o presente, essa grande mentira social

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O presente, essa grande mentira social: a mais valia na reciprocidade Ensaio antropológico de sociologia económica por Raúl Iturra Publicado por : Porto: Edições Afrontamento ; ISBN: 9723609010 O Avarento, Molière, 1668, lucra com juros de moeda que empresta e não pagando as suas contas, transferindo a dívida aos mais pobres Pequena nota introdutória: Escrevi este livro em 2004. Foi publicado em 2008, pela Editora Afrontamento. Na Europa estamos todos indignados, temos sido atropelados 1

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Ensaio antropológico de sociologia económica

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Page 1: O Presente, Essa Grande Mentira Social

O presente, essa grande mentira social:a mais valia na reciprocidade

Ensaio antropológico de sociologia económica

por Raúl IturraPublicado por : Porto: Edições Afrontamento ; ISBN: 9723609010

O Avarento, Molière, 1668, lucra com juros de moeda que empresta e não pagando as suas

contas, transferindo a dívida aos mais pobres

Pequena nota introdutória: Escrevi este livro em 2004. Foi

publicado em 2008, pela Editora Afrontamento. Na Europa

estamos todos indignados, temos sido atropelados pelos

financistas, mal guardados pelo governo, este e os

anteriores, a nossa soberania é quase inexistente, mas tudo

tem uma explicação

O livro que a seguir apresento, dividido em troços, parece-

me ter essa explicação. Eis o texto e imagens explicativas.

 O presente, essa grande mentira social*

A mais-valia na reciprocidade.

Ensaio Antropológico de Sociologia Económica.

1

Page 2: O Presente, Essa Grande Mentira Social

 

Para a nossa neta Maira, filha de Cristan van Emden e Paula (née Iturra), e para o nosso amigo

Pierre Bourdieu

            Parede, Dia de S. Valentim de 2004

Capítulo I:   Reciprocidade. 2

Capítulo II: Reciprocidade Comercial. 33

Capítulo III: A Mais-Valia. 48

Capitulo IV: Socialismo Heterogéneo. 58

Capitulo V: Sociologia Económica. 95

Conclusões: A reacção de Durkheim e Mauss.

Bibliografia Comentada

115

121

Capítulo PrimeiroReciprocidade

1. Introdução.

Há um comportamento humano, observado através da história, que é a procura da igualdade

na interacção social. Interacção entre seres humanos e entre estes e os bens que lhes

permitem, como habitualmente gosto de frisar, permanecer dentro da História. Comportamento

que pode causar o efeito contrário ao procurado, ao envolver hierarquias sociais e relações de

posse de recursos ou na sua falta.

Não existe grupo social que não queira que todos os seus membros sejam equivalentes,

insubstituíveis, doem o melhor de si para os outros ou retirem o melhor dos outros para si

próprio. Faz parte de uma longa tradição, dessas milenárias, o facto de se ser semelhante; até

a palavra que usamos para falar do outro, é esse substantivo semelhante. Milenar, porque

estava já escrito no texto denominado Bíblia, no Livro Êxodo, Capítulo 21, versículos 7 a 12,

bem como no Livro Deuteronomio, Capítulo 5, versículos 2 e seguintes[1]. Estes textos que

invoco, referidos e analisados no meu anterior livro[2], configuram o Decálogo ou Dez Palavras,

denominados pelo Ocidente Cristão como Antigo Testamento, os Livros de Moisés, e Novo

Testamento, o Evangelho de Mateus[3]. Este acaba com uma frase interessante: Amarás al

Señor, tu Dios, con toda tu alma y com toda tu mente. Éste es el más grande y el primer

mandamiento. El segundo, semejante a éste, es: Amarás al prójimo como a ti mismo. De estos

dos preceptos penden toda la Ley y los Profetas.[4] E é nestes textos, que a maior parte da

população ocidental procura essa igualdade. Ao que parece, como vamos ver, nunca

encontrada.

2

Page 3: O Presente, Essa Grande Mentira Social

É John Locke que, a partir destes textos, concebe, em 1690, ideias que seriam de seguida

usadas pela Declaração da Independência das Colónias Inglesas na América, ou Estados

Unidos de América, e, mais tarde, pela Constituição Francesa. De facto, John Locke é a base

do movimento denominado Enciclopédia (base, porque começa a transferir os denominados

Textos Sagrados, para textos laicos ou civis, servindo-se de textos da mitologia ocidental que

orientam a conduta e o comportamento social). É no livro de 1695, que estabelece os princípios

que orientam a sua adesão ao movimento enciclopédico[5]: “The little fatisfaction and

confiftency that is to be found, in moft of the fyftems od divinity I have met with, made me

betake mufelf to the fole reading of the Scriptures (to which they all appeal) for the uderf the

Criftian Religion… I have received, Reader, here I deliver to thee”[6]

Mas, o que é que nos entrega, como ele diz? Um argumento de trezentas páginas, baseado

nas Escrituras Sagradas Ocidentais, que justifica a procura da igualdade perdida entre os

homens por causa do mito denominado a Desobediência de Adão, apesar da redenção da

Humanidade pelo dito filho de Deus, Jesus Cristo. No fundo, Locke estava a justificar dois

textos prévios, publicados anonimamente, tal e qual os já citados, sobre o Governo Civil e

sobre a Tolerância.[7] O mais interessante deste conjunto de ideias, é a frase “all human being

were equal and free to pursue life, health, liberty and possessions”[8]. Porque eram todos os

seres humanos nascidos livres e iguais? Eram, porque Adão se tinha virado contra a Lei Divina,

donde a liberdade e a igualdade haviam sido perdidas. Locke constrói um argumento, para

criticar o estado das relações entre senhores e plebeus. Não apenas ele, mas todo o

denominado Enlightment[9] e a Enciclopédia[10] de Diderot e D’Alembert, experimentam mudar

as formas de tratamento das pessoas, procuram a liberdade, buscam igualdade e retiram da

História factos positivos que possam delimitar as formas teológicas de entender o real, definir a

Lei e delimitar assim o poder das Monarquias Absolutas desse tempo. É dentro deste espírito,

que origina duas revoluções, que Locke é um Percursor e sabe usar a Teologia para definir o

ser humano como natureza. Não é em vão que influencia David Hume, professor de Adam

Smith, o qual se interroga sobre qual o estado da natureza humana[11]. Correntes e ideias que,

no nosso tempo, denominamos liberais, passando a ser desprezíveis e passíveis de combate

pelo seu conservadorismo. Teorias que experimentam a aquisição de riqueza para poucos, na

base do trabalho assalariado de muitos. E no entanto, possibilitaram a libertação do estado

anterior: a servidão. No Ocidente, as pessoas estavam submetidas às hierarquias aristocratas,

ao tipo de contrato existente, como na enfiteuse, ou subordinados aos possuidores de bens. Os

liberais, dos quais os economistas são uma amostra, souberam ensinar ao povo a sua

capacidade de opção. Capacidade desconhecida para os que tinham que servir, sem pensarem

por eles próprios, mas por meio da autoridade da lei, da hierarquia e da sua própria pobreza.

 Estas teorias constituíram o tormento intelectual dos autores dos Séculos XIX e XX. E ainda

mais do presente Século. Locke dá o pontapé de saída:“1. Habiendo demostrado en el discurso

anterior [refere ao primeiro Treatise on Civil Goverment, arguido mais tarde no texto Teológico-

Civil de 1695, já referido]: 1) Que Adán no tuvo, ni por derecho natural de paternidad, ni por don

de Dios, una tal autoridad [de mandar e escravizar] sobre sus hijos o un domínio sobre el

mundo como los que se há pretendido asignarle. 2) Que si lo tuvo, sus herederos no poseyeron

un derecho así. 3) Que si sus herederos lo tuvieron, como no hay ley de naturaleza ni ley

3

Page 4: O Presente, Essa Grande Mentira Social

positiva de Dios que determine cuál es el heredero legítimo en todos los casos que puedan

darse, el derecho de su sucesión y, consecuentemente, el de asumir el gobierno no pudieron

ser determinados con certeza. 4) Que incluso si hubieran sido determinados, el conocimiento

de cuál es la línea más antigua de la descendencia de Adán se perdió hace tantísimo tiempo,

que en las razas de la humanidad y en las familias del mundo no queda ya ninguna que tenga

preeminencia sobre otra y que pueda reclamar ser la más antigua y poseer el derecho

hereditario…no estará demás que yo establezca lo que entiendo por poder político…henos de

considerar cuál es el estado que el hombre se halla por naturaleza. Y es éste un estado de

perfecta libertad para que cada uno ordene sus acciones y disponga de posesiones y personas

como juzgue oportuno, dentro de los límites de la ley de la naturaleza, sin pedir permiso ni

depender de la voluntad de ningún otro hombre. Es también un estado de igualdad, en el que

todo poder y jurisdicción son recíprocos, y en donde ninguno los disfruta en mayor medida que

los demás. Es evidente que… criaturas de la misma especie y rango, hayan de ser también

iguales entre sí…”.[12] Por outras palavras, John Locke, a partir do seu saber Teológico-

Filosófico, inicia um debate sobre a natureza da política com a qual um Estado é governado. E,

como é natural, usa as palavras entendidas na sua época. Não é possível esquecer que este

debate intelectual é, ele próprio, resultado de um debate anterior entre aqueles que retiram

autoridade a um poder, até ao Século XV, central para o Ocidente e as suas Colónias: o ebate

da autoridade do Vaticano. sobre o mundo, para ela conquistado por Carlos Magno[13]. A

igualdade procurada estava longe de ser uma igualdade entre seres humanos, nascidos livres

e iguais.

Apesar disso, as teorias de John Locke influenciaram dois textos de grande importância para o

Ocidente. O primeiro, a Declaração da Independência de Inglaterra, das suas Colónias

Americanas, ou Estados Unidos[14]. Thomas Jefferson, sob as ideias de Locke, redigiu essa

acta fundada na ideia de que o ideal de Governo está baseado na teoria dos Direitos Naturais

dos seres humanos: “Article 1: Men are born and live free and equal under the law. Article 2:

Men are created equal and have inalienable rights of freedom, of speech, of

defence…”[15] Direitos Naturais, retirados do autor invocado, que definem a igualdade dos

seres humanos, ao nascerem livre e iguais, mas com uma condição: “…on grounds of common

utility”. Para assegurar essa igualdade e liberdade, existe toda uma Lei, a Constituição do

Estado, garante a liberdade de expressão, mas de livre acesso aos bens para utilidade comum

[não apenas possuir, mas lucrar], de não testemunhar contra si próprio, de ser submetido a

julgamento pelos seus iguais, entre outras das 9 cláusulas originais ou Amendments que

constituem a base do Direito dos EUA:[16]. O segundo, em França, a seguir à declaração do

fim da Monarquia Absoluta e da crença no Monarca como representante de Deus na Terra, La

Convention General ou Governo dos Estados Gerais, é redigida a Declaração dos Direitos dos

Cidadãos[17]: “Tout citoyen est livre d’employer ses bras, son industrie et ses capitaux comme

il jugue bom et utile a lui-même…il peu fabriquer ce qui le plaît et comme il le plaît…L’exercise

des droits naturales de chaque homme n’a des bornes que celles ci qui assurent aux autres

membres de la société la jouisance des mêmes droits” A importância reside no reconhecimento

da igualdade entre todos os seres humanos, da Soberania do Estado, e dos Inalienáveis

Direitos dos Indivíduos à Liberdade, Prosperidade e Segurança.

4

Page 5: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Por outras palavras, é a partir das ideias do denominado Direito Natural, definido na Sorbonne

em 1226, que é estruturado um contexto ideológico e social, na procura da ideia de igualdade.

Uma igualdade prometida, mas nunca atingida. Uma igualdade que reconhece direitos aos

possuidores de bens, de intelecto, de saberes. E, no entanto, um passo em frente, na História

Universal, ao falar de igualdade para todos os seres humanos, conquanto não conquistada. E

as teorias começam a aparecer. E as acções revolucionárias. Mas, nem pela participação nas

guerras de Conquista do Poder do Vaticano, ou da Libertação das Colónias Inglesas, ou da

Revolução Francesa, a igualdade parece sorrir para todos. Há os Direitos de Liberdade,

Fraternidade, Igualdade, declarados na França do Século XVII e referendados no ano de 1946,

aquando da organização das Nações Unidas. A não prevalência de elementos da Lei, do

Direito e da Economia, leva a que a realidade do ser humano perante o conceito permaneça

heterogénea, persistindo, todos eles – os iguais a si próprios e os menos iguais –, perante os

bens produtivos e reprodutivos, para que a intelectualidade e o povo se comecem a insurgir,

cada grupo à sua maneira. Ou, como diz George Orwell: “Todos somos iguais, mas há uns

mais iguais que os outros…”[18].

 2. Insurreição.

De facto, na base do Direito dos Estados e das Nações, estão dois conceitos que o auto-

limitam: o de Indivíduo e o de Propriedade. As revoluções já acima referidas, cuja tradução

resulta nas Actas ou Convenções de Independência já citadas, mais não constituem do que

uma transferência de bens e direitos da sociedade aristocrática governante, para o grupo social

que ostenta o bem mais cobiçado nesses tempos – o Dinheiro. A indústria nasce, a

manufactura passa das mãos dos tecelões para as fábricas de tecido, o poder do vapor e do

carvão são capazes de impulsionar máquinas, fabricadas a partir da capacidade do

conhecimento humano para converter as tecnologias artesanais em novas formas de trabalho.

Estas requerem pessoal ou mão-de-obra abundante, paga em salário ou remuneração

escassa, face ao tempo empregue no trabalho e às necessidades de alimentação a partir

desse ordenado. É o que denominamos a passagem do Regime Feudal ao Regime Industrial

noutros textos[19], ou transição ao capitalismo, estudado por um dos nossos grupos, num

Seminário patrocinado pela UNESCO em França, Espanha, Portugal e América Latina, que

resultou na publicação de um livro[20]. Livro que analisa o dia de hoje, mas pouco remete para

os antecedentes dos séculos que deram nascimento ao que Hobsbawm denomina The Age of

Capital-1848-1875[21] Porque, como este autor analisa mais tarde[22], a Era das Revoluções é

uma via de afirmação do denominado liberalismo económico, base da obra de Adam Smith,

que se interroga sobre a forma como as nações enriquecem[23], obra que já analisámos

anteriormente[24]. Porque é a era do Capital assinalada por Hobsbawm entre 1848 e 1875, e

não na época da obra de Smith, Século XVIII? Porque, de facto, toda a promessa de igualdade

parece desaparecer entre as datas referidas. Em 1776, tinha acontecido a separação das

Colónias Britânicas e a organização de uma Confederação de Estados na América. Em 1789,

em França, tinha acabado a ideia da Monarquia Absoluta e da Divindade do Rei. Como La

Convention define, o Rei já não o é “pela graça da Deus, Rei de França e de Navarra”, mas

sim“Rei, pela graça de Deus e da Lei Constitucional do Estado, do Reino da França” porque “a

fonte de toda soberania reside essencialmente na Nação…”[25] A ideia de Nação tinha

5

Page 6: O Presente, Essa Grande Mentira Social

nascido, olhando apenas para o seu hexágono original e não para as terras espalhadas além

fronteiras. Tal como tinha acontecido com a Grã-Bretanha, cujas colónias eram governadas

pelas suas próprias leis e não pelas britânicas. Na terra da igualdade, a Monarquia tinha sido

restaurada, mas, em 1848, Luís Napoleão Bonaparte cria a Segunda República, sendo

Presidente, até se declarar Imperador em 1852. Este Império dura até ao ataque da Prússia,

em 1870, e à declaração de cessação da existência da Comuna de Paris, criada para governar

a cidade em 1792. A Comuna procurava reformas económicas e era composta por

republicanos radicais (ou em procura de reformas de benefício social para assistir aos que já

eram denominados “trabalhadores pobres” [the working poor]), socialistas, anarquistas e

marxistas, todos eles aniquilados em 1871, pelo Presidente da Terceira República, Adolphe

Thiers. As estatísticas de todo o historiador, a enciclopédia, o dicionário, ou os romances, como

o de Victor Hugo, Les Misérables, de 1862, remetem para a pobreza que tinha causado a

entrada das relações de capital entre o povo francês e narra as lutas dos Communers, 17.000

mortos calculados por todos eles. É por esta altura que Karl Marx[26] escreve três importantes

textos para a luta sindical na França, que o socialista Jules Guesdes introduz em Paris como

colectivismo e usa para a luta sindical, ou Guildes da França, bem como para a formação da

“Fédération de Travallaireurs Socialistes de France”, que passa a ser, em 1879, Le Parti

Ouvrier Français como é reconhecido por Émile Durkheim[27]. Pelo que, os anos de 1848 a

1870 são anos de reformas burguesas, visando a obtenção do lucro. Mas, ao mesmo tempo e

por igual [eis uma igualdade contraditória], a luta sindical organizada por George Owen na Grã-

Bretanha, fundador da “General Union”, precursora dos Sindicatos e dos Politécnicos para a

elevação académica dos operários e da pequena burguesia, como o foram, em França, Les

Écoles Politechniques. Owen formula o conceito e actividade da Brotherhood ou Carbonari ou

“primos”, como se denominam no resto da Europa, especialmente na Itália, na radical Rússia –

Dezembrista, e no pré-republicano Portugal, com a Voz do Operário e os Grupos Carbonários,

enquanto na Espanha e nos Países Baixos se agita, principalmente, o movimento anarquista. A

consciência social operária começa a emergir e e organizar, ainda debaixo das ideias liberais

de grupos revolucionários radicais opostos ao capital. Em 1820, com a liderança da França e

dos seus Communers, o conceito Socialista é cunhado pelo operariado. Esta tomada de

consciência dos trabalhadores é apoiada em Itália pela Casa de Saboia, e em 1848, pelo Papa

Pio IX, que tenta mobilizar os católicos em prol de igualdade e da justiça social, mas na base

do liberalismo, i.e., propriedade privada, obrigação de trabalhar, direito ao salário, obrigação de

aceitar o que é pago – pouco ou muito, é igual para o Vaticano – e reparar com consciência e

responsabilidade nas capacidades individuais a serem empregues na produção. Sinistro

programa! É a época em que a economia, nos países da Europa, começa a ser organizada

pelo Estado e é retirada das mãos dos particulares. É a época das Revoluções Europeias, da

unificação da Itália, da Prússia e dos Países Saxónicos num Império Alemão, da Primeira

República Espanhola, da Constituição Portuguesa para limitar a Monarquia, da consolidação

das fronteiras da Bélgica e a divisão dos Países Baixos. O movimento de assalariados vai

nascendo. O Socialismo começava por vários atalhos, como veremos mais à frente. Entretanto,

ser liberal era ser radical e revolucionário, era tomar parte na luta do operariado e definir novas

classes sociais, tal e qual Marx tinha proposto, e que Durkheim e Mauss mais tarde tratarão, ao

6

Page 7: O Presente, Essa Grande Mentira Social

fundarem uma ciência para pensar o Socialismo: a Sociologia[28]. A consciência social do

operariado começava a insurgir-se e a organizar-se. A prometida igualdade não aparecia.

Antes, aparecia o trabalhador pobre, acrescido da necessidade do trabalho da sua família

como forma de contribuição para o sustento da mesma. O liberalismo tinha completado a sua

tarefa de pôr termo ao conservadorismo das monarquias e da classe aristocrata. Um novo

movimento nascia, apesar das ideias organizadas pelos economistas durante o século XVIII e

as suas crenças de existir uma guerra permanente entre produtores e proprietários dos meios

de produção. Essa classificação, como veremos, seria introduzida, mais tarde, por Karl Marx.

 3. Os Economistas.

François Quesnay, como membro da Enciclopédia Francesa escreve, em 1758, todo um

tratado procurando convencer os seus compatriotas de que a riqueza vinha da terra e não da

indústria. A terra não precisava de investimentos; podia ser arrendada a meias ou podia ser

entregue em enfiteuse a famílias, por longas épocas cronológicas, e dessa mesma terra

sairíam os bens para reinvestir. A ideia de Quesnay era antecipar-se a uma crise social. Toda a

Enciclopédia tinha escrito sobre as leis, o governo do Estado, a República, os limites do

Príncipe e os seus deveres. A questão da Natureza Humana parecia estar já ultrapassada. A

Enciclopédia procurava explicação científica, positiva, dos factos. Sem dar por isso, a

Enciclopédia, incluindo Quesnay, forma um movimento racional para organizar a produção, o

trabalho, as relações entre proprietários e operários. A obra de Quesnay baseia-se no seu

conhecimento anatómico e, partindo da classificação do corpo, classifica a actividade operária

e a dos proprietários. A terra tinha sido usada conforme entendiam os proprietários, que a não

habitavam, nem sabiam como funcionava a reprodução, quer animal, quer vegetal.

Como tenho já comentado, François Quesnay introduz não apenas a ideia de que a indústria é

uma actividade estéril, bem como a noção de que a terra tem as suas leis, que devem ser

conhecidas e respeitadas, para que elas possam render como esperado. Além do mais,

classifica os tipos de contratos para escolher o mais sensato e mais profícuo, o da já

mencionada enfiteuse – a família que trabalha a terra aparece como a sua proprietária, pelo

que se comporta como tal. A enfiteuse, definida na lei romana no Código de Justiniano, e, anos

mais tarde, pelo Código de Napoleão, diz que a terra é entregue a um grupo trabalhador, capaz

de produzir bens e de ter uma descendência que tome conta desses bens, ao aprender a

trabalhar pelo hábito de ver, ouvir e fazer como os seus ancestrais fazem. Além do mais, a

terra pode ser dividida entre os vários descendentes, que devem provar a sua capacidade de

trabalho através da criação de um novo ramo da árvore da vida da família. Os que conseguem

demonstrar estas aptidões recebem bens para trabalhar, sabedoria e colaboração dos seus

parentes consanguíneos.

No domínio da Economia, Quesnay e a sua Escola, denominada de Fisiocracia, estão na

origem da ideia do laissez-faire. Esta define a Contabilidade para ordenar os investimentos, as

vendas e explorar os mercados mais convenientes, quer para as vendas, quer para comprar

produtos para reproduzir a produção ou investimentos em forma de animais, sementes e

adubos –, esta contabilidade é espalhada dentro do grupo de trabalhadores para a procriação

de mais trabalhadores. Apesar de não serem estes os termos utilizados, na acção a partir de

ideias cristãs católicas, o objectivo de uma família é o Sacramento do Matrimónio ou

7

Page 8: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Casamento, que serve para manter o desejo sexual calmo e não interferir com grupos sociais

que nada têm a ver com o seu. É a ideia que, mais tarde, Émile Durkheim definirá como básica

da estrutura dum Grupo Social, objecto de investigação Sociológica[29].

A ideia central de Quesnay, como bom conhecedor do comportamento humano e bom

conhecedor da fisiologia, era controlar a população produtora, tomando vantagem das

crendices religiosas de um povo em desespero pela pobreza do Século XVIII, que os levará

mais tarde a uma revolução fracassada, por terem perdido terras e propriedades entregues em

“métayage” por genealogias. A Revolução Francesa acabou com a exploração da terra e fez

dos servos operários. Daí o germe da ideia do socialismo em França, como se verá mais à

frente, pela traição de um objectivo revolucionário – o da igualdade. Para os caseiros, como

para todos os trabalhadores da terra, a época da abundância e dos altos preços fixados pela

aristocracia, para criar uma riqueza na base do trabalho rural, desaparecem com a Monarquia.

A liberalidade de exportação, sem impostos, e a liberdade de semear o que melhor ficava para

o proprietário, acabaram pela concorrência da indústria. Ao subir a burguesia ao poder, o seu

único objectivo era lucrar em concorrência com os outros países, através da indústria. Os

“métayers” passam a operários, ou pelo menos parte das suas família. Outros, mais tarde,

graças às Écoles Polytechniques, podem, como o fez o próprio Quesnay, por sua conta,

estudar e serem ou artesãos especializados ou profissionais das novas indústrias de química,

carros/automóvel, têxteis. No entanto, a herança da fisiocracia não acabou na Revolução, com

a indústria; apenas passou a ser uma forma de trabalhar a terra, conforme o saber agrícola

adquirido pela pesquisa académica e pelos produtores. A França passou a usar a economia de

Quesnay de forma “industrial”, com trabalhadores assalariados e uma propriedade privada de

grandes extensões de terra adquiridas durante a era das revoluções, que se prolongará até

finais do Século XIX. E o Século XX ainda trará o sofrimento de duas grandes guerras. O maior

investimento no saber foi feito nas Universidades, como já vinha de antigamente, na Sorbonne,

criando cursos especializados em Agronomia, Engenharia Florestal, Escolas de Veterinária e

pesquisa na melhor produção de beterrabas para a produção industrial do açúcar, trigo de

exportação e experimentando, ou melhor dizendo, combinando o saber científico com a

produção agro-pecuária. Cada vez que os produtores rurais param, a França treme. O sindicato

é dos mais fortes, como herança do Século XIX e das análises sociológicas de Durkheim e a

sua escola sobre o operariado.

Este exemplo de Quesnay foi seguido pela Grã-Bretanha. Não é em vão que a primeira obra

conhecida de Durkheim, é a que deriva da análise de Adam Smith sobre a divisão do trabalho,

e que Durkheim denomina divisão social do trabalho. Apesar de associada ao autor francês, a

autoria do conceito é de Adam Smith[30]. No seu texto referido anteriormente, Smith começa

por se interrogar sobre quais as causas e os motivos do enriquecimento das nações. A

resposta encontra-a na sua ideia de inclinação do ser humano para trabalhar. Ideia que não é

empírica, antes retirada das suas crenças religiosas, como já tenho analisado. O que interessa

agora é saber porque é que Smith apostara nesse conceito como base da dita riqueza. Uma

riqueza que, queiramos ou não, contempla também a colaboração e a ajuda mútua, que mais

tarde seriam denominadas por outros, de actividade recíproca. Apenas que, para Smith, não

havia uma dádiva gratuita nem uma devolução que não fosse obrigatória, empenhando quem a

8

Page 9: O Presente, Essa Grande Mentira Social

recebia a trabalhar para o doador. Em Smith tudo é trabalho, é a partir do conceito de trabalho

que organiza a sua teoria. Adam Smith define o valor dos bens a partir do trabalho investido na

sua fabricação, desde que os bens sejam úteis e passíveis de troca. O conceito mais

importante é o da divisão do trabalho.

