o processo de leitura do eja e os desafios que os...

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1 O PROCESSO DE LEITURA DO EJA E OS DESAFIOS QUE OS ALUNOS ENFRENTAM Marilu Andrade Santos Aluna do curso de Pedagogia Instituto Superior de Educação Vera Cruz Marília Costas Dias Orientadora RESUMO O artigo trata de uma pesquisa realizada com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da escola Ilha de Vera Cruz, localizada na zona oeste de São Paulo.O objetivo da mesma foi analisar a percepção acerca do significado da leitura na vida pessoas que se alfabetizaram na vida adulta. Entendendo-se que a história de vida de cada um desses alunos poderia contribuir de forma significativa para a compreensão de questões de leitura e letramento na EJA, optou- se por uma entrevista semi-estruturada. Os dados coletados demonstraram que o resgate das trajetórias de leitura desses alunos foi de suma importância para o fortalecimento, construção e resgate de identidade dos alunos da EJA. Palavras chave: Leitura, Educação de Jovens e Adultos, Letramento I INTRODUÇÃO Cada pessoa - criança, jovem ou adulto- deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o calculo, a solução de problemas) quanto os conteúdos básicos de aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessárias para que os seres humanos possam sobreviver desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentais e continuar aprendendo ... (BRASIL, 1990, art.1).

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1

O PROCESSO DE LEITURA DO EJA E OS DESAFIOS QUE OS ALUNOS

ENFRENTAM

Marilu Andrade Santos

Aluna do curso de Pedagogia Instituto Superior de Educação Vera Cruz

Marília Costas Dias

Orientadora

RESUMO

O artigo trata de uma pesquisa realizada com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da escola Ilha de Vera Cruz, localizada na zona oeste de São Paulo.O objetivo da mesma foi analisar a percepção acerca do significado da leitura na vida pessoas que se alfabetizaram na vida adulta. Entendendo-se que a história de vida de cada um desses alunos poderia contribuir de forma significativa para a compreensão de questões de leitura e letramento na EJA, optou-se por uma entrevista semi-estruturada. Os dados coletados demonstraram que o resgate das trajetórias de leitura desses alunos foi de suma importância para o fortalecimento, construção e resgate de identidade dos alunos da EJA.

Palavras chave: Leitura, Educação de Jovens e Adultos, Letramento

I INTRODUÇÃO

Cada pessoa - criança, jovem ou adulto- deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o calculo, a solução de problemas) quanto os conteúdos básicos de aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessárias para que os seres humanos possam sobreviver desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentais e continuar aprendendo ... (BRASIL, 1990, art.1).

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Esse trabalho tem como finalidade de refletir sobre o processo de aprendizagem da

leitura para jovens e adultos, considerando a importância de se discutir um dos maiores

problemas existentes no Brasil “O Analfabetismo”.

Como se falar, no entanto, de leitura quando uma grande parcela de pessoas mal

consegue cumprir o tempo mínimo de ensino? Qual o motivo que as leva a abandonar os

estudos ainda pequenos e retornar anos depois? Como entender qual o verdadeiro significado

da leitura na vida de pessoas adultas, que foram analfabetas por muito tempo? Essas e outras

perguntas me impulsionaram a buscar informações para a realização de meu Trabalho de

Conclusão de Curso.

Poder reviver minha própria história, já que venho de uma família de analfabetos,

impulsionou-me a querer compreender como os alunos do EJA se sentem diante das diversas

dificuldades apresentadas em relação à leitura. Nem sempre o que motiva o aluno do EJA a ler

é uma posição social e profissional, pois às vezes é somente a necessidade de decifrar simples

palavras como uma placa de rua, uma bula de remédio, ou o desejo de contar uma pequena

história aos seus netos.

Fazer um trabalho que diagnosticasse parte dessa realidade tornou-se fator importante

para mim como futura educadora. Dessa forma, parti em busca de informações que pudessem

complementar minhas reflexões e fundamentar o meu TCC, que tem por objetivo analisar o

significado da leitura na vida pessoas que se alfabetizaram na vida adulta.

A partir do objetivo proposto pelo presente estudo, optou-se por uma pesquisa

qualitativa, que permite ao pesquisador realizar uma atividade investigativa que mostre os

motivos que levaram os adultos ao analfabetismo e quais decisões os levaram a retornar aos

estudos já na fase adulta.

Nesta pesquisa a coleta de dados foi realizada com uma turma de alunos de uma sala

multisseriada, da escola Ilha de Vera Cruz1. Por meio de uma entrevista semi-estruturada

obteve-se informações que facilitaram a compreensão das lacunas deixadas na vida desses

alunos, que por algum motivo não desenvolveram o hábito da leitura no decorrer de suas

vidas, seja no âmbito escolar, seja no âmbito social e as razões pelas quais voltaram a estudar

para aprender a ler.

Esse levantamento de dados demonstrou que muitos adultos, incluindo os jovens com

mais de quinze anos e idosos, ainda não sabem ler e escrever (analfabetos) e que ainda

existem os chamados analfabetos funcionais (não conseguem fazer uso da leitura e da escrita

1 Ilha de Vera Cruz é um projeto de ação comunitária da Escola Vera Cruz que oferece Educação de Jovens e Adultos (EJA).

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com competência e autonomia).

ALFABETISMO x ANALFABETISMO

A UNESCO em 1958 promoveu discussão que ampliou a compreensão sobre o

analfabetismo, pois passou a considerar analfabetos todas as pessoas que não conseguissem

ler e escrever coisas simples. Foi somente em 1980 que se chegou ao conceito de

analfabetismo funcional, cujas pessoas mesmo sabendo ler e escrever coisas simples, não

apresentavam capacidades que pudessem satisfazer seu próprio desenvolvimento pessoal e

profissional. (RIBEIRO, 2001).

A preocupação com um processo de leitura, que permitisse aos alunos ampliar o

desenvolvimento de praticas básicas, necessário para uso do dia a dia, fez com que

pesquisadores, professores e demais profissionais ligados à área da educação prestassem mais

atenção ao assunto do analfabetismo.

