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Textos 9 As sociedades secretas do gênero na Maçonaria que começaram a se multiplicar no Brasil nos fins do século XVIII teriam, por sua vez, importante papel na divulgação dessas teorias. Várias lojas, assim como eram chamadas, as casas onde os maçons se reuniam, foram fundadas no Brasil: “Os Cavaleiros da Luz” na Bahia. Em Pernambuco fundou-se o Areópago, de onde saíram duas academias: “Paraíso” e “Suassuna”. No Rio de Janeiro, também essa sociedades se multiplicaram. “Conta-se que D.João VI, mandando averiguar a situação das sociedades secretas, foi informado de que grande número de personagens importantes ligados ao governo estava envolvido nessas sociedades”. (VIOTTI, 1999,p.29). D.João VI, percebendo o “perigo” que aquelas sociedades representavam, mandou fechar todas as lojas suspendendo suas atividades. No entanto, logo depois se organizaram novamente e estavam em pleno funcionamento. Elementos mais representativos da sociedade faziam parte dessas sociedades: professores, funcionários, comerciantes, fazendeiros e numerosos padres. A Emília Viotti fala da participação da elite, que fora educada sob os princípios da Ilustração e também o papel da maçonaria no processo de independência. ...Toda uma geração, no entanto, fora educada nos princípios revolucionários que os homens da Ilustração se tinham incumbido e a Revolução Francesa de por em prática (...) a elite educada nos princípios da Ilustração, embora pouco numerosa, teria um papel importante a desempenhar por ocasião da Independência e, mais tarde, quando se tratou de organizar a nação... As sociedades secretas do gênero da Maçonaria que começaram a se multiplicar no Brasil nos fins do século XVIII teriam, por sua vez, importante papel na divulgação dessas teorias (...). (VIOTTI, 1999, p.28). A abertura dos portos em 1808 e a entrada de estrangeiros em número crescente a partir dessa data, intensificando os contatos entre Brasil e Europa, facilitaram ainda mais a divulgação de ideias revolucionárias. Marco Antonio dos Santos de Souza [email protected] Marco Antonio dos Santos de Souza é professor de História da Rede Estadual e pós- graduado em História do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira - Universo-RJ O processo de independência do Brasil: entre rupturas e permanências! O papel da Maçonaria no Brasil Capítulo II: Debret, Jean- Baptiste. Loja de barbeiros, 1821. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 35 • PP. 09 - 15 • NOVEMBRO & DEZEMBRO 2015

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As sociedades secretas do gênero na Maçonaria que começaram a se multiplicar no Brasil nos fins do século XVIII teriam, por sua vez, importante papel na divulgação dessas teorias. Várias lojas, assim como eram chamadas, as casas onde os maçons se reuniam, foram fundadas no Brasil: “Os Cavaleiros da Luz” na Bahia. Em Pernambuco fundou-se o Areópago, de onde saíram duas academias: “Paraíso” e “Suassuna”. No Rio de Janeiro, também essa sociedades se multiplicaram. “Conta-se que D.João VI, mandando averiguar a situação das sociedades secretas, foi informado de que grande número de personagens importantes ligados ao governo estava envolvido nessas sociedades”. (VIOTTI, 1999,p.29).

D.João VI, percebendo o “perigo” que aquelas sociedades representavam, mandou fechar todas as lojas suspendendo suas atividades. No entanto, logo depois se organizaram novamente e estavam em pleno funcionamento. Elementos mais representativos da sociedade faziam parte dessas soc iedades : p ro fesso res , func ionár ios , comerciantes, fazendeiros e numerosos padres.

A Emília Viotti fala da participação da elite, que fora educada sob os princípios da Ilustração e também o papel da maçonaria no processo de independência.

...Toda uma geração, no entanto, fora educada nos princípios revolucionários que os homens da Ilustração se tinham incumbido e a Revolução Francesa de por em prática (...) a elite educada nos princípios da Ilustração, embora pouco numerosa, teria um papel importante a desempenhar por ocasião da Independência e, mais tarde, quando se tratou de organizar a nação... As sociedades secretas do gênero da Maçonaria que começaram a se multiplicar no Brasil nos fins do século XVIII teriam, por sua vez, importante papel na divulgação dessas teorias (...). (VIOTTI, 1999, p.28).