Para a época em que o autor escreve, definir que o trabalho se encontra dividido, é uma

inovação no pensamento. O que se pensava, era que as pessoas que não tinham bens, ou

trabalhavam em grupo para proprietários de terra ou para manufacturas que começavam a

nascer, principalmente a construção de barcos para a exploração das novas terras e a

obtenção de bens exóticos, como as especiarias e o tabaco, mais tarde o chá e o café, o trigo e

a batata, exportando, em troca, seres humanos que tomavam conta das novas plantações

destes produtos, o que incrementou a vida dos habitantes do Continente Europeu. A Grã-

Bretanha de Adam Smith, era a dos têxteis, do ferro, do aço, das minas de prata, de carvão, e

outros bens naturais que eram manufacturados, como a criação de animais para fabricar pano

e assim criar bens a serem trocados dentro do país e entre outros países. O denominado

Continente, ou o resto da Europa para além da Inglaterra, de Gales, da anexada Irlanda, ou do

Reino da Escócia controlado, através do Governo, desde o Século XVII em diante. É a partir

deste facto, mais o comércio ou trade, como era denominado, que Adam Smith começa a

pesquisar sobre a natureza da riqueza das nações, e examina, tal como os outros economistas,

as actividades do seu próprio país, concluindo, muito claramente, que é o trabalho humano que

produz riqueza, por essa inclinação natural que o ser humano tem para trabalhar. Esta base do

trabalho deve ter sido retirada da sua formação presbiteriana, desde jovem. Adam Smith não

era apenas um ser humano crente; tinha sido formado dentro dessas ideias na Igreja Escocesa

Presbiteriana. A sua questão central é explicar que o comércio existe e causa riqueza, porque

os homens trabalham ou têm poder e capacidade para trabalhar. A frase que abre o seu livro,

de quase 800 páginas, sobre uma ideia jamais escrita ou sem antecedentes eruditos prévios, é

definidora e definitiva: “The greatest improvement in the productive powers of labour, and the

greater skill, dexterity, and judgement with which it is anywhere directed or applied, seem to

have been the effects of the division of labour. The effects of the division of labour, in the

general business of society, will be more easily understood, by considering in what manner it

operates in some particular manufactures”[31]. Se analisarmos as palavras, seremos capazes

de entender o seu objectivo: a riqueza não provém da terra, como tinha referido o seu mestre

francês, François Quesnay, mas antes da força de trabalho e da inteligência humana aplicada à

mesma. Por outras palavras, transfere a causa da riqueza das Nações e das pessoas, para os

recursos naturais transformados em bens comerciais, sujeitos a troca, para incluir um outro

conceito dentro da causa da riqueza, esse mais tarde denominado força de trabalho ou

“labourers”, operariado ou trabalhadores, essa actividade exercida por pessoas que, no tempo

de Adam Smith, a Inglaterra e os países anexados dentro das Ilhas Britânicas, tinham aos

milhares. Aliás, a ideia não é apenas ser trabalhador, bem como ter a capacidade – dexterity –

ou a especialidade -skill – ou especialização – ability – para agir dentro de um ramo da

manufactura na qual se trabalha. Mais ainda, refere-se à lógica, bom raciocínio e capacidade

de julgar ou de optar, para configurar a imagem de um operário. Nos tempos de Adam Smith, o

operário não é uma pessoa qualquer, deve ser uma pessoa conhecedora, habilitada ao

9

Page 10: O Presente, Essa Grande Mentira Social

entendimento do que faz. Se assim não fora, não podia trabalhar, nem podia existir o atributo

que dinamiza a riqueza e o seu valor, essa divisão do trabalho, possível pela capacidade de

julgamento e lógica de quem emprega não apenas a sua capacidade física, bem como, a sua

capacidade de raciocinar. A lógica aparece como a base da criação da riqueza dentro de uma

Nação. E digo dentro, porque a maior parte das pessoas trabalhadoras nasciam, cresciam e

morriam dentro da sua freguesia – parish ou localidade, considerando-se o resto do mundo

apenas um comentário, ou uma referência de comerciantes ou um desenho em livros de texto,

para as eventuais aulas dos que podiam frequentar alguma escola[32]. A classe operária nunca

teve, nem os meios, nem a oportunidade, de abandonar a sua paróquia ou freguesia.

Pertenciam-lhe, como ao proprietário, ou ao gestor das propriedades em nome da Monarquia,

Ducado ou Condado ou outros títulos, que designavam a posse do sítio no qual as pessoas

nasciam, cresciam e trabalhavam, até a morte.

Mas, a divisão do trabalho, ela própria, tem um outro princípio, também atribuído ao ser

humano: “This division of labour, from which so many advantages are derived, is not originally

the effect of any human wisdom, which foresees and intends that general opulence to which it

gives occasion. It is the necessary, though very slow and gradual, consequence of a certain

propensity in human nature which has in view no such extensive utility; the propensity to truck,

barter, and exchange one thing from another… as seems more probably, it be the necessary

consequence of the faculties of reason and speech…”[33]. E, apesar de retirar esta análise do

seu livro, mais uma vez fica a base do que se espera do operariado, ou ainda mais, da vida

social em geral. Porque Smith, neste livro, não analisa pessoas, apenas as suas actividades e

capacidades de procurar recursos ou bens, que não conseguem eles próprios fabricar.

Pesquisa realizada pela primeira vez, no campo da vida económica, tendo por base as suas

inquietações filosóficas, esse desejo de saber qual a base da riqueza, para fazer das nações

estados cunhados com a felicidade do dinheiro[34]. E, ainda que remeta o leitor para a análise

que vai realizar a seguir, do Truck ou permuta de bens iguais; do Barter ou troca de bens por

outro bem útil para quem o não produziu; e do Exchange, ou troca de um bem por dinheiro, que

tenho denominado intercâmbio, ao longo da sua obra, Adam Smith refere a falta de tempo de

uma pessoa para produzir todos os bens necessários para a sua subsistência ou, como eu

diria, para continuar dentro da História: “In civilized society, he stands at all times in need of the

co-operation and assistance of great multitudes, while his whole life is scarce sufficient to gain

the friendship of a few people…Give me that which I want, and you shall have this which you

want; and it is in this manner that we obtain from one another the far greater part of those good

offices which we stand in need of….The greater part of occasional wants are supplied in the

same manner as those of other people, by treaty, by barter, by purchase…”.[35]

O discurso de Adam Smith nada deixa fora do comércio e das formas contratuais de produzir.

Mas Smith engana-se ao referir a vida como actividade comercial, o que é impossível para todo

o ser humano: organizar uma actividade própria para o seu sustento, ou usar o seu tempo para

si próprio. Concebe um regulador do tempo, ao referir a inclinação natural – propinquity diz – do

ser humano para trabalhar e manufacturar a natureza; Adam Smith dá um salto dentro da

realidade visível e aparente – todos trabalham – e não repara no elo central que tenho

destacado desde o começo – a propriedade dos meios de produção e do resultado do trabalho,

10

Page 11: O Presente, Essa Grande Mentira Social

a moeda, que beneficia a quem possui e não a quem trabalha, como dirão mais tarde Karl Marx

e Émile Durkheim[36] –, e atribui a falta de tempo das pessoas, para fabricarem tudo o que é

necessário para a subsistência, ao trabalho dedicado às fábricas, às manufacturas, às

indústrias e outras actividades, pelas quais se recebe uma remuneração. Remuneração que

hierarquiza os seres humanos, como debate no Capítulo X do Livro I.

            O aporte desta obra à nossa preocupação pela igualdade, é a classificação das

pessoas na base da sua capacidade para activar interacções entre iguais, ou entre seres de

diferente estatuto, pela posse de bens produtivos e reprodutivos ou falta dos mesmos. Há os

que podem contratar, os que são capazes de trocar e guardar o lucro, ou os que realizam

intercâmbio de bens semelhantes por outros bens ou a sua representação em moeda. Os três

conceitos definidos mais acima, referem-se ao facto de que nada acontece fora do mercado; e

o mercado é a relação social definida pela procura de bens que não possuímos e precisamos,

e a oferta dos mesmos, por outros que os criam ou fabricam. Não há actividade nenhuma que

não seja realizada por meio de moeda, usando Smith a pretensa desculpa de não existir

colaboração entre pessoas, mas apenas cooperação para o trabalho, o que decorre das

pessoas não terem tempo para organizarem relações de amizade, apenas relações comerciais

em concorrência e procura de ganhos, vantagens em dinheiro ou de hierarquia social. Na teoria

liberal, toda a relação tem um objectivo económico, nada é gratuito ou estético, tudo depende

das transacções do mercado. A possibilidade de se relacionar com outros seres humanos é

praticamente impossível, pelas especialidades, ou habilitações para o trabalho, configurarem

uma lógica diferente entre todos os seres humanos. O operariado britânico, como todo o país, é

o mais estratificado e organizado por classes, antes, durante e depois do Século XVIII[37]. As

pessoas reúnem apenas com seres humanos da sua mesma natureza, lógica, prática e, o que

é mais importante, income ou entrada de recursos monetários pela produção e aquisição de

bens. A ideia de dar e receber não aparece nas análises referidas, deste nosso autor, ou das

outras por mim referidas em nota de rodapé, ou noutras obras. O conceito de dar para receber

e devolver, é uma relação de cooperação, ao estruturar um processo que orienta pelo menos

uma actividade económica, a de truck ou permuta – uma das muitas que os seres humanos

realizam para viver e continuar dentro da História. Na relação de permuta, os bens passam de

mão em mão, com a ideia de serem devolvidos em igual quantidade e qualidade, como o

próprio Adam Smith refere com as palavras de barter e de trade [38], conceito que levaria mais

tarde Marcel Mauss (como Émile Durkheim) a criar uma teoria denominada Sociologia

Económica, na qual barter é reciprocidade (já para Durkheim é solidariedade e ritual, o que

analisaremos mais adiante). A obra de Adam Smith e a dos seus seguidores, bem como dos

seus contraditores, apenas analisa as formas de trabalho, produção e circulação de bens. O

próprio Jeremy Bentham, em 1789,[39] opina que cada indivíduo equivale a outro, e que, a

felicidade de todos traz a felicidade de cada indivíduo. E essa felicidade é procurar a utilidade

do trabalho, minimizando a dedicação do tempo ao que não se gosta e maximizando o fazer ou

trabalhar no que se sabe e dá prazer.

Como é esta actividade possível? Pela lógica, diz um outro utilitarista, John Stuart Mill, no seu

livro sobre lógica indutiva e dedutiva, bem como no seu ensaio sobre a liberdade do ser

humano[40]. Todas as pessoas são capazes de entender o real e retirar, das leis universais,

11

Page 12: O Presente, Essa Grande Mentira Social

princípios que os orientem, ou retirar da realidade princípios orientadores. Esta liberdade,

maximizada, acaba por ser a utilidade do trabalho. Todos desejam a riqueza, que é definida por

este ramo da economia – o utilitarismo –, como tudo o que não se possui, mas que, visto nos

outros, se quer ter e, uma vez obtido, é um bem a mais, que serve de tesouro ou bem para um

eventual investimento ou consumo de luxo ou sumptuário. De acordo com esta linha de

argumentação, não é a mão invisível do mercado referida por Adam Smith, a que orienta o ser

humano para o trabalho, mas a felicidade de ter bens úteis para a subsistência, ou, melhor

ainda, para o prazer de viver de forma folgada. O valor, para estes economistas, é ultrapassar

um conjunto de dificuldades que a vida real depara, com o intuito de obter riqueza. Por causa

desta lógica, é necessário entender um conceito: a realidade. Porque, sem o entender, é

impossível enriquecer, objectivo de todo o mundo social. Ora bem, a realidade como já referi

noutro texto, é heterogénea e complexa. “Realidade é um conceito que reflecte o ser humano

na sua dupla dimensão de pensar e manipular o seu contexto. Bem como define o contexto não

animado como um olhar de recurso a ser transformado para o belo prazer da humanidade, ou

para essa humanidade que não tem belo prazer de recursos, seja capaz de transferir a sua

virtualidade da manipulação das ideias dos outros para a sua própria realidade e assim termos

uma capacidade de sobreviver com serenidade”[41].

É preciso referir essa ultrapassagem do real, visando o enriquecimento como objectivo utópico.

Mas, objectivo de quem? Ao que parece, não dos operários, os quais, por não serem educados

dentro dos princípios económicos, acabam por não poder acumular bens. Não é em vão que

Émile Durkheim retoma a ideia da divisão do trabalho e comenta-a de forma desenvolvida, no

que seria a sua tese de doutoramento em Paris.[42]. O trabalho social não está dividido entre

seres humanos que procuram riqueza no trabalho para outros. É preciso distinguir entre o

Direito e a Lei ou Solidariedade Orgânica, que existe em todos os povos, e separar da

Solidariedade Mecânica, ou memória social do inconsciente colectivo que se atribui aos povos

primitivos. Na sua obra, critica duramente o conceito de divisão do trabalho de Adam Smith,

pelo facto das sociedades estarem divididas em classes e pela desigualdade dos seres

humanos em concorrência perante os bens do mercado. O liberalismo clássico crê que as

sociedades são um conjunto de indivíduos a agirem conforme a sua maneira de entender. A

realidade é bem diferente. É, como refere Marx, um conjunto de grupos reunidos em torno, ou

da capacidade de trabalhar para criar bens para todos, ou na falta de entendimento dessa

capacidade. Quer Durkheim, quer Marx, advogam pela participação do Estado na gestão dos

bens e na criação de sindicatos ou Guildes. O operariado está unido apenas pela falta de

meios de produção[43], enquanto lutam contra os proprietários denominados burgueses ou

classe burguesa. Esta classe é a que orienta o trabalho dos que nada possuem excepto a sua

capacidade de trabalho. Ideias que Karl Marx desenvolve largamente na sua obra O Capital

escrita entre 1864 e 1867, publicada integralmente em 1894, e base do comentário de

Durkheim contra o individualismo liberal, como vamos tratar mais à frente.

A desigualdade está mais do que provada pelas revoluções do Século XIX e pela organização

de Sindicatos para defender o operariado do valor a mais retirado, pelo proprietário dos meios

de produção, do seu trabalho. O próprio Durkheim no seu texto de 1920[44], expandido em

1925, por Marcel Mauss, com outros dos seus inúmeros trabalhos inéditos, refere que: “the

12

Page 13: O Presente, Essa Grande Mentira Social

existence of social classes, characterized by significants inequalities, in principle makes it

impossible for… «just» … contracts to be negotiated. This system of stratification, constrains to

an unequal exchange of goods and services, thereby offending the moral expectations of

people of industrial societies. The exploitation rendered possible by notable disparities of power

among the contradicting parties encourages a sense of injustice which has socially unstabilizing

consequences”[45]. Este é apenas um comentário, derivado como o autor diz, da obra de Marx.

Continua…..

* Frase de Marcel Mauss no seu texto de 1922-1923 : «L’essai sur le don. Formes et raison de

l’echange dans les societées archaïques», Année Sociologique, Nouvelle Série, Vol. I

[1] The Bible, Livros atribuídos a Moisés, (1300? -1200? AC) 1971: Êxodohttp://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=B%C3%ADbli+%C3%89xodo&btnG=Pesquisar&meta= e Deuteronomio.http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=B%C3%ADbli+Deuteron%C3%B3mio&btnG=Pesquisar&meta=; en suporte de papel, em: The British & Foreign Bible Society, páginas 63 e seguintes, Grã-Bretanha. Bem como Mateus,http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Evangelho+de+S%C3%A3o+Mateus&spell= 1, Capítulo 22, versículo 37, Catecismo da Igreja Católica 1992, páginas 451 a 433, artigos 2083 a 2758, editado em Português pela Imprensa Gráfica de Coimbra, 1993; Website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Catecismo+da+Igreja+Cat%C3%B3lica+&btnG=Pesquisar&meta=[2] Iturra, Raúl, 2002: A economia deriva da religião. Ensaio de Antropologia do Económico, Afrontamento, Porto. Website para debate e comentários: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Raul+Iturra+A+economia+deriva+da+religi%C3%A3o.+Ensaio+de+Antropologia+do+Econ%C3%B3mico&btnG=Pesquisar&meta=[3] Mateus, Evangelho. Website com texto[4] Mateus, obra citada, Capitulo 22, versículos 34 a 40, da versão castelhana BAC, Madrid, 1953. Website nota 2[5] Locke, John, (1695) 1997: The reasonableness of Christianity as delivered in the Scriptures, Theme Pres, and Bristol, U.K. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=John+Locke+%281695%29+1997%3A+The+reasonableness+of+Christianity+as+delivered+in+the+Scriptures&btnG=Pesquisar&meta=[6] Locke, John, página 3 da obra citada em suporte de papel. O inglês, como é evidente, é do Século XVII, diferente do actual.[7] Locke, John, (1690) 1990: Essay concerning human understanding, e Two Treatises on Civil Goverment, Alianza Editorial, Madrid. Website para o primeiro: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=John+Locke+%281690%29+1990%3A+Essay+concerning+human+understanding&btnG=Pesquisar&meta=; e para o segundo: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=John+Locke+%281690%29+1990%3A+Two+Treatises+on+Civil+Goverment&btnG=Pesquisar&meta=[8] Locke, Jonh, (1690) 1999 Second Treatise on Civil Government. Website com texto: www.constitution.org/jl/2ndtreat.htm –, Capítulo 2, retirado da edição castelhana, Alianza Editorial, (minha tradução ao inglês).[9] Enlighment ou debate entre académicos e intelectuais sobre o estado do governo, das finanzas e da nação, entre os quais: William Skakespeare, Cristopher Marlowe, David Hume, John Knox, Adam Smith, entre outros.[10] Diderot, Denis, organizador dos textos que, ao longo dos anos de1751a 1766, reúne escritos de Voltaire, Monsteqieu, Quesnay, Rousseau, Hume, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, entre outros. Website: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Denis+Diderot+L%27Encyclop%C3%A9die&btnG=Pesquisar&meta=[11] Hume, David, (1734) 2001: Tratado da Natureza Humana, Gulbenkian, Lisboa. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=David+Hume+Treatise+on+Human+Nature&spell=1[12] Locke, John, obra citada, excertos dos Capítulos 1 e 2. Tenho destacado dois conceitos: dom e reciprocidade, conceitos centrais de este meu texto. Eram já a base da problemática que leva autores da Sociologia e da Antropologia, a não saber o que fazer para os entender.[13] Carlos Magno ou Carlos I (742-814), restaurou para o Papado Vaticano – Leão III era o Papa despojado de poder- a autoridade do denominado Sacro Império Romano, que governou Europa e as suas colónias mais tarde, até o Século XVI, época em que Luther, Calvino, Swindle, Knox, Henry VIII, Elizabeth I, James I , se retiraram da união desse Império para formarem as suas próprias Nações e Estados autónomos, bem como outras Nações nasciam do despojo do Sacro Império Romano. Aí, nem todos os seres humanos eram livres e iguais….[14] Declaration of Independence, Julio 4 de 1776. Biografia e textos: Website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=CharleMagne&spell=1[15] Jefferson, Thomas, Declaration of Independence of EUA, 1787, ou Bill of Rights, artigo 1. http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Thomas+Jefferson+1787+ou+Bill+of+Rights&btnG=Pesquisar&meta=[16] A Constituição começou por ser da Confederação de Colónias, assinada em Filadélfia em 1787. Apesar de de reconhecer que “todos os seres humanos são livres e iguais”, é, apenas em 1865, abolida a escravatura, e em 1965, são reconhecidos e aceite os direitos dos Afro-Americanos, a seguir as mortes de Malcolm X e Martin Luther King. Website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Malcolm+X&btnG=Pesquisar&meta=, biografia e textos; Martin Luther King, biografia e textos: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Martin+Luther+King&btnG=Pesquisar&meta=[17] Declaration des Droits des Citoyens, redigida em 1789 pelo Abade Emmanuel Sieyés. Website biográfico e textohttp://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Emmanuel+Siey%C3%A9s+Declaration+des+Droits+des+Citoyens&btnG=Pesquisar&meta=

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[18] Orwell, George, 1946: Animal Farm ou O triunfo dos porcos, várias edições em várias línguas. Website biográfico, comentários e texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=George+Orwell+Animal+Farm&btnG=Pesquisar&meta=[19] Iturra, Raúl, (1991) 2001: A Religião como teoria de reprodução social, Fim de Século, Lisboa. Website para comentários, debate e recensões: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ra%C3%BAl+Iturra+A+religi%C3%A3o+como+teoria+da+reprodu%C3%A7%C3%A3o+social&btnG=Pesquisar&meta=[20] Godelier, Iturra, Ferreira de Almeida, Villaverde Cabral e outros, 1991: Transitions et subordinations au capitalisme, MSH/Cambridge. Website:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Maurice+Godelier++Transitions+et+subordination+au+capitalisme+.&btnG=Pesquisar&meta=[21] Hobsbawm, Eric, 1975: The age of capital-1848-1875, Abacus, Londres. Website para debate e troços de texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Erick+Hobsbawm+The+age+of+capital&btnG=Pesquisar&meta=[22] Hobsbawm, Eric, 1977: The age of revolution, Abacus, Londres. Website para debate, recensão e troços de texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Eric+Hobsbawm+The+age+of+revolution&btnG=Pesquisar&meta=[23] Smith, Adam, 1776: An inquire into the reasons and causes of the wealth of Nations, Routledge and Kegan Paul, Londres. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Adam+Smith+An+inquiry+into+the+causes+and+reasons+of+the+wealth+of+Nations&spell=1Texto:http://socserv.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/smith/wealth/index.html[24] Iturra, Raúl, 2002: A economia deriva da religião. Ensaio de Antropologia do Económico, Afrontamento, Porto. Website para debate, recensões e comentários:http://socserv.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/smith/wealth/index.html[25] Déclaration des droits de Citoyen, 1789, já referida. Website texto original: http://www.droitsenfant.com/droitshomme.htm     [26] Marx, Karl, Friedrich Engels, 1845: The holy family; 1848: Communist Manifesto; 1851: The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte. Website com textos: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+The+Holy+Family&btnG=Pesquisar&meta=;http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx%2C+Friedrich+Engels+Communist+Manifesto&btnG=Pesquisar&meta= ; http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+Friedrich+Engels+The+Eighteenth+Brumaire+of+Louis+Bonaparte.+&btnG=Pesquisar&meta=[27] Durkheim, Émile, 1895: “Les principes de 1789 et la sociologie”, in Revue International de l’Enseignement, N. XIX; 1928 : Le socialisme, PUF, (1888) 1928. Website com texto : http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+Les+principes+de+1789+et+la+sociologie&btnG=Pesquisar&meta=; Texto de Le socialisme www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/ Durkheim_emile/le_socialisme/le_socialisme.html[28]Durkheim Émile, 1885 : “Propriété Sociale et démocratie” in Revue Philosophique, XIX, Paris : Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ classiques/Durkheim_emile/durkheim.html -  1893 : “Sur la définition  du socialisme” in Revue Philosophique, XXXVI, Paris.Website com texto : www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_2_07/definition_socialisme.html ; (1888) 1928: Le Socialisme, PUF, Paris. Website com texto nota 26 ; Mauss, Marcel, 1923-24: “L’essai sur le don. Formes et raison de l’echange dans les societées archaïques”, Année Sociologique, Nouvelle Série, Vol. I. Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/mauss_marcel/ socio_et_anthropo/2_essai_sur_le_don/essai_sur_le_don.html[29] A obra de François Quesnay está exposta nos seus textos de 1756: “Métayer”, de 1777 “Les Moisons” e de 1758 Tableau Économique, in 1888 : Oeuvres de Quesnay, Oncken, Paris., website com a obra completa:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=+Oeuvres+economiques+et+philosophiques+de+F+Quesnay&btnG=Pesquisar&meta= e analisados por mim em Iturra, 2002 : A economia deriva da religião, já referida. A obra de Durkheim referida é: 1893:De la division du traval social, Félix Alcan, Paris, 1895 : Les règles de la méthode sociologique, Félix Alcan, Paris, entre outras a falarem sobre desejo, emotividade e necessidades sociais. Website com textos: www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/ Durkheim_emile/division_du_travail/division_travail.html ; www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/ Durkheim_emile/regles_methode/regles_methode.html[30] Adam Smith escreveu dois livros, um em 1759: Theory of moral sentiments. Define que, para obterem os seus objectivos, os seres humanos têm que ser agradáveis e simpáticos, saber estabelecer uma relação emotiva agradável. O segundo é o mais conhecido: An inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, em 1776. Ambos têm sido analisados por mim no meu livro já referido de 2002. Website com textos:http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/smith/moral.html ; para a denominada Riqueza das Nações, ver nota 22.[31] Smith, Adam, obra citada de 1776, Livro 1 da versão inglesa de 1884, Murray, Londres. Website nota anterior.[32] A lei de obrigatoriedade escolar foi aprovada – passed – em Inglaterra de 1870 e Adam Smith era do Século anterior.http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/smith/moral.html[33] Smith, Adam, obra citada, Capitulo II do Livro I, da referida edição. Website nota 22.[34] John Hales tinha esperimentado no seu texto de 1581: A discourse of this common weal of this realm of England, Elizabeth Lamond, Cambidge, UK, mas é apenas um conjunto de diálogos filosóficos entre um Académico, um Licenciado e um Senhor da Casa, sobre como é que seria criar riqueza e circular moeda. Website com texto:http://www.google.pt/search?q=John+Hales+A+discourse+of+this+common+weal+of+this+realm+of+England&hl=pt-PT&lr=&start=10&sa=N ; ou, Antoine de Montchrestien na França dos Valois de 1615, ao recomendar numa Epitre au Roy et à la Reyne Mère du Roy,ou Traicté de l’Oeconomie Politique de se importarem com “Commerce, Tant dedans que dehors le Royaume”,pg.277 e ss. Website com texto: http://visualiseur.bnf.fr/Visualiseur?Destination=Gallica&O=NUMM-89132[35] Smith, obra citada, página 11 do Capítulo II. Website nota 22.[36] O primeiro no seu texto Grundisse, escrito em 1857 e publicado apenas em 1939; e o segundo, ao longo do cumprido texto de Durkheim de 1893, que debate as teses de Smith: De la division du travail social, Félix Alcan, Paris, dedicado todo ele à crítica do liberalismo Smithoniano: ao engano a que é remetido o leitor, na base da tese da riqueza ser de todos e não apenas dos propritários que contratam os que não têm posses, a maior parte da população francesa e europeia do Século XIX, como Smith defende no seu texto. Eu próprio trato da matéria no meu livro de 1990: O Insucesso Escolar. Memória e Aprendizagem em Vila Ruiva, Escher, Lisboa. Website com texto em línguas diversas:http://www.google.pt/search?q=Karl+Marx+Grundrisse&hl=pt-PT&lr=&start=10&sa=N Os dois volumes das Grundrisse são denominados em inglês A contribution to the critique of Political Economy, website com texto: http://www.google.pt/search?q=Karl+Marx+Grundrisse&hl=pt-PT&lr=&start=10&sa=N[37] Vide Hoggart, Richard, (1988) 1991: Newport 33, Le Seuil, Gallimard, Paris ; Benson, Susan , 1981 : Ambiguous Ethnicity, CUP, UK, pgs 95 e ss ; e Giddens, Anthony, 2000 : The third way an dits critics, Polity Press, Cambridge, pgs

