o problema nacionalista

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O problema nacionalista Em seu livro “comunidades imaginadas”, o inglês Benedict Anderson coloca a questão do nacionalismo a partir de sua tese: as nações correspondem à uma construção. A imaginação viria não apenas de um cenário produto de condições externas sociológicas como raça, língua e religião. A produção de uma nação traria componentes de agencia daqueles que a imaginavam e assim a criavam. Um fator inventivo. No entanto, como pensar essa imaginação local, atrelada a ideias universais, advindos da Europa, do que seriam as instituições do Estado Moderno levando em consideração o processo de colonização? Como afirmar esse sujeito colonizado como agente de uma imaginação que o encaminha pelos mesmos processos pensantes de seu colonizador? Para essa questão, o historiador pós-colonial Partha Chatterjee nos proporciona uma crítica ao livro de Anderson; em seu “Comunidades Imaginadas: Por Quem? ”, Chatterjee levanta justamente a impossibilidade de se pensar esse projeto de construção do nacionalismo contornando o problema colonial. “O que faziam (os povos colonizados) de sua própria imaginação? ” – Ele se pergunta – “Parece que nossa imaginação também deve permanecer colonizada para sempre”. A ideia universal contida no projeto do Estado Moderno é o próprio ovo da serpente para sedimentar a construção do

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Pós Colonialismo e Descolonização do Pensamento

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Page 1: O Problema Nacionalista

O problema nacionalista

Em seu livro “comunidades imaginadas”, o inglês Benedict Anderson coloca a

questão do nacionalismo a partir de sua tese: as nações correspondem à uma

construção. A imaginação viria não apenas de um cenário produto de condições

externas sociológicas como raça, língua e religião. A produção de uma nação traria

componentes de agencia daqueles que a imaginavam e assim a criavam. Um fator

inventivo.

No entanto, como pensar essa imaginação local, atrelada a ideias universais,

advindos da Europa, do que seriam as instituições do Estado Moderno levando em

consideração o processo de colonização? Como afirmar esse sujeito colonizado

como agente de uma imaginação que o encaminha pelos mesmos processos

pensantes de seu colonizador?

Para essa questão, o historiador pós-colonial Partha Chatterjee nos proporciona

uma crítica ao livro de Anderson; em seu “Comunidades Imaginadas: Por Quem? ”,

Chatterjee levanta justamente a impossibilidade de se pensar esse projeto de

construção do nacionalismo contornando o problema colonial. “O que faziam (os

povos colonizados) de sua própria imaginação? ” – Ele se pergunta – “Parece que

nossa imaginação também deve permanecer colonizada para sempre”.

A ideia universal contida no projeto do Estado Moderno é o próprio ovo da

serpente para sedimentar a construção do nacionalismo. A captura da vida e dos

valores locais pelos termos e instituições desse Estado Moderno e do Mercado

Capitalista, funciona como uma falsa escolha, como um agenciamento da criação. A

liberdade de imaginação não existe. Chaterjee vê as causas de nossa miséria pós-

colonial, “não é nossa incapacidade para desenhar novos formatos de comunidade

moderna, senão nossa submissão ante as novas formas de estado moderno”. Não é

o problema da particularidade em construir um estado nação, mas o estado nação

como problema dessa particularidade.

Pensando o Brasil, este problema parece surgir apenas naqueles espaços negados

a atenção de uma construção política, de um pensamento político, que formularam

a seu modo uma negação ao projeto unificador que, antes mesmo da colonização,

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fora previsto no seio de suas relações coletivas. Falo dos povos indígenas que

viviam nesse território e suas formas de organização, social e política, que se

poderia dizer “contra o estado”, como formulado pelo antropólogo francês Pierre

Clastres ao estudar os mesmos.

No entanto, continuamos a seguir um percurso da lógica daqueles que, por meio

da violência e da imposição, poderíamos chamar “vencedores”. Ainda se renega a

narrativa dos “derrotados”, e não como uma inversão de lugares, mas como uma

detonação de um projeto principal. Aquilo que os pós-coloniais como Chaterjee

nos trazem, como os povos ameríndios, e diversas outras linhas “menores” de

pensamento, é uma impossibilidade de um projeto universal como o do Estado

Nação Moderno, ou como o Mercado Global. Estes seriam processos contínuos da

colonização, negando a todo pensamento de diferença que se articule fora deles.

O Brasil – em si só uma enorme contradição (com ênfase no enorme) – passou,

como vimos a cima, pelo processo de modernização e de construção e

fortalecimento de um nacionalismo por agenciamentos que não poderíamos

chamar “autônomos”. O ideário nacional do que seria próprio nosso e de como se

daria a nossa modernidade enclausurou, abafou e extinguiu as potências

inventivas, conduzindo-as pelos meandros engessados das instituições.

Em seu livro “A Invenção da Cultura”, o antropólogo americano Roy Wagner

destaca a importância das instituições culturais em preservar a cultura inventada,

para que esta continue agindo como fator inventivo sobre a vida. Nesse caso não só

para a sedimentação de uma vida local ou nacional, mas também universal. Basta

observarmos como um museu captura diversas culturas para a construção de uma

Cultura Humana.

Assim, uma entidade de preservação do patrimônio precisa ser observada do

ponto de vista de suas intenções.

Não nos enganemos, a formulação do nacionalismo a partir dos modelos

universais de um estado moderno não nos traz nada além do que a continuação,

por outras vias, do colonialismo. Em seu “Tristes Trópicos”, Lévi-Strauss diz em

tom melancólico: “Essas florestas grandiosas, essas enseadas virgens, essas rochas

escarpadas, gostaríamos de acreditar que só uns índios de pés descalços se

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enfiaram por ali, vindos dos planaltos, e não que elas tenham servido para oficinas

onde, há apenas duzentos anos, forjava-se o destino do mundo moderno”.

Desejo da descolonização. Evocando por fim outro Andrade que não Mário, que

formulou do SPHAN seu decreto original, mas Oswald, em seu Manifesto da Poesia

Pau-Brasil: “Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver

com os olhos livres”.