 09/12/2004, regulamenta a Medida Provisória 228, também de 09/12/2004, que, por sua vez, regulamenta a parte fi nal do disposto no inciso XXXIII do Artigo 5º (Dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) da Constituição Federal e dá outras providências.

O Decreto 5.301/2004, como informa o autor da carta, estabelece novos prazos de guarda e acesso de documentos sigilosos, contidos em seu Artigo 7º, ipsis literis:

“Artigo 7º - Os prazos de duração da classifi cação a que se refere este Decreto vigoram a partir da

Quero dizer que tenho gostado muito do Jornal da UFRJ, sobretudo do último (Edição nº 14). Ficou muito bom. Parabéns.As resenhas dos nossos livros também fi caram ótimas.Muito grata.

Eva SpitzAssessora de Comunicação

Editora UFRJ

Como leitor assíduo deste jornal gostaria de parabenizá-lo, e à sua equipe, pela riqueza e qua-lidade de informação da publicação. Ela honra a nossa universidade pública.

Rio de Janeiro, 12 de abril de 2006.Saul Engellaum

data de produção do dado ou informação e são os seguintes:I - ultra-secreto: máximo de trinta anos;II - secreto: máximo de vinte anos;III - confi dencial: máximo de dez anos; eIV - reservado: máximo de cinco anos.

Parágrafo único. Os prazos de classifi cação po-derão ser prorrogados uma vez, por igual período, pela autoridade responsável pela classifi cação ou autoridade hierarquicamente superior competente para dispor sobre a matéria”.

Cartas

Joseph Stalin havia morrido há três anos quando, em 14 de fevereiro de 1956, foi instalada no Palácio do Kremlin a cerimônia de abertura do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), com a presença de mais de 1.500 delegados do mundo inteiro. Naquele dia, o então secretário-geral do Comitê Central do PCUS, Nikita Kruchev, leu um relatório confi dencial que surpreendeu o mundo ao apontar, até então, o cultuado Stalin como autor de crimes, perseguições e atrocidades. Depois de 50 anos, o rela-tório é visto como o estopim de uma crise que, nas décadas subseqüentes, devastou a maior parte dos países socialistas.

A imagem de Stalin – venerado como herói da 2º Guerra Mundial – foi estilhaça-da pelas denúncias lidas por Kruchev, du-rante seis horas, para atônitos delegados. O impacto dessas revelações, bem como a tese da “coexistência pacífi ca” com paí-ses capitalistas aprovada pelo Congresso, defl agrou um processo que rachou, de modo irreversível, boa parte dos partidos comunistas, inclusive o brasileiro.

Os dilemas dos PCsO professor de Teoria Política da

Escola de Serviço Social da UFRJ, Car-los Nelson Coutinho, considera que o relatório teve enorme impacto no movi-mento comunista internacional. “Antes de mais nada, surpreendeu o fato de que denúncias feitas até então, do ângulo da esquerda, apenas pelos trotskistas fossem assumidas agora pela própria direção do PCUS, pelos herdeiros diretos de Stalin”, observa. Mas ressalva que muitas lide-ranças comunistas, em todo o mundo, consideraram o relatório uma manifes-tação de revisionismo capitulacionista frente ao imperialismo e até mesmo de traição. Isso serviu de pretexto, segundo ele, “para a defesa do velho dogmatismo e, conseqüentemente, de Stalin e de seu trágico legado”. Foi o caso do Partido Comunista Chinês, que num primeiro momento até apoiou o relatório, e dos dirigentes comunistas que fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – exemplifi ca o cientista político e atual coordenador da Editora UFRJ.

Mas os que pretendiam uma renova-ção democrática do comunismo – pros-segue Carlos Nelson Coutinho – tam-bém criticaram duramente o relatório. Cita Palmiro Togliatti, líder do Partido Comunista Italiano, como exemplo de dirigente que considerou insufi ciente o uso da “noção psicologista” de culto à personalidade para explicar fenôme-nos complexos e de natureza estrutural peculiares à experiência socialista na

URSS. Segundo ele, Togliatti pediu em vão que os novos dirigentes soviéticos elaborassem uma autocrítica profunda, uma efetiva análise marxista do que havia ocorrido na era de Stalin, envol-vendo, sobretudo, o conjunto do PCUS e do Estado soviético. “Isso nunca foi feito pelos soviéticos e talvez essa ausência tenha sido uma das causas do colapso fi nal do regime”, analisa.

Abertura pluralistaSegundo o cientista político, o relató-

rio provocou no Brasil, de imediato, uma divisão na direção do PCB entre os que classifi ca de “aberturistas” e “fechadis-tas”. Dela resultou, em 1962, o rompimen-to que levou à criação do PcdoB. Porém, considera que os refl exos do documento sobre a esquerda brasileira foram positi-vos, de modo geral. “Os que assumiram a direção do PCB revelaram maior sen-sibilidade para a questão democrática e na avaliação dos caminhos a seguir para a transformação da sociedade brasileira, como se pode constatar na famosa Decla-ração de Março, de 1958”, opina. A partir de então, o PCB saiu do isolamento e tor-nou-se uma força de grande peso político entre 1958 e o golpe de 1964, e mesmo depois dele – avalia Carlos Nelson.

No plano da cultura, Carlos Nelson Coutinho também acha que houve ex-pressivos avanços. O marxismo brasileiro – frisa – deixou de lado os pífi os manu-ais de marxismo-leninismo elaborados pela Academia de Ciências da ex-União Soviética e abriu-se para a recepção de importantes autores, até então ignorados ou considerados como renegados ou revisionistas. Em conseqüência, foram traduzidos e publicados no Brasil, pela primeira vez, em geral por intelectuais ligados ao PCB, pensadores como Antonio Gramsci, George Lukács, Lucien Gold-mann, Herbert Marcuse, entre outros. Essa abertura pluralista – diz – foi o resultado concreto, ainda que involuntário, da de-núncia dos crimes de Stalin.

“Viva o comunismo”Em relação ao futuro do comunismo,

Carlos Nelson Coutinho afi rma que o colapso da União Soviética e de seus satélites pôs fi m ao que tem sido chama-do de “comunismo histórico”. Surgido a partir da Revolução de Outubro, tal experiência “desembocou, sobretudo, na criação do modelo burocrático-totalitário de sociedade vigente nos países do cha-mado socialismo real”, analisa.

Também entrou em crise terminal, para ele, a expressão ideológica desse movimento, ou seja, o “marxismo-leni-nismo”, que considera uma deformação falsamente identifi cada com o marxismo em geral.

faz 50 anosRelatório Kruchev

O documento foi o estopim da maior crise do Comunismo e continua gerando polêmica

Luis Roberto Miranda, professor do Progra-ma de Engenharia Metalúrgica e de Materiais do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da UFRJ, teve sua tinta anticorrosiva patenteada nos EUA depois de um trabalho que desenvolve há mais de trinta anos.

A tinta anticorrosiva é produzida a base de nióbio, o mais leve dos metais refratários e que possui pouca reatividade, por isso, adequado aos tratamentos anticorrosivos.

A aprovação ocorreu primeiro nos Estados Uni-dos, mas o Coppe/UFRJ também iniciou o processo semelhante no Brasil e na Europa. Porém, o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), órgão responsável pelos procedimentos de patente no país, passa por uma reformulação, que, segundo Miranda, torna o reconhecimento mais lento.

Avaliando a importância do fato, Miranda diz que ele não deveria signifi car muita coisa, pois, com tantas pesquisas produzidas no meio acadêmico, as patentes deveriam de ser comuns. O Brasil, segundo ele, tem uma tradição de dis-tanciamento entre teoria e prática: as pesquisas do meio acadêmico não chegam à terceira fase, à materialização da idéia e a colocação dela em uso na sociedade. “No mundo acadêmico é cobrado

Pesquisa acadêmica a serviço da sociedade

Juliana Rettich do pesquisador a publicação de artigo, se ele vai dar em algo, é secundário”, diz o professor, acres-centando que essa distância é perceptível em quase todas as áreas da universidade.

foto Grabriela d’Araújo

Page 3: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 3

Internacional

Contudo, o cientista político realça que a constata-ção desse colapso “não nos deve impedir de lembrar que o comunismo histórico não é marcado apenas por pesadas sombras, mas também por muitas luzes”. Entre as quais, a sua contribuição decisiva para a derrota do nazifascismo. Além disso, avalia que o colapso provo-cou processos involutivos. “Um fenômeno como Bush e sua prepotência imperialista seria inconcebível quando existia a URSS” – frisa.

Mas o fato é que – prossegue Carlos Nelson – o fi m do “comunismo histórico” permitiu a redescoberta da natureza libertária e emancipatória que o comunis-mo possui, em Marx e na melhor tradição marxista. “Marx e Engels diziam que o comunismo não é um ideal utópico defendido por pessoas generosas, mas o movimento real que critica o estado de coisas exis-tentes. E este estado de coisas, o Capitalismo em sua fase dita globalizada, merece mais do que nunca ser criticado”, enfatiza.

Se chegaremos um dia ao Comunismo, o cientista político prefere não arriscar opinião, uma vez que o seu êxito dependeria “da luta de classes, da batalha das idéias e da correlação de forças, não muito favo-ráveis no momento”. Mas aponta como atualíssima a alternativa formulada há um século por Rosa Luxem-burgo: comunismo ou barbárie. “Não se trata apenas, portanto, de constatar o fato óbvio de que um certo comunismo morreu, mas, sobretudo, de reafi rmar, em alto e bom som: então, por isso mesmo, viva o comu-nismo”, conclui.

O Relatório e o reformismoMembro do Comitê Central do Partido Comunista

do Brasil (PcdoB), o historiador e mestre em Ciência Política, Augusto Buonicore, concorda que o XX Con-gresso do PCUS foi um divisor de águas no movimento comunista internacional. O impacto maior e imediato, afi rma, foi causado pela “denúncia dos erros e crimes cometidos por Stalin, até então considerado um líder revolucionário exemplar”. Ele lembra que an-tes mesmo que as direções dos partidos comunistas fossem comunicadas ofi cial-mente, as agências de notícias interna-cionais divulgaram na íntegra o relatório – “que era para ser secreto”. A reação da maioria dos comunistas foi negar as notícias e dizer que o texto divulgado era apenas uma falsifi cação do Depar-tamento de Estado norte-americano. As maiores resistências ao relatório – afirma Buonicore – vieram do Partido do Trabalho da Albânia e do PC da China. “Mao Tse-Tung declarou ao embaixador soviético que era preciso criticar Stalin, mas que não estava de acordo com o método utilizado, sem uma análise de conjunto”, observa.

Segundo ele, havia amplo con-senso entre os comunistas em torno da necessidade de um exame auto-crítico severo do período anterior. “Realmente, Stalin cometeu erros graves e crimes abomináveis contra a legalidade socialista, que não po-deriam ser negados. Mas o relatório de Kruchev foi bastante unilateral ao abordar a experiência de construção do socialismo”, destaca. Também considera o documento complacente com os erros dos demais membros da direção partidária, inclusive os do próprio Kruchev. “Os inúmeros acertos e vitórias do Socialismo, ocorridos na primeira metade do século XX, foram debi-tados, única e exclusivamente, à abnegação do povo soviético e, especialmente, à direção do Partido Comunista. Uma operação teórica muito difícil de ser sustentada”, critica.

A coexistência pacífi caTodavia, Augusto Buonicore frisa que, nos meses que

se seguiram ao XX Congresso, os debates se concentra-ram no conteúdo do relatório e poucos se deram conta de duas teses polêmicas aprovadas no encontro. Uma defendia a possibilidade de coexistência pacífi ca “entre o campo socialista e o imperialismo, especialmente o norte-americano”, frisa. A outra, considerava viável, em muitos países capitalistas, passar ao processo de construção do Socialismo sem ruptura revolucionária. “Em pouco tempo, muitos comunistas chegariam à conclusão de que as resoluções aprovadas representa-vam uma guinada à direita na política que vinha sendo adotada pelo PCUS e poderiam levar o movimento a se descaracterizar”, diz. Segundo ele, a coexistência pacífi ca foi posta em cheque quando da tentativa de invasão da Baia dos Porcos, em Cuba, por mercenários patrocinados pelo governo norte-americano e, depois, pela “crise dos mísseis”, que levou o mundo à beira de uma guerra nuclear.

Em torno desses temas cruciais – analisa Augusto Buonicore – o movimento comunista se viu dividido em dois grandes blocos. “De um lado, a URSS, defensora de uma linha reformista e conciliadora, e, de outro, a China socialista, encabeçando a corrente que se auto-denominaria anti-revisionista ou marxista-leninista”, comenta. Para ele, a disputa entre esses dois grandes partidos comunistas, que tinham por trás dois grandes Estados, levou a divisão para dentro dos partidos comu-nistas nacionais, ampliando o processo de pulverização das organizações de esquerda.

Quando a delegação brasileira voltou trazendo a no-tícia de que o informe de Kruchev era verdadeiro, uma crise de grande proporção atingiu o PCB – lembra Buo-nicore. O historiador identifi ca na aprovação da Decla-ração de Março a mudança de rumo político do Partido Comunista e a sua adequação às diretrizes aprovadas

em Moscou. “Consolidava-se, assim, duas correntes no interior do Partido, uma reformista e a outra revolucio-nária. O choque entre elas levaria, em 1962, à cisão do movimento comunista em nosso país, com a constituição do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que mais tarde se ligaria ao PC chinês, e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que se ligaria ao PC da URSS”, afi rma.

Hoje, Augusto Buonicore se diz otimista em relação ao futuro do Comunismo. “Cresceu o movimento de con-testação ao neoliberalismo e ao imperialismo, os Fóruns Sociais Mundiais adquiriram importância e a esquerda vem obtendo sucesso eleitoral em muitos países da Amé-rica Latina“ registra. Segundo ele, os ventos mudancistas também chegaram à Europa. Cita como exemplo a vitória eleitoral de Zapatero, na Espanha, e as rebeliões juvenis contra as reformas trabalhistas que abalam a França. E fi naliza: “o resultado de todos esses movimentos é que vai crescendo a consciência que o Capitalismo deve ser superado e que o Socialismo é a alternativa”.

Uma testemunha ocular da históriaO historiador brasileiro Jacob Gorender acompanhou

de perto os acontecimentos em Moscou, na época da realização do XX Congresso do PCUS. Como importante quadro do Partido Comunista, estava na URSS fazendo um curso de formação política exatamente no período do histórico encontro. Em entrevista ao Jornal da UFRJ, contou que havia uma pressão subterrânea por parte de setores da sociedade soviética para que se fi zesse um acer-to de contas com o período stalinista. Mas nem Kruchev esperava que a divulgação das denúncias fosse resultar em um processo que o historiador chamou de “liquidação mundial do Comunismo”. Familiarizado com a língua russa, foi Jacob Gorender quem traduziu o conteúdo do relatório para Giocondo Dias – dirigente comunista e um dos delegados brasileiros presentes ao XX Congresso. “Foi uma verdadeira bomba para todos nós, que abalou de imediato a própria URSS e países do Leste Europeu, como a Polônia e a Hungria”, lembra.

Naquela época, segundo Gorender, mesmo de-pois de quatro décadas da Revolução Russa de 1917, os partidos comunistas ainda obedeciam

cegamente às determinações de Moscou. Muitos deles dissociaram-se da vida real e da história de seus países. “Não poderia ter dado certo”, constata. Ele cita o exemplo brasileiro. “Os mais intelectualizados dirigentes soviéticos nada co-nheciam de América Latina. Diziam que o Brasil era feudal. Não adiantava argumentar que não tivemos feudalismo e que o sistema colonial nos trouxe a escravidão”, frisa.

Depois das primeiras notícias publicadas no Brasil sobre o relatório, de acordo com Ja-cob Gorender, a direção do Partido Comunista taxou-o de apócrifo. Mas a confi rmação de sua veracidade gerou um inesperado debate público sobre as diretrizes do PC brasileiro. “Até então, seguíamos a linha política do Manifesto de Agos-to, divulgado em 1950, pregando a luta armada. Mas como luta armada, se já estávamos vivendo o período Juscelino, que não fez um único pre-so político em seu governo?”, questiona. Esse debate – assinala – deu origem à Declaração de Março de 1958, com uma nova orientação que pregava a inserção do partido na vida política nacional.

Hoje, aos 83 anos, Jacob Gorender se reafi rma como “marxista”, mas não quer fazer previsões sobre um possível revigoramento do projeto comunista. “Não sou pitonisa”, diz. Para ele, no entanto, as lutas travadas pelos comunistas leva-ram à conquista de inúmeros direitos trabalhistas e sociais, que humanizaram e tornaram menos opressivo o Capitalismo. Em uma frase, sintetizou o percurso histórico das idéias revolucionárias fecundadas na segunda metade do século XIX: “o mundo de hoje não é bom, mas sem os comu-nistas seria pior”.

de imediato a própria URSS e países do Leste Europeu, como a Polônia e a Hungria”, lembra.

Naquela época, segundo Gorender, mesmo de-pois de quatro décadas da Revolução Russa de 1917, os partidos comunistas ainda obedeciam

cegamente às determinações de Moscou. Muitos deles dissociaram-se da vida real e da história de seus países. “Não poderia ter dado certo”, constata. Ele cita o exemplo brasileiro. “Os mais intelectualizados dirigentes soviéticos nada co-nheciam de América Latina. Diziam que o Brasil era feudal. Não adiantava argumentar que não tivemos feudalismo e que o sistema colonial nos trouxe a escravidão”, frisa.

no Brasil sobre o relatório, de acordo com Ja-cob Gorender, a direção do Partido Comunista taxou-o de apócrifo. Mas a confi rmação de sua veracidade gerou um inesperado debate público sobre as diretrizes do PC brasileiro. “Até então, seguíamos a linha política do Manifesto de Agos-to, divulgado em 1950, pregando a luta armada. Mas como luta armada, se já estávamos vivendo o período Juscelino, que não fez um único pre-so político em seu governo?”, questiona. Esse debate – assinala – deu origem à Declaração de Março de 1958, com uma nova orientação que pregava a inserção do partido na vida política nacional.

como “marxista”, mas não quer fazer previsões sobre um possível revigoramento do projeto comunista. “Não sou pitonisa”, diz. Para ele, no entanto, as lutas travadas pelos comunistas leva-ram à conquista de inúmeros direitos trabalhistas e sociais, que humanizaram e tornaram menos opressivo o Capitalismo. Em uma frase, sintetizou o percurso histórico das idéias revolucionárias fecundadas na segunda metade do século XIX: “o mundo de hoje não é bom, mas sem os comu-nistas seria pior”.

afi rma, foi causado pela “denúncia dos erros e crimes cometidos por Stalin, até então considerado um líder revolucionário exemplar”. Ele lembra que an-tes mesmo que as direções dos partidos comunistas fossem comunicadas ofi cial-mente, as agências de notícias interna-cionais divulgaram na íntegra o relatório – “que era para ser secreto”. A reação da maioria dos comunistas foi negar as notícias e dizer que o texto divulgado era apenas uma falsifi cação do Depar-tamento de Estado norte-americano. As maiores resistências ao relatório – afirma Buonicore – vieram do Partido do Trabalho da Albânia e do PC da China. “Mao Tse-Tung declarou ao embaixador soviético que era preciso criticar Stalin, mas que não estava de acordo com o método utilizado, sem uma análise

Segundo ele, havia amplo con-senso entre os comunistas em torno da necessidade de um exame auto-crítico severo do período anterior. “Realmente, Stalin cometeu erros graves e crimes abomináveis contra a legalidade socialista, que não po-deriam ser negados. Mas o relatório de Kruchev foi bastante unilateral ao abordar a experiência de construção do socialismo”, destaca. Também considera o documento complacente com os erros dos demais membros da direção partidária, inclusive os do próprio Kruchev. “Os inúmeros acertos e vitórias do Socialismo, ocorridos na primeira metade do século XX, foram debi-tados, única e exclusivamente, à abnegação do povo soviético e, especialmente, à direção do Partido Comunista. Uma operação teórica muito difícil de ser sustentada”, critica.

“Foi uma verdadeira bomba para todos nós, que abalou de imediato a própria URSS e países do Leste Europeu, afi rma, foi causado pela “denúncia dos erros e crimes

cometidos por Stalin, até então considerado um líder revolucionário exemplar”. Ele lembra que an-tes mesmo que as direções dos partidos comunistas fossem comunicadas ofi cial-mente, as agências de notícias interna-cionais divulgaram na íntegra o relatório – “que era para ser secreto”. A reação da maioria dos comunistas foi negar as notícias e dizer que o texto divulgado era apenas uma falsifi cação do Depar-tamento de Estado norte-americano.

com os erros dos demais membros da direção partidária, inclusive os do próprio Kruchev. “Os inúmeros acertos e vitórias do Socialismo, ocorridos na primeira metade do século XX, foram debi-tados, única e exclusivamente, à abnegação do povo soviético e, especialmente, à direção do Partido Comunista. Uma operação teórica muito difícil de ser sustentada”, critica.

de imediato a própria URSS e países do Leste Europeu, como a Polônia e a Hungria”, lembra.