A questão que envolve o acesso ou não de jovens e adultos a escolarização não é uma temática que se inaugura com a chegada do século 21, nem no Brasil e nem no mundo. Há pelo três séculos a humanidade se depara com a necessidade de maior acesso ao conhecimento sistematizado pela escola por parte da população jovem e adulta, em especial pela chamada população economicamente ativa, já que a partir do fortalecimento do Estado Liberal e do sistema capitalista que se vê a instituição escolar como uma forte aliada na preparação de mão de obra. (MACHADO, 2009, p.18)

Esse tema torna-se mais evidente quando se pensa em jovens e adultos que não

tiveram acesso à escola na época pertinente. São pessoas que estão no mundo do trabalho e,

muitas vezes, fora dele, e sem acesso ao conhecimento formal, sistematizado historicamente e

construído culturalmente. É dever, então, de toda sociedade defender a inserção do jovem e do

adulto na educação formal, como meio de garantir-lhes o exercício da cidadania.

Diante de um direito que sabemos ser garantido pela Constituição Federal e por leis

educacionais específicas, percebe-se que muito pouco se tem feito em favor do EJA, no Brasil,

principalmente em relação à qualidade de ensino oferecido a esses educandos.

Com as constantes transformações sofridas pela sociedade (internet, busca de mão de

obra qualificada e a exigência, cada vez maior, no mercado de trabalho) muitas dessas pessoas

percebem que já não basta apenas saber ler e escrever e que a possibilidade de uma

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transformação da própria condição social só será possível por meio da ampliação de seus

conhecimentos. Esse fator leva muitos jovens e adultos a se deslocam em busca de um

aprendizado (EJA).

E, nesse sentido, Foucambert (1994, p.25), Diz:

Uma ação centrada no analfabetismo é uma luta retardatária, pois o uso da escrita almejado por ela já não interessa a ninguém. As poucas utilizações, provisórias de escrita, adquiridas a duras penas pelos analfabetos, aos cursos noturnos, podem emocionar-nos no que elas revelam de angústia e altivez, esperança e vontade; podem emocionar-nos ainda mais, mas não tanto quanto as via crucis percorridas de joelhos...(FOUCAMBERT, 1994, p. 25).

Devido ao avanço tecnológico e a globalização, muitas indústrias passam a exigir mais

qualificação dos seus trabalhadores. As exigências, porém demonstram que os quadros de

funcionários das empresas, são compostos por pessoas com baixo nível de escolaridade,

dificultando assim, a interpretação de manuais e a certificação de qualidade dos serviços

necessários para manter as empresas no mercado competitivo. Dessa forma surge a

necessidade de qualificação do trabalhador.

O perfil do trabalhador do século XXI passa a exigir um profissional capaz de executar

diversas atividades como: operar máquinas, controlar a qualidade do produto, fazer pequenos

reparos nos equipamentos no qual trabalha, ter capacidade de tomar decisões e trabalhar em

equipe.

Diante desse fato muitas empresas que antes eram formadas, exclusivamente, por

trabalhadores braçais, se vêem obrigadas a exigir um grau de escolaridade mínima, incluindo

o ensino básico completo como elemento primordial para a contratação. As pessoas passam a

ser selecionadas por meio de seus currículos e isso faz com que haja uma busca incessante por

escolas que lhes permitam concluir o ensino fundamental e médio. No entanto, ensinar jovens

e adultos, a ler e escrever não é tarefa fácil, pois essas pessoas já trazem consigo experiências

distintas no campo social, familiar, de trabalho, de idades, religiões, sexo, etc.

Segundo Freire (2000, p. 19) o ato de ler não é simplesmente o processo de memorizar

sílabas, mas a capacidade de refletir criticamente o próprio processo de ler e escrever,

compreendendo o profundo significado da linguagem.

Para se alfabetizar jovens e adultos, o professor tem a função de ensinar a esses alunos

o significado da leitura e da escrita e qual a importância desses saberes para suas vidas. Ao ser

alfabetizado o educando alcança as mudanças necessárias, tornando-se cidadãos críticos,

conscientes do papel que exercem dentro da sociedade.

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Em dados apresentados pelo Instituto Paulo Montenegro, o processo de leitura é algo

indispensável para o desenvolvimento de qualquer pessoa e a leitura, em voz alta, pelos pais,

já nos primeiros anos escolares, podem influenciar os filhos, tornando-os também bons

leitores. (GALVÃO, 2003).

Deduz-se, então, que quanto mais cedo a criança tiver contato com a leitura e seus

contextos de usos, maior será a capacidade de usar a leitura e escrita em seu cotidiano, na vida

adulta.

No Brasil, entretanto, o que presenciamos são péssimos resultados estatísticos em

relação aos índices de analfabetismo e de analfabetos funcionais, produzidos pela

precariedade na educação brasileira e no baixo nível de qualidade de ensino.

Destacar os diferentes tipos de analfabetismo fez-se necessário para que o leitor possa

compreender cada etapa desse processo:)

-Alfabetismo nível rudimentar: Capacidade de localizar informações explicitas em textos curtos e familiares (anúncio ou pequena carta). Ler e escrever números usuais e realizar operações simples, como o manuseio de dinheiro para pagamento de pequenas quantias ou fazer uso de fita métrica. -Alfabetismo nível básico: Que ocorre com pessoas que são consideradas funcionalmente alfabetizadas e já lêem e compreendem textos de média extensão, localizam informações (mesmo que sejam necessárias pequenas inferências), lêem número das casas dos milhões e resolvem problemas resolvendo sequências simples de operação, além de ter noção de proporcionalidade, porém essas pessoas ainda apresentam certas limitações quanto as operações que apresentem maior número de elementos, etapas ou relações. -Alfabetismo nível pleno: Nessa etapa as pessoas já não apresentam nenhum tipo de dificuldade para compreender e interpretar textos longos, relacionando suas partes, comparando e interpretando informações, distinguem fatos de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto a matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráfico.(TIEPOLO, 2009, p.125)

LEITURA X CIDADANIA

Dê acordo com a Constituição Federal de 1998, todo e qualquer cidadão deve ter

acesso a educação. Por meio de seu art. 22 a Constituição diz que a educação básica tem por

finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o

exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos

posteriores. (BRASIL, 1998)

A lei de Diretrizes e Bases na educação brasileira (Lei nº9349/96) rege que todo

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cidadão tem direito a educação e que o Estado tem o dever de atender todos os brasileiros de

forma qualificada. (BRASIL, 1996)

No entanto, como dar um ensino de qualidade a essas pessoas que na maioria das

vezes nem sequer, possuem um emprego digno para sustentarem suas famílias. Concordamos

que deva haver um ensino de qualidade, mas que realmente vá ao encontro da necessidade

desses jovens e adultos.