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55 e seguintes, entre outros, especialmente Hobsbawm, The Age of Capital, 1975,Abacus, London, pgs. 113 e seguintes, e Age of Extremes.The short Twentieth Century-1914-1991, páginas 115 e seguintes. Websites para debate, recensão, crítica, pela ordem dos textos: Hoggart para debate, outros textos e literacia:http://www.google.pt/search?q=Karl+Marx+Grundrisse&hl=pt-PT&lr=&start=10&sa=N ; Benson, para debate e literacia nos bairros iletrados: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Susan+Benson+Ambiguous+ethnicity&btnG=Pesquisar&meta=; Giddens: debate, recensões, críticas http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Anthony+Giddens+The+Third+Way+and+its+Critics&btnG=Pesquisar&meta=[38] Smith, Adam, obra citada, páginas 11 e seguintes e 237 e seguintes da edição original de 1776, website nota 22 de este texto.[39] Bentham, Jeremy, (1759) 1962: Introduction to the principles of morals and legislation, William Collins & Sons, Ltd, Londres. Website biografia, debate, principios, pesquisa, teoria e texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jeremy+Bentham+1759+Introduction+to+the+principles+of+morals+and+legislation&btnG=Pesquisar&meta=[40] Stuart Mill, John, (1859) 1962: On Liberty, William Collins & Sons, Londres; e 1843: The science of logic, Book 7 da obra original, Colin, Londres.Website com os 8 textos da obra: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=John+Stuart+Mill+The+science+of+logic&btnG=Pesquisar&meta=: Texto On Liberty, website:  http://www.bartleby.com/130/[41] Iturra, Raúl, 2000 :  “O que é realidade ?” in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Vol. 40 (3-4), Porto. Website de debate recensão, críticas e teoria http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Raul+Iturra+O+que+%C3%A9+realidade%3F+Trabalhos+de+Antropologia+e+Etnologia&btnG=Pesquisar&meta=[42] Durkheim, Émile, 1893: De la division du travail social: étude sur l’organisation des sociétés supérieures, Félix Alcan, Paris. Website nota 26.[43] Marx, Karl, 1848: Manifesto Comunista, publicado em Bruxelas. Ver versão de 1977, Oxford University Press. Website nota 25.[44] Durkheim Émile, 1920: “Introduction a la morale”, Revue Pilosophique, XC, Paris, reimpresso no seu livro póstumo, 1925 : L’éducation morale, Félix Alcan. Há versão inglesa da Free Press, usada por mim em este texto e no anterior já citado de 2002, Afrontamento. Websites com texto e debate: Durkheim e livro original sobre ética e texto re escrito: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+Introduction+%C3%A0+la+morale&btnG=Pesquisar&meta= e texto www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/ Durkheim_emile/education_morale/education_morale.html[45] Durkheim, obra citada, versão inglesa, páginas 204 e seguintes. Ver nota 43.

4. Reciprocidade?

Apenas um esquema de iniciação. Porque sobre reciprocidade tenho escrito bastante, em

vários textos publicados[1]. No entanto, o conceito deve ser esclarecido, para além da

excelente tentativa de Alvin Gouldner[2]no seu texto clássico, citado neste livro e que tem

orientado a minha análise. Mas, antes de entrar pelos comentários de Gouldner, é preciso

lembrar outras distinções e definições, normalmente pouco referidas em textos.

Diz Vernon Robbins, da Emory University[1], que reciprocidade é “ the informal principle on

which a dyadic contract is based, reciprocity is an implicit, non-legal contractual obligation,

unenforceable by any authority apart from one’s sense of honour and shame. The principle of

reciprocity is the most significant form of social interaction in the limited-good world of the first

century. The reciprocity in dyadic contracts is either symmetrical or asymmetrical. There are

also several kinds of reciprocity in the distribution system of the pre-industrial-agrarian based

economy: balanced, full, weak, negative. Asymmetrical reciprocity, a feature of thepatron-client

contract, is between partners that are not social equals and make no pretence to equality.

Balanced reciprocity occurs where distant tribal kin were involved, the element of watchful

calculation grew greater, and the time within which the counter gift would have to be made grew

less. Full reciprocity occurs among members of a family, goods and services were freely given.

Negative reciprocity occurs outside the tribe mutuality ends–like morality, it only holds good for

tribesmen. An outsider was fair game for clever dealing in an exchange: one could haggle,

cheat and lie. Symmetrical reciprocity, a feature of a colleague contract, is between closely

located persons of the same social status. Weak reciprocity occurs among members of a cadet

15

Page 16: O Presente, Essa Grande Mentira Social

line within a clan, gifts would be given; but an eye would be kept on the balanced return-flow of

counter gifts.”

Trata-se, a meu ver, da definição mais clássica que existe sobre o conceito, aquela a que

normalmente as pessoas se referem ao falar de dar, de aceitar, de receber, de devolver, na

base da palavra empenhada ou dada, um contrato oral, não escrito, que obriga a uma

continuidade na relação. Esta ideia é retirada das teorias religiosas que são estudadas e

professadas na Universidade em causa. Nesta, para mim, romântica forma de entender o real,

falta a noção de que o que se dá é um bem, que tem preço, valor económico, e é resultado de

trabalho humano, como se não houvera mercado para trocar…       

        Outra definição é proporcionada por Hegel, ao dizer que reciprocidade é: “the completion

of the division of Actuality which proves to be the Notion. Reciprocity is the grasping of the thing

at the point where cause and effect, action and reaction, possibility and necessity have

completely merged with one another. Reciprocity is sometimes called “interaction”, the

conception of a complex system as a network of interacting causes and effects, but yet lacking

a “notion” or concept of the underlying unifying system to “make sense” of these

interactions”[2] Por outras palavras, e se lembrarmos o objetivo da Filosofia Hegeliana, sem

reciprocidade o ser humano está incompleto, se não o estava já, ao não ser parte da Ideia

Absoluta ou Divindade. Não é em vão que Hegel menciona o processo de interacção, tão

usado por mim próprio em textos e palestras, ao conceber a vida social como resultado de uma

atitude cultural, baseada no reconhecimento da existência de um Ideal Absoluto que orienta as

nossas acções, incluindo a razão, e que esse Ideal faz de nós seres incompletos enquanto não

tratamos quer com a Divindade, quer com nós próprios e os nossos semelhantes. Pelo que, ao

sermos entidades em permanente criação, não somos o que somos, somos a negação de nós

próprios, negação que construímos em parceria com os outros: eu sou uma tese, os outros são

a minha antítese, em conjunto aprendemos e somos uma síntese. Eis a base da sua dialéctica,

que o fez afirmar, nos seus textos, que os seres são completos enquanto co-existem dentro de

um mesmo espaço, entendem a sua História e partilham as mesmas ideias: se assim não fora,

haveria um conflito de culturas que faria da vida um campo minado, dentro do qual apenas a

política aplicada ao Estado e aos indivíduos por eles próprios poderia pacificar. É esta a base

da sua ideia de reciprocidade, uma forma de interacção social necessária para se viver bem,

em paz, em submissão ao Absoluto Ideal ou Divindade; ou, por outras palavras ainda, a

reciprocidade define a interacção necessária para a vida social. Esta é a ideia que leva a Karl

Marx a falar de reciprocidade.

No entanto, há mais ainda a entender, para definir a reciprocidade e a maleabilidade desse

conceito central para a Antropologia, como o entendimento que têm teólogos como Martinho

Lutero, que a ele se refere enquanto como forma de salvação e conquista do Céu, escapando à

condenação do Inferno, assunto que no seu tempo preocupava imenso os seres humanos.

[3] “…the structure of reciprocity is not as strongly articulated as in the Treaty on Christian

Freedom. The main model seems to be one in which everything is received from God and

passed on to a neighbour. The presentation moves from sinful man to God’s forgiveness. In the

sermons the view from above plays an equally important role, and follows here the movement of

the incarnation. This is the reason for Lutero’s placing of the Kingdom of God in actions.

16

Page 17: O Presente, Essa Grande Mentira Social

However, it is wrong to understand these variations in an absolute way. Both perspectives could

be found in both writings, because Lutero’s understanding of Christian man is basically

structured by a Chalcedonian Christology.”[4]

Parece evidente a necessidade de um comentário. Porque estamos a falar da raiz da cultura, o

que eu denomino a sua lógica em vários dos meus textos[5]. De facto, através da minha

observação, ou de membros da minha equipa, em vários sítios de pesquisa da Europa,

América Latina e África, as primeiras ideias que as pessoas aprendem em pequenas, com

palavras e ideias retiradas dos seus adultos, são as da existência de uma divindade que

determina o facto de sermos solidários e caridosos uns com os outros. O rito de Eufuko,

analisado por Rosa Maria Melo, da Etnia Handa de Angola, assim testemunha[6]. Bem como o

texto de Ângela Nunes sobre as crianças A’Uwe-Xavante do Brasil[7]. Ou, ainda, o texto que

organizamos com Manuela Ferreira[8], devotado todo ele ao entendimento das formas de

aprendizagem dos mais novos do grupo social. Estes textos que refiro, ensaiam o

entendimento da interacção entre duas culturas, a do adulto e a da criança, enquanto analisam

as formas de aprendizagem das primeiras ideias que derivam das crenças na Divindade. Os

Mandamentos da Igreja Romana estão presentes no processo de ensino e aprendizagem. É

isto que preocupa Martinho Lutero, ao escrever os seus textos, especialmente os referidos e o

seu Catecismo: todo o ser humano está predestinado a viver uma vida de intenso trabalho

dentro de vida histórica, para atingir uma vida melhor além História ou na visão da Divindade

(definida como Deus Pai; o seu Filho Sacrificado pelos denominados pecados do mundo; e as

ideias inculcadas em nós pela terceira pessoa que é parte da Unidade da qual Hegel falara,

como Luterano, o Ideal Absoluto: o Espírito Santo a definir a racionalidade da raça humana).

Não apenas dos membros da teoria religiosa organizada, a partir da Bíblia traduzida para as

línguas faladas pelos membros das Igrejas, por Lutero e Calvino, e mais tarde por Pio V, Papa

dos cristãos romanos em 1563. É esta a preocupação demonstrada por Lutero, o facto de que

a salvação apenas é possível se existe colaboração entre as pessoas ou actividades

recíprocas. É necessário advertir que Lutero, como Calvino nos seus textos referidos a seguir,

enfatizam a ideia de ser a Divindade a implantar racionalidade e objeto de trabalho entre as

pessoas, desde a Infância, ideia expressa pelo autor sempre por mim citado, Thomas Aquinas,

ou Tomás de Aquino, quer no seu texto sobre Economia ou Summa Theologica, quer do

seu Catecismo da Summa Theologica de 1260, reeditado e modernizado pelo Papa Benedetto

XV, em 1875[9]. Este conjunto de análises etnográficas fundamenta essa preocupação de

Lutero que, por sua vez, é uma preocupação universal: como referido por Ludwig Feurebach

em 1841 e 1848-49, a preocupação central do ser humano é a morte e de como a vida pode

ser continuada[10]. Estes textos são ensaios histórico-filosóficos que defendem a hipótese de

que o ser humano vive alienado pela sua preocupação com a morte e atribui as suas

qualidades a uma Divindade que o substitui, adormecendo-o para a realidade como se de ópio

se tratasse. Ideia que não se encontra em Lutero, ou Calvino, ou no Catecismo de Aquino, ou

do Pio V, cuja base é uma solidariedade entre seres humanos, que Feuerbach reconhece como

reciprocidade que colabora na ultrapassagem dos dissabores de uma vida, que, de certeza,

deve acabar um dia, na Visão da Divindade ou nas chamas do Inferno. É o que Lutero

denominou vocação para se salvar do inferno e Max Weber analisou no seu tempo, em 1905.

17

Page 18: O Presente, Essa Grande Mentira Social

É assim que reciprocidade é, no meu ver, um conceito social derivado da lógica religiosa,

apesar de Temple e Chabal[11], bem como Godelier[12], fazerem uma outra leitura. Uma

leitura que começa por remeter a Claude Lévi-Strauss e à sua hipótese de 1948, de ser a

reciprocidade uma ligação única entre natureza e cultura, que Marcel Mauss teria criado. E a

análise dos textos passa pelas ideias, que pensam eles, Marcel Mauss teria avançado no seu

texto, hoje livro, L’Essai sur le don. No entanto, estes três autores colocam uma questão

fundamental, que estava já no texto de Mauss e que Lévi-Strauss não considerou: a mais valia,

ou moeda retirada aos seres humanos que recebem dádivas ou presentes, que, como refere o

próprio Mauss, acaba por ser uma mentira social, por haver Mercado.Temple e Chabal

começam por referir que a dádiva é uma gratuitidade, mas rapidamente passam para a

existência de dinheiro na circulação das gratuitidades e na fabricação dos bens oferecidos. Tal

e qual refere Godelier, ao falar da subordinação de quem recebe face a quem oferece. Por

outras palavras, materializam um conceito que tinha sido usado como dogma dentro da teoria

religiosa e ainda é usado pelos Antropólogos como uma actividade sem mercado, donde,

Temple e Chabal referirem as ideias de Marshall Sahlins[13] e de Karl Polanyi[14], autores

muito considerados para entender uma invenção da Ciência da Antropologia: as sociedades

sem mercado e a sua economia, que Malinowski estuda e conclui que não existem, como

refere ao falar no Capítulo VI, parágrafos IV a VII[15], referido em detalhe mais à frente.

É o que eu denomino a Lenda Negra da Antropologia ou a mentira antropológica. Porque, da

análise de Temple e Chabal, pode inferir-se a ideia de ser a reciprocidade a base de valores

humanos, como é provado profusamente nas 1ª e 2ª parte do livro, dedicado a desenvolver

uma hipótese certa e bem desenhada: entre quem recebe e aceita, aparece um outro,

denominado “Tiers…Le mana, c’est concept vide, n’exprime-t-il pas alors la plénitude du sens,

donnée d’emblé à l’homme, ou plutôt crée par lui dès qu’il entre dans un relationm

réciproque? Le mana c’est la valeur de la réciprocité, un Tiers entre les hommes, qui n’est pas

dejà là, mais à naitre, un fruit, un fils, le Verbe que circule, qui donne à chacun son nom d’être

humaine, et sa raison à l’universe.”[16] Para acrescentarem, mais à frente ao falarem

do Tiers, ou do Outro como nós diríamos, mas um Outro que não tem existência física, uma

ideia à Hagel: “Selon notre thèse, dans la structure binaire, le hau ou le mana naît individis de

la parité avec autrui…Le Tiers et le produit même de le réciprocité”[17]. Resulta, em

consequência, nada estranho que o tratamento de Marshall Sahlins et Malinowski seja pouco

certo, sem mencionar outros autores críticos de Marcel Mauss e das suas ideias

sobre hau e mana, conceitos que este autor apenas analisara para entender o funcionamento

da economia da França do seu tempo, e que os autores citados ignoram. Tal como foi ignorada

por Claude Lévi-Strauss a referência clara que Marcel Mauss faz, no começo da sua obra e

que diz que procura saber qual é a regra de Direito em sociedades arcaicas, que obriga a

devolver um bem emprestado a outrem. A questão estava resolvida já por Malinowski, nas

páginas referidas do texto citado: não há dádiva, não há mana e o hau não é esse engano que

refere Remo Guideri no seu texto, quando ao analisar as ideias de Marcel Mauss, propõe que o

autor se teria enganado ao interpretar a história do Maori Tamati Ranapiri, ao dizer

que hau não é nem uma coisa nem o vento que passa pelos ramos de uma árvore, mas sim,

18

Page 19: O Presente, Essa Grande Mentira Social

a alma da coisaemprestada ou doada que iria atrás do ser que aceita ou solicita esse

empréstimo[18].

A análise de Temple e Chabal é poética, é certa, segue as ideias e teorias criadas por Claude

Lévi-Strauss e o livro é um prazer de leitura: é um processo de aprendizagem. No entanto – e

esta minha frase não é uma crítica, apenas uma ideia que segue no decorrer do meu

pensamento –, Marshall Sahlins e Malinowski não podem entrar na sua análise, na forma

estrutural que ela toma. Malinowski, no texto invocado, fala claramente de que existe comércio,

troca e intercâmbio nas sociedades não ocidentais (no seu caso, entre os Massim da Kiriwina)

e acrescenta que há obrigações sociais a serem cumpridas, como oferecer bens no caso do

parentesco matrilinear, ou entre marido e mulher, relações de parentesco político, e outros[19].

O estudo dos autores invocados é um processo de interacção, da forma mais sociológica

possível, conceito que não é usado por Temple e Chabal. Mais, Marcel Mauss, no seu

importante ensaio sobre a dádiva, com o qual continua as ideias de Direito, Estado, Ritual, Lei

e Economia, do seu Mestre Émile Durkheim, pergunta-se qual é a lei que orienta os contratos

nas sociedades arcaicas, aparentemente sem Estado, sem Mercado e sem Escrita. E

acrescenta, logo a seguir, dentro da sua definição de programa de pesquisa: “…Há aqui todo

um enorme conjunto de factos. E eles próprios são muito complexos…fenómenos sociais

“totais”…religiosos, jurídicos, morais e conomicos…queremos destacar apenas o carácter

voluntário…aparentemente livre e gratuito, e todavia forçado e interessado por estas

prestações… [em] forma de presente, da prenda oferecida generosamente, mesmo quando,

nesse gesto que acompanha a transacção, não há senão ficção, formalismo e mentira social…

e obrigação e interesse económico.”[20] É esta parte do texto que acabo por não entender

como pode não ter sido lida ou referida, nem por Lévi-Strauss nem pelos autores em causa. Tal

como não entendo, que a análise de todos eles se concentre na classificação de bens e

prestações e não no Capítulo V, páginas 185 a 208, as bases da Sociologia Económica. O

texto de Marcel Maus é importante ao comparar trabalhos de campo de outras culturas, com os

acontecimentos actuais do povo francês, referidos nas eternamente omitidas páginas. Tal como

não entendo, também, a omissão dos textos políticos de Marcel Mauss, especialmente os

textos sobre socialismo e sobre a participação de um cientista na vida pública do seu país[21],

tal e qual tinha feito Émile Durkheim ao colaborar na Educação francesa durante o Governo

socialista de Gambetta. As obras de Mauss, como a maior parte das de Durkheim,

especialmente as que incidem sobre socialismo e materialismo histórico, parece terem sido

banidas do reprrtório científico da Ciência Social, pelo que, no final, acrescentarei a lista das

publicações. Para, como gosto de referir, “lavar a cara” destes nossos autores fundamentais e

limpar as autorias dos Antropólogos.

Como é o caso de Marshall Sahlins, muito criticado por distinguir quando a teoria da Ciência da

Economia deve ser usada e quando não deve, para entender e explicar a vida doméstica dos

Bosquímanos e de outras economias denominadas de subsistência. Para se explicar, concebe

o conceito de Modo de Produção Doméstico[22]. Ideia que passo a referir. Sahlins afirma no

seu texto, que é possível apreciar as formas da caça e colheita de alimentos, apenas quando

se tem necessidade e passar o resto do tempo no que ele denomina uma estrutura de carência

ou de baixa produtividade. [23] E investe bastante na defesa de uma forma de produção

19

Page 20: O Presente, Essa Grande Mentira Social

doméstica que não precisa de continuidade no trabalho, nem de indústrias, nem de mercado. É

preciso entender e comparar os capítulos 1 e 2, para perceber que o autor experimenta

distinguir entre analisar o comportamento social como recíproco e de entreajuda, e o

comportamento pela ciência que ele denomina burguesa – não para analisar classe social, mas

para analisar a possibilidade de empregar os conceitos de Economia a povos como os

Bosquímanos de Kalahari, os Aborígenes Australianos, e outros da América Latina, cuja

economia é a de trabalhar quando é preciso guardar bens de consumo, para descansar ou usar

o tempo em entretenimentos e rituais ou a ensinar crianças e jovens. Por outras palavras, o

conceito de reciprocidade usado por Sahlins, tem mais a ver com o comportamento social que

com o económico, por não existirem ideias sobre mais-valia, lucro, maximização, conceitos

todos usados nas economias com tecnologias, que satisfazem as necessidades humanas de

forma rápida e facilitada[24]. Conceitos para analisar noutro capítulo. Entretanto, era

necessário entender que, o comportamento social de grupos que baseiam o seu processo

reprodutivo na colheita e na caça, entram em contradição com um elemento principal da

economia de lucro: a falta de propriedade, porque para quem subsiste de forma nómada, a

propriedade seria um laço contraditório para o seu “hand-labour”[25]. A denominada

propriedade, em sociedades não industriais, está atribuida à Autoridade do grupo, que distribui

os sítios de procura de alimento e sítios de caça, enquanto que na sociedade com indústrias,

esta propriedade é individual, como refere no Capítulo 2, páginas 92 a 94. É a partir desta

ideia, que refere reciprocidade e o que denomina “sharing”, ou partilhar os frutos do trabalho,

se este faltar aos parentes ou pessoas relacionadas[26], quer na produção e colaboração, quer

ainda na distribuição dos meios de trabalho ou objectos de recolha e caça, para acabar com o

que ele denomina “a Lei de Chayanov que diz: “in the community of domestic producing group,

the greater the relative working capacity of the house-hold, the less its members Works”. Ideia

que Anton Vladimir Chayanov tinha desenvolvido ao estudar o trabalho nas

denominadas unidades económicas camponesas[27], ou MIR, onde os camponeses russos, na

época feudal, suplementavam a sua economia por não ser suficiente o trabalho nas terras do

Senhor, a quem deviam entregar grande parte da colheita[28]. De facto, Sahlins usa as ideias

de Chayanov apenas uma vez, para sustentar a sua ideia de Modo Doméstico de Produção e

atingir a sua definição de reciprocidade, diferente da proporcionada por Marcel Mauss, que ele

cita no seu texto[29]. O que interessa a Sahlins, é teorizar sobre o impossível: o “pooling” que

evita a anarquia e dispersão referidas pelo autor, caso não haja uma redistribuição de bens

entre parentes e amigos, que transcenda o que ele denomina redistribuição de “funções” ou

trabalho recíproco, especialmente entre homem e mulher, ideia retirada de Malinowski, mas

sem citar o autor desta interacção que Malinowski denomina comercial e sem a mínima relação

de reciprocidade. Ideia, enfim, que fez Lévi-Strauss usar o conceito para falar do parentesco,

como base de toda reciprocidade.

Como dizem Temple e Chabal na obra referida, a frase maori que refere Reciprocidade, é

normalmente tomada como intercâmbio: a procura de um Outro não existe, esse Tiers ou

terceira pesoa que refere Tamati Ranapiri, é um ciclo de dádivas. Existem duas pessoas; quem

entrega um bem, quem oferece, quem aceita ou não. E esta atitude é tomada como

intercâmbio por Sahlins: “ Il croit, comme Mauss que le troisème personage du cycle

20

Page 21: O Presente, Essa Grande Mentira Social

èconomique évoqué par Ranapiri est un artífice pour rendre visible quelque chose ; il conteste

que cette chose soit le mana du donnateur”[30] . « Le Tiers est l’obligation de rendre », como

definem os autores no título de um parágrafo do Capítulo 2, página 61. Por outras palavras, a

reciprocidade Maori existe entre quem doa e quem recebe e torna a doar, e apenas para um

tipo de bens, os taonga ou um nome que representa palavras, pinturas da cara ou do corpo,

colares, braceletes e outros semelhantes. Entre nós, Ocidentais, parece não existir este tipo de

bens e, no entanto, o conceito é usado: “Cês reflets de la gloire, cês miroirs du nom ont une

importance particulière dès les moment où il peuvent être aussitôt confiés à otroui ou même

donnés. La distinction fait par Mauss entre deux sortes de richesses et dons et s’éclaire : les

uns engendrent du nom, les autres les représentent. Les seconds symbolisent l’autorité acquise

par la redistribution des premieres.Ils sont de la renommée gravé, du prestige sculpté, de l’âme

thésesaurisées.Les indigènes, on l’a vu, , font eux – mêmes cette distinction….Cette capacité

des objets précieux d’incarner la valeur de renoméeacquise para le don des objets d’usage, est 

peut-etre ce qui conduit  Mauss à croire à croire que les indigènes prêtaaint systematiquement

de l’âme aux choses.Il observe en effet  surtout le transport d’objets auxquels sont délibérément

associées des valeurs spirituelles : trésors, talisman, blasons, nattes et idoles sacrées qui

représentent de l’âme »[31].

