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O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA. DESLOCALIZAÇÃO E EMERGÊNCIA DE NOVOS TERRITÓRIOS 1 HEITOR GOMES 2 Palavras-chave: Indústria, reestruturação e deslocalização industrial, Área Metropolitana de Lisboa, desenvolvimento periférico. Resumo A falência do modelo fordista, associada às importantes mudanças sociais e político–institucionais sentidas durante a década de setenta em Portugal, conduziram a importantes transformações do tecido industrial da Área Metropolitana de Lisboa (AML), facto também indissociável dos mecanismos de reestruturação das economias metropolitanas dos países capitalistas no contexto da globalização. A investigação desenvolvida procura constituir um contributo para o estudo do processo de reestruturação industrial da AML, procurando primacialmente discutir os paradigmas espaciais surgidos nos últimos anos resultantes da emergência de novos modelos territoriais, suportados em novas estruturas de organização económica do espaço, que se caracterizam por movimentos tendentes de deslocalização e expansão periférica do sector produtivo. Por fim, considerando todo o conjunto de transformações recentes, procura-se modelizar a estrutura industrial metropolitana em finais do séc. XX, que se tornou inquestionavelmente mais complexa e dispersa espacialmente, não só devido à reconversão e surgimento de novos espaços (um dos efeitos mais visíveis da deslocalização de actividades), mas sobretudo pela intensa teia de relações que actualmente são estabelecidas entre os vários territórios intra e supra-metropolitanos. 1 Publicação no âmbito da investigação desenvolvida numa Dissertação de mestrado em Geografia Humana e Planeamento Regional e Local, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2001, sob a orientação do Prof. Dr. Mário Vale, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Programa PRAXIS XXI; do projecto de investigação “Divest – Desinvestimento e Impactes Económicos, Sociais e Territoriais” (Projecto POCTI/34037/GEO/2000 - FCT); do British Council e do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional. 2 Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras – Cidade Universitária. 1699 Lisboa Codex Tel. 217940218 Fax. 217938690 [email protected]

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O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL

NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA.

DESLOCALIZAÇÃO E EMERGÊNCIA DE NOVOS TERRITÓRIOS1

HEITOR GOMES2

Palavras-chave: Indústria, reestruturação e deslocalização industrial, Área Metropolitana de Lisboa,

desenvolvimento periférico.

Resumo

A falência do modelo fordista, associada às importantes mudanças sociais e político–institucionais sentidas

durante a década de setenta em Portugal, conduziram a importantes transformações do tecido industrial da Área

Metropolitana de Lisboa (AML), facto também indissociável dos mecanismos de reestruturação das economias

metropolitanas dos países capitalistas no contexto da globalização.

A investigação desenvolvida procura constituir um contributo para o estudo do processo de reestruturação

industrial da AML, procurando primacialmente discutir os paradigmas espaciais surgidos nos últimos anos

resultantes da emergência de novos modelos territoriais, suportados em novas estruturas de organização

económica do espaço, que se caracterizam por movimentos tendentes de deslocalização e expansão periférica do

sector produtivo.

Por fim, considerando todo o conjunto de transformações recentes, procura-se modelizar a estrutura industrial

metropolitana em finais do séc. XX, que se tornou inquestionavelmente mais complexa e dispersa espacialmente,

não só devido à reconversão e surgimento de novos espaços (um dos efeitos mais visíveis da deslocalização de

actividades), mas sobretudo pela intensa teia de relações que actualmente são estabelecidas entre os vários

territórios intra e supra-metropolitanos.

1 Publicação no âmbito da investigação desenvolvida numa Dissertação de mestrado em Geografia Humana e Planeamento Regional e Local, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2001, sob a orientação do Prof. Dr. Mário Vale, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Programa PRAXIS XXI; do projecto de investigação “Divest – Desinvestimento e Impactes Económicos, Sociais e Territoriais” (Projecto POCTI/34037/GEO/2000 - FCT); do British Council e do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional. 2 Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras – Cidade Universitária. 1699 Lisboa Codex Tel. 217940218 Fax. 217938690 [email protected]

1. Efeitos Contraditórios do Processo de Reestruturação Industrial Metropolitana: das Áreas em Declínio

à Expansão Periférica

Os efeitos da crise económica que afecta o país durante os anos setenta evidencia fortes repercussões na

indústria, registando-se evoluções negativas simultaneamente nas indústrias pesadas e nas indústrias ligeiras,

sendo mais gravosa a evolução nos sectores que se encontravam em fim de ciclo, como as metalomecânicas e as

químicas pesadas. A implementação espacial destas actividades, concentradas principalmente no território

correspondente à AML, fez incidir num espaço restrito os efeitos negativos desta evolução, que se tornaram

económica e socialmente evidentes nos anos seguintes.

Num contexto de importantes mudanças económicas, político-institucionais e territoriais, o processo de

transformação do tecido industrial da região metropolitana de Lisboa é também indissociável da reestruturação

que as economias metropolitanas conhecem desde a falência do modelo fordista e da emergência dos efeitos da

globalização da economia mundial, que nos últimos anos têm ganho protagonismo.

No seu conjunto, a conjugação destes factores contribui para que os efeitos na estrutura industrial se façam sentir

de forma diferenciada no território intra-metropolitano e periferia, resultando em alterações visíveis na

distribuição e organização do mapa territorial e sectorial da indústria, que continuam a operar-se na actualidade.

Efectivamente, em função da complexidade das transformações ocorridas, a região metropolitana é marcada pela

desindustrialização de algumas áreas e simultaneamente pelo dinamismo que outros territórios conhecem, tendo

como resultado a emergência de novos espaços produtivos. São os efeitos contraditórios do processo de

reestruturação industrial da Área Metropolitana de Lisboa.

A metamorfose do padrão territorial da indústria da AML começa a ganhar expressão com a crise económica dos

anos setenta. A falência de um modelo de desenvolvimento em que as economias de escala, as técnicas fordistas

de organização da produção e a produção em massa de grandes séries detinham um papel determinante fazia

surtir os seus efeitos em Portugal e muito particularmente na AML.

