o processo cautelar: eficÁcia e utilidade da … roberto cunha e silva filho.pdf · cautelares...
TRANSCRIPT
0
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
O PROCESSO CAUTELAR: EFICÁCIA E UTILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
PEDRO ROBERTO CUNHA E SILVA FILHO
NITERÓI / RJ
2007
1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
O PROCESSO CAUTELAR: EFICÁCIA E UTILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Monografia apresentada à banca examinadora do Instituto A Vez do Mestre, em parceria com à Universidade Candido Mendes – Niterói, para a obtenção do título de pós graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil.
Por: Pedro Roberto Cunha e Silva Filho
NITERÓI
2007
2
AGRADECIMENTOS
A TODOS QUE DE ALGUMA FORMA CONTRIBUIRAM PARA A REALIZAÇÃO DESTE TRABALHO.
À AQUELES QUE SOUBERAM COMPREENDER MINHA FALTA DURANTE O TEMPO QUE NECESSITEI DEDICAR-ME AO MEU APRIMORAMENTO PROFISSIONAL.
3
RESUMO
O surgimento no mundo jurídico das medidas cautelares chamadas também de acauteladoras ou assecuratórias, não com as especificações e características atuais, pode ser considerado contemporâneo da própria estruturação da norma jurídica tutelada e ocorreu simultaneamente ao surgimento das primeiras regras de condutas sociais criadas pelo homem. O processo cautelar é aquele que visa proteger a eficácia da tutela jurisdicional. É um meio que busca garantir uma situação provisória para os interesses dos litigantes. Não visa a composição da lide, mas a garantia e a segurança do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades do processo principal. Ele não satisfaz direito, ele apenas garante a eficácia e a utilidade do processo principal. Assim sendo, o legislador confiou ao juiz o poder para ordenar medidas provisórias que julgar adequadas a eficiência do processo principal. A este poder chamamos de “Poder Geral de Cautela”, tipificados nos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil. Embora o legislador confiasse na imparcialidade no magistrado, estabeleceu limites a este poder. Por mais que o legislador não pormenorizasse tais situações de perigo, traçou pressupostos genéricos a delimitar a sua atuação, de modo que se trata de um poder amplo, geral, indeterminado, mas nem por isso ilimitado ou arbitrário. A intenção do legislador na edição destas medidas, não foi senão garantir a efetividade da prestação jurisdicional para que atendesse a sua finalidade precípua de por fim aos litígios sociais, com a solução justas dos mesmos. No pacto social do Estado, cada cidadão abre mão da possibilidade de garantir e fazer valer seus direitos repassando-a ao Estado que, num processo de substituição das partes em litígio e de acordo com regras pré-estabelecidas, diz de quem é o direito obrigando uma das partes a se subjugar à pretensão da outra. Há necessidade dos seus integrantes realmente confiarem no sistema, e para isto é indispensável que o Estado dê a solução justa e a faça cumprir, se preciso, de forma coercitiva. Esta confiança depende umbilicalmente da efetividade e esta, da presteza da solução. Tais medidas acauteladoras, têm como objetivo primordial garantir a efetividade da prestação jurisdicional. Palavras-chaves: medida cautelar; seguridade da prestação jurisdicional.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................05
CAPÍTULO 1 ....................................................................................................07
1.1 Imperatividade da Ordem Jurídica..........................................................07
CAPÍTULO 2 ......................................................................................................9
2.1 O processo cautelar e sua evolução doutrinária...................................09
2.2 A eficácia e utilidade da prestação jurisdicional ...................................13
2.3 Requisitos de concessão da tutela cautelar ..........................................14
2.3.1 Fumus boni Júris...................................................................................15
2.3.2 Periculun in Mora ..................................................................................17
CAPÍTULO 3 ....................................................................................................20
3.1 Poder Geral de Cautela e as medidas cautelares inominadas .............20
3.2 Medidas Cautelares em Espécie .............................................................23
3.2.1 Arresto....................................................................................................24
3.2.2 Seqüestro...............................................................................................25
3.2.3 Caução ...................................................................................................25
3.2.4 Busca e Apreensão ...............................................................................26
3.2.5 Exibição..................................................................................................27
3.2.6 Produção Antecipada de Provas..........................................................27
3.2.7 Alimentos Provisionais.........................................................................28
3.2.8 Arrolamento de Bens ............................................................................30
3.2.9 Justificação............................................................................................30
3.2.10 Protestos, Notificações e Interpelações............................................31
3.2.11 Homologação do Penhor Legal..........................................................31
3.2.12 Posse em Nome do Nascituro............................................................32
3.2.13 Atentado...............................................................................................33
3.2.14 Protesto e Apreensão de Títulos........................................................33
CAPÍTULO 4 ....................................................................................................35
4.1 Tutela Antecipada e Tutela Cautelar.......................................................35
CONCLUSÃO ..................................................................................................39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................42
5
INTRODUÇÃO
Ao mencionar o instituto das medidas cautelares, indiscutivelmente a
primeira palavra que vem à mente de qualquer profissional ou estudioso do
direito é a prevenção. É um instituo inserido há muito em nosso ordenamento,
vem se mantendo e ampliando a sua aplicabilidade, em leis esparsas e nas
reformas dos diversos diplomas legais. O Código de Processo Civil sancionado
em 11 de janeiro de 1973.
O processo cautelar tem por fim garantir a efetividade de outro
processo, ao qual o mesmo se liga necessariamente. Sabemos que, os
processos exigem, para que possam chegar ao seu desfecho, um tempo que,
muitas vezes, é bastante longo. Este tempo é essencial para que os atos
processuais possam ser praticado adequadamente, para que os prazos
possam ser respeitados, enfim, para que o processo possa alcançar o
resultado que dele se espera. Ocorre que muitas vezes o tempo acaba por ser
prejudicial ao processo, pois esta demora na entrega da prestação jurisdicional
pode ser capaz de provocar o surgimento de um risco para a efetividade para a
efetividade do próprio processo.
O processo cautelar é, pois, instrumento de proteção de outro
processo, a que se liga, e que recebe tradicionalmente o nome de processo
principal. Foi neste sentido, aliás, que se manifestou um pioneiro do estudo
deste meio de prestação de tutela jurisdicional, ao afirmar que se todos os
provimentos jurisdicionais são um instrumento do direito substancial, , que
através deles é atuado, nos provimentos cautelares se verifica uma
instrumentalidade qualificada, ou seja, elevada, por assim dizer, ao quadrado:
6
esses são de fato, infalivelmente, um meio predisposto ao melhor proveito do
provimento definitivo, que por sua vez é um meio para atuação do direito; são,
pois em relação á finalidade última da função jurisdicional.
Trata do assunto no primeiro capítulo do Livro III, Título único, a
partir do art. 796. O presente trabalho será apresentado por capítulos, e,
iniciaremos a apresentação da importância das medidas cautelares na
manutenção da imperatividade da ordem jurídica, no capítulo seguinte
analisaremos o processo cautelar e sua evolução doutrinária, a eficácia e
utilidade da prestação jurisdicional. E neste mesmo tópico serão abordados os
requisitos para concessão da tutela cautelar, pois, as medidas cautelares
exigem requisitos específicos para sua concessão em função do seu caráter de
urgência que, contudo, não deve atingir as garantias constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, sendo, portanto estes requisitos essenciais e
imprescindíveis à sua aplicação.
No terceiro capítulo abordaremos que o CPC, em seu livro III, regula
– além do procedimento cautelar comum, os chamados procedimentos
cautelares específicos, dos quais, buscam obter certas medidas cautelares
típicas, como o arresto e o seqüestro, que serão empregados apenas naqueles
casos para os quais foram especialmente criados. E também, far-se-á uma
verificação das medidas cautelares inominadas.
No quarto e último capítulo verificaremos a diferença da Antecipação
de Tutela e Tutela cautelar, e uma breve exposição ao parágrafo 7° do Art. 273
do CPC, acrescido pela Lei 10.444/02.
Por fim, concluiremos o estudo demonstrando os efeitos produzidos
pelas medidas cautelares e uma reflexão sobre efeitos subsidiários já
existentes, mas ainda não explorados, que poderão contribuir para a celeridade
na solução judicial das demandas.
Feito isto o leitor estará apto a compreender a importância de tais
medidas, sua abrangência e aplicabilidade e refletir sobre a possibilidade da
melhor exploração deste efeito secundário, certamente um instrumento de
agilização da justiça estatal.
