o processo de desconcentração na gestão pública municipal: o caso de jaboatão dos guararapes

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NATÁLIA LACERDA CUNHA O PROCESSO DE DESCONCENTRAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL: O CASO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES Relatório apresentado como parte dos requisitos de conclusão da Iniciação Científica na EAESP-FGV sob orientação do professor Clóvis Bueno de Azevedo EAESP - FGV 2010

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Relatório apresentado como parte dos requisitos de conclusão da Iniciação Científica na EAESP-FGV sob orientação do professor Clóvis Bueno de Azevedo.

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Page 1: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

NATÁLIA LACERDA CUNHA

O PROCESSO DE DESCONCENTRAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL:

O CASO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES

Relatório apresentado como parte dos requisitos de conclusão da Iniciação Científica na EAESP-FGV sob orientação do professor Clóvis Bueno de Azevedo

EAESP - FGV

2010

Page 2: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

Agradecimentos

Ao atual prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Elias Gomes, por abrir as portas da

prefeitura e apoiar a realização desta pesquisa e a todos os funcionários que direta ou

indiretamente ajudaram na pesquisa de campo e trocaram comigo valiosos saberes e

experiências.

À minha mãe pela oportunidade dessa escolha e pelo eterno incentivo e compreensão.

Ao Clóvis Bueno de Azevedo pela clareza, tranqüilidade, paciência e atenção, da qual

me sinto honrada.

À Telma Hoyler, pela amizade, companheirismo nas reflexões e identificações ao longo

dos caminhos de faculdade, que culminaram nessa iniciação científica.

Ao GV Pesquisa por todo o trabalho que torna essa experiência possível.

Page 3: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

Sumário

1. Introdução................................................................................................................. 2

2. Referencial Teórico ................................................................................................... 3

2.1. Descentralização e desconcentração ................................................................ 3

2.2. Apresentando o “consenso” ............................................................................. 5

2.3. Problematizando / Relativizando o consenso................................................... 7

2.4. Experiências de desconcentração intra-municipal.......................................... 12

3. Metodologia ............................................................................................................ 16

4. O Estudo de Caso..................................................................................................... 18

4.1. O município de Jaboatão dos Guararapes ...................................................... 18

4.2. O processo de desconcentração na prefeitura de Jaboatão dos Guararapes 31

4.3. Percepções de diferentes atores..................................................................... 41

5. Conclusão e Considerações Finais........................................................................... 52

6. Referências.............................................................................................................. 54

Page 4: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

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1. Introdução

Há um consenso amplamente difundido sobre desconcentração e descentralização na

gestão pública, segundo o qual a valorização dos níveis locais de governo é necessariamente o

caminho para tornar a gestão pública mais democrática, participativa, eficiente, eficaz e

efetiva. Durante os últimos anos inúmeras iniciativas desse tipo foram postas em prática em

governos no Brasil e no mundo, sobre as quais repousaram muitas expectativas positivas.

(NUNES, 1996; ARRETCHE, 1996; AZEVEDO, 2004). Entretanto há diversas relativizações ou

questionamentos possíveis em relação a essa premissa, tanto em termos teóricos quanto

empíricos. Os discursos a favor da descentralização/desconcentração servem a diferentes

propósitos e correntes políticas, além de que muitas daquelas iniciativas não alcançam os

resultados prometidos.

A partir dessas questões, essa pesquisa tem como objetivo apreciar o processo de

desconcentração em curso no município de Jaboatão dos Guararapes. O município está

localizado na Região Metropolitana de Recife, capital do estado de Pernambuco. É o segundo

maior município da região metropolitana em termos populacionais (687,7 mil habitantes,

estimado em 2009), territoriais (256,1 Km2 de área) e econômicos (PIB de R$5,58 bilhões, em

2007). Internamente, é um município muito heterogêneo e marcado por muitas desigualdades

regionais.

Em 2009, a gestão do prefeito eleito, Elias Gomes (PMDB), reformulou a divisão

territorial da cidade em seis regiões político-administrativas e implantou administrações

regionais em cada uma delas. As secretarias municipais passaram a ter também núcleos

regionalizados presentes nas seis administrações regionais. Os objetivos desse processo,

conforme se propõe o próprio governo municipal, giram em torno de temas como

democratização, participação, eficiência e eficácia e intersetorialidade das políticas.

Esse trabalho se propõe a apreciar tais questões, partindo das percepções dos

diferentes atores envolvidos e dialogando com as problematizações ou relativizações do

“consenso” em relação ao tema de descentralização/desconcentração.

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2. Referencial Teórico

2.1. Descentralização e desconcentração

Existem diferentes entendimentos acerca dos termos descentralização e

desconcentração. Etimologicamente, ambos indicam fenômenos em que se transferem

recursos, poderes ou atribuições do centro para a periferia. Adota-se, nesse trabalho, o rigor

conceitual sob a perspectiva jurídica, segundo a qual a desconcentração indica transferências

do centro para instâncias periféricas, entre órgãos dentro de uma mesma pessoa jurídica. Já o

conceito de descentralização refere-se à transferência de um ente jurídico para outro, mais

distante do centro, contemplando a passagem de uma esfera de governo para outra (da União

para estados ou municípios, por exemplo), da administração direta para a indireta, da

Administração Pública para o setor público não-estatal ou ainda para o setor privado

(MEDAUAR, 2006).

No entanto, essa diferença conceitual entre os dois é imprecisa no senso comum.

Decorrente disso, há o uso generalizado do termo descentralização muitas vezes designando

processos de desconcentração. Muitas vezes, porém, a diferenciação entre desconcentração e

descentralização segue outros critérios conceituais e indica o primeiro como um processo

administrativo e o segundo como político. Ou ainda, alguns indicam desconcentração como

sinônimo de “descentralização administrativa”. Mas, embora “administrativo” e “político” não

sejam excludentes (ou por isso mesmo), talvez não seja possível correlacionar fortemente a

desconcentração ao administrativo e a descentralização ao político. Em outras palavras,

desconcentração e descentralização podem ter impactos tanto administrativos quanto

políticos.

Segundo a definição jurídica apresentada, a descentralização está inserida no debate

sobre o federalismo. Quando este processo acontece em relação ao município,

especificamente, a descentralização pode ser referida como municipalização. O foco desta

pesquisa, no entanto, está na desconcentração, um processo interno a uma mesma esfera de

governo, neste caso, o município. Embora esse tema não se encaixe no debate sobre

federalismo, há muitas semelhanças entre as discussões dos dois fenômenos, descentralização

e desconcentração. Disso decorre que o processo de desconcentração é comumente chamado

de uma “descentralização interna”. Dessa forma, sob outra perspectiva, decorrente do uso

comum dos termos, a descentralização seria um termo mais abrangente que abarcaria

desconcentração, municipalização e privatização, entre outros fenômenos.

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O debate sobre a descentralização avançou muito no Brasil, principalmente após a

Constituição de 1988, que deu grande impulso ao processo de municipalização. Em meio a um

contexto de urbanização intensa e desordenada, desigualdades sociais e crise de legitimidade

do Estado, a administração municipal tem cada vez mais responsabilidades na resolução de

problemas públicos.

Ao mesmo tempo, “o papel das unidades subnacionais como parte da ordem política

tem sido sistematicamente subestimado” (NUNES, 1996: 32), o que se associa a uma grande

lacuna teórica sobre o tema. Segundo Nunes (1996:38), “é preciso uma maior compreensão

conceitual dos mecanismos de difusão e capilaridade dos efeitos de poder nas dimensões

territoriais”. O processo de desconcentração é ainda mais subestimado, pois não está

diretamente relacionado ao fenômeno do federalismo.

O chamado “poder local” é um conceito difuso e que dá origem a uma grande

diversidade de estudos de diferentes recortes teóricos e metodológicos. Fischer (1993), a

partir de uma revisão geral do saber construído em torno do tema, apresenta como ponto de

convergência “a análise de relações concretas, socialmente construídas e territorialmente

localizadas” (p. 10).

Estão presentes nessa noção de local duas idéias “complementares em um sentido e

antagônicas em outro” (idem). A primeira se refere ao espaço territorial delimitado, que

sugere certa inércia, e a outra está relacionada a um espaço abstrato de relações sociais. Ou

seja, o espaço local tem um elemento territorial físico, mas não se resume a este. É preciso

considerar antes de tudo que o local alude “ao conjunto de redes sociais que se articulam e

superpõem, com relações de cooperação e conflito, em torno de interesses, recursos e

valores, em um espaço cujo contorno é definido pela configuração deste conjunto” (FISCHER,

1993:10). Considerando essas dimensões, analisar o local consiste na “identificação das redes

sociais constitutivas da localidade (...) indagações sobre o espaço político local, sobre as pautas

de convivência e cooperação, competição e conflito, sobre a memória política local e as formas

de exercício do poder”1.

1 A questão da formação das identidades locais, tão essencial para a compreensão da descentralização,

pode ser complementada pelo conceito de “lugar”, que seria, de forma simplificada, “um local povoado”

(SPINK p.). A noção de lugar evita a reificação e a hierarquização dos espaços, comumente inserida na

noção de local (local, regional, nacional, global), na qual o local encontra-se numa posição subordinada.

Lugar é “uma arena de demandas, conflitos e reivindicações para a melhoria na qualidade da vida; [...]

territorialidade, identidade – o lugar, as raízes históricas e culturais; [...] o ponto de partida para a

intersetorialidade; [...] uma nova concepção de local visto como lugar, onde a lógica da proximidade, do

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2.2. Apresentando o “consenso”

Há um consenso amplamente difundido sobre desconcentração e descentralização na

gestão pública2, segundo o qual esses fenômenos são sempre medidas necessárias para tornar

a gestão pública mais democrática, participativa, eficiente, eficaz, efetiva (NUNES, 1996;

ARRETCHE, 1996; AZEVEDO, 2004; entre outros). Uma evidência disso é que existem muitas

experiências de desconcentração e descentralização dos Estados sendo implantadas no Brasil e

no mundo e muitas expectativas positivas postas sobre elas, diante de um contexto de crise

econômica e do Estado. Na década de 80, período de auge da predominância de tais idéias, 63

dos 75 países considerados em desenvolvimentos teriam implantado reformas

descentralizadoras (DILLINGER3 citado por ARRETCHE, 1996).

Essas idéias tiveram forte presença no Brasil, visíveis principalmente no período da

redemocratização, que foi marcado por debates em torno de reformas setoriais de políticas

públicas. Com a hegemonia de grupos progressistas, as discussões tiveram como pilares as

idéias de participação social, universalização e descentralização, que se aplicavam às áreas de

saneamento e habitação, saúde, educação básica, assistência social, entre outras.

Cabe salientar, contudo, que as associações positivas em torno da descentralização

(como também as negativas com relação à centralização) servem de argumento a diferentes

espectros políticos, com concepções distintas sobre democracia, participação, eficiência, papel

do Estado.

Uma corrente política, baseada principalmente nas idéias do liberalismo, vê na

descentralização um modo de fortalecer a sociedade civil, limitando o poder de um Estado

centralizado invasivo. Para Rudolf Hommes, um dos autores que partilham essa visão, na

América Latina, “o modelo centralizador também inibiu o desenvolvimento de instituições

cívicas de base comunitária porque criou uma forte dependência das comunidades em relação

encontro e do confronto é possível; [...] que não é dado, mas se define e se redefine a partir das ações,

remetendo a um contexto de relações que não é somente local”.

2 Há uma reflexão a fazer sobre desconcentração e descentralização também para organizações

privadas, com semelhanças e especificidades, mas que não pertence ao escopo dessa proposta de

pesquisa.

3 DILLINGER, William. Descentralization, Politics and Public Services. Paper apresentado no Seminário Impasses e

Perspectivas da Federação no Brasil, em São Paulo, maio de 1995, mimeo.

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ao governo central e suas instituições” (HOMMES4 citado por ARRETCHE, 1996, p. 4). Essa

concepção também esteve presente em diversas recomendações de organismos internacionais

de financiamento ou cooperação, voltadas para países em desenvolvimento.

Já para o espectro da esquerda política, a descentralização pode ser vista como uma

aproximação do governo com a população, que viabilizaria formas de participação direta,

superando os limites da democracia representativa. Jordi Borja, por exemplo, afirma que

La única forma de superar las tendencias a la sectorialización, as

burocratismo del Estado, ladistancia com los actores sociales, etc. consiste

em crear instituciones que tengam uma capacidad de actuación global, que

sean representativas, pero que correspondam a sujetos sociales, a

ciudadanos que de alguma forma se sientam identificados entre ellos, que

tienem uma identidad comunitaria. (...) La democracia territorial que

históricamente corresponde a nuestra época desarrollar, sólo puede

construirse sobre bases locales (BORJA citado por ARRETCHE, 1996, p. 4).

Para Ladislau Dowbor, um dos autores importantes que sustentam a associação direta

entre descentralização e democracia e eficiência, primeiramente, “o espaço local permite uma

democratização das decisões, na medida em que o cidadão pode intervir com muito mais

clareza e facilidade em assuntos da sua própria vizinhança, e dos quais tem conhecimento

direto” (2008:18). Em segundo lugar, “a descentralização que o poder local permite tem

igualmente uma dimensão administrativa extremamente concreta, a dimensão da simples

racionalidade no uso dos recursos disponíveis, e na economia dos nossos esforços” (2008:13).

Ele afirma ainda que

a maioria das ações que concernem às nossas necessidades do dia a dia

podem ser resolvidas localmente, e não necessitam de intervenção de

instâncias centrais de governo, que tendem a burocratizar o processo. [...] As

instâncias superiores podem e precisam ajudar, mas a iniciativa e o

ordenamento das ações têm de ser eminentemente locais (2008:11).

Ou seja, entre as teses que defendem o tal “consenso”, muitas deles afirmam que “as

decisões são sempre mais corretas quando tomadas o mais próximo possível dos interessados

– proximidade esta entendida como física e geográfica”. Ou ainda que “os cidadãos ‘moram

nos municípios’ (mais do que – ou, até, em vez de – no estado ou no governo federal); e que,

assim, é no nível municipal que as principais decisões de interesse público devam ser tomadas”

4 HOMMES, Rudolf. Conflicts and Dilemmas of Decentralization. Paper apresentado na Annual Bank

Conference on Development Economics, em Washington D.C., 1/2 de maio, 1995.

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(AZEVEDO, 2004:70). Na mesma linha, a descentralização também é associada ao combate a

formas clientelistas de ação do Estado, já que “uma maior proximidade entre prestador de

serviços e usuários viabilizaria maior accountability dos governo em relação aos cidadãos e,

por esta razão, maior responsiveness daqueles em relação às necessidades destes” (ARRETCHE,

1996:17).

Segundo Arretche (1996), “simetricamente, passou-se a associar centralização a

práticas não democráticas de decisão, à ausência de transparência das decisões, à

impossibilidade de controle sobre as ações de governo e à ineficácia das políticas públicas” (p.

2). Dessa forma, tais argumentos defenderiam a redução das atribuições do governo central e

consequente aumento da atuação das instâncias locais. Dowbor (2008) faz a crítica do poder

centralizado como:

uma sobrevivência de outra época, quando no nível local não existia a

capacidade de ação organizada. [...] A pretexto de existirem menos técnicos

no nível local, imagina-se que os recursos não serão bem aplicados se a sua

transferência não for cercada de uma selva de leis e regulamentos. A verdade

é que quanto mais centralizada a decisão, mais técnicos existem, porém

menor é o controle por parte da população (DOWBOR, 2008:16).