Por outras palavras. Temple e Chabal isolam a sua própria cultura, o seu etnocentrismo,

relativizam as suas vidas, usam o seu saber clássico, para entender o que o sábio Maori quis

dizer e que o próprio Mauss não tinha entendido. E, não tinha entendido, por ser a sua análise

apenas um ponto de comparação entre a sua sociedade, tal e qual tinha feito o seu Mestre

Durkheim, que investigara no Ocidente antes de ir pelas avenidas dos Aborígenes Australianos.

O próprio Mauss retoma textos Massim e Kwakiutl, e apenas um trecho que lhe tinha sido

proporcionado por Robert Hertz, para estudar o hau, conceito que se viu impossibilitado de

debater em seguida, por Hertz ter morrido na Grande Guerra do Século XX. Dominique Temple

e Mireille Chabal vivem com os Maori e é assim que os entendem, como fazemos todos nós,

antropólogos de terreno. Tentam ultrapassar a falta de entendimento do conceito citando Sir

Raymond Firth, ele próprio filho de Maori e com trabalho de campo feito entre eles, mas que,

como bom nativo, renega as suas origens, donde, nada é demonstrado[32]. Firth sabe imenso

de reciprocidade familiar, entende as formas de ensino e aprendizagem, fala da correlação

entre matrimónio, herança e circulação de pessoas dentro dos Hapu, ou grupos domésticos,

mas não refere reciprocidade; ou, por outras palavras, refere, à maneira de Malinowski,

comércio e modernidade.

O que experimenta fazer Sahlins? Estudar “formas arcaicas”, mas a sua cultura atraiçoa-o,

acabando por aplicar a economia ocidental, como Mauss, enquanto estes nossos autores

centram a sua análise no interior da cultura Maori e, se escrevem em francês e vão passando

pelos vários autores, isso deve-se à necessidade de explicar Etnologia a Antropólogos,

Etnógrafos, Formalistas, Substantivistas ou Estruturalistas. Recorrem aos autores que falam de

sociedades sem mercado, para ajudar no entendimento de um comportamento que existe no

meio de um outro: há dádiva dentro da realidade da troca mercantil. Tenho observado entre os

Mapuche Rauco do Sul do Chile, entre os Mapuche Picunche do Centro, ouvi do meu colega e

amigo Roger Dale da Universidade de Auckland[33], como todos estes nativos, fora da sua

21

Page 22: O Presente, Essa Grande Mentira Social

terra natal, resistem a falar na sua língua e fazem por esquecer a sua procedência. Caso

diferente em Temple e Chaball, eles passam pelos Maori, não são Maori. Caso diferente de

Polanyi, Sahlins, o próprio Marcel Mauss e, no seu minuto, Émile Durkheim e Sigmund

Freud[34]: o estudo feito é de seres humanos distantes, incógnitos. Marcel Mauss teve

Hubert[35], Hertz[36]e Durkheim filho, para essa essencial parte da Antropologia: o trabalho de

campo com residência continuada. Mas como desapareceram, e a análise antropológica

passou a ser uma semiologia, ainda em vida de Mauss, o entendimento de reciprocidade ficou

sob a interpretação de Malinowski, Firth e, especialmente em França, origem dos dados para o

conceito, de Claude Lévi-Strauss e a sua escola, como será referido em breve.

Acaba por ser um problema falar de reciprocidade, usando o conceito entre tantas actividades

diferentes e diferentes culturas. Mauss aplica-o para entender a mais valia no seu país,

conceito que não tenho visto ser analisado por nenhum autor, por enquanto. Os economistas

referem a desigualdade na base da lógica cultural diferenciada entre proprietários e não

proprietários, da natural servidão do operariado. Mas, como a minha ideia é entrar pela mais-

valia nesse conceito tão usado em Antropologia, não posso deixar de acrescentar as seguintes

palavras, a partir do texto já citado de Durkheim e do desenvolvimento estruturado por Marcel

Mauss (mas usado de forma tão diferente por toda a Ciência Social, como provam os autores

referidos mais acima, e os que vou referir a seguir).

Reciprocidade não é um conceito fácil de analisar. Há quem fale danorma de reciprocidade, há

quem fale do princípio de reciprocidade. Para entender a diferença, é preciso entender a

relação que existe na correlação entre ética, lei, direito, costume e objectivo do conceito. O

primeiro que parece ter falado da ideia de reciprocidade, foi Cicero, c.60 BC. Diz: “There is no

duty more indispensable than that of returning a kindness. All men distrust one forgetful of a

benefit”[37] Há poucos conceitos usados para definir a palavra reciprocidade. Um deles é de

Samuel Becker, que diz: “I do not propose to furnish any definition of reciprocity; if you produce

one, they will be your own achievement”[38]Hobhouse diz que “reciprocity…is the vital principle

of society, a key intervening variable through which shared social rules are enabled to yield

social stability” [39]. Richard Thurnwald, na sua ideia, muito da escola alemã, constata que “the

principle of reciprocity is almost a primordial imperative which pervades every relation of

primitive life”[40]. Há as duas ideias, a do princípio e a da norma. Como princípio, tratam do

conceito Malinowski[41], Mauss[42], Durkheim[43]. De uma outra maneira, há os autores que

pensam o conceito como uma norma e não como um princípio ético, orientado pelo direito

costumeiro ou pela lei escrita. Entre estas, ao mesmo tempo que Durkheim fala de princípio,

fala também de direito à maneira aprendida do seu mestre Ferdinand Tönnies, ao referir que há

uma solidariedade mecânica ou comunitáriaGemeinschalft, ou uma orgânica ou associativa ou

de trocas, separada pelo intercâmbio ou Société denominada por Tönnies Gessenchalft, que

pode levar a uma anomia ou falta de dinâmica social. Donde a troca/dádiva é impossível. Mas o

que interessa nesta parte, é entender que Durkheim, ao debater a divisão do trabalho de Adam

Smith, refere a existência do apoio que os seres humanos procuram para a produção dos seus

bens. Essa que Marcel Mauss, ao procurar o princípio de reciprocidade, nem denomina como

tal, apenas entende que há três movimentos para estabelecer um convénio económico entre os

seres humanos: dar, receber, devolver. E começa logo com uma pergunta, que é parte da sua

22

Page 23: O Presente, Essa Grande Mentira Social

hipótese, ao dizer: “Desde há anos que a nossa atenção se debruça ao mesmo tempo sobre o

regime de direito contratual e sobre o sistema das prestações económicas entre as diversas

secções ou subgrupos de que se compõem as sociedades ditas primitivas e também aquelas

que poderíamos dizer arcaicas…que exprimem ao mesmo tempo e de uma só vez todas as

espécies de instituições: religiosas, jurídicas e morais – e estas políticas e familiares ao mesmo

tempo; económicas – e estas supõem formas particulares de produção e do consumo, ou

antes, da prestação e da distribuição….queremos considerar um dos aspectos apenas,

profundo mais isolado: o carácter voluntário, por assim dizer, aparentemente livre e gratuito, e

todavia forçado e interessado dessas prestações…onde há senão ficção, formalismo e mentira

social, quando há no fundo, obrigação e interesse económico.”[44]

A questão que lhe interessa passa de imediato a ser exposta como hipótese: “Qual a regra de

direito e de interesse que, nas sociedades de tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente

recebido seja obrigatoriamente retribuído?…há fenómenos de troca e de contrato nessa

sociedades que não estão privadas de mercado económicos como se pretendeu – porque o

mercado é um fenómeno humano, que, em nossa opinião, não é estranho a nenhuma

sociedade conhecida…mas cujo regime de troca é diferente à nossa. Veremos aí o mercado

antes da sua principal invenção, os mercadores e antes da sua principal invenção, a moeda

propriamente dita”[45]. E, ao longo de quase duzentas páginas, analisa a sociedade romana do

contrato, a grega, a hindu e as dopotlatch e do kula, nas quais analisa os

conceitos mana e hau. Para concluir, nas páginas 192 a 209, que existe uma noção de valor

que é semelhante à nossa, capitalista, embora esteja permeada ou apareça como uma forma

diferente à utilitária. No entanto – é a sua conclusão – há procura de lucro, bem como há

procura de mais-valia tal como no sistema capitalista. O donatário empresta pelo interesse de

ver uma outra pessoa ou grupo, vergado à necessidade de restituir, o que, pelo seu carácter

religioso ou sagrado, aparece como uma actividade pela qual há castigo e punição pelo

incumprimento. Mauss fala de oferta e dádiva, mas nunca fala de reciprocidade. Apenas de três

momentos da actividade de trocar, que é, para todos os efeitos, utilitária, procura lucro e mais-

valia. Não fala de reciprocidade, apenas fala de obrigatoriedade de retribuir, para não perder a

abundância que um povo tem, perante a escassez de um outro. E vai retirando casos,

especialmente de hierarquia, que explicitam as formas de comércio por si encontradas, e,

especialmente, como diz, por Malinowski que, após ter feito um sério esforço de entender a

dádiva pura, apenas a encontra nos esposos ou na troca para a reprodução de seres humanos.

É neste tipo de análise em que é preciso trabalhar, porque dádiva e reciprocidade são factos

diferentes. Gouldner, no trabalho citado, encontra poucos cientistas que entendam ou tentem

definir reciprocidade. E passa para a análise da reciprocidade feita por Durkheim na sua obra

póstuma, bem como a de Marx[46]. No seu texto Le Socialisme[47], analisado mais adiante

neste meu texto, quer Gouldner, quer Mauss no seu Prefácio, reconhecem terem retirado ideias

de Marx, bem como de Saint-Simon e de Proudhoum, ou a por ele denominada “Escola

Socialista” da sua época. O conceito usado é o de exploitation ou exploração, resultado de uma

relação social na qual é “possível apreciar a desigualdade no intercâmbio, por causa de

investimentos não ganhos por pessoas que apenas possuem a propriedade dos meios de

produção, acabam por receber o lucro dos operários ou a mais valia de quem trabalhou já o

23

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necessário para produzir o seu valor de uso ou consumo próprio, para produzir um valor extra

ou não merecido, pelo proprietário”[48]. É a partir destas ideias que Thorstein Veblen trabalha o

conceito útil para entender reciprocidade, o de institutionalized explotation[49] O autor noruego-

americano entende que existe umVested Interest ou um interesse de investir, que caracteriza

como o direito a coisas após nada ter sido feito pelo investidor. É a partir desta ideia que é

possível pensar que a reciprocidade tem apenas um interesse, o de lucrar na base do trabalho

de outro, enquanto se faz o trabalhador pensar que existe solidariedade social, na medida da

segurança social e assistência a quem não trabalha. E é destas ideias do Capital, usadas por

Thorstein Veblen nos anos 30 na Sociologia Americana, que Mauss e Durkheim usam, para

dizer nos textos dos anos 20 ou póstumos e prefaciados por Mauss, que “a existência de

classes sociais, caracterizadas pela importante desigualdade de quem tem e de quem apenas

possui a sua capacidade de produção como força de trabalho, faz impossível que contratos

justos sejam negociados entre um possuidor e um não possuidor de meios de produção. O

sistema de estratificação social existente constrange (constrains) ou impinge uma desigual

troca de bens e serviços, ofendendo assim às expectativas dos povos das sociedades

industriais. A exploração impossibilita, por causa da disparidade de poder entre as partes

contratantes, uma igualdade necessária para exprimir a vontade, o que coloca à sociedade em

risco de extinção ou subversão” [50] Durkheim acrescenta uma ideia que Marx não tinha

analisado, essa de ferir os valores das pessoas com a atitude anti-ética dos proprietários do

Capital.

Malinowski, no entanto, não abandona a procura da ideia de reciprocidade e aí, onde Durkheim

adverte que a sociedade é instável pela sua falta de solidariedade ou a existência

de anomia nas relações sociais, a Gemande de Tönnies, professor de Durkheim, o nosso

polaco adverte que há várias formas de reciprocidade[51] Na primeira das obras citadas,

Malinowski acaba por dizer que tudo o que tem encontrado é apenas uma forma de

comercializar o que é ritual, da qual um grupo social extrai utilidade de um outro, em bens e

tempo de trabalho. Na segunda, muda para o campo de psicologia, abandona a economia e

decide qualificar a Reciprocidade, com uma primeira questão “Why is it that rules of conduct in

a primitive society are observed, even though they are hard and irksome?…” [52]

A conformidade às regras, diz Malinowski, é base da reciprocidade pela coesão mecânica que

produz. Uma outra é o facto das pessoas deverem, entre elas, direitos e obrigações nascidas

ou da interacção social ou do trabalho em conjunto. A reciprocidade teria lugar fora da esfera

económica, por ser um complemento e preenchimento da divisão do trabalho, necessária como

ela é para povos sem tecnologia avançada.“Reciprocity, therefore, is a mutually gratifying

pattern of exchanging goods and services” [53]

Quer Malinowski, quer Lévi-Strauss, vão encontrar relações sociais recíprocas na estrutura do

parentesco. O primeiro, ao analisar a psicologia primitiva; o segundo, ao estudar as relações

sociais. E, como eles, muitos autores. Porque a prometida igualdade parecia estar na troca-

dádiva, denominada reciprocidade.

É destas ideias que Lévi-Strauss retira as suas, para definir a reciprocidade como o que é

oposto à natureza e é fabricado pelo homem, embora a natureza seja também humana[54].

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É no entanto possível perceber que, na sociedade do intercâmbio, nada é gratuito. Não é em

vão que Adam Smith fala de permuta, troca e intercâmbio, dentro do mercado. E, como ele,

toda a escola liberal, contra a qual se insurgem as teorias radicais de Marx, Proudhon, Saint-

Simon, Durkheim, Mauss. Estes últimos, tentam, tal e qual Malinowski[55], comparar

sociedades para procurar uma troca-dádiva, que aparece inexistente enquanto gratuidade. Eis

porque Durkheim tem que distinguir entre uma sociedade mecânica ou comunitária, na qual a

religião traz, de forma simbólica e ritual, uma forma de colaboração sempre paga pelo

donatário; e uma de solidariedade orgânica, na qual a lei é a base de todo contrato, excepto

quando é celebrado entre quem nada tem e o proprietário, como diz na obra

citada L’éducation e outras, invocadas nestas páginas. A troca-dádiva tão procurada parece

ser apenas uma permuta, com mais-valia, à maneira definida por Marx em 1862 e 1863[56].

Troca que é comercial, como estimo provar no capítulo seguinte.

[1] Robbins, Vernon, 1996: Exploring the texture of texts, Vallet Forge, Trinity Press International, http://www.cyberclass.net/reciprocity.htm[2] Hegel, Friederick, 1812-1816: Science of Logic, on-line. Há versão portugues pela Guimarães Editora. Website para pesquisa:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Friedrich+Hegel+Science+of+logic+&meta=[3] Luther, Martin, (1529) 1991: “Small” Cathecism, Concórdia Publishing House, St Louis, USA; (1517) 1989: The Ninety-Five Thesis; (1522) 1989:Eight Sermons at Wittenberg, Ausburgs Fortress, USA. Website com texto: http://www.ccel.org/l/luther/small_cat/small_cat.txt[4] Retirado da sintese dos textos de Martin Luther, especificamente dos Sermões de Wittenberg de 1522, por Bo Kristian Holm, e referidos em 1999, no texto: Life and Law. Martin Luther Understands of Christian Existence and the Challenge from the “New Perspective on Paul”, texto on line:   http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Kristian+Holm+Life+and+Law+Martin+Luther&btnG=Pesquisar&meta=. Website com textos de Wittenberg: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Martin+Luther+Serm%C3%B5es+de+Wittenberg&btnG=Pesquisar&meta=[5] Iturra, Raúl, 2003: “A religião é a lógica da cultura” entregue a Editora Afrontamento para um livro do Seminário sobre Religião, realizado na Universidade da Beira Interior em 2003. Bem como no meu texto de 2002:A economia deriva da religião, Afrontamento, Porto, e o referido de Protohistória: “O conceito de reciprodocidade”. Ver nota 45.[6] Melo, Rosa Maria, 2001: O rito do Eufuko entre os Handa de Angola, tese de Doutoramento, ISCTE, policopeado.[7] Nunes, Ângela, 2000: A sociedade das crianças A’Uwe-Xavante do Brasil. Por uma Antropologia da criança, IIE, Lisboa. Bem como a sua tese de Doutoramento de 2003: Brincando de ser criança, ISCTE, policopiado.[8] Ferreira, Manuela (org): “Crescer e aparecer ou para uma sociologia da infância”, in Educação Sociedade e Culturas, Afrontamento, Porto, Nº17.[9] Comentários sobre estes textos, vide Iturra 2001 e 2003, livros sobre teoria religiosa, bem como os comentários de outros capítulos do presente texto.[10] Feuerbach, Ludwig, 1841: Das Wesen des Christentums ou A Essência do Cristianismo, Papirus, Brasil, 1988; Website com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ludwig+Feuerbach+1841+A+Ess%C3%AAncia+do+Cristianismo&btnG=Pesquisar&meta=; e 1848-49: Vorlesunger über das wesen der religion ou A Essência da Religião, Papirus, Brasil, 1989. Website biográfico e analítico da obra:http://www.pucsp.br/~filopuc/verbete/feuerba.htm [11] Temple, Dominique, e Chabal, Mireille, 1995: La réciprocité et la naisance des valeurs humaines, L’Harmattan, Paris ouhttp://dominique.temple.chez.tiscali.fr/structures.htm1[12] Godelier, Maurice, 1996 : L’Enigme du don, Fayard, Paris. Website publicitário e debate: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Maurice+Godelier+L%27+Enigme+du+don&btnG=Pesquisar&meta=[13] Sahlins, Marshall, 1974: Stone Age Economics, Tavistock Publications, Londres. Website para debate http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Marshall+Sahlins+Stone+Age+Economics&spell=1 [14] Polanyi, Karl, 1944: The Great Transformation. The political and economic origins of our time, Beacon Press, USA. Website debate e pesquisa: cepa.newschool.edu/het/profiles/polanyi.htm

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[15] Malinowski, Bronislaw, 1922: Argonauts of the Western Pacific, Routledge and Kegan Paul, Londres. Uso a versão castelhana de Eidiones Península, Barcelona, 1973, páginas 173 a 198. Website debate, teoria, etnografia: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Bronislaw+Malinowski+The+argonauts+of+the+Western+Pacific&spell=1[16] Temple et Chabal, ob.cit. página 15. Website nota 57.[17] Temple et Chabal, página 68 da obra referida. Esta análise nasce do comentário feito ao começo do livro sobre o que Lévi-Strauss pensa do conceito de reciprocidade, acima referido, na sua obra de 1948: Les strcutures élémentaires de la parénté, PUF, Paris. Website para debate, informação, base teórica: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Claude+L%C3%A9vi-Strauss+Les+structures+elementaires+de+la+parent%C3%A9&spell=1[18] Guideri, Remo, 1984: L’abondance des pauvres, Seuil, Paris, citação in pasim. No entanto, diz na página 40 da sua obra: “ Le mystère de la reciprocité, à suposser toujours qu’elle existe, rédide entièrement dans cette idée d’ « equivalance » d’une chose que je donne avec un chose que je reçoi…” Website para debate: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Remo+Guideri+&btnG=Pesquisar&meta=[19] Nas páginas 196 e 198 do texto que uso, em formato de papel, o autor refere 8 interacções entre pesoas relacionadas a actividades económicas. Aliás, o parágrafo VII referido nesta linha, é denominado pelo autor “obligaciones económicas” que bascem de relações sociais e, comforme Durkheim, essas relações são as mais fortes dentro de um grupo. Não consigo entender como Temple e Chabal descuraram esta parte do texto em análise por eles próprios. É verdade que Malinowski esquematiza a interacção sem mercado, mas é também verdade que repete inúmera vezes que “deve suspender a análise do Kula para voltar às relações de comércio”. Malinowski 1922 obra referida, in passim em todo o livro.[20] Mauss, Marcel, obra referida, versão portuguesa de 1988, Edições 70, Lisboa. A edição de 2002 é bem mais certa e esclarecida. As minhas reticências e parêntese.Website com texto, ver nota 27[21] Mauss, Marcel, textos entre 1896 a 1942, 1997: Marcel Mauss – Écrits Politiques. Textes réunis et présentés par Marcel Fournier, Fayard, Paris. Website sobre textos políticos do autor, partes de textos, cartas e debatehttp://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/classiques/mauss_marcel/ecrits_politiques/ecrits_politiques.html[22] Sahlins, Marshall, 1974: Stone Age Economics, Tavistock Publications, Londres. Website nota 59.[23] Sahlins, obra citada, página 42 e seguintes do texto usado, Tavistock e Net.[24] Sahlins, obra citada, páginas 44 e seguintes, em contraste com página 1 e seguintes. A frase que ele usa é “an affluent society is one in wich all the people’s material wants are easily satisfied”, página 1. E acrescenta a seguir, uma frase que estimo genial: “to assert that the huntres are affluent is to deny then that human condition is an ordained tragedy, with man the prisoner at hard labour of a perpetual disoarity between his unlimited wants and his insufficient menas”. Páginas 1, 4 e 6, especificamente. Nota e Website nº 59[25] O que em português denominamos força de trabalho.[26] Sahlins sintetiza o seu argumento na frase da página 86: “In brief, by this characteristich of Domestic Mode of Production – that is a production of use values –…entertains limited economic goals…” páginas 86 e seguintes. Website nota 59.[27] Chayanov, op. cit. Pág. 47 e seguintes (versão castelhana de 1974). Website debate e teoria: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=A.V.+Chayanov+La+organizaci%C3%B3n+de+la+unidad+econ%C3%B3mica+campesina&btnG=Pesquisar&meta[28] A análise de Sahlins, está contida nas páginas 94 e seguintes; as de Chayanov, no seu texto citado por Theodor Shanin, The theory of Peasant Economy, 1966, American Economic Association. O que eu tenho ussado para referir este entendimento do “pooling”, “sharing” e reciprocidade como defininido por Chayanov, é de 1905-data da escrita-, edditado pela Nueva Visón de Buenos Aires en 1976. Há outros textos editados nos anos 80 do Século XX por Theodor Shanin, especialmente no seu The awkward class-Russia 1910.1925, texto dedicado às análises de Chayanov sobre a Rúsia Rural, fonte não usada por Marshall Sahlins, apesar de Alexander Chayanov ser referido dentro do Ocidente no texto citado, por Theodor Shanin, discípulo de Chayanov ao definir o conceito de reciprocidade que Sahlins omite. Website para debate, teoria e pesquisa: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Theodor+Shanin+The+awkward+class&btnG=Pesquisar&meta=[29] Sahlins, obre em referência, páginas 150 e seguintes, com o mesmo erro de não entender a comparação mausiana das sociedades sem contratato e com contrato, parta definir a Sociologia Económica, que Sahlins ignora.[30] Temple et Chabal, obra citada, páginas 52 a 60. Website nota 57 ehttp://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Dominique+Temple+Mireille+Chabal+La+reciprocit%C3%A9+et+la+naissance&btnG=Pesquisar&meta=[31] Temple et Chabal, página 44, texto em formato de papel. Tenho transcito esta extensa passagem do texto, porque ajuda ao entendimento da reciprocidade maori, que é, como bem sabemos, diferente à nossa. Os autores fizeram um reestudo, que nem Sahlins nem Guidéri tinham feito, para entender o conceito original, que Lévi-Strauss não precissou de fazer por ter sido não apenas estudante de Mauss, mas porque analiza o real a través de símbolos. Em caso nenhum, é a autoridade de outros semelhante a esta para entender reciprocidade.