A abertura dos portos em 1808 e a entrada de estrangeiros em número crescente a partir dessa data, intensificando os contatos entre Brasil e Europa, facilitaram ainda mais a divulgação de ideias revolucionárias.

Marco Antonio dos Santos de [email protected]

Marco Antonio dos

Santos de Souza é

professor de História da

Rede Estadual e

pós-graduado em

História do Brasil pela

Universidade Salgado de

Oliveira - Universo-RJ

O processo de independência do Brasil: entre rupturas e permanências!

O papel da Maçonaria no Brasil

Capítulo II:

Debret, Jean-Baptiste. Loja de barbeiros, 1821.

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implantando regimes até então praticamente desconhecidos, como a república.Segundo o historiador Oliveira Lima,(?) “mostra bem que as ideias subversivas dos tronos eram espalhadas pelas sociedades secretas, (...) e passavam de um país para outro, de um continente a outro, com celeridade e eficácia.”.Gomes (2007) fala da importância que a maçonar ia teve ao mundo. Que es tar ia virtualmente por trás de todas as grandes transformações ocorridas nos dois séculos seguintes: na Revolução Francesa, cunhou o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Os libertadores da América Espanhola também participaram da maçonaria. Quase cem por cento dos homens que assinaram a declaração de independência americana eram maçons.No Brasil, a independência foi proclamada por um grão-mestre maçom, D. Pedro I. E a República, por outro, o marechal Deodoro da Fonseca.Conforme Gomes (2007) a passagem de D. Pedro I pela maçonaria foi meteórica, pelo menos oficialmente, pois há fortes indícios de que ele frequentasse as atividades da maçonaria há mais tempo. A maçonaria usou diferentes grupos de pressão na época da independência e foi usada por eles, de acordo com as circunstâncias do momento. No episódio do “dia do fico”, “do “grito do Ipiranga” e da “aclamação do imperador”, saiu triunfante. Sairia vitoriosa novamente em 1831, na abdicação do imperador. Na dissolução da constituinte, na Confederação do Equador e em outros momentos, perdeu. Foi, portanto, um elemento importante no poderoso jogo de pressões que se estabeleceu no momento em que o Brasil dava seus primeiros passos como nação independente, mas não o único nem o mais decisivo. (GOMES, 2007, p.245)

Sendo assim, pode-se dizer que a Maçonaria esteve presente no processo de independência do Brasil e foi um dos fatores que contribuiu para o acontecimento da mesma e as ideias liberais que eclodiram na Europa, chegassem ao Brasil. Claro que essas ideias foram selecionadas, ou seja, importou-se as ideias que eram favoráveis à elite.Vale lembrar que a maioria dos livros didáticos não trazem informações consistentes a respeito da maçonaria; o assunto é tratado de forma sucinta, não abordando o que foi e o significado dessas sociedades para o processo de independência do Brasil. Constatando esse fato, percebe-se que existe algo implícito, ou seja, academia não publica certos detalhes sobre a História. Talvez, o que aconteça, seja que não haja interesse da classe dominante em informar os cidadãos acerca dos fatos históricos, pois

“Ao contrário do que se verificava na Europa, onde a Maçonaria assumira posição nitidamente anticlerical, no Brasil eram íntimas as relações entre clero e Maçonaria.” (VIOTTI, 1999, p.29), pois caso o Brasil se emancipasse de Portugal a igreja estaria lá para apoiar o novo estado.“Ás vésperas da independência a Maçonaria estava pronta para participar de forma eficiente no movimento, imprimindo-lhe suas diretrizes.” (VIOTTI, 1999, p.29). Gomes faz uma abordagem interessante a respeito da maçonaria: A história do Brasil está repleta de mitos nos quais acontecimentos reais do passado se confundem com situações imaginadas, construídas ou modificadas pelas gerações posteriores de acordo com a conveniência ou a necessidade de cada momento. Um desses inúmeros mitos está relacionado ao papel desempenhado pela maçonaria em 1822. Por ele, a separação de Portugal teria sido inteiramente tramada e decidida dentro das lojas maçônicas nos meses que antecederam o grito do Ipiranga. A maçonaria teve papel fundamental na Independência, mas é um erro apontá-la como um grupo homogêneo. Nem de longe os maçons foram unânimes nas suas opiniões. Ao contrário, foi ali que se travaram algumas das disputas mais acirradas no período e que envolveram ninguém menos do que o jovem príncipe regente e futuro imperador Pedro I.Em 1822, a maçonaria brasileira estava dividida em duas grandes facções. Ambas eram favoráveis à independência, mas uma delas, liderada por Joaquim Gonçalves Ledo, defendia ideias republicanas. A outra, de José Bonifácio, acreditava que a solução era manter D. Pedro como imperador em regime de monarquia constitucional. Esses dois grupos disputaram o poder de forma passional, envolvendo prisões, perseguições, exílios e expurgos. (GOMES, 2007, p.238)