2.3. Problematizando / Relativizando o consenso

Decorridos alguns anos de implementação de experiências descentralizadoras, embora

esse consenso em torno do tema ainda persista, tornou-se possível para diversos autores

problematizá-lo ou relativizá-lo, a partir de evidências teóricas e empíricas. Arretche elucida:

Não se trata, contudo, como pode parecer a princípio, que pretendo

demonstrar que a descentralização não permita viabilizar a realização

daqueles objetivos; trata-se tão somente de demonstrar que várias das

expectativas que repousaram sobre esse conjunto de associações positivas

não são um resultado necessário e automático da descentralização (1996:2).

A autora, então, apresenta três argumentos contra três premissas básicas do consenso

mencionado:

O primeiro discute que não há uma relação direta entre nível de governo e

democracia. A autora afirma:

Dado que permanecerão existindo questões que devem ser processadas

pelos distintos níveis de governo, o caráter democrático do processo

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decisório depende menos do âmbito no qual se tomam decisões e mais da

natureza das instituições delas encarregadas (1996:63).

Por um lado, a descentralização favorece às formas de democracia direta, porque esta

“supõe necessariamente uma demos de pequenas dimensões”. Mas, isso por sua vez, “implica

também a redução do escopo das questões a respeito das quais uma dada população deve

pronunciar-se” (ARRETCHE, 1996:5-6). Ou seja, as formas de participação direta possuem uma

agenda decisória limitada no que tange a questões de escala mais abrangente. Por outro lado,

a prática da democracia no âmbito de um governo de larga escala, envolvendo um país inteiro,

não seria possível sem um sistema representativo. Além disso, a a hipervalorização das formas

de democracia direta “leva, às vezes, até a se desconsiderar que na própria localidade, nos

municípios, também se impõe aperfeiçoar (e não abandonar) os sistemas representativos-

parlamentares” (AZEVEDO, 2004:73).

Além disso, enquanto o governo centralizado é criticado pela possibilidade de

enfraquecimento da democracia e dominação política, não há características intrínsecas ao

processo de descentralização que garantam a superação dessa dominação, podendo ao

contrário agravar a existência de uma dominação no interior dos entes descentralizados. Há

ainda aspectos da cultura política de cada sociedade que devem ser considerados como

condicionantes dos processos de reformas descentralizadoras (ARRETCHE, 1996).

Ao mesmo tempo, a autora atenta para o fato de que

isto não signica que a descentralização de um conjunto significativo de

decisões políticas não possa ser uma elemento de radicalização e

aprofundamento da democracia nas circunstâncias atuais. Mais que isto, faz

sentido supor que instituições de âmbito local, dotadas de efetivo poder,

possam representar um incentivo à participação política, dado que podem

possibilitar formas mais efetivas de controle sobre a agenda e sobre as ações

de governo. No entanto, não é suficiente que se reforme apenas a escala ou

âmbito da esfera responsável pela decisão a ser tomada. É necessário que se

construam instituições cuja natureza e cujas formas específicas de

funcionamento sejam compatíveis com os princípios democráticos que

norteiam os resultados que se espera produzir (1996:6).

De forma complementar, Azevedo afirma que

embora não se tenha dúvida a respeito da naturea estratégica das localidades

(...), o caminho para a democracia e para uma administração pública de maior

qualidade não se restringe e nem sequer se dá, necessariamente, ou de modo

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especial, no nível local. Ao contrário, a (indispensável) valorização do

município há que se dar no contexto do desafio e da luta pela simultânea – e

articulada – reformulação da administração pública e do Estado, também nos

níveis regionais, estaduais e nacionais (e, ainda – por que não –, na esfera

global) (2004:71).

O segundo argumento de Arretche questiona a premissa de que, sendo o nível local de

governo mais eficiente na condução das políticas públicas, suas funções devem se expandir

como contrapartida do esvaziamento de funções do governo central. A partir da análise do

caso federativo brasileiro, Arretche defende que o sucesso de reformas descentralizadoras

está associado à redefinição do papel da esfera centralizada, “mais especificamente o

fortalecimento de suas capacidades administrativas e institucionais na condução e regulação

de políticas setoriais implementadas pelos governos subnacionais e do próprio processo de

descentralização” (1996:63).

Na ausência do governo central – na função de direção e coordenação do processo de

descentralização – decorre um caráter errático ao processo, já que pode haver uma grande

heterogeneidade entre os entes descentralizados quanto às suas capacidades físicas,

administrativas e políticas, desencadeando desigualdades de toda ordem. Dada as diferentes

capacidades e a escala local de atuação dos entes descentralizados, apenas o governo central

pode atuar efetivamente na superação dessas desigualdades (ARRETCHE, 1996).

A terceira visão problematizada pela autora é a de que “a descentralização de políticas

publicas é capaz de – por si só – reduzir os elevados graus de apropriação privada dos bens e

serviços do Estado identificados nas grandes e pesadas estruturas burocráticas” (1996:45). A

ocorrência de práticas clientelistas não está atrelada ao nível de governo, mas à natureza das

relações entre burocracias públicas e controle efetivo dos cidadãos sobre a ação dos governos.

Além disso,

a formulação e implementação de políticas adequadas às necessidades dos

cidadão – conceito este que é certamente sujeito à grande controvérsia –

depende menos do nível de governo delas encarregado que do desenho de

instituições que criem incentivos ao comportamento responsável por parte

dos governos. Isto não significa que a proximidade não possa ser – para

algumas políticas – um elemento que possa propiciar tais incentivos; significa

que certamente a proximidade não é uma condição suficiente para tal

(ARRETCHE, 1996:19) (grifo no original).

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Há ainda autores que indicam possibilidades de parcialidade na própria

descentralização, derivados da mesma proximidade do governo com os cidadãos (Rosanvallon

apud Arretche, 1996). Ou indicam também as chances de que aumentem a ocorrência de

práticas de corrupção quanto mais locais forem as burocracias públicas (Tanzi apud Arretche,

1996). Azevedo atenta para a necessidade de criticar esse “outro lado da moeda”, em que

associa-se o poder local a corrupção, desperdício, desqualificação e ineficiência. Também

nessa outra vertente, não há evidências empíricas ou teóricas que permitam estabeler uma

relação automática entre esses aspectos.

Edison Nunes (1996) vai mais além, situando o conceito de “poder local” nas teorias

políticas modernas. Nas teorias da formação do Estado Moderno “os poderes locais são vistos

como inimigos, já que a soberania significa a reunião de todo o poder na figura do Estado

nacional”. Estão relacionados ao poder privado e, portanto de uma natureza distinta do

político, das oligarquias tradicionais. Enquanto isso, nas teorias do governo representativo, os

níveis locais encontram-se subordinados a um governo central, “mais frequentemente como

níveis meramente administrativos”, proposição fundada numa “maior eficiência e focalização

dos atos administrativos” (grifo no original). Diante disso, Nunes destaca a lacuna teórica

existente na explicação do fenômeno da territorialização do poder político (1996:32-33).

Diante desse contexto teórico, o autor rejeita duas imagens paralelas bastante

difundidas nos discursos sobre poder local. A primeira é a de que “por ser ‘mais próximo’ do

cidadão, o poder local é mais factível de servir de palco a uma maior participação”. Para Nunes

(1996:34):

primeiramente, o município não é mais nem menos abstrato que os demais

níveis de governo. O que acontece mais frequentemente é que suas pautas,

geralmente administrativas, são mais concretas apenas no sentido em que

são mais facilmente compreendidas pela maioria da população, através da

vivencia cotidiana do meio urbano. [...] Reduz-se a submissão política à

influência exercida diretamente sobre uma esfera de governo, de resto a mais

particularizada. Ocorre que [...] a real democratização depende, cada vez

mais, das decisões mais universais. [...] Finalmente, a proximidade do poder é

no mínimo ambígua, pois é também o lugar da reprodução do poder

discricionário das oligarquias.

Nesse sentido, Azevedo complementa atentando para o fato de que o município

compõe ao mesmo tempo o solo estadual, federal, regional e global e que “as decisões locais

não são necessariamente as que mais afetam os cidadãos” (2004:71), a exemplo das questões

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macroeconômicas, como a determitanação da taxa básica de juros pelo Banco Central, que

afeta fortemente a geração de empregos e outros aspectos sensíveis em nível local.

A segunda imagem é a de que descentralização e democracia são consubstanciais.

Entretanto, é lembrado que no passado a centralização política teve um papel importante para

a democratização. Assim, a validade dessa imagem seria limitada às circunstâncias atuais –

dentre as quais destacamos a crise de representação política do Estado, o caráter tecnocrático

do governo e as desigualdades territoriais. Embora tais fatores não levam naturalmente à

descentralização como solução, é nela que são depositadas as esperanças.

Nessa mesma direção, Azevedo afirma que, não raro, a valorização da

descentralização seria uma “atitude escapista”, pois

“ela, na verdade não se dá, ou não se constrói, no mais das vezes, pelo

reconhecimento ou pela crença nas efetivas e intrínsecas virtudes das

localidades. Decorre, sim: de um lado, da tentativa (“ainda” infrutífera) de

resposta à crise de legitimidade do Estado moderno de Bem Estar, de suas

instâncias centrais de decisão e dos modelos burocráticos de gestão; de outro

lado, da (também malsucedida) intenção de construir e implantar, ou ao

menos esboçar, uma alternativa à instituicionalidade vigente, a democracia

representativa parlamentar cunhada ao longo dos séculos IX e XX (AZEVEDO,

2004:72).

Além disso, a superficialidade do consenso sobre descentralização e poder local

contribui para que não se elucide sobre a constituição política das identidades. Como se define

a dimensão territorial do local? Quem é o sujeito detentor do “poder local”? Segundo Nunes,

nas premissas superficiais sobre descentralização, aparece um “sujeito territorial” ambíguo,

“na sua dupla face de ‘povo e governo’ ”. Isso, por sua vez, implica organização, instituições de

governo representativo, e portanto burocracia – tão criticada nos governos centralizados.

“Ocorre que os recorte territoriais não são dados da realidade social, mas antes construções

políticas”, assim como também é a própria natureza dos sujeitos políticos. “Em outras

palavras, o que, quem, como, onde e quando se decide causa um impacto sensivelmente sobre

quem se organiza e o que constitui uma pauta de reivindicações” (1996:37).

No âmbito dos atores envolvidos na luta política pela descentralização, Arretche

observa que, no Brasil, esta luta:

passa-se essencialmente no interior da esfera estatal, vale dizer, as demandas

que a impulsionam são realizadas por atores tais como prefeito,

governadores, técnicos das agências estatais e especialistas em questões de

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políticas públicas. Estas, por sua vez, não encontram grande ressonância no

âmbito da sociedade civil; na verdade, os movimento sociais dirigem suas

reinvindicações ao setor público tomado genericamente, independentemente

do nível de governo envolvido (Grossi5 citado por Arretche, 1996:3). Assim,

por razões de proximidade apenas (e não por princípios políticos), os

governos locais tornam-se o alvo direto destas reivindicações e são mais

fortemente pressionados a atendê-las (ARRETCHE, 1996:3).

Já Spink faz uma crítica sob uma perspectiva adicional. Ele critica a forma como a

descentralização estava sendo defendida, principalmente por diversas agências internacionais

de cooperação: como uma reforma de caráter técnico para promover desenvolvimento

econômico e democracia. Segundo ele, a idéia – que perdura por mais de 30 anos – não

demonstrou alcançar os resultados prometidos nas experiências práticas. Em primeiro lugar,

porque a associação causal entre descentralização e desenvolvimento ou democracia advém

de uma análise superficial do cenário nos países desenvolvidos, em que há a ocorrência dos

três elementos. Mas não se considera o processo histórico que levou a isso e a simples co-

existência desses aspectos não significa por si só que implica a relação de causa e efeito

(SPINK, 1993).

Em segundo lugar, o autor aponta para uma cisão teórica e prática entre administração

e política, contida nas propostas de reforma. Para ele,

descentralização nos países em desenvolvimento é uma temática de

autoridade e poder que se forma não como um processo técnico dentro de

uma situação quase-estável, mas como processo político-técnico de

reconfiguração do espaçõ de ação popular e de redefinição do terreno inter-

subjetivo da relação ‘Estado-cidadão’ dentro de uma conjuntura conflituosa

de interesses e alianças as mais diversas (SPINK, 1993:85).

2.4. Experiências de desconcentração intra-municipal

São poucos os estudos acerca de casos práticos de desconcentração, isto é,

transferências de recursos, poderes e responsabilidades entre órgãos de uma mesma figura

jurídica, nesse caso, a Administração Direta municipal. É menor ainda a quantidade dos

estudos empíricos que consideram as problematizações em relação à associação direta entre,

de um lado, descentralização/desconcentração e, de outro, democracia, participação,

5 GROSSI, María. “Situacion y Perspectivas de los gobiernos locales em Brasil”, in: BORJA, Jordi et al.

Descentralizacón y Democracia. Gobiernos Locales em América Latina. Santiago, CLACSO, 1989.

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transparência, controle social, eficiência e eficácia. Ainda assim, alguns autores elucidam ou

introduzem questões relevantes para o propósito desse trabalho.

Fischer, Colomer e Teixeira (1993) observam, no início dos anos 90, que a

desconcentração começava a se irradiar por diversas cidades brasileiras, por meio da criação

de “administrações regionais”, na maior parte dos casos associada a alguma forma de

participação popular. Fizeram, então, um estudo comparativo com experiências de

desconcentração em quatro capitais brasileiras e quatro capitais espanholas.

Falando especificamente dos casos brasileiros, os autores destacaram que a maioria

deles envolve a divisão do município em distritos, a partir de critérios geográficos e sócio-

econômicos. As administrações são indicadas pelo prefeito e possuem funções bem definidas,

que envolvem a gestão de serviços desconcentrados e a mediação entre a população e a

Prefeitura. Apontam ainda que, indubitavelmente, os processos de desconcentração

favoreceram a organização popular e criaram espaços instituicionais de participação. Todavia,

o quadro é instável por diversos motivos – o movimento popular não ocupa os espaços com

segurança com receio de perder sua autonomia em relação ao Estado, as práticas clientelistas

e eleitoreiras ainda persistem em alguns casos e não existe uma tradição de diálogo entre

governo e sociedade (FISCHER; COLOMER; TEIXEIRA, 1993).

Os autores apontam algumas diferenças entre os dois países, sugerindo alguns pontos

de reflexão acerca do tema. Em primeiro lugar, o contexto histórico de cada país implica

especificidades nos processos de desconcentração municipal. A Espanha possui um legado

histórico de forte autonomia municipal, consolidado durante muitas décadas, enquanto que

no Brasil há uma luta contra o centralismo que marcou a maior parte da história política

nacional e esteve muito aprofundado no período anterior à redemocratização, a ditadura

militar (FISCHER; COLOMER; TEIXEIRA, 1993).

Decorrente disso, a descentralização e a participação na Espanha é mais

institucionalizada, por meio da própria Constituição Espanhola, dos Estatutos da Autonomia e

da Lei de Bases do Regime Local, o que garante maior continuidade e estabilidade às políticas.

Já no Brasil, veem-se tentativas das prefeituras em institucionalizar os canais de

descentralização/desconcentração, buscando garantir sua legitimidade e continuidade, mas

ainda é grande a ocorrência de soluções alternativas. Além disso, a assimilição dos novos

modelos, tanto pela burocracia pública quanto pela população, é ainda embrionária. Ao

mesmo tempo, diferentemente da Espanha, os casos brasileiros possuem origem nas próprias

municipalidades (FISCHER; COLOMER; TEIXEIRA, 1993).