Como querer que o indivíduo seja reconhecido como cidadão, sendo que muitos deles

se sentem coagidos diante de um mundo cada vez mais exigente de conhecimentos e

participação. Conhecimento esse que muitas vezes lhe é negado quando abandonam seus

estudos para ajudar no sustento da casa, ou quando a própria escola propõe atividades que não

faz parte da realidade desses alunos.

Como exigir que esses jovens e adultos tornem-se cidadãos ativos, sendo que cada vez

mais o entendimento e a interpretação da realidade tornam-se mais complexos.

O que se pode afirmar é que muitos esforços estão sendo feitos para que esses jovens e

adultos possam superar as mais diversificadas dificuldades, no entanto, ainda há muito a se

fazer, principalmente no campo da leitura, que remete ao ato de ler livros, jornais e revistas,

entre outros materiais escritos, não como uma simples decodificação, mas como uma

construção de sentido, que permite interpretar e refletir sobre os textos que fazem parte da

vida social.

Como diz Paulo Freire,

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. (FREIRE, 1996, p.77)

Segundo Soares (2003), o acesso ao mundo da escrita deve ser papel prioritário da

escola e de todo o processo que dentro dela ocorra “a escolarização”. Cabe tanto o papel da

aprendizagem de leitura e escrita “alfabetização”, quanto o desenvolvimento para além de

uma aprendizagem básica das habilidades, conhecimentos e atitudes necessários ao uso

efetivo e competente da leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvam a língua escrita

“ letramento”

Para Spozati, (2013) os baixos níveis de alfabetização, seja de crianças, jovens e

adultos, está ligada a uma questão invariavelmente da escola e ao fracasso escolar em

alfabetização. Da mesma forma que quando detectado qualquer dificuldade quanto ao uso da

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língua escrita ou ao desinteresse pela leitura, pensamos ser algum tipo de deficiência no

processo de escolarização, fracasso da escola no desenvolvimento de habilidades de uso social

da leitura e da escrita e de atitudes positivas em relação a leitura.

Porém muitas pesquisas e uma farta literatura demonstram que trata-se de algo amplo

e complexo. Com a intenção de melhor entender esse processo iniciamos na Wikipédia uma

busca no verbete que nos permitiram entender o verdadeiro significado de cada uma dessas

palavras.

Letramento – Nada mais é do que a ação de ensinar a ler e escrever. É o estado ou condição que adquire um grupo social ou um individuo como consequência de se ter apropriado da escrita. Alfabetização – Consiste no aprendizado do alfabeto e de sua utilização como código de comunicação.

Dessa forma, podemos dizer que Alfabetização e Letramento são, pois, processos

distintos, de natureza essencialmente diferente; entretanto são interdependentes e mesmo

indissociáveis.

Para Soares (2002), devemos acrescentar à ideia de letramento a condição de ser

letrado, ou seja, habilidades e competências próprias de quem exerce a função de ser letrado,

que permitem que estes indivíduos se insiram em uma sociedade letrada. Segundo a autora, o

contato com a língua escrita causa modificações cognitivas e sociais no individuo, no entanto,

esse será um assunto que discutiremos em outro momento nesse trabalho.

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Desde nossos primeiros anos de vida convivemos cercados de carinho dos membros da

família: pai, mãe, irmãos etc. Esse contato familiar torna-se responsável pelo que chamamos

de aprendizagem natural. Dessa forma quando a criança é encaminhada para a escola, leva

consigo, uma série de aprendizagens que o farão desenvolver, com maior rapidez, assuntos

relacionados à leitura e à escrita. Como ressalta Martins (2003, p.17):

Quando começamos a organizar os conhecimentos adquiridos, a partir de situações que a realidade impõe e da nossa atuação nela, quando começamos a estabelecer relações entre experiências e tentamos resolver os problemas que se apresentam, então estamos procedendo à leitura, as quais nos habilitam a ler toda e qualquer coisa.

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Mas será que somente o ambiente familiar é capaz de suprir todo nosso aprendizado?

Certamente que não. É também papel da sociedade e de todos os educadores refletirem

sobre os sujeitos que são excluídos do acesso aos bens culturais e entenderem como esse

processo ocorre, para solucionar o quadro do analfabetismo no Brasil.

Se pensarmos nas décadas de 1930, 1940 e 1950 logo entenderão que elas foram

marcadas por fracassos dos programas de alfabetização no Brasil, no entanto, na década de

1960 a EJA sofre mudanças no paradigma pedagógico com as contribuições de Paulo Freire

que destaca a relação entre a problemática educacional e social na medida em que o sujeito

pouco escolarizado, ou analfabeto, e oriundo da desigualdade social do país.

Com o golpe de 1964, os programas de alfabetização e educação popular passam a ser

assistencialistas e conservadores cabendo ao MOBRAL a responsabilidade de disseminar a

proposta do regime militar à situação de urgência do analfabetismo no Brasil.

É somente em 1980 que Emilia Ferreiro e sua equipe evidenciam a língua materna

sobre a escrita, fazendo com que surjam novas expectativas no campo de aprendizado.

Para Haddad (1997), outros fatores também passam a ser considerados determinantes

para o bom desempenho dos programas do EJA, entre eles, a união entre a educação de

adultos e o desenvolvimento social, a existência de condições crescentes de mobilização de

programas sociais paralelos que visam a melhoria de vida da maioria da população por meio

de distribuição de renda e o desenvolvimento sustentável da população, a extensão da

escolaridade infantil e a melhoria na qualidade da educação ofertada. Cabe-nos, destacar que

tudo isso só será possível se investirmos nos professores proporcionando-lhes melhores

condições de trabalho e melhor atendimento aos educandos, além de uma formação

continuada e significativa a todos os profissionais da educação (MOURA).

Sabemos que a Educação de Jovens e Adultos é um campo complexo, pois não

envolve somente questões pedagógicas, mas também fatores que vão além dos aspectos

educacionais. Essa modalidade de educação, mais do que o Ensino Regular, é reflexo da

desigualdade sócio-econômica em que se encontra grande parte da população brasileira.

Transformar esse quadro, no entanto, não significa apenas oferecer vagas em rede pública de

Ensino àqueles que não conseguiram concluir seus estudos por qualquer motivo. É necessário

que haja mudanças na estrutura social, econômica, política e cultural do país.