Os efeitos recessivos da crise são inicialmente sentidos nas grandes unidades da região, que correspondem aos

sectores mais afectados (construção e reparação naval, metalomecânica pesada, siderurgia e alguns ramos da

indústria química, em particular o sector adubeiro), mas rapidamente se propagam a muitas empresas em

sectores com expressão local, resultando no encerramento de significativo número de pequenas e médias

unidades, na redução de efectivos através de despedimentos por vezes maciços3, na suspensão ou atraso no

pagamento de salários4 e na descapitalização de várias empresas, criando grandes dificuldades ao esforço de

modernização e inovação. Acentua-se, perante este cenário, o antagonismo entre o capital e o trabalho, que

conduziu a uma onda de greves e paralisações dos trabalhadores que tiveram um forte impacte na região. Estes

3 Saliente-se neste contexto a diminuição dos efectivos na Lisnave, que entre 1977 e 1989 reduziu os postos de trabalho de 9700 para 3900, ou da Siderurgia, que só em 1989 dispensou mais de 1100 trabalhadores (VALE, 1999).

4 Em meados da década de oitenta, ao considerar-se o número de trabalhadores com salários em atraso no sector, em virtude das dificuldades financeiras das empresas, os distritos de Lisboa e Setúbal concentravam por si só 43% do total nacional, a maioria dos quais com origem na Península de Setúbal. No Porto encontrar-se-iam 13%, em Aveiro 12%, em Braga 8% e nos restantes distritos 24% (BAPTISTA, 1985).

factores encontram-se na base da multiplicação em cadeia das dificuldades sentidas na quase totalidade das

unidades do tecido industrial da área metropolitana. Nos primeiros anos da década de oitenta, o surto de

desemprego verificado neste território, com forte componente estrutural, vai afectar o potencial económico da

população residente, constituindo obstáculo maior à revitalização dos tecidos económicos locais, visto que a uma

certa tendência de “desindustrialização” de carácter estrutural ao nível do emprego, acrescem os impactes

negativos nas actividades do comércio e serviços, como resultado da redução do nível de consumo (ALMEIDA,

CHAMBEL, FERREIRA e TEIXEIRA, 1987).

Analisando a evolução do emprego industrial no contexto intra-metropolitano, a redução dos efectivos afecta a

generalidade dos concelhos, particularmente Lisboa e Vila Franca de Xira no norte (-58% no conjunto, entre

1985 e 1997) e Setúbal, Almada, Barreiro e Seixal, os concelhos mais industrializados do sul (-59% no mesmo

período) e também por isso os primeiros a conhecer os sinais de crise sentidos no seguimento dos efeitos da

grave recessão de âmbito internacional. Associados à diminuição do emprego industrial nestes concelhos,

encontram-se como principais factores, a procura de novas localizações em territórios mais periféricos e a

consequente reorganização dos espaços produtivos industriais na região.

Porém, nem todos os municípios se enquadram neste cenário de decréscimo. Paralela e consequentemente,

alguns concelhos sobressaem, neste contexto, pela dinâmica de ganhos líquidos do pessoal ao serviço industrial

durante o período analisado, aproveitando, principalmente, a abundância e custo de mão-de-obra; a

disponibilidade de solo industrial, a preços mais acessíveis nos seus territórios e a melhoria das acessibilidades

rodoviárias intra e inter-metropolitanas5. Encontram-se nesta situação os casos de Palmela, Moita e Sesimbra, na

margem sul, que reforçam a sua dimensão no emprego industrial em 167,9% (sobretudo devido ao efeito

AutoEuropa em Palmela)6 e Mafra, Sintra e Azambuja no norte, que em conjunto aumentam o seu peso

empregador em 11,5%. Em alguns casos, a AML tem representado igualmente um interesse crescente para o

5 ALVES e MADRUGA (1997), num estudo que procurou analisar o processo de reestruturação territorial-industrial que actualmente se desenvolve no país, realçam a preponderância pela forte incidência urbana e particularmente metropolitana dos processos de relocalização industrial, principalmente por parte de empresas jovens (com menos de 12 anos). São aferidos como principais factores da necessidade de relocalização a escassez de espaço físico necessário à expansão, devido às limitações subjacentes relacionadas com a valorização das mais valias imobiliário-fundiárias e a melhoria das acessibilidades, que permitem manter a proximidade em termos de distância-tempo dos grandes centros urbanos das áreas metropolitanas.

6 No caso da Península de Setúbal deve salientar-se igualmente como factor preponderante para a reestruturação industrial observada no espaço regional, a Operação Integrada de Desenvolvimento da Península de Setúbal. Com o objectivo principal de fazer face aos efeitos e forte impacto das crises de setenta na estrutura produtiva desta região, a implementação de um conjunto de políticas no sentido de modernizar o aparelho produtivo e estimular a inovação e desenvolvimento tecnológico no sector revelou-se fundamental para o surgimento de alguns investimentos produtivos em concelhos tradicionalmente com uma implementação industrial reduzida, considerado o contexto intra-regional. Tal acção contribuiu decisivamente para alterações no padrão territorial da indústria, que anteriormente se revelava bastante concentrado em alguns concelhos, principalmente no arco ribeirinho do Tejo, reforçando assim a tendência para um processo de reorganização do espaço industrial na margem sul do Tejo, cujos impactos sociais e económicos contribuíram para o reforço das vantagens competitivas desta região. Aprovada pela Comissão Europeia em 1988, o período de vigência vigorou entre 1989 a 1993, sendo a primeira iniciativa deste tipo no país. A sua implementação surtiu resultados muito positivos no que se prende com o desenvolvimento de algumas infra-estruturas (particularmente na implementação de parques e loteamentos industriais, sendo uma das principais razões para que na actualidade a Península de Setúbal se encontre melhor equipada que a AML Norte no que concerne a estas infra-estruturas), e que propiciaram as condições para a atracção de investimento privado no sector, em diversas escalas. Talvez um dos resultados mais visíveis da OID da Península de Setúbal tenha sido a escolha da Ford/Volkswagen para aqui instalar uma unidade de produção automóvel em 1991, após ponderadas diversas hipóteses ao nível europeu.

Para um maior desenvolvimento sobre objectivos e estratégias, veja-se CEDRU (1987) – Península de Setúbal – Operação Integrada de Desenvolvimento, Estudo Preparatório, Relatório da primeira e segunda fase. MEPAT, Lisboa.