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Outra diferença apontada entre os dois países se refere ao grau de organização e

mobilização da sociedade civil. Segundo o estudo, o tecido associativo é relativamente forte na

Espanha, enquanto no Brasil ele é fragmentado e vive uma crise de rumos, o que limita a

participação da sociedade nos projetos de desconcentração (FISCHER; COLOMER; TEIXEIRA,

1993).

Por fim, os autores destacam uma diferença essencial: “enquanto os projetos de

descentralização intra-municipal, na Espanha, estão a serviço de um projeto mais amplo de

gestão da cidade, no Brasil esta perspectiva é mais difusa e comprometida por interesses

partidários e até por uma visão mais míope setorializada” (FISCHER; COLOMER; TEIXEIRA,

1993:123).

Spink (1993) também fala de algumas experiências. Ele relata brevemente o caso da

República de Cabo Verde, pequeno arquipélago com 300.000 habitantes, que tentou

implementar reuniões com a população nas aldeias distantes da capital, para discutir a forma

como as pessoas entravam em contato com o governo. Esse caso serve para relativizar a

importância vista pela população na desconcentração, pois “descobriu-se que (...) ir à cidade

para fazer um registro era visto positivamente porque dava a oportunidade de fazer visitas,

buscar notícias e comprar implementos; ou seja, de agir socialmente” (SPINK, 1993:79). Era

preferível aos cidadãos tornar mais ágeis e flexíveis os serviços na própria capital.

Como contraponto, uma descrição mais detalhada é feita sobre as primeiras tentativas

de implantação das subprefeituras na cidade de São Paulo, durante o governo da prefeita Luiza

Erundina de Sousa6. A reforma administrativa pretendida tinha como objetivo “... adequar a

máquina administrativa da Prefeitura Municipal de São Paulo a um processo de gestão

democrática, transparente e participativa, com vista à adequada prestação de serviços à

população de São Paulo” (D.O7 citado por SPINK, 1993). Durante o processo dinâmico de

discussões e proposições da reforma, Spink (1993) elenca uma série de premissas clássicas da

adminsitração pública que foram colocadas em cheque, das quais destacamos algumas.

Primeiramente, viu-se que o modelo anterior não poderia ser caracterizado como

“centralizado”, visto que era composto por cerca de 40 órgãos, entre secretarias, empresas

6 A divisão do território municipal já havia sido proposta desde 1956, quando criou-se 20 subprefeituras, que gradativamente foram perdendo sua importância e se tornando responsáveis apenas por pequenas obras e fiscalização de terrenos (SPINK, 1993).

7 SÃO PAULO. Reforma da Administração Pública da Cidade de São Paulo. Diário Oficial [do Município de São Paulo], São Paulo, Suplemento, 34 e 143, 2 de ago. 1989.

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públicas e administrações regionais. Havia uma grande diferenciação entre as atuações de

cada unidade, o que levava à uma desresponsabilização da adminstração pública. Além disso,

diversas secretarias possuíam sua própria divisão regional para a cidade, não alinhadas entre

si. Ou seja, não era possível para o governo atuar nos territórios da cidade de forma articulada

e coerente, nem para os cidadãos compreender a lógica da sua cidade e exercer seus direitos.

A partir disso, durante a proposta de reforma:

buscou-se essencialmente uma reconcentração, criando-se novos centros

claros cuja função podia ser rapidamente compreendida pela população, e

cuja atuação podia ser avaliada e responsabilizada (...). Ao servir como pólo

integrador de serviços diferentes, a subprefeitura forneceria para a pessoa

um ponto claro e compreensível de diálogo de luta na construção social do

cotidiano (SPINK, 1993:81).

Isto é, o modelo de criação de subprefeituras buscava, antes de tudo, uma

“reconcontração”, em contraposição ao modelo anterior que não podia ser considerado como

centralizado/concentrado. Esse, por sua vez, pode não ser considerado tampouco como

desconcentrado, mas, sim, introduzindo uma idéia de MARTINS8 (citado por AZEVEDO,

2004:72), como ”centrifugado”:

“A descentralização que perde de vistaa a revitalização democrática do todo

em nome da autarquização caótica das partes não é descentralização, mas

‘centrifugação’, um descaminho fatal que inviabiliza a democracia e a propria

convivência na medida em que implica a recusa do viver em sociedade”.

O segundo ponto foi descobrir que era falso o argumento de que descentralizar é caro

porque envolve o deslocamento das estruturas públicas. Viu-se que “os serviços públicos são,

quase por definição, localizados perto das pessoas que precisam deles” e que a reforma

consistiria, na realidade, em um processo de reposicionamento do poder e da autoridade para

coordenar e decidir (SPINK, 1993:82).

Em terceiro lugar, desmistificou-se o pressuposto da secretaria mono-profissional.

Propunha-se um nível local caracterizado pela integração de serviços, com equipes

multidisciplinares, e um nível central pela coordenação e pela definição de diretrizes gerais.

Assim, o número de secretarias foi reduzido a cinco, que somado às 13 subprefeituras,

comporia um primeiro escalão de 18 pessoas, simplificando a lógica de organização do poder

municipal.

8 MARTINS Carlos Estevam. O circuito do poder. São Paulo: Editora Entrelinhas, 1994.

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O projeto de lei da reforma administrativa enviado à Camara Municipal de São Paulo

não pôde se concretizar, mas “seria fácil deixar o projeto como mais uma vítima de um

processo legislativo emperrado ou de falta de boa relação entre um executivo eleito de um

partido e vereadores eleitos de partidos diferentes” (SPINK, 1993:84). O autor busca outras

explicações que o levam à perpepção de que os pressupostos clássicos que foram

desmontados “faziam parte de um mundo político-administrativo coerente” (idem). Isto é, as

propostas de reforma implicavam necessariamente em mudanças na configuração de poder e

hegemonia técnica de alguns grupos. Segundo o autor,

para cada bloco, suas razões tinham a consistência interna de uma

representação consolidada; entretanto, foi a soma das consequências destas

razões individuais que militou de uma propriedade prévia, um terreno de

atuação que era visto de forma particular (SPINK, 1993:85)

As referências teóricas apresentadas acima fundamentam e direcionam o olhar para o

caso de Jaboatão dos Guararapes, estudado neste trabalho. Em sua essência, os argumentos

nos levam a desmistificar a visão ingênua e superficial de que a desconcentração está direta e

consubstancialmente relacionada à democracia e a melhores resultados na administração

pública. As análises dos casos práticos apresentadas serve ainda de bases de comparação e de

exemplos de elementos que mostram o quão complexa é a descentralização/desconcentração,

os quais podem ou não estar presentes em outros casos, das maneiras diversas. Ao olhar para

uma experiência de desconcentração, portanto, podemos ou devemos questionar o contexto

histórico e político que fornecem significados para os modelos de gestão, os territórios do

município e as formas de participação popular.

3. Metodologia

A metodologia adotada nessa pesquisa consiste em um estudo qualitativo composto

de estudo bibliográfico; levantamento de dados secundários junto a bancos de dados públicos

federais e estaduais; coleta e análise de documentos e publicações na mídia local; observações

diretas, entrevistas semi-estruturadas e análise de conteúdo.

O estudo bibliográfico levantou as principais questões em debate acerca da relação

entre descentralização/desconcentração e democracia, participação e melhoria dos processos

Page 19: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

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de gestão. Os resultados foram sintetizados no referencial teórico que baseia a análise da

experiência de Jaboatão dos Guararapes.

A coleta de dados secundários em bases de dados públicas federais e estaduais

permitiu sistematizar alguns dos principais dados socioeconômicos de Jaboatão dos

Guararapes e de cada região do município.

A coleta e análise de documentos envolveu:

a- leis e decretos municipais que cuidaram da implementação jurídica da política

de desconcentração, incluindo a divisão regional do município e o novo

organograma da prefeitura que institui os órgãos regionais e suas

atribuições;

b- documentos internos da prefeitura, como apresentações, atas de reuniões e

cartilhas, que expõem a dimensão prescrita da política e o discurso oficial

do governo;

c- pesquisas de opinião de caráter quantitativo, feita por uma empresa local,

encomendadas para consumo interno do governo, que mostram a

repercussão pública do atual governo, entre outros aspectos.

Procedeu-se também a um levantamento de notícias nos três principais jornais locais e

no sítio eletrônico do Tribunal de Contas do Estado sobre o histórico político recente de

Jaboatão dos Guararapes e sobre as repercussões do primeiro ano do atual governo.

As observações diretas ocorreram durante reuniões internas de gestão e fóruns

populares promovidos pela prefeitura. As entrevistas foram semi-estruturadas e os

entrevistados foram escolhidos considerando a variedade de atores envolvidos na política de

desconcentração. Assim, foram selecionados os cargos do poder executivo que têm ligação

direta com a desconcentração, assim como dois membros do poder legislativo municipal.

Tendo em vista limitações de distância física e disponibilidade de tempo, foram

escolhidas duas secretarias para aprofundar as observações e as entrevistas. A primeira delas

foi a de Saúde, considerando: (a) o grau de desenvolvimento institucional das políticas de

saúde no Brasil como um todo, e particularmente em relação aos processos de

descentralização e desconcentração, em relação às outras áreas de políticas públicas

(ARRETCHE, 1996; SPINK, 1993) e (b) a indicação dos próprios entrevistados em geral, de que a

secretaria de saúde, no momento, é a que melhor implementa a política de desconcentração,

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no sentido de incorporar as demandas e ações regionais no seu planejamento central. Como

contraponto, direcionamos outro olhar para a Secretaria de Assistência Social, que como área

de política pública não recebe a mesma atenção nos processos de aprimoramento da gestão e

nem foi mencionada nas entrevistas com o mesmo destaque que a de Saúde.

As mesmas limitações citadas, somadas ao pouco tempo em curso da experiência em

Jaboatão, dificultaram a avaliação de resultados concretos em campo. Por isso a análise de

conteúdo tem o intuito de analisar a experiência em Jaboatão a partir de uma visão

interpretativa do processo de desconcentração, do ponto de vista dos entrevistados.

Buscamos compreender “a construção de significados que os atores sociais exteriorizam no

discurso”, entendendo que “o significado não existe no vácuo, mas sim para um indivíduo

específico ou grupo de indivíduos em um dado contexto” (SILVA et al, 2005:72).

4. O Estudo de Caso

4.1. O município de Jaboatão dos Guararapes

Jaboatão dos Guararapes está localizado no litoral do estado de Pernambuco, na

Região Metropolitana do Recife (RMR), e é o segundo maior município do estado em termos

de população, PIB e arrecadação tributária. A população total estimada em 2009 é cerca de

687,7 mil habitantes. De 2000 a 2007, a população de Jaboatão teve um crescimento de,

aproximadamente, 1,94% ao ano, bem acima da média do Estado, com 0,98% ao ano, em face

de um processo de forte migração para o município.

O PIB municipal é estimado em R$ 5,58 bilhões (dado para 2007, o mais recente

disponível, a preços correntes), que representa 8,53% da economia do estado e 13% da Região

Metropolitana, perdendo apenas para Recife que representa 50% do PIB da RMR e 33% do PIB

pernambucano. O PIB per capita, no entanto, situa-se em sétimo lugar do estado, por ser um

município muito populoso, sendo R$ 8.384,00 em 2007. (IBGE)

Historicamente Jaboatão é marcado pela economia açucareira, com grandes

plantações de cana de açúcar e importantes e antigos engenhos. Hoje, embora a agropecuária

não seja uma atividade significativa no município, Jaboatão tem uma ampla área rural e é um

produtor médio de cana-de-açúcar, principal produto agrícola do município. Atualmente, sua

economia já tem uma forte base industrial e de serviços. Destaca-se também uma infra-

estrutura de turismo de negócios consolidada.

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Jaboatão tem uma localização estratégica, pois reúne algumas condições favoráveis

para alavancar o desenvolvimento econômico: passam pelo município duas vias férreas e duas

rodovias federais (BR 101 e BR 232), além de ter o Aeroporto Internacional dos Guararapes e

estar próximo ao Complexo Industrial e Portuário de Suape – mais completo pólo de negócios

industriais e portuários da Região Nordeste e em pleno desenvolvimento. Essas condições

fizeram com que o município consolidasse um núcleo logístico do estado e do Nordeste.

(BUARQUE, 2008)

Porém, a segunda maior economia pernambucana, Jaboatão, tem baixa qualidade de

vida, expressa nos principais indicadores sociais, embora mesmo assim, o município apresente

desempenho melhor que a média do Estado em quase todos os indicadores. Jaboatão tem o

quinto menor índice de pobreza do estado e o quarto melhor IDH. Mas não apenas o IDH

inferior a 0,80, como também o nível de escolaridade, o analfabetismo e o saneamento básico

são considerados muito deficientes, considerando o porte do município e sua posição

metropolitana.

Tabela 1 - Indicadores sociais de Jaboatão dos Guararapes e do Estado de Pernambuco

Fontes: IPEADATA, DATASUS, Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, IBGE.

* Na população de 25 anos ou mais

De acordo com os dados acima apresentados, o pior desempenho está nos indicadores

de abastecimento de água e esgotamento sanitário, aspectos centrais para a qualidade de vida

das famílias. Apenas 21,12% dos domicílios são ligados à rede geral de esgoto. Segundo o

Plano Plurianual 2010-2013 de Jaboatão, todavia, como esses dados estão muito defasados

Tabela I – Indicadores sociais de Jaboatão dos Guararapes e do Estado de Pernambuco

Indicadores Sociais Jaboatão do Guararapes

Pernambuco

Índice de Pobreza (2003) - % 53,81 52,5

IDH (2000) 0,777 0,692

Índice de Gini (2003) 0,45 0,50

Analfabetismo* (2005) - % 13,2 20,47

Média dos anos de estudo (2000)* - em anos 6,2 5,02

Crianças (0-14 anos) fora da escola (2009) - % 20,2 -

Crianças (15-17 anos) fora da escola (2000) - % 17,0 20,4

Mortalidade infantil (2000) - p/ cada mil nascidas vivas 27,49 44,80

Expectativa de vida ao nascer (2000) - em anos 72,8 64,30

Percentual de domicílios c/ abastecimento de água (2000) 79,19 85,48

Percentual de domicílios c/ esgotamento sanitário (2000) 21,12 43,07

Numero de homicídios em cem mil habitantes (2007) 73,3 53

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(2000), foi feita uma estimativa para 2009 considerando que a melhoria dos indicadores no

período (2000/2009) acompanhou o ritmo de evolução da Região Metropolitana do Recife;

assim, estima-se que, em 2009, Jaboatão teria 24,6% dos domicílios com esgoto sanitário e

87,2% dos domicílios com abastecimento de água.

Na área da educação, Jaboatão também possui um grave deficiência se considerado o

grande número de crianças na faixa de 0 a 14 anos fora da escola, estimado em cerca de 34,8

mil crianças (2009), o que representa cerca de 20,2% da população dessa faixa etária. Estima-

se ainda que dessas a grande maioria está na faixa de 0 a 5 anos. Já entre jovens de 15 a 17

anos, 17% estão fora da escola, o que representa um grave problema associado à falta de

perspectiva profissional e ociosidade da juventude.

Outro grande problema de Jaboatão é a violência urbana. De acordo com o DATASUS,

Jaboatão registrou em 2007 cerca de 73,3 homicídios para cada cem mil habitantes, sendo o

quarto maior índice da Região Metropolitana e bem acima da média do estado (53 homicídios

em cem mil habitantes). Se considerarmos a série histórica, entretanto, Jaboatão vem

acompanhando um movimento geral do estado de queda nos índices de violência. O município

teve uma leve melhora do quadro nos últimos três anos, assim como vem caindo a diferença

entre os índices de violência de Jaboatão e de Pernambuco.