7
CAPÍTULO 1
1.1 Imperatividade da Ordem Jurídica
O Estado pela função legislativa estabelece a ordem jurídica e fixa
de forma preventiva e hipotética as normas que deverão incidir sobre situações
ou relações que possivelmente ocorrerão entre os homens no convívio social. 1
Os cidadãos por intermédio do ordenamento jurídico atribuíram seus
direitos, prefixando as pretensões que cada um pode ostentar diante dos
outros, bem como estabelece os deveres dos vários integrantes do grupamento
social juridicamente organizado.2
A coletividade aceita e obedecem ao comando da ordem jurídica,
visando desta forma, a paz social e o bem comum, mas, como isso às vezes
não ocorre, e como as normas de direito são de observância imperativa, cabe
ao Estado a adoção de medidas de coação para que não venha seu
ordenamento as transformar-se em letra morta e desacreditada.
Inicialmente, o Estado era fraco e limitava-se a definir os
direitos.Competia aos próprios titulares dos direitos reconhecidos pelos órgãos
estatais defende-los e realiza-los com os meios de que dispunham. “Eram os
tempos da justiça privada ou justiça pelas próprias mãos, que, naturalmente,
era imperfeita e incapaz de gerar a paz social desejada por todos”. 3
1 THEODORO JÚNIOR, Apud: ENRICO TULLIO LIEBMAN – Manual de direito processual civil: ristampa della 2ª ed., 1968, vol. I, n° 1, pág. 3. 2 Idem: op. cit; loc cit. 3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar: 23 ed. Ver. e atual.: São Paulo: Liv. E Ed. Universitária de Direito, 2006, p, 1-2.
8
Ao vetar a seus súditos fazer justiça pelas próprias mãos e ao
assumir a jurisdição – poder que toca ao Estado de formular e de fazer atuar
praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente,
disciplina determinada situação jurídica – o Estado não só se encarregou da
tutela jurídica dos direitos subjetivos privados, como se obrigou a prestá-la
sempre que regularmente invocada, estabelecendo, de tal arte, em favor do
interessado, a faculdade de requerer sua intervenção sempre que se julgasse
lesado em ‘ seus direitos.
O monopólio da justiça decorre duas importantes conseqüências,
das quais seriam a obrigação do Estado de prestar a tutela jurídica a
coletividade, e um verdadeiro e distinto direito subjetivo – o direito de ação –
oponível ao Estado-juiz, que pode definir como o direito á jurisdição. 4
4 ROCCO, Ugo. Apud: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Curso de direito processual civil. São Paulo: 1971.
9
CAPÍTULO 2
2.1 O processo cautelar e sua evolução doutrinária
A medida cautelar é uma providência jurisdicional que visa proteger
um bem jurídico ou material que é ou será objeto do processo, quando este se
encontra em risco de grave lesão ou torne difícil reparação. Quando iminente o
risco ao bem tutelado, a pedido da parte, ou mesmo ex-ofício, o órgão
jurisdicional determina, utilizando seu poder de império, providências que
garantam a integridade do bem tutelado pelo ordenamento jurídico, até o
pronunciamento final.
Esta ligada diretamente á efetividade da prestação jurisdicional, pois
de pouco adianta, além do aspecto moral, uma decisão não concretizada no
mundo real. O direito deve ter um caráter eminentemente prático, buscar a
preservação do equilíbrio nas relações sociais. Equilíbrio este que, por vezes,
só se recompõe com a intervenção do Estado cuja obrigação é de efetivar
todas as medidas necessárias para sua manutenção ou restauração.
O direito romano conheceu algumas medidas preventivas, mas não
tinha uma visão autônoma do processo cautelar como forma especial de
jurisdição.
Foi na doutrina alemã que apareceram as primeiras tentativas de
fixar uma concepção processual dessa classe de medidas e de estruturar sua
sistematização.
Mas foram os grandes processualistas italianos deste século que
10
realizaram elaborações mais científicas, que embora divergindo entre si, sobre
o fundamento básico, coincidem quanto á autonomia do processo cautelar e
sua unidade conceitual, erigindo-a uma posição de terceiro gênero entre o
processo de cognição e o de execução.
Medidas já se mostravam necessárias de há muito. No Direito
Romano, por exemplo, diversas eram as ações e regras acauteladoras visando
evitar a frustração da pretensão de seus cidadãos. O poder do “imperium” do
pretor era sua expressão maior.
Na Lei das XII Tábuas, encontramos o “nexum”, através do qual o
devedor, por ordem do juiz, ficava á disposição do credor, até o pagamento da
dívida, o “pignoris capio” que permitia a apreensão dos bens do devedor, sem
ordem judicial, até o pagamento da dívida, a “missio in possessionem” que
conferia a custodia dos bens a um dos litigantes ou curador, até a decisão final,
o julgamento a “confessio” e a “indefensio”, quando uma das partes não
comparecia ou se omitia o que era, à época, impedimento à instauração do
julgamento da lide. Ficava então o pretor autorizado a tomar medidas á revelia
da parte que se furtava a comparecer.
Todos estes mandamentos e regras demonstraram, já naquele
momento histórico a necessidade de medidas protetivas que resguardassem os
direitos, cautelares ou até mesmo satisfizessem o cidadão antecipadamente,
antecipação de tutela.
Humberto Theodoro Júnior5 ensina que três importantes figuras
processualistas notabilizaram-se por construir, realmente, a dogmática do
processo cautelar, fornecendo uma visão harmônica da prevenção como um
dos aspectos da função jurisdicional, que serve á universalidade do direito e
tem contribuído sensivelmente para o aperfeiçoamento das legislações e
Códigos modernos. São eles: CHIOVENDA, CALAMANDREI e CARNELUTTI.
5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit. p-36-39.
11
Para CHIOVENDA:
As medidas cautelares já são consideradas ação, isto é, ação asseguradora e “también aqui el derecho a la resolución cautelar es um derecho Del Estado fundado em lãs necesidades ‘generales’ de la tutela Del derecho, y la parte non tiene sino el poder de provocar su ejercicio em el caso concreto”6
Segundo o referido doutor, a medida provisória corresponde á
necessidade efetiva e atual de afastar o temor de um dano jurídico, sendo, por
isso, a condição geral da expedição de uma medida cautelar o referido temor
de dano jurídico, isto é, a iminência de um possível dano a um direito ou a um
possível direito.7
CALAMANDREI deu um grande passo na sistematização dos
provimentos cautelares, proclamando sua instrumentalidade. Para o douto
processualista as providências cautelares nunca constituem um fim em si
mesmas, pois estão preordenadas à emanação de uma ulterior providência
definitiva, cujo resultado prático asseguram preventivamente.
E continua:
De tal sorte, nas medidas cautelares, mais que a finalidade de atuar o direito, existe a finalidade imediata de assegurar a eficácia prática da providência definitiva, que, por sua vez, servirá para atuar o direito. A tutela cautelar é, em relação ao direito substancial, uma tutela mediata; mais que fazer justiça, contribui para garantir o eficaz pronunciamento da Justiça8.
Se todas as providências jurisdicionais são um instrumento do direito
substancial, que se atua através delas, nas providências cautelares se
6 GIUSEPPE CHIOVENDA – Instituciones de Derecho Procesal Civil, Madri, I, 1936, pág. 298, apud RAMIRO PODETTI. Lãs medidas cautelares y el embargo preventivo de los fructos de la cosa litigiosa, in Revista de Derecho Procesal 9ALSINA0, vol II, pág. 139; apud Humberto Teodoro Júnior. op. cit. 7 Idem; idem; op. cit. p-32. 8 PIERO CALAMANDREI. Introdución al estúdio sistemático de las providencias cautelares, citado por CASTRO VILLAR, p-53.
12
encontra uma instrumentalidade qualificada, ou seja, elevada, por assim dizer,
ao quadrado; são, com efeito, de maneira inevitável, um meio predisposto para
o melhor êxito da providência definitiva, que, a sua vez, é um meio para a
atuação do direito, isto é, são, em realidade, a finalidade última da função
jurisdicional, instrumento do instrumento9.