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[32] Firth, Raymond, 1929: Primitive Economy of the New Zealand Maori, Routledge and Kegan, Londres. Website para debate e teoria etnográfica:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Raymond+Firth+Primitive+Economy+of+the+New+Zealand+Maori&btnG=Pesquisar&meta=[33] Dale, Roger, 1994 : « A promoção do mercado educacional e a polarização da educação” in Educação, Sociedade e Culturas, nº 2, Afrontamento. A informação foi-me transmitida pessoalmente. Website de síntese: http://www.fpce.up.pt/~ciie/revistaesc/pagina2.htm[34] Durkheim, Émile, entre outros, 1912 ou Les formes élémentaires de la vie religieuse, Felix Alcan, Paris. Website www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/formes_vie_religieuse/formes_vie_religieuse.html –  ; ou 1914 :«L’avenir de la religion », troisiéme entretien , pp 97-105 , 1906 : «Determination du fait moral », ulletin de la Société française de Philosophie, 1906 »Internationalisme et lutte des classes », Libre Entretiens, 2è série, 1906 : « Organisation sociale Masai », 1903, com Marcel Mauss : De quelques formes primitives de classification », Année Sociologique VI, «Communauté et societé selon Tönnies », Revue philosophique, 27, 1898 : »Représentations individuelles et représentations collectives », Revue de Métaphisique et de Morale, VI, Nº Maio. Website para todos estes ensaios, com textos:http://www.geocites.com/areqchicoutimi_valin; para Freud, com texto: ouhttp://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index-html. Em suporte de papel: (1913-Viena) 1919:Totem and taboo, Routledge and Kegan Sons, Londres.[35] Hubert, Henri et Mauss, Marcel, 1906: « Mélanges d’histoire des religions ou Introduction à l’analyse des quelques phénomènes religieux » Revue d’histoire des religions, 58, Classiques_des_sciences_socieles/index1.[36] Hertz, Robert, póstumo, 1928 : Sociologie religieuse et folklore.Recueil des textes publiés entre 1907-1917, PUF, Paris ouhttp://www.uqac.uquebec.ca/zone 30/Classiques_des_sciences_sociales/index.html[37] Cicero, c.65 BC, Oratio against Catiline, citado por Alvin Gouldner no seu texto essencial para entender este conceito, “The norm of reciprocity: A preliminary statement” in American Sociological Review Volume 25. Nº2, April 1960, University of St Louis, Washington.Website nota 46[38] Becker, Howard, 1956: Man in reciprocity, Prager, New York, page 1. Website teoria e pesquisa: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Howard+Becker+1956+Man+in+reciprocity&btnG=Pesquisar&meta=[39] Hobhouse, Leonard Trelawny, 1906: Morals en evolution: A study case in comparative ethics, Chapman and Hall, página 12. Website para debate e textos: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Hobhouse+LT+1906+Morals+en+evolution+A+study+case+in+comparative+ethics&btnG=Pesquisar&meta=[40] Thurnwald, Richard, 1932: Economics in primitive communities, Oxford University Press, página 106 do texto em suporte de papel. Website: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Richard+Thurnwald+1932+Economics+in+primitive+communities&btnG=Pesquisar&meta=[41] Malinowski, Bronislaw, 1926, Crime and custom in primitive society, Routledge and Kegan Paul, Londres. Website em francês, texto completo:http://www.google.pt/search?hl=pt- O texto em francés está datado em 1936. PT&q=Bronislaw+Malinowski+Moeurs+et+coutume+dans+les+societes+primitives&btnG=Pesquisar&meta=[42] Mauss, Marcel, 1923-24 : « Essai sur le don. Formes et raison de l’Exchange dans les sociétés archaïques » in L’Année Sociologique, Nouvelle Série, Félix Alcan Paris, Vol I.Website com texto, nota 27.[43] Durkheim, Émile, 1925: L’éducation morale, Félix Alcan, Paris. Website com texto, nota 43.[44] Mauss, obra citada, versão portuguesa tratada por mim, páginas 53 e 54.[45] Mauss, obra citada, página 54 da versão de 200, Edições 70, em formato de papel. Website, nota 27.[46] Marx, Karl, (1867) 1946: El Capital, Vol. I, FCE, México. Website com texto dos três volumes: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+Capital&btnG=Pesquisar&meta=[47] Durkheim, Émile, (1888) 1928:Le socialisme, PUF, Paris, prefaciado por Marcel Mauss. Website com texto, nota 26.[48] Marx, obra citada, in passim, a minha tradução. Website nota 92.[49] Veblen, Thorstein, 1934: The theory of the leisure class, Modern Library, New York, página 246. Website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Thorstein+Veblen+1934+The+theory+of+the+leisure+class&btnG=Pesquisar&meta=[50] Durkheim, Émile, escrita em 1888, publicada como obra póstuma em 1928, PUF, Paris, com Prefácio de Mauss. Mauss faz notar o desgosto de Durkheim pela guerra, a revolução e a luta de classes. Esta ideia está defendida na sua crítica à economia utilitária e clássica, no seu texto de 1893 e nos seus comentários à obra de Marx na Revue Philosophique de Dezembro de 1897, Paris. Website nota 26. Website e texto obra 1893, nota 106.[51] Malinowski, Bronislaw, 1922: The Argonauts of Western Pacific, páginas 1172 1 226 da versão Catalana de Península; e 1926: Crime and custom in primitive societies, Routledge and Kegan Paul, Londres. Website para debate, teoria e etnografia, nota 61 para Argonautas; e nota 87 paraCrime e Costume.[52] Malinowski, 1926, página 21 de I Parte da versão Castelhana de Ariel. Há versão francesa Web, nota 87, e em suporte de papel pela editora inglesa Routledge & Kegan Paul.[53] Malinowski, Crime and Custom página 55. Ver nota anterior.[54] Lévi-Strauss, Claude, 1949, Les forme élémentaires de la parenté, Mouton, Paris. Website nota 63.

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[55] Nas páginas 196 e 198 do texto que uso de Malinowski, em formato de papel, o autor refere 8 interacções entre pesoas relacionadas a actividades económicas. Aliás, o parágrafo VII referido nesta linha, é denominado pelo autor “obligaciones económicas” que bascem de relações sociais e, comforme Durkheim, essas relações são as mais fortes dentro de um grupo. Não consigo entender como Temple e Chabal descuraram esta parte do texto em análise por eles próprios. É verdade que Malinowski esquematiza a interacção sem mercado, mas é também verdade que repete inúmera vezes que “deve suspender a análise do Kula para voltar às relações de comércio”. Malinowski 1922 obra referida,in passim em todo o livro.[56] Marx, Karl, 1862, e 1863 (1977): Theories of Surplus Value, Oxford University Press. Website, texto e comentários:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+1862+1863+%281977%29+Theories+of+Surplus+Value&btnG=Pesquisar&meta=

[1] Iturra, Raúl, 1988: Antropologia Económica de la Galicia Rural, Edições Xunta de Galiza, Compostela: website com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ra%C3%BAl+Iturra+Antropologia+Econ%C3%B3mica+de+la+Galicia+Rural&btnG=Pesquisar&meta=;O crescimento das crianças, Profedições, Porto, website para debate:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ra%C3%BAl+Iturra+Como+era+quando+n%C3%A3o+era+o+que+sou.+O+crescimento+das+crian%C3%A7as&btnG=Pesquisar&meta=;A Economia deriva da religião, Afrontamento, 2000, website nota 2; “O conceito de reciprocidade”, Seminário da Universidade de Múrcia, Espanha, em Protohistória, Buenos Aires, Argentina.http://www.prohistoria.com.ar/seminariomurcia/ponencias/ponenia _iturra_texto.htm [2] Gouldner, Alvin, 1960: “The norm of reciprocity: a preliminary statement” in American Sociological Review, April 1968, Vol 25, Nº 2. Website com textohttp://www.garfield.library.upenn.edu/classics1979/A1979HT60900001.pdf 

Capítulo Segundo

Reciprocidade Comercial

 1. Nascimento da ideia de Reciprocidade.

O título até parece mercantilista. Mas não é por causa da teoria mercantilista que está

colocado. A teoria mercantilista faz de tudo o que existe um comércio, de todo o bem que é

fabricado, uma mercadoria a ser convertida em dinheiro, em investimento, em lucro para o

proprietário dos meios

em lucro para o proprietário dos meios de produção.[1] Mercadoria é todo o bem que é trocado

por moeda ou transferido a outro, por contrato ou pagamento. Ou, mercadoria é a capacidade

que tem um indivíduo para fabricar bens dos quais vive, pelo que Marx denominou a força de

trabalho das pessoas não possuidoras de meios técnicos ou propriedades, como

mercadoria[2]. O conceito de mercadoria é revelador da impossível igualdade, como foi referido

no Capítulo I. Mercadoria é entendida como o valor retirado do trabalho operário, quando Marx

fala de valor de uso e valor de câmbio. Valor de uso tem todo o bem fabricado com o objectivo

de ficar dentro de casa e ser partilhado pela família e consumido pelos fabricantes. É

característico da alienação, ou valor de câmbio ou de troca, retirar não apenas o bem, que

passa a pertencer ao proprietário dos meios de produção, da indústria, voir, da actividade do

operário e do seu horário de trabalho e da sua propriedade, um bem transformado que, ainda

que produzido pela pessoa, é propriedade não do artesão, mas do proprietário do capital

investido para possibilitar o fabrico.

Foi o problema colocado perante o entendimento de Émile Durkheim e da sua equipa,

especialmente de Marcel Mauss. A ideia é simples. A tese que eles encontram na sociedade

em que moram e da qual fazem parte, é a de uma sociedade de trabalho alienado, baseada

numa relação social presidida pelo capital, pelos investidores[3]. Durkheim acrescenta ao que

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Marx tinha definido, a ideia de que a troca ou câmbio desiguais de bens, são socialmente

disjuntivas, ou, por outras palavras, desmembram a vida social e do grupo social, ao

introduzir valores disjuntivos da interacção social, usados pelos grupos para a sua coesão e

para a sua acção pragmática.[4] Por esta realidade, Durkheim escreve De la division du travail

social[5] e defende a antítese de que há solidariedade orgânica ou de direito nas sociedades

ocidentais que devem dar protecção ao operariado. Era o dilema de Durkheim: socialismo ou

sociologia? Dilema retomado por Marcel Mauss, que procura uma síntese para as duas teses:

capital versus produção não remunerada. Começa por procurar antecedentes numa ideia que

nasce ao rever as etnografias de Franz Boas e Bronislaw Malinowski, por ele citadas

em L’essai sur le don, já livro em 1956[6].

O objectivo de Mauss é simples: retirar da etnografia as actividades que existem nas

sociedades denominadas arcaicas ou primitivas, nas que parece não haver troca de bens em

dinheiro, quando se pergunta qual é a norma de direito que orienta as trocas e o intercâmbio

em sociedades que aparentemente, não têm lei nem códigos. Que, como bem sabemos, são

sociedades sem escrita, de costume ou costumeiras. Para entender esta noção de valor social

disjuntivo, começa por comparar o Direito mais antigo da Europa, o Escandinavo, e acaba por

explicar que entre grupos sociais como os Kwakiutl do Canadá e os Kiriwina da Melanésia,

existe uma relação ritual de troca de bens e pessoas, que Mauss denominafacto social total, no

qual existem três actividades que analisa: doar,aceitar e retribuir. Estes três actos rituais seriam

entendidos, mais tarde, como o único conceito de reciprocidade, do qual Mauss teria falado.

Conceito usado por Malinowski com a palavra Massim de mana ou o espírito ou magia das

coisas que explicam a troca, câmbio, intercâmbio e permuta, que, mais tarde, é reconvertida ao

conceito de reciprocidadepelo comércio que Malinowski descobre na acção ritual da troca

económica, o que provoca cem furiosas páginas no seu texto, em que sustenta que não há

outra troca, câmbio, intercâmbio ou permuta, que não seja comercial. É a partir destas dúvidas

que Mauss faz uma análise sobre o conceito de dádiva ou dom, ideia, norma ou conceito,

usado na Antropologia para explicar toda a movimentação de pessoas e de bens, como se fora

uma ideia romântica.

O meu desejo era ir directamente à etnografia. Mas, no início deste capítulo, falei de tese,

antítese e síntese, conceitos que estimo devam ser explicados, para falarmos da reciprocidade

comercial ou interacção dita recíproca nas relações sociais, presididas pelo comportamento

denominado capital. Comportamento que produz escassez dentro das sociedades, pela

alienação dos bens, que são retirados para alimentar a abundância de outros membros do

grupo social. Essas relações que Émile Durkheim denominou de, como eu percebo,

valores sociais disjuntivos da interacção social dos indivíduos em grupos. Porque, há os muito

ricos, por reterem lucro da mais valia retirada da força de trabalho dos que nada têm e os muito

pobres, que apenas têm a sua força de trabalho para vender ou alienar, denominados

proletários: possuem só a prole, ou família consanguínea, para ganhar a vida económica.

Definido por Marx, este conceito é defendido por Durkheim e Mauss, na base da ideia dos

operários não serem iguais às pessoas de posse, ainda que por cultura e lei devessem ser, o

que faz destes contratos actos ilícitos e juridicamente inválidos. Faço especial referência ao

debate de Durkheim, de 1908, “Débat sur l´ économie politique et les sciences sociales”[7], no

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qual defende os factos económicos como base da análise da sociedade: “l’économie politique

occupe, dans l’ensemble des sciences sociologiques, une situation particulière. Elle est la seule

des ces sciences qui soit actuellment constituée comme un ensemble systématisé, la seule que

dispose d’un stock sufficient d’observations pour permettre la constructions de lois…C’est elle

qui doit servir de foyer et en quelque sort de mère pour les autres sciences sociologiques… [por

causa de]. D’autres lois économiques qui interviennent sont la loi d l’offre et la demande, la loi

du capital”[8]. Bem sabemos que Émile Durkheim criticou duramente a individualidade da oferta

e da procura, e debateu contra Adam Smith, na base dos textos de Karl Marx, da sua própria

pesquisa, e das ideias de Tönnies, no seu texto de 1893, De la division du travail social.

Durkheim e Mauss experimentaram dinamizar a Sociologia, para procurar a igualdade das

pessoas em grupo. O seu objectivo era organizar uma sociedade dentro do novo conceito de

socialismo, que, como já sabemos, aparece no Século XIX, para poder lutar em prol dos

direitos dos trabalhadores. No texto de Durkheim, de 1906, “Internationalisme et lutte de

classes”[9] , “l’antipatriotisme est nécessaire a la lutte des classes…n’est que la conséquence

particulière d’une idée plus générale, de l’idée que la société ne pourrait se reconstituer que par

la destruction des nations actuelles : la société actuelle forme deus blocs, il faut que l’un

détruise l’autre. C’est là une forme relativement récente du socialisme…D’abord, on a dit que

c’était l’avènement de la grande industrie qui condamnait à une destruction nécessaire des

sociétés actuelles. Mais pour cela il faudrait admettre que les sociétés modernes ne contenaient

pas normalement dans leurs flancs cette forme économique, qui serait le produit d’une véritable

maladie dus corps social. Dans ces cas, il serait légitime de soutenir que nos sociétés réalisent

une contradiction, qu’elles ne sauraient par elles-mêmes se mettre en harmonie avec se

système industriel qui est étranger a sa nature…l’ouvrier est exclusivement un producteur”[10] 

Durkheim defende a ideia de igualdade, ideia na qual introduz o conceito de contradição que

tinha aprendido de Marcel Mauss e em Leipzig, em 1888, ao ler o livro O Capital de Marx. É

necessário dizer, no entanto, que no texto citado, Durkheim lembra que o operário não é

apenas um trabalhador, mas também um intelectual que, contudo, é incapaz de sonhar com o

futuro, porque o não tem. A ideia de igualdade procurada no conceito de solidariedade,

especialmente orgânica, que defende no texto que acabo de comentar, – Lei, Direito, Contrato

–, é uma ilusão de Durkheim, causada pelas incidências da guerra que tinha morto o seu filho e

os seus discípulos, bem como pelos feitos da Commune de Paris e da guerra Franco-Prusiana,

com a rendição de França e a matança dos Comunnards. Durkheim viveu todos estes factos e

com muita tristeza, como refere Mauss no Année Sociologique de 1925: In Memoriam,

reproduzido nas Oevreus Compléts de Mauss (Vol. III, página 434 e seguintes).

Em 1928, Mauss comenta que estes factos tinham feito de Durkheim um socialista que

duvidava imenso das lutas, donde, a sua diferença com Marx, tal e qual Durkheim a exprime, é

a análise da luta de classes. “Souffrant intensément des maux qui affligent la société actuelle, il

la croit pour cette raison, mauvaise et, pour dire, manquée et il étend naturellement ce jugement

à toutes les sociétés qui l’ont immédiatement précédée dans l´histoire, et qui peuvent en être

considérées comme l’ébauche. Il souhaiterait les voir toutes radiées de l’histoire…Cette

conception trouve précisément…un accueil favorable dans certes milieux

révolutionnaires…”[11]. O comentador acrescenta que a ideia é contrária a Marx, por este

30

Page 31: O Presente, Essa Grande Mentira Social

pensar que o desenvolvimento é a forma superior da História das Sociedades. No entanto,

Durkheim diz: “Voyez même l’œuvre la plus forte, la plus systématique, la plus riche en idées

qu’ait produit l’Ecole [Socialiste] Le Capital de Marx…”[12] . Estas citações parecem-me

necessárias para entendermos dois conceitos: o das ideias do método contraditório usado em

Sociologia, e a procura da igualdade em sociedades primitivas e não em sociedades históricas,

como Marx fez. A procura da dádiva é a procura de sociedades sem comércio, das quais se

encontra… rien! Como vamos tentar apreciar. Até porque, se Marx não soube de Durkheim, o

contrário não é o caso.

 

 

2.Dádiva,empréstimo,escassez,abundância. Bases da reciprocidade.

Cada palavra do título deste momento do texto é um conceito. Mas conceitos que estão

“acasalados”, são um ou dois pares em oposição dialéctica, como vamos analisar. O

pensamento dialéctico tem origem nos textos de Friedrich Hegel[13]. E o par que tenho

escolhido tem a sua origem na seguinte citação de Hegel: “Todo pensamento lógico verdadeiro

ou real tem três aspectos. Em primeiro lugar, o aspecto abstracto ou compreensível. Em

segundo lugar, a sua negação dialéctica, que diz o que ele não é. Em, terceiro lugar, o aspecto

especulativo que é a compreensão concreta: A é ao mesmo tempo aquilo que não é. Estes três

aspectos não constituem os três aspectos da lógica; são, sim, momentos de tudo o que é

realidade e verdadeiras lógicas. Fazem parte de qualquer aspecto filosófico. Qualquer conceito

é racional, é uma abstracção que se opõe a outra, e é compreendida pela unidade pelo seu

oposto. Esta é a definição da dialéctica” [14].

Marx retoma este conceito e aplica-o à sua análise da história, de forma materialista: vai de

imediato à propriedade, às relações entre pessoas, propriedade e salários. “The political State

cannot exist without the natural basis of the family and the artificial basis of civil society…human

beings is a mass.”[15]  Esta crítica de Marx é retirada das obras citadas de Hegel e utilizadas

para escrever o seu The Communist Manifesto. É a partir deste texto que Marx expande a sua

metodologia materialista dialéctica, ao analisar a correlação propriedade

privada/salário/colectivismo de bens e da produção, temida pela classe burguesa do seu

tempo. Refere Henry de Saint-Simon, como economista e filósofo socialista francês e as suas

teorias colectivas, e como as trocas, ou são privadas, com mais-valia para o proprietário, ou

colectivas, com uma repartição igual de recursos entre produtores, todos eles proprietários dos

meios de recursos e de bens, resultante desses recursos. Acrescenta que a aristocracia

europeia está a tremer e vê com pavor a passagem de bens das mãos privadas, para mãos

colectivas, que o Marques de Saint-Simon defende, desde o seu lugar social privilegiado. Saint-

Simon fustiga a aristocracia por não se aperceber que a classe burguesa cobiça os seus bens,

permitindo o seu levantamento, bem como o empobrecimento das classes operárias. Com base

nesta análise, propõe formas económicas de acção em prol dos despojados, referindo, nos

seus textos, os factos que permitem entender a necessidade de solidariedade, do colectivismo,

bem como os seus contrários: a escassez e o aparecimento da necessidade do empréstimo.

Somas crescentes de dinheiro são retiradas dos bancos pelas indústrias, pagas com juros que

revertem a favor da burguesia. Estes factos dinamizam e originam um novo comportamento

31

Page 32: O Presente, Essa Grande Mentira Social

entre os despojados de propriedade: areciprocidade ou ajuda mútua entre os pobres do

operariado francês. Saint-Simon advoga o colectivismo e a solidariedade entre as denominadas

massas de produtores empobrecidos, desnecessariamente, pela indústria e pela falta de

cuidado do Estado, apesar de Louis XIV ter dito, anos antes,“L’Êtat c’est moi”. E a cabeça do

seu neto rolou na guilhotina…

Saint-Simon defende as suas teorias em dois textos, memórias do período e contexto do que

viria a ser a análise da dupla por mim referida: dádiva-empréstimo; escassez-abundância[16] É

o que Émile Durkheim analisa no seu livro de 1928, publicado e prefaciado por Marcel

Mauss[17]. É nesse texto que, quer Mauss, quer Durkheim, estabelecem uma luta para o

entendimento do socialismo e da propriedade colectiva, que leva ao estudo da solidariedade

em Durkheim e das formas arcaicas de produção em Mauss, por meio do método comparativo

de culturas e conceitos: o quê e como, nas etnias, o quê e como, na Europa. Texto no qual

Durkheim diz, como já fiz referencia, no número 1 deste Capítulo Segundo, logo de

entrada: “Voyez même l’oeuvre la plus forte, la plus systématique, la plus riche en idées qu’ait

produit L’Ecole ( [socialiste]): Le Capital de Marx.[18] Donde, dádiva – empréstimo, é a primeira

dupla; o par contraditório é escassez -abundância. [19] Contraditório apenas pelo método que

uso para os explicar, a lógica de tese, antítese e síntese, que Hegel e Marx e Feurebach

definiram. Estes conceitos parecem não estar relacionados e, no entanto, há uma derivação

que permite a introdução a um conceito a partir do outro. Isto, por um comentário que Marcel

Mauss produz no seu texto de 1923-24[20], que trata de um conceito que passou a ser

fundamental para a análise antropológica, o da dádiva a par e passo com o comércio. Análise

produzida por Durkheim, Mauss e Malinowski, que passo a expor para entender os conceitos-

pares, necessários para entender as relações sociais capitalistas desse tempo e de hoje, por

meio do método comparativo, e que acaba nos textos de Pierre Bourdieu, referidos no fim

destas páginas. Mauss começa por definir a circulação de bens entre grupos sociais, que

parecem não ter mercado nem moeda. É o que o autor denomina dádiva e é referido nas

formas de Contrato e de Direito, que analisa logo no começo do seu texto: “Na civilização

escandinava e em bom número de outras, as trocas fazem-se sob a forma de presentes, em

teoria voluntários, na realidade[21]obrigatoriamente dados e retribuídos”. E o debate a que o

conceito dá lugar no seu tempo, é logo citado em notas de rodapé. Mas, no texto central,

adverte o leitor de que esta pesquisa está dentro de um estudo mais amplo, que tem a ver com

o direito contratual e com o sistema de trocas económicas. O estudo de Mauss é uma

continuação do que o seu mestre Émile Durkheim tinha feito em 1893 e em 1912, sobre a

solidariedade. Mauss refere que a temática da troca-dádiva “é muito complexa por envolver

instituições religiosas, jurídicas e morais – e estas políticas e familiares ao mesmo tempo;

económicas – e estas supõem formas particulares da produção e do consumo, ou antes, da

prestação e da distribuição…”[22]. Por outras palavras, está, não apenas a definir conteúdos,

bem como a delimitar a área de estudo que, por ser extremamente “larga” e entrosar muitas

matérias, acaba por reduzi-la apenas ao que denomina o carácter “voluntário…, aparentemente

livre e gratuito, e todavia forçado e interessado por essa prestações”[23]. É assim que vai,

lentamente, entrando na definição do que é a dádiva ou o dom, como denomina este

comportamento: “Elas revestiram quase sempre a forma do presente, da prenda oferecida

32

Page 33: O Presente, Essa Grande Mentira Social

generosamente mesmo quando, nesse gesto que acompanha a transacção, não há senão

ficção, formalismo e mentira social, e quando há no fundo, obrigação e interesse

económico”[24]. O objectivo do autor é o aprofundamento do conceito da divisão social do

trabalho, como diz a seguir, porque procura a regra de direito na qual se pode basear a troca, a

dádiva e a obrigação quer de dar, quer de receber, quer ainda, de restituir. E a sua pesquisa

vai endereçada para as denominadas sociedades arcaicas ou primitivas. Por outras palavras,

experimenta retirar das formas antigas da vida social, uma explicação do que é a preocupação

da época: a existência ou não, de solidariedade social: “qual é a regra de direito e de interesse

que, nas sociedades de tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja

obrigatoriamente retribuído? Que força existe na coisa que se dá que faz que o donatário a

retribua? E vai analisando o comportamento de várias etnias, especialmente as analisadas por

Boas e Malinowski, até concluir que estes tinham definido uma economia natural, sem moeda e

sem mercado. Mas o que identifica como economia de troca – dádiva está longe de entrar nos

quadros da economia denominada utilitária, que era a teoria económica da sua época, ou da

época dentro da qual Durkheim, Mauss, e Malinowski antes de Mauss e Boas desenvolveram

os seus trabalhos. Especificamente, Mauss chama a nossa atenção para o facto de Malinowski

analisar de forma detalhada no texto de 1922, sobre os Argonautas, a existência de trocas que

são ofertas, e ofertas ou dádivas que são comércio. De facto, Malinowski categoriza as trocas

até atribuir a classificação de intercâmbio ou comércio a várias delas[25]. A ideia para a qual

Mauss chama a nossa atenção é a da página 195, da versão castelhana: “Es fácil ver que casi

todas las categorías de regalos que yo he clasificado según principios económicos, se basan

también en relaciones sociológicas.”[26]. E é Maurice Godelier que chama a nossa atenção

para o facto de Mauss ter entrado numa espécie de enigma, ao falar que existe a obrigação de

doar, aceitar, e retribuir a mesma coisa doada, quando diz“…Avec les sociétés capitalistes

modernes nous sommes ao pôle opposé des sociétés que Mauss analyse dans son Essai sur

le don. On peut dire sens forcer que nos sociétés  sont marquées en profondeur par « une

économie et une morale de marché et de profit » et qu’à l’opposé les sociétés qui figurent

dans L’Essai sur le don  apparaissaient à Mauss comme profondément marquées par une

« économie et une morale du don » . Cela ne veut pas dire que les sociétés caractérisées par le

don ignoraient les échanges marchands, ni que les sociétés marchandes d’aujourd’hui ont

cessé de pratiquer le don. Le problème est de voir dans chaque cas quel le principe domine

l’autre dans la société et pourquoi”[27]. Como é habitual, Godelier está a analisar o

pensamento de Mauss a partir da lógica contraditória do materialismo histórico. O mesmo que

usa Mauss para analisar as sociedades denominadas primitivas ou arcaicas, que o próprio diz

ser uma Arqueologia de ideias, esta procura de uma explicação das formas de mercado, antes

de existir uma teoria ocidental da economia. E acaba por sintetizar toda a sua análise sob o

título convincente de Sociologia Económica, na qual diz directamente: “a noção de valor

funciona nestas sociedades; excedentes muito elevados, de uma maneira geral, são

acumulados; frequentemente são gastos inutilmente, com um luxo enorme e que nada tem de

mercantil; há marcas de riqueza, espécies de moedas, que são trocadas. Mas, toda esta

economia, riquíssima, está ainda impregnada de elementos religiosos: a moeda ainda tem o

seu poder mágico e ainda está ligada ao clã ou ao indivíduo….” [28].