Gomes fala ainda sobre a maçonaria, que em uma época onde não havia partidos políticos organizados. Foi o trabalho das sociedades secretas que levou a semente da independência às regiões mais distantes e isoladas do território brasileiro e menciona o Piauí.O mesmo autor mostra como a maçonaria no começo do século XX era vista: uma organização altamente subversiva, comparável ao que seria a Internacional Comunista no século 20. Nas suas reuniões, conspirava-se pela implantação das novas dout r inas po l í t i cas que es tavam transformando o mundo. Cabia aos seus agentes propagar essas novidades principalmente na América que depois de séculos de colonização, começava a se libertar de suas antigas metrópoles e a testar essas novas ideias políticas

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(...) Decretos de setembro e outubro determinavam a volta do príncipe regente para Portugal, nomeando para cada província, na qualidade de poder executivo, um governador de armas, independentemente das juntas governativas que se tinham criado. Ao mesmo tempo destacavam-se novos contingentes de tropas com destino ao Rio de Janeiro e a Pernambuco.As decisões tomadas pelas cortes repercutiram no Brasil como uma declaração de guerra, provocando tumultos e manifestações de desagrado. No Brasil crescia o número dos adeptos da Independência. Proclamações apareciam pregadas nas paredes, panfletos eram deixados no umbral das casas protestando contra política das Cortes e concitando a população e o príncipe a resistirem.Os propósitos recolonizadores das cortes tinham agravado a tensão entre colônia e metrópole, pondo em risco a solução de compromisso almejada pela maioria dos que compunham a classe dominante no Brasil. Estes encaravam inicialmente com simpatia a instituição de uma monarquia dual, desde que fosse resguardada a autonomia do Brasil. Essa era a opinião, por exemplo, de José Bonifácio, o qual encarava com suspeição as situações revolucionárias que envolviam mobilização das massas. Mas ele não era o único a se declarar inimigo da democracia e a confessar sua aversão pelas massas em geral. A aversão às formas populares de governo, a desconfiança em relação à massa ignara que compunha a maioria que compunha a maioria da população, o receio da revolta de escravos que a situação revolucionária poderia propiciar levariam esses homens a contemporizar, enquanto puderam, com a monarquia portuguesa. Finalmente, romperam com esta quando perceberam a inviabilidade dessa união. O príncipe regente lhes apareceu então como instrumento ideal para a conquista e consolidação da autonomia desejada, sem que para isso fosse preciso mobilizar a população. (VIOTTI, 1999, p.46)Diante do exposto pela autora percebe-se que os brasileiros que possuíam algum poder perceberam que a união de Portugal e Brasil era inviável Mota (1986) menciona isso em seu livro também.

“(...) a reação das elites brasileiras, que conseguem envolver em seu movimento o príncipe D.Pedro, que guardara no espírito os conceitos do pai - e proclamou a independência. Mas os problemas persistiam, em suas dimensões dinástica e política, e a possibilidade de reunir as c o r o a s a c a b a p a u l a t i n a m e n t e p o r incompatibilizar o Príncipe com a nação recém-criada. (MOTA, 1986,p.8)

a informação é capaz de transformar mentes e sendo assim, há de haver futura formação de c i d a d ã o s c o n s c i e n t e s e c r í t i c o s e consequentemente a grande pirâmide existente pode vir a sofrer alterações, o que a elite tanto teme.

Natureza e limites do nacionalismo

Emilia Viotti fala também a respeito do nacionalismo, se é que ele existiu de fato.