Para um aprofundamento dos resultados gerados e avaliação do Plano, veja-se CESO I&D/ICS/NERSET (1994) – Avaliação da Operação Integrada de Desenvolvimento da Península de Setúbal. Relatório Final – Vol. I (Síntese-Resumo), Lisboa e FERMISSON, J. (1998) – Operação Integrada de Desenvolvimento da Península de Setúbal: Reflexos nas Estruturas Económicas e Emprego Regionais, Actas do V Encontro Nacional Emprego e Desenvolvimento Regional, APDR, Coimbra.

investimento de empresas industriais estrangeiras, na sequência das oportunidades criadas com o Mercado Único

Europeu7. Este investimento beneficiou particularmente a margem sul, com empresas como a Ford/Volkswagen,

a Delco-Remy, a Pioneer e a Ford Electrónica a instalar-se nesta região durante o período analisado (GASPAR,

HENRIQUES e VALE, 1998).

Contudo, o acréscimo observado nestes concelhos não se revela suficiente para compensar os decréscimos

registados nos restantes, registando a AML um saldo negativo total de 81266 trabalhadores na indústria

transformadora entre 1985 e 1997 (correspondendo a uma diminuição de 36,7%). A Península de Setúbal foi o

território mais afectado pelo processo de reestruturação, tendo perdido, durante o período em análise, 38,1% dos

postos de trabalho, reduzindo, consequentemente, a sua importância na estrutura industrial metropolitana de 31%

para 28,4%, entre 1985 e 1997.

Figura 1 – Variação do pessoal ao serviço industrial na AML, 1985-1997

Fonte: MTS

As repercussões sentidas com o processo de reestruturação, no que se refere ao emprego, são igualmente visíveis

nos estabelecimentos industriais, que conhecem durante o mesmo período uma evolução que tendeu para um

crescimento significativo do seu número.

Tal como é referido por FONSECA (1998), os efeitos das estratégias de resposta dos agentes económicos face ao

novo contexto económico e de regulação da economia mundial, que se impõe neste período, que procuram o

reforço das suas vantagens competitivas e simultaneamente tentam tirar partido das vantagens específicas que a

AML pode oferecer, não se resume apenas ao declínio do emprego industrial e recomposição territorial e

7 A este propósito, veja-se DUARTE (1994).

sectorial observada nesta região. A estrutura empresarial é marcada pelo reforço considerável das pequenas e

médias empresas, evoluindo a dimensão média dos estabelecimentos industriais de 35,5 trabalhadores em 1985

para 27,8 em 1991 e 19,4 em 1997 e pelo aumento do número de estabelecimentos industriais entre 1985 e 1997,

que se situou nos 15,3%.

Esta evolução é marcada por uma diferença considerável entre o norte e o sul da área metropolitana. No primeiro

caso, o aumento do número de estabelecimentos foi de 10,8%, enquanto que na Península de Setúbal

correspondeu a 35,4%8. Como resultado, a diminuição da dimensão média daquelas unidades sentiu-se com

maior incidência nesta sub-região (de 55,9 para 25,5), mas que continuou em 1997, tal como em 1985, a

apresentar um número médio de postos de trabalho por estabelecimento, superior à AML Norte, em virtude do

“gigantismo” de algumas unidades localizadas a sul do Tejo.

Os vectores fundamentais relativos a estas alterações resultam principalmente de três aspectos. Por um lado,

procura-se, através da segmentação produtiva e jurídica das grandes empresas, beneficiar de economias de escala

externas. Por outro, as pequenas empresas revelam-se mais flexíveis ao novo modelo económico que se

implementa no pós-fordismo, adaptando-se com maior facilidade a eventuais flutuações de mercado que possam

perigar a sua actividade. Por último, e no caso concreto da AML, muitas das pequenas empresas surgidas

resultam da necessidade da criação de auto-emprego, por parte de antigos trabalhadores desempregados das

grandes empresas da região, mas também da iniciativa de jovens à procura do primeiro emprego.

Mesmo considerando as alterações recentes, o emprego industrial encontra-se, em 1997, fortemente polarizado

no concelho de Lisboa. O pessoal ao serviço na indústria transformadora do município representaria ainda no

mesmo ano 18,6% do emprego regional do sector. Na AML Norte, salientam-se também o concelho de Loures

(inserido num eixo ao longo da margem ribeirinha norte do Tejo, que engloba ainda Vila Franca de Xira e

Azambuja), e o concelho de Sintra, que juntamente com a Amadora e algumas áreas de Oeiras perfazem também

um eixo industrial muito importante na região. Na Península de Setúbal, para além do concelho capital de distrito

e Palmela, que tem vindo crescentemente a polarizar um núcleo de importância sub-regional, o arco ribeirinho

corresponde a uma importante aglomeração industrial, porventura uma das mais significativas do país na

actualidade, mesmo considerando os impactes que as profundas transformações das duas últimas décadas aqui

fizeram sentir.

8 Este acréscimo significativo do número de estabelecimentos na Península de Setúbal é concordante com uma das estratégias propostas para a região no âmbito da OID da Península de Setúbal, que criou também alguns dos mecanismos necessários para que este desenvolvimento se operacionalizasse. Esta afirmação é reforçada com os resultados da avaliação da OID/PS, onde se refere que o investimento industrial apoiado no âmbito do SIBR incidiu claramente na criação de novas unidades (41,4% dos projectos e 94,3% do investimento total), enquanto que os investimentos dirigidos à expansão e modernização de empresas não ultrapassariam os 3,5% e 2,1%, respectivamente.

Figura 2 – Pessoal ao serviço na indústria transformadora na AML, 1997

Fonte: MTS

1.2. Reestruturação e Desenvolvimento Periférico

Os efeitos territoriais que o processo de reestruturação industrial surtiu não são somente visíveis no território

intra-metropolitano. Efectivamente, a diminuição do emprego industrial no território da área metropolitana, que

se faz sentir ao longo do período em análise, vai ser acompanhada pela relocalização de empresas para a sua

coroa periférica, aspecto que se revela como uma das principais imagens fortes resultante do conjunto de

alterações que temos vindo a analisar. Este “movimento territorial” vai de encontro, apesar de mais tardiamente,

à tendência que se operacionaliza na generalidade dos países de economia capitalista. No domínio da

desconcentração industrial da área metropolitana para a periferia, poder-se-á referir que o que acontece no caso

de Lisboa enquadra-se, com poucas diferenças, naquilo que os geógrafos industriais debatem entre as décadas de

setenta e noventa no que concerne à reestruturação industrial nos espaços metropolitanos dos países ocidentais.