Na posição de CARNELUTTI, sofreu sensível mutação ao longo de
sua obra. Inicialmente entendeu que a ação cautelar produzia a sistematização
de fato durante a lide.10
Mais tarde esse entendimento foi substituído pelo de que o processo
cautelar serve à tutela do processo, como instrumento não só para garantir os
meio do processo definitivo como também para garantir a utilidade prática do
processo definitivo.11
Por fim, aperfeiçoou a concepção do processo cautelar concluindo
que sua finalidade é assegurar o “equilíbrio inicial das partes, isto é, a tutela
cautelar destina-se a evitar, no limite do possível, qualquer alteração no
equilíbrio inicial das partes que possa derivar da duração do processo”.
Destacou, o processualista com rigor científico, a posição do
processo cautelar como destinado a realizar um dos fins da jurisdição – a
prevenção – figurando, assim, como um tertium genus de processo
contencioso, ao lado do processo de cognição e do processo de execução.
CARNELUTTI12:
“conseguiu libertar a tutela cautelar da imprópria conceituação de que seria ela antecipação provisória da tutela definitiva, mesmo porque tal afirmação, por si só, é insuficiente para explicar a razão de ser ou a finalidade última da cautela: por que merece ser antecipada a tutela de m´perito, se não se sabe, ainda, se a parte faz jus, realmente, á proteção substancial?”
9 op. cit. p-53. 10 FRANCESCO CARNELUTTI. Lezioni di diritto processuale civile, vol II, pág 60. 11 op. cit. págs. 63 e segs. 12 op. cit. p, 65.
13
Ao colocar o processo cautelar como instrumento de realização da
tutela jurisdicional, isto é, como meio hábil para garantir o exercício eficiente do
monopólio da Justiça.
Com as medidas cautelares o Estado impõe a “credibilidade nos
instrumentos que colocou á disposição dos cidadãos, isto é, impõe a convicção
na eficiência do processo”.13
E conclui CARNELUTTI “a tutela cautelar existe não para assegurar
antecipadamente um suposto e problemático direito da parte, mas para tornar
realmente útil e eficaz o processo como remédio adequado à justa composição
da lide”.14
2.2 Eficácia e utilidade da prestação jurisdicional
Ao Estado, como detentor da jurisdição, não basta garantir a tutela
jurídica; não basta instituir o processo e assegurar o socorro a ele por meio da
ação. Para a consecução do objetivo maior do processo, que é a paz social,
por intermédio da manutenção do império da lei, não se pode contentar com a
simples outorga á parte do direito de ação. Urge assegurar-lhe, também e
principalmente, o atingimento do fim precípuo do processo, que á a solução
justa da lide.
Não basta ao ideal de justiça garantir a solução judicial para todos
os conflitos; o que é imprescindível é que essa solução seja efetivamente justa,
isto é, apta, útil e eficaz para outorgar à parte a tutela prática a que tem direito
segundo a ordem jurídica vigente.
Em outras palavras, é indispensável que a tutela jurisdicional
proporcionada pelo Estado a seus cidadãos seja idônea a realizar, em efetivo,
o desígnio para o qual foi engendrada, pois de nada valeria condenar o
obrigado a entregar a coisa devida se ela já inexistir ao tempo da sentença; ou
13 op. cit. p, 67. 14 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Apud: CARNELUTTI, op. cit. pags, 60-67.
14
garantir à parte o direito de colher um depoimento testemunhal, se a
testemunha decisiva já estiver morta, quando chegar a fase instrutória do
processo; ou, ainda, declarar em sentença o direito à percepção de alimentos a
quem, no curso da causa, vier a falecer por carência dos próprios alimentos.
Se os órgãos jurisdicionais não contassem com um meio pronto e
eficaz para assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas,
coisas e provas, enquanto não atingido o estágio último da prestação
jurisdicional, ela correria o risco de cair no vazio, ou de transformar-se em
providência inócua.15
Surge, então, o processo cautelar como uma nova fase da jurisdição
e como um tertium genus, que contém, “a um tempo as funções do processo
de conhecimento e de execução” e tendo por elemento específico as
prevenção. 16
Trata-se de processo contencioso, como o de cognição e o de
execução, pois seu pressuposto é também a lide. Mas, em vez de preocupar-
se com a tutela do direito (composição da lide) – função principal da jurisdição -
,o processo cautelar exerce função auxiliar e subsidiária, servindo á tutela do
processo, onde será protegido o direito.17
2.3 Requisitos de concessão da tutela cautelar
As medidas cautelares, segundo a doutrina, são medidas
excepcionais a serem utilizadas somente quando seus pressupostos e
requisitos estiverem presentes. Devido a maior possibilidade de erro por conta
da cognição sumária, esta deve ser utilizada com a necessária prudência por
parte do magistrado, já que o que se pretende é a conservação do direito e
nunca a produção de novos resultados danosos.
15 THEODORO JÚNIOR, Humberto. obra citada, pág. 22-23. 16 ALFREDO BUZAID. Exposição de motivos, ed. 1972, n° 11. 17 FRANCESCO CARNELUTTI. Direito e Processo, ed. 1958, págs. 353 e segs.; PESTANA DE AGUIAR SILVA, op. cit. pág. 41.
15
A dificuldade é que estes resultados danosos podem surgir tanto da
aplicação quanto da negativa de sua concessão. Ao magistrado cabe a difícil
mensuração destes riscos e suas conseqüências. Não pode o julgador agir de
maneira adoçada e permitir constrições ou perda de direitos da pessoa, sem
que se apresentem os motivos justificadores, mas também não cabe ao
magistrado atitude conservadora quando a coragem e a atitude destemida é a
requerida.
Neste ponto se concentra um dos aspectos que o presente estudo
pretende discutir. Se o legislador cercou o instituto com tantas garantias tais
como a reversibilidade, revogabilidade, provisoriedade entre outras, as extrema
excepcionalidade a que se refere a maioria dos doutrinadores, não se
justificaria sob o aspecto de que os riscos são calculados pelo magistrado e
caso ocorra ofensa a direito da quaisquer das partes, pode o juiz revoga-la,
altera-la a qualquer momento e responsabilizar o que se beneficiou, obrigando-
o a retornar ao estado anterior ou indenizar se isto não for possível.
Isto posto, passa-se ao exame dos requisitos que são, á
verossimilhança do direito alegado, fumus boni júris, e o risco eminente de
lesão ao direito ou ao seu objeto, periculum in mora.
2.3.1 Fumus boni Júris
Uma análise etimológica do latim nos ensina que fumus indica
fumaça, sinal; boni tem o sentido de bom, real e júris transmite a idéia de
direito, justiça. Uma tradução literal da expressão seria: “a fumaça do bom
direito”, que tem paralelo na expressão brasileira: “onde há fumaça há fogo” e
tem no direito o mesmo significado, ou seja, onde estão presentes os sinais, a
aparência do direito, provavelmente existe o direito, então, se há esta forte
presunção do direito, estas autorizam a sua proteção e por vezes, o início do
exercício do próprio direito. Como no caso da medida de fixação de alimentos
provisionais em que o juiz, percebendo os sinais de que existe o direito
16
alegado, impõe ao provável responsável, a prestação de alimentos.
Por tal razão, a concessão da medida cautelar não pode estar
condicionada a demonstração da existência do direito substancial afirmado
pelo demandante, devendo o Estado-Juiz contentar-se com a demonstração da
aparência de tal direito. Em outros termos, o que se quer dizer é que a tutela
jurisdicional cautelar deve ser prestada com base em cognição sumária, o que
significa dizer que a medida cautelar será definida ou não conforme um juízo
de probalidade.18
Cabe ao Estado-Juiz, portanto, verificar a probabilidade de
existência do direito afirmado pelo demandante, para que se torne possível a
concessão da medida cautelar. É de se referir, que o fumus boni júris estará
presente, no caso concreto, toda vez que se considerar provável que as
alegações de fato feitas pelo demandante venham a ter sua veracidade
demonstrada no processo principal.
A probabilidade de existência do direito não é requisito suficiente
para a concessão da tutela cautelar, o que significa que outro requisito se fará
necessário. Além disso, é de bom alvitre afirmar que o fumus boni júris não se
apresenta, apenas, como requisito da tutela jurisdicional cautelar, sendo sua
presença necessária para a concessão de qualquer modalidade de tutela
jurisdicional sumária, como ex. a tutela antecipatória prevista no art. 273 do
CPC.
O fumus boni júris atua também como limite da tutela cautelar.
Ensina Alexandre Câmara19 que “a tutela cautelar só é prestada se ficar
demonstrada a probabilidade de que o direito substancial afirmado pelo
demandante exista”.