Assim como o liberalismo, o nacionalismo, frequentemente associado na Europa aos movimentos liberais, não teria condições de assumir seu significado pleno num país cuja economia baseava-se essencialmente na exportação, onde o mercado interno era extremamente limitado, as vias de comunicação escassas e, por isso mesmo, difíceis os contatos entre as várias regiões. Ainda às vésperas da Independência eram mais fortes os laços das várias províncias com a Europa do que entre si. Faltavam as condições que na Europa levavam a uma maior integração nacional. Eis por que todos os movimentos revolucionários anteriores à independência sempre tiveram caráter local, irradiando-se, quando muito, às regiões mais próximas, jamais assumindo um caráter mais amplo. (...) O nacionalismo brasileiro manifesta-se sobretudo sob a forma de um antiportuguesismo generalizado. Apesar de elementos de origem portuguesa participarem dos movimentos revolucionários, a maioria dos que aderiram a esses movimentos era de origem brasileira. (VIOTTI, 1999,p.33)

Diante do que a autora expõe, pode-se concluir que não havia um nacionalismo como na Europa, talvez até houvesse, mas não da forma que conceituamos hoje em dia e se olhássemos com nosso olhar de hoje incorreríamos no que chamamos de anacronismo.

O príncipe regente na Colônia tropical

D. João VI voltou para Portugal, mas seu filho, o príncipe regente, ficou no Brasil. Houve inúmeros conflitos entre os portugueses e brasileiros. Esses não tardaram a emergir. Várias medidas foram tomadas pelas cortes a fim de tornar patente a nova orientação assumida em relação ao Brasil revelando as intenções de restringir a autonomia administrativa da colônia, limitar a liberdade de comércio, restabelecer monopólios e privilégios q u e o s p o r t u g u e s e s h a v i a m u s u f r u í d o anteriormente à transferência da corte portuguesa para o Brasil.

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Mota, assim como Viotti, descreve sobre a inviabilidade de uma suposta união entre Brasil e Portugal. A elite que vivia aqui no Brasil desejava um Brasil independente, mas não queriam a participação popular, havia o medo de uma revolta popular, o povo não poderia se unir, pois isso era visto como uma ameaça. A solução foi apoiar o príncipe e a ideia da independência, pois mesmo que o Brasil tivesse um imperador e o país tivesse nas mãos dele, D.Pedro estaria no poder, mas ao lado dos grandes fazendeiros. Era necessária a proclamação da independência o quanto antes, pois a revolta popular era iminente e ninguém desejava tal situação.Gomes em seu livro, “1822”, esclarece fatos importantes a respeito do desenrolar da independência. Mostra que não foi tão fácil como a historiografia muitas vezes mostra.Segundo ele a relação que existe hoje entre brasileiros e portugueses que hoje se encontram e conversam se dão bem, não foi sempre assim, “existiu um clima tenso de ódio e confronto entre esses dois povos no ano da independência do Brasil”. ( Gomes, 2010).

(...) na semana do Fico, bandos de portugueses armados percorriam as ruas do Rio de Janeiro em atitude de desafio aos brasileiros que apoiavam a decisão do príncipe regente de contrariar as cortes de Lisboa e permanecer no Brasil (...).Um mito recorrente sobre a Independência do Brasil diz respeito ao caráter pacífico da ruptura com Portugal. Por essa visão, tudo teria se resumido a uma negociação entre o rei D.João VI e seu filho D.Pedro com algumas escaramuças isoladas e praticamente sem vítimas. É um erro. A guerra da independência foi longa e desgastante. Duraram 21 meses, entre Fevereiro de 1822 e novembro do ano seguinte. Nesse período milhares de pessoas perderam a vida em roças, morros, mares e rios em que se travou o conflito. O número de combatentes foi maior do que o das guerras de libertação da América espanhola na mesma época. Só na Bahia mais de 16.000 brasileiros e aproximadamente 5.000 portugueses trocaram tiros durante um ano e quatro meses.Não há estatísticas confiáveis a respeito do número de mortos, mas evidências indicam ter sido maior do que se imagina. No Piauí, entre duzentos e quatrocentos brasileiros tombaram em cinco horas de combate na trágica e simbólica Batalha do Jenipapo, ocorrida no dia 13 de março d 1823. Na Bahia, duzentas a trezentas pessoas morreram nas ruas de Salvador.Milhares de brasileiros e portugueses morreram em combate. A soma de números imprecisos com informações ainda mais vagas sobre enfrentamentos em outras regiões torna razoáve l supor que a guerra da independência