As principais dessemelhanças residem, na verdade, no desfasamento temporal em que ocorrem estas alterações.

Analisando as variações da mão-de-obra industrial nos concelhos que integram a “cintura da AML”9,

verificamos que todos eles, com as excepções de Montemor-o-Novo, Alcácer do Sal, Cartaxo e Arruda dos

Vinhos, registam um acréscimo dos seus efectivos industriais. Em termos absolutos, o maior dinamismo

verifica-se em Alenquer, particularmente na área do Carregado, sendo também importante nos concelhos de Rio

Maior, Santarém, Benavente e Vendas Novas. A variação relativa aponta para os maiores dinamismos se

observarem em Benavente (956,2%), Salvaterra de Magos (296,9%) e Cadaval (172,3%). A análise destas

variações deve, porém, ser encarada com algumas reservas e ser complementada com a variação absoluta

9 Consideram-se para esta análise todos os concelhos que tem fronteira territorial com os municípios que integram a AML, perfazendo catorze no total.

(ganhos líquidos), visto que estes acréscimos acontecem sobretudo devido ao facto do emprego industrial nestes

concelhos em 1985 ser relativamente reduzido.

No cômputo geral, a evolução entre 1985 e 1997 saldou-se neste conjunto de concelhos, que designámos de

“cintura da AML”, por um acréscimo de 31,4%, valor, em termos relativos, bastante significativo face ao que

acontece em igual período no espaço intra-metropolitano no sector.

As principais circunstâncias que contribuem para esta evolução encontram-se principalmente relacionadas com a

disponibilidade local de mão-de-obra, a melhoria significativa das acessibilidades rodoviárias para a maior parte

destes concelhos, os preços do solo industrial consideravelmente mais acessíveis, a existência de determinados

mecanismos associados tanto a investimentos exógenos10, como também a empreendimentos endógenos e em

algumas situações o que se pode denominar de “marketing territorial industrial”, posto em prática por algumas

autarquias e pela iniciativa de vários operadores privados, que procuram explorar as mais valias emergentes com

as tendências de desconcentração.

Figura 3 - Evolução do pessoal ao serviço industrial nos concelhos da “cintura da AML”, 1985-1997

Fonte: MTS

O processo de relocalização de unidades de produção na coroa periférica da área metropolitana, particularmente

em alguns concelhos das Regiões Oeste e Médio Tejo, que continua, na nossa opinião, a intensificar-se, resultou

num saldo positivo de 3512 postos de trabalho entre 1985 e 1997 no total dos catorze concelhos considerados,

um valor, portanto, bastante inferior ao decréscimo que no mesmo período os municípios que compõem a AML

conheceram (correspondente apenas a 4,3% das perdas totais).

10 Neste caso, a proximidade da capital do país, a facilidade de acesso à informação e simultaneamente a disponibilidade de solo e de mão-de-obra a preços favoráveis, têm contribuindo para atrair iniciativas tanto de capital nacional, como estrangeiro. Tal como é referido por FERRÃO (1988), que detecta esta tendência já na década de oitenta, a maior parte destes casos corresponde a movimentos de irradiação a partir de Lisboa, por um lado, mas também a estratégias de aproximação à cidade de Lisboa desencadeadas por investidores de regiões mais marginais, por outro.

As alterações observadas no emprego são acompanhadas por importantes mudanças no número de

estabelecimentos industriais e consequentemente na dimensão média dos mesmos. De um modo geral, as

incidências do processo de reestruturação industrial não diferem muito das que analisamos anteriormente para a

área metropolitana, observando-se um acréscimo do número de unidades entre 1985 e 1997 em todos os

concelhos da “cintura”, em termos relativos, superior ao da AML. Apesar do aumento do emprego, a dimensão

média dos estabelecimentos diminuiu em quase todos os municípios, reflectindo, tal como no espaço

metropolitano, os efeitos das estratégias de resposta dos agentes económicos em relação às mudanças contextuais

da economia dos países capitalistas, já anteriormente referidos na análise às transformações da indústria

metropolitana.

O tecido empresarial é reforçado significativamente por PME’s e micro-empresas, evoluindo a dimensão média

dos estabelecimentos de 23,6 efectivos em 1985 para 19,3 em 1997, enquanto que o aumento do número de

unidades se vai situar em 48% em igual período, com algumas diferenças marcantes no território intra-regional.

Com efeito, uma análise mais desagregada permite verificar que em alguns concelhos a dimensão média das

unidades industriais é reforçada neste período, devido, principalmente, à localização de uma ou várias unidades

de grande dimensão e consequentemente importância para a sua estrutura industrial, visto que o aumento das

PME’s e micro-empresas é marcante em todo o território analisado.

No cômputo geral, ao confrontarmos a evolução patenteada pela AML e este conjunto de concelhos, podemos

referir que o aumento do número de estabelecimentos, mais significativo na periferia, se deve, para além dos

aspectos relacionados com o acréscimo absoluto do emprego, a um maior dinamismo endógeno de criação de

empresas e simultaneamente de atracção de investimento exógeno, particularmente de algumas grandes empresas

situadas no espaço intra-metropolitano.

Considerando todo o conjunto de alterações recente, o pessoal ao serviço na indústria transformadora na “cintura

da AML”, não apresentando o peso significativo do território metropolitano, conheceu um acréscimo importante

nos últimos anos, concentrando-se em 1997 maioritariamente nos concelhos periféricos da Região Oeste e

Lezíria do Tejo, destacando-se Santarém, Torres Vedras e Alenquer, municípios que beneficiam particularmente

da sua posição estratégica e proximidade de importantes eixos rodoviários.