E continua:
18 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. III: 11. edição, revista e atualizada, 2006, p-35. 19 CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil: págs. 38-39.
17
“De outro lado, porém, a presença de certeza quanto à existência de tal direito, ou seja, sendo possível afirmar-se mais do que a mera probabilidade, chegando-se á certeza quanto à existência da posição jurídica de vantagem cuja tutela será buscada no processo principal, tona a tutela cautelar inadequada, já que neste caso será possível a concessão, de imediato, da tutela jurisdicional principal, definitiva e satisfativa”.
Em suma, o requisito da ação cautelar, tradicionalmente apontado
como o fumus boni júris deve, na verdade, corresponder não propriamente à
probabilidade de existência do direito material – pois qualquer exame a respeito
só é próprio da ação principal -, mas á verificação efetiva de que, realmente, a
parte dispõe do direito de ação, direito ao processo principal e ser tutelado.
2.3.2 Periculum in Mora
O latim periculum, indica perigo, risco de dano, de perder algo. É o
que se indica como dano pendente. O dano ainda não se concretizou mas é
iminente. Existe uma ameaça concreta de que seja produzido o dano. O latim
mora, relacionado a tempo e em nosso vocabulário jurídico, ligado a
inadimplência, não realizar algo no momento devido, o que reforça a noção de
um tempo certo a implementação da medida que, se não atendido, resultará
em dano. O periculum in mora, se apresenta como o segundo requisito
essencial das medidas acauteladoras. Quando constatado o perigo real, o
concreto risco de lesão ao direito ou ao bem tutelado pelo ordenamento,
necessária se faz a intervenção estatal no sentido de afasta-lo. É como sde
surgisse fumaça numa floresta e a pessoa tendo um caminhão pipa ao alcance,
decidisse aguardar a visualização do fogo real par buscar o socorro certamente
os estragos seriam maiores e dependendo da força do fogo, perder-se-ia a
floresta. Esta figuração define bem o fumus boni júris. Há um fogo consumindo
o direito que deve ser debelado o mais rapidamente possível para minimizar ao
máximo seus danos ou mesmo para que ele não se transforme em cinzas.
18
Na lição do eminente Professor Pontes de Miranda20, é a distinção
entre perigo e risco. Este tem um significado mais abstrato, traz em sua
essência a possibilidade de perder algo, supõe perigo eventual, ainda distante.
Já o perigo é indicação positiva que risco e se coloca, objetivamente, como
perceptível, possibilidade concreta, que, se não afastada, nos dará a certeza
da perda do bem.
Assim sendo, toda vez que houver fundado receio de que a
efetividade de um processo venha a sofrer dano irreparável, ou de difícil
reparação, em razão do tempo necessário para que possa ser entregue a tutela
jurisdicional nele buscada, estará presente o requisito do periculum in mora,
exigido para a concessão da tutela jurisdicional cautelar.
Não é pacifica entre os doutrinadores a forma de definir o periculum
in mora, alguns processualistas, ao definir este requisito, limitam-se a afirmar
que o mesmo deve ser entendido como “probabilidade de dano a uma das
partes de futura ou atual ação principal, resultante da demora no ajuizamento
ou no processamento e julgamento desta”, sem se fazer distinção entre o
perigo para a efetividade do processo e o perigo para o direito substancial.
Outros autores expressamente afirmam que tanto nos casos em que
haja perigo para o direito material, como naqueles em que há risco para a
efetividade do processo, estará presente o requisito da tutela cautelar. Autores
há, por fim, que, no estudo do periculum in mora como requisito de concessão
da tutela jurisdicional cautelar, ligam-no apenas ao direito substancial.21
Conclui-se que é de se notar que se exige o fundado receio de dano,
o que significa dizer que não é suficiente, para a concessão da tutela cautelar,
a existência de um receio meramente subjetivo. É preciso que o receio de dano
esteja ligado a uma situação objetiva, demonstrável através de fatos concretos.
Além disso, não é o risco de um dano qualquer que autoriza a
concessão da medida cautelar: é preciso que se trate de risco de dano
20 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro, 1954 a 1969. 21 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol 2, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p, 286.
19
iminente, grave, de difícil ou impossível reparação.
Presentes o periculum in mora (na modalidade “perigo de
infrutuosidade”) e o fumus boni júris, será concedida pela Estado-Juiz a tutela
jurisdicional cautelar. 22
22 THEODORO JÚNIOR, Curso de direito processual civil, vol II, ob cit. p-373.
20
CAPÍTULO 3
3.1 Poder Geral de Cautela e as Medidas Cautelares Inominadas
“Além dos procedimentos cautelares específicos, que o Código
regula no capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas
provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma
parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de
difícil reparação”. (art. 798).
Com este dispositivo, o Código atual realçou a existência de um
poder geral de cautela conferido ao juiz, poder esse que já se continha
implicitamente no art. 675 do Código revogado, mas que a jurisprudência
relutava em admitir em toda sua extensão. Trata-se conforme se verifica pela
leitura do referido dispositivo de uma autorização concedida ao Estado-Juiz
para que, além das medidas cautelares típicas, previstas no próprio código de
processo civil, possa também conceder medidas cautelares atípicas, ou seja,
medidas não descritas abstratamente por qualquer norma jurídica, quando as
medidas típicas não se revelarem adequadas á garantia da efetividade do
processo principal.
O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em
todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade de previsão
abstrata de todas as situações de perigo para o processo que podem vir a
ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se considerado necessário prever a
21
possibilidade de o juiz conceder medidas outras que não apenas aquelas
expressamente previstas pelas leis processuais.
A doutrina brasileira é unânime em admitir a existência deste poder
cautelar geral, assim compreendido o poder atribuído ao juiz de conceder
medidas cautelares atípicas, como forma de proteger aquelas situações de
perigo para a efetividade do processo para as quais não haja qualquer medida
cautelar típica adequada. Assim, por exemplo, um dos mais profundos
estudiosos do tema entre os processualistas, após afirmar a existência de um
poder cautelar do juiz de conceder medidas cautelares, asseverou que “ao
poder cautelar de determinar medidas típicas se chama poder cautelar especial
do juiz. Ao poder cautelar de determinar medidas atípicas, poder cautelar geral
do juiz”. 23
Para Marcus Vinicius Abreu Sampaio, outro estudioso no assunto,
em sua obra O poder de cautela do juiz, define o poder cautelar geral sob o
enfoque de quem postula a providência cautelar, afirmando tratar-se aquele
poder de “um direito subjetivo, abstrato, autônomo, público, constitucional (ex vi
do art. 5°, XXXV, da CF), especialmente quando prescreve acerca da
possibilidade de defesa a ameaças a direitos – e suplementar”.24
Observemos o ensinamento do Professor Alexandre Câmara:
É de se dizer, que o poder geral de cautela é corolário da garantia constitucional da tutela jurisdicional adequada. A Constituição da república assegura, no art. 5°, XXXV, a garantia de tutela jurisdicional adequada para todas as situações que sejam deduzidas perante o Estado-Juiz. Esta garantia se completava com a disposição contida no art. 75 do Código Civil de 1916, segundo o qual”a todo direito corresponde uma ação, que o assegura”. Este dispositivo, como já se afirmou, devia ser interpretado sem qualquer ranço imanentista, no sentido de que a toda situação jurídica deduzida no processo deveria corresponder um remédio processual capaz de lhe assegurar proteção adequada. Coma edição do Código Civil de 2002 não se tem mais nenhum dispositivo legal com redação equivalente ao ser at. 75 (CC,
23 SANCHES, Sydney. Poder Cautelar Geral do Juiz. São Paulo: RT, 1978, p-2. 24 SAMPAIO, Marcus Vinicíus Abreu. O Poder Geral de Cautela do Juiz. São Paulo: RT, 1993, p-138.
22
1916). Isto, todavia, não é capaz de alterar que aqui vem de ser dito, uma vez que os arts. 80, I, e 3°, II e III do Código Civil de 2002 acabam por produzir resultado análogo, eis que fazem alusão a todos os direitos (reais e pessoais) e ás “ações que os asseguram”.25
O julgador tem uma pluralidade de soluções a serem aplicadas
diante do caso concreto, e a ele cabe, a escolha da que melhor realize a norma
abstrata. Como lógico tem-se o fato de que, cada uma das partes julga a
melhor, a decisão que atenda aos seus interesses e não causaria
estranhamento, o fato de dois julgadores diante da mesma questão, tomarem
decisões, senão conflitantes, ao menos diversas. Para isto, nosso ordenamento
garante o duplo grau de jurisdição, quando a parte não satisfeita com a solução
dada pelo juiz a quo, tem garantido o direito a uma segunda avaliação de seu
pleito e aí, há que se conformar diante da convicção jurídica, de que a última
decisão sempre será a mais correta.