brasileira custou entre 2.000 e 3.000 vítimas (...) o Brasil ficou dividido, nem todos estados apoiavam a independência, como por exemplo Pará e Maranhão.A ruptura formal entre Brasil e Portugal aconteceu no começo de 1822, quando as cortes declararam D.Pedro e seus ministros rebeldes e começaram os preparativos militares para atacar a antiga colônia. Portugal se preparara para atacar o Brasil (...) ao tomar conhecimento de notícias tão alarmantes, os brasileiros se prepararam para a guerra. No dia 1 de agosto de 1822, D.Pedro e seu ministério declararam inimigas as tropas que fossem enviadas de Portugal para o Brasil. Lanchas e navios portugueses que por ventura fossem capturados deveriam ser afundados ou incendiados (...) (GOMES, 2000, p.164).

O autor da obra “1822” deixa claro que a independência do Brasil não foi pacífica como muitos acreditam ser. Foi uma guerra sangrenta e milhares de vidas foram perdidas. O Brasil ficou dividido, uns estados apoiavam os brasileiros, outros, os portugueses. Pode-se perceber que os brasileiros não estavam unidos, não havia uma iden t idade . Des t a r t e conc lu i - se que a independência do Brasil foi conquistada com muita luta e derramamento de sangue e está longe de ter sido pacífica.

O Dia do “Fico” e a proclamação da independência

Em 9 de Janeiro de 1822, o príncipe, aceitando a solicitação do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, decidiu-se a desobedecer às ordens de Lisboa e a permanecer no Brasil. “Não se tratava ainda de uma ruptura, pois o gesto de desobediência foi saldado com gritos de Viva as cortes, Viva a Religião, Viva a Constituição, Viva el Rei Const i tucional , Viva o Pr íncipe Constitucional...” ( Viotti, 1999).Tentava-se ainda manter aberta a possibilidade de se constituir uma monarquia dual com sede em Portugal e no Brasil ao mesmo tempo, visando manter o Brasil como Reino Unido a Portugal e também se procurava preservar a autonomia administrativa e comercial que tinham alcançado.(...) convergiam para o príncipe aspirações as mais contraditórias. Para os portugueses, ele representava a possibilidade de manter o Brasil unido a Portugal. Acreditavam eles que só a permanência do príncipe no Brasil poderia evitar um movimento separatista. Os brasileiros que almejavam a preservação das regalias obtidas e pretendiam a criação de uma monarquia dual

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consideravam também essencial a permanência do príncipe. O mesmo pensavam os que almejavam a independência definitiva e total, mas temiam as agitações do povo. Para estes, o príncipe representava a possibilidade de realizar a independência sem alteração da ordem.A tensão entre colônia e metrópole agravou-se depois do “Fico”. O príncipe procurou apoio entre os homens de prestígio do país e de reconhecida fidelidade à monarquia. (VIOTTI, 1999, p.47)

Após análise das ideias contidas no texto da autora, é possível concluir que, de certa forma, a figura de D. Pedro foi usada a benefício da elite, pois ela viu no imperador uma saída para evitar um movimento separatista e também temiam que o povo se reunisse e juntos alterassem a ordem, a agitação popular era algo que deveria ser evitado. Pode-se dizer que houve uma troca, D. Pedro procurou apoio da elite e a mesma preservou seus poderes, ele chegou até ser considerado defensor perpétuo do Brasil.

Participação popular no movimento de independência

Algumas bibliografias afirmam ter havido p a r t i c i p a ç ã o p o p u l a r n o p r o c e s s o d e independência do Brasil, que o povo participou, out ras negam tota lmente . Na época da independência o Brasil não estava preparado para lutar contra Portugal: “pelos cálculos do historiador naval britânico Brian Vale, no começo de 1822 D. Pedro podia contar no máximo com oito navios de guerra confiáveis com um total de duzentos canhões, enquanto os portugueses tinham quatorze embarcações equipadas com pelo menos o dobro do armamento” (Gomes,2010).Gomes (2007) traz informações pertinentes a respeito da participação popular na luta contra os portugueses: (...) além de precisar de um número muito maior de navios, o Brasil enfrentava uma dificuldade adicional: faltavam oficiais e marinheiros para comandar e defender as embarcações. Nesta época, havia no Brasil cerca de 160 oficiais de marinha, quase todos portugueses vindos junto com a corte de D. João em 1808. Além de poucos, não eram confiáveis. Ninguém tinha certeza de como reagiriam se tivessem de enfrentar seus compatriotas numa batalha. (...) havia dificuldade nos mares, e estas se reproduziam em terra. O exército brasileiro herdara a estrutura das forças portuguesas da época da colônia, organizadas em corpos de primeira, segunda e terceira linhas.