Segundo o Censo feito em 2010, a taxa de analfabetismo que foi de 9,6% para pessoas

de 15 ou mais de idade, caiu em relação a 2000 (13,6%). A maior redução ocorreu na faixa de

10 a 14 anos, mas ainda havia, em 2010, 671 mil crianças desse grupo não alfabetizadas

(3,9% contra 7,3% em 2000). Entre as pessoas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento

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ou com rendimento mensal domiciliar per capita de até ¼ do salário mínimo, a taxa de

analfabetismo atingiu 17,5% ao passo que na classe que vivia com cinco ou mais salários

mínimos foi de apenas 0,3% (IBGE, 2013).

· O Censo de 2010 aponta 13.933.173 pessoas que não sabiam ler ou escrever,

sendo que 39,2% desse contingente eram de idosos. Entretanto, a maior

proporção de analfabetos pode ser encontrado em municípios com até 50 mil

habitantes na região Nordeste; cerca de 28% da população de 15 anos ou mais.

Nessas cidades a proporção de idosos que não sabiam ler e escrever girava em

torno de 60%. Mediante essas estatísticas nos vemos obrigados a pensar no que

está escrito na Declaração de Hamburgo sobre a EJA: A educação de adultos

torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto

consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena

participação na sociedade (IBGE, 2013).

Já a Constituição Federal do Brasil, em seu art.205, incorporou como principio que

toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Retomado pelo

artigo 2 da LDB, este principio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um

universo de referencia sem limitações. Assim a educação de jovens e adultos é vista como

uma modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso a

Educação como bem social.

O artigo 208 quando menciona que o dever do Estado com a educação será efetivado

mediante a garantia de: Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada inclusive sua

oferta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria (BRASIL, 1988).

Por tratar-se de um direito, jovens e adultos podem exigir sob pena da lei que lhe seja

liberado vagas para que concluam o ensino fundamental. Nesses casos deve deferir

imediatamente obrigando às autoridades constituídas a decisão sem mais demora.

O artigo 37 diz que a EJA será destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Este contingente

plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente marcado pelo trabalho, é o

destinatário primeiro e maior desta modalidade de ensino. Muito já estão trabalhando, outros

tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho. Cabe aos sistemas de ensino

assegurar a oferta adequada, especifica a este contingente, que não teve acesso à escolarização

no momento da escolaridade universal obrigatória, via oportunidades educacionais

apropriadas. (LDB 9.394/96, Art. 37).

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É importante considerar que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos

anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores maduros, com

larga experiência profissional ou com expectativa de inserção no mercado de trabalho e com

um olhar diferenciado sobre as coisas da existência que não tiveram diante de si.

A EJA é um momento significativo de reconstrução de experiências da vida ativa, em

que os conhecimentos adquiridos em etapas anteriores da escolarização se fundem com os

conhecimentos escolares. É nesse momento que ocorre a validação do que se aprendeu fora

dos bancos escolares.

Mesmo com todos os avanços na aprendizagem de jovens e adultos, a Lei 4.155/98,

referente ao Plano Nacional de Educação, reconhece um quadro severo.

Os déficits do atendimento no Ensino Fundamental resultaram, ao longo dos anos, num grande número de jovens e adultos que não tiveram acesso ou não lograram terminar o ensino fundamental obrigatório. Embora tenha havido progresso com relação a esta questão, o número de analfabetos é ainda excessivo e envergonha o pais.(...) Todos os indicadores apontam para a profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades educacionais e a concentração de população analfabeta ou insuficientemente escolarizada nos bolsões de pobreza existentes no pais. (BRASIL apud MELO).

Com a necessidade de se inserirem no contexto social e econômico, os alunos do EJA

retornam a escola, porém, muitas das vezes, se deparam com situações que os desestimulam.

Exemplo disso é o simples fato de alguns professores não levarem em consideração seus

conhecimentos prévios, implantando conteúdos que fogem da realidade desses alunos.

Esses educadores, em sua maioria, implantam as mesmas atividades oferecidas às

crianças, os mesmos exercícios e formas de ministrar as aulas, provocando o desinteresse dos

discentes do EJA.

Diante desse contexto, percebe-se a grande necessidade de repensar a educação de

jovens e adultos, fazendo com que o professor fique ciente da diversidade cultural de cada

aluno, respeitando as experiências, reflexões e conhecimentos acumulados do mundo externo

que estão inseridos. Ao trazer os diversos saberes, esses alunos trazem também dificuldades e

habilidades diferentes, permitindo que eles acarretem maior capacidade de reflexão sobre seu

aprendizado.

Dessa forma o professor deve estar preparado para lidar com esse público

diversificado, levando em consideração as experiências vividas por esses estudantes.

O ato de ler não é simplesmente um processo de memorizar silabas, mas a capacidade de refletir criticamente o próprio processo de ler e escrever,

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compreendendo o profundo significado da linguagem. É a averiguação de como a leitura e a escrita proporcionam algum tipo de melhoria no usufruto dos bens oferecidos pela sociedade, como acesso a meios eletrônicos, ou uma simples ida ao cinema (que geralmente exige o uso da leitura), uso dos meios de transporte, etc. Em suma, está ligado ao uso que os educandos fazem da leitura em seu cotidiano. (FREIRE, 2000, p.19)

A partir da alfabetização esses alunos serão capazes de modificar o rumo de suas vidas,

uma vez que, aprender ler e escrever são os principais pontos de partida para os educandos

tornarem-se leitores críticos e conscientes de seu papel na sociedade.

A INVESTIGAÇÃO

Essa pesquisa foi desenvolvida na escola Ilha de Vera Cruz localizada na zona Oeste

de São Paulo. A escola funciona em período noturno onde a grande maioria destes alunos são

pessoas de baixa renda e que precisam trabalhar para manter sua família, tendo em vista que

muitos são casados.

Nossa intenção foi de ampliar o número de alunos entrevistados para o segundo

semestre, contudo, devido a compromissos assumidos, anteriormente, pela própria instituição

da EJA só nos foi possível entrevistar cinco desses educandos.

A coleta de dados deu-se por meio de entrevistas, as quais puderam ser gravadas com a

ajuda de um dos alunos da própria sala.

A autorização para as entrevistas veio por meio do coordenador e da professora da sala,

porém tal procedimento só foi possível realizar fora do período de aula.

