o prÍncipe - educacional.com.br€¦ · - são conquistados por valor ou por sorte e podem ser...
TRANSCRIPT
O PRÍNCIPE
NICOLAU MAQUIAVEL
CAP XI
OS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS
- São conquistados por valor ou por sorte e podem ser
mantidos sem um ou outra.
- São sustentados pelas leis antigas da religião e são tão
poderosos e fortes que mantêm o próprio príncipe no
governo, seja qual for o seu modo de vida ou o seu
comportamento.
Esses príncipes possuem o Estado e não o defendem; têm
súditos e não os governam.
Os Estados, mesmo indefesos, não lhes são tirados. Os
súditos, mesmo não sendo governados, não se preocupam
nem pensam em se separar de seu príncipe.
Portanto, somente esses principados são seguros e felizes.
São exaltados e mantidos por Deus.
CAP XII
OS TIPOS DE MILÍCIAS E OS SOLDADOS MERCENÁRIOS
As fundações principais para todos os Estados, sejam novos,
velhos ou mistos, são as boas leis e um bom exército.
- Como não pode haver boas leis onde não há um bom exército, e
onde haja um bom exército é conveniente que haja boas leis, deixarei
para depois as reflexões sobre as leis e falarei dos exércitos.
- As milícias, com as quais um príncipe defende o seu Estado, podem
ser próprias ou mercenárias, auxiliares ou mistas.
- As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas. Se alguém
baseia o seu Estado em milícias mercenárias, nunca estará estável e
seguro, porque são desunidas.
- O príncipe deve ser ele mesmo o capitão do exército
- Com as milícias mercenárias, as conquistas são lentas, tardias e
frágeis e as perdas são rápidas e espantosas.
CAP XIII
OS EXÉRCITOS AUXILIARES, MISTOS, E PRÓPRIOS
- Ao vencer, as tropas mercenárias precisam de mais tempo e da
ocasião propícia para te atacar, por nao serem unidas e por
terem sido contratadas e pagas por ti.
- Um príncipe sábio sempre foge destas milícias e utiliza as
suas próprias. Prefere perder com as suas a vencer com a dos
outros, por julgar que não é verdadeira a vitória que se conquista
com as armas alheias.
- Sem armas próprias, nenhum principado está seguro, ou
melhor, depende totalmente da sorte, não havendo valor que o
defenda com fé, na adversidade. Sempre foi opinião e parecer
dos sábios: nada é tão frágil ou instável quanto a fama de uma
potência que não se apóia nas próprias forças. E armas próprias
são aquelas compostas ou de súditos ou de cidadãos ou de
soldados teus. Todas as outras são ou mercenárias ou
auxiliares.
CAP XIV
OS DEVERES DO PRÍNCIPE COM SUAS TROPAS
- Um príncipe não deve ter outro objetivo nem outro
pensamento, nem praticar arte alguma fora a guerra, sua
ordem e disciplina, pois esta é a única arte que se espera de um
comandante e é de tal valor que não somente mantém o poder
dos que nasceram príncipes, mas, muitas vezes, permite a
cidadãos comuns subir a esse grau.
- É desproporcional a diferença entre um príncipe armado e
um desarmado. Não é lógico que quem esteja armado obedeça,
com prazer, a quem esteja desarmado e que o desarmado esteja
seguro entre servidores armados.
- Nunca deve-se deixar de pensar no exercício de guerra.
Na paz, deve exercitar-se mais do que na guerra. Isso pode ser
feito de dois modos: Com ações e com a mente.
1. Quanto às ações, além de manter seus homens em boa
ordem e exercitados, deve-se sair sempre à caça, para
acostumar o corpo ao desconforto e para conhecer a natureza
dos lugares, saber como surgem as colinas, como se abrem os
vales, como se estendem as planícies, conhecer a natureza
dos rios e dos pântanos, sempre com muita atenção. Esse
reconhecimento é útil de duas maneiras: Primeiro, conhece-se
o próprio país e pode-se ver melhor como defendê-lo; segundo,
mediante o conhecimento e prática desta área, será fácil
compreender qualquer outra, nova, que seja necessária
observar as colinas, os vales, as planícies, os rios, os pântanos
que estão...