A primeira recebia soldo para permanecer no serviço ativo. As outras duas, eram forças de reserva e só eram convocadas em caso de emergência. Seus integrantes, na maioria brasileira, não recebiam soldo e geralmente faziam parte dos bandos de jagunços ou seguranças que os coronéis locais mantinham em suas fazendas. Estes eram mal treinados e ficavam dispersos pelo território, sem um comando unificado e seguro.Além disso, em todo Brasil predominava uma aversão generalizada ao serviço militar. Os soldados eram recrutados de forma arbitrária pelos coronéis e capitães do mato. Nas cidades de Vila Rica (atual Ouro Preto), Sabará e São João Del Rei, houve casos em que a população foi convocada para se reunir na praça central com a desculpa de que ali haveria uma cerimônia religiosa ou um comunicado importante. Ao se aproximar, no entanto, os rapazes eram surpreendidos pelos soldados da corte que os laçavam com cordas e os despachavam para o Rio de Janeiro. Os novos recrutas chegavam à capital acorrentados uns aos outros pelo pescoço e vigiados por guardas a cavalo. Alguns rebeldes também tinham os pés algemados. Viajavam dias seguidos sem comer. Em 1826, o Ceará ofereceu 3.000 recrutas ao imperador. Embarcados para o Rio de Janeiro no porão de um navio, 553 deles morreram de fome e sede durante a viagem. Nos quartéis a disciplina era bárbara. Os infratores e preguiçosos eram punidos com pauladas e chibatadas.O pavor do serviço militar entre a população pobre tão grande que muitos jovens se mutilavam para fugir do recrutamento.“Na prática, o recrutamento forçado atingia a p e n a s a s c l a s s e s m a i s h u m i l d e s e desprotegidas”, explicou o historiador militar gaúcho Juvêncio Saldanha Lemos. “Mas foram esses homens que, humilde e anonimamente, amparam a independência”. (GOMES, 2000, p.168)

Destarte, chega-se a conclusão que no processo de independência houve participação popular sim, o povo humilde, a classe menos favorecida, participou da luta, todavia, compulsoriamente, vidas foram sacrificadas e o uso da violência esteve presente para forçar esse povo a lutar contra Portugal. Foi uma independência conquistada com muito sangue favorecendo não a classe dos que lutaram forçadamente, mas sim, uma elite.

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A elite no poder e do poder...

Durante o processo de independência havia os radicais e os conservadores, cada um com suas ideias; após a independência a diferença entre eles se acentuou. José Bonifácio, que era maçom, fazia parte da sociedade secreta que reunia figuras de projeção e relevo da sociedade. Nessa sociedade havia um juramento que os unia. Eles procuravam integridade, independência e felicidade do Brasil como império Constitucional. A partir da independência Bonifácio procurou colocar em prática esse princípio. Na loja “Grande Oriente” outro grupo dos maçons liderado por Ledo Januário da Cunha Barbosa Alves Branco assumiu o controle da situação e fez de D.Pedro grão-mestre.(...) o governo da nação ficava nas mãos de um grupo de elite: fazendeiros, comerciantes, pessoas que ocupavam altos postos na administração e no governo, muitos dos quais foram mais tarde titulados por serviços prestados por ocasião da independência. (...) em sua maioria, eram homens de mais de cinquenta anos. Uns poucos eram portugueses de origem. A maioria realizara seus estudos na metrópole. Ligavam-se frequentemente por laços de família. Muitos tinham ocupado posições na qualidade de funcionários da coroa, e depois da independência ocupavam vários postos de importância política e administrativa. Constituíram uma verdadeira oligarquia fazendo parte do Conselho de Estado, Senado, Câmara dos deputados, exercendo funções de presidentes de província e de ministros de Estado.