Naquela época, segundo Gorender, mesmo de-

cegamente às determinações de Moscou. Muitos deles dissociaram-se da vida real e da história de seus países. “Não poderia ter dado certo”, constata. Ele cita o exemplo brasileiro. “Os mais intelectualizados dirigentes soviéticos nada co-nheciam de América Latina. Diziam que o Brasil era feudal. Não adiantava argumentar que não tivemos feudalismo e que o sistema colonial nos

como “marxista”, mas não quer fazer previsões sobre um possível revigoramento do projeto

opressivo o Capitalismo. Em uma frase, sintetizou o percurso histórico das idéias revolucionárias fecundadas na segunda metade do século XIX: “o mundo de hoje não é bom, mas sem os comu-nistas seria pior”.

Page 4: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

4 Abril•2006UFRJJornal da

A Obra d e Deu sUniversidadeInternacional

Bruno Francoilustração Marco Fernandes

A Obra de Deus

Envolvida em polêmicas desde seu alvorecer na Espanha franquista, a prelazia católica Opus Dei expande sua infl uência pelo mundo, e isso pode não ser uma boa notícia

“Abençoada seja a dor. Amada seja a dor. Santifi cada seja a dor... Glorifi cada seja a dor!”. Esse é apenas um dos controversos

versículos (o 208º) presentes no livro Caminho (sendo a primeira edição publicada em 1934, com o título

de Consideraciones Espirituales), de monsenhor Josemaría Escrivá de Bala-guer y Albás (1902-1975), fundador da Opus Dei (Obra de Deus), uma institui-ção que vem preocupando autoridades leigas e religiosas.

Criada em 1928, na Espanha, aprova-da defi nitivamente em 1950, pelo Papa Pio XII, e erigida em prelazia pessoal pelo Papa João Paulo II, em 1982, a Opus Dei atua em 61 países e conta, atual-mente, com mais de 85 mil membros, que são, de acordo com informações disponibilizadas pela mesma, em sua maioria leigos.

Os fi éis da prelazia podem ser nume-rários ou supernumerários. Os primeiros são celibatários, e vivem em centros da ordem, sujeitos a diversas regras. Já os

Page 5: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 5UFRJJornal da

UniversidadeInternacional

supernumerários são casais que seguem o lema “En-contrando Deus no trabalho e na vida cotidiana”.

De acordo com Mário Guerreiro, professor de Filoso-fi a do Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, “a Igreja, que apresentava um pensamento quase monolítico, passou a ter vários movimentos”: Teologia da Libertação, Renovação Carismática e a Opus Dei “que é um movimento conservador, não em sentido pejorativo, mas na acepção do termo, no sentido de quem quer sustentar certos pontos fundamentais, dos quais não abre mão”, afi rma Guerreiro.

Para Jean Luiz Lauand, professor da Universidade de São Paulo (USP), numerário por mais de 30 anos e autor de Opus Dei: os bastidores (Verus Editora, 2005), em co-autoria com Dario Fortes Ferreira e Márcio Fernandes da Silva, o discurso apresentado em Caminho, e outros textos de monsenhor Escrivá, apresenta uma “ambigüi-dade perigosa”, cuja leitura pode parecer louvável aos católicos. “Suas iscas mais poderosas para obter simpatia são os sacramentos, que (a Opus) faz questão de enaltecer mais do que ninguém”, afi rma Lauand.

Para Jean Lauand, os egressos somente descobrem a natureza da prelazia com o tempo, “pouco a pouco, descobrindo (se é que chega a descobrir) que aquilo é uma sociedade que visa controlar totalmente seus membros”. A censura imposta pela ordem impede que os novos membros percebam a realidade além da fa-chada. Como exemplo disso, Lauand cita “o alto índice de numerários que deixa a instituição (e acaba por ser da ordem de 80%, segundo estimativas confi denciadas por membros mais velhos) ou que vêm a sofrer de dis-túrbios mentais etc”.

A ordem exige obediência absoluta – “Obedecer... - Caminho seguro. Obedecer cegamente ao superior [...]” (Caminho, #914) -, restringe o acesso a informações – “Li-vros. Não os compres sem te aconselhares com pessoas cristãs, doutas e discretas. Poderias comprar uma coisa inútil ou prejudicial [...]” (Caminho, #339) -, desencoraja a crítica - “É má disposição ouvir as palavras de Deus com espírito crítico” (Caminho, #945) e ”promovem uma autêntica destruição de qualquer auto-estima (aliás, essa expressão - auto-estima - é constantemente execrada na Opus Dei)”, revela Jean Lauand.

As exigências devem ser seguidas à risca, não im-porta o quanto isto seja difícil. “Se um cooperador, por exemplo, está desempregado, nunca lhe dirão que pare de dar a contribuição fi nanceira mensal (porque dar para a Obra é dar para Deus e bendita seja a dor... dos outros); se um casal não tem condições de ter mais um fi lho, o sacerdote nunca recomendará que evitem ou adiem (o Fundador – São Josemaría Escrivá - sempre aconselhava que todos tivessem os fi lhos que Deus mandasse e que a providência de Deus se encarregaria de arrumar os recursos: cada hijo nace com un pan debajo del brazo)”, explica o fi lósofo.

O debate sobre a Opus Dei ultrapassou os planos teológico, político e acadêmico, quando a prelazia foi mencionada em best-sellers internacionais – O Código da Vinci (Sextante, 2004), fi cção do escritor norte-ame-ricano Dan Brown (que foi roteirizado para o cinema), e Illuminati: os segredos da seita mais temida pela Igreja Católica (Planeta, 2005), do historiador alemão Paul H. Koch – causando estranheza no público leigo (e moti-vando críticas da Igreja à Sony Pictures, responsável pela produção de um longa-metragem sobre o livro de Dan Brown), principalmente pela prática, disseminada na prelazia, da mortifi cação corporal.

As mais conhecidas mortifi cações impostas aos nu-merários são, conforme explica Lauand, o uso do cilício (“duas horas por dia com uma cinta de metal com pontas atada à coxa”) e a disciplina (”chicotear-se nas nádegas com a ‘disciplina’ - chicote de cordas”). No entanto, o fi lósofo considera ainda mais grave a negação da alma, expressa na “censura de livros (praticamente todos os fi lósofos desde Descartes até hoje estão proibidos; junto com obras de Guimarães Rosa, Eça de Queiroz, Mário de Andrade etc), a censura de jornais (que apenas cir-culam quando literalmente recortados), o controle da Internet, a proibição aos numerários de ir ao cinema e ao teatro (o fi lme em vídeo a que se assiste uma vez por mês nos centros, vem devidamente censurado pela direção nacional da Obra)”, critica Lauand.

As muitas restrições impostas aos numerários, bem como a obediência cega que manifestam aos diretores, assemelha a Opus Dei aos demais movimentos religio-sos de caráter reacionário, acredita Mário Guerreiro. “É irônico que em um mundo, que se acredita cada vez mais laico e materialista, confi ssões explicitamente dogmáticas, sejam islâmicas, cristãs ou judaicas, cres-çam com vigor”, destaca o professor.

Ascensão da ObraNão obstante a Opus Dei tenha uma quantidade

pouco expressiva de fi éis e colaboradores, a ordem conquistou grande infl uência política, na Santa Sé, na Espanha, e se espraia pelo mundo. A imbricação da Opus com a política é antiga. Em 1939, o general Franco nomeou para o Ministério da Educação, José Ibañez Martín (que ocuparia o cargo por 12 anos) e, segundo Jean Lauand, legaria a membros da prelazia a direção de importantes institutos culturais, como o Consejo Superior de Investigaciones Científi cas.

Em 1950, dois estrategistas, Rafael Calvo-Serer e Florentino Pérez-Embid publicaram tratados afi rman-do que a ordem deveria se tornar um revitalizador do catolicismo com alcance mundial. De acordo com o professor Lauand, tratava-se de “substituir a Europa racionalista e marxista por uma nueva cristiandad”, na qual “todos os problemas sociais e políticos fossem resolvidos em um âmbito católico”, explica.

A Opus Dei também aparece relacionada a contro-versos episódios da história do Vaticano. Um deles foi o colapso fi nanceiro do Instituto de Obras Religiosas (IOR), o Banco do Vaticano. Dirigido pelo cardeal estadunidense Paul Marzinkus, responsável pela redistribuição de investimentos, mudando a longa política antiusura da Igreja, o IOR iniciou uma série de malfadadas operações. De acordo com Paul Koch (em Illuminati), além da compra de ações de diversos bancos e empresas do ramo imobiliário, Marzinkus redirecionou os investimentos do mercado italiano para outros mercados, sobretudo o norte-americano. A evasão de capitais vaticanos gerou uma crise econô-mica na Itália, a associação com o Banco Ambrosiano (dirigido por Roberto Calvi), somada à quebra de outros bancos (o Banco Nacional Franklin, de Nova Iorque, é um exemplo) iniciou uma série de investigações por parte de autoridades italianas.

O saldo foi a descoberta da associação do Banco Am-brosiano com mafi osos como Michele Sindona e Licio Gelli, e a loja maçônica Propaganda Due. A posterior

quebra desse banco deixou o IOR em condição pré-falimentar, levando-se em conta que a Justiça italiana não pode interferir em assuntos da Santa Sé (onde se refugiou Marzinkus, sobre quem recaía um pedido de extradição feito por autoridades de Roma).

Em 1982, a Opus Dei ofereceu-se para liquidar a dívi-da, e ainda assumir 30% dos gastos anuais do Vaticano. No mesmo ano, a ordem se converteu na única prelazia pessoal do Papa, um status jurídico que a permite prestar contas somente ao Sumo Pontífi ce, a cada cinco anos.

Dezessete anos após sua morte, monsenhor Escrivá de Balaguer foi beatifi cado (1992), e, em 2002, canoni-zado pelo Papa João Paulo II. O processo, rápido para os padrões vaticanos, desconsiderou críticas, como supostas ausências de milagres e simpatia ao fascismo franquista, levantadas por ex-numerários e pelo teólogo espanhol Juan Martín Velasco.

Apostolado da opinião públicaEmbora com pouco mais de 85 mil membros, a Opus

Dei tem muito mais poder e infl uência do que os 200 milhões de católicos carismáticos. “É um fato socio-lógico conhecido” – explica Lauand – “meia dúzia de pessoas organizadas tem um poder muito maior do que dezenas desorganizadas”.

Na visão de Mário Guerreiro, quando religião e política imiscuem-se, ambas perdem. “Esse foi o equí-voco dos adeptos da Teologia da Libertação que, ao enfatizarem o papel da luta de classes na conformação da sociedade, foram mais marxistas do que católicos”, ressalta o professor.

Essa organização se expressa em uma política de comunicação própria, presente também no Brasil. O indício visível – embora pouco conhecido – dessa po-lítica é o Master em Jornalismo, curso de capacitação de editores dirigido pelo numerário, e professor da Universidade de Navarra, Carlos Alberto di Franco.

A estratégia de comunicação da prelazia é chamada, internamente, de AOP (Apostolado da Opinião Pública), conforme desvela Lauand, e trata-se de uma prioridade. Isso faz com que Di Franco e os demais numerários do Master – dos onze professores, oito pertencem à Obra, de acordo com o fi lósofo, contradizendo Di Franco, que, em entrevista à revista Época, afi rmou serem apenas seis - estejam eximidos das regras cotidianas, são os considerados “intocáveis”. Isso permite que os jorna-listas vejam uma face mais branda da Opus.

“O objetivo principal nem é catequizar esses alunos jornalistas, mas criar amizades para, no futuro, facilitar a abertura de portas para o AOP”, informa Jean Lauand, para quem, a estratégia pretende que “se apresente na mídia uma imagem pasteurizada da Opus Dei e não se divulgue as práticas de seita da organização. Como a Obra é a única coisa que interessa para a Obra, difundir essa imagem favorável é tudo o que lhes interessa”.

Além do Master – que já formou 200 jornalistas para importantes cargos de chefi a – Di Franco também participa, como admitiu à revista Época (edição de 16/01/2006), das “palestras do Morumbi”, um encontro, sem periodicidade defi nida, que reúne, no Palácio Ban-deirante, em São Paulo, além do numerário, diversos empresários, o vice-presidente da Fiesp (Federação de Indústrias de São Paulo), João Guilherme Ometo, e o governador de São Paulo, candidato à Presidência da República pelo PSDB, Geraldo Alckmin.

Apesar de Di Franco afi rmar que as reuniões abor-dem apenas “práticas e virtudes cristãs”, Lauand assegura que a Opus possui um projeto de poder no Brasil. “Embora a maior parte dos membros da Obra desconheça isso, o verdadeiro objetivo dos mega-di-retores é o poder”, afi rma o fi lósofo. Ao aproximar-se de notáveis como Ometo e Alckmin, Di Franco estaria seguindo a “seleção no apostolado”, ou seja “procurar os melhores, os de mais dinheiro, os mais infl uentes, os mais poderosos”, revela Lauand.

Com suas críticas e revelações, Lauand e outros ex-numerários não tencionam atacar a Igreja Católica, e sim “defendê-la de uma patologia espiritual” – declara o fi lósofo – “procurando, além de proteger fi éis católicos contra a Opus Dei, ajudar os que dentro da prelazia continuam, nem sempre conscientes da armadilha em que caíram”.

“É irônico que em um mundo, que se acredita cada vez mais laico e materialista,

confi ssões explicitamente

dogmáticas, sejam islâmicas, cristãs ou judaicas, cresçam

com vigor”

Page 6: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

6 Abril•2006UFRJJornal da

Nacional

Vigilância cidadãbase do plano de segurança pública

Prevenção, repressão e vigilância compõem o tripé do Plano de Segurança para o Rio de Janeiro, lançado dia três de abril, na UFRJ, que receberá investimentos na ordem de R$ 385 milhões

Foi no Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, apresentou o

Plano de Segurança Pública para o Rio de Janeiro. O objetivo foi divulgar as medidas que serão tomadas para a segu-rança durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro – o PAN 2007 – como parte do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

O evento foi uma iniciativa da UFRJ, do Grupo Pró-Rio e do Ministério da Justiça. Além do ministro, estavam pre-sentes, o reitor da UFRJ, Aloísio Teixei-ra, o secretário Nacional de Segurança Pública, Luis F. Correia, os deputados federais Jandira Feghali (PcdoB/RJ) e An-tonio Carlos Biscaia (PT/RJ), o presidente da Frente Pró-Rio, Francis Bogossian e o delegado da Polícia Federal Paulo Delgado.

Aloísio Teixeira deixa claro que “o objetivo é permitir um debate mais amplo sobre segurança e a necessidade do esfor-ço conjugado entre as três esferas do poder e a sociedade. E a universidade é o espaço adequado para essa questão. O grupo Pró Rio é uma entidade que reúne intelectu-ais, políticos, professores, representantes da sociedade civil do Rio de Janeiro e que a UFRJ está entrando agora”.

Segundo Thomaz Bastos o investi-mento fi cará a cargo do Grupo de Gestão Integrada, composto pela União, gover-nos estadual e municipal. “Esse é o maior investimento que o Governo Federal fez em segurança num estado. Estamos usando a realização do PAN 2007 como pretexto para a segurança, naquilo que diz respeito a prevenção e a repressão. De modo que esses investimentos, que não são pequenos, terminado o PAN, continuem aqui, incorporados a segu-rança do Rio”, expôs o ministro Márcio Thomaz Bastos.

A primeira parcela de investimento, no valor de R$ 140 milhões, será des-tinada à compra de equipamentos de inteligência e operacional. Uma outra parte dos recursos será usada na com-plementação do treinamento da Força Nacional de Segurança Pública. Outra, investida em ações de prevenção junto às comunidades. Cerca de 120 lideranças comunitárias estão sendo treinadas para evitarem confl itos em colaboração com os órgãos de segurança.

Rafaela Pereirafotos Marco Fernandes

Menos repressão e mais prevençãoSegundo Luiz F. Correia, que apre-

sentou o Plano, o conceito de segurança cidadã precisa ser estabelecido. “Não poderíamos perder essa capacidade de mobilização que têm os Jogos Pan-Ame-ricanos. Estamos trabalhando com a tese de uma política mais ampla, desenvol-vendo, inclusive, a prevenção”, explica o secretário.

A novidade de agregar a população no programa de combate à violência pro-move a união das polícias civil e militar, guardas municipais e líderes comunitá-rios. Entre os projetos que estão sendo implantados ou que o serão até os Jogos, destacam-se a capacitação de cerca de 10 mil jovens que vivem em situação de ris-co, com aulas de inglês e espanhol, para atuarem como voluntários; a atenção a 400 crianças moradoras de rua; e o atendi-mento a 200 famílias que tenham confl itos internos. Núcleos para mediação pacífi ca de confl itos em oito comunidades, a cria-ção de um policiamento comunitário nas áreas do Complexo da Maré e do Alemão e a atuação do efetivo da Força Nacional de Segurança Pública, que hoje conta com 6.437 policiais de vários estados, também serão implantados.

Para o professor Hélio de Mattos, pre-feito da Cidade Universitária da UFRJ, que esteve no evento, a questão da inclusão é o ponto mais importante do Plano de Segurança e que pode infl uenciar positi-vamente o cotidiano do campus da Ilha do Fundão. “Algumas das comunidades que serão integradas ao Plano fi cam no entorno do Fundão. Pretendemos estudar com a Secretaria Nacional de Segurança a possibilidade de algumas medidas desse Plano estarem integradas também na uni-versidade”, adianta o prefeito.

E depois do PAN?O ministro de Justiça e o secretário

Nacional de Segurança Pública são categóricos ao afi rmar que o Plano de Segurança é para toda a cidade do Rio de Janeiro e não visa apenas o evento isolado do PAN 2007. Para a deputada Jandira Feghali esse é o compromisso dos organizadores e que cabe ao povo cobrar sua efi cácia e permanência.

Para Aloísio Teixeira, esse é o tipo de debate que deve ser ampliado: “gostaria que pudéssemos desdobrar essas dis-cussões também com as autoridades do estado. Assim é possível construir uma consciência para avançar nessa questão de segurança”.

Luiz Fernando Correia: “política mais ampla, desenvolvendo, inclusive, a prevenção”.

Aloísio e Bastos: necessidade de debate amplo e o PAN como pretexto para a segurança.

Plano de segurança é para toda a cidade do Rio de Janeiro e não visa apenas o PAN 2007.

Page 7: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 7

Nacional

Um povo sem leitura é um povo sem escolha. A mensagem vem de uma pequena ilha no Mar do Caribe, onde não há analfabetos e a metade dos jovens freqüenta o Ensino Superior: Cuba.

Interpretar o que lêem e escrevem adequadamente figura entre os orgulhos do povo, além de ser um direito para 11 milhões de cubanos. A informação é da embaixadora Isabel Allende Karam – reitora do Instituto Superior de Relaciones Internacionales Raul Roa, da Universidade de Havana –, pela primeira vez no Brasil e integrante de uma delegação de 22 dirigentes universitários que vieram ao país participar do II Encontro de Reitores de Universidades Federais Brasileiras e Cubanas, realizado em Brasília, dia 24 de abril, pela Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), com o apoio dos ministérios da Educação e das Relações Exteriores. Entre os objetivos, aprofundar as possibilidades de intercâmbio em diferentes áreas do conhecimento: Biotecnologia, Energias Renováveis, Educação a Distância entre outras.

Em entrevista ao Jornal da UFRJ, a embaixadora recorda com orgulho o esforço coletivo para que fosse eliminado o analfabetismo, em 1961, ano marcado, também, pela tentativa, fracassada, de invasão da Baía dos Porcos, quando 1.500 exilados, organizados e armados pela Agência Central de Inteligência – CIA – norte-americana, tentaram derrubar o governo revolucionário instalado após a ditadura de Fulgêncio Batista, apoiada pelos EUA.