Isto posto, não resta outra conclusão senão admitir-se um certo grau
de discricionariedade na decisão que concede ou denega uma medida
cautelar, não tão radical quanto Cretella Júnior26 que define a natureza jurídica
da medida cautelar como :”ato discricionário, somente assemelhado mesmo ao
que é emanado da autoridade administrativa”, pois a decisão judicial deve ter
limites bem mais rígidos que simplesmente a conveniência e a oportunidade,
parâmetros do ato administrativo, até porque em regra, não esta envolvido o
interesse da administração ou o público e sim o conflito de interesses
particulares onde um não se sobrepõe ao outro.
Conclui-se que a decisão judicial em medida cautelar, apesar de
intrinsecamente conter um relativo grau de subjetividade, não pode nunca
deixar de atender ao caráter preservativo a que se destina, não sendo
permitido ao Juiz ação ou omissão que gere prejuízo a nenhuma das partes.
Se o poder cautelar é amplo, não é, porém, ilimitado ou arbitrário.
Deve-se manter nos termos da essência das medidas cautelares, qual seja, a
25 CAMARA, Alexandre Freitas. op. cit. p, 50-51. 26 Apud. Humberto Theodoro Júnior, op. cit.
23
provisoriedade, a reversibilidade e a proteção direta ou indireta a um direito que
poderá ser deferido no futuro.
Convém expor neste tópica as medidas cautelares ex offício, no
sentido de que, dispõe no art. 797 do CPC que “só em casos excepcionais,
expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem
a audiência das partes”. Trata-se da norma que regulamenta a concessão de
medidas cautelares de ofício pelo juiz. Entretanto, é importante ressaltar que a
norma acima referida não diz respeito à possibilidade de concessão da medida
cautelar inaudita altera parte, ou seja, sem ouvir-se a outra parte.
O art. 797 trata da possibilidade de o juiz determinar medida cautelar
que não tenha sido requerida, prestando esta espécie de tutela jurisdicional ex
officio.
Tais medidas só poderão ser concedidas incidentemente. Não se
admite, em nosso sistema processual, a concessão de medida cautelar
antecedente de offício pelo juiz, pois que isto violaria a regra da inércia das
jurisdição, estabelecida no art. 2° do CPC.27
Outro aspecto a considerar é que as medidas cautelares ex officio
são passíveis de concessão qualquer que seja a natureza do direito
substancial, pouco importando se o mesmo é disponível ou indisponível. Isto
porque, uma vez provocada a atuação jurisdicional, cabe ao Estado-Juiz a
prática de todos os atos necessários para a prestação da tutela jurisdicional
adequada á sua efetiva proteção, o que implica a exigência de concessão de
medidas cautelares toda vez que a efetividade do processo estiver em situação
de perigo.28
3.2 Medidas Cautelares em Espécie
27 THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil brasileiro. Vol II. Ob. Cit, p, 375. Contra, em posição contrária minoritária, admitindo a concessão de medidas cautelares ex officio antecedentes, Lacerda. Comentários ao código de processo civil, vol VIII, tomo I, ob. cit. p, 63. 28 ALEXANDRE FREITAS CAMARA, op. cit. p, 56-57.
24
O Código de Processo Civil, em seu Livro III, regula – além do
procedimento cautelar comum – uma série de procedimentos especiais, os
chamados procedimentos cautelares específicos. Estes procedimentos são
adequados para aqueles processos cautelares em que se busca obter certas
medidas cautelares típicas, como o arresto e o seqüestro, que serão
empregados apenas naqueles casos para os quais foram especialmente
criados.
3.2.1 Arresto (Art. 813-CPC)
Arresto, ou embargo, como diziam os antigos praxistas, é a medida
cautelar de garantia da futura execução por quantia certa. Consiste na
apreensão judicial de bens indeterminados do patrimônio do devedor.
Assegura a viabilidade da futura penhora (ou arrecadação se se
tratar de insolvência), na qual virá a converter-se ao tempo da efetiva
execução.
É figura cautelar típica, com as nítidas marcas da prevenção e da
provisoriedade, posta a serviço da eliminação do perigo de dano jurídico capaz
de pôr em risco a possibilidade de êxito da execução por quantia certa.
Garante, enquanto não chega a oportunidade de penhora a
existência de bens do devedor sobre os quais haverá de incidir a provável
execução por quantia certa.
Realiza-se, destarte, através da apreensão e depósito de bens do
devedor, com o mencionado fito. Corresponde, conforme a Lição de Lopes da
Costa, ao seqüestro conservativo do direito italiano, á penhora de segurança
25
do direito francês, ao dinglische arrest do direito alemão, ao embargo
preventivo do direito espanhol. 29
Como cautelar não pode ser confundido com o arresto executivo,
previsto no art. 653 do CPC que constitui um mero incidente no processo de
execução, quando o devedor não é encontrado mas o oficial de justiça localiza
bens que garantem a dívida.
3.2.2 Seqüestro (Art. 822-CPC)
Previsto no art. 822 do CPC, tem algumas características parecidas
com o arresto mas diferencia-se pelo fato de ser a coisa a ser apreendida
determinada, sobre a qual pende litígio para a entrega final ao vencedor da
demanda. Tem por finalidade a preservação da própria coisa, que será
entregue a depositário que responderá por sua integralidade. Cabe ressaltar
que poderá ser nomeado pelo Juiz como depositário, uma das partes, desde
que o juiz entenda não ser prejudicial ao processo e seja prestada caução,
afastando desta forma, qualquer risco á parte contrária.
Diferentemente do arresto, não se convolará em penhora, pois o
objeto da prestação é o próprio bem. Assim, como o arresto se vincula a uma
execução por quantia certa, o seqüestro é tipicamente garantia de uma
execução para entrega de coisa certa.
Importante ressaltar, que o seqüestro eventualmente pode assumir a
feição de medida protetiva da integridade física do litigante, na hipótese de ser
decretado para evitar rixas, entre as partes por causa da posse do bem litigioso
(art. 822, I).
3.2.3 Caução
29 LOPES DA COSTA. Medidas preventivas. 2. ed. n° 63, pág. 63; HUGO ALSINA – Tratado Teórico Practico de Derecho PROCESAL Civil y Comercial. 1. ed., 1943, vol III, pág. 292.
26
A caução deriva do latim cautio, que quer dizer prevenção ou
precaução. Corresponde a medida tomada para acautelar-se contra um dano
provável.
Não é figura específica do direito processual, pois sua presença se
encontra, freqüentemente, nos mais variados ramos do direito e até sob a
forma de cláusulas contratuais em negócios privados e públicos.
Pode ser fidejussória quanto a garantia é dada através da
apresentação de um fiador, ou real, quando o que garante o juízo é o
oferecimento de bens, podendo ser prestada pela parte ou por terceiro.
Destarte, quando a prevenção destina-se a resguardar diretamente
direitos substanciais da parte, não se pode falar em função cautelar, no sentido
técnico, pois a atividade jurisdicional assume características de satisfação de
pretensão material.
A especialidade da ação cautelar, in casu, não diz respeito aos
requisitos ou pressupostos da medida que, na verdade, são os comuns do
poder geral de cautela (arts. 798 e 799), ou os do direito material pertinente
(cauções não cautelares); mas apenas se relaciona com o rito próprio do
processamento da pretensão de caução, qualquer que seja sua natureza.
3.2.4 Busca e Apreensão
Esta medida é utilizada em diversas situações previstas no Código
de Processo Civil como nos artigos 362 e 1071. Pode ser solicitada como
cautelar ou como ação principal de conhecimento quando se busca somente a
restituição do bem o que extinguiria o objeto de estudo no presente trabalho.
A busca e apreensão cautelar têm caráter preparatório ou incidental
em ação principal, neste caso, obrigatória. Pode ser requerida quanto a
27
pessoas ou objetos. Tem também o caráter de preservar a integridade da
pessoa ou do objeto que esteja sob risco.