2. Pelo conhecimento de uma província, pode-se, facilmente,
conhecer outras. Ao príncipe que falta esta prática, falta a primeira
prerrogativa de um capitão. Esta ensina a encontrar o inimigo,
conduzir os exércitos, organizar o dia e assediar com vantagem.
3. Quanto ao exercício da mente, o príncipe deve ler livros de
história, refletir sobre os atos dos grandes homens. Ver como foram
conduzidas as guerras, examinar os motivos de suas vitórias e
derrotas para destas fugir e imitar as primeiras. Sobretudo, fazer
como já fizeram alguns grandes homens que tomaram como
modelo alguém que, antes dele, tenha sido louvado e glorificado,
mantendo sempre em mente suas proezas e ações.
4. Um príncipe sábio deve observar modos similares e nunca, em
tempo de paz, ficar ocioso. Com trabalho deve juntar tesouros, para
poder se valer na adversidade. De modo que, a sorte, quando
mudar, encontre-o pronto para resistir.
CAP XV
AS QUALIDADES PELAS QUAIS OS HOMENS,
SOBRETUDO OS PRÍNCIPES, SÃO LOUVADOS OU
VITUPERADOS
- Tenho a intenção de escrever algo útil para quem a queira
entender, pareceu-me conveniente ir atrás da verdade efetiva
dã coisa, em vez da imaginação. Muitos imaginaram repúblicas e
principados que nunca se viu nem se soube que fossem verdadeiros
por serem tão diversos de como se vive para como se deveria viver.
Aquele que deixa o que se faz pelo que se deveria fazer aprende a
se arruinar em vez de se preservar.
- Pois o homem que queira professar o bem por toda parte é natural
que se arruine entre tantos que não são bons. Para um príncipe é
necessário, querendo se manter, aprender a poder ser não bom
e usar ou não usar isso, conforme precisar.
- Deixando de lado as fantasias sobre um príncipe e discorrendo
sobre a realidade, digo que todos os homens, sobretudo os
príncipes, por estarem em um nível mais alto, são notados por
algumas qualidades que lhe acarretam censura ou louvor.
- Há quem seja considerado generoso, outro miserável;
um capaz de doar, outro rapace; um cruel, outro piedoso;
um traidor, outro fiel; outro truculento e corajoso; um
humano, outro soberbo; um franco, outro astuto; um
rigoroso, outro benevolente; um severo, outro superficial;
um religioso, outro incrédulo;
- O príncipe não deve se importar com se expor à infâmia dos
vícios sem os quais seria difícil salvar o poder. Porque,
considerando-se bem tudo, há coisas que parecem virtude e
acarretam a ruína, outras que parecem vício e, com elas,
obtêm-se a segurança e o bem-estar.
CAP XVI
A GENEROSIDADE E PARCIMÔNIA
- Um príncipe deve ser pouco generoso, para não precisar
roubar os súditos, para poder se defender, para nao ficar pobre e
desprezível, para não ser forçado a se tornar rapace, para não
incorrer na fama de miserável.
- A falta de generosidade é um dos vícios que o fazem reinar.
- Entre todas as coisas que um príncipe deve evitar estão
ser desprezível e odioso.
- É mais sábio manter a fama de miserável, que traz infâmia sem
ódio, do que, por querer ser conhecido como generoso,
necessitar incorrer na fama de rapace, que traz infâmia com
ódio.
CAP XVII
A CRUELDADE E A CLEMÊNCIA: SE É MELHOR
SER AMADO DO QUE TEMIDO, OU O CONTRÁRIO
- Todo príncipe deve desejar ser considerado clemente e não
cruel. Porém deve estar atento para não usar mal esta piedade.
- Um príncipe deve não ser preocupar com a fama de cruel, para
manter seus súditos unidos e fiéis.
- Ao príncipe novo é impossível evitar a fama de cruel, por serem
os Estados novos cheios de perigos.
- O príncipe deve ser prudente, ao acreditar e ao agir, não deve
amedrontar-se a si mesmo e proceder com equilíbrio, prudência e
humanidade.