Numa pesquisa de opinião pública realizada em dezembro de 2008, a população de

Jaboatão foi questionada sobre os principais problemas do município e as respostas refletem a

situação mostrada pelos indicadores. Dos entrevistados, 27% responderam “Falta de

segurança/Violência/Falta de policiamento”, e em seguida 13% indicaram “Falta de

saneamento básico”. Outra pergunta foi feita em relação à percepção de desenvolvimento do

município e 70% acham que Jaboatão está parado enquanto apenas 17% acham que está se

desenvolvendo.

Um município extenso e heterogêneo

Todos esses indicadores retratam o desempenho médio do município e, portanto, não

transparecem as desigualdades existentes em seu território. No entanto, Jaboatão tem

territórios muito diferentes entre si. Para traçar os perfis das diferentes regiões do município,

tomaremos como referência a divisão territorial atualmente utilizada pela prefeitura para

implementar a política de desconcentração da gestão municipal. O próprio governo alega que

Page 23: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

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a divisão foi proposta já durante a campanha eleitoral com o objetivo primeiro de

compreender melhor o território. Isto é, foram considerados critérios demográficos, sócio-

econômicos, políticos e culturais.

Jaboatão está dividido em seis regiões político-administrativas com características bem

diversas – Jaboatão Centro, Cavaleiro, Curado, Muribeca, Prazeres e Praias. Veremos o perfil

de cada uma delas.

Jaboatão Centro

É a região em que se fundou o município de Jaboatão em 1593 e na qual esteve

localizada a sua sede até 1989 (MARCENA, 2007). Mantém hoje em grande parte das ruas a

aparência de centro histórico, concentrando um grande patrimônio cultural. Por isso a região

possui diversas Zonas Especiais de Proteção de Patrimônio. A área possui um centro comercial

e de serviços, com um mercado público, bancos e alguns equipamentos de lazer, como a Casa

da Cultura e um cine-teatro que vem passando por uma grande reforma.

A população estimada da região (2008) é de 118.882 habitantes e é a região de maior

extensão territorial, 109,5 Km2. Entre os chefes de domicílio, 12,3% ganham até ½ salário

mínimo e 34,8 contam com menos de quatro anos de estudo; 15,9% da população com 15

anos ou mais são considerados analfabetos; 8,1% dos domicílios possuem abastecimento de

água inadequado (abaixo da média do município, enquanto 71,1% possuem esgotamento

sanitário inadequado. A taxa de mortalidade infantil é de 15 a cada mil crianças nascidas vivas.

Cavaleiro

Essa regional surgiu do Engenho de Cavaleiro e se tornou distrito de Jaboatão em 1848

(MARCENA, 2007). Possui um caráter mais dinâmico, com grande fluxo de pessoas e atividades

industriais, comerciais e de serviços. Há uma infra-estrutura metroviária implantada e duas

estações de trem urbano, que têm potencial para ampliar a mobilidade da população da região

de Curado ao Complexo Industrial e Portuário de Suape. O meio ambiente preservado na área

inclui uma Zona de Preservação Permanente.

A população estimada para 2008 é de 126.665 pessoas e a extensão territorial é uma

das menores, 12,3 Km2, sendo a região de maior concentração populacional, com

aproximadamente 10.298 hab/Km2. A taxa de analfabetismo é de 14,8% da população com 15

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anos ou mais e 32,5 dos chefes de domicílio possuem menos de quatro anos de estudo e

13,8% ganham até ½ salário mínimo. A região tem a pior taxa de esgotamento sanitário, com

74,4% dos domicílios em situação inadequada. Quanto ao abastecimento de água 7,9% estão

em situação inadequada. A taxa de mortalidade é de 14,8‰.

Curado

A região contém o Distrito Industrial do Curado, que tem como vias de acesso a BR-408

e a BR-232, próxima ao Terminal Integrado de Passageiros (TIP). A região tem também uma

área de preservação ambiental, com concentração de pequenos sítios, próximo a Mata de

Manassu, com potencial ambiental e turístico.

A maior parte dos moradores do Curado reside em conjuntos habitacionais de

moradias populares ou nas localidades que surgiram ao longo dos anos em seu entorno. Por

causa desses conjuntos, é a região com os melhores indicadores de saneamento básico:

apenas 2,4% dos domicílios possuem abastecimento de água inadequados e 25,2%,

esgotamento sanitário inadequado. Também possui o melhor índice de escolaridade (16,6%

dos chefes de domicílios com menos de 4 anos de estudo), a menor taxa de analfabetismo

(7,6% da população com 15 anos ou mais), o menor índice de chefes de domicílios que ganham

até ½ salário mínimo (5,9%) e o menor número de vítimas de homicídio em 2007 (29). Apesar

de tudo isso, e quase inexplicável, os índices registram a maior taxa de mortalidade infantil do

município, 27,5 por mil crianças nascidas vivas.

Possui 52.166 habitantes (estimativa para 2008) e um território de 10,8 Km2.

Muribeca

Essa região é mais antiga que o próprio povoado de Jaboatão, pois sua fundação data

de 1571. Em 1884, Muribeca tornou-se um município. “Cresceu muito, chegando a ser mais

desenvolvida que Jaboatão [Centro] e depois entrou em decadência perdendo a categoria de

viala, de município e de comarca, voltando a pertencer a Jaboatão” (MARCENA, 2007:12).

Nessa região se concentra o pólo logístico do município em torno das vias do Eixo de

Integração e na BR-101. Possui também dois conjuntos habitacionais que formaram, em seu

entorno, centros comerciais de médio porte. É a região com maior área rural. Conta com duas

Zonas de Preservação Permanente e um rico patrimônio cultural, incluindo a igreja mais antiga

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do município e o Morro dos Guararapes, que ficou famoso por sediar uma das maiores

batalhas de expulsão dos holandeses no século XVII.

Possui uma população de 49.626 habitantes (estimativa para 2008) e uma área de 72,3

Km2, sendo a região de menor densidade demográfica, 686,4 habitantes por Km2. Entre os

chefes de domicílio, 15% ganham até ½ salário mínimo e 34,8% contam com menos de quatro

anos de estudo; 14% da população com 15 anos ou mais são considerados analfabetos; 11,2

dos domicílios possuem abastecimento de água inadequado (maior índice do município),

enquanto 45,9% possuem esgotamento sanitário inadequado (menor que a média municipal).

A taxa de mortalidade infantil é de 13,4 a cada mil crianças nascidas vivas.

Prazeres

Prazeres teve um crescimento econômico expressivo nos últimos anos e passou a ter a

sede do município em 1989 (MARCENA, 2007). Hoje é região mais dinâmica, com o maior fluxo

de pessoas e atividades comerciais e de serviços. Há também a Zona de Interesse Produtivo do

entorno da BR-101, onde estão localizadas indústrias e centros de logística. O Parque Histórico

dos Montes Guararapes e da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres compõe um dos principais

patrimônios histórico, ambiental e turístico da cidade. Nessa região se encontra o Palácio da

Batalha, onde fica sediada a Prefeitura Municipal.

Entretanto, é a região mais violenta, com 175 vítimas de homicídios em 2007

(enquanto a região menos violenta, Curado, teve 29 vítimas) e possui baixos indicadores

sociais. A taxa de analfabetismo é de 15,6% da população com 15 anos ou mais, 36,1% dos

chefes de domicílio possuem menos de quatro anos de estudo e 17% ganham até ½ salário

mínimo. A região tem uma taxa baixa de esgotamento sanitário, com 71,7% dos domicílios em

situação inadequada. Quanto ao abastecimento de água 9,2% estão em situação inadequada.

A taxa de mortalidade é de 16,2‰.

A população estimada para 2008 é de 177.363 pessoas e a extensão territorial é de 28

Km2, possuindo uma alta concentração populacional, com aproximadamente 6.334,4 hab/Km2.

Praias

Outrora, as áreas de praia pertenciam à Freguesia da Muribeca, no período de

prosperidade e independência dessa região. Eram ocupadas apenas por casas nativos

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pescadores ou pela população que ia passar as férias de verão (MARCENA, 2007).Hoje,

edifícios de classe média e alta ocupam quase toda a extensão do litoral. Uma faixa mais

distante das praias foi ocupada nos anos recentes de forma muito precária e desordenada e

formam grandes bolsões de pobreza.

Assim como Prazeres, possui um centro regional dinâmico em termo de circulação de

pessoas, comércio e serviços, com destaque para o Shopping Guararapes e o eixo comercial da

Avenida Bernardo Vieira de Melo. Há também diversos equipamentos de lazer e turismo,

como variados bares e restaurantes, uma vasta rede hoteleira, centros médicos, laboratórios e

faculdades. Concentra também as moradias mais ricas do município. Entre os atrativos

ambientais encontra-se o estuário do Rio Jaboatão e as praias

A região possui 153.644 habitantes e um território de 25 Km2. Depois de Prazeres, é a

segunda região mais violenta do município com 116 vítimas de homicídio. Quanto aos

indicadores sociais: a taxa de mortalidade infantil é de 11,4‰; 8,8% da população com 15 anos

ou mais é analfabeta; 11,2% dos chefes de domicílios ganham até ½ salário mínimo e 19,4%

deles têm menos de 4 anos de estudo. Os domicílios com abastecimento de água inadequado

chegam a apenas 6,6% e os com esgotamento sanitário inadequado são 37%

A tabela abaixo resume os principais indicadores sociais usados para comparar as seis

regionais:

Centro Cavaleiro Curado Muribeca Prazeres Praias

População – 2000 101.920 108.592 44.723 42.545 152.055 131.721

População estimada – 2008 118.882 126.665 52.166 49.626 177.363 153.644

Área (Km2) 109,5 12,3 10,8 72,3 28,0 25,1

Densidade demográfica (hab./Km2) – 2007 1.069,9 10.159,6 4.766,6 676,3 6.253,1 6.029,9

Dom. Particulares Permanentes 26.203 27.691 12.144 11.237 37.738 35.345

Vítimas de homicídios – 2007 79 79 29 57 175 116

Taxa de Mortalidade Infantil (‰) – 2007 15,0 14,8 27,5 13,4 16,2 11,4

Taxa de Analfabetismo Pop. 15 anos ou mais (%) – 2000

15,9 14,8 7,6 14,0 15,6 8,8

Chefes de domicílio que ganham até ½ salário mínimo (%) – 2000

12,3 13,8 5,9 15,0 17,0 11,2

Chefes de domicílio com menos de 4 anos de estudo (%) – 2000

34,8 32,5 16,6 25,8 36,1 19,4

Domicílios com abastecimento de água inadequado (%) – 2000

8,1 7,9 2,4 11,2 9,2 6,6

Domicílios com esgotamento sanitário inadequado (%) – 2000

71,1 74,4 25,2 45,9 71,7 37,3

Tabela 2 - Indicadores Sociais por Região

Page 27: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

25

Fonte: IBGE e Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes. Elaboração própria.

História político-administrativa recente e o primeiro ano do atual governo

A história política recente de Jaboatão dos Guararapes é fortemente marcada por

casos de corrupção e ineficiência na gestão municipal. Todos os ex-prefeitos desde 1989

estiveram envolvidos em processos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e foram

condenados por diversas improbidades. O histórico é importante nesse trabalho para

contextualizar o cenário político em que se insere o atual governo, Elias Gomes, e a sua

proposta de descentralização. As avaliações que a população faz do governo e dos serviços

públicos, assim como as novas formas de participação, estão relacionadas a uma série de

fatores. Assim, esses dados podem evitar que os resultados sejam vistos como decorrência

exclusivamente da desconcentração.

O caso mais relevante é o do ex-prefeito Newton Carneiro, que antecedeu Elias Gomes

na prefeitura.

O relato a seguir baseia-se em um levantamento nas notícias dos principais jornais

locais – Jornal do Comercio, Diário de Pernambuco e Folha de Pernambuco – e em notícias

divulgadas no site do TCE, a partir do qual foram destacados os principais fatos que marcaram

a trajetória de Newton Carneiro na Prefeitura de Jaboatão.

Após cumprir um mandato como vereador do Recife, oito mandatos como deputado

estadual de Pernambuco e perder na sua primeira disputa para prefeito de Jaboatão em 1992,

Newton Carneiro conquistou a prefeitura pela primeira vez em 1996.

Em fins de 1998, o então prefeito renunciou para não sofrer o impeachment após o

TCE ter confirmado uma série de irregularidades. Em fevereiro de 1999, foi aprovada uma

intervenção do estado na administração de Jaboatão, e o então governador do estado indicou

Byron Sarinho para assumir a prefeitura. Ao assumir, Byron indicou uma série de desvios

encontrados, como obras e serviços pagos e não realizados e atrasos na folha de pagamentos.

Em seguida, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) deu ganho de causa ao vice de

Newton Carneiro, Fernando Rodovalho, que assumiu a gestão do município. Rodovalho se

candidatou à reeleição no mesmo ano, concorrendo com dois ex-prefeitos do município, e

ganhou no segundo turno numa disputa apertada. De acordo com a pesquisa EM DATA/DP,

Page 28: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

26

divulgada pelo Diário de Pernambuco em julho de 2004, 79% do eleitorado desaprovaram a

sua gestão.

Em 2004, Newton voltou a se candidatar para prefeito, e mesmo após os escândalos

políticos envolvendo a sua primeira gestão, se elegeu com 30,4% dos votos no primeiro turno

e 66,2% no segundo. Caracterizado na mídia como um candidato populista e folclórico, seu

eleitorado não se limitava às classes mais pobres. Sua gestão deu continuidade à anterior,

sendo que 19 dos seus secretários também haviam participado da gestão de Rodovalho.

Durante o seu mandato, de 2005 a 2008, o TCE constatou diversas irregularidades nas

contas da prefeitura, entre elas superfaturamento de obras e serviços, pagamento por serviços

que não foram realizados, pagamento excessivo de horas extras a servidores, dispensa de

licitação irregular, licitações dirigidas, cargos comissionados em excesso, nepotismo, gastos

excessivos com folha de pessoal (uma fundação municipal foi fechada em 2007 pela Câmara

Municipal após recomendação do TCE, por ter 90% de suas despesas destinadas à folha de

pessoal). No final da sua gestão, o TCE chegou a recomendar uma intervenção estadual na

prefeitura, mas essa foi negada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Em 2008, Newton se candidatou à reeleição, concorrendo com Elias Gomes, que

ganhou em primeiro turno com 53,6% dos votos válidos, contra apenas 9% de Newton e 31%

do segundo colocado, André Campos. O discurso mais forte de Elias Gomes como candidato foi

o de ruptura com a cultura político-administrativa anterior.

Em dezembro de 2008 a empresa local Contexto – Consultoria e Pesquisas elaborou

uma pesquisa de opinião encomendada pela equipe de Elias Gomes, então prefeito eleito. Foi

uma pesquisa quantitativa, com 1.200 entrevistados, face-a-face, com base domiciliar e

selecionados por sorteio aleatório. O critério de amostragem foi proporcional em função das

variáveis: regional, sexo e faixa etária. A margem de erro máxima nos resultados é de ±2,8%,

com um grau de confiança de 95%. A pesquisa não foi divulgada nos meios de comunicação,

pois foi encomendada apenas para consumo interno do governo como base para orientação

das ações.

A pesquisa apresenta a seguinte avaliação da gestão de Newton Carneiro:

Page 29: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

27

Gráfico 1 – Avaliação do governo Newton Carneiro em dezembro/2008

Fonte: CONTEXTO, 2008. Elaboração própria.

Esses dados mostram que os aspectos negativos atribuídos ao governo de Newton

Carneiro se refletem numa péssima avaliação da população. Entre os entrevistados, 64%

consideraram o governo péssimo e apenas 7% consideraram o governo ótimo ou bom.