“Éramos cem mil para alfabetizarmos um milhão de pessoas. Suspendemos as classes de Ensino Médio, por um ano, para nos dedicarmos a essa principal tarefa da Revolução. Os voluntários saíram de suas casas nas cidades para viverem no campo junto aos camponeses e conseguimos cumprir a nossa meta. Uma história bonita que, talvez, não possa se repetir desse modo. Mas, certamente, é possível se acabar com o analfabetismo em toda a América Latina. O caminho para a transformação social passa pela Educação”, explica a senhora Allende, contando que Cuba desenvolveu um método pedagógico de alfabetização Yo si puedo (Sim, eu posso), usado na Bolívia, Venezuela, Haiti, Argentina, Nicarágua, República Dominicana e até na Nova Zelândia, e que está sendo adotado no Brasil, para alfabetização de jovens e adultos, pelo programa Brasil Alfabetizado.

Intercâmbio inéditoPara o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, que recebeu

a embaixadora no Campus da Ilha do Fundão, os expressivos números cubanos sugerem caminhos para se ampliar o acesso à universidade e para democratizá-la efetivamente. “Aqui no Brasil, apenas 9% da população, entre 18 e 24 anos, encontra-se no Ensino Superior e, desses, apenas 2% em instituições públicas. Precisamos buscar alternativas para modifi car esse trágico quadro. Sem dúvida, ocorrerá um aprendizado mútuo e distinto entre as duas nações”, afi rma o reitor.

“Em vez da usual e velha integração com as universidades européias e norte-americanas, estamos optando por uma política inédita de integração com as instituições da América Latina. Isso é a primeira vez que acontece. Já existem acordos com Cuba e a UFRJ que deveriam ser fortalecidos e ampliados. Apesar das difi culdades, os cubanos demonstram que o desenvolvimento não passa apenas pela riqueza econômica. Mas por escolhas na cultura, na saúde e na

Cuba: a Educação como opçãoNo Brasil, participando de evento de integração entre universidades brasileiras e cubanas, Isabel Allende Karam, da Universidade de Havana, fala um pouco sobre o esforço de seu país na superação do analfabetismo, na extensão do

Ensino Superior e na integração dos países do Terceiro Mundo

Rodrigo Ricardo e Luciana Campos, do Olhar Virtual

dignidade de um povo”, ressalta a pró-reitora de Extensão da UFRJ, Laura Tavares. Da mesma forma pensa Geraldo Nunes, coordenador do Setor de Convênios e Relações Internacionais (SCRI) da UFRJ, que critica a política de intercâmbio que prioriza os países desenvolvidos: “temos muito a ganhar com essa troca de experiências universitárias a partir de concepções diferentes que ultrapassem os limites da política de intercâmbio acadêmico internacional tradicional”.

Conseqüências do bloqueio e do fi m da URSSAntes do governo revolucionário, Cuba tinha apenas

três universidades. Entre as medidas adotadas se destaca a da universalização do Ensino Superior. Hoje, existem exames semelhantes ao vestibular para 64 sedes universitárias, distribuídas por todos as cidades com mais de 500 mil estudantes em formação. A cada sete trabalhadores, um concluiu a graduação. Todavia, ainda sobram problemas para resolver.

“Por razões fi nanceiras, muitos não têm computadores em suas casas e não tem sido possível levar a Internet a todos os lugares, por problemas de conexão. Por outro lado, a informática está muito difundida no país, há o acesso às máquinas nas escolas e as crianças aprendem cedo. Atualmente, as carreiras envolvidas com esse setor são as mais procuradas. Infelizmente, por conta do embargo – sanção econômica imposta há mais de quatro décadas pelos EUA – houve época que faltava até papel. Agora há, mas continuamos reciclando e não deixamos o verso da folha em branco”, destaca Allende Karam, para acrescentar que ainda enfrentaram um período problemático com o desmantelamento do campo socialista construído em torno da União Soviética, quando o Produto Interno Bruto (PIB) do país chegou a cair 36%.

De acordo com relatórios da ONU, calcula-se que a Educação teve um prejuízo material de aproximadamente US$ 80 bilhões com o bloqueio estadunidense. “A situação está melhor agora, mas houve um momento que meu fi lho precisou enfrentar fi las de madrugada

para poder usar um micro-computador, porque a sua universidade não dispunha de laboratórios sufi cientes”, comenta a embaixadora.

Novelas e políticaCuba e Brasil sofreram processos de colonização

bastante semelhantes. Inclusive, os escravos africanos faziam escala por aqui antes de chegar ao Caribe. “O biotipo e essa mescla racial é bem similar, sendo difícil saber quem é puro negro ou puro branco. Também temos a comida e alguns elementos musicais em comum. Além disso, assistimos muitas telenovelas, que são um gênero cultural como outro qualquer, podendo ser de boa ou de má qualidade”, analisa Allende Karam.

A embaixadora não deixa de analisar o quadro político latino-americano dizendo que a ascensão de representantes populares em países importantes, coloca a região numa posição de vanguarda: “isso aconteceu porque chegamos a um grau de desigualdade e injustiça muito grande e podemos reverter isso com governos que não se conformem apenas em reformar a sociedade, mas transformá-la. Não é fácil, por conta das regras que imperam dentro da democracia representativa”.

Segundo a embaixadora, ainda há a imprensa internacional, “que infl ui a opinião pública e cria as imagens que deseja. Sobre o meu país, afi rmam que é uma ditadura, porém, desprezam nossa história e iniciativas. Também não sabem que votamos para compor nossa assembléia e que os eleitores têm capacidade de interpretar a biografi a dos candidatos e discutir as suas propostas”, destaca Allende, enfatizando a criação da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), iniciativa de Hugo Chavez e de Fidel Castro, como uma esperança de integração latino-americana: “é um projeto, que vai além de acordos comerciais, baseando-se na cooperação entre as nações em busca da justiça social, colocando a alimentação, o trabalho e a cultura como prioridades. A América Latina pode e merece ser o continente do futuro”.

Palestra no CFCHDepois de conhecer o Campus da Ilha do Fundão,

Isabel Allende Karam, acompanhada da pró-reitora de Extensão, Laura Tavares, seguiu para o Centro de Filosofi a e Ciências Humanas (CFCH), no Campus da Praia Vermelha, onde foi recebida pela decana Sueli Souza de Almeida, e ministrou palestra sobre a política externa propugnada por Cuba, como sendo resultado da tradição nacionalista e da luta do povo pela independência e nos ideais socialistas. ”A política externa de Cuba sustenta-se em alguns princípios, como o internacionalismo – a ajuda a outros países – e o antimperialismo”, afi rmou a embaixadora. Cuba mantém relações com todos os países da América Latina, exceto El Salvador.

Mais uma vez, Allende lembrou das conseqüências danosas do embargo comercial ao seu país, ressaltando que, a sobrevivência da população cubana apenas é possível pelos esforços implementados por Fidel Castro e seus seguidores.

Há, em Cuba, diversos programas de caráter educacional e cultural. Em um deles, os jovens que, por algum motivo, não puderam dar continuidade a seus estudos podem ingressar na universidade e adquirem conhecimento que, posteriormente, serão repassados para crianças e idosos, as duas faixas etárias que mais preocupam a sociedade e o governo cubano. “Em uma de nossas universidades, há um projeto de extensão que contempla os idosos. Com isso, eles aprendem sobre a geografi a, a História e a pintura cubana”, concluiu a embaixadora.

foto Juliano Pires

Allende Karan: o caminho para a transformação social passa pela educação

Page 8: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

8 Abril•2006UFRJJornal da

Rodrigo Ricardoilustrações Jefferson Nepomuceno

Auto-suficiência do petróleo

Nacional

A auto-sufi ciência da Petrobras levou décadas para ser alcançada, graças ao esforço tecnoló-gico brasileiro e das lutas políticas iniciadas

nos anos 1940, com a campanha do “Petróleo é Nosso”. Quem lesse os jornais de hoje, com os olhos daquela época, iria pensar que as recentes notícias sobre o petróleo tratar-se-iam de mais uma das invenções de Monteiro Lobato. O escritor paulista chegou a fundar a Companhia Brasileira de Petróleo (1931).

Ridicularizado e boicotado em seu pioneirismo, Lobato, o criador de Emília e outros personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo chegou a ser preso durante o Estado Novo. A história encarregou-se de dar o troco. Em janeiro de 1939, no município de Lobato (BA), “o

ouro negro” jorrou pela primeira vez no solo do país, colocando um ponto fi nal na lenda de que não havia esse recurso no território brasileiro. Nos dias atuais, nem mesmo os sucessivos recordes do barril (cerca de US$ 75), impulsionados pelo iminente confl ito EUA e Irã – quarto produtor no mundo – parecem alterar signifi cativamente os preços das bombas de gasolina.

A campanhaMaria Augusta Tibiriçá Miranda não esconde o

orgulho, quase 60 anos após o lançamento da campa-nha pelo monopólio estatal do petróleo. A médica, de 89 anos, formada pela então Faculdade Nacional de Medicina (atualmente da UFRJ) é autora do livro O

Petróleo é Nosso – a luta contra o entreguismo, pelo monopólio estatal (Ipsis, 2004) e uma das fundadoras do movimento pela criação da Petrobras. Na entrevista, concedida no mezanino do décimo andar do prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), uma coincidência: o primeiro ato público da campanha promovido pelo Centro Nacional de Estudo e Defesa do Petróleo (CNEDP) ocorreu no mesmo prédio, 58 anos antes, um lance de escadas abaixo. Maria Au-gusta conta que ingressou na campanha em favor da estatização do petróleo brasileiro sob infl uência da mãe Alice Tibiriçá.

“Meu engajamento na luta deu-se desde o primeiro dia de organização do movimento. Em 1947, quando o

O desafi o ainda é NOSSO

Page 9: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 9

Nacional

governo Dutra encaminha o anteprojeto do Esta-tuto do Petróleo à Câmara Federal, uma explosão de indignação pública tomou conta da população. O documento foi encarado como um atentado aos interesses nacionais, por ser entreguista. Em qua-tro de abril de 1948, a Liga Antifascista da Tijuca promoveu uma manifestação, onde foi lançado o CNEDP. No dia 21 do mesmo mês, a entidade realizou outro grande ato público no Automóvel Clube do Brasil. Daí por diante, contar o desen-volvimento da luta foi como contar um milagre, que aglutinou todas as forças existentes em defesa do petróleo brasileiro”, conta Maria Augusta, que classifi ca a campanha como heróica e ressalta que a opinião pública da época foi esclarecida sobre o movimento através de panfl etos distribuídos nas ruas e nos bondes.

Sobre o rumo atual da Petrobras, Maria Au-gusta acredita que não se deve descansar com a conquista da auto-sufi ciência e protesta contra a gestão Fernando Henrique Cardoso na Presidên-cia da República: “foram dadas as licitações para exploração de petróleo, em que o concessionário que descobrir o produto pode fazer dele o que bem quiser, inclusive exportá-lo”. Nosso petróleo em risco

Para o major-brigadeiro Rui Moreira Lima – pi-loto do Correio Aéreo Nacional (CAN) de 1940 a 1950 – era uma constante encontrar “O Petróleo é Nosso” em muros e paredes dos mais distantes locais do país. O lema, cunhado pela União Na-cional dos Estudantes (UNE), foi abraçado pelos mili-tares e todos os nacionalistas. O veterano do Senta a Pua, com 94 missões de combate na Itália, durante a II Guerra Mundial, adverte para as possibilidades de um retrocesso a partir da promulgação da Lei 9478/97, que criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP).

“Aquela campanha foi mágica. Mas, hoje, as novas gerações precisam estar atentas, pois o petróleo está deixando de ser nosso. Essa riqueza nacional está sob iminente risco. Para começar, essa idéia de agência para tudo é um modelo norte-americano. Não é de agora, que tentam desmoralizar as ações soberanas brasilei-ras. Basta lembrarmos de Mister Link, que, a serviço da Standard Oil (Esso), praticamente mandou que a Petrobras fechasse as suas portas. Isso, quando Mon-teiro Lobato já tinha descrito que até os bois mugiam, distinguindo água de óleo”, recorda Moreira Lima.

Alteração na ConstituiçãoEm 1997, modifi cou-se o artigo 177 da Constituição

Federal, permitindo que o petróleo fosse explorado tanto por empresas públicas brasileiras quanto por pri-vadas. Logo em seguida foi promulgada a Lei 9478/97 que, no seu artigo 26, diz que quem descobrir o petróleo passa a tê-lo como propriedade.

“O disparate é que as concessões cedidas aos gru-pos estrangeiros não são de áreas desconhecidas, a serem exploradas, mas de lugares já mapeados, que já sofreram investimento da Petrobras. Tanto é que a Shell (empresa petrolífera norte-americana) possui áreas de exploração na Bacia de Campos, exportando cerca de 600 mil barris por dia e o governo não tem qualquer controle sobre isso”, lamenta o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet), Heitor Manoel Pereira, que torce para que o país en-contre o caminho certo, começando pela revisão da privatização da Vale do Rio Doce, vendida por US$ 3 bi – que apenas no ano passado lucrou mais de US$ 10 bi. “O Brasil não somente perde riquezas, como também volta a caracterizar-se como uma economia de colônia, pois o petróleo é o principal produto bra-sileiro na pauta de exportações, ou seja, uma matéria prima sem valor agregado. O cenário somente não é pior porque se cresce como num vôo de galinha, de forma curta, enquanto parceiros de mesma realidade, como Índia, China, Venezuela, Argentina, entre outros, crescem a taxas de 6% a 9% ao mês. Se a economia bra-sileira arrancar, será necessário aumentar a produção de combustível. Nessa hora, o que o Brasil desperdiça fará falta”, avalia o engenheiro.

Passos estratégicosPara o professor Roberto Schaeffer, do Programa

de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), a auto-sufi ciência signifi ca que, a partir de agora, o Brasil passa a produzir, em volume, a mesma quantidade de petróleo que consome. Ou seja, trata-se de um acontecimento visto sob uma ótica de oferta glo-bal. No entanto, pela perspectiva da demanda, o Brasil ainda continuará a importar petróleo (leve) e derivados (como o diesel) e a exportar petróleo (pesado) e deri-vados (como a gasolina). “Há um desequilíbrio entre a demanda por derivados e o perfi l de nosso refi no. Assim, os passos estratégicos agora seriam expandir o refi no nacional para atender, da melhor maneira pos-sível, o mercado doméstico. É preciso também fazer do Brasil um exportador de derivados de alto valor agregado, ao invés de exportador de um petróleo cru. Dessa maneira, estaria agregando o maior valor possí-vel à produção de petróleo nacional e trazendo para o país o maior retorno possível que essa atividade pode proporcionar”, destaca o especialista.

A cronologia da auto-sufi ciênciaA Petrobras foi fundada pela Lei 2004/1953 (do Mo-

nopólio), por Getúlio Vargas, mas começou a operar em 1954. No Brasil, a primeira descoberta signifi cativa foi no chamado Poço de Lobato, ainda em padrões consi-derados subcomerciais. A partir daí, foram descobertos outros poços no próprio estado da Bahia, em Sergipe e em Alagoas. Mesmo assim, a produção brasileira apenas alcançava cerca de 1/3 do consumo. Dos anos 1930 até o início dos anos 1980, o Brasil era considerado um país com pouco petróleo. Na década de 1950, o primeiro superintendente da área de exploração da Petrobras, Walter Link, escreveu um relatório famoso em que dizia que o Brasil tinha petróleo, mas não em quantidade sufi ciente para se abastecer. Na época, não se analisou as bacias marinhas, mas apenas as terrestres.

Na década de 1970, sob o impacto de duas grandes crises do petróleo, em 1973 e 1979, o preço do combus-tível disparou. Como o Brasil era um grande comprador, a dívida externa brasileira cresceu absurdamente, o que levou o governo a decidir investir na produção dentro do nosso território. Em 1974, foram feitas as primeiras descobertas de óleo na Bacia de Campos. Nos anos 1980, na nova fase do petróleo brasileiro, houve as grandes descobertas em águas profundas. Em 1981 foi estabe-lecida, pelo governo e pela direção da Petrobras, uma meta de atingir 500 mil barris de petróleo por dia, até

1985. A meta foi alcançada com antecedência em 1984. No ano seguinte, a produção nacional era de 600 mil barris/dia, praticamente a metade do consumo diário da época. Enfi m, a partir da descoberta da Bacia de Campos, a produção brasileira não parou de crescer e continua crescendo até hoje.

O Oriente Médio brasileiro“A luta pela auto-sufi ciência brasileira começou

a partir do segundo choque da crise de petróleo, em 1979. Por condições diversas, a natureza fez com que em uma determinada região brasileira o petróleo tenha se acumulado mais que em outras. Não se sabe, até o momento, o quanto de petróleo o Brasil possui, visto que não foi sufi cientemente explorado. Certamente, daqui a meio-século ainda exploraremos no Brasil. A bacia de Campos se revelou nosso Oriente Médio com capacidades incríveis de produção. Explora-se petróleo em 9 bacias: Solimões (AM); Ceará, no mar; Rio Grande do Norte, terra e mar; Recôncavo Baiano, terra; Sergipe e Alagoas, terra e mar; Espírito Santo, terra e mar; Santos (SP) e Bacia de Campos (RJ), ambos no mar. Todas essas bacias produzem, cada uma, em torno de 50 a 100 mil barris diários, no máximo. Enquanto a Bacia de Cam-pos produz 1,6 milhões. Ela foge do normal”, explica o geólogo e pesquisador da Coppe/UFRJ, Giuseppe Ba-coccoli, que, formado pela UFRJ em 1965, entrou para a Petrobras, onde trabalhou até 1997. Especialista na área, ministra aulas de Indústria do Petróleo, Análise de Bacia, Planejamento Energético e Geopolítica Energética.

“A má notícia é que dilapidaremos todos os dias quase dois milhões de barris de nossas reservas. Atin-gir determinados níveis de produção quer dizer que as reservas serão erodidas e consumidas de maneira muito rápidas. Grosseiramente falando, o Brasil quei-mará quase um bilhão de barris por ano, ou seja, será necessário continuar achando essa mesma quantidade, para garantir a manutenção desse nível de produção”, diagnostica Giuseppe Bacoccoli.

Produção versus consumoSegundo Bacoccoli há uma relação perigosa entre

a produção e o consumo. A média de dois milhões de barris por dia é pequena para um país com as propor-ções brasileiras. Além disso, existe a pobreza que atinge uma enorme fatia da população, que sequer anda de ônibus. Com o crescimento do Brasil é preciso pensar com urgência em novas fontes de energia. Caso o PIB brasileiro consiga taxas superiores a 5%, isso pressio-nará o consumo.

Page 10: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

10 Abril•2006UFRJJornal da

Nacional

“É preciso se preparar para elevarmos a produção, atentos a parcela da população que será benefi ciada com um provável, mesmo que tímido, aumento da dis-tribuição de renda. O grande desafi o da auto-sufi ciência é a sustentabilidade. Outra tarefa, será a redução do preço do combustível. O preço da gasolina não pode baixar por parte da Petrobras. Mas, como quase 50% é imposto, dá para baixar”, avalia o professor.

Cotação internacionalA excessiva carga tributária ainda recebe críticas do

professor Edmar Almeida, do Grupo de Economia da Energia, do Instituto de Economia da UFRJ. Mesmo não sendo o combustível mais consumido no país, a produ-ção de gasolina atinge largas escalas, por ser subproduto da fabricação do diesel. Ou seja, quanto mais diesel for produzido no país, mais gasolina também será. Entretan-to, lembra que a adição de 20% de álcool na gasolina, a implementação do gás natural veicular (GNV) e biodiesel como alternativos, também contribuíram na conquista da auto-sufi ciência. Igualar a produção de óleo bruto com o que se consome, permitirá ao Brasil, do ponto de vista fi nanceiro, aumentar seu superávit primário, uma vez que não se gastará para suprir as necessidades do próprio mercado, em especial do diesel.

“Por mais paradoxal e impopular que possa parecer, um dos motivos que permitiu a auto-sufi ciência pe-

trolífera foi que, a partir de 1997, o barril do petróleo teve seu custo avaliado pelo mercado internacional. Essa política permitiu à Petrobras lucrar com o que se produz e não apenas fi nanciar o óleo consumido no país, muitas vezes com prejuízos.

As margens de lucro obtidas possibilitaram o desen-volvimento de pesquisas e o fi nanciamento de novos projetos. Com isso, a produção do óleo dobrou, saindo da marca de 900 mil barris por dia, em 1990, para os atuais 1,8 milhões”, constata Edmar Almeida, avaliando que as vantagens ao consumidor são indiretas, difíceis de serem percebidas na prática, porém nítidas na ba-lança comercial e na estabilidade macroeconômica, que tem permitido ao Brasil viver os atuais dias de redução da vulnerabilidade externa, quitação da dívida ao Fundo Monetário Internacional (FMI), valorização da moeda e queda do risco-país. “Se o Brasil vivesse a mesma dependência de 80% de importação do óleo consumido, como acontecia em 1973, na época da crise de abastecimento, o défi cit comercial seria desastroso e a economia não teria a autonomia que tem hoje”, declara o professor.