“Vozes do EJA"

Esta pesquisa situa-se no campo dos estudos da Educação, mais especificamente no

debate sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Trata-se de uma Modalidade de Ensino

direcionada a atender aos excluídos pela sociedade e pela escola ao longo do tempo e que,

pelos mais variados motivos, não obtiveram a escolarização básica na idade considerada

apropriada.

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Por meio de entrevista semi estruturada com cinco alunos do EJA de uma escola da

zona noroeste de São Paulo coletou-se dados que deram subsídios para a escrita desse

trabalho. Trazer a tona situações vivenciadas por esses alunos, não só nos emocionou como

também nos fez refletir sobre as diversas situações que levaram esses educandos a abandonar

os estudos ainda na infância, retornando muito tempo depois, à escola, para concluir seus

estudos.

A trajetória de vida de uma pessoa que retorna aos estudos depois de adulta é bastante

peculiar, pois são homens e mulheres que trazem uma bagagem de crenças e valores

diferenciados.

As escolas para jovens e adultos recebem esses discentes com traços de vida, origens,

idades, vivências profissionais, ritmos de aprendizagem e estruturas de pensamentos

completamente variados. São pessoas que vivem no mundo adulto do trabalho, com

responsabilidades sociais e familiares, com valores éticos e morais formados a partir das

experiências adquiridas no ambiente em que estão inseridos.

Esses alunos são, na grande maioria, pessoas de baixo poder aquisitivo que consomem

apenas o básico para sua sobrevivência: aluguel, água, luz, alimentação etc.

As análises feitas comprovaram que muitos desses estudantes iniciaram sua vida

profissional ainda muito jovem, com o intuito de ajudar a família.

Enquanto realizava esse estudo remeti-me a um passado, muito distante, onde meus

avós sempre nos contavam das dificuldades enfrentadas por não saber ler e escrever. Meu avô

era posseiro e minha avó se ocupava de atividades domésticas. A vida sofrida dos dois nos fez

perceber (eu e minhas irmãs) que teríamos que estudar para que não viéssemos a passar pela

mesma situação. Lembro-me que por diversas vezes, os via colocar os dedos sobre um papel,

como forma de assinatura de algum contrato firmado.

O caráter investigativo dessa atividade trouxe-nos um conjunto de informações que

nos permitiu compreender os sentidos e significados do processo de leitura na vida desses

estudantes.

Na entrevista feita com os alunos do EJA foram levantados vários questionamentos

sobre a leitura de cinco materiais (jornais, revistas, livros em geral, livros de cunho religiosos,

página da internet).

Quando questionados isoladamente sobre a leitura de cada material, os alunos

afirmaram ler vários deles, porém quando novamente inquiridos sobre que leituras faziam fora

da EJA, todos se referiram muito mais aos jornais e livros (60%) do que a qualquer outro

material lido. Apenas 10% dos alunos afirmaram ler a Bíblia. Já os 30% dos estudantes

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afirmaram gostar de ler revistas e fazer cruzadinhas.

Gráfico 1 - materiais lidos

A segunda etapa dessa pesquisa revelou que a maior parte dos alunos teve seu primei-

ro contato com a leitura dentro da própria família, sendo que 40% dos pais eram alfabetizados

e 40% semianalfabetos ou analfabetos funcionais.

Dessa forma fica clara a importância dos pais no aprendizado de seus filhos, uma vez

que, cabe à família, independente de seu nível socioeconômico, contribuir para que seus

membros desenvolvam atitudes favoráveis à prática de leitura. A família é responsável por dar

amor a esses membros fazendo com que eles sintam-se amados e desejados desde o período

de gestação, além de transmitir todos os valores morais que façam de seus descendentes, ci-

dadãos conscientes.

Nas últimas três décadas, no entanto, a tradicional divisão de papéis entre homens e

mulheres tem sofrido alterações. A mulher passa a pleitear as mesmas faculdades e os mesmos

espaços, cada vez maiores, no mercado de trabalho. Essa dupla jornada faz com que haja uma

diminuição de contato entre pais e filhos. A falta de afeto provoca nas crianças uma limitação

de seu amadurecimento.

Com estas mudanças na organização familiar, os problemas socioeconômicos come-

çam a aparecer, obrigando esses alunos a abandonarem seus estudos para ajudar no sustento

da família.

Apenas 20% desses jovens e adultos chegaram a frequentar a escola em algum mo-

mento da vida, porém devido a problemas familiares se viram a abandonar seus estudos ainda

durante a infância.

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Gráfico 2 - influência no processo de aprendizado da leitura

Do público entrevistado, 60% alegaram ter abandonado os estudos por motivo de

trabalho. Esses alunos explicaram que tiveram que deixar os estudos logo cedo para ajudarem

na renda familiar. Os outros 40% não se manisfetaram a respeito do assunto.

"Meu primeiro contato ocorreu ainda na infância, por volta de 7 ou 8 anos mas só estudei até o segundo ano do colégio (como se chamava anteriormente a escola), mas tive que parar de estudar para trabalhar e ajudar meus pais"... Relato de um dos alunos da modalidade de jovens e adultos.

Gráfico 3 - motivos da desistência dos estudos

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O gráfico a seguir monstra que grande parte dos alunos entrevistados são mulheres e

trabalham como domésticas (70%), porém não se sabe ao certo, se trabalham com carteira

assinada. Somente 30% dos entrevistados confirmaram que já exerceram, ou, ainda exercem

algum tipo de trabalho registrado, contudo, todos afirmaram usar a leitura na realização de

suas tarefas.

Gráfico 4 - profissão exercida

Segundo dados apresentados pelo gráfico a seguir, 90% dos participantes dessa

entrevista afirmam já ter sofrido algum tipo de preconceito por não saber ler e escrever. De

todos os entrevistados, apenas um afirma não ter sofrido nenhum tipo de preconceito (10%).

Em conversa com os educandos percebeu-se que o simples fato de falar algo errado,

de vir de outro Estado já são motivos suficientes para serem descriminados.

“Sempre me senti de baixo astral, pois as pessoas falavam que eu não sabia ler, dessa forma tomei a iniciativa de voltar a estudar para que pudesse alcançar meus objetivos..." (Joel) “Sim, logo que cheguei a São Paulo. Mesmo sabendo ler e escrever (em letra de mão), o dono de uma empresa disse que eu não serviria para o trabalho, pois ele queria que escrevesse somente em letra de forma. Enquanto me dizia isso chegou uma carreta para descarregar e o homem pediu que me mandassem fazer aquele serviço. Nesse momento minha vontade foi de ir embora, mas não podia, pois não tinha como voltar para minha casa, precisava ficar em São Paulo e trabalhar"... (Julião) (Relatos emocionados de dois dos alunos da EJA).