Há “busca e apreensão” sempre que o mandamento do juiz é no
sentido de que se faça mais do que quando se manda exibir a coisa para se
produzir prova ou exercer algum direito e se não preceita o devedor, ou
possuidor da coisa, a que a apresente.30
A busca e apreensão não é medida preventiva, mas apenas meio de
execução de medida preventiva ou satisfativa.
3.2.5 Exibição
Também pode ser intentada como principal no caso que o interesse
se esgota com a simples exibição mas trata-se aqui de processo preparatório
ou incidental de outro processo principal. Pode ocorrer que inicie como cautelar
mas com sua execução extinga-se, por perda de interesse da parte solicitante,
diante dos fatos revelados, o que não macula seu caráter acautelatório, sendo
um dos exemplos doutrinários de cautelar satisfativa, mas há que existir
inicialmente o ânimus, de produção de provas para ação principal.
Exibir, adefinição de Ulpiano31: “É trazer a público, submeter a
faculdade de ver e tocar. Tirar a coisa do segredo em que se encontra, em
mãos de possuidor”.
O direito á exibição tende à constituição ou asseguração de prova,
ou, ás vezes, ao exercício de um simples direito de conhecer e fiscalizar o
objeto em poder de terceiro.
Não visa a ação de exibição a privar o demandado da posse do bem
exibido, mas apenas a propiciar ao promovente o contra físico, direto, visual
sobre a coisa.
30 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao código de processo civil. vol III, ed. 1959, pág. 353. 31 LOPES DA COSTA. op. cit. n. 148, pág. 148.
28
3.2.6 Produção Antecipada de Provas
O processo tem ordinariamente um momento ou uma fase reservada
à prova dos fatos alegados pelas partes.
Há circunstancias excepcional, no entanto, que autorizam a parte a
promover, antes do momento processual adequado, a coleta dos elementos de
convicção necessários á instrução da causa.
São os casos em que a parte exerce a pretensão à segurança da
prova, sem contudo antecipar o julgamento da pretensão de direito substancial.
O interesse que autoriza a ação cautelar na espécie relaciona-se apenas com a
obtenção preventiva da documentação de estado de fato que possa vir a influir,
de futuro, na instrução de alguma ação.32
A sentença que o juiz profere nas ações de antecipação de prova é
apenas homologatória, isto é, refere-se apenas ao reconhecimento da eficácia
dos elementos coligidos, para produzir efeitos inerentes à condição de prova
judicial.
A valoração da prova pertence ao juiz da causa principal e não ao
juiz da medida cautelar. No curso do procedimento cautelar nem sequer há
controvérsia ou discussão sobre o mérito da prova. A coleta de depoimentos ou
a realização de laudos periciais em procedimentos cautelares antecipatório não
muda a natureza da prova realmente feita, transformando-os em prova
documental. Os depoimentos continuarão sendo prova oral e o exame
continuará sendo prova pericial, O valor, portanto, de um e de outro, é valor de
prova oral e de prova pericial. Nunca, de documental.
As ações de antecipação de prova têm cabimento qualquer que seja
a natureza da futura demanda, que pode ser contenciosa, ou mesmo de
32 PONTES DE MIRANDA. op. cit. VIII, pág. 368.
29
jurisdição voluntária – e tanto podem ser manejadas por quem pretenda agir
como por quem queira defender-se.
3.2.7 Alimentos Provisionais
O conceito de alimentos, do latim de alimentum, corresponde,
basicamente, às substâncias de propriedade nutritivas para o corpo animal ou
vegetal, ou seja, o que mantém a existência de uma pessoa ou coisa.
Destarte, alimentos, em sentido jurídico, compreendem tudo o que
uma pessoa tem direito a receber de outra parte para atender a suas
necessidades físicas, morais e jurídicas.
Como o sustento da pessoa é necessidade primária inadiável, não
pode seu atendimento ser procrastinado até a solução definitiva da pendência
entre devedor e credor de alimentos.
Daí a instituição de uma medida cautelar – os alimentos provisionais
– com o fito de socorrer o necessitado na pendência do processo principal.
Entende-se, de tal sorte de alimentos provisionais os que a parte
pede para seu sustento e para os gastos processuais, enquanto durar a
demanda.
Na verdade, a prestação de alimentos provisionais é conteúdo der
ação de alimentos. De maneira que sua concessão tem mais a figura de liminar
do que de medida cautelar. Há, mais do que o fim de assegurar uma futura
execução, uma sumária resolução da pretensão litigiosa. 33
Nas ações de alimentos, que são ações especiais e cujo rito é
traçado pela Lei n. 5.478/68, também os alimentos provisionais processam-se
sob o rito especial estipulado pelo mesmo diploma legal.
33 BARBI, Celso Agrícola. O processo cautelar no anteprojeto de código de processo civil, revista dos tribunais. Vol 442, pág. 307; EDGAR DE MOURA BITTENCOURT. Alimentos, ed. 1974, n. 69, pág. 79.
30
Em tais casos, a concessão de alimentos provisionais dá-se
sumariamente e sem audiência do devedor, mediante arbitramento do juiz, no
próprio despacho da inicial (art. 4° da lei n. 5.478). Por força do art. 13 da
referida Lei, a concessão de alimentos provisionais de forma sumária pode,
igualmente, ser feita nos despachos das iniciais de ações ordinárias de
separação judicial e de nulidade ou anulação de casamento.
Não há, então, ação cautelar. O juiz concede os alimentos
provisionais, na espécie, em simples decisão interlocutória no bojo do processo
principal. Não depende, nem mesmo de provocação da parte, como se
depreende do texto do art. 4° da Lei de alimentos. É um caso de antecipação
de tutela, excepcionalmente deferível de ofício, por força de lei especial.
3.2.8 Arrolamento de Bens
Não se confunde com o arrolamento de bens, espécie de inventário,.
Aqui o legislador pretendeu proteger a prova da existência dos bens, quando
houver temor do desaparecimento ou extravio de bens. O arrolamento não se
limita á descrição os bens existentes, mas também á entrega destes a um
depositário com restrição dos direitos do titular. Essa característica de
constrição de direitos torna imprescindível a propositura da ação principal no
prazo de trinta dias sem a qual extinguem-se automaticamente seus efeitos.
Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de
extravio ou de dissipação de bens (art. 856). E pode requere-lo todo aquele
que tem interesse na conservação dos bens (art. 856).
3.2.9 Justificação
A doutrina discute se esta medida é na verdade uma cautelar, pois
tem características que não se coadunam com o instituto. Trata-se de uma
31
mera documentação, não necessitando dos requisitos gerais das cautelares.
Não há necessidade do perigo nem da proposição de ação principal. É a
simples documentação do que testemunhas afirmaram determinado fato
perante o juiz. Não é ação declaratória, nem a substitui, apenas representa
procedimento de constituição de prova, já que não gera coisa julgada sobre o
fato justificado. A eficácia da sentença na justificação é limitada á pretensão a
provar ou assegurar a prova, sem a utilização dessa eficácia em enunciados de
mérito de outra ação.34
A justificação tem o fim de documentar fatos, podendo, contudo,
prestar-se a dois objetivos diferentes (art. 861). Servir meramente de
documento para o promovente, sem caráter contencioso; servir de prova em
processo regular.
3.2.10 Protestos, Notificações e Interpelações
São medidas que também se limitam a documentar, só que agora,
uma declaração de vontade. A pessoa notificada, por exemplo, nunca vai poder
alegar desconhecimento. Não produzem qualquer outro efeito senão registrar o
conhecimento da outra pessoa. Podem ser judiciais ou extrajudiciais mas só no
primeiro caso, interrompem a prescrição.
Têm também utilização no direito comercial quando se leva a
protesto determinado título como condição para sua execução. Também não foi
feliz o legislador ao elencá-las entre as cautelares. Tanto o processo
protestativo quanto o notificativo e o interpelativo são produtivos de efeitos
jurídicos no plano do direito material, raramente no processual. Ás vezes, a
“sua falta” produz efeitos; mas a construção de cada caso depende do direito
material que fez ser preciso ou facultado o protesto, a notificação ou a
interpelação, De regra, são formas de exteriorização de vontade, ou de
representação ou idéia (emissão perante autoridade), porém não negócios
34 THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit. págs. 354-355.
32
judiciais, muito embora se subornem às normas de direito material relativas às
declarações de vontade em geral e às de capacidade processual.35
3.2.11 Homologação do Penhor Legal
Também incluída pelo legislador como cautelar mas não guarda
suas características, pois não existe nem haverá ação principal. É uma garantia
pignoratícia prevista em lei. Ocorre quando determinadas pessoas retêm
objetos do devedor para garantir-lhe a dívida que ato contínuo deverá ser
comunicada ao Juiz para ele homologação do ato, revestindo-o de legalidade.