33

Page 34: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Este argumento é o que tenho usado no meu texto referido de 2002 A economia deriva da

religião. Aliás, não sou apenas eu a ter este tipo de hipótese. Se repararmos na análise de

Marx, vamos encontrar na sua epistemologia ideias que derivam da reciprocidade. A primeira

ideia a reter em Marx, é a de racionalidade. Tudo começa, quando Marx critica David Ricardo,

na sua formulação da sua teoria do valor, na base do tempo necessário de um indivíduo para

produzir um bem, por não especificar o que fazer, depois de esse bem ter sido fabricado[29]. O

tempo é para o operário, ou para o empresário? Ricardo critica Adam Smith na sua ideia do

valor – trabalho, e Marx critica Ricardo porque, ao experimentar defender os operários, Ricardo

cria com o seu conceito de valor, uma desigualdade: o tempo que resta na fábrica é mais-valia

ou lucro puro, apropriado pelo proprietário[30]. É a noção de valor de uso e valor de câmbio:

todo o ser humano precisa de apenas poucas horas diárias de trabalho para satisfazer as suas

necessidades básicas, como comer, agasalhar-se, etc. E que as horas a mais que um ser

humano trabalha, constituem a mais-valia que lhe é retirada pelo proprietário da fábrica ou

indústria ou artesanato onde trabalha. Aliás, o capital acumulado pelos proprietários acaba por

ser uma relação social, que hierarquiza seres humanos entre os que podem mandar por terem

posses e bens, e outros que têm apenas a sua capacidade de trabalhar que é vendida aos

proprietários de bens produtivos, passando assim, a serem uma mercadoria. Conceito de

mercadoria que define para pessoas e coisas que são trocadas no mercado.

O que procurava Marcel Mauss, bem como Malinowski, era o que não é utilitário nas

transacções entre os seres humanos. E a descoberta de Malinowski, que muito fez para

distinguir entre comércio e dádiva, era que toda a reciprocidade envolvia uma dádiva de troca,

por outras palavras, de mercadoria. E mercadoria é definida como conceito por Marx, da

seguinte forma: “The wealth of those societies in which the capitalist mode of production

prevails itself as “an immense accumulation of commodities” its unit being a single

commodity”[31]. É preciso deixar ou definir de imediato o conceito de capital usado por Marx,

que, no seuFoundations of the critique of Political Economy, ou Grundisse, textoescrito ao

longo de 1864, achado em 1941 e publicado apenas em 1951, diz apenas, que “capitalism,

economic system characterized by the private ownership of property and its means of

production. Generally the capitalist, or private enterprise, system embodies the concept of

individual initiative, competition, supply and demand, and the profit motive”[32]. Nenhuma

destas características são encontradas na análise feita por Mauss ou por Malinowski, entre

povos que experimentam remediar a escassez com a dádiva ou reciprocidade. A “abundância”

dos grupos de trabalho acaba por ser a união que existe entre todos eles, que trabalham ao

longo de laços de parentesco e de hierarquia. O próprio Godelier, no texto citado, diz: “Pour

expliquer pourquoi on donne, Mauss avançait une hypothèse un peu moins “spirituelle”, et ce

qui est explicite dans ses analyses du potlatch. C’est l’hypothèse que ce qui oblige à donner

est précisément que donner oblige. Donner, c’est transférer volontairement quelque chose

qui vous appartient á quelqu’un dont on pense qu’il ne peut pas l’accepter. Le donateur peut

être un groupe, ou un individu, qui agit seul ou au nom d’un groupe. De même, le donataire

peut être un individu, ou un groupe, ou une personne qui reçoit le don au nom du groupe qu’il

représente…Donner semble instituer un double rapport entre celui qui donne et celui qui

reçoit. Un rapport de solidarité, puisque celui qui donne partage ce qu’il a, voir c’est qu’il est,

34

Page 35: O Presente, Essa Grande Mentira Social

avec celui á qu’il donne, et un rapport de supériorité, puisque celui qui reçoit le don et l’accepte

se met en dette vis-á-vis de celui qui lui a donné”[33]. Em conjunto com a citação anterior, o

tipo de sistema definidor da relação depende de se saber se a troca é de mercadoria ou de

dádiva. Dentro da mesma sociedade, pode haver os dois tipos de troca. Já assim estava

classificado por Malinowski e por Mauss, nos parágrafos citados.

Se a relação é entre uma pessoa que é proprietária dos meios de produção e outra que não

tem mais do que a sua habilidade e capacidade de trabalho, a relação para quem entrega força

de trabalho e recebe um salário é de inferioridade, não é de abundância, é de escassez. Se da

outra parte há um indivíduo que é proprietário dos bens reprodutivos, a relação é de

superioridade e de obtenção de lucro. O lucro é a mercadoria que se adquire pela capacidade

de possuir propriedade dos meios de produção e fixar as normas e leis por meios das quais

estes meios serão usados. O proprietário não oferece, não doa, arrenda ou possui a força de

trabalho e a capacidade de produção dos que não têm outro bem que a sua força de trabalho e

a da sua família. Entre os grupos denominados arcaicos, primitivos ou anteriores a nós, esses

que Guideri denomina de forma enganada, “fora da História”[34] , a relação é de solidariedade

ou dádiva enquanto não houver uma relação de interesse ou subordinação entre o doador e

quem recebe. A relação pode ser de cima para baixo, hierárquica, mas se é a maneira de

subsistir dessa hierarquia, como acontece com a circulação de bens entre os Quechua – os

antigos Inca –, ou entre os Picunche, ou entre os Baruya como Godelier analisa em duas das

suas obras, então a relação poderia ser de dádiva, como se pretende que Mauss tenha

definido. A abundância e a escassez são auxiliadas entre grupos sociais que têm apenas a

solidariedade orgânica para se defenderem, da forma que Émile Durkheim definia no seu texto

invocado de 1893, dedicado às formas de divisão social do trabalho, em que Smith se baseara

para entender a produção.

A relação de oferta e procura é uma relação mercantil ou de comércio que, às tantas, pode

estar dentro das relações de dádiva, como o próprio Malinowski explica. Há relações

empreendidas ou tratadas no Kula que passam a ser de comércio, quando se cria uma relação

de subordinação, pela qual quem recebe deve trabalhar para quem oferece. O que resulta mais

evidente quando as sociedades usam a moeda, o papel-moeda e o crédito, para as suas

relações de interacção. A moeda acaba por ser uma mercadoria, da forma que Marx define nas

obras citadas. Mercadoria que começa quando as relações sociais mudam da pessoa para as

entidades que emitem mercadoria moeda. O trabalho é aí uma relação de uso para o operário,

enquanto é de troca dentro do mercado que procura trabalho.

Era possível pensar que os grupos arcaicos ou primitivos estão a dar mais-valia aos grupos

que colonizaram as suas terras. Mas, aí, é preciso distinguir entre a relação do grupo dominado

com o dominador, e a relação dentro de cada um de esses grupos. Dádiva e exploração podem

acontecer ao mesmo tempo, entre indivíduos não autónomos e proprietários autónomos. O que

faz a autonomia de um ser humano é a posse ou desaparição do seu produto. O que

caracteriza uma relação de escassez é a alienação do produto, esse conceito cunhado por

Feurebach[35] em 1841 e que Marx e outros autores viriam a usar mais tarde, ao definirem a

relação entre o produtor e a sua obra. A História mostra que o ser humano, em grupo ou

individualmente, é capaz de produzir um bem, seja para consumo próprio ou para a troca,

35

Page 36: O Presente, Essa Grande Mentira Social

decidida conforme as formas do costume dentro do seu povo ou a sua cultura. A alienação do

produto acontece de duas maneiras: o produtor não apenas fica sem a obra feita ou sem saber

o seu destino, bem como a remuneração do trabalho é mais baixa do que o preço que a sua

obra adquire, como bem, no mercado. Aliás, o produtor perde a habilidade de entender as

relações de mercado, de oferta e procura, bem como a de organizar um sistema produtivo, do

qual ele é apenas uma parte.

Diferente é o que acontece entre as relações de dádiva. A divisão do trabalho é organizada na

base da hierarquia, da estrutura de clã, do parentesco e das trocas efectivadas entre grupos

que recebem pessoas e bens e grupos que doam pessoas e bens. Para entender as formas de

troca – dádiva ou mercadorias –, é preciso conhecer as linhas orientadoras do grupo. Não é em

vão que Durkheim distingue entre solidariedade orgânica e mecânica. A primeira, ajusta-se ao

direito normalmente definido nos grupos do capital, pela parte que domina, enquanto que a

segunda, consiste apenas nas relações de parentesco e chefia, incrustadas nos mitos e ritos,

que definem a dádiva, a escassez, a abundância e a reciprocidade para ultrapassar os

momentos históricos de déficit alimentar, de produção e de reprodução. É o que

Bourdieu[36]denomina o habitus, essas relações de dádiva, ou de salários, capital social, que

começa na literacia.

 

 

3. Reciprocidade Comercial.

 

A análise da troca-dádiva, quando tentamos entender o conceito de reciprocidade na base das

etnografias usadas pelo autor, não passa de uma desculpa para entender e dar a entender que

não há reciprocidade gratuita na sua sociedade. Não é em vão que Mauss afirma que o Estado

Francês não premeia nem recompensa, de forma igualitária, os trabalhadores. Nem é em vão

que define toda uma Sociologia Económica, uma análise do real na base das relações de

mercadoria. Essas que, conforme o próprio Durkheim diz[37], classificam e hierarquizam os

seres humanos entre operários, iguais entre eles, e proprietários, hierarquicamente por cima do

operariado. Um facto que é base da teoria de Merton[38] e Parsons[39], autores que continuam

a Sociologia Económica de Marcel Mauss, Maurice Halbawchs, Paul Lapie e outros membros

da equipa de Durkheim de L’Année Sociologique.

O problema de a reciprocidade ser um conceito que refere formas contratuais de circulação de

bens equivalentes, fica para mim, esclarecido. Mas o assunto que queria tratar, é o de termos

usado a reciprocidade como conceito que tudo encobre e nada explica. Temos utilizado o

conceito como norma, como acção e como definidor de acções. Usamos reciprocidade cada

vez que falamos de ajuda mútua ou troca de trabalho. Foi na minha própria pesquisa da Galiza

nos anos 60,70 e 90 do Século XX, que referi o conceito como forma gratuita. Não tinha

reparado que esta troca de ajuda familiar é uma forma de economia que substitui os

investimentos de capital. Ou, por outro lado, que a força de trabalho investida, é o capital que

usa o ser humano que não tem ou não possui a parte essencial do capital: moeda para investir

e criar mais moeda, a fórmula usada por Marx nos seus textos de Surplus Value ou Mais-Valia,

já referidos e que serão objecto de análise no capítulo seguinte. A mais-valia do pobre, como

36

Page 37: O Presente, Essa Grande Mentira Social

referi no meu texto de 1988[40], é a maximização dos seus recursos. A ideia não é minha,

deriva da análise de Marx e os seus conceitos de valor de uso e valor do câmbio[41], donde a

produção de valores de uso, é subordinada à produção de valores de câmbio. Esta ideia é

fundamental para entender a movimentação da produção e para entender que a reciprocidade

é um conceito económico da Sociologia, transferido para a Antropologia e usado para entender

grupos sociais de outras culturas. Outras culturas, ou Outros como nós denominamos, que

trabalham, produzem e reproduzem de forma diferente da nossa forma de fazer economia. Ou,

pelo menos, isso é o que parece. Mas, esse tipo de análise leva a esquecer o que eu tinha já

advertido na Galiza: a única forma de responder ao mercado do capital, é o uso de formas,

ditas antigas, primitivas ou arcaicas, pelos autores usados neste e em outros textos. O capital é

uma relação social que arrebita e mantém vivas, as maneiras mais “saloias” ou, como diriam os

Galegos, mais “enxebres”, mais castizas, mais costumeiras, de trabalhar. É verdade o que diz

Karl Polanyi[42]: “los dos últimos siglos han producido en Europa Occidental y Norte América,

una organización del modo de vida humano a la que resultaron especialmente aplicables las

reglas de optar. Esta forma de economía consistió en un sistema de mercados creadores de

precios. Como los actos de intercambio, tal como se practican bajo un sistema de estas

características, implican a los participantes en opciones inducidas por una insuficiencia de

medios, el sistema productivo pudo ser reducido a un modelo que se prestó a la aplicación de

métodos basados en el significado formal de lo económico”[43]. Por outras palavras, a

aplicação das formas teóricas da Economia Política, tal e qual Durkheim tinha já alertado, eram

uma necessidade para entender a produção entre grupos sociais que, aparentemente, estavam

a realizar actividades muito distantes da denominada teoria económica. Se é bem verdade que

Durkheim constrói um argumento contra o Homo Economicus, montado por Adam Smith e John

Stuart Mill, na verdade, é esse o saber que funciona, ainda que não se conheça nem o ponto

do i. O Homo Economicus criou, na Antropologia, toda uma teoria alternativa que procurou a

economia dentro das instituições ou teoria substantiva da economia, à qual aderiram muitos

autores, entre os quais o próprio Malinowski que, sem dar por isso, criou a teoria formal, dentro

da qual não tinha cabimento a análise do parentesco e da vizinhança. Este é o motivo que o

levou a mudar para a Psicologia. Marcel Mauss soube reconhecer, embora não tenha sido

explícito na sua formulação da Sociologia Económica, que a troca-dádiva era apenas defesa

face à falta de meios para optar. Porque a teoria económica ocidental, tem por fundamento a

ideia de todos saberem preços, valores das mercadorias, montante dos investimentos,

quantidade de lucro a obter pela aplicação de uma importância que, normalmente, um

assalariado não imagina. Do que se trata, normalmente, é de assegurar que ninguém saiba

teoria económica, para evitar a concorrência que possa prejudicar um investidor que organiza a

sua empresa para lucrar.

A teoria à qual Durkheim aderiu e que tinha sido elaborada por Karl Marx, era: “A chacun selon

ses oeuvres” ou “A chacun selon son mérite”[44]. A procura de igualdade estava na base do

conceito de troca-dádiva, bem como no de solidariedade, especificamente na mecânica. Mas a

História tem provado a falácia filosófica do conceito ou das frases. Porque a obra procurada, é

a capacidade de optar entre bens mais baratos para investir e vender mais caro os produtos

requeridos. Esta ideia de Adam Smith, Bentham, Mill e outros liberais, tem levado ao engano

37

Page 38: O Presente, Essa Grande Mentira Social

todos os teóricos da ideia substantiva da Economia. Não é em vão que Edmund Leach escreve

em desafio aos estudantes do primeiro ano do curso de Antropologia de Cambridge, para

descobrirem, se puderem, quem não é racionalista e é orientado pelas suas emoções no seu

comportamento económico[45]. A ideia de optar, uma realidade no mundo dentro do qual

vivemos, acaba por ser um factor real na vida social. E, ainda que Durkheim, no seu Le suicide.

Etude sociologique[46]não consiga ver que o suicídio anômico tem por causa a falta de meios e

ideias para optar, a opção ou falta dela, faz do indivíduo um pária do seu grupo social, ou um

incompetente, ou “excluído”, o conceito de hoje.

Eu próprio, no meu regresso à Galiza em 1997, tive a infelicidade de constatar, não apenas a

falta de colaboração ou entre – ajuda familiar, bem como a morte de seis adultos e dois jovens,

os filhos de dois suicidas, que morreram por não saber o que fazer perante as mudanças que o

Governo da União Europeia tinha introduzido no seu país: de valores de uso, passou-se

rapidamente a organizar valores de troca[47].

Aliás, a maior parte dos economistas, dos sociólogos ou dos antropólogos, têm-se virado para

a teoria formal da economia, especialmente por causa da teoria da globalização, na qual todos

os Outros parecem andar envolvidos. O próprio Raymond Firth, que em 1929 fez uma tese de

Antropologia Económica[48], baseada nas ideias de Karl Marx, muda de análise para os

símbolos e para a teoria formal, nas obras a seguir. Marcel Mauss descobriu que a dádiva era

comercial e organizou a Sociologia Económica. Durkheim, esse, ficou apenas lembrado pelas

suas ideias de solidariedade.

[1] Marx, Karl, 1862 e 1863, Theories of surplus value, já citadas nota 101; Hales, John (1549) 1987: A discourse of the common weal of this realm of England, Universidade de Dijon. Website nota 33; More, Sir Thomas, (1516) 1985: De optimo reipublicae statu deque nova isula Utopia, Bâle, Antwerp, edição portuguesa de Guimarães Editora, Lisboa, e outros. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=+Thomas+More++Utopia&btnG=Pesquisar&meta=[2] Marx tinha elaborado o conceito nos seus escritos filosóficos de 1848, especialmente em Alienated labour, conceito retirado da obra de Ludwig Feuerbach, A essência do cristianismo, (1841) 1994, Gulbenkian, Lisboa; e no Capital, Vol. I, 1862. Ver versão Inglesa de ambos os textos, Oxford University Press. Website para Feuerbach, nota 51; para Marx, com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+Alienated+Labour&btnG=Pesquisar&meta=[3] Durkheim, Émile, 1925: Le socialisme, PUF, Paris, bem como no seu texto de 1893 – ver nota106 – e nos seus comentários à obra de Marx naRevue Philosophique de Dezembro de 1897, Paris, já citados no capítulo I deste texto, nota 26. Bem como Durkheim Émile, 1885 : “Propriété Sociale et démocratie” in Revue Philosophique, XIX, Paris : Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ classiques/Durkheim_emile/durkheim.html -  1893 : “Sur la définition  du socialisme” in Revue Philosophique, XXXVI, Paris.Website com texto : www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_2_07/definition_socialisme.html ;  (1888) 1928:Le Socialisme, PUF, Paris. Website com texto nota 26 ; Mauss, Marcel, 1923-24: “L’essai sur le don. Formes et raison de l’echange dans les societées archaïques”, Année Sociologique, Nouvelle Série, Vol. I. Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/mauss_marcel/ socio_et_anthropo/2_essai_sur_le_don/essai_sur_le_don.html[4]Durkheim, Émile, textos citados na nota anterior.[5] Durkheim, Émile, 1893 : De la division du travail social, Félix Alcan, Paris. Há versão portuguesa da Editora Presença, 1977. Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/ Durkheim_emile/division_du_travail/division_travail.html[6] Mauss, Marcel, 1956, L’essai sur le don, Payot, Paris. Há versão portuguesa de 1988 e 2002, Edições 70, Lisboa. Website, título completo e texto: nota 27, Capítulo 1 de este texto.[7] Durkheim Émile, 1908: Bulletin de la société d’économie politique, Paris. Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/ Durkheim_emile/textes_1/textes_1_10/ec_pol_socio.html[8] Durkheim, Émile, texto citado, reproduzido em 1975: Textes, apresentados por Victor Karadi, Vol. I, páginas 218 e seguintes, Editions de Minuit, Paris. A ideia entre[   ], é minha, para enlaçar a frase e a ideia.

38

Page 39: O Presente, Essa Grande Mentira Social

[9] Durkheim, Émile, 1906 a: Livre entretiennes, 2é séries, Ier Entretienne, Paris, Bureaux, Des livres entretiens. Website com textos :http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim++Des+livres+entretiens+&spell=1[10] Durkheim, Émile, texto citado, reproduzido em 1970: La science sociale et l’action, PUF, Paris, páginas 282 a 292. Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ classiques/Durkheim_emile/durkheim.html[11] Durkheim, Émile, (1895) 1975: Textes, Vol. I, páginas 73 e seguintes, reprodução do comentário da Revista Italiana La riforma sociale, 2, vol. 3. Website com textos, para pesquisa e debate:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+Textes+La+riforma+social&btnG=Pesquisar&meta=[12] Durkheim, Émile, (1888) 1928: Le Socialisme, PUF, Paris, páginas 87 e seguintes. A obra começou a ser escrita esse ano, acabou por ser um curso sobre Socialismo de 1886-87 na Faculdade de Letra da Universidade de Bordeaux, e editada por Mauss na data indicada.Website nota 26, Capítulo 1.[13] Hegel, Friedrich, (1821) 1964 : Princípios da Filosofia do Direito, Guimarães, Lisboa, e a obra póstuma de 1837, publicada em Portugal 1989: Enciclopédia das ciências filosóficas em epítome, Edições 70, Lisboa. Website para debate: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Friedrich+Hegel++Princ%C3%ADpios+da+Filosofia+do+Direito&btnG=Pesquisar&meta=[14] Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas, já referida, páginas 82 e seguintes do primeiro volume da edição portuguesa. Website para debate: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Friedrich+Hegel++Enciclop%C3%A9dia+das+ci%C3%AAncias+filos%C3%B3ficas&btnG=Pesquisar&meta=[15] Marx, Karl, (1843) 1977: Critique o Hegel’s Philosophy of Right”,Clarendon, Oxford, páginas 26 e seguintes. Website com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=+Karl+Marx+Critique+o+Hegel%27s+Philosophy+of+Right&spell=1[16] Saint-Simon, Henry de, (1808) 1981 : Sobre a ciência do homem ; e (1823) 1981: O catecismo dos industriais, Edições 70, 1981, Rio de Janeiro. Websites com texto: para o primeiro, http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Henry+de+Saint-Simon+Sobre+a+ci%C3%AAncia+do+homem+&btnG=Pesquisar&meta=; o segundo http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Henry+de+Saint-Simon++O+catecismo+dos+industriais&btnG=Pesquisar&meta=[17] Durkheim, Émile, 1928: Le socialisme, PUF, Paris. Website nota 26 do Capítulo 1.[18] Durkheim, obra citada, página 36 e 37 do original. A seguir, é tudo análise da Saint-Simon e defessa do socialismo, embora Mauss comente que Durkheim não estava tão calmo quanto a luta de classes (Página 28 do texto citado). Website nota 26, Capítulo 1.[19] Marx, Karl, (1848) 1977: Communist Manifesto, Clarendon, páginas 22 e seguintes. Website nota 25, Capítulo 1.[20] Mauss, Marcel, 1924.25: “Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques” in L’Année Sociologique, Nouvelle Série, Félix Alcan, Vol. I, Paris. Há versão portuguesa de 1988 e 2002, Edições 70, Lisboa. Website com texto, nota 27, Capítulo 1[21] Mauss, página 53 da obra referida, versão portuguesa de 1988. Website nota 27.[22] Mauss, obra citada, página 53. Website nota anterior.[23] Mauss, mesma obra, mesma página. Website referido nota anterior e seguinte.[24] Mauss, mesma obra, mesma página.[25] Malinowski, Bronislaw, 1922: The Argonauts of Western Pacific, Routledge and Kegan, Londres, versão castelhana de Península, 1973, Barcelona. Website nota 61, Capítulo 1.[26] Malinowski, obra citada, página 195 e seguintes. Website nota anterior.[27] Godelier, Maurice, 1996: L’énigme du don, Fayard, Paris, página 24 e seguintes. Website nota134, Capítulo 1.[28] Mauss, obra citada, páginas 192 e seguintes da versão portuguesa de 1988. Ver nota 217 mais em frente.[29] Ricardo, David, (1817) 1983:Princípios de economia política e de tributação, Gulbenkian, Lisboa. Website 227.[30] Marx, Karl, (1862 e 1863) 1977: Theories of surplus value, Oxford University Press. Website nota 51.[31] Marx, Karl, (1867) 1977: Capital, página 421 da versão inglesa de MacLellan, Oxford University Press, suporte de papel. Website para todos os volumes, com texto, nota 49, Capítulo 1.[32] Retirado in passim dos textos de Marx Grundrisse e Capital. Websites nota 35 para o primeiro, como a nota anterior para o segundo.[33] Godelier, obra citada, páginas 20 e seguintes. O argumento é em debate com Lèvi-Strauss. Website nota 134.[34] Guideri, Remo, 1984: L’abondance de pauvres, Seuil, Paris, páginas 129 e seguintes. Website nota 64, Capítulo 1.[35] Feuerbach, Ludwig, (1841) 1994: A essência do cristianismo, Gulbenkian. Website nota 51.[36] Bourdieu, Pierre, 1970: La reproduction, Minuit, Paris. Website para debate e notas: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Pierre+Bourdieu+La+Reproduction&btnG=Pesquisar&meta=; e 1989 : La noblesse d´Etat, Minuit, Paris. Website: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Pierre+Bourdieu+La+Noblesse+d%27Etat&btnG=Pesquisar&meta=

39

Page 40: O Presente, Essa Grande Mentira Social

[37] Durkheim, Émile, 1900: “La sociologia e il suo dominio scientifico”, inRivista italiana di sociologia, 4, pgs. 127-148, reimpresso em Textes, “Genèse d’une théorie sociale”, Minuit, 1975, pgs. 11 à 37. Websites com vários textos: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+Gen%C3%A8se+d%E2%80%99une+th%C3%A9orie+sociale&btnG=Pesquisar&meta= Também no texto póstumo: L’éducation morale, 1925, Alcan, Paris. Website nota 43.[38] Merton, Robert, 1957: Social theory and social structure, Free Press, Glencoe. Website com textos: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Robert+Merton+Social+theory+and+social+structure&btnG=Pesquisar&meta=[39] Parsons, Talcott: 1952: The social system, Tavistock, Londres. Website com textos: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Talcott+Parsons+The+social+system&btnG=Pesquisar&meta=[40] Iturra, Raúl, 1988: Antropologia Económica de la Galicia Rural, Xunta de Galiza, Compostela. Website nota 45.[41] Iturra, Raúl, obra citada, páginas 62 e seguintes. Website nota 45.[42] Polanyi, Karl, 1957: “The economy as an instituted process”, in Polanyi, Arensberg e Pearson (orgs) Trade and market in the early empires, the Free Pres, Nova Iorque:  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Polanyi+The+economy+as+an+instituted+process&btnG=Pesquisar&meta= .; ou Ponlanyi, Karl, nota 60.1944: The Great transformation, the political and economic origins of our times, Beacon Press, EUA. Website[43] Polanyi, Karl, 1957, a minha tradução.[44] Marx, Karl, 1848: Communist Manifesto, já citado, -website com texto: nota 25-, e referido no Vol. I do Capital, -website com textos: nota 49-,também citado. Durkheim escolheu este texto para debater«Contribution à la discussion de «La notion d’égalité sociale» no Bulletin de la société française de philosophie, 1910, reimpresso em 1975, Textes, Vol. II, Minuit, Paris. Website com textos: www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ classiques/Durkheim_emile/durkheim.html[45] Leach, Sir Edmund, 1976: Culture and communication, C.U.P, Grã-bretanha. Há versão portuguesa, Edições 70, Lisboa. Website da versão inglesa: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Edmund+Leach+Culture+and+Communication&btnG=Pesquisar&meta=[46] Durkheim, Émile, 1897: Le suicide, Félix Alcan, Paris. Há versão portuguesa, Editorial Presença, 1982. Website com texto: www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/ classiques/Durkheim_emile/suicide/suicide.html[47] Iturra, Raúl, 1998: Como era quando não era o que sou. O crescimento das crianças,  Profedições, Porto. Website com vários textos:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Ra%C3%BAl+Iturra.+Como+era+quando+n%C3%A3o+era+o+que+sou.+O+crescimento+das+crian%C3%A7as&btnG=Pesquisar&meta=[48] Firth, Sir Raymond, 1928: The New Zealand Maori, George Routledge & Son, Londres. Website:   http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Raymond+Firth+The+New+Zealand+Maori&btnG=Pesquisar&meta=

Capítulo Terceiro

A Mais-Valia

Para se manter dentro da História, todo ser humano precisa de consumir bens, sejam estes de

agasalho, de abrigo, ou de alimentação. Para poder consumir, é necessário produzir esses

bens de diversa qualidade e em diversas quantidades. Todo o ser humano sabe,

especialmente os economistas ou os cientistas sociais.