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Gráfico 5 - preconceitos sofridos

O gráfico seguinte mostra a frequência com que os entrevistados fazem uso da leitura

em seu dia- a- dia. 60% deles afirmam ler muito pouco, devido a vida corrida que levam.

Outros relatam mal ter tempo para ler, pegando muitas vezes, nos livros somente para vão

para a escola.Enquanto que 40% das pessoas afirmam fazer uso contínuo da leitura, mesmo

nos momentos de folga, ou durante o itinerario para o trabalho.

Gráfico 6 - frequência da leitura no dia-a-dia dos alunos do EJA

No gráfico de nº 7 comprovamos que mesmo tendo abandonado os estudos ainda na

infância e retonando na fase adulta, todo os entrevistados tiveram acesso a leitura ainda

pequenos.

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Gráfico 7 - Primeiro contato com a leitura

O gráfico abaixo mostra que 45% dos parentes desses alunos, cursam nivel superior.

Esses dados denunciam a grande preocupação que os pais/ irmãos tem com seus familiares.

Talvez uma das grandes questões seja evitar que os filhos passem por situações de preonceito

perante a sociedade.

Mesmo sendo pessoas de baixo nivel socioeconomico, os alunos do EJA registraram

seu orgulho ao falar de seus parentes que conseguiram cursar ou ainda cursam uma faculdade:

"Sim, minha irmã faz faculdade de direito e meus sobrinhos são muito estudiosos" (Neusa) "Sim, moro com minha filha que faz faculdade de contabilidade e lê muitos livros de seu curso." (Marilene).

Frases de alunas da EJA Ilha de Vera Cruz. 45% dos alunos não se manifestaram,

enquanto que 10% afirmaram que o parente próximo não gosta de ler.

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Gráfico 8 - Grau de instrução dos familiares.

O nono gráfico traz uma das principais preocupações dos alunos da EJA - O futuro -

Percebe-se que são pessoas em busca de sonhos simples, fáceis de serem realizados, basta

apenas uma chance, não só do governo, mas de todos aqueles que se dizem cidadãos de bem.

Gráfico 9 - Importância da leitura na vida dos estudantes do EJA

O último gráfico mostra quais os tipos de histórias que mais envolviam esses alunos na

infância. Dê acordo com o que foi registrado 45% das histórias eram provenientes de livros.

Os outros 45% eram histórias da vida real e apenas 10% dos pais inventavam histórias para

contar para seus filhos.

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Gráfico 10 - tipos de histórias mais contadas pelos pais.

OS SENTIDOS E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À PRÁTICA DA LEITURA

Esse trabalho de conclusão de curso teve a função de fornecer dados importantes para

os futuros educadores da EJA. Por meio dos dados coletados observou-se que muitos jovens

e adultos abandonaram seus estudos para ajudar no sustento da família, mas todos

demonstram valorizar a prática da leitura e da escrita.

A pesquisa realizada permitiu-nos entender que são alunos provenientes de famílias de

baixa renda e vindas de cidades do interior de São Paulo e de outros Estados do País, onde a

vida com poucos recursos não deixa opção de escolha. São, normalmente, oriundos de pais

analfabetos ou semianalfabetos (analfabetos funcionais), o que revela o quanto o valor

atribuído à escolaridade e a importância da leitura podem ser tão importantes quanto um

ambiente letrado, pois os alunos entrevistados embora tenham parado de estudar em um

determinado momento da infância ou adolescência, todos construíram um significado para a

alfabetização, que os fez voltar à escola por meio do EJA.

Relatos, fornecidos pelos próprios educandos, demonstraram que a ascensão

profissional nem sempre é o mais importante na vida dessas pessoas. Muitas vezes, gestos

simples como: escrever uma carta, assinar o próprio nome, comprar uma roupa sem ajuda dos

filhos, ler uma placa de ônibus ou de Rua, contar histórias para seus filhos é tudo o que eles

precisam para se sentirem realizados.

Ao retomar as ideias de Freire, percebemos realmente, que esse é um público

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diferenciado, que traz uma bagagem cheia de experiências, opiniões e história de vida. Que

possuem direitos a uma Educação capaz de proporcionar vivencias que os ajudem a se

constituírem como sujeitos e cidadãos, capazes de compreender a sociedade em que estão

inseridos e as relações que estabelecem.

Essas pessoas não medem esforços para dar aos filhos/irmãos uma vida digna, longe

dos problemas que a vida lhes causou " O direito de aprender a ler, na idade certa".

REFERÊNCIAS BRASIL. Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, Conferencia de Jomtien - 1990. UNICEF. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10230.htm>. Acesso em: 09 de Novembro de 2013. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n. 9.394/96. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/diretrizes.pdf >. Acesso em: 02 de Novembro de 2013. CABRAL, Deyse. Alfabetização e Letramento de Jovens e Adultos: As Concepções e Práticas de Ensino do Sistema de Notação Alfabética. Disponível em: <www.anped.org.br/reunioes/25/excedentes25/daysecabraldemourat18.rtf>. Acesso em 10 de Novembro de 2013. Censo 2010: Cai taxa de analfabetismo no Brasil. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/16/censo-2010-cai-taxa-de-analfabetismo-no-pais>. Acesso em: 09 de Novembro de 2013. FOCAUMBERT, Jean. A leitura em questão. Tradução de Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: três artigos que se completam. 39 ed. São Paulo: Cortez, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Prazeres Necessários a Pratica Educativa. 36 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GALVÃO, Ana Maria de Oliveira: Leitura, algo que se transmite entre as gerações: Letramento no Brasil- reflexões através do INAF 2001. São Paulo. Global. 2003. LOPES, Selva Paraguassu; SOUSA, Luzia Silva in EJA: Uma Educação Possível ou mera utopia? Disponível em: <http://www.cereja.org.br/pdf/revista_v/Revista_SelvaPLopes.pdf>. Acesso em 09 de Novembro de 2013. MACHADO, Maria Margarida. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil pós Lei 9.394/96: A possibilidade de constituir-se como política pública. Disponível em