Estão autorizados: hospedeiros, fornecedores de pousada e alimento com
relação a bagagens, móveis, jóias ou dinheiro para pagamento das despesas
ali realizadas.
Previsto no art. 1467 do Código Civil, o penhor legal não impede
futura cobrança por ação ordinária, mas considera-se, desde já, satisfeita a
dívida. Este procedimento se exaure com a homologação judicial do penhor.
Este produz o efeito de impedir ao devedor a proposição de qualquer medida
judicial com o objetivo de reaver seus pertences.
3.2.12 Posse em Nome do Nascituro
O direito brasileiro determina o marco inicial da personalidade, o
nascimento com vida. O nascitura é um ser desprovido de personalidade. Não
obstante a ausência de personalidade, o Direito protege os interesses do
nascituro, para a hipótese de vir a ocorrer seu nascimento com vida, desde sua
concepção (art. 2° CC/2002). Não é por outra razão, que a doutrina civilista
afirma que o nascituro tem personalidade condicional, e ocorrendo o
35 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Cód. De Processo Civil. Vol IX, pág. 160.
33
nascimento com vida o início da personalidade teria eficácia retroativa, ex tunc,
até o momento da concepção.
A posse em nome do nascituro é medida destinada a permitir que se
dê proteção aos interesses do feto, através da constituição de prova da
existência da gravidez, para o fim de permitir que o representante legal do
nascituro entre na posse de seus direitos.
No processo da posse em nome do nascituro haverá constituição, e
não mera asseguração, de prova, razão pela qual deve-se afastar a idéia de
que se estaria diante de medida de natureza cautelar, semelhante á produção
antecipada de provas.
Casos em que a gestante terá interesse em demonstrar o estado de
gravidez, caso em que poderá se valer da justificação, já verificada. É o que se
dá, por exemplo, se a gestante tiver necessidade de provar o estado em que se
encontra para o fim de obter algum benefício previdenciário. Não é este o
objetivo da posse em nome do nascituro.
Só é adequada a posse em nome do nascituro quando se está
diante de um caso de sucessão mortis causa em que o nascituto venha – no
caso de nascer cm vida – a ser um dos sucessores. A finalidade da medida é, a
de permitir a habilitação do nascituro no inventário de quem é o herdeiro ou
legatário, e a investidura nos direitos daí decorrentes.36
3.2.13 Atentado
Este procedimento é sempre incidental e ocorre quando o réu altera
uma situação fática indevidamente. O requerente informa ao Juiz que o
requerido descumpriu uma obrigação imposta pelo Juízo, como violar a
penhora, dar continuidade à obra embargada; e requer providências. O Juiz
ordenará o retorno ao estado anterior e proibirá o réu de falar no processo até
36 ALEXANDRE FREISTAS CAMARA, op. cit. pág. 247-248.
34
a purgação do atentado. É uma comunicação que gerar medida coercitiva que
faz cessar ou obriga o retorno à situação anterior no caso de modificação ilegal
no estado de fato.
O elenco de condutas contidas no Art. 879 do CPC permite
determinar em que casos haverão atentado. Inegavelmente, haverá atentado
através de prática de condutas positivas, comissivas.
3.2.14 Protesto e Apreensão de Títulos
O legislador não foi feliz ao incluir este instituto junto as cautelares
uma vez que se trata de um procedimento marcadamente mercantil e extra-
judicial. Servirá como prova de falta de pagamento, de aceite ou de devolução
através do encaminhamento do título ao cartório de protesto que notificará o
devedor para efetuar o pagamento. Não purgada a mora, o protesto estará
constituído. Já a segunda parte do instituto tem caráter cautelar e por isto
credita-se a sua inclusão junto às cautelares. Em determinadas situações o
credor tem o direito da posse do título e quando o devedor se recusa a entrega-
lo, o Juiz a requerimento ordenará sua apreensão e entrega ao credor.
O art. 888 do CPC traz um rol exemplificativo das medidas
cautelares nominadas com procedimentos comum. Este rol, como dito, não é
taxativo podendo o Juiz determinar outras não expressas na lei, autorizado
pelo poder geral de cautela que lhe foi outorgado pelo artigo 798 o CPC. Como
exemplo cita-se obra de conservação em coisa litigiosa ou apreendida
judicialmente, o afastamento temporário de um dos cônjuges da moradia do
casal e a guarda e a educação dos filhos, resguardados o direito de vista, entre
outras.
Conclui-se aqui uma rápida exposição das medidas cautelares
nominadas previstas pelo legislador não por terem maior ou menor importância
no mundo jurídico, mas, certamente por serem as situações fáticas mais
comuns na prática jurídica.
35
36
CAPÍTULO 4
4.1 Tutela Antecipada e Tutela Cautelar
Diante da natureza constitucional do princípio de segurança jurídica
contido na garantia de contraditório e ampla defesa (CF, art 5°, inc. LV), a
antecipação de tutela somente será admissível quando, estiver em risco de
frustar-se a garantia maior da efetividade da jurisdição.
As principais fontes do direito europeu contemporâneo, o
reconhecimento de que, além da tutela cautelar destinada a assegurar a
efetividade do resultado final do processo principal, deve existir, em
determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a
própria solução definitiva esperada no processo principal.
Fala-se em medidas provisórias de natureza cautelar e medidas
provisórias de natureza antecipatória; estas de cunho satisfativo, e aquelas de
cunho apenas preventivo.37Em nosso ordenamento várias leis recentes têm
previsto, sob a forma de liminares, deferíveis inaudita altera parte, a tutela
antecipatória, como, por exemplo, se dá na ação popular, nas ações locatícias,
na ação civil pública, na ação declaratória diretas de inconstitucionalidade, etc.
A partir da lei 8.952, de 13.12.94, que alterou a redação do art. 273
do CPC, foi introduzida a antecipação de tutela em caráter genérico, ou seja,
para aplicação, em tese, a qualquer procedimento de cognição, na forma de
liminar deferível sem necessidade de observância do rito das medidas
37 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela cautelar e Tutela antecipatória. SP. Ed. Rt, 1992, p, 141.
37
cautelares.
O texto do dispositivo legal (art. 273-CPC), prevê que a tutela
antecipada, que poderá ser total ou parcial em relação ao pedido formulado na
inicial, de penderá dos seguintes requisitos:
1 - Requerimento da parte;
2 – produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial;
3 – convencimento do juiz em torno da verossimilhança da alegação
da parte;
4 – fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
5 – caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto
propósito protelatório do réu; e
6 - possibilidade de reverter a medida antecipada, caso o resultado
da ação venha a ser contrário á pretensão da parte que requereu a
antecipação satisfativa.
O parágrafo 6° do Art. 273, com redação da Lei n° 10.444, de
7.5.2002, permite a antecipação de tutela em circunstância especial: se o autor
formula vários pedidos cumulativamente, e o réu somente contesta um ou
alguns deles, ou sendo um só pedido, a contestação somente se refere a uma
parcela dele, a porção incontroversa da demanda poderá ser objeto imediato
de antecipação de tutela, caso em que não se exigirão, a seu respeito, a
aprova inequívoca e a irreversibilidade da providência. Desaparecendo o litígio
em torno da parte incontroversa, o julgamento antecipado das medidas do art.
273.
Tanto a medida cautelar, objeto de ação cautelar, como a medida
antecipatória, que neste caso, é objeto de liminar na própria ação principal,
representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária,
adotadas em caráter provisório. O que, todavia, as distingue, em substância, é
que a tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela
antecipatória realiza de imediato a pretensão.Embora haja tecnicamente uma
nítida separação entre medida cautelar e medida de antecipação de tutela,
38
ambas pertencem ao gênero comum da tutela de prevenção, sendo, às vezes,
do ponto de vista prático, difícil identificar a medida concreta como pertencente
a esta ou àquela modalidade preventiva. Por isso, a Lei n° 10.444/2002 instituiu
a fungibilidade entre as duas tutelas, permitindo que sob o rito da antecipação
se defira cautelar, desde que presentes os seus pressupostos, conforme se
verifica no art. 273, parágrafo 7°.