Populismo energéticoPolíticas que visam o retorno rápido de benefícios

para a população e popularidade para os governantes, via controle de preços dos combustíveis são chamadas,

por Edmar Almeida, de “po-pulismo petroleiro ou energé-tico”, que podem constituir um grave risco para a infra-estrutura do país e gerar futu-ras crises. Para ele, um caso clássico é o da Argentina, que após a desvalorização cam-bial, controla os preços do GNV, eletricidade e petróleo, além de impor restrições às exportações, principalmente de GNV e petróleo.

As empresas instaladas na Argentina vêm sendo for-çadas a vender suas reservas a preço mais barato que o do mercado internacional e o GNV consumido lá pode custar até quatro vezes menos que no Brasil. “Num primeiro momento, esses benefícios podem deixar a população feliz e consagrar um político. O risco reside no fato de que os recursos são esgotáveis e essa política econômica não permite que as empresas se capitalizem para investir em mais pesquisas e, con-seqüentemente, renovar as reservas. Num efeito dominó, as multinacionais esquivam-se de investir num ambiente inseguro. A conseqüência é a dilapidação do patrimônio energético num curto período de tempo, tendo que importar futuramente e gerar um défi -cit”, explica Edmar.

Bandeira política e antro de comunistas

Não faltaram críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao sujar a mão de óleo, como Getúlio Vargas, feste-jando, em alto-mar, a auto-sufi ciência durante o feriado de 21 de abril. Simbolismos à parte, o gesto deu início a uma campanha publicitária orçada em R$ 30 milhões para divul-gar o feito. O local também foi

escolhido não por acaso: plataforma P-50, unidade de maior capacidade da Petrobras que, até o fi m do ano, será responsável por 10% de toda a produção nacional. Sua construção, resultado do investimento de US$ 660 milhões, resulta na criação de 17 mil postos de trabalho, além de abrir espaço para a ampliação da participação da indústria nacional no segmento naval.

“A vitória não é apenas de um governo, mas de uma política coerente que atravessou inúmeros outros. Mes-mo na ditadura, o general que assumia a presidência da Petrobras acabava encantado com a empresa, considera-da um antro de comunistas pelos militares, que cassaram 300 trabalhadores, inclusive eu”, analisa o professor Raymundo de Oliveira, do Instituto de Matemática da UFRJ, atual presidente da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB) e do Clube de Engenharia, que destaca o fi m da “conversa” sobre privatização da empresa: “ela sempre esteve nessa linha de fogo. Durante a era FHC viveu seu momento mais ameaçador e, por pouco, não teve o mesmo destino da Vale do Rio Doce e da Embratel, criminosamente vendidas. Pela trajetória de sucesso, e por ser uma companhia pública efi ciente, coleciona inú-meros adversários, mas a Petrobras sobreviveu e continua a funcionar como um instrumento de desenvolvimento. Graças às suas exigências, obrigou a indústria nacional a se modernizar. Quando vieram as ISOs (certifi cados internacionais de qualidade), nós já estávamos à frente. Mas o grande sinal de maturidade foi a construção do Centro de Pesquisa da Petrobras (Cenpes)”.

Águas profundasA UFRJ também é protagonista da auto-sufi ciência.

O processo de inovação tecnológica de exploração de águas profundas foi realizado pela instituição em con-junto com a Petrobras, através do Cenpes. A colaboração vem de longa data. Se hoje beiramos os dois milhões de barris diários, deve-se aos representativos avanços implementados, especialmente com prospecção e ex-ploração offshore. O Programa Tecnológico de Águas Profundas, o primeiro da Petrobras, tinha como desafi o produzir em profundidades onde o mergulho humano não era mais possível, a partir dos 400m de lâmina d’água. Após conquistar essa façanha, novas marcas foram perseguidas, se alcançado, continuamente, 1.000, 1885, 2000 metros. O objetivo atual é chegar aos 3 mil metros de profundidade.

Como as reservas brasileiras estão em fronteiras ge-ológica, o aumento na produção, nos últimos 16 anos, somente foi possível graças ao desenvolvimento de tecnologias e recursos que as romperam, requerendo o uso de plataformas e empresas offshore que trabalham fora do continente, além de grandes projetos cujas eta-pas somam altos investimentos. Por isso, o custo do óleo produzido no Brasil é mais elevado que a média internacional. Somente uma empresa capitalizada e com conhecimento, como a Petrobras é capaz de fazer tais empreendimentos. “Se eu tivesse que enaltecer algo seria a capacidade brasileira de resolver problemas in-solúveis, como explorar petróleo a mais de 300 metros de profundidade e na Amazônia. A luta foi, na verda-de, dos técnicos, engenheiros, geólogos, geofísicos que conseguiram se adaptar e desenvolver a exploração em águas profundas. A UFRJ está entre os mais importante colaboradores da Petrobras nessa jornada pelo seu apoio tecnológico. O Cenpes fi ca na Ilha do Fundão e 80% das reserva petrolíferas estão no Rio de Janeiro. Se o Brasil tem a sua própria tecnologia, é porque a UFRJ estava ao seu lado”, aponta Giuseppe Bacoccoli.

Falta de planejamento e a questão do gásEspecialistas apontam que a auto-sufi ciência passa a

ser um convite ao desperdício. O medo aumenta com a inexistência de ações em curso para se ampliar a malha ferroviária e a frota naval. “A sociedade do automóvel deve chegar ao fi m, senão o mundo explodirá. Imagine se todos os chineses resolverem ter carro? Precisamos de modelos solidários, com mais coletivos e metrô ultra-efi ciente. Por aqui, precisamos de um projeto de nação. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até os militares tinham isso em mente. Hoje, a gente não vê nada disso”, critica Raymundo de Oliveira.

Page 11: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 11

Nacional

Ant

onio

Nacional

Bruno Francofotografi a Marco Fernandes

O evento – provavelmente o primeiro de uma série, de acordo com o reitor da UFRJ, professor Aloísio Teixeira – ocor-reu no Salão Moniz Aragão, do Palácio Universitário no campus da Praia Ver-melha, e reuniu, além do reitor, o eco-nomista, professor, e ex-reitor da UFRJ, Carlos Lessa, o professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e ex-presidente da Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa (como mediador) e o professor e fi lósofo Wolfgang Leo Maar, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Carlos Lessa iniciou o debate afir-mando que o Brasil, assim como outras potências emergentes, é uma “baleia”, e reúne todos os requisitos para se desen-volver. “Não temos nenhum problema energético. Somos auto-sufi cientes em petróleo, temos uma das maiores reservas mundiais de urânio, 50% de capacidade hidrelétrica ainda por explorar, 320 dias de sol”, afi rmou o professor, destacando que a atual taxa de fecundidade brasi-leira (2,1 fi lhos por mulher) cria ótima perspectiva, pois a “maior parte da po-pulação estará em idade produtiva pelos próximos 30 anos”.

Segundo Lessa, que também foi pre-sidente do Banco Nacional de Desenvol-

Um projeto para o Brasil

A necessidade de o Brasil defi nir

um projeto estratégico motivou a

realização, na UFRJ, de um seminário

sobre o tema, dia 29 de março passado

vimento Econômico e Social (BNDES) no início do governo Lula, o Brasil está pronto para divergir do consenso neoli-beral, cujas políticas fi zeram com que o “crescimento da economia brasileira, no governo Lula, comparado à performance mundial”, tenha sido “o terceiro pior desde 1900”.

Entraves ao desenvolvimentoA taxa de juro real praticada pelo Ban-

co Central (a maior do planeta) é um sério entrave ao desenvolvimento brasileiro, acredita Lessa, para quem o índice pode-ria ser reduzido à metade, sem prejuízo à moeda. Isso faz, em sua opinião, que o Brasil esteja entregue ao rentismo (dan-do prioridade à acumulação fi nanceira). O professor afi rma, ainda, que o “povo brasileiro é admirável”, pois sobrevive a sua maior maldição: a “elite anacional, que não tem qualquer compromisso com a nação, interessa-se apenas pela acumu-lação fi nanceira”.

Para ilustrar seu pensamento, Carlos Lessa comparou o Programa Bolsa Famí-lia, do Governo Federal, que atende a 8 milhões e 700 mil famílias, “um sucesso do governo Lula e maior programa de transferência de renda em abrangência do mundo”, com um estudo de Márcio Porchman (economista e professor da Unicamp), segundo o qual R$ 146 bilhões foram pagos em juros em 2005. Esse montante é destinado àqueles que detém

os títulos da Dívida Pública brasileira. “Entre 70% e 80% desses papéis per-tencem a 20 mil famílias, o que renderia R$ 592 mil por família”, afi rma Lessa, ironizando a desigualdade exposta por este outro “bolsa família”.

Segundo Wolfgang Leo Maar, para que se construa um projeto nacional é preciso repolitizar o debate, uma vez que “a política está travada por questões es-truturais”, enfatizando que essa política “apenas discute os meios” e está levando o país ao desastre. Leo Maar defende que é preciso debater “fi ns e questões subs-tantivas”. O professor julga necessária a criação de uma cultura política e defende a realização de plebiscitos sobre diversos assuntos de interesse público, a exemplo do que ocorre na Europa.

Oportunidade históricaConvidado a concluir o seminário,

o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, destacou que o Brasil defronta-se com uma oportunidade histórica para o de-senvolvimento de um projeto nacional, pois o “monopólio dos instrumentos de poder pelos Estados Unidos da América pode desequilibrar o sistema-mundo, e fazê-los descuidar do seu quintal (rótulo pejorativo atribuído aos vizinhos conti-nentais, que se encontram ao sul do rio Bravo)”.

A América Latina não é prioridade para a política externa estadunidense,

que se volta aos países exportadores de petróleo, ressalta o reitor. “Os EUA dispõem de metade dos recursos de pe-tróleo do mundo. O óleo deve tornar-se, assim, seu calcanhar de Aquiles e pode gerar confl itos com a China e a União Européia, que também são grandes con-sumidores desta commodity”, afirma Aloísio Teixeira, para quem, o brasileiro não deve se sentir vítima. “Nós fomos fronteira de expansão do capital externo, de 1950 a 1970. Não fomos vitimados pelo imperialismo, fomos vitimados por escolhermos normas equivocadas”, justifi ca o reitor.

De acordo com Aloísio Teixeira, mais problemática que a questão dos juros é a política fi scal: “é a decisão de não gastar. Todos querem juros civilizados, mas no que tange à política fi scal há divergên-cias” – expõe o reitor – criticando, ainda, a equivocada lógica que estabelece uma associação linear entre a escolaridade e o crescimento econômico. “Não adianta educar todo mundo sem oferecer empre-gos qualifi cados. Somos induzidos a en-xergar a relação entre desenvolvimento e educação sob um único prisma”, denota o professor.

Aloísio Teixeira demonstra um outro equívoco de associação, quando “Lula disse que o Fome Zero não daria apenas o peixe, mas ensinaria a pescar. Não basta saber pescar, tem de haver peixe para todos que pescam”.

Aloísio, Pinguelli, Lessa e Leo Maar: críticas à falta de um projeto para o Brasil.

Page 12: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

12 Abril•2006UFRJJornal da

Entrevista

Bruno Francofotos Marco Fernandes

É dever do artista, do intelectual, do acadêmico chamar a atenção da sociedade para o que está errado. Essa é uma das afi rmações importantes do diretor da Faculdade de Letras (FL/UFRJ), professor de Teoria Literária, Ronaldo Pereira Lima Lins, do Departamento de Ciência da Literatura.

Em entrevista ao Jornal da UFRJ, o professor – autor de importantes obras como O teatro de Nelson Rodrigues: uma realidade em agonia (Francisco Alves, 1979), Nossa amiga feroz: breve história da felicidade na expressão contemporânea (Rocco, 1993), Jardim Brasil: conto (Record, 1997) e O felino predador (Editora UFRJ, 2002) – discutiu o papel da cultura na contemporaneidade e não se furtou a contribuir para a compreensão da decepcionante cena política nacional.

Jornal da UFRJ: O senhor afi rmou uma vez que o jor-nalismo atual limita-se a publicar notas literárias, em vez de críticas substanciosas. Há como romper essa lógica perniciosa?

Ronaldo Lima Lins: Antigamente, os jornais man-tinham suplementos literários, por uma questão de prestígio, pois esses não davam dinheiro. Atualmente, os suplementos têm de atrair investimentos, e isso diminui sua independência. Os artigos literários pas-saram a ser feitos, sem emitir opinião. Como se o autor da resenha fosse alguém que devesse comunicar ao público um resumo do livro. Isso desfi gura a relação, pois se quem faz a crítica é um conhecedor, sua opi-nião é importante para quem desconhece o assunto.

Jornal da UFRJ: O senhor menciona, em sua obra Nossa amiga feroz, que a estética possui um potencial salvador. É preciso poetizar a sociedade?

Ronaldo Lima Lins: A beleza tem um parâmetro muito importante em relação que se fazia na obra de arte até o século XVIII. Durante a Revolução Francesa, Saint-Just dizia que a felicidade era uma idéia nova na Europa, e a partir dali, em princípio, buscou-se alcançar esta idéia. Mas, o que a expressão artística produziu dali em diante não fala em felicidade, nem em beleza. A extraordinária produção do século XX não mostra algo bonito. Isso culmina no Guernica, de Picasso, com suas fi guras retorcidas. Mostra muito do que se pensou sobre o que se passava neste momento histórico. Portanto, o que constitui referência não é a beleza, mas o próprio homem, e suas buscas. A idéia de poetizar a vida é transformar a existência em algo que possa ser poético. Isso se mantém como aspiração, mas não se sustenta ao nível da realidade.

Jornal da UFRJ: A frase de Saint-Just é um marco, após o qual a idéia da felicidade atinge um plano coletivo?

Ronaldo Lima Lins: A idéia de felicidade tinha, anteriormente, uma dimensão teológica. A salvação dependia da relação do indivíduo com o divino. A frase de Saint-Just representa uma mudança radical de paradigma, porque a felicidade poderia existir na sociedade. Antes, ao contrário, a sociedade era

Ronaldo Lima Lins

Toda sociedade busca formas de alcançar sua felicidade,

e, para tal, é preciso corrigir os rumos. Mas, é preciso que alguém diga que os rumos

adotados no momento não são convenientes. É nesta medida

que a cultura é essencial, ainda que do ponto de vista do mercado neoliberal ela pareça

pouco rentável.Jornal da UFRJ: A cultura pode propiciar uma melhor apreensão da realidade. De que forma isso se dá?

Ronaldo Lima Lins: Como diz Sartre: “Toda sociedade tem uma consciência infeliz”. Tem alguma coisa den-tro dela que não caminha bem. Chamar atenção a esta consciência é desagradável, mas alguém tem de fazê-lo. Quem tem de fazer isso é quem não está envolvido com as estruturas de poder. E quem é esta personagem? O intelectual. É por isto, inclusive, que Sartre defende que o intelectual nem participe de cargos de poder, nem nada. Para que possa usar esta independência para chamar atenção para a consciência infeliz. Toda sociedade busca formas de alcançar sua felicidade, e, para tal, é preciso corrigir os rumos. Mas, é preciso que alguém diga que os rumos adotados no momento não são convenientes. É nesta medida que a cultura é essencial, ainda que do ponto de vista do mercado neoliberal ela pareça pouco rentável.

Jornal da UFRJ: O século XX notabilizou-se pela quebra de paradigmas. Como se daria a produção artística na atualidade?

Ronaldo Lima Lins: Uma coisa interessante do século XX, pelo menos parte dele, foi esse desprendimento que os intelectuais tinham em relação à riqueza. Marcel Duchamp fazia suas esculturas independentemente se aquilo vendesse ou não. O que estava em questão era a importância da expressão, e o que trazia em seu inte-rior, ou seja: a visão crítica. Ao fi nal do século, com a primazia do neoliberalismo, exacerba-se uma pressão pela liberdade absoluta do capital, que escraviza a humanidade aos interesses do mesmo. Ninguém fi ca imune a isso, enquanto não houver consciência de que isso é uma coisa perniciosa do ponto de vista da felici-dade dos homens. A arte fi ca sujeita a isso, pois é pouco rentável. Graciliano Ramos, por exemplo, vendia, em sua época, menos livros do que Jorge Amado. Isso não tinha muita importância, pois havia um conjunto de opiniões que valorizava sua obra, independentemente desta chegar à massa ou não. Quem é este conjunto de opinião hoje em dia? A universidade. Sem ela, fi ca muito difícil. Os espaços são exíguos.

infelizConsciência

Page 13: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 13

Entrevista

o espaço do sofrimento. Isso era inevitável, estava na Bíblia, na Gênesis: os homens foram condenados a viver em sofrimento. A única forma de escapar a isso era se retirar do mundo e viver uma vida santa. Não se imaginava que se pudesse transformar este mundo em uma coisa melhor. Isso aconteceu após a Revolução Francesa. Saint-Just assinala uma virada: aí os homens passam a ser donos de seus destinos, a se preocuparem com suas questões e a buscarem novas formas de viver.

Jornal da UFRJ: Priorizando a idéia de felicidade como aspiração social, os sistemas de compreensão do mundo engendraram, invariavelmente esforços de dominação do mesmo. Como os homens se mobiliza-ram para trair seus próprios ideais?

Ronaldo Lima Lins: Quando os homens se imaginam capazes de transformar o mundo, o esforço inicial é acabar com os privilégios. Na Revolução foi assim, acabar com a monarquia em nome do lema: liberda-de, igualdade e fraternidade. Isso não desapareceu de perspectiva por quase duzentos anos. A crença era de que o que havia de ruim era apenas o legado anterior que mantinha a sociedade amarrada a uma série de privilégios. Essa foi uma ilusão talvez, mas foi algo muito forte que dominou as expectativas da humani-dade, pelo menos até o fi nal do século XX, foram as chamadas utopias.

Jornal da UFRJ: O senhor menciona, em sua obra, que o homem e a sociedade passam por processos de auto-reconcialiação. Como podem, no momento histórico atual, reconciliarem-se?

Ronaldo Lima Lins: A idéia da reconciliação teria a ver justamente com esta possibilidade de construir um mundo melhor. Em vez de o homem ser o “lobo do homem”, ele seria um princípio de fraternidade superior às suas diferenças. No momento, isso parece estar fora do horizonte. Mas, nunca se sabe para onde vai a história. O mundo atual é de tal forma estranho, que antes estava baseado no sistema produtivo, e hoje no sistema fi nanceiro. Então acontece o seguinte fenô-meno, que é totalmente perverso: uma determinada empresa fecha uma fábrica e provoca desemprego. Suas ações sobem imediatamente. Isso porque se pres-supõe que ela está fazendo economia de despesas e sua rentabilidade vai aumentar. Não importa se as pessoas estão desempregadas. Este descaso com os interesses sociais acabará gerando impasses, como ocorre hoje na França, em matéria de legislação trabalhista.

Jornal da UFRJ: A morte sempre foi uma das maiores angústias do homem. Incapaz de vencê-la na vida corpórea, buscou a imortalidade. O ser humano tenta então inscrever-se na história. Seria o registro artístico a melhor forma de obter este triunfo?

Ronaldo Lima Lins: O registro artístico foi uma tenta-tiva e, pelo menos, continua sendo uma tentativa de vencer a questão da morte. Há embutida na expressão artística essa aspiração. Até a Idade Média, os homens viviam para a morte. Eles cantavam a morte, e, claro, era uma tentativa de vencê-la. Do Renascimento em diante, os homens passaram a celebrar a vida, embora houvesse lapsos: o nazismo foi um festejo à morte, sem admitir-se como tal. Hoje, há um momento em que todo mundo parece feliz. Mesmo o miserável sente-se feliz porque comprou um celular. Mas onde está o seu encontro consigo mesmo, que é o encontro com a fi nitude? Supostamente, todo o universo da angústia é feito para que você se esqueça deste detalhe, que é um constante motivo de insatisfação. A expressão artística deixa como legado uma refl exão que, em princípio, tem a ver com a continuidade da espécie. Isso é espi-ritualizante, ainda que vivamos em um mundo laico e muitos artistas nem mesmo acreditem em Deus.