21

<www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1576/1268>. Acesso em 11 de Novembro de 2013. MARTINS, Maria Helena. São Paulo, Brasiliense, 2003. (Coleção Primeiros Passos; 74) MELO, Regina Maria. Pratica Educativa Alfabetizadora: Alfabetização Solidária. Disponível em: <w3.ufsm.br/regina/Artigos_files/projetoemandamento3.doc>. Acesso em 10 de Novembro de 2013. MOURA, Dayse Cabral. Por trás das letras: as concepções práticas de ensino do sistema de notação alfabética no EJA. Disponível em: <www.anped.org.br/reunioes/25/excedentes25/daysecabraldemourat18.rtf>.Acesso em 06 de Novembro de 2013. RIBEIRO, Vera Mazagão. Reescrevendo a Educação. Proposta para um Brasil Melhor: Analfabetismo e Alfabetismo Funcional no Brasil, 2001. Disponível em: <www.faccamp.br/letramento/GERAIS/analfabetismo.pdf>.Acesso em 10 de Novembro de 2013. SPOZATI, Aldaíza. Exclusão Social e Fracasso Social. Disponível em: <www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/Article/view/1071/973>. Acesso em 10 de No-vembro de 2013.

SOARES, Magda: Letramento e escolarização: Letramento no Brasil – reflexões através do INAF 2001. São Paulo. Global. 2003. p. 89 TIEPOLO, Elisiane Vitória. Uma política de leitura para todos: leitores e neoleitores: Em aberto, Brasília, v.22, n. 22, p.121 – 133 nov. 2009. Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais cai de 13,6% para 9,6% entre 2000 e 2010. IBGE. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=2017>. Acesso em: 09 de Novembro de 2013. WIKIPÉDIA, A ENCICLOPÉDIA LIVRE - Alfabetização - Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3>. Acesso em: 09 de Novembro de 2013. ANEXO ENTREVISTA COM ALUNOS DO EJA NEUSA a) Você gosta de ler?

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- Leio muito pouco, somente quando tenho tempo.

b) Quais os materiais escritos que você costuma ler? Livros, jornais, revistas, textos de cunho

religioso, paginas da internet, outros.

- Jornais, durante o itinerário para o trabalho, onde consigo ler e parar de vez em quando.

c) Como foi o seu primeiro contato com a leitura? Ocorreu ainda na infância? (Em caso

afirmativo, perguntar de quem foi a maior influencia: pai, mãe, irmãos, tios, avós).

- Meu contato com a leitura ocorreu ainda na infância quando ainda tinha 9 anos, mas tive que

parar de estudar, pois meu pai foi para a roça e eu para não ficar na casa de outras pessoas tive

que parar de estudar e começar a trabalhar.

d) Quando você era pequeno (a) costumava ouvir estórias? Quem lhes contava essas estórias?

Essas histórias eram de livros ou eram inventadas?

-Sim. Meu pai contava muitas estórias de livros, porém já não sou capaz de recordá-las.

Contava estórias de poetas que nos faziam rir (a mim e meus irmãos).

e) Atualmente, como é a sua relação com a leitura? Você lê como muita frequência? Qual é

essa frequência? O quê lê? Quando Lê?

- Leio muito pouco, mas gosto de fazer cruzadinhas. Meu tempo é curto, dessa forma só

consigo pegar nos cadernos da hora de ir para a escola.

f) Você já sofreu algum tipo de preconceito antes de aprender a ler? Você poderia citar algum?

- Creio que não, mas muitas vezes ficava triste quando as pessoas perguntavam algo e eu dizia

que não sabia ler. Contudo sempre acreditei que um dia aprenderia ler.

g) Você trabalha? Qual o tipo de atividade exercida? Como você se utiliza do processo de

leitura no seu dia a dia do trabalho?

- Sim, trabalho como empregada doméstica e no meu dia- a – dia utilizo a leitura para ler

bilhetes deixados por minha patroa. Muitas vezes ainda pergunto para alguém, pois a letra

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dela parece letra de medica e as vezes não compreendo.

h) As pessoas que moram com você costumam ler? O que?

- Sim, minha irmã faz faculdade de direito e meus sobrinhos são muito estudiosos.

i) O que significa para você saber ler e escrever?

- Saber ler é tudo. Quando eu conseguir escrever uma carta vai ser o maior orgulho da minha

vida.

MARILENE TAVARES

a ) Você gosta de ler?

- Sim

b) Quais os materiais escritos que você costuma ler? Livros, jornais, revistas, textos de cunho

religioso, paginas da internet, outros.

- Gosto de ler livros, revistas e jornais, mas não gosto de ler livros românticos.

c) Como foi o seu primeiro contato com a leitura? Ocorreu ainda na infância? (Em caso

afirmativo, perguntar de quem foi a maior influencia: pai, mãe, irmãos, tios, avós).

- Meu primeiro contato com a leitura foi ainda na infância por influência de meus pais.

d) Quando você era pequeno (a) costumava ouvir estórias? Quem lhes contava essas estórias?

Essas histórias eram de livros ou eram inventadas?

- Sim, meus pais sempre contavam estórias e embora não soubessem ler queria que os filhos

aprendessem.

e) Atualmente, como é a sua relação com a leitura? Você lê como muita frequência? Qual é

essa frequência? O quê lê? Quando Lê?

- Quando estou em casa costumo ler muito. Até mesmo no serviço consigo ler mas em alguns

momentos não tenho tempo.

f) Você já sofreu algum tipo de preconceito antes de aprender a ler? Você poderia citar algum?

- Sim, por falo errado.

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g) Você trabalha? Qual o tipo de atividade exercida? Como você se utiliza do processo de

leitura no seu dia a dia do trabalho?

- Trabalho na casa de uma medica três vezes por semana e sempre utilizo a leitura em meu

dia- a – dia, pois sou eu quem faço as listas de compras pois já sei ler e escrever.

h) As pessoas que moram com você costumam ler? O que?

- Sim, moro com minha filha que faz faculdade de contabilidade e lê muitos livros de seu

curso.

i) O que significa para você saber ler e escrever?

Saber ler e escrever é muito importante. Hoje vemos muitas senhoras estudando mas

antigamente a pessoa tinha que colocar o dedo quando não sabia escrever. Eu sinto orgulho de

saber ler.

JOEL

a) Você gosta de ler?

- Um pouco

b) Quais os materiais escritos que você costuma ler? Livros, jornais, revistas, textos de cunho

religioso, paginas da internet, outros.