Não cuidavam senão em diminuir o poder do rei, aumentando o próprio, não pensando de modo algum nas classes inferiores. (VIOTTI, 1999, p.55)

O Brasil tornou-se independente, mas o poder ficou nas mãos da elite, D.Pedro estava lá, mas o poder era dividido entre seus membros e povo não participava, estava à margem de tudo o que se passava dentro do governo.“Entre o arcabouço jurídico que liberal importado da Europa, sobre o qual se ergueu o Estado independente, e a prática social haveria uma enorme distância, facilmente observada pelos viajantes estrangeiros que percorriam o Brasil” (Viotti, 1999).Estes viajantes espantavam-se diante da falta de correspondência entre a legislação e a realidade que a desrespeitava a cada passo.(...) a constituição afirmava a igualdade de todos perante a lei, bem como a garantia de liberdade individual. A maioria da população, no entanto, permanecia escravizada, não se definindo em termos jurídicos como cidadãos. A Constituição garantia o direito de propriedade, mas 19\20 da população rural que não se enquadrava na categoria de escravos eram compostos de “moradores” vivendo em terras alheias, sem nenhum direito a ela. A Constituição assegurava a liberdade de pensamento e expressão, mas não foram raros os que pagaram com a vida o uso desse direito, que, teoricamente, lhes era garantido pela Constituição.

Debret, Jean-

Baptiste. ‘‘ Um jantar

brasileiro’’, 1827.

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. A lei garantia a segurança individual, mas por alguns poucos mil réis podia-se mandar matar, impunemente, um desafeto. A independência da justiça era, teoricamente, assegurada pela Constituição, mas tanto a justiça quanto a administração transformaram-se num instrumento dos grandes proprietários. Aboliram-se as torturas, mas nas senzalas continuava-se a usar os troncos, os anginhos, os açoites, as gargalheiras, e o senhor decidia da vida e da morte dos seus escravos (...) A elite de letrados, falando em nome das categorias socialmente dominantes, seria a porta-voz de uma ideologia liberal que mascarava as contradições do sistema. (...) com a independência, haviam atingido o objetivo fundamental a que se propunham: libertar o país das restrições impostas pelo Estatuto Colonial, assegurar a liberdade de comércio e garantir autonomia administrativa. A organização do país independente refletiria os anseios desses grupos sociais que assumiriam o poder no Primeiro Império. Ficaram excluídas do poder as camadas populares, uma vez que escravos e índios foram excluídos do conceito de cidadão, tendo-se adotado ainda um sistema de eleição indireta, recrutando-se os votantes segundo critérios censitários.A concentração do poder nas mãos dessa minoria que disputaria ao imperador o privilégio de dirigir a nação, levando à abdicação em 1831.(...) “o povo nada ganhou absolutamente com a mudança operada”. Comparando o que estava acontecendo no Brasil com o que se passara na França, por ocasião da Revolução Francesa, comentava: “A maioria dos franceses lucrou com a Revolução que suprimiu privilégios e direitos auferidos por uma casta favorecida (...)”.

(...) A emancipação política pelas categorias dominantes interessadas em assegurar a preservação da ordem estabelecida, e cujo único objetivo era combater o Sistema Colonial no que ele representava de restrição à liberdade de comércio e de autonomia administrativa, não ultrapassaria os limites definidos por aqueles grupos. A ordem econômica tradicional seria preservada, a escravidão mantida. A nação independente continuaria na dependência de uma estrutura colonial de produção, passa A fachada liberal construída pela elite europeizada ocultava a miséria, a escravidão em que vivia a maioria dos habitantes do país. Conquistar a emancipação definitiva e real da nação, ampliar o significado dos princípios constitucionais foram tarefa relegada aos pósteros. (VIOTTI, 1999, p.59)

O recém-país independente possuía agora uma Constituição, no Brasil a conjuntura permanecia a mesma. Como na época em que a escravidão foi abolida e que o Brasil enganou os ingleses, fingindo cumprir o decreto, mas realidade continuando com o tráfico. “O Brasil para inglês ver” sempre existiu. E na independência foi o que aconteceu! A lei estava somente no papel. A constituição existia, mas tudo continuava como antes. A Independência não foi para os pobres e sim para uma elite que soube levar vantagem. Outra questão relevante é o fato de falarem da independência como se ela tivesse sido plena: alguns livros didáticos tratam essa questão dessa forma, como se o Brasil tivesse ficado totalmente independente. A Historiografia desbanca essa ideia.

Debret, Jean-Baptiste Comboio de café rumo à cidade. 1826

continua na próxima edição

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 35 • PP. 09 - 15 • NOVEMBRO & DEZEMBRO 2015