Em termos conclusivos, deve referir-se que o desenvolvimento industrial periférico estudado resultou, entre

outros aspectos, da desconcentração metropolitana de algumas empresas, que procuram, por diversas razões,

uma melhor localização no contexto da Região de Lisboa, assim como de novos investimentos endógenos e

exógenos (principalmente de grandes empresas).

Este processo de desconcentração das unidades industriais, que não compensou minimamente as perdas da AML

é, contudo, mais complexo, englobando outras regiões mais distantes, como foi referido, mas que não é possível

medir estatisticamente. Determinadas fases do processo de “produção física” são descentralizadas, mantendo-se

as sedes em Lisboa ou na sua área metropolitana, acompanhando o que acontecia na Europa, em que as

economias de aglomeração, em função das melhorias nos transportes e comunicações e simultaneamente no

desenvolvimento das tecnologias de informação, permitem a segmentação da produção para regiões mais

periféricas, onde os custos de produção são mais baixos.

2. Modelização da Estrutura Industrial Metropolitana em Finais do Século XX

As profundas alterações sentidas, nos últimos dois decénios, no território de maior dinamismo económico do

país, repercutiram-se de forma diferenciada em termos inter-concelhios, como observado, mas também no

interior dos próprios concelhos, resultando daí diferentes mecanismos de resposta espacial ao conjunto destas

transformações. A figura 4 procura sintetizar os efeitos sentidos nos diferentes territórios da AML com o

processo de reestruturação industrial, numa perspectiva da sua organização tipológica.

Podemos, deste modo, diferenciar dois tipos de resposta às alterações dos dois últimos decénios, que geram

efeitos territoriais contraditórios. Por um lado, observa-se uma evolução no sentido da geração de “efeitos

positivos”, predominando nestes casos, principalmente, a manutenção ou acréscimo do emprego e número de

empresas industriais. Tais efeitos podem ser distinguidos a três níveis espaciais:

• Nas denominadas “áreas centrais metropolitanas”, particularmente em Lisboa, estes efeitos caracterizam-se

pela tendência de “terciarização industrial” do território, com o aumento do emprego relacionado com a

direcção e gestão, I&D, consultadoria jurídica e fiscal, publicidade e marketing, principalmente através do

desenvolvimento de empresas prestadoras deste tipo de serviços, substituindo grande parte do emprego

directamente relacionado com a produção que persiste no período pós-fordista.

As alterações enunciadas são naturalmente marcadas por importantes mudanças nas ocupações e estrutura

profissional dos trabalhadores industriais, que se repercute nos níveis de qualificações dos mesmos e num

maior equilíbrio entre homens e mulheres nas estruturas das empresas. Esta organização territorial, resultante

das sinergias latentes entre a indústria e os serviços de apoio à produção resultou pelo menos em alguns casos

na manutenção da importância que o sector industrial desempenha nestas áreas, apesar da sua influência não

poder ser comprovada com rigor, em virtude das limitações estatísticas existentes já referidas e de se tornar

uma vertente inúmeras vezes esquecida quando são analisados os processos de reestruturação industrial;

Figura 4 – Tipologia do território industrial metropolitano de Lisboa

Áreas de terciarização industrial“Escritórios industriais”

TERCIARIZAÇÃOTERCIARIZAÇÃO

Áreas industriais abandonadas

SUBSTITUIÇÃOSUBSTITUIÇÃO

REESTRUTURAÇÃO INDUSTRIAL METROPOLITANA

Efeitos PositivosEfeitos Positivos Efeitos PositivosEfeitos Negativos

Eixos de Expansão Industrial

INOVAÇÃO/RELOCALIZAÇÃOINOVAÇÃO/RELOCALIZAÇÃO

Áreas industriais em declínio

RECONVERSÃORECONVERSÃO

Áreas de industrialização periférica

DIFUSÃO/DESCONCENTRAÇÃODIFUSÃO/DESCONCENTRAÇÃO

Indústria difusa tradicional

RECONVERSÃO/ENCERRAMENTORECONVERSÃO/ENCERRAMENTO

Áreas Centrais Metropolitanas

Áreas Periféricas Metropolitanas

Cintura Metropolitana

Parques empresariais e de investigação

Adaptado de: CARAVACA e MÉNDEZ (1993)

• Nas “áreas periféricas metropolitanas”, aprofundam-se e consolidam-se os processos de difusão territorial na

direcção dos municípios localizados na coroa metropolitana, principalmente como resultado das melhorias

significativas observadas ao nível das acessibilidades. Em função destas melhorias, estruturam-se importantes

eixos industriais, organizados em torno das redes de transportes existentes, que na maioria das situações foram

incorporando de modo sucessivo municípios mais afastados do centro metropolitano, englobando tanto novas

empresas como também outras que relocalizam as suas unidades, comoé o caso, entre outros, do eixo Montijo-

Palmela e Azambuja.

Simultaneamente a esta tendência, o crescimento nos últimos anos das funções terciárias superiores,

principalmente em Lisboa, em consonância com a necessidade cada vez maior deste tipo de serviços para

apoio à actividade industrial, originou recentemente um novo tipo de espaço económico, com características

marcadamente metropolitanas. Estes espaços, geralmente denominados como “Parques Empresariais” ou

“Parques Tecnológicos”, derivam também de uma desconcentração forçada destas actividades, como resultado

da escassez e especulação de solo e infra-estruturas imobiliárias nas áreas centrais e das deseconomias de

aglomeração, assim como da crescente presença na AML de empresas multi-estabelecimento com unidades

não produtivas, se bem que este último aspecto com menor importância nesta dinâmica.

Apesar de em alguns casos a relação destes espaços com o sector industrial ser diminuta, visto acolherem

fundamentalmente empresas de variados serviços, não deixa de ser importante realçar o desenvolvimento deste

novo modelo territorial, em virtude da cada vez mais estreita relação entre os serviços e a indústria. A

existência de boas acessibilidades nas áreas mais centrais parece ser um elemento privilegiado para a

localização destes parques, cujo aparecimento na AML se encontra intimamente relacionado com o

desenvolvimento de iniciativas públicas centrais e locais, com o apoio de agentes privados.