Paralelamente a pesquisa revelou altíssimas expectativas em relação à administração

de Elias Gomes, demonstrando o desejo de mudança generalizado.

Gráfico 2 – Como será a administração do prefeito Elias Gomes (dezembro/2008)

Fonte: CONTEXTO, 2008. Elaboração própria.

Page 30: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

28

Destaca-se no gráfico 2 que 82% da população entrevistada acreditava em dezembro

de 2008 que o governo de Elias Gomes seria ótimo ou bom. Além disso, em resposta à

pergunta, “Como vai ficar a vida em Jaboatão com a administração de Elias Gomes”, 91% falou

que ia melhorar.

Em relação a “Por que o povo de Jaboatão escolheu Elias para prefeito” (resposta

espontânea e única) as respostas mais freqüentes foram “Foi um bom prefeito no Cabo/Bom

administrador” e “Renovação/Mudança/Esperança”. Isso demonstra, em primeiro lugar, a

forte repercussão da avaliação positiva que Elias Gomes obteve enquanto prefeito do

município vizinho e, em segundo, novamente o sentimento de que essa gestão seria diferente

das anteriores.

Outra questão muito freqüente no discurso do governo, desde o Programa de Governo

(ELIAS, 2008), é o resgate da auto-estima do jaboatanense. O patrimônio histórico e cultural de

Jaboatão, apesar de muito rico, é esquecido, principalmente ao lado das cidades vizinhas

Recife e Olinda, que possuem uma cultura e uma história muito valorizadas e exaltadas no

cotidiano das cidades. Um dado interessante da mesma pesquisa é a resposta à pergunta “O

que tem de melhor em Jaboatão?” (resposta espontânea e única), na qual 57% dos

entrevistados responderam “Nada/Não sabe/Não opinou”. Em segundo lugar, com apenas

18%, está a “Praias/Orla marítima”.

Nos meses de abril, agosto e novembro de 2009 a empresa local Contexto produziu

outras três pesquisas de opinião para a prefeitura, com as mesmas características

metodológicas da anterior. Segundo as pesquisas, o governo de Elias Gomes obteve altos

índices de aprovação e crescentes ao longo do ano, como se pode observar na tabela abaixo.

Por outro lado também cresceu, e ainda mais, o índice de desaprovação.

Tabela 3 – Evolução dos índices de aprovação e desaprovação do Governo Elias Gomes em

Jaboatão dos Guararapes

Índice de Aprovação

(ótimo + bom + regular positivo)

Índice de Desaprovação

(regular negativo + ruim + péssimo)

Abril/2009 59% 18%

Agosto/2009 63% 26%

Novembro/2009 64% 25%

Tabela 3 – Evolução dos índices de aprovação e desaprovação do Governo Elias Gomes em Jaboatão

dos Guararapes

Fonte: CONTEXTO, 2009. Elaboração própria

Page 31: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

29

Entretanto, a avaliação do governo em cada regional, indicada no gráfico 1 para o mês

de novembro, é bastante diversificada. Vê-se que a avaliação positiva se concentra muito nas

regiões de Praias, Prazeres e Muribeca, sendo que essa última possuía em abril do mesmo ano

um saldo de avaliação bem mais baixo, 19%. As regiões em que a avaliação do governo sempre

se manteve mais alta são Praias e Prazeres.

Gráfico 3 – Saldo da avaliação do Governo Elias Gomes por Região em Novembro/2009

Fonte: CONTEXTO, 2009. Elaboração própria.

Um caso curioso é o da região de Muribeca, que tinha em abril um dos piores saldos de

avaliação (19%) (avaliação positiva menos avaliação negativa) e em novembro tem a segunda

melhor avaliação entre as regiões do município (44% de saldo). Segundo dados do governo,

nesse período as ações nessa região foram incrementadas, como por exemplo com a Operação

Tapa-buraco para a melhoria das vias públicas, e o início de um trabalho junto ao patrimônio

histórico para resgatar a história da região (a pedido dos moradores já houve a mudança de

nome de uma comunidade de “Muribeca-rua” para “Muribeca dos Guararapes”).

A pesquisa também indagou aos jaboatanenses sobre os principais serviços públicos

municipais, incluindo na série histórica as respostas dadas em dezembro de 2008, quando Elias

Gomes ainda não havia assumido a prefeitura. Dentre os serviços arrolados nas pesquisas,

destacamos alguns, de modo a contemplar todas as áreas pesquisadas – infraestrutura, saúde,

educação, segurança pública e assistência social. No gráfico 4 vemos, primeiramente que os

saldos das avaliações eram todos negativos em 2008 e que todos eles sofreram uma melhora

Page 32: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

30

significativa ao longo do ano. O gráfico mostra a evolução do saldo entre a avaliação positiva e

a avaliação negativa de dezembro de 2008 a novembro de 2009.

Gráfico 4 – Evolução do saldo de avaliação dos principais serviços públicos municipais de Jaboatão dos

Guararapes

Fonte: CONTEXTO, 2009

Quanto à gestão democrática e participativa do município, embora essa seja

uma das principais bandeiras do atual governo, essas pesquisas não consideram isso um

aspecto a ser avaliado. Porém, os casos de corrupção dos últimos prefeitos, a péssima

avaliação da última gestão de Newton Carneiro, as altas expectativas postas sobre a gestão de

Elias Gomes após a sua eleição, e os atuais índices de avaliação tanto do governo quanto dos

principais serviços públicos, apoiadas nas ações empreendidas pela prefeitura em 2009,

indicam que a atual gestão está trazendo resultados positivos. Resta explorar melhor se há

relação entre esses resultados e a desconcentração, sendo essa uma das principais

características do novo modelo de gestão em implantação na prefeitura. Ainda é importante

avaliar como está sendo promovida a participação popular, em que medida está relacionada

aos resultados positivos vistos e à própria desconcentração. Pois pode-se postular que

honestidade/não corrupção não supõem necessariamente descentralização, desconcentração

ou participação

Page 33: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

31

4.2. O processo de desconcentração na prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Desde a campanha eleitoral de 2008, a desconcentração é uma proposta central do

atual prefeito, Elias Gomes, sendo um dos principais componentes do seu Plano de Governo

(GOMES, 2008).

A desconcentração entrou para a agenda política dessa gestão a partir da experiência

anterior de Elias Gomes como prefeito do Cabo de Santo Agostinho, município vizinho, de

1996 a 2004. Esse caso é considerado pela equipe como muito bem sucedido do ponto de vista

da qualidade das ações do governo e, especialmente, da garantia de participação popular. Da

mesma forma, e principalmente, os dois mandatos do prefeito tiveram altíssimos índices de

aprovação pela população. Além disso, a maior parte dos cargos de confiança do prefeito, que

são figuras centrais no processo de desconcentração em Jaboatão, também esteve presente

na experiência do Cabo, trazendo de lá uma forte inspiração. Por meio de um levantamento

desses cargos, constatamos que nove entre os vinte secretários também participaram da

gestão municipal do Cabo durante os mandatos de Elias Gomes, inclusive o atual Secretário de

Administração Regional. Assim, a influência da experiência do Cabo de Santo Agostinho na

atual gestão de Jaboatão é muito relevante. Uma pequena descrição dessa experiência é feita

no Apêndice 1.

Vendo Jaboatão como um município ainda mais complexo que o Cabo por ser muito

maior em termos populacionais e econômicos, o atual governo elaborou um novo recorte

territorial para o município, com o intuito de melhor compreender e administrar o território,

formalizado no Plano Plurianual 2010-2013. Na figura abaixo pode-se ver a antiga divisão

territorial (Plano Diretor – Lei Complementar 02/2008) e a atual:

Divisão anterior

Page 34: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

32

Figura 1 – Divisão regional de Jaboatão do Guararapes anterior

Fonte: JABOATÃO, 2008

Elaboração do autor

Divisão Atual

Page 35: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

33

Figura 2 – Divisão regional de Jaboatão dos Guararapes atual

Fonte: Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Os critérios utilizados para esse recorte, segundo o PPA, foram: os 27 bairros, os cinco

distritos e o zoneamento definidos no Plano Diretor Municipal; a base físico-geográfica do

IBGE, com 492 Setores Censitários; análise dos aspectos ambientais, do uso do solo e das

atividades produtivas locais; a identificação dos serviços existentes em cada bairro, como

transportes, serviços de saúde e de educação; a observação da identidade cultural e dos

grupos organizados; e a adoção de um número adequado de regiões para atender à

elaboração de fóruns e para a implantação de administrações regionais.

As regiões foram subdivididas em microrregiões e essas por sua vez foram divididas em

localidades no cadastro da prefeitura. As localidades são o que entendemos por comunidades,

e são a menor unidade da divisão territorial em voga. Entretanto, isso não foi normatizado.

A partir disso foram criadas seis gerências regionais e uma Secretaria de Administração

Regional (SEAR), instituídas na Lei Complementar 05/2009 de 08 de janeiro de 2009 (Anexo I),

que dispõe sobre a reestruturação da administração direta e indireta. Abaixo o trecho que

trata da SEAR:

Page 36: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

34

“Art. 4° A Secretaria de Administração Regional é órgão superior, subordinado

diretamente ao Prefeito, competindo-lhe as seguintes atribuições:

I - promover a descentralização administrativa, objetivando a excelência na qualidade

da prestação de serviços públicos;

II - coordenar, em conjunto com as respectivas secretarias municipais e outros órgãos e

entidades municipais, as ações governamentais no âmbito das administrações regionais,

aproximando o poder público da sociedade, garantindo a qualidade dos serviços públicos e

assegurando uma gestão democrática e participativa;

III - identificar as necessidades locais de cada regional e estabelecer prioridades junto

às respectivas secretarias municipais e demais órgãos e entidades municipais;

IV - prover meios de execução de projetos comunitários urbanísticos, ambientais,

sociais e econômicos;

V - promover e acompanhar a interligação do planejamento das regiões

administrativas com o planejamento global do Município;

VI - acompanhar, de forma integrada, as ações dos diversos órgãos municipais,

participando da execução de seus serviços;

VII - executar outras atribuições correlatas e/ou determinadas pelo Prefeito.

Parágrafo primeiro: para fins de execução da nova política de descentralização

administrativa, sem prejuízo dos distritos e conselhos municipais a que se refere a Lei

Orgânica Municipal, são estabelecidas 6 (seis) administrações regionais, as quais terão as suas

atribuições detalhadas e regulamentadas por decreto.

Parágrafo segundo: as diretorias distritais a que se refere o art. 7° da Lei Orgânica

Municipal serão exercidas por ocupantes de cargos em comissão da Secretaria de

Administração Regional, sem ônus adicional para o Município.” (grifo nosso)

É importante notar que a divisão distrital e os conselhos municipais já estavam

previstos na Lei Orgânica Municipal, à qual esse artigo faz menção. Isso pode significar uma

antecipação da idéia e da exigência da desconcentração e da participação popular. No entanto,

a estrutura organizacional da prefeitura nunca esteve regionalizada antes.

Page 37: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

35

Cabe salientar: o que está no texto da lei como “descentralização administrativa”

refere-se juridicamente a desconcentração, pois trata-se da criação de órgãos no interior da

prefeitura e não da criação de outra pessoa jurídica. Essa diferenciação também não está

presente no discurso dos secretários ou gerentes regionais.

Além das seis administrações regionais foram criados núcleos regionalizados em cada

secretaria, de forma a constituir uma estrutura matricial:

Secretaria de Administração Regional

Jaboatão Centro Cavaleiro Curado Muribeca Prazeres Praias

Secr

etar

ias

cleo

s

Tabela 4 – Estrutura matricial da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Elaboração própria

As atribuições de cada cargo estão atualmente definidas em documentos internos

como atas e cartilhas de circulação interna. Aos gerentes regionais compete articular as ações

que acontecem em sua região e os atores presentes e coordenar a sua administração regional,

de que fala a lei acima, e as Centrais de Atendimento ao Cidadão (CAC). Eles também

monitoram a execução do Plano de Ação Regionalizado. O cargo está no segundo nível

hierárquico da Secretaria de Administração Regional, diretamente relacionado ao secretário.

As CACs foram instaladas recentemente e funcionam como uma porta de entrada para

os cidadãos apresentarem demandas, propostas ou requererem alguma informação. Suas

solicitações são encaminhadas ao gerente regional e ao secretário responsável ou ao núcleo

regional, dependendo do caso. Como uma forma de atendimento, as CACs não podem ser

caracterizadas como uma forma de participação popular. Ainda não há dados consolidados

sobre as CACs, como número de atendimentos e retornos aos cidadãos.

Quanto aos núcleos regionalizados há uma definição vinda de uma cartilha de autoria

conjunta da SEAR e da Secretaria de Gestão Estratégica que os coloca como um interlocutor

entre as demandas da região, as repercussões das ações do governo na percepção da

população, de um lado, e a prefeitura de outro. Na prática, porém, há uma diversidade de

situações em cada secretaria. Na Secretaria de Saúde, por exemplo, os núcleos lidam com a

totalidade das ações da secretaria e estão subordinados diretamente à secretária. Já na

Secretaria de Educação os chefes de núcleo estão no quarto nível hierárquico, inserido em

Page 38: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

36

apenas parte das ações. Há uma grande discricionariedade dos secretários quanto a isso,

embora a SEAR relate um longo processo de discussão que ocorreu com os secretários para

criar uma compreensão conjunta do modelo de desconcentração.

Foram criados os seguintes núcleos, de acordo com as secretarias:

SECRETARIA NÚCLEO

Interação e Mobilização Social Mobilização Regional

Administração Regional Central de Atendimento ao Cidadão

Gestão da Receita Atendimento ao Contribuinte

Planejamento e Gestão Territorial

Especial de Meio Ambiente Fiscalização Urbana e Ambiental

Mercados Públicos Desenvolvimento Econômico e Turismo

SINE – Sistema Nacional de Empregos

Serviços Urbanos, Habitação e Saneamento Serviços Públicos

Obras, Manutenção e Defesa Civil Obras, Manutenção e Defesa Civil

Educação Educação

Saúde Saúde

Promoção Humana e Assistência Social Promoção Humana e Assistência Social

Cultura, Esporte e Lazer Cultura, Esporte e Lazer

Atendimento do PROCON

Orientações Jurídicas Direitos Humanos e Segurança Cidadã

Guarda Municipal

Tabela 5 - Núcleos regionalizados da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, por Secretaria

Fonte: Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Algumas secretarias não possuem núcleos regionalizados. São elas: Apoio Institucional

e Gestão Estratégica, Articulação Política e comunicação, Gestão de Pessoas e Administração,

Assuntos Jurídicos, segundo o governo por serem da área meio e não terem uma interface

direta com o cidadão, como têm as Secretarias de Gestão da Receita e de Planejamento.

Também não têm núcleos as Secretarias Especial da Juventude e Especial da Mulher, porque,

também na fala do governo, como o nome já diz, são secretarias de menor porte, numa

situação especial.

A partir da estrutura matricial, foi instalado um sistema colegiado de gestão, que foi

definido pela SAIGE como “construção coletiva das estratégias do governo, seu

Page 39: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

37

acompanhamento e avaliação nos diferentes níveis do sistema (estratégico, de integração e

operacional)” (JABOATÃO DOS GUARARAPES, 2009:2). Apenas os de nível estratégico estão

definidos na Lei 05/2009, mas são os colegiados de integração e operacionais que

implementam a desconcentração e compõem a estrutura matricial. São eles:

Colegiado Participantes Periodicidade

Integração De Gestão Regional Sec. Apoio Inst. e Gestão Estratégica

Sec. Planejamento

Sec. Administração Regional

Gerentes Regionais

Mensal

Das Secretarias Secretário, Gerência e Coordenação

Chefes de Núcleos (seis)

(cada secretaria tem autonomia para

definir o seu modelo)

Semanal

Operacional Regionais (seis) Gerente Regional

Equipe da Adm. Regional

Chefes de Núcleos

Semanal

Interno Sec. De Administração Regional

Gerentes Regionais

Semanal

Tabela 6 – Colegiados de Gestão da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Fonte: Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Decorrido apenas um ano de mandato, é difícil para o governo falar em resultados.