Jornal da UFRJ: O senhor afi rma, em seu livro Nossa amiga feroz, que não obstante a arquitetura e a enge-

nharia modernas preconizassem criatividade e leveza, elas construíram uma paisagem urbana uniformizada e pesada. O feio e o vulgar são, atualmente, inescapá-veis?Ronaldo Lima Lins: Eles (o feio e o vulgar) são mui-to presentes. Bem, o conceito de estética foi criado no século XVIII e substituiu as categorias de beleza. Estamos em uma época que esse estético vulgarizado passa a ser inestético. Nada tem a ver com beleza. São obras às vezes de fachada. Certas reformas urbanas, por exemplo, deveriam em vez de consertar calçadas, dar melhores condições de vida para todos. Inauguram-se obeliscos, sem que se importem que pessoas em áreas próximas estejam vivendo em condições absurdas. Alguns bairros recebem investimentos, enquanto que em áreas inteiras da cidade não existe poder público. Em algumas áreas há engenheiros, em outras as pesso-as vão construindo sem conhecimento ou tecnologia. Além disso, o grande problema da arquitetura moderna é o arranha-céu. Não dá para fazer um prédio bonito com cem andares, não há escala humana. Os próprios materiais modernos exigem simplicidade, que muitas vezes se torna simplifi cação. Em um prédio onde tudo está projetado, os seus caminhos estão projetados. Não há lugar para o improviso, sua imaginação não voa mais. Os homens são imprevisíveis e não gostam de ser objeto desta previsibilidade total.

Jornal da UFRJ: Qual o papel da universidade na con-fi guração de uma sociedade na qual a aspiração por felicidade seja recorrente?

Ronaldo Lima Lins: Em um país como o Brasil, a uni-versidade pública desempenha um papel importan-tíssimo. Primeiro, ela ajuda a democratizar o sistema, porque na universidade pública, tem gente que não teria condições de estudar e nela encontram meios de progredir. Além disso, e ao contrário de 90% das instituições particulares, as universidades públicas se interessam pela pesquisa e pelo desenvolvimento do conhecimento. Isso é fundamental para nós. Quando se abre mão disso, passa-se a ser importador de conhe-cimento, e aí você se escraviza. O conhecimento é algo a ser desbravado, a humanidade depende disso. Até porque o que caracteriza os homens é que eles nascem ignorantes. É a transmissão de conhecimentos que fez com que o homem se impusesse na natureza. Por isso, a universidade tem de ter um papel social muito grande, que começa com a gratuidade.

Jornal da UFRJ: O senhor menciona que os ideais de harmonia e poética da Grécia clássica perpassaram todos os ciclos históricos sem jamais serem igualados. O que a cultura helênica (grega) representa, ainda, em nosso imaginário?

Ronaldo Lima Lins: A referência à Grécia diz respeito não apenas a arte grega, mas a educação que se asseme-lhava à arte. O grego tinha de ser uma pessoa melhor, desenvolver sua educação. Na modernidade ocidental, deu-se grande valor à instrução, inclusive tornando o ensino obrigatório. Mas, perdeu-se de perspectiva a importância da educação. A Grécia, redescoberta na Renascença, passa a servir de parâmetro, porque ela tem um sistema que é pensado nas democracias oci-dentais, que é a democracia ateniense. No entanto, essa é uma democracia direta e não por representação. Nas sociedades ocidentais não há, até pela escala, como igualar o modelo de Atenas, e os representados perdem a capacidade de controlar seus representantes.

Jornal da UFRJ: Na opinião de Sartre, a função do intelectual é “meter-se onde não é chamado”. Os in-telectuais, atualmente, cumprem essa função ou se encastelam em suas especialidades?

Ronaldo Lima Lins: Na época de Sartre, os intelectuais se metiam onde não eram chamados, e isso sacudia o país. Eles eram ouvidos. Mas, isso foi desaparecendo. Os intelectuais talvez queiram ainda se meter, mas não são chamados. O romance Vinhas da Ira, de Steinbeck,

mudou a legislação relativa aos migrantes. Claro que os intelectuais continuam se intrometendo na política. Saramago sempre participa, provoca polêmica. Mas, seu poder de perturbar, de trabalhar com a “consci-ência infeliz” está muito esvaziado.

Jornal da UFRJ: No Brasil, a exemplo do que já se manifestara em países europeus, a eleição de uma nova força política, que representava desejos de mu-dança e ensejava a esperança dos menos afortunados produziu apenas mais do mesmo. A política atual tem desalentado as utopias?

Ronaldo Lima Lins: No exemplo brasileiro, ocorreu mesmo isso. A expectativa da população quando elegeu o Lula, em grande parte pelo esgotamento da proposta do Fernando Henrique – que foi um governo desnacionalizante, privatizante, muito pouco sensível às questões da sociedade – era de que um trabalhador na Presidência da República atendesse justamente àqueles que tinham sido abandonados antes. Essa perspectiva foi, em grande parte, decepcionada. A im-pressão que se teve é que aplicaram a mesma fórmula do governo anterior: todo esforço nacional voltado ao pagamento das dívidas externas. Eu compreendo as difi culdades. Não se sai de um sistema internacional, apenas porque se deseja, por um esforço voluntarista. Mas, eles acentuaram uma fórmula que já estava em prática, em vez de diminuí-la, e as decepções foram grandes. O grande erro deste governo foi ter se dis-tanciado justamente daqueles que nele depositavam expectativa. Tem outro problema, quais são as alterna-tivas? Quem virá depois? Será melhor, igual ou pior? Esta experiência de que a esquerda no poder acentua reformas direitistas foi muito freqüente. Ainda assim, certas coisas foram freadas. O governo Fernando Henrique objetivava a privatização da universidade, apenas não o fez por recear o desastre. Deixar de fazer certas coisas também é positivo.

Page 14: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

14 Abril•2006UFRJJornal da

Universidade

A crise da mídia ou a mídia da crise?

O evento lotou o auditório disposto a debater temas que transitam da midiocracia às mídias de resistência e discutir a relação dos meios de comunicação com os pro-cessos democráticos, seu poder de governo e sua infl uência, assim como as novas formas de ativismo político, estético e midiático. “Conseguimos reunir empresários, ativistas, jornalistas, entre outros profi ssionais e intelectuais para discutirmos temas relacionados à Comunicação, colocando diversos pontos de vista sobre essa área que hoje é considerada um setor estratégico”, explica Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e uma das organizadoras do evento.

Segundo Esther Hamburger, crítica de TV, professora de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do jornal A Folha de São Paulo, existe uma certa convenção que faz com que a mídia silencie sobre si mesma, o que impede a gestão de um debate amplo acerca de uma das facetas mais cruciais da sociedade contemporânea. “Na sociedade do espetáculo tudo é público e pode ser assunto, mas não se fala sobre o assunto mídia”, afi rma a professora que moderou o debate sobre Mídia da Mídia.

Também para Manoel Rangel, diretor da Ancine (Agência Nacional do Cinema), discutir o tema é muito importante, principalmente na universidade. “Há uma necessidade imperiosa dos cursos de Comunicação se abrirem para uma refl exão mais profunda acerca da Comunicação Social eletrônica e da regulação da Comuni-cação no Brasil, por exemplo”, sublinha o diretor, que participou do debate Mídia da Mídia.

O evento foi uma produção conjunta da ECO com a Rede Universidade Nômade – composta por núcleos e grupos de pesquisa, militantes de pré-vestibulares po-pulares, movimentos culturais, intelectuais ou fi lósofos, artistas, com o propósito de refl etir sobre o Ensino Su-perior de uma nova perspectiva. “Grande parte daque-les que lançaram a idéia da Universidade Nômade são professores da UFRJ, mas a idéia de nomadismo é aplicada à produção do saber, do conhecimento, de dentro para fora e de fora para dentro”, explica Guiseppe Cocco, professor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ e um dos representantes do movimento Universidade Nômade.

Mídia, democracia e governoEsse foi o tema do debate de abertura. Para discutir como a democracia se consti-

tui em aliança, confl ito e composição com os meios de comunicação, a mesa estava composta por um grupo de destacados especialistas como os jornalistas Paulo Hen-rique Amorin, Ricardo Kotscho e Sérgio Sá Leitão, o cientista político, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Wanderley Guilherme dos Santos, o professor da ESS/UFRJ e um dos representantes da Rede Universidade Nômade, Giuseppe Cocco, e o ex-ministro-chefe da Casa Civil, o deputado cassado, José Dirceu.

Para o jornalista Sérgio Sá Leitão, a mídia “se afi rma como uma das vozes que infl uenciam o processo político. Por isso seu papel é importante, mas muitas vezes a gente identifi ca um divórcio entre o sentimento da sociedade e o discurso da mídia”.

Esse foi o tema do seminário internacional realizado nos dias 26, 27 e 28 de abril, no auditório do Centro de Filosofi as e Ciências Humanas (CFCH), na Praia Vermelha. O objetivo: discutir as relações quase sempre tensas entre mídia e democracia

e as possibilidades das novas formas de ativismo político

Rafaela Pereira e Luciana Campos, do Olhar Virtual

Já Wanderley Guilherme a vê como um importante ator político que agenda demandas e cria, eventualmente, obstáculos ao governo. “A imprensa – assim como as Forças Armadas e a Igreja – se recusa a admitir que as suas manifestações tenham origens e

conseqüências políticas. Os jornais ingleses, europeus e americanos assumem sua posição política, mas no Brasil não. Aqui a imprensa diz que apenas retrata a realida-de. O que é falso. São todos conservadores”, enfatiza o cientista político.

O professor destaca, ainda, que a imprensa tem difi culdades em conviver com a idéia de governos in-dependentes dela. “Estou falando dos empresários da

imprensa, dela como negócio. E é como negócio que a imprensa fornece ao governo a ameaça de crise ou a estabilidade. Este é o grande recurso de poder que a imprensa usa para continuar obtendo do governo os pequenos favores. Contudo, chegará um tempo em que, para benefícios de todos nós, a imprensa brasileira assumirá o seu papel como grupo de interesse, com um pouco mais de dignidade, um pouco mais de transparência, que permita que ela se torne efetivamente autônoma e indepen-dente em relação aos governos”, analisa o professor.

Vai na mesma direção o jornalista Paulo Henrique Amorim. Segundo ele, 95% da imprensa escrita brasileira tentou, tenta e tentará abreviar o mandato ou deses-tabilizar o governo. “O Brasil é uma das poucas democracias do mundo em que os jornais têm tanta importância. Isso ocorre, talvez, porque o jornalismo de televisão tenha sido, historicamente, no Brasil, irrelevante. Ou, talvez, porque a empresa de televisão líder - a Rede Globo - tenha, por tanto tempo, a hegemonia dos meios de comunicação, o que não estimulou a competição”, explica o jornalista.

Amorim também destaca as diferenças de discursos entre o jornalismo impresso e o televisivo das Organizações Globo. “O Jornal Nacional tem se mostrado me-nos engajado do que o jornal O Globo. Uma das explicações para isso pode estar na recente concordata da Rede Globo” que, segundo ele, “foi salva por causa do crescimento de verbas publicitárias no governo Lula”. Paulo Henrique Amorim se refere aos números que dão conta de que os veículos das Organizações Globo aumentaram sua participação em 28,6% nas verbas publicitárias do governo, de 2002 para 2004.

Para o diretor da Ancine, Manoel Rangel, não existe outra maneira de se enfrentar o monopólio da mídia que não seja o da construção de uma forte rede pública de Comunicação: “não se pode confundir isso com rede estatal de comunicação e nem tentar mimetizar o modelo de televisão adotado pela rede privada”.

Quando o assunto se desloca para a crise no governo Lula, Paulo Henrique Amo-rim salienta que o governo tem medo da mídia: “tem medo de enfrentá-la a ponto de não ter procurado alternativas a uma mídia que quis, e quer, abreviar o seu go-verno. A falta de uma mídia do PT (Partido dos Trabalhadores) é responsabilidade do governo Lula”. José Dirceu concorda em parte com essa análise. Segundo ele, a esquerda e o PT erraram em não criar alternativas à mídia hegemônica. “Contudo, se o PT tentar, através do partido ou do governo, sustentar qualquer veículo de comunicação alternativo sofrerá intensos ataques”, explica o ex-ministro.

José Dirceu aproveitou, também, para se defender das acusações que vem sofrendo. Segundo ele, até agora, nada foi provado. No caso do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, sobre o seu suposto envolvimento, lembra que sequer foi notifi -cado pelo Ministério Público de São Paulo, no entanto, os jornais publicam, quase que

fotos Marco Fernandes

Jornalistas e fotojornalistas: a mídia pauta a mídia?

Auditório do CFCH: audiência atenta à exposição de diversos pontos de vista

“Na sociedade do espetáculo tudo é público e pode ser assunto, mas não

se fala sobre o assunto mídia”Esther Hamburger, professora da ECA-USP

Page 15: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 15UFRJJornal da

Universidade

diariamente, seu suposto envolvimento no caso. Sobre seu relacionamento com a mídia, acredita que “apenas no período do DOI-COD a imprensa brasileira desceu tanto de nível como agora nesse momento da vida polí-tica do país. É preciso lembrar que a imprensa apoiou à repressão, a tortura, o assassinato”, destaca Dirceu.

Mídia da mídiaComo a mídia vem cobrindo temas que afetam seu

próprio negócio, como a TV Digital, a Lei Geral de Co-municação ou a do Software Livre? De acordo com os palestrantes, a cobertura, quando existe, é tendencio-sa, refl etindo o interesse da empresa jornalística. Para Sérgio Amadeu, sociólogo e professor da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, de São Paulo, o assunto software livre é tratado na imprensa apenas como um problema técnico. “Esse é um assunto social e político. São decisões de grande impacto que vão modifi car a vida das pessoas, pois vivemos em uma sociedade da informação, onde boa parte da comunicação é mediada por computador, onde a produção está cada vez mais digitalizada”, explica o professor.

Sobre a TV Digital, Diogo Moyses, da Rede Intervozes, do Coletivo Brasil de Comunicação Social, também questiona a cobertura da mídia que, no caso da imprensa escrita, vem se concentrando em edito-rias de Dinheiro ou Economia: “a mídia vem tratando essa questão como se estivéssemos leiloando a nossa nova televisão”. Para ele, as discussões da mídia sobre o modelo a adotar passa longe do que realmente im-porta. “A imprensa não problematiza o processo. Nós estamos simplesmente defi nindo uma tecnologia, sem termos decididos o que queremos que ela faça. Desde 2003 existem pesquisadores brasileiros estudando uma possível modulação genuinamente nossa. Dentre esses estudos, a grande inovação está no da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul, que ainda está em fase de teste e necessitando de um pouco mais de recursos e de tempo”, aponta Diogo Moyses, para quem, o modelo brasileiro é perfeitamente compatível com os padrões internacionais.

Manoel Rangel destaca que o que se assiste hoje é um lobby declarado pela prevalência de determinado padrão, o japonês. “Há a necessidade de enxergar, naquilo que se está olhando ou lendo apenas como entretenimento, o que realmente está por traz”, aponta o diretor.

Mídias de resistênciaComo os movimentos sociais e as Organizações Não

Governamentais (ONG) fazem mídia? Como as favelas e periferias querem ser vistas? Essas foram algumas das questões discutidas no último dia do seminário.

Para Carmem Luz, coreógrafa da Companhia Étnica de Dança, o grupo é tratado sempre como o dos meni-nos e meninas carentes e que, por isso, não lutam para participar na mídia. “Há uma difi culdade muito grande na maior parte da imprensa em reconhecer, ou de ver como Ibope, como boa notícia, outra coisa que não seja a tradicional noção de carente. Recentemente alguns bailarinos da companhia foram dançar com uma core-ógrafa e a maneira da mídia noticiar a participação foi a de afi rmar, até mentirosamente, a origem deles como carentes, usando o apelo para reforçar cada vez mais a idéia do artista pobre como necessitado e não como merecedor do lugar conquistado”, refl ete a coreógrafa.

Écio de Salles, do Grupo Cultural Afroreggae e doutorando da ECO/UFRJ, ao contrário da coreógrafa, explica que não encara a mídia negativamente e que o grupo procura espaços nos jornais e televisões. “O Afroreggae tem conseguido bastante espaço, mesmo ela (a mídia) sendo contraditória. Acredito na mídia como espaço de luta e de disputas e acho que esses grupos ganham cada vez mais espaço e utilizam esses espaços de forma melhor”, explica Salles.

Segundo Ivana Bentes o discurso midiático trata de forma contraditória as favelas. “E isso, falando de uma mesma empresa que produz a novela e o jornalismo. São discursos compensatórios: o jornalismo aterroriza e a fi cção ameniza”, analisa a diretora da ECO, que chama o fenômeno de “bipolaridade esquizofrênica”, a oscilação entre valores positivos e negativos.

“a mídia se afi rma como uma das vozes que infl uenciam o processo

político. Por isso seu papel é importante, mas muitas vezes a

gente identifi ca um divórcio entre o sentimento da sociedade e o

discurso da mídia”Sérgio Sá Leitão, jornalista

José Dirceu: nada foi provado

Wanderley Guilherme dos Santos: mídia cria demandas e problemas

“Há a necessidade de enxergar, naquilo que se está olhando ou

lendo apenas como entretenimento, o que realmente está por traz”

Manoel Rangel, diretor da Ancine

Carmen Luz: a imprensa não consegue reconhecer outra coisas senão a tradicional noção de carente

Paulo Henrique Amorim: hegemonia da Rede Globo não estimula a competição

Giuseppe Cocco:produção do saber e do conhecimento como via de mão dupla

Ivana Bentes:“o jornalismo aterroriza

e a fi cção ameniza”

Page 16: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

16 Abril•2006UFRJJornal da

UniversidadeAula Magna Universidade

Nos próximos três meses, o reitor Aloísio Teixeira irá se reunir com as unidades e seus órgãos colegiados. As reuniões já estão sendo agendadas e o Instituto de Química é o primeiro a debater com o reitor, dia nove de maio. A reitoria se comprometeu a ouvir propostas de reformulações do documento. “Pretendo me reunir também com os servidores técnico-adminitrativos e com os estudantes. O objetivo é discutir com toda a universidade para que possamos ter, em seis meses, um plano aprova-do pelo Conselho Universitário”, afirmou Aloí-sio.

O PDI é uma exigência da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96 - LDB), que determi-na que toda Institui-ção Federal de Ensino Superior (IFES) deve elaborar e aprovar, em suas instâncias, o pla-nejamento de sua gestão. Esse documento traça dire-trizes que guiarão as ações e decisões da universidade nos próximos cinco anos.

Mais do que o mero cum-primento de uma norma, a discussão das propostas e metas do PDI é vista pela Ad-ministração Central como uma oportunidade de a UFRJ repen-sar sua missão institucional e estabelecer metas para superar seus problemas históricos, como a estrutura fragmentada e o caráter elitista do processo de seleção de novos alunos.

“Recuperar a alma” e formar opiniãoO decano do Centro de Ciências da Saúde (CCS),

João Ferreira, acredita ser essa uma discussão decisiva para a instituição. De acordo com o professor, faltam hoje, à universidade, dirigentes que priorizem o cará-ter humano e que encarem a instituição acima de seus interesses pessoais. “A UFRJ precisa recuperar a alma. Nós perdemos a capacidade de formar opinião pública; de construir líderes nacionais e grandes educadores. Não temos mais pessoas como Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Clementino Fraga e Carlos Chagas Filho, por exemplo. Esses homens não foram apenas excelentes profi ssionais. Eles fi zeram a universidade ser pensada”, lembra João Ferreira.

FragmentaçãoA fragmentação de sua estrutura organizacional du-

plica esforços administrativos e constitui um entrave ao desenvolvimento da universidade. Essa fragmentação La

rgad

a pa

ra o

PD

I O Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Institucional (PDI) começou a ser discutido pela comunidade universitária da

UFRJ. A proposta de PDI, elaborada pela Reitoria e apreciada pelo Conselho Superior de Coordenação Executiva (CSCE),

está sendo divulgada em todas as unidades da universidade desde o início do mês de abril

Joana Jahara e Aline Durães, do Olhar Virtual é marcada não somente pela dispersão geográfi ca, mas também por determinadas posturas das unidades, que difi cultam a interdisciplinaridade, aspecto cada vez mais importante para que ela desempenhe, a contento, as suas atividades acadêmicas.

Muitos centros ainda encontram obstáculos para trabalhar de forma transdisciplinar. A difi culdade em lidar com outras unidades e com áreas de pesquisa afi ns acarreta refl exos negativos na realidade universitária.

“A atual forma de organização, cujo conceito-chave é o depar-tamento, não corresponde às exigências do conhecimento para a formação de recursos humanos de alta qualifi ca-ção”, afi rma o reitor Aloí-sio Teixeira, para quem, o primeiro passo é, através dos debates e das reuni-ões com a comunidade, estabelecer consensos sobre os aspectos ma-léficos da fragmen-tação. “As congre-gações precisam concordar se ela (a fragmentação) é realmente um fator impeditivo ao crescimento da universida-de, para então, propor ca-minhos que

possam corrigi-la”, destaca o reitor.