Parque de Ciência e Tecnologia de Oeiras (PCTO), mais conhecido como TagusPark, localizado no concelho

de Oeiras, é claramente o caso de maior sucesso na região de estudo. Criado e desenvolvido através de um

investimento local (Câmara Municipal de Oeiras) e estatal, suportado parcialmente pelos fundos comunitários,

mas também por investidores privados (bancos e outras instituições ligadas às finanças), este parque

tecnológico teve como principal objectivo na sua concepção abranger espaços de desenvolvimento para a

comunidade científica da Região de Lisboa e para a instalação de unidades empresariais privadas, procurando

explorar as potenciais sinergias resultantes do entruzamento entre as várias instituições presentes. A funcionar

desde 1994, o PCTO ocupa uma área de sensivelmente 300 hectares, albergando actualmente (Setembro de

2000) 110 empresas ligadas às tecnologias da informação, telecomunicações, electrónica e multimédia. O

centro de inovação empresarial engloba ainda uma área incubadora para pequenas empresas e um espaço para

PME’s baseadas em tecnologia.

Além dos meios de trabalho de que os utilizadores dispõem, o parque oferece um conjunto de infra-estruturas

de lazer consideráveis para as quatro mil pessoas que ali trabalham (bares, restaurantes, agências bancárias,

“health club”, agência de viagens e um clube desportivo). Para além das indústrias e instituições que o PCTO

engloba, prevê-se igualmente a construção de um campo de golfe, de uma urbanização com cerca de dois mil

fogos e de uma unidade hoteleira11. Nos aspectos que directamente se relacionam com a temática em

discussão, saliente-se também a localização, no parque, do Instituto Português da Qualidade (IPQ), do Instituto

de Superior de Engenharia (ISE)12, onde é leccionado o curso de Engenharia Industrial e do INETI (Instituto

Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial).

Alguns autores (GASPAR, HENRIQUES e VALE, 1998) consideram que o TagusPark não regista actualmente um

impacte significativo na economia regional de Lisboa, mas que pode ser ultrapassado a longo prazo se os

critérios de admissão de empresas forem mais rigorosos, indo de encontro aos pressupostos de funcionamento

de um parque tecnológico. Estamos, porém, perante um importante espaço de inovação na AML, resultado do

processo de reestruturação económica nesta região e que originou mais valias para a actividade industrial;

• Na “cintura metropolitana” os efeitos positivos do processo de reestruturação resultaram fundamentalmente no

crescimento do emprego e empresas industriais, por vezes de forma espectacular e que em alguns casos

poderão estar próximos de sistemas produtivos locais (alguns territórios da Região Oeste e Pinhal Litoral).

Noutras situações, estes espaços de dinamização industrial resultam de uma industrialização funcionalmente

dependente do sistema produtivo metropolitano (de que talvez o melhor exemplo seja Vendas Novas e em

parte o Carregado e Benavente). Apesar do fenómeno de industrialização endógena também ser aqui

identificado, este não regista a importância dos factores exógenos neste processo. Este modelo é claramente

assente na difusão/desconcentração da actividade industrial metropolitana, mas que apresenta características

11 A filosofia subjacente à origem deste parque tecnológico e a maioria das suas características encontram paralelo nas experiências desenvolvidas em outros países europeus como uma das respostas à crise do modelo fordista e ao desenvolvimento de novos modelos territoriais.

12 O ISE não é o único estabelecimento de ensino superior instalado no TagusPark, encontrando-se aqui várias universidades privadas (como a Universidade Atlântica), prevendo-se igualmente a curto prazo a instalação de um pólo universitário do Instituto Superior Técnico (IST), de um outro do Instituto Superior de Gestão (ISG) e de alguns departamentos da Universidade Técnica de Lisboa.

distintas das “áreas metropolitanas periféricas”, existindo em algumas situações um contacto muito próximo

com o mundo e a actividade rural.

Por outro lado, podem ser identificados um conjunto de “efeitos negativos”13 na operacionalização da

reestruturação industrial na AML e periferia, que resultam, na maior parte das situações, em perdas líquidas de

postos de trabalho industriais. Tais efeitos podem ser igualmente visíveis nos três níveis espaciais anteriormente

descritos:

• Nas “áreas centrais metropolitanas”, as principais externalidades negativas do processo de reestruturação

resultam no abandono destes territórios por parte da generalidade das empresas industriais aqui localizadas, no

que corresponde ao aprofundamento do observado em décadas anteriores. Alguns destes espaços são

submetidos a processos de degradação e até mesmo vandalização, resultando na formação de “enclaves

urbanos”, cuja solução para as suas situações ainda não foi encontrada, deteriorando a imagem da sua área e

dificultando a sua recuperação.

Em alguns casos, em empresas ainda em laboração, mas actualmente inseridas no tecido urbano, observam-se

conflitos latentes de interesses entre empresários industriais e operadores imobiliários, que procuram obter as

mais valias resultantes da venda do solo para uma rápida substituição por usos intensivos (residencial,

comércio e serviços), com os sindicatos, preocupados na manutenção dos postos de trabalho e funcionamento

das empresas. Na AML, o caso mais visível prende-se com o Estaleiro da Lisnave e o projecto de urbanização

da Margueira (conhecido como a “Manhanthan de Cacilhas”), que prevê a substituição de grande parte dos

terrenos pertencentes a esta empresa pela construção de edifícios para residências de elevada qualidade,

escritórios e comércio qualificado, que muita polémica tem levantado nos últimos anos, pelas razões

apontadas14.

As populações residentes na proximidade destes espaços são também um actor interessado neste processo,

optando geralmente pela substituição ou requalificação do uso industrial, em função não só dos inconvenientes

resultantes das actividades industriais (principalmente a poluição), mas sobretudo da melhoria ao nível dos

equipamentos públicos que podem resultar desta alteração.

Contudo, e particularmente no caso concreto da AML, a maioria dos espaços industriais abandonados é

marcado pela substituição do seu uso, mormente para espaços de recreio/lazer, habitação, comércio e serviços,

ou na reconversão em parques empresariais15. O caso mais mediático e que resultados mais visíveis surtiu na

área de estudo foi claramente o projecto de reabilitação urbana da Expo’98. Abrangendo uma área de

sensivelmente 330 hectares na frente ribeirinha oriental de Lisboa, a realização da última exposição universal

13 A denominação de “efeitos negativos” no contexto desta análise refere-se à actividade industrial, visto que alguns destes efeitos gerados com o processo de reestruturação industrial, pelo menos nas “áreas centrais” metropolitanas, podem ser considerados como positivos numa análise global.