- É melhor ser amado do que temido, ou o contrário.
Responde-se que se quer ser tanto um quanto o outro. Mas
como é difícil reuni-los, é muito mais seguro ser temido do
que amado, no caso de ser preciso renunciar a um dos dois.
- Os homens são ingratos, volúveis, mentirosos, traiçoeiros,
covardes, ávidos por dinheiro. Se lhes fazes o bem, todos estão
contigo. Oferecem-te o sangue, as coisas, a vida, os filhos, quando a
necessidade está longe de ti. Mas quando a necessidade chega perto,
eles se rebelam. E o príncipe que havia se baseado completamente
nas palavras deles, se não tiver outras defesas, arruina-se.
- Os homens têm menos pudor em ofender alguém que se faça amar
do que alguém que se faça temer O amor é mantido por um vínculo de
obrigação, que os homens, sendo malvados, rompem quando melhor
lhes servir. Mas o temor é mantido pelo medo de ser punido, o que
nunca termina.
- O príncipe deve se fazer temer de um modo que, se não
conquista o amor, evita o ódio.
- Os homens esquecem mais rápido a morte do pai do que a perda
do patrimônio. Por outro lado, não faltam ocasiões para depredar
alguém.
CAP XVIII
OS PRÍNCIPES E A PALAVRA DADA
- Tendo o príncipe necessidade de saber usar bem a natureza do
animal, deve escolher a raposa e o leão.
- o leão não sabe se defender das armadilhas e a raposa não sabe
se defender da força bruta dos lobos. Portanto, é preciso ser
raposa, para conhecer as armadilhas, e leão, para aterrorizar os lobos.
- Os que se limitam, simplesmente, ao leão não governam. Um
príncipe prudente não pode, nem deve, manter a palavra dada, quando
lhe for prejudicial e as razões que o fizeram dar a palavra não mais
existirem.
- Se todos os homens fossem bons, este preceito não seria bom, mas
como são malvados e não a manteriam para ti, tu, também, não deves
mantê-la para eles.
- O que soube usar melhor a raposa, saiu-se melhor. Mas é necessário
saber disfarçar bem essa natureza e ser capaz de fingir e dissimular.
A um príncipe, portanto, não é necessário ter, de fato, todas as qualidades,
mas é bem necessário parecer tê-las.
Ou melhor, ousarei dizer que, tendo-as e observando-as sempre, são
nocivas; parecendo tê-las, são úteis.
O príncipe deve parecer clemente, leal, humano, íntegro, religioso e
deve sê-lo.
Mas deve estar com o espírito pronto para que precisando não ter
essas qualidades, possa e saiba assumir o contrário.
É preciso entender que um príncipe, sobretudo um príncipe novo, não
pode observar todas as coisas pelas quais um homem é considerado bom,
necessitando muitas vezes agir contra a lealdade, a caridade, a
humanidade, a religião, para manter o Estado. É indispensável que tenha
um ânimo disposto a mudar, conforme comandarem os ventos da sorte e
as variações das coisas. Como disse antes, não se desviar do bem, se
possível, mas saber sempre como usar o mal, se necessitar.
Nas ações de todos os homens, sobretudo dos príncipes, quando
não há tribunal ao qual recorrer, deve-se considerar o resultado.
Assim, um príncipe deve conquistar e manter um Estado. Os
meios serão sempre considerados honrados e por todos
louvados. Porque o vulgo atenta sempre às aparências e ao
resultado.
CAP XX
SE AS FORTALEZAS E MUITAS OUTRAS COISAS
COTIDIANAS USADAS PELOS PRÍNCIPES SEJAM ÚTEIS
OU INÚTEIS
- Um príncipe novo, em um principado novo, sempre organiza um
exército.
- A história está repleta destes exemplos.
- Mas quando um príncipe conquista um Estado novo que será
anexado ao antigo como um membro, então é necessário desarmá-lo,
exceto os cidadãos que, na conquista, tornaram-se seus partidários.
- Os príncipes, sobretudo os novos, encontraram maior lealdade e
maior utilidade nos homens que, no início do seu governo, eram-lhes
suspeitos, do que naqueles em quem confiavam.