Podem ser vistos como resultados parciais da gestão como um todo os índices de aprovação

dos serviços públicos que melhoraram muito se comparados ao final de 2008. Mas não

podemos afirmar que tais resultados se devem à desconcentração, assim como é difícil isolar a

desconcentração da gestão municipal em geral.

Como avanço do primeiro ano do processo de desconcentração é apontada

principalmente a instalação das estruturas físicas, uma vez que a SEAR e as gerências regionais

são órgãos novos e não possuíam instalações. No início do mandato foi estipulado como

Desafio 2009 da SEAR “instalar seis regionais e oito Centrais de Atendimento ao Cidadão,

tendo avançado no que for possível em equipamento e estrutura, com quadro de pessoal

completo e capacitado de modo a colocar em prática ações efetivas orçadas e indicadas em

Plano de Ação Regionalizado”. Baseando-se nisso, a SEAR tem uma boa avaliação de 2009, pois

as seis regionais já estão instaladas com estruturas física, de equipamento e de pessoal.

Quanto aos serviços de atendimento direto à população (Procon, Atendimento ao Contribuinte

e CAC), estão 50% instalados satisfatoriamente e 61% funcionando, segundo avaliação interna.

Page 40: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

38

Do ponto de vista dos núcleos regionais, 90% dos chefes de núcleos já estão indicados e

possuem 99% de presença nos colegiados regionais.

Participação Popular

No discurso governista, a participação popular tem destaque em suas propostas, aliada

sempre à desconcentração. Além disso, a experiência do Cabo de Santo Agostinho parece

trazer para o atual governo uma forte inspiração no sentido da participação popular. Algumas

ações do governo voltadas a esse aspecto já estão sendo executadas, como os fóruns

populares para a elaboração do Plano Plurianual (PPA) e a eleição dos Conselheiros da Gestão

Participativa.

Em julho de 2009 a prefeitura promoveu seis fóruns populares, um em cada região,

para a discussão de proposta para o PPA 2010-2013. O evento foi realizado em grandes

espaços como pátios de escolas e foi aberto a todos os habitantes da região. Em todos eles, o

prefeito esteve presente, fazendo o discurso de abertura, seguido da secretária de

planejamento, que apresentava um breve contexto do município, da região e do PPA. Depois

os participantes se dividiam em câmaras temáticas – desenvolvimento social, infra-estrutura,

desenvolvimento econômico e gestão participativa – para discutirem e apresentarem

propostas, com a mediação da equipe da Secretaria de Planejamento (SEPLAN).

O evento foi exaltado pela equipe como um algo extremamente significativo, pois mais

do que um “orçamento participativo”, eles se propunham a fazer o “planejamento

participativo”. Na prática, porém, a população teve um papel consultivo, e não deliberativo na

elaboração do PPA ou mesmo do orçamento anual. Concentradas principalmente em torno do

tema da infra-estrutura (calçamento de ruas, saneamento básico, entre outras), as demandas

apresentadas pelos participantes foram quase todas muito específicas, urgentes e dispersas.

Não se pode questionar a importância das propostas apresentadas; entretanto, é possível

questionar qual a compreensão que a população teve do PPA, como um planejamento de

médio prazo para todo o município, e como o governo aproveitou as demandas colocadas na

elaboração do PPA. Se essas coisas não ocorreram, pode-se considerar este um evento pouco

mais do que simbólico, pois nada de concreto e efetivamente importante sobre o orçamento

ou o planejamento foi determinado ao fim das discussões.

Page 41: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

39

Os seis fóruns contaram no total com 2.280 propostas registradas pela SEPLAN e 1.842

participantes, resultando em 2,7 participantes para cada mil habitantes do município. Esse

número pode ser considerado muito baixo, embora no momento do evento o sentimento

fosse de lotação dos espaços, até porque as estruturas físicas não estavam preparadas para

receber um número maior de pessoas. Esse índice para cada região, assim como a distribuição

percentual dos participantes por regional, segue os gráficos abaixo:

Gráfico 5 – Taxa de Participação nos Fóruns Regionais (em mil hab.)

Fonte: Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, 2009

Gráfico 6 – Distribuição % dos Participantes nos Fóruns Regionais

Fonte: Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, 2009

Os índices de participação mais baixos foram das regiões Praias e Jaboatão Centro,

tanto em relação à população da região como em relação ao total de participantes dos seis

fóruns. Já Prazeres teve o segundo maior número de participantes em relação ao total, mas

Page 42: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

40

teve uma baixa taxa de participação em relação à sua população porque é a região mais

populosa do município. Curado e Muribeca representaram, respectivamente, 15% e 16% dos

participantes totais dos fóruns, mas tiveram as maiores taxas de participação (participantes

divididos pela população) por serem as regiões menos populosas do município.

Após os Fóruns Regionais, o governo deu início à sua principal iniciativa em torno da

participação popular, com forte inspiração da experiência do Cabo de Santo Agostinho: os

Conselhos Regionais da Gestão Participativa, com representantes eleitos por microrregião.

Em agosto de 2009 foi formada uma comissão eleitoral em cada regional para

coordenar o processo de eleição. Essa comissão era formada por: um representante das

secretarias de Articulação Política e Comunicação, Assuntos Jurídicos, Administração Regional

e Mobilização Social; dois representantes de entidades sociais; três representantes de

entidades religiosas (um católico, um protestante e um afro-descendente); e um

representante por regional dos núcleos de educação, saúde, promoção humana, cultura e

esportes e serviços urbanos. Além disso, foram escolhidos e capacitados até 20 representantes

do governo em cada regional para serem os agentes multiplicadores do processo, responsáveis

por apresentar o Modelo de Gestão Participativa nas microrregiões.

As condições para se candidatar eram: residir na região e ter maioridade civil; possuir

residência eleitoral no município; e não ocupar cargo de confiança ou eletivo no Executivo ou

Legislativo Municipal. O mandato dos conselheiros é de dois anos.

Durante o processo de eleição a Secretaria de Mobilização Social articulou toda a

iniciativa, que também contou com o apoio de diversas outras secretarias. A SEAR foi

responsável por organizar a infra-estrutura física; a SEPLAN garantiu as informações

necessárias ao processo (como identificação de prédios públicos); a Secretaria de Articulação

garantiu material de mídia e eleitoral e articulou com o legislativo; a Secretaria de Assuntos

Jurídicos cuidou da legalidade do processo.

A intenção foi eleger um representante por rua em todo o município, se alcançasse um

mínimo de dez votos. Foram eleitos em torno de 1.500 conselheiros, que tomaram posse em

dezembro de 2009. A partir daí foram organizadas reuniões de formação, uma vez por mês em

cada localidade ou grupo de localidades, para discutir as formas de atuação dos próprios

conselhos e definir seu regimento interno. Esse processo ainda estava em curso em julho de

2010, já próximo ao término desta pesquisa. As diferentes opiniões dos atores acerca deste

mecanismo de participação serão discutidas adiante.

Page 43: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

41

4.3. Percepções de diferentes atores

No âmbito deste trabalho, foram entrevistadas as seguintes pessoas:

• O Prefeito, Elias Gomes, que passa a visão macro da formulação da proposta de

desconcentração e de todo o processo.

• O Secretário de Administração Regional, que coordena o trabalho de todos os gerentes

regionais. Ele assumiu o cargo em julho, substituindo o primeiro secretário, que

segundo a equipe da SAIGE não possuía o perfil de gestor e político requerido pelo

cargo. A chegada do secretário – que possui grande aproximação com a SAIGE

(Secretaria de Apoio Institucional e Gestão Estratégica) – é vista como um marco do

processo. Ele saiu do cargo para se envolver no processo eleitoral em junho de 2010.

• A equipe da Secretaria de Apoio Institucional e Gestão Estratégica, responsável, entre

outras coisas, por coordenar a implementação de todo o modelo de gestão. Foram

entrevistadas a secretária, a Coordenadora do Modelo de Gestão e uma das três

assessoras que acompanhava semanalmente as reuniões do colegiado regional.

• O Secretário de Articulação Política e Comunicaçã, responsável por fazer articulações

com a Câmara de Vereadores e coordenar a comunicação do governo. É uma das

pessoas que fazem parte do núcleo estratégico do governo.

• A Secretária de Planejamento, também parte do núcleo central de governo.

• As Secretárias de Saúde, de Educação e de Assistência social, para falar sobre como a

desconcentração está ocorrendo na correspondente secretaria e como isso está

influenciando a definição das políticas. Também foi importante questionar sobre o

papel e o status dos núcleos regionais no interior das respectivas secretarias. Da

mesma forma, foram realizadas conversas com chefes de núcleo de saúde e

assistência.

• Cinco gerentes regionais, como pessoas centrais em todo o processo de

desconcentração para compreender como ocorre a desconcentração em cada

regional.

• A Secretária Especial de Mobilização Social, que coordena a interlocução do governo

com a sociedade, entre outras atribuições; uma coordenadora de mobilização social

ligada a uma microrregião; e 10 Conselheiros da Gestão Participativa.

Page 44: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

42

• Dois vereadores, buscando compreender a relação do poder legislativo com a proposta

de desconcentração. (não há no texto abaixo qualquer menção aos vereadores e às

suas opiniões...) Retirar !

A aproximação entre governo e população

A “aproximação entre governo e população” se destaca no discurso de quase a

totalidade dos atores – prefeito, secretários de áreas-meio e áreas-fim, gerentes regionais e

conselheiros da gestão participativa – enquanto um dos principais alcances da proposta de

desconcentração. Porém, a expressão possui diversas conotações nos depoimentos e nos

documentos do governo, embora essas conotações não sejam necessariamente excludentes.

Um primeiro sentido que a expressão toma, em grande parte dos discursos está

relacionado à busca por conhecer melhor (de perto) as demandas do território. Argumentos

que consideram o contexto de Jabotão dos Guararapes como um município muito extenso e

heterogêno fortalecem essa concepção. A regionalização permitiria focar ações específicas,

voltadas para as peculiaridades de cada região. A divisão em microregiões permitiria ter um

diagnóstico ainda mais específico e mais próximo da realidade. Segundo a Secretaria de

Planejamento por exemplo, uma base de dados regionalizados sustentaria a elaboração de um

planejamento também regionalizado.

Uma segunda possibilidade, que pode ser complementar à primeira, se refere à

aproximação como o aumento da disponibilidade de canais pelos quais a população pode

acessar o governo. Esse acesso envolve apresentar reivindicações, obter informações sobre a

atuação do governo ou ser atendido em certos serviços públicos. Vão nesse sentido,

depoimentos da maioria dos conselheiros entrevistados, os quais dizem que a maior vantagem

da descentralização é ter uma instância mais próxima (fisicamente), congregando diferentes

serviços, não sendo necessários grandes deslocamentos até a sede da prefeitura ou de

serviços específicos. Os postos de serviços instalados nas regionais e as Centrais de

Atendimento ao Cidadão (CACs) são iniciativas que mais representam essa concepção. Por um

lado, isso pode ser atrelado ao discurso sobre agilidade e eficiência: o cidadão não enfrenta

grandes filas e peregrinações, eliminam-se obstáculos “burocráticos” e oferece-se um

atendimento mais integrado. Por outro, considerando as CACs e as sedes regionais como

pontos de reivindicação e informação, alguns discursos complementam a primeira idéia no

sentido de que é a própria população que melhor tem conhecimento dos problemas do

município e quem melhor pode informar o governo sobre a qualidade dos serviços públicos.

Page 45: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

43

Entretanto, embora o termo “participação” englobe ou admita diferentes

entendimentos e mecanismos, as duas opções iniciais não implicam necessariamente (e

geralmente não correspondem a) maior envolvimento e influência efetiva dos cidadãos nas

decisões públicas, o que poderia ser considerado uma terceira concepção acerca da

“aproximação”. A CAC, por exemplo, é entendida muitas vezes, por secretários, gerentes e

pela própria população, como uma instância que garante participação popular. Essa

participação, significaria na prática uma escuta da população. A abertura para a escuta pode

ser, sem dúvida, um passo para a democratização do poder municipal e a valorização da

cidadania. Contudo, está sujeita à existência de mecanismos e princípios da equipe de governo

que defina de que modo o governo irá considerar as sugestões/reivindicações advindas da

população e registradas no atendimento de uma CAC. Ou seja, a escuta, por si só, não chega a

constituir um poder de decisão efetivo nas mãos da população.

O discurso dos conselheiros evidencia que a relação da “regionalização” (termo mais

usado por eles e pelo governo para indicar o processo de desconcentração) é com a

proximidade física de serviços e postos de informação (o significado das CACs), e não

necessariamente com a democratização das decisões. Assim, nem sempre a desconcentração é

vista como indissociável da participação cidadã, a qual tem na criação dos Conselhos a

principal iniciativa concreta. Porém, na prática, a alta capilarização dos conselheiros (em torno

de 1.500 no município como um todo) faz com que o contato desses com o governo se dê por

meio da gerência regional; ou ainda, por meio dos coordenadores das microrregionais (ligados

à Secretaria de Mobilização) no interior das regionais.

Já nas falas de gerentes e chefes de núcleo um aspecto que aparece frequentemente

como atribuição regional é o estabelecimento de diálogo com as organizações comunitárias

diversas presente no território. Nesse sentido, há uma associação mais direta entre a

regionalização e a participação cidadã, entendida como o diálogo estabelecido entre a

administração regional e as entidades locais. Esse diálogo, entretanto, pode tomar variadas

formas dependendo do perfil e das iniciativas de cada gerente regional.

O entendimento da aproximação enquanto participação teria nos Conselhos da Gestão

Participativa a sua concretização. Todavia, os depoimentos sobre os Conselhos também

evidenciam diferentes olhares para qual seria o papel dos conselheiros. Há muito pouca

experiência consolidada nos Conselhos, que após um ano e meio de governo ainda não estão

em pleno funcionamento e não possui definições claras e formalizadas sobre seu modo de

Page 46: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

44

funcionamento. Morosidade e falta de clareza do seu próprio papel são aspectos que

emergem de diversos depoimentos captados.

Até o ponto a que a presente pesquisa chegou, o conselho parece ter uma função

consultiva, e não efetivamente decisória. Depoimentos frequentemente colocam os

conselheiros enquanto “uma ponte entre a comunidade e o governo”, no sentido de informar

o governo das principais demandas locais e informar a população do andamento das ações e

dos planos do governo para a sua localidade. Ou seja, os discursos se referem a uma “ponte”

de informação, mas não de decisão efetivamente.

Já na fala de secretarias-meio – Articulação Política e Comunicação, Planejamento,

Gestão Estratégica, Mobilização Social – a criação dos conselhos visa compartilhar com a

população o planejamento do município como um todo, assim como o monitoramento e a

avaliação de todas as ações. Isto é, os conselhos são vistos como um avanço no que toca a

formas de participação como o Orçamento Participativo, nas quais a população decidiria sobre

o destino de, ao menos, uma pequena parcela do orçamento.