14 O Estado tem-se revelado um actor privilegiado na resolução deste processo, cujos contornos parecem estar longe de ser resolvidos, mas que parecem encaminhar-se no sentido da concretização deste projecto a médio prazo.

15 De que talvez o melhor exemplo seja a Quimiparque, no Barreiro, ocupando uma área de 300 hectares na frente ribeirinha ocidental do concelho. Encarado como um caso de sucesso em processos de reconversão, aqui localizam-se cerca de 270 empresas, desde um hipermercado a pequenas empresas de artes gráficas, empregando actualmente cerca de 6500 trabalhadores, um volume de emprego semelhante ao que a Quimigal detinha antes do seu processo de reestruturação (GASPAR, HENRIQUES e VALE, 1998).

do século XX representou uma excelente oportunidade para a recuperação de uma das áreas industriais mais

degradadas da cidade, transformando-a num dos espaços da capital e região envolvente mais frequentados na

actualidade como zona de fruição de lazer16 e onde se estão a localizar actualmente sedes de várias empresas

nacionais públicas e privadas e também multinacionais, assim como vários ministérios e outros orgãos do

Estado, como é o exemplo do Conselho de Ministros.

A excessiva valorização de muitos destes espaços e especulação imobiliária que daí surgiu, resultou em

algumas situações na expulsão dos grupos sociais anteriormente residentes, incapazes de suportar este

processo de forte valorização;

• Como “vertente negativa” resultante da reestruturação industrial nas “áreas periféricas metropolitanas”, apesar

da importância diminuta no mesmo processo, alguns espaços industriais, com uma actividade baseada

principalmente em sectores obsoletos e nos mais atingidos pela crise do fordismo, entram em declínio,

originando situações de reconversão da sua base industrial, mas que nem sempre foram conseguidos. Tal como

nas “áreas centrais metropolitanas”, alguns destes espaços encontram-se degradados e vandalizados, sem

soluções previsíveis a curto prazo, e outros, em menor número, foram alvo de processos de substituição de

usos, principalmente residencial;

• Os “efeitos negativos” gerados na “cintura metropolitana” apresentam características de implementação

territorial distintas das anteriores áreas, pois o seus efeitos são na maior parte dos casos mais visíveis ao nível

da empresa do que em territórios específicos. As empresas que se enquadram nesta situação caracterizam-se

actualmente por ser pouco capitalizadas, dispondo de poucos trabalhadores. Evidenciam uma escassa divisão

interna do trabalho, dominando claramente as tarefas de produção directa sobre as funções não produtivas,

com trabalhadores pouco qualificados e emprego em condições precárias. Predominam os sectores

tradicionais, como a madeira e mobiliário, o têxtil, vestuário e calçado, nas condições anteriormente referidas,

produzindo em alguns casos para outras empresas, integradas em processos de subcontratação. Parece-nos que

muitas destas empresas estão condenadas a médio prazo a um processo de reconversão ou mesmo

encerramento, em virtude da pouca competitividade que apresentam na estrutura industrial regional e mesmo

local.

Como foi possível verificar, a combinação dos múltiplos processos de organização industrial que actualmente

ocorrem na AML encontram-se em mutação constante e as alterações dos dois últimos decénios originaram um

novo modelo territorial na indústria, comparável com o que é implementado nas regiões metropolitanas dos

países da Europa Ocidental. Para além dos impactes resultantes na estrutura económica e social, saliente-se

também as modificações na morfologia e urbanismo induzidas nas cidades e concelhos que constituem a AML,

particularmente nas suas áreas centrais (GOMES, 2000), com o desaparecimento de algumas unidades de média e

grande dimensão, que maior desenvolvimento tiveram no “período dourado” português.

16 Os efeitos no território e estrutura urbana de Lisboa resultantes da Expo’98 foram naturalmente muito mais vastos dos que aqui se enunciam. Por essa mesma razão, e considerando o objectivo central desta investigação, para um maior aprofundamento remetemos para as várias publicações sobre esta temática, mormente RATO (1998).

Considerando todo o conjunto de transformações recentes enunciadas, parece-nos que a modelização da estrutura

industrial metropolitana em finais do século XX se tornou inquestionavelmente mais complexa e dispersa

espacialmente, não só devido à reconversão e surgimento de novos espaços, mas sobretudo pela intensa teia de

relações que actualmente são estabelecidas entre os vários territórios analisados (figura 5).

Figura 5 – Sistema industrial metropolitano resultante do processo de reestruturação

Neste modelo territorial, Lisboa continua a desempenhar a função de centro regional de direcção e decisão.

Apesar da significativa diminuição do emprego industrial que ocorreu neste período, a capital destaca-se

actualmente pela localização de um elevado número de sedes de empresas do sector, tanto no contexto

metropolitano (64%), como mesmo ao nível nacional (42%), evidenciando igualmente um significativo potencial

na relação entre os serviços e a indústria, situando-se aqui as empresas e sectores mais importantes e raros nos

serviços de apoio à produção (“terciarização industrial”). A relação com o poder económico e político-

institucional é muito forte, tornando-se num dos aspectos que mais contribuem para o protagonismo da capital na

estrutura industrial metropolitana.

Identificam-se quatro áreas ou extensões de importância sub-regional estruturante para a actividade. No caso do

arco ribeirinho da margem sul do Tejo, a indústria tem vindo a conhecer um importante processo de

reestruturação que se caracteriza pelo aumento de PME’s, decréscimo do emprego e diversificação sectorial, mas

onde ainda predominam os denominados “sectores maduros” e a indústria pesada metropolitana. É talvez o

território mais afectado pelas mudanças recentes, devendo nos próximos anos aprofundar o conjunto de

transformações que tem vindo a sofrer, caminhando na estagnação ou diminuição da sua importância industrial.