- Para tornar mais seguro o próprio Estado, é costume dos príncipes
edificar fortalezas que sejam fortes e freio para os que possam vir a
conspirar contra eles, e refúgio seguro de um ataque de surpresa.
CAP XXI
COMO UM PRÍNCIPE DEVE AGIR PARA SER ESTIMADO
- Nada traz tanta estima a um príncipe do que os grandes
empreendimentos e dar de si próprio exemplos raros.
- É muito vantajoso para um príncipe mostrar uma excelente
imagem de si próprio também na política interna.
- Um príncipe deve agir de modo a assegurar-se a fama de
grande homem, com um grande intelecto.
- Um príncipe deve mostrar-se amante das virtudes, honrando
os homens virtuosos e os que excedem em alguma arte. Deve
encorajar os seus cidadãos a acreditar que podem exercitar suas
atividades em calma, seja no comércio, na agricultura ou em
qualquer outra. Que um não tema melhorar suas propriedades por
medo que lhe sejam tiradas, que outro não tema abrir um
comércio por medo dos impostos.
CAP XXII
DOS SECRETÁRIOS QUE ACOMPANHAM O PRÍNCIPE
- A escolha dos ministros não é tarefa de pouca importância.
- Que sejam bons ou não, depende da prudência do príncipe.
A primeira conjectura que se faz da inteligência de um senhor
baseia-se no exame dos homens que ele tem à sua volta. Quando
são capazes e leais, pode ser considerado sábio, pois soube
reconhecê-los capazes e mantê-los leais. Mas quando são de
outro modo, pode-se sempre fazer um mau juízo dele, pois o
primeiro erro, ele o fez nesta escolha.
- Há um sistema infalível para reconhecer o caráter do
ministro. Quando vires o ministro pensando mais em si do que
em ti, e que em todas as ações procura algo de útil para si próprio,
este não será um bom ministro nunca poderás confiar nele.
Porque quem tem o Estado de outro em mãos, nunca deve
pensar em si próprio, mas no príncipe, e nem fazê-lo recordar-se
de algo que não lhe diga respeito.
Para mantê-lo leal, o príncipe deve cuidar do ministro, honrando-o,
tornando-o rico, dando-lhe responsabilidades, fazendo-o participar
de honrarias e cargos.
Para que veja que não pode existir sem o príncipe, que as muitas
honras não o façam desejar mais honras, que as muitas riquezas
não o façam desejar mais riquezas, que os muitos cargos não o
façam temer mutações.
CAP XXIII
COMO EVITAR OS ADULADORES
- Um príncipe prudente deve escolher, elegendo homens
sábios para o seu governo.
- Só a eles deve permitir que digam a verdade e só a respeito do
que lhes perguntar e nada mais. Mas deve lhes perguntar sobre
tudo, ouvir a opinião deles para depois deliberar sozinho, como
achar certo.
- Um príncipe deve sempre se aconselhar, mas quando ele quer e
não quando querem os outros. Deve desencorajar todos a darem-
lhe conselhos, sem que ele peça.
- Os bons conselhos, de onde quer que provenham, nascem da
prudência do príncipe e não a prudência do príncipe dos bons
conselhos.
CAP XXV
QUANTO PODE A FORTUNA INFLUENCIAR AS COISAS
HUMANAS E COMO SE PODE RESISTIR A ELA
- A sorte pode determinar a meta e de nossas ações, mas que até
ela nos permita governar a outra metade.
- Comparo-a a um destes rios desastrosos, que, na cheia,
alagam as planícies, derrubam as árvores e as construções,
carregam terra de uma parte, depositam em outra; todos fogem à
sua frente;
- A sorte manifesta-se de modo semelhante: Demonstra a sua
potência onde não há virtude organizada para lhe opor
resistência; volta os seus ímpetos para onde sabe que não foram
feitas barragens e reparos para segurá-la.
- Acredito, também, que tenha sucesso o que adapta o seu modo
de ser aos tempos e, do mesmo modo, fracasse o que esteja em
desacordo com os tempos pelo seu modo de agir.