A instituição da tutela antecipada como simples capítulo da ação de
conhecimento, nos moldes do atual art. 273 do CPC, não eliminou o poder de
cautela do juiz, tampouco esvaziou o processo cautelar de seu natural e
importante conteúdo.
Observamos o ensinamento de Kazuo Watanabe38:
A tutela antecipatória é satisfativa, parcial ou totalmente, da própria tutela postulada na ação de conhecimento. A satisfação se dá pelo adiantamento dos efeitos, no todo em parte, do provimento postulado. Já na tutela cautelar, segundo a doutrina dominante, há apenas a concessão de medidas cautelares que, diante da situação objetiva de perigo, procuram preservar as provas ou assegurar a frutuosidade do provimento da ação principal. Não é dotado, assim, de caráter satisfativo.
As medidas cautelares têm características próprias, que permitem
ao jurista distingui-las dos demais provimentos jurisdicionais. Algumas dessas
características estão presentes também em outros tipos de provimento, como é
o caso da revogabilidade, que também é encontrada nas medidas
antecipatórias, art. 273, parágrafo 4°, do CPC.
Merece registro, ainda, o fato de que o § 7° do art. 273 do CPC,
inserido pela Lei 10.444/02, passou a permitir, em nome da assim chamada
“fungibilidade entre as tutelas de urgência” que se conceda medida cautelar
incidentalmente ao processo de conhecimento. A nosso juízo, esse dispositivo
pode ser interpretado de forma bastante ampla, dele se extraindo a regra geral
38 Apud: Humberto Theodoro Júnior. op. cit. pág. 461.
39
da dispensabilidade da instauração do processo cautelar para obtenção da
tutela jurisdicional dessa natureza.
O fato de ainda haver, porém, no direito posto, a previsão da
existência do processo cautelar como figura autônoma deve levar á conclusão
de que hoje o jurisdicionado tem, a sua disposição, duas alternativas, ambas
legítimas: ou se postula tutela cautelar incidentalmente ou se postula tal
modalidade de tutela jurisdicional por via de um processo autônomo. A opção
por uma dessas duas vias é, a nosso sentir, de livre escolha do demandante,
não podendo ser sua opção rejeitada pelo juízo ou impugnada pelo
demandante.
40
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto no decorrer do trabalho, chegamos a
conclusão de que não basta o Estado assumir o monopólio da Justiça através
da jurisdição, é intuitivo que deva cuidar para que a missão de fazer justiça seja
realizada da melhor maneira possível, evitando sentenças tardias ou
providências inócuas, que fatalmente redundariam no descrédito e, em muitos
casos, na inutilidade da própria justiça.
A função de distribuição de justiça ou de tutela jurídica não se
propõe lograr fins simplesmente teóricos, senão alcançar resultados positivos e
tangíveis, o que, todavia, nem sempre é possível obter com os processos de
cognição e de execução.
É assim que, de par com a instituição da cognição e da execução,
como remédios definitivos para a realização concreta da vontade da lei, dispõe
os órgãos jurisdicionais também do poder cautelar, como função inerente á
própria atividade jurisdicional.
As medidas cautelares, dentro desta trilogia, são indiscutivelmente,
jurisdicionais, porquanto implicam atividade dos organismos do Estado
encarregados de prestar a tutela jurídica, e o fazem na presença de uma
situação controvertida ou litigiosa.
Ademais, embora se encontrem nos procedimentos das ações
cautelares, tanto atos de cognição como atos de execução não existem fases
autônomas reservadas a essas atividades distintas, que, por isso, confundem-
se numa única atividade complexa: a atividade cautelar.
Temos, pois, com perfeita autonomia, dentro da função jurisdicional:
41
uma ação cautelar e um processo cautelar, ao lado das ações e processos de
cognição e de execução, cujo traço diferenciador, em face das demais
atividades jurisdicionais, está no fim específico, que é a prevenção. Quer isso
dizer que não se busca, com a cautela, a composição da lide, ou seja, o fim da
atividade jurisdicional principal, mas tão somente a eliminação de situações
perigosas que possam afetar, eventualmente, a eficácia do futuro provimento
principal ou de mérito.
O Processo cautelar como afirma o mesmo art. 796 do CPC, pode
começar antes do processo principal, ou no curso dele. No primeiro caso, fala-
se em processo cautelar antecedente ou preparatório, e no segundo em
processo cautelar incidente.
Concluímos o trabalho com a seguinte afirmação, o processo
cautelar é, pois, instrumento através do qual se presta uma modalidade de
tutela jurisdicional consistente em assegurar a efetividade de um provimento a
ser produzido em outro processo, dito principal. Ao contrário do que ocorre com
os outros dois tipos de processo (cognição e execução), o processo cautelar
não satisfaz o direito substancial, mas apenas garante que o mesmo possa ser
realizado em momento posterior, permitindo, assim, uma forma de tutela
jurisdicional mediata.
É um instrumento de que se vale o Estado-Juiz para prestar um tipo
de tutela jurisdicional não satisfativa, consistente em assegurar a efetividade de
um futuro provimento judicial, a ser prestado, via de regra, em outro processo.
É um processo com pressupostos próprios, que não se confundem
com os pressupostos processuais exigidos para a existência e validade do
processo principal.
O legislador também previu diversas medidas de caráter cautelar no
direito civil, objetivando garantir a manutenção do direito e a preservação da
efetividade jurisdicional.
A concessão de tais medidas tem uma conseqüência subsidiária,
não prevista pela lei e pelos doutrinadores, que pode ser decisiva na rapidez da
42
solução do litígio, qual seja, uma equalização do ônus proveniente da
demanda.
O reconhecimento pelo legislador da importância destas medidas
ficou patente no art. 798 do CPC, quando delegou ao Juiz o “poder geral de
cautela” ou a concessão de cautelares inominadas a serem implementadas
sempre que o Juiz julgar necessário para a preservação do direito como forma
de garantir a sua futura satisfação.
43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALFREDO BUZAID. Exposição de motivos, ed. 1972, n° 11. BARBI, Celso Agrícola. O processo cautelar no anteprojeto de código de processo civil, revista dos tribunais. Vol 442, pág. 307; EDGAR DE MOURA BITTENCOURT. Alimentos, ed. 1974, n. 69, pág. 79. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. III: 11. edição, revista e atualizada, 2006, p-35. CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil: págs. 38-39. FRANCESCO CARNELUTTI. Lezioni di diritto processuale civile, vol II, pág 60. FRANCESCO CARNELUTTI. Direito e Processo, ed. 1958, págs. 353 e segs.; PESTANA DE GIUSEPPE CHIOVENDA – Instituciones de Derecho Procesal Civil, Madri, I, 1936, pág. 298, apud RAMIRO PODETTI. Lãs medidas cautelares y el embargo preventivo de los fructos de la cosa litigiosa, in Revista de Derecho Procesal 9ALSINA0, vol II, pág. 139; apud Humberto Teodoro Júnior. op. cit. LOPES DA COSTA. Medidas preventivas. 2. ed. n° 63, pág. 63; HUGO ALSINA – Tratado Teórico Practico de Derecho PROCESAL Civil y Comercial. 1. ed., 1943, vol III, pág. 292. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela cautelar e Tutela antecipatória. SP. Ed. Rt, 1992, p, 141. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro, 1954 a 1969. PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Cód. De Processo Civil. Vol IX, pág. 160. ROCCO, Ugo. Apud: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Curso de direito processual civil. São Paulo: 1971. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. Vol 2, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p, 286. SANCHES, Sydney. Poder Cautelar Geral do Juiz. São Paulo: RT, 1978, p-2.
44
SAMPAIO, Marcus Vinicíus Abreu. O Poder Geral de Cautela do Juiz. São Paulo: RT, 1993, p-138. THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil brasileiro. Vol II. ob. cit, p, 375. Contra, em posição contrária minoritária, admitindo a concessão de medidas cautelares ex officio antecedentes, Lacerda. Comentários ao código de processo civil, vol VIII, tomo I, ob. cit. p, 63. THEODORO JÚNIOR, Apud: ENRICO TULLIO LIEBMAN – Manual de direito processual civil: ristampa della 2ª ed., 1968, vol. I, n° 1, pág. 3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar: 23 ed. Ver. e atual.: São Paulo: Liv. E Ed. Universitária de Direito, 2006, p, 1-2. VILLAR, Willard de Castro. Medidas cautelares. São Paulo. Revista dos tribunais, 1971.