Este consumo é de bens produzidos pela própria pessoa, ou por outros, por causa do tempo

necessário para investir na sua produção, apuramento, colheita e distribuição. A consequência

é simples: todo ser humano precisa de viver em interacção e ter meios para adquirir os bens

que consome e não produz, bem como de uma entrada, em moeda, para adquirir os que outros

fazem e ele precisa. Normalmente, nas sociedades industriais, é o operariado que se habilita a

esta produção, usando meios que não são da sua propriedade ou não inventados por si.

Porque a produção não é apenas de bens materiais, é também de ideias que orientem essa

40

Page 41: O Presente, Essa Grande Mentira Social

produção ou processo educativo, quer entre iguais, quer em instituições. Esta aprendizagem,

prévia à produção, é organizada pelos Estados que decidem o que é preciso saber para se ter

uma população dentro da distribuição social do trabalho. A produção começa com a

alimentação da criança, continua pela sua formação, e passa pela sua habilitação para

determinados trabalhos. Estes trabalhos são remunerados conforme as horas aplicadas à

transformação da natureza em ideias e em bens económicos. Normalmente, os bens têm um

tempo de trabalho necessário para a sua produção, mas o produtor trabalha mais horas do que

as necessárias para criar bens em quantidade necessária para satisfazer as necessidades de

consumo de uma população, e devolver o capital adiantado pelo proprietário dos instrumentos

de trabalhos, ou das patentes das invenções de ideias para produzir melhor, de forma mais

competente e em concorrência com outros produtores. Da mesma linha, ou de linhas diferentes

de fabrico de bens para o consumo, mas que usam o mesmo mercado para colocar os seus

produtos. Essas horas a mais são a mais-valia de que se fala. Os que não trabalham nesta

linha vivem da mais-valia produzida pelos produtores, ou mão-de-obra, de uma Nação, País,

União de Países, ou grupo social que partilha o mesmo espaço geográfico e a mesma cultura,

o que é dizer, a mesma necessidade de consumo. É desta mais-valia que vive toda a

população e que dá lucros ao possuidor, por Lei, das técnicas de fabrico de recursos para se

estar dentro da História.

É destas ideias que tratam os autores centrais para este capítulo: Karl Marx, que define o

conceito de mais-valia, enquanto critica os economistas da sua época, especialmente Adam

Smith e François Quesnay; o problema é que o conceito não se define apenas num texto. Ele é

o resultado de um longo argumento sobre o valor do trabalho, que define como o tempo gasto

no fabrico de um bem por um indivíduo, ou a qualificação para ensinar, ou, ainda, o tempo

investido e a energia gasta ou valor denominado abstracto.[1] A ideia de associar a teoria do

valor e a mais-valia retirada, começa cedo no pensamento do autor. Especialmente associada

à alienação do produto do trabalho por lhe ser retirada a confecção do bem, recebendo, em

troca, um salário inferior à quantidade de bens que prepara[2]. De facto, as definições dos

escritos económicos e filosóficos são mais tarde usados nos textos indicados em nota de

rodapé: Contribuição à Crítica da Economia Política ou Grundisse, e no Vol 1 do Capital.

Os conceitos de valor e de alienação são centrais para entender o contributo de Marcel Mauss

que, baseado nas teorias de Karl Marx, analisa como esta produção acontece em sítios onde

não há Direito escrito, e em sítios onde o Direito é parte da sabedoria de vários. Especialmente

a análise feita nos ensaios de Rubin, que distingue entre valor concreto e valor abstracto ou

uma forma de retirar mais valia quer da fisiologia, quer da ingenuidade do productor: “when

Marx ascertained that changes in the magnitude of value of commodities depended on changes

in the quantity of labor expended on their production, he did not have in mind the individual

labour which was factually expended by a given producer on the production of the given

commodity, but on the average quantity of labour necessary for the production of the given

product, at a given level of development of productive forces. The labour-time socially

necessary is that required to produce an article under the normal conditions of production, and

with the average degree of skill and intensity prevalent at the time. The introduction of power-

looms into England probably reduced by one-half the labor required to weave a given quantity of

41

Page 42: O Presente, Essa Grande Mentira Social

yarn into cloth. The hand-loom weavers, as a matter of fact, continued to require the same time

as before; but for all that, the product of one hour of their labor represented after the change

only half an hour’s social labor, and consequently fell to one-half its former value” (C, I, p. 39).

Com esta citação, Marx experimenta pôr fim às especulações sobre como se vivia dentro da

sociedade do Capital, ou como esta estava definida pela relação central do capital, conceito

que define uma hierarquia entre os seres humanos, entre proprietários e não proprietários de

meios de produção, ou receptores de salários e receptores de lucro. Essa relação é

desmontada pelo autor com todo o cuidado, especialmente no seu manuscrito de 1861 e 1863,

denominado Teorias da Mais-Valia orTheories of Surplus-Value, editado por Karl Kautsky em

1905, e retirado dos apontamentos redigidos enquanto escrevia o Capital (também denominado

como IV Volume do Capital ou Contribuição à Crítica da Economia Política[3]). Com a sua

linguagem irónica de sábio que está certo do que diz, analisa a pente fino todas as teorias

definidas sobre a Mais-Valia, análise para que remeto o leitor por lá se encontrar já a História

do conceito organizada e muito bem-feita. O que interessa é saber o que é o valor e as suas

diversas confusões com lucro, salário, capital variável, renda e outros conceitos que apenas um

economista pode distinguir. A primeira ideia que é publicamente analisada por Marx é a de

mercadoria, que define no seu texto de 1859[4] – mas já referida no seu texto de 1844[5]:

“Wages are determined through the antagonistic struggle between capitalist and worker. Victory

goes necessarily to the capitalist. The capitalist can live longer without the worker than can the

worker without the capitalist. Combination among the capitalists is customary and effective;

workers’ combination is prohibited and painful in its consequences for them. Besides, the

landowner and the capitalist can make use of industrial advantages to augment their revenues;

the worker has neither rent nor interest on capital to supplement his industrial income. Hence

the intensity of the competition among the workers. Thus only for the workers is the separation

of capital, landed property, and labour an inevitable, essential and detrimental separation.

Capital and landed property need not remain fixed in this abstraction, as must the labour of the

workers.[6]

Falta dizer que esta primeira preocupação e observação de Marx, que escrevia no seu

jornal Rheinische Zeitung, em Bruxelas, deixaram em fúria o Imperador da Prússia e levou-o ao

exílio em Paris. Aqui conhece Friedrich Engels e os Bauvessianos, com os quais redige

o Manifesto da Liga dos Comunistas, denominado depois Manifesto Comunista[7], texto no qual

já refere qual o valor dos que não têm capital: essa mercadoria denominada força de trabalho,

quer do Pater Famílias, quer da sua proleou proletariado. Esta ideia percorre todo o Manifesto

e define na Parte 1, o sistema de classes sociais divididas pela propriedade de bens, ou da sua

força de trabalho, que Marx, em inglês, denomina labour-power. Ideias desenvolvidas no

texto Private Property and Communism, dos seus escritos de 1844[8]. No conjunto destes

textos, Marx denomina a força de trabalho mercadoria necessariamente transacionável no

mercado. Esta mercadoria é definida a partir de conceitos económicos que Marx dominava, o

que o levou a definir a noção de valor, explicando, no texto referido, como um trabalhador não

consegue viver sem um proprietário de dinheiro ou recursos que representem moeda como a

renda da terra, ou os juros que rende o capital possuído pelos burgueses, reinvestidos em

fábricas e indústrias oferecem benefícios económicos. Capital fixo ou investimento em bens

42

Page 43: O Presente, Essa Grande Mentira Social

industriais, manufacturas e posse de bens que o proprietário pode ou não usar, ou capital

variável ou operariado que pode ser dispensado do trabalho ou ver aumentado o seu salário,

ou, simplesmente, ficar sem salário, porque o investidor decide fechar esse ramo do seu

negócio, ou toda a operação. Problemática económica do produtor, que ele não consegue

controlar se não for detentor do poder político que até lhe permite provocar entre os

trabalhadores uma luta competitiva e eventualmente fraticida, porque quem pede menos é

quem é contratado, e quem solicita mais salário corre o risco de não ter trabalho. No entanto,

nos seus manuscritos de 1861-63, como no primeiro Volume do Capital, Marx refere que, na

determinação do valor do fabrico de bens, a capacidade específica de um tipo de trabalho

acaba por ser um prémio para quem a possui, sendo contratado ou alugado como mercadoria

especializada[9]. Quanto à medida do valor, ela está na circulação de mercadorias que tenham

valor de uso, é dizer, que sejam procuradas pelo mercado para o seu consumo: “1. Measure of

value –The first phase of circulation is, as it were, a theoretical phase preparatory to real

circulation. Commodities, which exist as use-values, must first of all assume a form in which

they appear to one another nominally as exchange-values, as definite quantities of

materialised universal labour-time. The first necessary move in this process is, as we have

seen, that the commodities set apart a specific commodity, say, gold, which becomes the direct

reification of universal labour-time or the universal equivalent”[10].

E refere uma unidade de comparação para entendermos o trabalho como mercadoria: o ouro, é

dizer, uma mercadoria com valor de uso, como é o trabalho, que tem em si um valor de troca

ou intercâmbio, que reifica a consideração do valor da força de trabalho. É por meio do valor de

troca, que a força de trabalho é definida e acordado um salário. Eis porque, nos manuscritos,

Marx acrescenta: “The demand for men necessarily governs the production of men, as of every

other commodity. Should supply greatly exceed demand, a section of the workers sinks into

beggary or starvation? The worker’s existence is thus brought under the same condition as the

existence of every other commodity. The worker has become a commodity, and it is a bit of luck

for him if he can find a buyer. And the demand, on which the life of the worker depends,

depends on the whim of the rich and the capitalists. Should supply exceed demand, then one of

the constituent parts of the price — profit, rent or wages — is paid below its rate, [a part of

these] factors is therefore withdrawn from this application, and thus the market price gravitates

[towards the] natural price as the centre-point.” [11]

Não é um exagero o que Karl Marx diz no texto. De facto, a História comprova que, na medida

de que a indústria cresce, a procura de seres humanos diminui e a própria população toma

medidas para controlar o seu crescimento. Na conjuntura histórica de Marx, quanto mais prole

havia, mais fácil o desenvolvimento do trabalho. O dinheiro ganho era trazido para casa e

poupado para os gastos de todos. Esta é também a razão dos raros e tardios casamentos. As

pessoas deviam antes aprender um ofício ou ter uma habilitação, para poder tratar de si e da

prole que nasceria. A mão-de-obra é a resposta à procura que faz o proprietário dos meios de

produção, para satisfazer as necessidades que o seu capital requer, é dizer, a capacidade de

criar um bem que tenha valor de uso – que seja passível de ser consumido – como valor de

câmbio ou de troca, ou, como tenho referido, de intercâmbio. A diferença entre estes três

conceitos está estabelecida no meu texto de 2002[12]. No entanto, é preciso insistir nos

43

Page 44: O Presente, Essa Grande Mentira Social

conceitos usados por Marx. O primeiro, é o de valor de uso, é dizer, um bem que tem valor pela

sua capacidade de satisfazer uma necessidade. Valor de uso, que, pela sua vez, tem várias

acepções, por serem as necessidades humanas de diversas magnitudes e de diferente tipo de

procura.

No seu Volume I do Capital, diz Marx: “The wealth of those societies in which the capitalist

mode of production prevails [domina, prevalece, minha tradução] presents itself an inmense

accumulation of commodities, its unit being a single commodity”[13].

 Começa logo pela definição de mercadoria como um objecto externo a nós, uma coisa que,

pelas suas qualidades, satisfaz as necessidades humanas de qualquer espécie[14]. Ao falar de

mercadorias, o autor está particularmente preocupado com as propriedades físicas do objecto,

que associa logo ao conceito de valor de uso. Mas, acrescenta a seguir que quem cria bens

com o seu próprio trabalho para satisfazer as suas necesidades, cria um valor de uso, mas não

necessariamente uma mercadoria. Para que o bem criado seja mercadoria, é necessário que

tenha valor de troca, de câmbio ou de intercâmbio, é dizer, um valor de uso que seja social,

que seja útil também para outros ou valor de uso social. As mercadorias têm, pois um duplo

significado: bem natural e bem de valor[15] Ora bem, poder-se-ia perguntar o leitor, porquê tanta

preocupação em definir mercadoria e o seu uso? É simples: a definição do ser humano nas

sociedades de capital passa pela sua habilidade de criar bens e de interagir com eles no

mercado. Não se é pessoa se não se produz e se a produção do bem não é socialmente útil.

Pessoalmente, vivo no delírio e constante interrogação de ser a minha profissão de

Antropólogo de utilidade social e sobre qual é essa utilidade. Explicar um outro aos eus,

desenhar o contexto dentro do qual vivem? Para quê, se não consigo fazer desses seres

humanos pessoas mais felizes e mais inseridos no seu grupo social, que acontece estarem a

viver uma conjuntura histórica pouco airosa para a maior parte, aqueles que vivem de

ordenados ou wages, como referia Marx, especialmente nos seus escritos filosóficos de 1844,

1848 e 1861 a 63. Quer Marx, quer eu, quer outros, sabemos não sermos deuses, nem

omnipotentes para podermos mudar as formas de vida das pessoas. Tentamos, pelo menos,

entender esse contexto para explicar e abrir as cabeças a um real que aparece contrário à

maioria. É isto que é valor, a criação de comportamentos ou o uso dos mesmos, para a

solidariedade social, sem espera de recompensa. Mas, Marx era muito realista e sabia que

havia, desde a Revolução francessa, como refere no Manifesto Comunista, pessoas que se

tinham apoderado dos bens dos outros e do poder da classe derrotada na Revolução, a classe

estéril como ele denomina. É destes factos – Marx não trabalhava sem argumentos, sem dados

– que retira a sua ideia de mais-valia ou, como se diz em inglês e as vezes usamos em

português, surplus, conceito diferente de lucro. Como definido no Capital e na Crítica à

Economia Política, lucro é o “wage of capital” ou o salário do capital, enquanto que mais-valia é

o salário do capital adiantado para o investimento ou financiamento de um empreendimento

para produzir[16], para continuar com as operações de produção e oferecer trabalho aos não

proprietários: “The capitalist system is so complex and has so many aspects to it that to try to

develop an explanation…is near impossible. So, to simplyfie, everyday each worker goês to

work and produces 200 widgets. Every day the workers get a daily pay packet containihg

enough money to purchase one widget. The workers much spend their pay because they have

44

Page 45: O Presente, Essa Grande Mentira Social

no excess to save, so they buy their widget and their family consumes this single widget, living

day-to-day in simple poverty. Every day there is a surplus of widgest left over, 100 to be exact,

that accrusse to the boss as his “profit”, his surplus – value”[17].

 O exemplo é do tempo de Dickens, mas simplifica a explicação que em Marx é complexa.

Muito embora defina Valor de várias formas, a primeira, retirada do “Prefácio” ao seu texto de

1859, A Contribuição à Crítica da Economia Política, diz: “….na Economia Política os salários

aparecem como a parte proporcional do produto resultado do trabalho. Os salários e lucros do

capital aparecem como uma amigável, mutuamente favorável, a mais razoável e humana

aparência da relação social resultante de fazer um bem em conjunto….mais tarde aparece

como uma relação hostil, por causa da proporção inversa da participação nas vendas do

produto para cada parte…o valor é determinado ao começo pelo custo de produção e a

utilidade social do produto…para passar a ser o valor o resultado das pressões do mercado às

quais o capitalista obedece e o trabalhador deve aceitar.”[18] O Valor tem a ver com a alienação

das mercadorias ou a retirada das mesmas das mãos do operário e com o não pagamento

proporcional das horas investidas na produção de tanto bem social que o mercado procura e

que o investidor sabe calcular. Esta é a luta de Marx e Engels, Kautsky e Babeuf, Bachounin e

Lenin, um valor que seja resultado do tempo retirado ao trabalhador e não remunerado, para

fabricar mais bens do que os necessários para ele, mas procurados pelo investidor para

acumular moeda – Acumulação Capitalista -, outra definição de valor que Marx analisa no

Capital, parte II do Volume I, Capítulo 17.

É o que leva Isaak Rubin a dizer:’’The magnitude of socially necessary labor-time is determined

by the level of development of productive forces, which is understood in a broad sense as the

totality of material and human factors of production. Socially-necessary labour-time changes in

relation not only to changes in the “conditions of production,” i.e., of material-technical and

organizational factors, but also in relation to changes in the labour force, in the “ability and

intensity of labour.”[19]

Esta análise de Rubin parece o melhor esclarecimento do elo da análise de Marx e dos seus

discípulos. A sua preocupação estava centrada na explicação das formas de trabalho do

Século XVIII em frente, ao operariado e à burguesia. Estas, tinham mudado de tal maneira, que

já não existiam pessoas para trabalhar a terra, o campesinato tinha acabado, o

desenvolvimento da indústria tinha retirado pessoas da produção rural. De facto, a burguesia

alugava mão-de-obra para trabalhar primeiro nos seus teares, e depois nas máquinas, de tal

forma que não havia outro trabalho que não fosse o das fábricas, o que acabava por reduzir as

pessoas a formas de vida pobre, como explica no seu texto de 1965[20] (que teria lido na

primeira reunião internacional socialista, mas um desgosto e desacordo com o Anarquista

Russo Bakounin, levou à sua ausência e ao envio do texto, lido então pela sua filha Eleanor

Marx Aveling).

O centro da teoria do valor para Marx, está não apenas no salário mal pago aos trabalhadores,

bem como no lucro crescente da concentração do capital em mãos de poucas pessoas. É por

isso que no seu Livro I do Volume I do Capital, diz: “o valor é de uso e de troca ou intercâmbio

O valor de troca aparece, num primeiro momento, como uma relação quantitativa justa ao se

intercâmbiar um bem outro semelhante na sua confecção, mas é também [como a História

45

Page 46: O Presente, Essa Grande Mentira Social

demonstra} uma relação social que muda permanentemente, conforme o sítio e o lugar em que

a troca ou intercâmbio acontece. Porém, o valor de intercâmbio é um simples acidente e

altamente relativo na sua igualdade de manufactura, por ser ele próprio uma

mercadoria”[21]Para acrescentar que o valor do trabalho e o valor de um bem, são semelhantes

porque estão subsumidos a um conceito semelhante: o salário, que para o trabalhador é o

dinheiro pago pela obra e para o proprietário, é o lucro[22].

A Mais-Valia é um processo complexo. As definições de Marx, no seu texto para o Congresso

que preparava a Primeira Internacional, mostram claramente a relação mais importante dentro

da nossa sociedade, a relação salários, trabalho e valor: “Reduced to their simplest theoretical

expression, all our friend’s arguments resolve themselves into this one dogma: “The prices of

commodities are determined or regulated by wages.” Para logo dizer: “In point of fact, he has

never formulated it. He said, on the contrary, that profit and rent also form constituent parts of

the prices of commodities, because it is out of the prices of commodities that not only the

working man’s wages, but also the capitalist’s profits and the landlord’s rents must be paid. But

how in his idea are prices formed? First by wages. Then an additional percentage is joined to

the price on behalf of the capitalist, and another additional percentage on behalf of the landlord.

Suppose the wages of the labour employed in the production of a commodity to be ten. If the

rate of profit was 100 per cent, to the wages advanced the capitalist would add ten, and if the

rate of rent was also 100 per cent upon the wages, there would be added ten more, and the

aggregate price of the commodity would amount to thirty. But such a determination of prices

would be simply their determination by wages. If wages in the above case rose to twenty, the

price of the commodity would rise to sixty, and so forth. Consequently all the superannuated

writers on political economy, who propounded the dogma that wages regulate prices, have tried

to prove it by treating profit and rent as mere additional percentages upon wages.”[23]

Tenta dizer que não é apenas o trabalho, ou a procura e a oferta, ou a mais-valia, ou ainda o

lucro, que fazem os salários subir ou descer, é preciso lembrar a renda do proprietário rural,

bem como o lucro do industrial, e o salário é apenas a primeira parte do capital que fixa os

preços, para concluir que: “In buying the labouring power of the workman, and paying its value,

the capitalist, like every other purchaser, has acquired the right to consume or use the

commodity bought. You consume or use the labouring power of a man by making him work, as

you consume or use a machine by making it run. By buying the daily or weekly value of the

labouring power of the workman, the capitalist has, therefore, acquired the right to use or make

that labouring power during the whole day or week. The working day or the working week has,

of course, certain limits…”[24]

É a forma encontrada para expressar as suas descobertas, de que um ser humano é

mercadoria e que, ao comprar-se o seu tempo de trabalho, está a comprar-se a liberdade da

pessoa. De facto, todo ser humano vive dependente da sua economia, de manter o seu posto

de trabalho, de poupar se for possível, ou de cooperar de forma recíproca, como debate no

Capítulo 13, da Parte IV do primeiro volume do Capital, já referido, e que diz: “Reciprocity is the

grasping of the thing at the point where cause and effect, action and reaction, possibility and

necessity have completely merged with one another.Reciprocity is sometimes called

“interaction”, the conception of a complex system as a network of interacting causes and

46

Page 47: O Presente, Essa Grande Mentira Social

effects, but yet lacking a “notion” or concept of the underlying unifying system to “make sense”

of these interactions”[25]. É o que tenho visto pessoas fazerem quando carecem de bens para se

reproduzirem e que Marcel Mauss soube evidenciar, dentro das suas ideias socialistas, para

escrever o seu texto de Sociologia Económica denominado L’Essai sur le don. Mauss continua

a fórmula que Marx definira no seu “Prefácio”.