Ângela Rocha dos Santos, decana do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza

(CCMN), credita à gestão fragmentada muitos proble-mas enfrentados no cotidiano da UFRJ. Os limites da estrutura departamental e a repetição desnecessária de disciplinas foram alguns pontos citados por ela. “Deve-mos estudar a legislação, retirando os itens práticos que nela existem e, a partir deles, criar regras mais efi cazes no sentido da integração”, sugeriu a decana.

O decano do CCS não vê, porém, a fragmentação como fonte de grandes preocupações. Segundo João Ferreira, a segmentação estimula a competição positiva entre as unidades. Ele elege à falta de diálogo entre os setores como o grande problema da UFRJ: “existem centros compostos apenas por quatro unidades, mas que, ainda assim, não conseguem se reunir, pois uma unidade não fala com a outra. É esse tipo de narcisismo que faz mal à instituição”.

Acesso e assistência estudantilUma das propostas mais audaciosas do PDI é o fi m

do vestibular como forma de acesso à UFRJ. “O ves-tibular é uma excrescência brasileira. É uma maneira anacrônica de seleção. Ele avalia muito mais a renda, a inserção social do que o mérito dos alunos. Não há como julgar, de uma mesma forma, o merecimento de jovens que fi zeram seus cursos pré-universitários em condições diferentes”, ressalta Aloísio Teixeira.

Page 17: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 17

Universidade

A idéia é fazer uma seleção mais democrática e me-nos elitista, através do desenvolvimento de um projeto piloto de avaliação continuada da rede pública estadual de Ensino Médio. “Já houve a tentativa de implantar um projeto desse tipo, mas a discussão em torno dele foi muito pobre. Podemos aproveitar os debates do PDI para retomá-la”, complementa o reitor.

Ampliação e melhoria da assistência estudantil é outra questão prevista no plano qüinqüenal. De acordo com a proposta, o programa de bolsas será desenvol-vido e medidas tomadas para possibilitar que o aluno de baixa renda possa se dedicar exclusivamente aos estudos. Dentre elas, destacam-se a construção de mais alojamentos e de quatro bandejões (restaurantes universitários): três no Campus da Ilha do Fundão e um na Praia Vermelha.

A decana do CCMM apóia a iniciativa. Segundo ela, 70% dos alunos do CCMN pertencem a classes menos favorecidas e muitos deles são provenientes de escolas públicas. A assistência estudantil, nesses casos, pode dar maiores condições de permanência ao estudante. “Os nossos cursos são públicos, não cobram mensa-lidade, mas são caros mesmo assim, pois os alunos precisam gastar com livros, transportes e alimentação”, explica Ângela Rocha dos Santos.

Os estudantes poderão contar ainda com melhorias de acesso e manuseio dos acervos nas bibliotecas, já que o PDI propõe a otimização da prestação de serviços e a ampliação desses, buscando atrair mais jovens para os espaços de pesquisa. Atualmente, a UFRJ ocupa apenas o 25º lugar, entre as universidades federais, em volume de consultas aos terminais de consulta às bibliotecas.

A maior interação entre alunos de cursos diferentes é outra pendência a ser resolvida. O PDI prevê a criação de um centro comunitário de convivência no Campus da Ilha do Fundão. Essa medida visa estimular ativi-dades culturais e científi cas que tragam o estudante para a UFRJ fora dos horários de aula e favoreçam a revitalização e a ocupação dos espaços da universidade pelo público em geral.

Segundo a decana do CCMN, a escassez de eventos e a pouca divulgação dos existentes, acabam por afastar o estudante da instituição. “A universidade deveria estar aberta aos alunos também aos sábados. A programação dos eventos tem que envolver toda a comunidade aca-dêmica, a ponto de os alunos gostarem de fi car aqui”, afi rma Ângela.

Orçamento e transparência nas contasO orçamento de custeio da universidade cresceu nos

últimos anos. Em 2003, a lei orçamentária aprovou R$ 47 milhões e esse ano, 2006, a UFRJ recebeu R$ 92. Apesar do aumento signifi cativo, os recursos, na opi-nião do reitor Aloísio Teixeira, são insufi cientes frente às necessidades da instituição.

Para cobrir todas as despesas e permitir novos in-vestimentos, o PDI estipulou o valor de R$ 160 milhões como o ideal. De acordo com a Reitoria, a autonomia orçamentária é imprescindível para o desenvolvimen-to da universidade e para a realização dos objetivos traçados no plano qüinqüenal. “A UFRJ assume os compromissos que constam no PDI e, com base neles, orça seus gastos. O governo, por sua vez, cobra o cum-primento das metas”, explica o reitor.

Somado a isso, existe a proposta de maior trans-parência na prestação de contas. Embora seja uma exigência regimental, a instituição nunca prestou, por exemplo, contas ao Conselho Universitário (Consuni). “Fazemos um trabalho de imenso impacto social, o que aumenta a necessidade de comunicar todo e qualquer centavo ganho ou gasto”, disse Aloísio.

Campus descontínuoA questão do campus descontínuo também assume

relevância nos próximos cinco anos. Esse conceito se baseia na reorganização das unidades de tal maneira que, aquelas que apresentem semelhanças didáticas, se localizem fi sicamente próximas. A idéia principal é concentrar algumas atividades no Campus da Praia Vermelha, mantendo a maioria delas no da Ilha do Fundão.

Caso seja aceita como diretriz da versão fi nal do PDI, essa iniciativa pode provocar o deslocamento de algumas unidades. É o caso do Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS), que seria realocado na Praia Vermelha, onde já se encontram outros cursos da área das Ciências Humanas, como a Escola de Comunica-ção (ECO), o Instituto de Psicologia (IP) e a Escola de Serviço Social (ESS).

Além da possível resistência de setores da própria unidade, essa mudança pode gerar controvérsias entre os centros. A decana Ângela Rocha, por exemplo, já ma-nifestou vontade de ter o IFCS próximo ao CCMN. “O IFCS é o que restou da Faculdade Nacional de Filosofi a, a nossa grande escola de formação de professores. Hoje em dia, essa escola está representada aqui, no CCMN, por isso, o Instituto deve vir para cá”, sugere.

Ângela faz ainda outras reivindicações. Para ela, é fundamental que o Instituto de Física, o de Biologia e o de Matemática sejam deslocados para o prédio do CCMN. Seria, afi rma a decana, uma oportunidade para os alunos dividirem um espaço comum e para os docentes trocarem experiências.

Caráter coletivo e resistênciasO PDI não é um modelo de planejamento apenas da

Administração Central, mas de todas as demais instân-cias da UFRJ. Por isso, o seu ponto forte é a elaboração coletiva. Em princípio, todos os membros da institui-ção poderão participar das discussões, apresentando sugestões, e infl uenciar o texto fi nal.

Esses debates, para a Reitoria, têm o objetivo de pôr em questão e, quando for o caso, superar as identidades historicamente constituídas, possíveis inibidoras das transformações de que a universidade necessita. Aloísio Teixeira enfatiza que sua intenção não é interrompê-las, mas aliá-las à construção de uma universidade melhor.

O decano do CCS, João Ferreira, do cita o poeta por-tuguês Fernando Pessoa para lembrar a necessidade de se enfrentar as resistências internas às mudanças: “a discussão tem que ser feita com grandeza e com alma. Afi nal, tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Se as pessoas desacreditarem esse projeto, ele não vai adiantar de nada”.

O reitor se diz preparado para enfrentar as vozes contrárias ao plano. Ele ressalta a importância de se “ganhar cabeças” e a também importância das reuniões com a comunidade universitária. “É uma luta no plano das idéias. Nós, nos próximos três meses, estaremos envolvidos nela”, fi naliza.

Reuniões marcadas para discussão do PDI

MaioDia 09 – Instituto de Química (IQ)Dia 10 – Instituto de Psicologia (IP)Dia 16 – Instituto de Geociências (IGEO)Dia 31 – Conselho de Centro do CCMN

JunhoDia 02 – Observatório do Valongo (OV)Dia 06 – COPPEDia 09 – Instituto de Microbiologia (IMPPG)Dia 28 – Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN)Dia 29 – Faculdade de Medicina (FM)Dia 30 – Conselho de Centro do CCJE

JulhoDia 03 – Conselho de Centro do CFCHDia 11 – Faculdade de Educação (FE)Dia 12 - Instituto de Biofísica (IBCCF)Dia 13 – Faculdade de Direito (FD)Dia 20 – Escola de Comunicação (ECO)Dia 26 – Escola de Belas Artes (EBA)Dia 27 - Escola de Serviço Social (ESS)Dia 28 – Escola de Química (EQ)

Raq

uel L

ima

Gab

riela

d’A

raúj

oJu

liano

Pire

s

Aloisio Teixeira: estabelecimento de consenso contra os aspectos meléfi cos da fragmentação

Ângela Rocha: problemas cotidianos na conta da fragmentação

João Ferreira: fragmentação como estímula à competição positiva

Page 18: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

18 Abril•2006UFRJJornal da

Universidade

Taisa Gamboa, da Agência de Notícias UFRJfoto arquivo

O Laboratório de Vertebrados do Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia (IB) da UFRJ vem desenvol-vendo uma proteção para cabos de fi bra óptica de modo a torná-los mais resisten-tes, principalmente, à ação de roedores. É comum que ratos danifi quem cabos e, em busca da solução para o problema, a UFRJ, em convênio com a Embratel, vem realizando pesquisa nessa área.

O avanço das telecomunicações se deve, em grande parte, à implantação de cabos de fi bra óptica. Essa tecnologia permite que as informações sejam trans-mitidas através de impulsos de luz, que funcionam como código, e a posterior reconstituição dos sinais como som e imagem. Um cabo tem entre quatro e seis fi bras ópticas, e cada uma delas chega a transmitir cerca de 120 mil ligações ao mesmo tempo.

Os cabos ópticos dielétricos são en-terrados e, a cada quilômetro, é instalada uma caixa que protege a emenda dos fi os. Essa forma barata de instalação pode apresentar alguns problemas em função da umidade e da ação de animais subter-râneos, como alguns tipos de roedores, que podem viver em galerias escavadas com seus dentes. Com a redução da es-pessura e com o advento da fi bra ótica, os problemas aumentam, uma vez que toda a estrutura de cabos e instalações se tornou mais frágil.

Roedores apresentam dentes incisivos em forma de arco de círculo perfeito. Se o dente crescer indefi nidamente, dará a volta até a raiz e o animal acabará morrendo de fome, pois não conseguirá ingerir nenhum alimento. Esses não têm outra escolha, senão roer qualquer coisa para gastar o dente. E o cabo acaba sendo uma alternativa.

De início, o problema foi detectado nos Estados Unidos e a solução foi prote-ger o cabo com fi ta metálica. Entretanto, com isso, ele perde a fl exibilidade e a fi ta passa a ser um condutor elétrico, o que aumenta as chances de uma carga danifi car estações intermediárias ou, de-vido ao manuseio mecânico, favorecer o aparecimento de danos no próprio cabo. No Brasil, onde as tempestades elétricas são freqüentes, esse tipo de proteção não é considerada adequada. Diante desse pa-norama, há mais de 10 anos, a Embratel resolveu buscar alternativas.

Como não havia nada no mercado que protegesse os cabos e, ao mesmo tempo, evitasse o problema das descargas elétri-cas, a empresa optou por pedir auxílio ao Centro de Pesquisa e Desenvolvi-mento das Telecomunicações (CPqD). Foi através desse órgão que a equipe da

Cabos ópticos mais resistentesPesquisadores da UFRJ criam proteção contra a ação de roedores em cabos de fi bra óptica

Embratel chegou aos cientistas da UFRJ: os do Laboratório de Vertebrados do IB, que é centro de referência na pesquisa com roedores, dispondo de especialistas reconhecidos, e um dos raros grupos que desenvolve técnicas para sua criação em cativeiro.

A partir da pesquisa básica em Zoo-logia e reprodução do punaré (do gênero Thrichomys), um roedor silvestre, muito comum nas regiões da Caatinga e Cer-rado, foi possível o estabelecimento de uma estratégia de pesquisa.

O primeiro passo foi o desenvolvi-mento de uma metodologia para compa-rar cabos diferentes. O teste consistiu na fi xação de 15 amostras de aproximada-mente 20 cm de comprimento no fundo de gaiolas com os roedores. As pontas foram protegidas com uma tela de arame. Depois de três noites os cabos eram ava-liados e classifi cados por um índice de danos, que variava de um (quando não havia danos) a sete (cabo seccionado).

“Cerol” na mãoAo mesmo tempo, e junto com o

CPqD, os pesquisadores procuraram um material de baixa condutividade elétrica para cobrir os cabos. O que apresentou melhores resultados foi a fi bra de vidro. A idéia surgiu a partir do prosaico “cerol” utilizado pelas crianças em linhas de pipa. A mistura de vidro moído e cola de sapateiro é um material altamente cortante. Segundo Rui Cerqueira Silva, professor do Depar-tamento de Ecologia, responsável pelo Laboratório de Vertebrados do IB, foi necessário buscar um material isolante como o “cerol” e, ao mesmo tempo, desagradável de roer.

Experimentos subseqüentes levaram à defi nição da espessura do material e à especificação dos vários elementos que compõem o cabo. Esse, depois de exaustivamente testado, foi submetido à ABNT e deu origem à Norma Técnica ABNT 03:086.01-025.

O trabalho conjunto com o CPqD, permitiu o estabelecimento dos padrões técnicos e das especifi cações a serem adotadas. “Também foram estipuladas as regras para a realização de testes, mas como apenas o Laboratório de Vertebra-dos da UFRJ possuía a tecnologia e os animais necessários para tal, todos os testes dos cabos produzidos dessa época em diante foram testados por nós”, com-pleta Marcus Vinícius Vieira, professor integrante da equipe do Laboratório de Vertebrados.

“A patente não foi requerida com o intuito de baratear a produção e a im-plantação desta rede de cabos ópticos no Brasil. Mesmo assim, o cabo protegido é mais caro que o normal. Esse fato tornou imperioso diferenciar exatamente aon-de a implantação da proteção era mais necessária. A UFRJ estabeleceu a bio-geografi a dos roedores e determinou as regiões do país onde havia maior e menor probabilidade de o cabo ser destruído”, esclarece Rui Cerqueira.

Como a distribuição das espécies se adequa ao clima, um sistema de inter-polação de dados climáticos do Brasil teve que ser elaborado. “Superpondo essas informações com a distribuição dos animais foi possível estabelecer uma escala que variava de zero (referente à região que não necessitava de proteção) a cinco (para a que precisava). A decisão de proteger ou não os cabos é, entretanto, das empresas de telecomunicação. As planilhas servem apenas para auxiliar a decisão”, comenta Cerqueira.

O conjunto do estudo foi concluído em 1999 e os cabos continuaram a ser testados até 2003, quando a maioria da rede de fi bra ótica do Brasil já havia sido instalada. Em função dos excelentes re-sultados, a solução desenvolvida pelos pesquisadores da UFRJ foi exportada.

Outros caminhosO estudo deu origem a novas pesqui-

sas. Uma delas demandada pela Telesp (Telecomunicações de São Paulo). A equipe dos professores Rui Cerqueira e Marcos Vinícius elaborou um Atlas que avalia a temperatura e a radiação ultra-violeta – prejudicial também às fi bras - de cada região e ajuda a determinar se há ou não a necessidade de proteção.

O incêndio que destruiu, em março, o Laboratório de Vertebrados da UFRJ, afetou bastante as pesquisas. Segundo Rui Cerqueira, “a maior parte dos puna-rés em cativeiro morreu com a fumaça, e as instalações foram desfeitas. No mo-mento, não há como fazer novos testes e experimentos. Estudos que levaram anos para serem desenvolvidos se per-deram. Nossa prioridade é reconstruir o laboratório”.

Cabo de teste atacado por roedores no Laboratório de Vertebrados

Page 19: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 19

Universidade

O reconhecimento vem, princi-palmente, de usuários, de empresas como a Petrobras e Furnas Centrais Elétricas (essa última necessita acompanhar as variações do nível de águas nos rios em Mato Grosso do Sul) e de praticantes de esportes náuticos. A previsão do tempo, assim como Campos Meteorológicos (pressão atmosférica ao nível do mar, temperatura do ar – em graus Celsius –, umidade relativa etc), Meteogramas (gráfi cos que mostram a evolução temporal de parâmetros meteorológicos) e Diagramas Termodinâmicos de várias localidades, podem ser consultadas, por leigos ou especialistas, em tempo real, pela Internet, no site www.lpm.meteoro.ufrj.br.

São os detalhes que infl uenciam a precisão ao prever condições climá-ticas. Isimar de Azevedo Santos, coordenador do LPM, explica que o programa de modelo numérico de previsão do tempo em mesoescala (conjunto de equações matemáticas aplicadas a certas áreas cir-cunscritas que podem não ser representativas do clima geral de uma dada região) é que vai projetar, no tempo, as informações: “o modelo tem informações da fi siografi a (ou geografi a física) do lugar, esse programa possui todos os dados do tipo de superfície, da topografi a, de cada região do Rio de Janeiro. Os cálculos são feitos em milhões de vezes, no computador, e essas equações são prognósticas e estão fi sicamente amarradas”.

Em decorrência disso se pode fazer a previsão do tempo das cidades, porque em cada uma delas (o LPM atua em 91 municípios do estado do Rio de Janeiro) o modelo infor-ma, por exemplo, se há morros, vales, se a vegetação é de fl oresta ou urbana, dados sobre a quantidade de irrigação, a ação do solo sobre a superfície, a temperatura do mar, entre outras características peculiares. Mas, de acordo com Isimar Santos, não se pode restringir ao que ocorre na região onde o tempo está sendo prognosticado. Quanto mais se estende o prazo de previsões, maior também a necessidade de se levar em consideração outros climas mais distantes. “O que vai acontecer daqui a sete dias no Rio de Janeiro, está acontecendo agora bem perto da Antártica. Isso quer dizer que precisamos coletar informações sobre toda a América do Sul, Antártica, e os oceanos Atlântico e Pacífi co”, afi rma.

Para conseguir dados sobre o clima em todo o mundo, o LPM conta com informa-ções fornecidas pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), da Organização das Nações Unidas (ONU), em Washington (EUA), um dos três pontos no mundo responsáveis por convergir todas as informações meteorológicas e difundi-las. “Seria complicado se estivéssemos na dependência de receber dados do mundo todo, de todas as estações, e cada uma enviando-os de uma maneira diferente. Por isso, a

Os segredos da

Pre

vis

ão

d

o

tem

po

Referência em previsão do tempo no Rio de Janeiro, o Laboratório de Prognósticos

em Mesoescala (LPM), do Departamento de Meteorologia do Instituto de Geociências da UFRJ,

conquistou esse status devido a sua precisão e tecnologia inovadora empregada

Joana Jahara

O reconhecimento vem, princi-palmente, de usuários, de empresas como a Petrobras e Furnas Centrais Elétricas (essa última necessita acompanhar as variações do nível de águas nos rios em Mato Grosso do Sul) e de praticantes de esportes náuticos. A previsão do tempo, assim como Campos Meteorológicos (pressão atmosférica ao nível do mar, temperatura do ar – em graus Celsius –, umidade relativa etc), Meteogramas (gráfi cos que mostram a evolução temporal de parâmetros meteorológicos) e Diagramas Termodinâmicos de várias localidades, podem ser consultadas, por leigos ou especialistas, em tempo real, pela Internet, no site www.lpm.meteoro.ufrj.br.

São os detalhes que infl uenciam a precisão ao prever condições climá-ticas. Isimar de Azevedo Santos, coordenador do LPM, explica que o programa de modelo numérico de previsão do tempo em mesoescala (conjunto de equações matemáticas aplicadas a certas áreas cir-cunscritas que podem não ser representativas do clima geral de uma dada região) é que vai projetar, no tempo, as informações: “o modelo tem informações da fi siografi a (ou geografi a física) do lugar, esse programa possui todos os dados do tipo de superfície, da topografi a, de cada região do Rio de Janeiro. Os cálculos são feitos em milhões de vezes, no computador, e essas equações são prognósticas e estão fi sicamente amarradas”.