- Costumo ler livros. Um pouco, no ônibus ou na escola.

c) Como foi o seu primeiro contato com a leitura? Ocorreu ainda na infância? (Em caso

afirmativo, perguntar de quem foi a maior influencia: pai, mãe, irmãos, tios, avós).

- Meu primeiro contato com a leitura ocorreu ainda na infância, mas foi somente na fase

adulta que desenvolvi melhor essa capacidade. Eu morava no interior e não tive muita chance

de estudar, por isso me esforço, pois sempre pensei em chegar a algum lugar.

d) Quando você era pequeno (a) costumava ouvir estórias? Quem lhes contava essas estórias?

Essas histórias eram de livros ou eram inventadas?

- Meus pais liam muitos livros religiosos, principalmente a bíblia, dessa forma nos

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incentivava a leitura. Sempre nos contavam muitas estórias bíblicas.

e) Você já sofreu algum tipo de preconceito antes de aprender a ler? Você poderia citar algum?

- Sempre me senti de baixo astral, pois as pessoas falavam que eu não sabia ler, dessa forma

tomei a iniciativa de voltar a estudar para que pudesse alcançar meus objetivos.

f) Você trabalha? Qual o tipo de atividade exercida? Como você se utiliza do processo de

leitura no seu dia a dia do trabalho?

- Sim trabalho, sou repositor em um supermercado e no meu dia-a-dia uso a leitura para fazer

planilhas, colocar preços e até mesmo colocar os produtos no lugar correto.

g) As pessoas que moram com você costumam ler? O que?

- Sim, minha esposa lê muito a bíblia, já que somos evangélicos.

h) O que significa para você saber ler e escrever?

- Para mim saber ler é uma alegria. A leitura é muito importante. Nos permite pegar ônibus e

entrar em qualquer departamento. Se não se sabe ler, quando se precisa de algo a pessoa pode

ficar até constrangido.

JULIÃO

Você gosta de ler?

Resposta:- Sim

b) Quais os materiais escritos que você costuma ler? Livros, jornais, revistas, textos de cunho

religioso, paginas da internet, outros.

Resposta:- jornais e livros

C) Como foi o seu primeiro contato com a leitura? Ocorreu ainda na infância? (Em caso

afirmativo, perguntar de quem foi a maior influencia: pai, mãe, irmãos, tios, avós).

Resposta:- Meu primeiro contato ocorreu ainda na infância, por volta de 7 ou 8 anos mas só

estudei até o segundo ano do colégio (como se chamava anteriormente a escola), mas tive que

parar de estudar para trabalhar e ajudar meus pais.

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d) Quando você era pequeno (a) costumava ouvir estórias? Quem lhes contava essas estórias?

Essas histórias eram de livros ou eram inventadas?

Resposta: Sim, ouvia muitas histórias contadas e causos, como os contados por Rolando.

Boldrin.

e) Atualmente, como é a sua relação com a leitura? Você lê como muita frequência? Qual é

essa frequência? O quê lê? Quando Lê?

Resposta: Leio jornais e livros

f) Você já sofreu algum tipo de preconceito antes de aprender a ler? Você poderia citar algum?

Resposta: Sim, logo que cheguei a São Paulo. Mesmo sabendo ler e escrever (em letra de

mão), o dono de uma empresa disse que eu não serviria para o trabalho, pois ele queria que

escrevesse somente em letra de forma. Enquanto me dizia isso chegou uma carreta para

descarregar e o homem pediu que me mandassem fazer aquele serviço. Nesse momento minha

vontade foi de ir embora, mas não podia, pois não tinha como voltar para minha casa,

precisava ficar em São Paulo e trabalhar.

g) Você trabalha? Qual o tipo de atividade exercida? Como você se utiliza do processo de

leitura no seu dia a dia do trabalho?

Resposta: Sim, trabalho em uma firma de cimentos, sou auxiliar de expedição e utilizo a

leitura no dia- a- dia para fazer contas, preencher requisições com as quantidades dos

materiais e posteriormente, separar e pesar os produtos bons dos ruins.

I) O que significa para você saber ler e escrever?

Resposta: Saber ler e escrever é muita coisa. Não preciso mais de meus filhos para ler e fazer

contas para mim. Antigamente até para comprar uma roupa tinha que ir com eles, pois não

sabia os preços de nada. Hoje já posso fazer tudo sozinho, pegar ônibus, ler placas de ruas e

números das casas.

ELIZABETE

a) Você gosta de ler?

Resposta:- Comecei ler agora, somente agora tive interesse.

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b) Quais os materiais escritos que você costuma ler? Livros, jornais, revistas, textos de cunho

religioso, paginas da internet, outros.

Resposta: Leio mais livros infantis para poder contar estórias aos meus dois filhos.

c) Como foi o seu primeiro contato com a leitura? Ocorreu ainda na infância? (Em caso

afirmativo, perguntar de quem foi a maior influencia: pai, mãe, irmãos, tios, avós).

Resposta: Comecei a estudar ainda na infância, mas somente agora tive interesse em

recomeçar os estudos.

d) Quando você era pequeno (a) costumava ouvir estórias? Quem lhes contava essas estórias?

Essas histórias eram de livros ou eram inventadas?

Resposta: Meu pai lia muito pouco e minha mãe não terminou os estudos, mas sabia ler pouco.

As historias que eles contavam eram casos reais de suas vidas.

e) Atualmente, como é a sua relação com a leitura? Você lê como muita frequência? Qual é

essa frequência? O quê lê? Quando Lê?

Resposta: Leio duas vezes por semana na escola, mas sempre que tenho tempo leio para

minhas filhas.

f) Você já sofreu algum tipo de preconceito antes de aprender a ler? Você poderia citar algum?

Resposta: Não

g) Você trabalha? Qual o tipo de atividade exercida? Como você se utiliza do processo de

leitura no seu dia a dia do trabalho?

Resposta: No momento faço unhas, sou manicure, mas já trabalhei registrada por duas vezes.

Uma vez em lanchonete e outra em restaurante.

h) As pessoas que moram com você costumam ler? O que?

Resposta: Moro com meus filhos e meu esposo, mas ele no gosta de ler.

i) O que significa para você saber ler e escrever?

Resposta: Ler e escrever é tudo. A moça fica muito emocionada e eu tenho a mesma sensação

desta forma evito fazer mais perguntas.