Considerando-se a premissa de que quanto mais descentralizado/desconcentrado for

um sistema, mais democrático ele será, verifica-se em Jaboatão que a capilaridade dos

conselheiros e o funcionamento do conselho tem seus méritos e seus questionamentos. Ainda

que constitua uma forma representativa de participação, o formato de conselho adotado em

Jaboatão constitui um avanço, pois a representação por ruas (altamente capilarizada) faz com

que a população esteja muito mais próxima dos seus representantes. O conselheiro está

presente no dia-a-dia da comunidade, prestando contas e registrando suas reivindicações,

conforme percebido por eles mesmos. Isso contribui para que a presença do governo seja

sentida pela população, em contraposição com a situação anterior relatada pela maioria das

pessoas como descaso do poder público.

Por outro lado, conforme discutido por Arretche (1996), quanto mais direta for a

forma de participação, mais particularizadas são as pautas de decisão. No caso de Jaboatão,

torna-se muito difícil reunir 1.500 conselheiros para se decidir sobre questões que envolvam

todo o município, priorização de determinadas áreas ou ações estruturais. Vê-se que estão

ocorrendo reuniões com os conselheiros em cada comunidade, ou grupo de comunidades

próximas, para se discutirem as questões específicas de uma localidade. De forma tão

fragmentada, torna difícil – se não impossível – concretizar a participação decisória dos

cidadãos no planejamento do município como um todo. De todo modo, nas falas do governo é

planejada a criação de conselhos menores por regional e um para todo o município. A Câmara

Page 47: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

45

de Vereadores, que possui uma representação bastante regionalizada demonstrou nenhum

envolvimento com a eleição dos conselheiros, ou mesmo com o processo de desconcentração

como um todo.

Há ainda outros limites à participação por meio dos Conselhos da Gestão Participativa.

Um aspecto muito visível nos depoimentos e que pode ser problematizado é um certo

isolamento da questão dos conselhos na Secretaria Especial de Articulação e Mobilização

Social (SEMOB). Esta secretaria tem como principais atribuições, definidas em lei municipal,

“planejar e articular as ações de mobilização do governo municipal junto à

população; planejar, organizar e coordenar as políticas de gestão

participativa, integrando outros órgãos da administração na discussão de

planos, projetos e programas junto à sociedade; (...) primar pela boa

interlocução entre o Poder Executivo e as entidades da sociedade civil”

(Jaboatão dos Guararapes, Lei Complementar 05/2009).

Percebe-se que a SEMOB tem uma função essencial de interagir diretamente com a

população e coordenar as políticas de gestão participativa envolvendo as outras secretarias e

outros órgãos nesse processo. Afinal, a participação só pode ocorrer de fato se houver essa

integração; para que os conselheiros participem nas políticas de educação, por exemplo,

(mesmo que de maneira consultiva) é necessário que a Secretaria de Educação esteja

integrada à política dos conselhos, e o mesmo ocorre com todas as áreas do governo.

Os depoimentos dos conselheiros expõem a atuação da SEMOB como o principal, e na

maioria das vezes o único, contato com o governo. A SEMOB conta com núcleos regionalizados

nas administrações regionais, que por sua vez, contam com coordenadores para cada

microrregião (subdivisão das regionais). Esses coordenadores foram apontados pelos

conselheiros como a ponte de interação com o governo. Em meio a isso, parte dos

conselheiros expressaram extrema confiança nos coordenadores e na sua interlocução com

secretários e gerentes para encaminhar suas reivindicações aos responsáveis pela resolução

dos problemas. Mas outra parte dos conselheiros entrevistados demonstrou insatisfação com

o contato restrito à SEMOB e com a distância que sentem em relação aos que tomam as

decisões finais.

Alguns atores do governo – Secretaria de Gestão Estratégica e a própria SEMOB, tanto

por parte da Secretária, como de uma coordenadora regional – apontaram uma preocupação

com o isolamento da atividade de mobilização, e a integração das demais secretarias como um

dos principais desafios à gestão participativa. Para esses há um sentimento de que foi

Page 48: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

46

estabelecida uma relação de confiança com a população, mas que a maior parte das

secretarias não está “consciente” o suficiente da importância de trabalhar em conjunto com a

SEMOB e com as instâncias regionais.

É importante considerar que Jaboatão possui historicamente um capital social fraco e

desmobilizado e pouca tradição de participação popular nas decisões públicas. Isso é

transparecido em depoimentos do governo, dos moradores, documentos e publicações na

mídia. A Secretária de Assistência Social, por exemplo, defende que a organização popular em

Jaboatão como um todo é muito incipiente e marcada fortemente pelo clientelismo e

paternalismo em relação ao poderes executivo e legislativo.

Curiosamente, há registro de uma experiência nas gestões anteriores intitulada de

Orçamento Participativo (OP). Na visão do atual governo, as definições dessas ações anteriores

no OP tinham caráter assistencialista e sem planejamento, ao passo que, com a criação dos

conselhos, a atual gestão busca alterar a concepção de participação para uma experiência

emancipatória. Nos depoimentos dos conselheiros, verificamos diferentes posicionamentos.

Em primeiro lugar, três deles não tinham nenhum conhecimento da existência anterior do OP

embora a maioria já tivesse ouvido falar e/ou conhecesse algum delegado. Outros dois

conselheiros já haviam sido delegados do OP. A maior parte daqueles que conheciam o OP

disseram que o acesso a eles era mais difícil, que apenas uns poucos participavam, e que

muitos trabalhavam em prol de um pequeno grupo de pessoas, mencionando também a troca

de votos e favores. Já um dos conselheiros que havia sido delegado falou ainda que, tanto nos

atuais conselhos como no OP, eles não têm (assim como não tinham) um papel claro definido

com poder de decisão. Porém, também houve depoimentos que avaliavam positivamente o

fato de que as eleições para delegados passaram a ter maior representatividade (nos

conselhos, havendo um mínimo de dez votos, todos que se candidataram conseguiram se

eleger) e que esses têm agora um contato mais direto com secretários.

Outra fragilidade da participação popular por meio dos conselhos é a falta de

interlocução com os conselhos setoriais de políticas públicas. Os conselhos já existentes, por si

só, já são pequenos e isolados e frequentemente há uma sobreposição de organizações

representadas neles. A criação de mais um conselho, que pretende organizar a participação de

acordo com o território (e não com os setores de política pública) tem que necessariamente

considerar as formas de diálogo com as outras instâncias de participação setoriais.

Em outra perspectiva, pode-se incluir a lógica da regionalização nos conselhos já

existentes. É o que ocorreu com a Conferência Municipal de Assistência Social. A Secretaria de

Page 49: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

47

Promoção Humana e Assistência Social organizou, pela primeira vez, as Conferências

Regionais, de onde foram eleitos os representantes para a Municipal. No entanto, na

percepção da secretária, regionalizar os conselhos nesse momento seria muito difícil porque o

nível de organização popular tem níveis muito diferentes entre as regiões do município.

Segundo ela, um dos focos de atuação da secretaria tem sido o fortalecimento e a qualificação

das organizações da sociedade civil, tanto do ponto de vista técnico como político.

Por fim, cabe ressaltar que todo o movimento pela desconcentração, associado à

democratização das decisões sobre as políticas públicas, está partindo do governo, e não é

uma resposta à pressão popular. Esse caso, portanto, reforça a idéia citada nas referências

teóricas de que

A luta pela descentralização no Brasil passa-se essencialmente no interior da

esfera estatal, vale dizer, as demandas que a impulsionam são realizadas por

atores tais como prefeito, governadores, técnicos das agências estatais e

especialistas em questões de políticas públicas. Estas, por sua vez, não

encontram grande ressonância no âmbito da sociedade civil; na verdade, os

movimento sociais dirigem suas reinvindicações ao setor público tomado

genericamente, independentemente do nível de governo envolvido (Grossi9

citado por Arretche, 1996:3). Assim, por razões de proximidade apenas (e não

por princípios políticos), os governos locais tornam-se o alvo direto destas

reivindicações e são mais fortemente pressionados a atendê-las (ARRETCHE,

1996:3).

Novo modelo de gestão

Além da “aproximação” entre governo e sociedade, conforme apontado pelos diversos

atores governamentais e por documentos, o outro principal objetivo da desconcentração é o

de integrar as políticas no território de forma intersetorial. Isto é, em vez de

compartimentalizar a atuação de governo, ou seja, organizá-la por área – educação, saúde,

desenvolvimento urbano, etc. -, a divisão é pensada, num primeiro plano, por região,

buscando alterar a lógica de trabalho tradicional e aproximando-se da lógica do cidadão de

pensar o seu território de forma integrada. Na prática, contudo, há diversos meandros e

obstáculos para se alcançar isso.

9 GROSSI, María. “Situacion y Perspectivas de los gobiernos locales em Brasil”, in: BORJA, Jordi et al.

Descentralizacón y Democracia. Gobiernos Locales em América Latina. Santiago, CLACSO, 1989.

Page 50: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

48

Em primeiro lugar, pode-se dizer o governo confere uma grande importância a esse

aspecto, e o que demonstra isso é a existência de uma secretaria voltada especificamente para

a consolidação desse modelo de gestão – a Secretaria de Apoio Institucional e Gestão

Estratégica (SAIGE). Entre outras atribuições, a SAIGE realiza um trabalho para que todas as

secretárias e gerências regionais possuem o mesmo entendimento acerca do modelo de

gestão, isto é, de uma determinada concepção do papel das instâncias regionais e dos órgãos

colegiados. Durante o primeiro ano de governo, por exemplo, as assessoras da SAIGE

acompanharam as reuniões semanais dos colegiados regionais. Nessas ocasiões, a Secretaria

assumiu um papel de tutoria – percepção muito presente nas falas das equipes das regionais –

instruindo sobre o que deveria ser pauta de uma reunião com os diversos núcleos das

secretarias e o gerente regional, e qual era o papel de cada um diante do modelo de

desconcentração. A decisão recente de sair das reuniões e deixar as regionais “caminharem

com a próprias pernas” embute essa figura de tutora, que chegou a criar um vínculo muito

forte com as equipes regionais. Mesmo assim, há uma percepção de que processo de definição

desse modelo se efetivou de maneira participativa com os funcionários envolvidos – essa

opinião está presente tanto nas falas da própria SAIGE como dos outros envolvidos (outros

secretários, gerentes e chefes de núcleo). A atuação da SAIGE é muito bem vista pelos outros

atores em geral.

A existência e o papel da SAIGE caracterizam-se pelo aumento das funções de

coordenação do governo, presentes na proposta de desconcentração. Dessa forma, o caso

conflui com as idéias de Arretche (1996) de que a descentralização/desconcentração não

implica a redução das atribuições do poder central, mas, sim, a expansão – embora seletiva –

dessas atribuições, em especial da função de coordenação.

Como visto, a função das regionais nesse modelo de gestão é coordenar a execução de

todas as ações do governo naquela região. Pelos discursos dos gerentes, percebem-se aí os

primeiros conflitos. Conforme a proposta de desconcentração elaborada, não cabe aos

gerentes executar ou definir ações. Essa parece ser uma das principais idéias que a SAIGE se

esforça para consolidar nas equipes. Isso implica, nas regionais, o fato de que o gerente não

tem autoridade hierárquica sobre os núcleos, o que dificulta a função de coordenação.

Algumas vezes os gerentes sentem que algo precisa ser cobrado por eles, mas que os núcleos

não têm obrigação formal de atender. Muitas questões ficam no plano informal, ou mal

estabelecidas. Há, por exemplo, a dúvida a respeito de como e a quem um chefe de núcleo

deva prestar contas. Diversas situações relatadas pelos próprios gerentes refletem essa

posição de certa forma dúbia, decorrente de uma estrutura matricial pouco clara. Uma

Page 51: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

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organização em matriz, por si só, tem o risco de duplicidade de comando e isso é percebido

empiricamente.

Outra dificuldade, a principal apontada na maior parte dos depoimentos, é a falta de

cultura e compreensão por parte das secretarias-fim de atuar segundo a lógica da

intersetorialidade. Assim como para a SEMOB é difícil ter uma interlocução com muitas das

secretarias, entre as secretarias também há pouca experiência de interlocução e ações

articuladas. No plano formal há mecanismos desenhados para efetivar a intersetorialidade,

que são os colegiados descritos. Mas na maior parte dos discursos ainda persiste o grande

desafio de colocar em prática essa forma de gestão, em todos os níveis de colegiado –

regional, operacional ou estratégico.

O governo selecionou oito territórios estratégicos, sobre os quais se pretende atuar

segundo um modelo exemplar de intersetorialidade. Porém, ainda não há resultados ou

conclusões concretas a serem observadas até o momento do mandato de governo. Além disso,

os esforços para se alcançar a efetiva integração das ações devem ser feitos em todo o

território municipal.

Já há alguns exemplos de atuação que envolvam mais de um órgão, como é o caso das

ações de contenção dos danos das chuvas e enchentes no período de junho e julho, que

contou com uma aliança muito eficaz entre assistência social e defesa civil. A falta de

experiência com a intersetorialidade nesse caso está atrelada à dificuldade de trabalhar

segundo a lógica da regionalização – já que os dois elementos são indissociáveis na proposta

de desconcentração do governo. Evidência disso é que não há um padrão para o papel e o

status dos chefes de núcleo no interior de cada secretaria. Em algumas delas, as que são

apontadas como as que melhor compreendem e atuam segundo o modelo proposto, os chefes

de núcleo estão subordinados diretamente ao secretário. Ou seja, cabe a eles discutir a ação

global da secretaria em cada regional. Em contraste, há aquelas nas quais os chefes de núcleo

estão posicionados no 4º nível hierárquico (considerando o secretário como o 1º), o que

implica uma participação muito reduzida e/ou limitada dentro da ação global da própria

secretaria.

É interessante notar que em algumas áreas de políticas públicas já há uma

descentralização (ou desconcentração) prescritas em diretrizes e políticas nacionais, como é o

caso da Saúde e da Assistência Social. Cada uma previa divisões territoriais e órgãos

Page 52: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

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regionalizados, anteriores à atual proposta de desconcentração10. A área da saúde foi

frequentemente apontada pelos cargos ligados á administração regional como a secretaria que

mais se adequa à lógica da regionalização, no sentido de ter chefes de núcleo com boa

interlocução com a secretária, do que depende o seu poder de atuação nas regionais. Essa

situação pode estar relacionada com o contexto das políticas de saúde no Brasil como um

todo, que contam com maior grau de desenvolvimento institucional, e particularmente em

relação aos processos de descentralização e desconcentração, em relação às outras áreas de

políticas públicas (ARRETCHE, 1996; SPINK, 1993). A outra secretaria observada, Assistência

Social, ao contrário, representa uma área muitas vezes apontada como alijada de processos de

desenvolvimento institucional e administrativo, principalmente em nível local. Embora não

receba menção nos discursos de gerentes e outros secretários, no entanto, a equipe da área

demonstra muita afinidade com o trabalho regionalizado e intersetorial e os chefes de núcleos

contam com muita proximidade com a secretária, ocupando formalmente o 2º escalão

A desconcentração e o fortalecimento do poder central

Um último aspecto interessante no estudo empírico, também suscitado na discussão

teórica, é a relação entre descentralização/desconcentração e o papel do poder central. Como

já foi lembrado, uma das problematizações acerca dos consensos formados em torno do tema

é que a transferência de atribuições, poder ou recursos da centro para instâncias mais

distantes do centro, ao contrário do que geralmente se supõe, não implica necessariamente

(ou simplesmente) a diminuição das atribuições ou do poder central.

Em Jaboatão há uma situação particular em relação a isso, pois, ao mesmo tempo em

que ocorre a defesa da desconcentração, há um imenso esforço em fortalecer a unidade, em

termos de consolidar um poder central e uma identidade cultural que una o município. Por

uma série de razões.