Em decorrência disso se pode fazer a previsão do tempo das cidades, porque em cada uma delas (o LPM atua em 91 municípios do estado do Rio de Janeiro) o modelo infor-ma, por exemplo, se há morros, vales, se a vegetação é de fl oresta ou urbana, dados sobre a quantidade de irrigação, a ação do solo sobre a superfície, a temperatura do mar, entre outras características peculiares. Mas, de acordo com Isimar Santos, não se pode restringir ao que ocorre na região onde o tempo está sendo prognosticado. Quanto mais se estende o prazo de previsões, maior também a necessidade de se levar em consideração outros climas mais distantes. “O que vai acontecer daqui a sete dias no Rio de Janeiro, está acontecendo agora bem perto da Antártica. Isso quer dizer que precisamos coletar informações sobre toda a América do Sul, Antártica, e os oceanos Atlântico e Pacífi co”, afi rma.

Para conseguir dados sobre o clima em todo o mundo, o LPM conta com informa-ções fornecidas pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), da Organização das Nações Unidas (ONU), em Washington (EUA), um dos três pontos no mundo responsáveis por convergir todas as informações meteorológicas e difundi-las. “Seria complicado se estivéssemos na dependência de receber dados do mundo todo, de todas as estações, e cada uma enviando-os de uma maneira diferente. Por isso, a

tecnologia inovadora empregada

OMM prescreve que esses registros sejam concentrados em três pontos do mundo: Washington, Melbourne (Austrália) e Moscou (Rússia)”, revela Isimar Santos.

Essas estações foram escolhidas por diversos fatores. “Elas têm condições tec-nológicas para receber uma carga muito grande de informação. Há 20 anos esse trabalho era feito por telégrafo. Os telegramas eram enviados para Brasília e, de lá, enviados para Buenos Aires, na Argentina, ou vice-versa, para, em seguida, irem para os Estados Unidos. Dos Estados Unidos para Moscou e assim por diante. Hoje, essa cooperação é tão boa que já está na Internet”, constata Isimar Santos.

O professor destaca, ainda, a forma como é desenvolvido o trabalho de coletor de dados: “o nosso sistema está programado para despertar de madrugada, entrar na Internet, ir ao banco de dados de Washington, trazer para dentro do nosso com-putador para, depois, com as nossas condições locais, o modelo seja acionado. Esse é o nosso segredo e a gente faz esse trabalho em quatro micro-computadores, por incrível que pareça”. A parte mais pesada, correspondente à comunicação com a estação de Washington, é feita em colaboração com o Núcleo de Computação Ele-trônica (NCE) da UFRJ.

Apesar dos avanços, Isimar Santos aponta falhas ainda existentes. “Muitas vezes, infelizmente, os dados do Brasil não são aproveitados. Nós não

utilizamos as informações in natura geradas no país. Apenas utilizamos aquelas que são retornadas de Washington. Já nos defrontamos com situações problemáticas em que algumas informações foram rejeitadas devido a uma falha na hora de

gerá-las, fazendo com que não haja retorno com a densidade sobre a nossa região”, explica o coordenador do LPM.

Uma possível explicação para a rejeição de parte dos dados está no controle rigoroso da informação e não propriamente nas

tecnologias utilizadas: “nossa difi culdade é que, por nosso país possuir complicações em todas as áreas, ela também aparece na qualidade da informa-ção que está sendo enviada. Muitas vezes fi camos decepcionados porque o sistema meteorológico brasileiro não consegue gerar um produto de qualidade. O espaço rejeitado é preenchido com a climatologia, seja com a temperatura do dia anterior, seja com a temperatura média dos últimos 10 anos, no mes-mo horário e lugar”.

previsão

ilustração Anna Carolina Bayer

Page 20: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

20 Abril•2006UFRJJornal da

Comportamento

Rafaela Pereirailustração Anna Carolina Bayer

Crimes e preconceitos na era digital

Desde que a Internet foi implantada no Brasil, em meados de 1994, muitas transformações ocorreram e a sociedade apostou que o mundo virtual seria um espaço democrático e sem fronteiras. Doze anos depois, nem tudo são fl ores virtuais.

O que antes era a promessa da democracia, hoje está sendo invadido por internautas que usam a rede para disseminar preconceitos. Assim, sociedade e legisladores tentam se reorganizar, criando leis e sistemas de segurança para proteger

máquinas, indivíduos e grupos sociais.

Se de um lado estão os profi ssionais de Segurança da Informação na Internet e a criação de projetos de leis, delegacias e coordenadorias específi cas contra cri-

mes na Web, de outro, grupos histo-ricamente discriminados fora do

ambiente virtual – ne-gros, judeus, homos-sexuais e nordestinos – tentam se unir para

combater as várias for-mas de crimes, ódios, dis-

criminações e intole-râncias. De acordo com Cláudio Serra

Feijó, promotor de justiça responsável pela Coordenadoria de Investi-gações Eletrônicas (CIE) do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP/RJ), os crimes mais recorrentes são os contra

a honra (calúnia, injúria e difa-mação), geralmente praticados

por jovens entre 18 e 25 anos, e os estelionatos e fraudes em

geral.Luis Felipe de Moraes, pro-

fessor e coordenador do Laboratório de Redes de Alta Velocidade do Ins-

tituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia

(Ravel/Coppe/UFRJ), acrescenta a essa lista outros delitos: “quebra de sigilo

ou de confi dencialidade; invasões de sistemas alheios, ou seja, a entrada não autorizada e não autêntica de usuários em algum tipo de sistema (em geral, um computador); e ataques a determinadas máquinas ou recursos computacionais, de modo a fazer com que uma rede ou um sistema entre em colapso”, lista o coordenador.

Bernardo Sorj, professor de Sociologia do Instituto de Filosofi a e Ciências So-ciais (IFCS), da UFRJ, afi rma, em Inter-net, Espaço Público e Marketing Político – Entre a promoção da comunicação e do solipsismo-moralista, que a Internet está se transformando no principal es-paço público, mas que enfrenta grandes desafi os. “É preciso saber como assegurar que esse espaço não seja colonizado por grupos antidemocráticos ou castre, pela própria dinâmica que ela pode gerar, o seu potencial de intercâmbio e debate de idéias”, analisa o professor.

Sites de relacionamento estão reche-ados de comunidades que incentivam políticas discriminatórias. No Orkut, o maior deles, o usuário não precisa revelar sua identidade e, por isso, pode criar comunidades incitando o ódio, o preconceito e a violência. Ao ser denun-ciado e, quando muito, banido, consegue facilmente criar uma nova conta e seguir navegando pelos mares cibernéticos.

Crimes de informáticaEstelionato, fraudes bancárias, pedo-

fi lia, roubo de informações e pirataria. Esses são alguns exemplos dos inúmeros crimes que infestam a Internet e que a polícia tem difi culdades para reprimir. Quanto à legislação, o que existe são muitos projetos de leis e uma grande discussão sobre o tema. Segundo o pro-fessor de Direito Penal, Carlos Eduardo Adriano Japiassu, coordenador de gra-duação do curso de Direito da UFRJ e também professor de da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), uma corrente acredita que não se precisa de lei específi ca para a Internet e outra, ao contrário, acredita que mudanças na legislação são indis-pensáveis. “Concordo com a segunda, acredito que existem casos que somente ocorrem na Internet pela sua facilidade de execução”, analisa Carlos Japiassu.

Já Demi Getsckho, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) acredita que, na verdade, não se trata de matéria nova. “Há um novo, poderoso e acessível meio – a

Page 21: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 21

Comportamento

rede – que potencializa novas formas da ação maliciosa. Talvez seja importante um estudo para classifi car isso dentro do espectro tradicional”, analisa. Para Cristine Hoepers, analista de segurança do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br), a Informática é mais um instrumento de ações delituosas. “Nos casos de fraudes, por exemplo, o que muda entre o golpe do bilhete premiado e o e-mail dizendo que você está com pendências no Serasa, é que o segundo golpe chega até a vítima através do computador. O mesmo ocorre com ameaças, calúnia, racismo e furto de informações, entre outros”.

Segundo Bruno Salgado, da equipe do Centro de Atendimento e Tratamento de Incidentes de Seguran-ça da UFRJ (Cenatis), hoje em dia o usuário fi nal é o grande alvo dos crackers (quem quebra a segurança de um sistema de forma ilegal ou sem ética). “O cracker não está interessado apenas no conteúdo da máquina, mas em usá-la como ponte para outros ataques virtuais, como tirar um site do ar, por exemplo”, explica Bruno. Seu colega de equipe, Breno Guimarães de Oliveira, afi rma ser a responsabilidade do usuário fi nal a grande discussão hoje. “Acredito que a gente está num estágio que perdeu um pouco do controle da Internet e, para melhorar, é preciso informar e reeducar o usuário. Da mesma maneira que você anda na rua tomando cuidado, com a Internet é a mesma coisa”, analisa Guimarães.

De acordo com Luis Felipe de Moraes, o usuário doméstico tem mais condições de se proteger usando um conjunto de procedimentos simples do que uma empresa. “Uma política de segurança para uma em-presa, dependendo do seu tamanho, pode ser muito complexa e demandar uma monitoração permanente, por parte de uma equipe altamente especializada”, explica o professor.

Onde está o seu preconceito?Na Internet. Pelo menos é o que parece. E ele está

ligado quase sempre aos mesmos temas: homofobia, racismo, xenofobismo.

Segundo Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia e coordenador do Observatório Afro-brasi-leiro, a web vem sendo um instrumento importante para que os grupos discriminados exponham seus pontos de vista. Porém, ela, ao mesmo tempo, pos-sibilita que os discriminadores também se articulem com a mesma facilidade. “E isso pode se traduzir em um aumento da verbalização dessas manifestações discriminatórias. Quem vai criar o preconceito não é a Internet, mas sim as pessoas. E as pessoas que têm necessidade de verbalizar esse preconceito vêem na Internet um potencial, pois se sentem desinibidas para colocar para fora aquilo que sempre acharam”, explica o professor.

Quem faz coro com Paixão é Henrique Samet, pro-fessor do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ. “Isso está viran-do um assunto de peso. A comunidade judaica se sente hostilizada. O medo não é apenas do preconceito, mas da possibilidade de isso ser uma incitação para coisas reais e violentas contra os judeus”, revela Samet.

Os setores discriminados lançam mão das mesmas ferramentas virtuais para combater preconceitos. João Hélio Mendonça, moderador da comunidade Orgulho de ser nordestino!, do Orkut (que conta com mais de 30 mil membros) diz que a comunidade foi criada pra enaltecer o orgulho dos que nasceram ou foram criados nessa região brasileira, mas “infelizmente o preconceito ainda existe em um país com tantas cul-turas misturadas”, avalia o moderador, que tem que apagar inúmeros tópicos criados por preconceituosos e denunciar essas comunidades. “Simplesmente de-nuncio ao Orkut, mas são raras as vezes em que são tomadas providências. Contudo, não cabe a mim julgar isso e jamais respondo da mesma maneira agressiva a meus agressores porque simplesmente o ódio não é recíproco”, revela Mendonça.

Outro grupo que vem se unindo contra o ódio na In-ternet, é o de homossexuais. Desde 2002, por exemplo, existe na rede a página da Campanha Digital contra o Preconceito a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgê-neros (www.campanhaglbt.com), que foi criada por

Fabrício Viana e tem mais de dois mil sites afi liados, sendo que seu principal objetivo é espalhar banners (imagem inserida numa página web com mensagem de caráter, ou não, publicitário) pelos sites pessoais e em-presariais, blogs e fotologs como forma de protesto co-letivo contra o preconceito por orientação sexual. “Essa é uma nova mídia e uma nova forma de comunicação. Hoje temos mais de 110 ONGs de direitos homossexuais espalhadas pelo Brasil na luta contra o preconceito. E esta campanha é apenas uma extensão de uma luta que é, ou deveria ser, de todos”, explica Viana.

Justiça busca providênciasRecentemente o Ministério Público Federal de São

Paulo apresentou aos responsáveis pelo Google Brasil, como já havia feito com outros provedores, um termo de cooperação para coibir os crimes praticados nas co-munidades do Orkut, vinculado a empresa. Chamado para depor, o presidente, Alexandre Hohagen, disse que o Google Brasil não tem nada a ver com o Orkut, que é um serviço hospedado nos Estados Unidos da América e que vai enviar relatório para a matriz na Califórnia a respeito das denúncias. Segundo o promotor de justiça Cláudio Serra Feijó, uma ação semelhante contra os provedores do estado do Rio de Janeiro deverá ser feita, envolvendo o Ministério Público Federal e as Polícias Federal e do Estado.

A justiça americana também vem pressionando o Google. O juiz federal James Ware, da Califórnia, determinou que a empresa ceda à Justiça informações consideradas relevantes para encontrar redes de pe-dofi lia e identifi car seus administradores. Contudo, da mesma maneira que o Google Brasil, a empresa resiste em desrespeitar a privacidade de seus usuários.

Outra ação contra sites com conteúdo duvidoso foi tomada pela 19ª Vara da Justiça Federal, em Belo Ho-rizonte, no fi nal de março. A decisão foi mandar sus-pender páginas que propaguem e incentivem a prática de atividades criminosas por meio do jogo The crimes – The life of a criminal, um game on-line no estilo RPG onde o jogador escolhe se quer ser um gangster, ladrão, assassino, empresário ou cafetão (cáften, explorador de prostitutas).

Em uma ação específi ca para casos de racismo, a Justiça pediu que o provedor de Internet argentino Prima retirasse de seus hosts (computador que permite que outros computadores se comuniquem em uma rede) seis sites com conteúdos racistas, anti-semitas e de contra nordestinos. As páginas eram lideradas por grupos brasileiros que pregavam a “supremacia da raça branca” e ostentavam frases como “Somos soldados políticos, lutamos para vencer. Juramos que faremos tudo, absolutamente tudo, para assegurar a sobrevivência e a felicidade da nossa Raça Branca” ou “Tome cuidado com pessoas que tenham esses nomes/sobrenomes”, seguida de uma lista de nomes e sobrenomes atribuídos ao povo judeu.

Mesmo sem uma legislação brasileira específi ca para esses crimes virtuais, ações judiciais são tomadas. “A falta de legislação não impede que usemos contra-medidas, no sentido de evitar esses tipos de crimes. Ou seja, não temos necessidade de ‘driblar’ coisa alguma para aplicar as técnicas que buscam evitar os possíveis crimes”, explica o coordenador do Ravel/UFRJ, Luis Felipe de Moraes.

Para Leila Leal, estudante de Jornalismo da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e integrante do Di-retório Central dos estudantes – DCE Mário Prata – o que acontece em mares cibernéticos refl ete a sociedade atual: “o sistema capitalista precisa estigmatizar deter-minadas camadas da sociedade. E a Internet, enquanto meio de comunicação mais rápido, é solo fértil para o preconceito”, analisa a aluna.

E resta a pergunta: quais os limites da Internet? Se-gundo Demi Getsckho, conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI), a rede é um ambiente livre, mas, certamente, como em qualquer ambiente cada um é responsável pelos seus atos. “O que se quer é preser-var, sempre, esse ambiente livre, porém garantindo a responsabilidade de cada um pelos seus atos. Cer-tamente é muito difícil controlar o conteúdo de uma rede do porte da Internet, mas não é impossível. Em casos específi cos, como vimos nos exemplos acima, localizar de onde partiu e quem é o responsável por determinado abuso, e aplicar a ele o que a lei prevê caso a caso”, explica Getsckho.

Fabrício Viana e tem mais de dois mil sites afi liados, sendo que seu principal objetivo é espalhar banners(imagem inserida numa página web com mensagem de caráter, ou não, publicitário) pelos sites pessoais e em-presariais, blogs e fotologs como forma de protesto co-letivo contra o preconceito por orientação sexual. “Essa

Em uma ação específi ca para casos de racismo, a Justiça pediu que o provedor de Internet argentino Prima retirasse de seus hosts (computador que permite que outros computadores se comuniquem em uma rede) seis sites com conteúdos racistas, anti-semitas e de contra nordestinos. As páginas eram lideradas

Page 22: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

22 Abril•2006UFRJJornal da

Notas

Despadronizando o padrão

Mudas de eucalipto geneticamente modifi cadas para resistirem ao estresse hídrico (condição de li-mitação ao desenvolvimento da planta pela ausência ou fornecimento inadequado de água), com a falta, ou irregularidade, de chuvas por longos períodos, estão sendo desenvolvidas no Laboratório de Ge-nética Molecular do Departamento de Genética do Instituto de Biologia (IB) da UFRJ.

As pesquisas foram fi nanciadas por um consór-cio entre empresas (de papel, madeira e celulose) e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na fase de seqüenciamento de genomas, o que gerou um banco de dados, com a identifi cação dos genes que têm aplicação biotecnológica. Daí por diante, entraram no pro-cesso equipes de cinco estados, dentre elas a do

Transgenia e preocupação ambiental

I SEMANA DE INTEGRAÇÃO ACADÊMICA DO CFCH

Juliana Rettich

A decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH/UFRJ) está organizando a sua I Semana de Integração Acadêmica (SIA). O evento será realizado no período de 22 a 26 de maio de 2006, com atividades diurnas, vespertinas e noturnas, no campus da Praia Vermelha. Os Desafi os às Ciências Humanas e Sociais são o tema central do encontro.

Durante I SIA serão realizadas a VII Jornada de Pesquisadores em Ciências Humanas do CFCH; a II Semana de Integração de Cursos; a II Jornada de

A Companhia de Dança Contemporânea da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ apresentou, de 13 a 16 de abril, no Teatro Ca-cilda Becker, o espetáculo Sob Medida, dirigido pelas professoras Lígia Tourinho e Patrícia Pereira, ambas do Departamento de Arte Corporal da EEFD.

Sob Medida, que tem a participação das estudan-tes Vivian Vieira, Cecília Estela, Bárbara Barros e Elisa Quintanilha discute a relação do corpo com a moda na sociedade contemporânea, tendo como pano de fundo o universo feminino, a participação da mídia na transmissão de padrões e as possibilidades de construção de uma identidade com base na moda.

Segundo as diretoras, a intenção do espetáculo é provocar uma discussão do que vem acontecendo na sociedade, que vive um processo de exacerbação do consumismo e de imposição de estereótipos, acelerado pela globalização.

Fica cada vez mais difícil o estabelecimento de fronteiras que delimitem identidades individuais. O que se consegue, hoje, é uma homogeneização acelerada de comportamentos e estereótipos. Por isso, a importância de abordar a dualidade da moda – infl uenciada, e pode-se dizer, por vezes, gerada

Juliana Rettich por este processo de globalização. “Tentamos co-locar os dois lados: construção de identidade ou identidade imposta. Ela pode ser dada por cada um ou pode ser imposta por uma questão global”, diz Ligia Tourinho.

Vivemos uma sociedade marcada por im-posições de padrões que são sutil e efi cazmente reproduzidos pela mídia, sendo necessário enxer-gá-los de forma fl exível e, através deles, procurar se construir como indivíduo, “criando seu próprio estilo, usando sua criatividade e o que lhe convém e não o que o outro impõe. Sobretudo, enxergar a possibilidade de escolhas neste modelo”, argumenta Patrícia Pereira.

Por mais que se estabeleçam padrões, não exis-tem, em verdade, sociedades homogêneas. As dife-renças servem para construção de identidades não apenas entre pessoas, mas também entre grupos. “A questão identitária tem evoluído, paralelamente ao sistema de produção, e numa época de globalização e acumulação fl exível entram em crise os padrões como os de nação, etnia, gênero etc. As identidades continuam, entretanto, a se formar, são processos contínuos que podem representar linhas de fuga às imposições do padrão, bem como ao assujeitamento e à petrifi cação”, salienta Nízia Vilhaça, professora da Escola de Comunicação da UFRJ.

foto Marco Fernandes

Semana de Quadrinhos na ECOcomeçará sempre às 9h, é discutir aspectos funda-mentais da teoria e prática no que diz respeito aos estudos das artes seqüenciais.

A Semana contará com palestras e mesas-re-dondas, sobre as tendências contemporâneas das histórias em quadrinhos; sua infl uência sobre o cinema, TV e cultura pop; a transição entre o texto e o audiovisual; a liberdade da forma e da linguagem e como essa estética lida com a realidade, dentre outros temas. Além disso, serão ministradas ofi ci-nas de animação e de fi nalização em nanquim, de tirinhas e de histórias em quadrinhos. A Semana trará ainda a I Mostra de Desenho Livre, a Feira de Livros e o I Concurso de Charges da UFRJ.

O projeto é coordenado pelos estudantes Ana Carolina Alves e Rafael Moura Vargas, do Programa de Educação Tutorial (PET) da ECO/UFRJ e conta com o apoio da Fundação

Universitária José Bonifácio (FUJB), da própria ECO/UFRJ e de seu Programa de Pós-Graduação.

Para mais informações e envio de trabalhos, a organização disponi-

bilizou o site www.eco.ufrj.br/se-manadequadrinhos e o e-mail [email protected].