Ainda na Península de Setúbal, é possível identificar uma outra área de importância sub-regional no

contexto metropolitano, mas que contrariamente ao primeiro caso, emerge claramente na última década, sendo

marcada pela localização em Palmela da AutoEuropa. Este investimento originou uma importante bolsa de

dinamismo industrial no concelho, potenciando simultaneamente um importante corredor de desconcentração

industrial para fora da AML, na direcção de Vendas Novas, definindo mesmo um eixo industrial relevante para

Este. Com a sua implementação, foram também criadas sinergias territoriais com algumas áreas metropolitanas,

particularmente através da definição de um eixo industrial que se prolonga até ao Montijo, que se encontra em

fase de desenvolvimento, onde as empresas que directamente se encontram interligadas com a AutoEuropa têm

grande implementação. Palmela é um concelho que ainda apresenta um elevado potencial de expansão no sector,

suportado fundamentalmente pelo aumento do emprego nesta unidade previsto a curto prazo e pelos efeitos

directos e indirectos que as crescentes necessidades da AutoEuropa irão surtir nesta região.

Na AML Norte, uma outra área enquadrada nesta classificação corresponde sensivelmente ao eixo entre Lisboa e

Azambuja, incluindo a faixa ribeirinha até Vila Franca de Xira e a bolsa de dinamismo industrial identificada no

Carregado. É um território de fortes antagonismos, marcado pela diminuição e diversificação do emprego

industrial entre Lisboa e Vila Franca de Xira e simultaneamente pelo forte desenvolvimento identificado entre

Alenquer e Azambuja nos vários indicadores analisados, o que faz destes dois últimos concelhos, áreas de forte

potencial industrial, num movimento claro de desconcentração deste eixo para espaços cada vez mais afastados

do centro da área metropolitana.

O eixo compreendido entre a Amadora e Sintra, englobando alguns espaços dos concelhos de Oeiras e Cascais, é

um dos territórios que se afirmou com o processo de reestruturação industrial, onde se implementaram algumas

das empresas mais inovadoras da região, numa lógica de industrialização e metropolização similar entre as áreas

que constituem este eixo17. Localiza-se aqui provavelmente o Parque Tecnológico mais evoluído do país,

apresentando algumas sinergias com a actividade industrial. É um espaço que, estando um pouco

congestionando, apresenta tendências de expansão para Norte, acompanhando as melhorias induzidas nas

acessibilidades nos últimos anos, em que Sintra e Mafra apresentam um importante potencial como concelhos

metropolitanos de expansão na actividade.

Na coroa da área metropolitana, para além de Vendas Novas, como referido, evidencia-se um conjunto de

concelhos onde a expansão industrial dos últimos anos tende a continuar a afirmar-se, em função da

desconcentração territorial registada neste período, pelas razões atrás apontadas. São espaços que se revelam

17 A este propósito, veja-se COMISSÃO TÉCNICA INTERMUNICIPAL (1996) – A Actividade Económica Intermunicipal e a Importância dos Espaços Industriais/Empresariais na sua Estruturação e Equilíbrio, Câmaras Municipais de Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra.

como verdadeiramente alternativos para as necessidades futuras que a região venha a demonstrar no sector,

dispondo cada vez mais das características necessárias, como analisámos, não só para que as novas empresas,

como também as que se localizam actualmente em territórios mais centrais, aqui se venham localizar (apontam-

se na figura 6 os corredores privilegiados de desconcentração, no nosso entender).

Parece-nos, porém, que esta estratégia de desconcentração terá que ser acompanhada de medidas eficazes no

sentido de preparar as condições necessárias para estas empresas, particularmente no que se refere à

implementação de loteamentos e parques industriais com o suporte de apoio necessário, que apesar de melhorias

importantes durante este período, ainda se revelam bastante escassos e sobretudo mal equipados para o potencial

que a região apresenta18. Neste modelo, parece-nos que o desenvolvimento industrial da AML, encaminhando-se

claramente para um modelo similar ao das principais metrópoles internacionais, remete para as áreas exteriores

à AML as actividades mais intensivas em mão-de-obra, de maior poluição e com menor grau de

desenvolvimento tecnológico.

À semelhança do arco ribeirinho da margem sul do Tejo, parece-nos que, no contexto metropolitano, Loures e

Setúbal serão duas áreas marcadas por uma tendência para o decréscimo da importância da actividade industrial

na estrutura regional, exceptuando alguns focos pontuais localizados nos espaços intra-concelhios. São, de facto,

municípios onde para além do emprego ter diminuído consideravelmente, também não se evidenciam os

dinamismos demostrados pela generalidade dos concelhos da área de estudo e onde o processo de terciarização

maior crescimento tem conhecido nos últimos anos.

Em suma, parece-nos ressaltar como um aspecto fundamental em todo o processo de reestruturação, que a

implantação industrial fora das áreas metropolitanas pode assumir claramente o significado de uma

desconcentração, mas o que é mais marcante nas transformações recentes prende-se com o facto dos centros de

decisão, o efeito catalisador, o ambiente inovador e os serviços essenciais de ordem superior continuarem

concentrados no espaço metropolitano, particularmente na cidade de Lisboa. A decisão e o controle do processo

de valorização do capital parecem continuar concentrados territorialmente, com alterações não muito

significativas durante o período analisado.

O processo de reestruturação industrial da AML tem por base a transformação da estrutura organizativa e

tecnológica das empresas, a recomposição sectorial e o desenvolvimento de novos territórios industriais, assim

como a relocalização de algumas actividades para fora do espaço metropolitano, tendo como um dos efeitos mais

notórios o declínio do emprego industrial na globalidade da região. Sobressai, com efeito, em todo este processo,

a emergência de novos factores locativos, alterando-se nas duas últimas décadas o padrão espacial existente,

como analisado, e que tenderá, na nossa perspectiva, no aprofundamento do processo descrito.

18 O facto da procura de espaços infra-estruturados para acolher empresas industriais na década de oitenta ter sido superior à oferta então existente, revelou-se um factor importante para muitos municípios implementarem estratégias no sentido de dar resposta a estas solicitações, situação que se encontra reflectida na generalidade dos Planos Directores Municipais dos concelhos da Região de Lisboa. Porém, comparativamente à indústria metropolitana de outros países da Europa, a AML e território periférico encontram-se ainda consideravelmente desajustados neste domínio, apesar de este se revelar um aspecto importante para uma melhor organização territorial da indústria.

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