No que se refere ao fortalecimento do governo municipal como um todo, a questão

ganha relevância ao se contrapor ao legado dos prefeitos anteriores. É generalizada nos

depoimentos colhidos e na mídia local a percepção de que a gestão pública em Jaboatão se

10

Houve um esforço para sincronizar tudo sob uma única lógica de pensar o município e seu governo,

ou seja, foi estabelecida uma única divisão distrital para todas as áreas e órgãos regionalizados

integrados. Diferentemente da experiência de São Paulo, com a criação de subprefeituras, conforme

analisado por Spink (1993), não houve maiores dificuldades para sincronizar a divisão dos distritos em

Jaboatão dos Guararapes, porque nenhuma delas estava consolidada a ponto da desconcentração

impactar demais em uma dinâmica de poder constituída.

Page 53: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

51

encontrava numa situação de descaso e descrédito. Estão incluídos nisso: diversos casos de

corrupção com ampla repercussão; relações clientelistas e troca de votos e favores envolvendo

o executivo, o legislativo, lideranças comunitárias e população em geral; ausência de obras de

todo tipo há um longo tempo; situação precária da maioria dos serviços públicos. Por parte do

governo, vê-se um discurso que promete renovação, mudança; e por parte da população, há

grandes expectativas positivas postas sobre o novo governo.

Nesse sentido, a própria criação das administrações regionais, na medida em que faz o

governo estar mais presente em cada parte do território, reforça a credibilidade do governo

central. Percebe-se nas falas dos conselheiros que a gerência regional significou uma

referência de governo onde antes não havia (ou havia apenas sob formas clientelistas). Esse

pode ser um dos fatores (entre outros possíveis) que explicam o fato de que as instâncias

regionais – que no Cabo de Santo Agostinho tinham status de secretaria – em Jaboatão, terem

sido transferidas para o nível de gerência (abaixo de secretaria). Na fala do prefeito, Elias

Gomes, Jaboatão exigia cautela com o modelo de desconcentração, e a Secretaria de

Administração Regional, reunindo as seis gerências regionais, foi a solução intermediária

encontrada.

Sob outra ótica, percebe-se também a importância de fortalecer a unidade em termos

de identidade cultural no contexto de Jaboatão dos Guararapes, pois o município tem divisões

internas historicamente muito fortes. De certa forma, pode-se ver três municípios dentro de

um: o primeiro, com sede em Muribeca, o povoamento mais antigo na região, que nos

primórdios da ocupação se destacava como o mais próspero e dinâmico e como município

independente de Jaboatão; outro, em Jaboatão Centro, que sediou durante muito tempo o

governo municipal de Jaboatão e incorporou o distrito de Muribeca quando da sua

decadência; e, por último, Prazeres (numa concepção mais ampla, incluindo a região de

Praias), parte do município que se desenvolveu muito no período mais recente, motivando a

transferência da sede da prefeitura para lá em 1989. Cada uma das três divisões tem seu

próprio santo padroeiro, e isso é tão significativo que para cada parte se decreta feriado num

dia diferente. No dia de cada santo, só se decreta feriado num perímetro determinado do

município.

Somando-se isso à situação de “descaso” dos governos municipais, tornava-se

necessário, pelos depoimentos de todos os atores governamentais, fortalecer a identidade e a

auto-estima de ser jaboatanense. O atual governo mostra um empenho em valorizar as

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52

potencialidades de Jaboatão, de resgatar a sua história e seus símbolos e isso está

necessariamente ligado ao fortalecimento do governo enquanto centro.

5. Considerações finais

A desconcentração no município de Jaboatão dos Guararapes não pode ser vista

separadamente do contexto maior de reestruturação da gestão municipal no qual está

inserida. Vimos que, para grande parte da população de Jaboatão dos Guararapes, o atual

governo representa esperança e renovação em face dos governos anteriores, marcados por

corrupção, falta de transparência e de participação e má qualidade da gestão. Nesse contexto

de valorização do poder central, a criação das administrações regionais reforça o sentimento

de presença do governo nos territórios. Entretanto, a afirmação de que a desconcentração é o

elemento principal desse sentimento ou dessa renovação na gestão pode ser relativizada, uma

vez que a desconcentração por si só, destacada do contexto do município e das demais

diretrizes políticas e administrativas do atual governo, não representa muita coisa.

Dessa maneira, o estudo de caso sugere, assim como a literatura já havia indicado, que

não se pode associar diretamente descentralização / desconcentração com democracia,

participação, eficiência e eficácia; e que processos de descentralização, por vezes, ocorrem ao

mesmo tempo em que há processos de centralização ou recentralização. É necessário

examinar a que serve a desconcentração e a que ela está atrelada considerando as

particularidades do caso específico.

Além disso, é importante qualificar o próprio processo de desconcentração. Há vários

modos pelos quais se pode transferir poderes, atribuições ou recursos dentro de uma

administração municipal. A análise do caso em questão demonstra como nesse processo há

diversos caminhos pelos quais criaram-se diferentes órgãos centrais e periféricos, outras

instâncias internas e de participação popular; pelos quais definiram-se o funcionamento

desses órgãos e instâncias, bem como a relação entre eles. Portanto, não é suficiente afirmar

que a desconcentração objetiva ou não a participação e a melhor qualidade na gestão pública.

Dentre esses diversos caminhos trilhados no processo de desconcentração em Jaboatão, uns

favorecem tais objetivos; e outros impõem dificuldades e questionamentos.

Isso nos leva a perceber a indissociação entre administração e política. É impossível

caracterizar o processo em Jaboatão como meramente administrativo. Como afirma Spink, em

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relação a processos de descentralização / desconcentração, “num terreno simbolicamente

instável, o evento administrativo é um evento político” (1996:77). A desconcentração se

origina em uma proposta política ampla, que se traduz num modelo de gestão, que por sua vez

interfere na relação de poder entre os atores internos e externos, além de introduzir novos

atores com papéis políticos e administrativos. Portanto, relativamente ao “consenso” em

torno da descentralização, pode-se questionar a que projeto político a proposta específica

serve e em que modelo administrativo ela toma forma.

Considerando isso, os resultados dessa pesquisa contribuíram para perceber que “os

participantes deste acordo nem sempre concordam quanto aos fins pretendidos” (NUNES,

1996:32). O caso de Jaboatão evidencia que dentro de um mesmo processo de

descentralização há diferentes entendimentos acerca das práticas de gestão e de participação

cidadã.

Por fim, cabe ressaltar que há diversos aspectos no desenvolvimento do projeto de

desconcentração que só são concretizados e percebidos com o decorrer do tempo. Nesse

sentido, um ano e meio de governo é pouco para consolidar uma grande mudança na

administração municipal e na sua relação com a sociedade, como a proposta em Jaboatão

intenciona ser. Também é pouco tempo para que grandes resultados sejam sentidos pela

população e pelos próprios governantes e funcionários públicos. Muito do que a proposta

pretende realizar ainda está por vir, e vários caminhos futuros foram apontados pelos

entrevistados. Por isso, esse trabalho pode ser considerado como a apreciação de uma

trajetória que está ainda em seu início. Nesse sentido Jaboatão dos Guararapes poderá ser um

território fértil para estudos nos próximos anos. Dessa pesquisa, surgem como temas

importantes a serem pesquisados futuramente por carecerem de diversos questionamentos e

apontamentos:

♦ A constituição das identidades territoriais – como se dá o processo de construcção,

reconstrução e desconstrução, a relação entre o campo formal/legal e o cotidiano das

pessoas do lugar, como isso é considerado na gestão pública do lugar; e

♦ A intersetorialidade entre os diversos campos de políticas públicas – um assunto que

carece tanto de estudos teóricos e reflexões quanto de experiências práticas, e ao

mesmo tempo cada vez mais reconhecido como um passo necessário para a qualidade e

a democratização da gestão pública.

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54

6. Referências

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AZEVEDO, Clóvis Bueno de. Aprimoramento da gestão pública em municípios: algumas

reflexões críticas; e o caso (exemplar) de Jacareí. In: Município: parte integrante da Federação.

Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer. Cadernos Adenauer, Ano V, 2004. Nº 1.

CONTEXTO – Consultoria e Pesquisa Ltda. Pesquisa de Opinião e Avaliação Político-

Administrativa – Dezembro de 2008. Jaboatão dos Guararapes, 2008. Não publicado

CONTEXTO – Consultoria e Pesquisa Ltda. Pesquisa de Opinião e Avaliação Político-

Administrativa – Abril de 2009. Jaboatão dos Guararapes, 2009. Não publicado

CONTEXTO – Consultoria e Pesquisa Ltda. Pesquisa de Opinião e Avaliação Político-

Administrativa – Agosto de 2009. Jaboatão dos Guararapes, 2009. Não publicado.

CONTEXTO – Consultoria e Pesquisa Ltda. Pesquisa de Opinião e Avaliação Político-

Administrativa – Novembro de 2009. Jaboatão dos Guararapes, 2009. Não publicado

DOWBOR, Ladislau. O que é poder local. 2008. Disponível em:

http://dowbor.org/08podlocal.doc Acesso em: 10/04/2009.

FISCHER, Tânia. Poder Local: Um Tema em Análise. In: FISCHER, Tânia (org). Poder Local:

Governo e Cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 1993. pp. 10-20.?

GOMES, Elias. Acredite nessa mudança. Programa de Governo Jaboatão dos Guararapes

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IBGE – Cidades. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/. Acesso em 20 de janeiro

de 2010.

JABOATÃO dos Guararapes. Lei Complementar 02 de 11 de janeiro de 2008. Institui o Plano

Diretor do Município do Jaboatão dos Guararapes e estabelece as diretrizes para a sua

implantação. . Diário Oficial do Jaboatão dos Guararapes, PE, 18 a 24 de fev. de 2008.

Disponível em: <http://www.jaboatao.pe.gov.br/include/diario/2008/02/fev_04.pdf> Acesso

em 15 de dezembro de 2009.

JABOATÃO dos Guararapes. Lei Complementar 05 de 8 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a

reestruturação da Administração Direta e Indireta do Município de Jaboatão dos Guararapes e

dá outras providências. Diário Oficial do Jaboatão do Guararapes, PE, 8 de jan. de 2009.

Page 57: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

55

Disponível em: <http://www.jaboatao.pe.gov.br/include/leis/lei_complemetar_n05.pdf>

Acesso em 15 de dezembro de 2009.

JABOATÃO dos Guararapes – Secretaria de Administração Regional. Políticas e diretrizes de

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MECENAS, Adriano. Jaboatão: histórias e lutas. Jaboatão dos Guararapes: Edição do autor,

2007.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

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NUNES, Edison. Poder local, descentralização e democratização – um encontro difícil. São

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SPINK, Peter. Descentralização: luto ou luta. In: FISCHER, Tânia (org). Poder Local: Governo e

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SPINK, Peter. O Lugar do Lugar na Análise Organizacional. Revista de Administração

Contemporânea, v. 5, n. spe, 2001. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-

65552001000500002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 28 de maio de 2009.

TCE –Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco

Page 58: O Processo de Desconcentração na Gestão Pública Municipal: O Caso de Jaboatão dos Guararapes

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Apêndice 1 - A experiência de desconcentração no município do Cabo de Santo

Agostinho

Entre 1996 e 2004 Elias Gomes cumpriu dois mandatos como prefeito do Cabo de

Santo Agostinho, município ao sul de Jaboatão, onde também implementou uma política de

desconcentração e obteve elevados índices de aprovação da população (do governo como um

todo e não especificamente da desconcentração). Como vimos, a influência disso na

experiência de Jaboatão é grande sob vários aspectos. Por um lado, o reconhecimento como

um bom gestor, enquanto prefeito do Cabo, por parte da população jaboatanense, foi um dos

principais motivos para a eleição de Elias, de acordo com a pesquisa da Contexto de 2008.

Além disso – e também como já afirmado – grande parte da equipe que participa hoje da

gestão de Jaboatão, especificamente grande parte dos ocupantes dos cargos de confiança,

também fez parte da experiência do Cabo. Particularmente todos que compõem hoje o núcleo

estratégico do governo dizem que a inspiração para a formulação da proposta de

desconcentração como um dos aspectos centrais do modelo de gestão, conjuntamente com os

colegiados, veio do sucesso da gestão do Cabo.

Há pouquíssimos ou quase nenhum registro do processo de implantação da

desconcentração no Cabo. A principal fonte de informação foram as entrevistas com as

pessoas que trabalham hoje na prefeitura de Jaboatão que conheceram ou participaram da

experiência. A maior parte delas é ocupante de cargos comissionados do núcleo estratégico do

governo. Assim, diante do tempo e dos recursos disponíveis, foi possível chegar a uma

compreensão dos aspectos gerais do caso, porém de forma limitada, pois sob a única visão dos

que estiveram dentro do governo e de uma posição estratégica e de macro-planejamento. Não

foi possível coletar visões da população do Cabo, do poder legislativo municipal, de cargos de

menor nível hierárquicos ou funcionários efetivos.

Durante a primeira gestão de Elias Gomes no Cabo, de 1997 a 2000, o município foi

redividido em nove áreas político-administrativas (APAs). Na Secretaria de Articulação Política

foram criadas nove coordenações regionais, uma para cada APA, diretamente ligadas ao

secretário. Os coordenadores possuíam um papel de mobilização e articular a ação do governo

com as lideranças locais.

Foi criado o Orçamento Participativo em cada APA, que deliberava sobre a receita do

IPTU. Esse imposto foi regionalizado e havia uma compensação para passar recursos das

regiões com maior arrecadação de IPTU para as regiões mais pobres.

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Além disso foi elaborado o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável, que

ficou conhecido como Cabo 2010. Com uma proposta de gestão participativa, esse plano

contou com ampla consulta à população. Foram realizados fóruns regionais e setoriais com

lideranças locais, religiosas, associações e representantes dos setores econômicos.

Elias Gomes foi reeleito em 2000 e no seu segundo mandato houve uma mudança

radical no modelo de gestão da prefeitura. As nove APAs foram reagrupadas em quatro

regiões, para as quais foram criadas quatro secretarias regionais (1º escalão). As demais

secretarias foram agrupadas em cinco secretarias funcionais, divididas em secretarias

executivas. Foi instalado também um colegiado de integração entre todos os secretários –

regionais e funcionais. Na visão do governo os secretários regionais traziam as demandas de

sua região. Seu papel era de monitorar as ações do governo e estar próximo à população para

identificar os problemas. Os secretários funcionais elaboravam as políticas a partir da

discussão com os regionais. O colegiado proporcionava aos secretários funcionais uma visão

ampla de todas as ações do governo no território.

Em 2001 foi eleito o Conselho Consultivo, com a participação, nas eleições, de cerca de

10% do eleitorado (JORNAL DO COMMERCIO, 2001). Os 45 conselheiros eleitos eram

representantes das nove APAs e tinham o papel de monitorar a execução do Plano de Ação do

município e deliberar sobre a aplicação do orçamento participativo, que continuava

empregando os recursos do IPTU.

Mesmo com poucas informações, percebem-se grandes semelhanças entre o modelo

proposto em Jaboatão e o que foi implementado no Cabo. Além disso, alguns aspectos podem

indicar futuros caminhos pelos quais a experiência em Jaboatão pode seguir. Entretanto, os

municípios possuem suas particularidades, que influenciam profundamente na regionalização

de poderes e atribuições. Jaboatão é um município muito maior em termos populacionais e

econômicos, o que coloca dificuldades adicionais para a gestão. Além disso, vê-se que muita

coisa só pode ser observada no Cabo após os oito anos de governo de Elias Gomes, o que

sugere que o processo de consolidação do modelo de gestão se deu de forma lenta e um ano e

meio é muito pouco para avaliações mais concretas e consistentes.