Bruno Franco

Nos dias 10,11 e 12 de maio, a Escola de Co-municação (ECO) da UFRJ promoverá a I Semana de Quadrinhos da ECO. A proposta do evento, que

Extensão; o Seminário Desafi os da Integração Sul-americana; ciclo de cinema; atividades culturais; e mini-cursos de Extensão.

O principal objetivo da SIA é a efetivação de espaços que promovam a integração acadêmica nos mais diferentes aspectos, entre Graduação e Pós-graduação; entre Ensino, Pesquisa e Extensão; entre o CFCH, os demais centros UFRJ, as outras Instituições de Ensino Superior e de pesquisa e a sociedade carioca.

Maiores informações podem ser obtidas no site www.cfch.ufrj.br; pelo e-mail [email protected] ou pelos telefones (21) 2275-2589 e 3873-5159.

geneticista Márcio Alves Ferreira, professor do IB da UFRJ.

O trabalho de Alves Ferreira desenvolveu-se a par-tir de estudos do gen homeobox que, nas plantas, estão ligados diretamente ao estresse hídrico. A mudança desses genes faz com que o eucalipto possa manter sua produtividade mesmo em regiões onde os períodos de seca são longos, como no Noroeste de São Paulo, que detém a maior parte da produção dessa planta, ou em regiões consideradas inapropriadas para a agricultura, como o Nordeste do país.

O Brasil ocupa a 11ª posição mundial como produtor de papel, enquanto que no comércio de celulose fi ca com a sétima e no de madeira com a quinta. A pesquisa também tem uma preocupação ambiental, pois quando se aumenta a produtividade, acaba-se diminuindo a área plantada e contribuindo para a desaceleração da expansão das fronteiras agrícolas e da devastação de fl orestas.

Fortunato Mauro

Com o objetivo de valorizar a vocação da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ na formação de ilus-tradores foi criada a Semana de Ilustração da Escola de Belas Artes – a IlustrEBA.

A IlustrEBA teve origem em um grupo de es-tudantes afi cionados por ilustração da escola. No evento, que tem o apoio da Direção da EBA e do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI), haverá palestras e mesas-redondas com conceituados profi ssionais de Ilustração e de outras áreas relacio-

IlustrEBAnadas. Além disso, haverá exposições da produção de estudantes e professores da área.

A primeira IlustrEBA acontecerá de 8 a 10 de maio - Sala 614, no prédio da EBA - e deverá contar com a participação da diretora da EBA, professo-ra Ângela âncora da Luz, dos professores Rui de Oliveira, Marcos Dohmann, Gerson Conforti e Graça Lima; Marcelo Martinez, Adriano Renzi, Ana Paula Rodrigues, Ivan Zigg, Carlos Machado, Daniel Moura, Renato Alarcão, André Stolarski e Carlos Contente.

Mais informações com Diogo Nogueira (9943-7584) e Felipe Vellozo (9645-2298) ou pelo e-mail [email protected]

Fortunato Mauro

Com esse título, foi lançado, pela Faculdade de Direito da UFRJ, o concurso de monografi a cuja tema são os 90 anos do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira - Caco.

O concurso é direcionado aos estudantes da UFRJ e, em particular, os da própria Faculdade de Direito e serão admitidas inscrições individuais ou em equipes de no máximo três estudantes.

“Caco 90 anos de história”As três melhores monografias, selecionados

por comissão julgadora, além de serem publicadas, receberão como prêmio R$ 3 mil, R$ 1.200 e R$ 800 (1º, 2º e 3º lugares, respectivamente).

A pré-inscrição vai até 15 de maio, a entrega de monografi as, de 10 a 25 de setembro, a divulgação do resultado, dia 1º de dezembro e a premiação, dia 08/12.

Mais informações e formulários de inscrição podem ser encontrados nos sites www.direito.ufrj.br e www.cacofnd.org.

Fortunato Mauro

Page 23: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

Abril•2006 UFRJJornal da 23

Rafaela Perreira

Para lerCultura

América Latina: as cidades e as idéias.José Luis Romero.Editora UFRJ, 2004,424 páginas.

Três décadas após sua publicação, em junho de 1976, pela Siglo Vein-tiuno, importante editora argentina que acabou arrasada pela obscu-rantista ditadura militar instalada apenas dois meses antes, este texto se converteu em um clássico da histo-riografi a latino-americana. O autor, um dos mais notáveis historiadores

argentinos, relê a tese clássica de Sarmiento e a desenvolve em am-plitude e complexidade: a história dessa parte do mundo, – una e diversa a um só tempo –, resultaria da tensão entre cidade e campo, sendo a primeira seu eixo dinâmico.

Extensão do mundo europeu, as cidades latino-americanas se conformam, em sua origem, como postos avançados daquele continente que, aqui, busca organizar, à sua imagem e semelhança, um vasto e hostil território concebido como culturalmente vazio. Daquela homogeneidade inicial e sob impacto tanto de processos heterônomos (transformações econômicas e afl uxos de idéias européias) como autônomos (a consciência sobre a região, a sua sociedade e suas formas ideológicas), Romero faz surgir uma di-ferenciação crescente. O livro, que aproveita a sua rica experiência anterior como historiador da antiguidade clássica e das sociedades urbanas européias medievais, destaca, em capítulos sucessivos, momentos importantes dessa trajetória multissecular: o ciclo das fundações, as cidades fi dalgas das Índias, as cidades criollas, as cidades patrícias, as cidades burguesas e as cidades massifi cadas contemporâneas.

Como observa Afonso Carlos Marques de Souza, professor titular do Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, na Apresentação da edição brasileira, “Romero estava disposto a ultrapassar a história política tradicional, que reduzia a história das cidades aos aspectos factuais do exercício do poder e na qual o fenô-meno urbano permanecia incompreensível em sua complexidade”. Resulta uma obra impressionante que abarca a história cultural urbana do continente desde os séculos de colonização e que destoa, pelo seu caráter abrangente, da produção contemporânea sobre o assunto, predominantemente monográfi ca. Indo mais além, acaba traçando um amplo panorama da história da América Latina, a partir dos seus focos mais ativos e de seus centros de decisão.

A tradução para o português da obra de Romero, que faleceu subitamente em Tóquio em 1977, quando assistia uma reunião do Conselho Diretivo da Universidade das Nações Unidas, do qual fazia parte, é de Bella Josef, professora titular da Faculdade de Letras da UFRJ, e sua publicação constitui um esforço para aproximar pesquisadores argentinos e brasileiros.

Poucos conceitos da fi losofi a po-lítica moderna obtiveram tal difusão como o de sociedade civil. Desde sua emergência no bojo liberalismo inglês, no séc. XVII, atravessando as reelaborações de Hegel e Marx, até alcançar uma centralidade inaudita em Gramsci e, daí, no debate marxis-ta contemporâneo ele parece dotado de uma elasticidade desconcertante. Entretanto, como observa em sua obra Jorge Luis Acanda, professor de história do pensamento marxista na Universidade de Havana, Cuba, esta aparente unanimidade encobre uma pluralidade, não raro contraditória, de compreensões. Há os que concebem a socie-dade civil, por exemplo, como contraposta ao Estado, que deve ser minimizado e parte de suas funções paulatinamente transferidas a ela. Anódina e indiferenciada, eqüidistante dos condicionamentos políticos, a sociedade civil assim concebida se construiria exclusi-vamente como espaço de liberdade frente à coerção estatal.

Essa não é a leitura de Acanda, um dos mais importantes intelectuais cubanos da atualidade. Sua opção é, numa linha de (re)construção conceitual que remonta às formulações gramscia-nas, entender a sociedade civil como esfera integrante do Estado ampliado e como espaço privilegiado do confronto de classes onde os mais diversos grupos sociais disputam e pactuam pro-jetos societários. O livro, entretanto, não se contenta com mais uma, ainda que competentemente e bem informada, exegese da contribuição do autor de Cadernos do Cárcere. Traça um das mais agudas análises do percurso do conceito e, em larga medida, do debate político desde o séc. XIX. Paralelamente, estabelece apro-ximações instigantes entre esse conceito e o de hegemonia, que também conforma o repertório gramsciano.

O livro que ganhou, em 2003, o prêmio da Academia de Ci-ências de Cuba, como melhor contribuição do ano na área das Ci-ências Sociais, traz ainda importante apêndice sobre a recepção da obra de Gramsci naquele país e sobre o impacto das suas categorias nos debates políticos recentes. Não desperta surpresa identifi car que as contribuições do marxista italiano tenham sido quase que desconsideradas no período em que Havana mais se alinhou à URSS, como também não parece inusitado reconhecer que elas venham freqüentado, cada vez com mais intensidade e abrangência, as discussões acerca dos rumos do socialismo na ilha.

Sociedade civil e hegemoniaJorge Luis Acanda.Editora UFRJ, 2006,248 páginas.

Paleontologia, dinossauros e pterossauros. A pri-meira vista pode-se pensar que um livro sobre esses assuntos adotará uma terminologia árida e recheada de conceitos técnicos. Contudo, Pterossauros, os senhores do Céu do Brasil (Vieira & Lent, 2006) inova pela lingua-gem informal e convidativa, “como se o autor e o leitor estivessem conversando na mesa de um bar”, afi rma Alexander Kellner, professor do Setor de Paleoverte-brados do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional da UFRJ, autor da obra.

A proposta é despertar a curiosidade das pessoas com a fascinante diversidade da vida que habitou o planeta, explicar os processos responsáveis por isso e, ainda, desmistifi car certa posição arrogante de pesqui-sadores. “Sempre quis fazer um livro desse tipo. Ele não é acadêmico e a idéia é tentar, de forma lúdica, apre-sentar algumas das histórias das principais descobertas que foram feitas na paleontologia. Queremos contar os ‘causos’ da Paleontologia e mostrar que o pesquisador é igual a qualquer pessoa. Acerta de vez em quando e erra outras tantas vezes”, explica Alexander, revelan-do que, apesar das difi culdades para lançar uma obra sobre o assunto, no país, a aceitação do público e dos acadêmicos tem sido muito boa.

Segundo Otávio Velho, professor emérito do Museu Nacional, esse livro é uma conseqüência importante das atividades do paleontólogo. “Kellner se preocupa em mostrar a importância do trabalho interdisciplinar com geólogos, zoólogos e outros profi ssionais, em caracterizar o ambiente sociocultural em que se dá a sua atividade, a formação de novos paleontólogos e a responsabilidade da sociedade com o patrimônio pale-ontológico. Como colega dele, no Museu Nacional, sou testemunha de como a atividade dos paleontólogos tem produzido benefícios inestimáveis à instituição, bem como às causas da ciência e da divulgação científi ca de um modo geral”, escreveu o professor na “orelha” do livro.

Importância do BrasilExtintos há mais de 65 milhões de anos sem dei-

xar descendentes, eles são considerados os primeiros vertebrados adaptados para um vôo ativo (voar com o bater das asas). Segundo dados do livro de Kellner, fósseis desses animais voadores foram encontrados em todos os continentes, com exceção da Antártida. “Mas é preciso lembrar que eles não são dinossauros e nem aves, como muitos costumam confundir”, diz o autor. Pterossauros, na verdade, são répteis voadores.

Poucas pessoas sabem, mas segundo Alexander Kellner, o que faz o Brasil hoje famoso no campo da paleontologia de invertebrados são os pterossauros. “Isso porque temos no país um dos depósitos mais ricos e em nenhum outro lugar se tem tantas espécimes tão bem preservadas como aqui”, revela o professor.

No total foram identifi cadas, no Brasil, 24 espécies de pterossauros, algumas baseadas em exemplares bem incompletos. Dessas, 23 são da Bacia do Araripe e apenas uma – Nyctosaurus Iamegoi – foi encontrada na Bacia Pernambuco-Paraíba.

Segundo Kellner, um dos principais achados do Brasil, até o momento, é o Thalassodromeus sethi, divulgado em julho de 2002. “A expedição teve como resultado fi nal o maior crânio quase completo de um metro e meio. É o maior crânio de pterossauros encon-trado no Brasil e um dos maiores do mundo”, explica o especialista.

Segundo ele, a riqueza palentológica deu à Bacia do Araripe importância internacional, reconhecida por pesquisadores de todo mundo. “Hoje em dia não tem nenhum assunto ligado a pterossauros que não passe pela discussão da Chapada do Araripe”, afi rma Kellner.

Escavações clandestinasAs escavações clandestinas são um problema que

atinge vários países, inclusive o Brasil. Em diversos locais, as populações, muitas vezes, vendem os fósseis para particulares que, em alguns casos, cedem o mate-rial para instituições científi cas, que transferem para o domínio público podendo ser utilizado em atividade de pesquisa. Contudo, em outros, os fósseis vão, não raro como contrabando, para fora do país. Segundo Kellner, o Brasil precisa equacionar seu patrimônio paleonto-lógico. “Um bom acervo atrai bons pesquisadores, que realizam trabalhos relevantes. As coleções – mais do que qualquer outro item – são a base para instituições como museus. O crescimento de um museu, particu-larmente de História Natural, passa pela atualização de seu acervo. As pessoas responsáveis pela retirada do patrimônio paleontológico do país devem pensar nisso, particularmente quando estamos falando de raridade e peças únicas”, denuncia Alexander Kellner. Ele aponta como uma das soluções para esse problema a instalação de museus em locais onde fósseis são encontrados com freqüência, como o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri e o Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe. “Essa ação pode ajudar a despertar a consciência da população local para a importância dos fósseis, que não devem ser vistos como simples objeto de adorno”, fi naliza o professor.

Os répteis voadores

Pensar como a Terra era há milhões de anos faz parte do imaginário de muita gente. Uma fascinação que abarca, sobretudo, os animais extintos. Pensando nisso, o professor Alexander Kellner lançou o livro Pterossauros, os senhores do céu do Brasil

Os répteis voadores

Pensar como a Terra era há milhões de anos faz parte do imaginário de muita gente. Uma fascinação que abarca, sobretudo, os animais extintos. Pensando nisso, o professor Alexander Kellner lançou o livro os senhores do céu do Brasil

Page 24: O professor Ronaldo Lima Lins, diretor ... · O professor Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras, em entrevista ao Jornal da UFRJ, discute o papel da cultura na sociedade

24 Abril•2006UFRJJornal da

Personalidade

Joana Jaharailustração Jefferson Nepomuceno

Polêmico e brilhante orador que expressou no Brasil, e no exterior, um

dos mais dignos momentos da resistência à ditadura militar, Hélder

Câmara foi um lutador pelos direitos humanos, pela democracia e

contra as injustiças sociais

O menino nascido em Fortaleza, no Ceará, em 1909 ingressou no se-minário aos 14 anos, onde fez os cursos preparatórios e cursou Fi-losofi a e Teologia. Aos 22 anos, foi ordenado sacerdote, por especial

autorização da Santa Sé, já que não havia comple-tado a idade mínima exigida, que era, então, de 24 anos. Até a morte, em 1999, Dom Hélder, conheci-do em todo mundo como o “irmão dos pobres”, se recusou a reduzir a ação pastoral ao perímetro da sacristia. Preocupado com os problemas sociais, lança-se com impressionante entusiasmo ao tra-balho assistencial, já que, para ele, enfrentar os problemas sociais e engajar-se na luta do povo por melhores condições de vida, não era mais que con-seqüência de sua radical opção religiosa.

De início, o jovem padre defendia a instauração de um Estado forte, centralizado e autoritário, a

exemplo do fascismo de Mussolini, mas sua atuação religiosa e política, levou-o ao

desencantamento com o Integralismo, e o fez abraçar, como ele mesmo cos-tumava afi rmar, a ideologia do Hu-manismo Integral, infl uenciado pelo livro homônimo do intelectual cató-lico Jacques Maritain (Humanismo Integral: uma visão nova da ordem cristã, 1945).

No longa-metragem do-cumentário Dom Hélder

- O santo rebelde (de Erika Bauer), exibido dia 24/04 no Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ (que patrocinou o lança-mento do fi lme), essa

fase é discutida. “O fi lme minimiza bastante

a razão para essa opção, embora, implicitamente, a

culpa acaba sendo deposita-da na visão católica da época.

Quem teve a oportunidade de ler textos de Dom Hélder, da década de 1930, percebe uma outra pessoa, bem diferente da que chegamos a conhecer de-

pois. É uma dimensão interes-sante, porque ele foi capaz de se

reinventar a partir da sua ex-periência de mundo”, analisa Maurício Lissovsky, professor do Departamento de Expres-são e Linguagens da Escola de

Comunicação da UFRJ.Aos poucos, cada vez mais

setores católicos abandonarão os laços com o Integralismo e iniciarão uma lenta trajetória em direção às organizações sociais e à luta por uma ordem social mais justa. Essa linha de pensamento e intervenção pas-toral contribuiu para a ação política-religiosa do padre Hélder, principal agente de reorganização da Ação Católi-ca Operária (ACO) e do reco-nhecimento ofi cial dos mo-vimentos especializados da Igreja, como a Juventude

Estudantil Católica. Em 1952, funda a Con-

ferência Nacional

dos Bispos Brasileiros (CNBB), que terá importante papel nas defi nições de rumo da Igreja Católica brasileira nos anos seguintes.

Persona non grataAinda na década de 1960, durante o regime mi-

litar, a sua ação a favor da justiça e da democracia incomodam bastante os militares. Apesar dos pro-blemas, porém, foi nomeado, em abril de 1964, ar-cebispo de Olinda e Recife (PE), onde permaneceu por 20 anos. Em pronunciamento público, ousado, Dom Hélder alçava a voz em defesa das amplas parcelas marginalizadas da nossa sociedade: “no julgamento fi nal, nós todos seremos julgados pelo tratamento que tivermos dado a Cristo, na pessoa dos que tem fome, tem sede, andam sujos, machu-cados e oprimidos”.

Quixote solitário, sem qualquer Sancho Pança, inquietava a muitos o seu desejo de independência política, que se apoiava numa leitura personalíssi-ma das diretrizes das encíclicas sociais do Papa João XXIII e do Concílio Vaticano II. “Dom Hélder tinha a capacidade do administrador moderno, com uma responsabilidade ampla, mas sabendo transferir autoridade a diferentes setores. A sua atitude de ho-mem-articulador deixou marcas na Igreja universal e causou confronto com os militares. No Concílio Vaticano II chegou como um desconhecido, mas conseguiu se destacar”, conta Marina Bandeira, se-cretária de Dom Hélder na Ação Católica.

Diante de seu engajamento social e de sua pos-tura contestatória, os militares reagem e acusam-no de demagogo e comunista, o que, evidentemen-te, não era. Torna-se persona non grata ao regime. No entanto, a fi rmeza de suas posições contra a repressão, dava aos familiares de presos políticos alguma esperança, o que, naqueles tempos de sombras, estava longe de ser comum. Procuravam-no pedindo ajuda para livrar prisioneiros, localizar pessoas desaparecidas, entre outras ações. “Dom Hélder é uma personagem da minha história fa-miliar. Meu tio veio de Pernambuco para o Rio de Janeiro, fugindo do golpe militar e antes de chegar em casa passou na Arquidiocese para perguntar a Dom Hélder se era para resistir com armas”, re-lembra Maurício Lissovsky.

Reforçando a opção de Dom Hélder pelos mé-todos e práticas pacífi cas de luta contra a ditadura militar, Marina afi rma que “ele pregava, o tempo todo, a não-violência, mesmo em momentos onde, a Igreja, já se encontravam pessoas a favor de uma reação mais forte contra a violência implantada pelos militares”.

Símbolo de resistênciaA defesa de presos políticos, inclusive com visi-

tas políticas importantes às cadeias, tornou-se cada vez mais inaceitável para o regime militar que insistia em negar as evidentes, corriqueiras e insti-tucionais práticas de tortura. Dom Hélder foi difa-mado, ameaçado e censurado. Proibido de falar no Brasil, passa a aceitar os numerosos convites para conferências e sermões no exterior. Não sendo atingido diretamente, padre Antônio Henrique, um de seus principais colaboradores, é assassinado, em 1969. Amigos e pessoas próximas estavam sob constante risco, mas, mesmo assim, Dom Hélder continuou a denunciar publicamente os abusos aos direitos humanos, no exterior ou onde quisessem ouvi-lo.

A coragem o transforma paulatinamente em um dos símbolos de resistência à ditadura. Em 1970, é lembrado, pela primeira vez, ao Prêmio Nobel da Paz, mas a diplomacia brasileira, do governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), moveu campanha difamatória na imprensa norueguesa. Embora lembrado nos três anos seguintes, e, apesar das indicações unânimes, jamais foi contemplado com a distinção.

DomHelde

rdap

az