 

[1] Marx, Karl, 1867: Capital, Website http://csf.edu/psn/marx/Arcive/1867-C1/Part0/p1.htm bem como no texto prévio de 1859: A Contribution to the Critique to the Criqiue f Political Economy emhttp://www.marxists.org/archive/marx/works/1859/critique-pol-economy/index.htm , e na correspodência com Engels:http://www.marxists.org/archive/marx/works/1858/letters/58_04_02.htm. A melhor análise é Rubin, Isaak Illich, 1972: Essays on Marx’s Theory of Value, em http://www.marvist.org/subject/economy/rubin/[2] Marx, Karl, 1844: Economic and philosophical manuscripts, analizados por Mészáros, István, 1970:Marx’s Theory of Alienation emhttp://www.marxists.org/archive/meszaros/works/alien/[3] Marx, Karl, (1861-1863) (1905) 2002:Theories of Surplus-Value, no Websitehttp://www.marxists.org/archive/marx/works/1863/theories-surplus-value/index.htm[4] Marx, Karl, 1859: A Contribution to the Critique of Political Economy, Websitehttp://www.marxists.org/archive/marx/works/1859/critique-pol-economy/index.htm[5] Marx, Karl, 1844: Economic and Philosophical Manuscripts of 1844, publicado em 1932, Websitehttp://www.marxists.org/archive/marx/works/1844/manuscripts/preface.htm[6] Marx, Karl, 1844, obra citada, página 1 do Manuscrito Web.[7] Marx, Karl, Engels, Friedrich, 1848, Communist Manifesto, Website http://www.hartford-hwp.com/archives/26/176.htm1[8] Marx, Karl, obra e website citados na nota 272, especificamente parágrafo Private Property and Communism.[9] Marx, Karl, 1859, obre e site referidos, Capítulo 2, Nº1: “Measure of value”[10] Marx, Karl, obra e site referidos, na nota 271.[11] Marx, Karl, 1848, texto citado. Insisto na ideia, porque é precisso lembrar a relação capital, a força trabalho é a mercadoria que é vendida. Donde, o ser humano que trabalha, é ele prórpio um ser alienado de humanidade.[12] Iturra, Raúl, 2002: A economia deriva da religião. Ensaio de Antropologia do Económico, Afrontamento, Porto. Lamento que não esteja on-line, mas a lei do Direito de Autor, também pentecente à Editora, que não o permite.[13] Marx, Karl, 1867, Capital, Vol I, Parte I, Capítulo I, Website http://csf.colorado.edu/psn/marx/Archive/1867-C1/Part0/p1.htm[14] A minha tradução. No texto original diz: “an external object, a thing which through its qualities satisfies human needs of whatever kind”. Página 125 da edição Web que uso.[15] A verssão do capital que uso, retirada da Web, diz: “In order to produce the latter [commodities] he must not only produce use-values, but use-values for others, social use-values”, página 138 da versão que uso do Capital.[16] Marx, Karl, 1844, Economic and Philosophical Manuscripts, já referido, Capitulo 2 da obra on-line. Website nota 49.[17] Retirado de Steve Salomon,http://www.soilandhelth.org/05steve’sfolder/0501steveswritings/050107surplus value [18] Marx, Karl: 1859, obra citada, Prefácio. A minha tradução e síntese. Website nota 49. Site do texto: www.marxists.org/portugues/marx/1859/contcriteconpoli/prefacio.htm[19] Rubin, Isaak, 1970, obra citada, páginas 20 em frente. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Isaak+Rubin+A+teoria+marxista+do+valor&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt[20] Marx, Karl, 1965: Value, Price and Profit emhttp://csf.colorado.edu/psn/marx/Archive/1864-IWMA/1865-VPP/[21] Marx, Capital, já citado, página 2 da versão que uso. A tradução é minha. Website nota 49.[22] Marx, Capital, Vol I, Capítulo XIX do website referido na citação 271[23] Marx, Karl, 1963: Value, price and profit, referido na nota 287, página 11 da versão que uso da Web[24] Marx, obra referida notas 287 e 290, página 19 da Web.[25] Marx, Karl, retirado de Hegel, C. XII do Capital:http://csf.colorado.edu/psn/Marx/Archive/1867-C1/Índex-1.htm 

47

Page 48: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Capítulo Quarto.

Socialismo Heterogéneo.

Falar de socialismo, é referir um conjunto de alternativas para entender o que está dentro do

conceito. A primeira ideia, é a de ser um movimento de inconformismo, como refiro no primeiro

capítulo, que despertou no meio da população operária, e não só, a aparição da relação social

denominada capital. E digo não só, porque aparecem uma série de intelectuais a lutar pela

igualdade das pessoas, e outros que fazem do objectivo socialismo, um objectivo de vida para

quem assim pensa.

Mas pense assim como? A ideia central de socialismo é a antítese do controlo de bens e

tecnologias produtivas e reprodutivas em mão privadas. A ideia central é a dos meios de

produção serem controlados pelos produtores e os seus aliados no poder ou nas ideias. O

mercado controlado pelo Estado. Ideia que define uma relação social central no Século XVIII e

seguintes da nossa Era e no nosso Ocidente.[1]. A ideia central é sobre o ser humano: este não

existe, é apenas uma relação entre o proprietário dos bens produtivos e a sua alienação. Nem

proprietário nem operário: o intercâmbio é o conceito central da análise socialista, a luta pelo

controlo do Terceiro, esse conceito de intercâmbio, como referem Temple e Chaball.

Intercâmbio, essa gestão de recursos e pessoas, é o elo heterogéneo das formas socialistas de

pensar. Não é em vão que “socialism is a general term for the political and economic theory that

advocates collective or government ownership and management of the means of production

and distribution of goods. It arose in the late 18th century and the early 19th century, as a

reaction to the hardships caused by capitalism and industrial revolution”[2].

Há vários conceitos que devem ser esclarecidos, nesta entrada que define socialismo.Para

começar, fala-se de conceito geral e no de teoria ou movimento. Durkheim tinha já dito: “On

appelle socialiste toute doctrine qui réclame le rattachement des toutes les fonctions

économiques, ou des certains d’entre elles qui sont actuellement diffuses, aux centres

directeurs et conscients de la société.”[3]. Esta definição é proporcionada por Durkheim, após

estudar várias propostas de outros autores, entre os quais Karl Marx. E é ao chegar às análises

de Marx, que o fundador da ciência da sociedade questiona as investigações dos sociólogos ou

investigadores da ciência da sociedade em geral, que denominava Ciências Sociais. E diz o

que deve ser investigado: os factos. Marx, acrescenta Durkheim, estudou factos para, em

poucas palavras, definir uma teoria do valor. E acrescenta na sua lição inaugural do curso: “La

vérité, c’est que les faits et les observations ainsi réunies par les théoriciens sociaux de

documenter leurs affirmations ne sont guère là que pour faire figure d’arguments. Les

recherches qu’ils on faites on été entreprises pour établir la doctrine dont ils avaient eu

antérieurement l’idée, bien loin que la doctrine soit résultée de la recherche. Presque tous

avaient leur siége fait avant de demander à la science l’appui qu’elle pouvait leur prêter. C’est la

passion qui a été l’inspiratrice de tous ces systèmes ; ce qui leur a donné naissance et ce qui

fait leur force, c’est la soif d’une justice plus parfaite, c’est la pitié pour la misère des classes

laborieuses, c’est un vague sentiment du trouble qui travaille les sociétés contemporaines, etc.

Le socialisme n’est pas une science, une sociologie en miniature, c’est un crie de douleur et,

48

Page 49: O Presente, Essa Grande Mentira Social

parfois, de colère, poussée par les hommes qui sentent les plus vivement notre malaise

collectif…étudier le socialisme…c’est étudier un fait social…il est objet de science”[4].

Não podia deixar de citar esta parte do curso de Durkheim, dado que, na capa do livro, há uma

definição de socialismo fora de contexto. E, sem contexto, poder-se-ia entender que, para

Durkheim, parecia que socialismo era apenas um doutrina e não uma luta contra o capitalismo.

O que mais interessa é o contexto dentro do qual nasceu a ideia de socialismo e as suas teses,

que Durkheim comenta a partir de Marx. Porque a ideia de Durkheim é analisar o socialismo

como uma realidade, que é bem melhor que pensar que ele próprio é uma ciência. O

socialismo tem objectivos de luta, tem hipóteses de origem da ideia e do conceito, há uma

metodologia criada, a partir de Hegel, por Marx, análise do materialismo histórico ou, por outras

palavras, das formas de produzir, distribuir, reproduzir e organizar o social na base da

propriedade dos recursos e do seu destino político e económico. O argumento para a análise é

entender o contexto dentro do qual a luta dos trabalhadores nasce e, também, a dos

proprietários. O materialismo histórico não analisa apenas o trabalhador, analisa a relação

social criada entre os possuidores e os despojados de propriedade que habitam o mundo. E,

para o estudar como um facto, é necessário definir primeiro o conceito, dentro do seu contexto.

E este contexto é histórico.

Quis começar logo pela relação reciprocidade e socialismo, apenas para estabelecer o elo

analítico da heterogeneidade mencionada. Porque, de facto, é preciso pensar primeiro no

fundador das ideias de gestão de pessoas e bens, ou da necessidade de subsumir o

intercâmbio sob o controlo de todos os seres humanos por igual. E seria impossível avançar

dentro dessa análise que continua além Marx, Durkheim e Mauss, sem referir outra tríade:

Gracchus Babeuf, Sylvian Marèchal e Filippo Buonarroti. É a época dos Manifestos[5] como

resultado da Revolução Francesa e dos novos Direitos do Cidadão, pelo que tantos, plebeus e

aristocratas, tinham lutado. Qual o elo central do debate?

Não é em vão que começo esta parte do meu texto, ao referir e coordenar reciprocidade com

materialismo histórico e com a orientação de Temple e Chaball.De facto, e muito embora estes

antropólogos não recorram à História para referir o seu uso das teorias de Marx para falar de

reciprocidade, acontece que Karl Marx é resultado de um debate que começa muito cedo nas

ideias de Voltaire e o seu Tratado sobre a Tolerância, quase um derivado do texto do mesmo

título de John Locke,Ensayo y Carta sobre a Tolerância[6]. Esta última, resultando por sua vez,

das ideias filosóficas sobre como seres humanos que acreditavam na divindade, deviam viver

em paz e não se aborrecer nem cometer crimes sobre outros que se tinham separado do elo

central – a Igreja Romana desses tempos – na Reforma de 1495, iniciada por Martinho Lutero,

Jean Calvin, John Knox na Escócia e Henrique Tudor ou VIII, da Inglaterra. A tolerância de

Locke, notável pedagogo, é diversa da proposta por Voltaire, que se interroga no Capítulo VI do

seu texto, “si l’intolerance est de doit naturel et de droit humain”, e define intolerância como a

incapacidade de aceitar ideias diferentes que outros possam ter na interacção, acabando por

questionar: “le droit naturel est celui que la nature indique à tous les hommes. Vous avez élevé

votre enfant, il vous doit du respect comme à son père, de la raiconnaisence comme à son

bienfaiteur. Vous avez droit aux productions de la  terre que vous avez cultivée par vous mains.

49

Page 50: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Vous avez donée et reçu une promesse, elle doit être tenue. Le droit humain ne peut être fondé

en aucun cas que sur ce droit de nature. »[7]

É a partir da ideia do Direito Natural, muito apreciado na baixa e alta Idade Média e no

Renascimento, que debate sobre o entendimento que sobre os outros, têm tido povos como os

Palestinianos, os Romanos, Gregos, Chineses, para concluir, no tempo de grandes injustiças,

contra as quais debatia, que a intolorância não era cristã: “Il ne fait pas un grand art, une

éloquence bien recherchée, pour prouver que les crétiennes doivent se tolerer les uns les

autres:…il faut regarder tous les hommes comme son fréres…”[8]. Nesta carta, assume a defesa

de Jean Calas. Este fora injustamente condenado em tribunal, por um assassínio não cometido

por ele, por ser de origem protestante, é dizer, separado da Igreja Romana e, naturalmente,

para os culturalmente cristãos romanos, culpabilizável de toda a malfeitoria possível na

vizinhança. O texto de Voltaire é louvado, o julgamento reaberto na corte e os juízes declaram

Calas inocente… mas tinha já sido justiciado por enforcamento…

O texto acabou por constituir a base para ideias de igualdade entre os seres humanos, apesar

das ameaças que o próprio autor recebera durante todo o processo. Passou a definir a

interacção como uma solidariedade entre todos os seres humanos, aceite em breve pela maior

parte dos seus compatriotas, não antes de ter sido banido para Inglaterra, onde escreve um

segundo tratado sobre tolerância, invulgar no Século XVII, mas que fez jurisprudência nos

tribunais, tendo mudado a vida a muitas pessoas. E é a base do que Charles Louis de

Secondat, baron de la Bède e do Montesquieu, escreveria em oito volumes, para estar certo e

seguro de não existirem mais julgamentos de seres humanos por causa da sua liberdade de

opinião e de comportamento, sempre dentro da ética e da cultura, como escreveria noutra

obra[9], para satirizar ou ironizar as formas de vida autocratas do seu país absolutista.

Mas o texto mais famoso é dedicado a uma obra bem mais importante: definir democracia, a

separação do poder entre legislativo, executivo e judicial, autónomos entre eles e não

designados pela coroa dos países ocidentais, mas sim pelo voto dos cidadãos[10]. Com o

entendimento do seu tempo, começa por distinguir entre leis da natureza que ninguém pode

mudar, e as leis positivas ou organizadas pelo poder eleito de especialistas no comportamento

humano. Define um conceito praticamente clássico, retirado das suas leituras da Grécia Antiga

e do Digesto de Justiniano do ano 543 em frente: democratia ou democracia[11]. Apesar de

estarmos habituados às ideias de democracia, é-me irresistível citar ideias desenvolvidas

dentro do absolutismo, quando as ideias de Louis Capet ou XIV da França eram ainda vivas,

quando, apenas cem anos antes, Cromwell havia organizado um Parlamento dos sem títulos

ou Commoners na Inglaterra, quando, hoje, com a denominada terceira via ou Globalização, as

ideias de Monstequieu parecem desaparecer. No Capítulo II do Livro 2, diz: « Lorsque, dans la

republique, le peuple en corps a la souverainne puissance, cést une démocracie. Lorsque le

souveraine puissance est entre les mains d’une partie du peuple, cella s’apelle une aristocratie.

Le peuple, dans la democratie, est, à certains égards, le monarque ; à certains autres, il est le

sujet. Il ne peut être monarque que par ses suffrages qui son ses volontés… »[12]. No meu

entender, é um texto delicioso, atrevido, destemido. Como Repúblicas, havia apenas a de

Zürich, terra de Rousseau – hoje Suiça –, e as Repúblicas Unidas Sem Terra ou Nederlands –

hoje Holanda, composta, no seu tempo, por parte do Plateau da Bélgica (Flandres, Brabante) e

50

Page 51: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Elba Norte, hoje, da Alemanha. Ele não apenas define a separação de poderes, define que a

Soberania reside essencialmente na Nação e emana do povo que vota pelos seus

representantes ao Parlamento, com sufrágios públicos, excepto o Senado, cuja eleição define

no texto como secreta, por haver aristocratas a votar para controlar o movimento livre da Nação

– ideias, diria eu, de transição, ou retiradas da forma que Cromwell organizou o Parlamento

Inglês ou das formas de Governo da Grécia Clássica com uma Câmara do Povo e outra dos

Arcantes ou Eruditos, ou o Senado Romano, parte eleita por voto público, como define

Justiniano, parte indigitada pelo Imperador, excepto na Roma Republicana. Distante já do

Código de Direito Romano e do Digesto de Justiniano, referidos mais em frente ou no meu

texto de 2002[13].

O mais simpático deste texto, é a defesa que faz das mulheres, da luta que estabelecem pelos

seus direitos e o reconhecimento da paternidade ao qual têm direito as mães solteiras – um

verdadeiro alarido à cultura do seu tempo, como define no Capítulo 6 do livro XXIII. E a

legislação sobre a usura, a avareza, os limites dos juros nos empréstimos, ou a defesa da

liberdade humana ao propor leis que considerem a ausência da escravidão. Thomas Jefferson

estava em Paris aquando da redacção da obra e levou estas ideias ao voltar para as antigas

Colónias da Inglaterra, onde ajudou a declarar a sua liberdade, elaborando o texto da

Declaração da Independência. Como em França, essa Declaração de 1776, reconhece no

parágrafo segundo: “We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that

they are endowed by their Creator with certain unalienable rights that among these are life,

liberty and the pursuit” [14]. Esta frase, que aparece no artigo 1 da Déclaration des droits de

l’Homme et du citoyen, de 26 de Agosto de 1789, em França, tinha sido redigida numa carta do

Abade Francês Emmanuel Sieyés a Benjamin Franklin e, este, pela sua vez, a Thomas

Jefferson e diz: “Les hommes naissent et demeurent librés et égaux en droits. Les distinctions

sociales ne peuvent être fondées que sur l’utilité commune”[15]. Entre as obras de Sieyès,

devem referir-se Preliminaire de la Constitution françaisede 1789 e Qu’est-ce le Tiers –

Etát? escritas a partir de 1780 e publicadas em 1799; Essai sur les privilèges, de 1788; bem

como carta entre Washington e Sièyes até Junho de 1790[16].

Este é o conjunto de ideias, entre outras, que “enformam” o pensamento de Babeuf e Marechal.

Buonarroti já trazia, desde a sua terra, Itália, as ideias da denominada Carbonária, que Filippo

Mazzei tinha feito chegar a Thomas Jefferson, especialmente sobre liberdade, igualdade,

ausência de escravidão nas plantações dos americanos no Sul do País. Este Florentino teve

sucesso com Jefferson, mas não conseguiu ver a liberdade pela qual lutou, tal e qual é o caso

de Babeuf e outros que delinharam formas de governo, como a Communne de Paris, que os

seus colegas jacobinos não queriam aceitar.

É, diria eu, a base do socialismo heterogéneo, que começa com os manifestos franceses e

continua com o Manifesto de Karl Marx, escrito a pedido dos Beubesiannes em 1848, após

cinco anos de debate na Bélgica e na França. O socialismo nasce do engano da Revolução

francesa que, ao trair a sua própria Constituição, acabou dentro de uma grande anarquia.

Anarquia transferida para o movimento socialista de Henry de Saint Simon e Charles Fourier,

em França, e Robert Owen em Inglaterra, que apenas pretendiam colaboração de trabalho e

capital em cooperativas de indivíduos supostos iguais. Pelo menos, Saint-Simon formou escola,

51

Page 52: O Presente, Essa Grande Mentira Social

que a seguir se afastou dele, como fizera Auguste Comte enquanto formava uma escola para

analizar as actividades sociais como interacção e não os movimentos políticos gerados pelos

operários e os intelectuais que os apoiavam. Comte conseguiu criar uma Ciência denominada

Sociologia, que seria, junto com as suas ideias socialistas, o berço do reorganizador das ideias

socialistas e sociológicas, Émile Durkheim.

Mas, o que diz Babeuf e onde? Antes, talvez seja preciso dizer que, com Babeuf, começa uma

outra via para o socialismo, a dos operários ou, como definiria mais tarde Karl Marx, a do

proletariado.

Porque Babeuf, nascido na Picardia Francesa, em 1760, vai para Paris, funda o jornal La

Tribune du Peuple ou La Défenseur des Droits de l’Homme[17] e colabora noutros, citados por

Jean Soublin, referido em nota de rodapé. Pode dizer-se, para sintetizar os objectivos de

Babeuf, que a sua procura era a Igualdade prometida na Revolução Francesa, para a qual era

preciso destruir a propriedade privada, objectivo de todo o socialista a seguir a Babeuf:

“Francois Babeuf, the first modern communist, created a Society of Equals dedicated to the

abolition of private property and the destruction of all those who held property”[18]. Esta citação

fala de Babeuf como comunista, a nova palavra para socialista, mas há também outras

designações, como anarquista: “…terme anarchiste apparaît sous l’Ancien Régime avec le

sens négatif de désordre, de chaos – Babeuf n’a-t-il pas traité… Louis XVI et Lafayette d’…

anarchistes, ce qui pour lui était une insulte quasi suprême! –, sens qu’il conserve sous la

Révolution – Jacques Roux fut accusé de vouloir instauré… l’anarchie -, sa première utilisation

avec un sens positif est sans doute due à Joseph Proudhon qui, en 1840, exposant la forme de

gouvernement auquel il aspirait, s’est dit républicain anarchiste. Cependant, ce n’est que plus

tard que le terme d’anarchistes sera couramment utilisé pour désigner au sein de

l’Internationale les partisans du  collectivisme qui, avec, notamment, Bakounine, s’opposaient

au communisme autoritaire de Karl Marx. Et ce n’est qu’en 1877 que le terme anarchisme est

employé au sens qu’on lui reconnaît aujourd’hui par James Guillaume dans le Bulletin de la

fédération jurassienne ». [19] Mas não é apenas esta a terminologia aplicada aos grupos que

procuravam a igualdade. Há também outras ideias: « L’anarchisme est un mouvement d’idées

et d’action qui, en rejetant toute contrainte extérieure à l’homme, se propose de reconstruire la

vie en commun sur la base de la volonté individuelle autonome…. La Révolution française

institue un divorce radical entre l’État, qui repose sur les principes éternels de la liberté, de

l’égalité et de la fraternité, et la société qui est dominée par l’esclavage économique, l’inégalité

sociale et la lutte des classes. Cette contradiction semble d’autant plus insupportable que la

Révolution française proclame en même temps que l’individu est une fin en soi et que toutes les

institutions politiques et sociales doivent servir à son plein et entier épanouissement. La liberté

politique paraît illusoire, voire néfaste, à ceux qui, en vertu même de ces principes, subissent

une servitude sociale et économique. La première réaction “antiétatiste” est sans doute la

“conspiration des Égaux” dirigée par Gracchus Babeuf et visant à substituer à l’égalité politique

l’”égalité réelle”. “Disparaissez, lit-on dans son Manifeste, révoltantes distinctions de riches et

de pauvres, de grands et de petits, de maîtres et de valets, de gouvernement et de gouvernés.“

Por outras palavras, a transição entre o Antigo Regime e as novas formas de entender e

legislar, são caracterizadas pela procura dos Direitos do Cidadão. Babeuf escreve um texto,

52

Page 53: O Presente, Essa Grande Mentira Social

denominado Le Cadastre Perpetuel, ou O Cadastro, em 1789, cujo subtítulo é “Démonstrations

des procédés convenables à la formation de cet important ouvrage pour assurer les príncipes

de l’Assiette et de la Répartition justes et permanentes et de la perception facile d’une

Contribution Unique tant sur les possessions territoriales que sur les revenues personneles.’’

Uma referência é necessária para definir a ideia de que Babeuf não queria apenas partilhar

bens, bem como evitar qualquer tipo de actividade que prejudicasse a igualdade entre os seres

humanos, entre as quais as medidas da Reforma Agrária que fazem de trabalhadores do

campo pequenos proprietários e, em consequência, “seres superiores” aos seus procurados

iguais. Pelo que Babeuf, Maréchal e Buanarroti desistem da ideia de communards para definir

o movimento por eles criado como des égaux ou dos iguais: «Les idées qui y étaient émises

paraissaient alors utopiques: Babeuf proposait ainsi un système de partage de toutes les

propriétés à raison de onze arpents par ménage. Semblable proposition, reflet de la loi agraire

poussée à sa dernière limite, vint refroidir l’intérêt général que l’on portait au cadastre. Mais au

lendemain de la prise de la Bastille, ces idées apparaîssent à Babeuf comme l’aboutissement

du mouvement révolutionnaire. »[20]. O que pretendiam Babeuf e os seus colaboradores, era

saber quem era proprietário, porque o Cadastro é uma instituição francesa que define os

cruzamentos de caminho entre bens, pessoas e os que nada têm. Assim, o conhecimento de

quem possue e quem não, permite o objectivo do grupo: uma comunidade de Iguais, não

apenas perante o direito a lei e o governo, mas dentro dos bens.

Uma outra entidade que se dedicou ao assunto, em ordem a melhor poder governar foi

Napoleão[21]. O Cadastro permitiu ao Imperador controlar as classes sociais, em seu benefício,

destruindo-as, mudando-as, pervertendo assim o objectivo do Cadastro de Babeuf e do seu

grupo. Em Babeuf, esta actividade foi denominada “A Conspiração dos Iguais” ou La

conspiration des Égaux, cujo objectivo era assegurar a felicidade, a liberdade e a igualdade

para todos e a base para viver em liberdade: “ la Révolution doit assurer entre tous les citoyens

l’égalité des jouissances.Mais la propriété privée introduisant nécessairement l’inégalité, et la loi

agraire, c’est-à-dire le partage égal des propriétés, ne pouvant « durer qu’un jour » (« dès le

lendemain de son établissement, l’inégalité se remontrerait »), le seul moyen d’arriver à l’égalité

de fait  et « d’assurer à chacun et à sa postérité, telle nombreuse qu’elle soit, la suffisance mais

rien que la suffisance », est « d’établir l’administration commune, de supprimer la propriété

particulière, d’attacher chaque homme au talent, à l’industrie qu’il connaît, de l’obliger à en

déposer le fruit en nature au magasin commun, et d’établir une simple administration de

distribution, une administration des substances qui, tenant registre de tous les individus et de

toutes les choses, fera répartir ces dernières dans la plus scrupuleuse égalité »[22].

A conspiração dos iguais é tratada por Alain Mailard[23], que sintetiza a ideia dos Égaux numa

frase: “as organizações republicanas devem ser transformadas em organizações operárias e

comunistas” (minha síntese e tradução). Ou, como refere Maillard no seu texto, para Babeuf e

os seus seguidores, o que se esperava da Revoluição era: «1 La nature a donné à chaque

homme un droit égal à la jouissance de tous les biens. 2. Le but de la société est de défendre

cette égalité, souvent attaquée par le fort et le méchant dans l’état de nature, et d’augmenter,

par le concours de tous, les jouissances communes. 3. La nature a imposé à chacun l’obligation

de travailler ; nul n’a pu, sans crime, se soustraire au travail. 4. Les travaux et les jouissances

53

Page 54: O Presente, Essa Grande Mentira Social

doivent être communs. 5. Il y a oppression quand l’un s’épuise par le travail et manque de tout,

tandis que l’autre nage dans l’abondance sans rien faire. 6. Nul n’a pu, sans crime, s’approprier

exclusivement les biens de la terre ou de l’industrie. 7. Dans une véritable société, il ne doit y

avoir ni riches ni pauvres. 8. Les riches qui ne veulent pas renoncer au superflu en faveur des

indigents sont les ennemis du peuple. 10. Le but de la révolution est de détruire l’inégalité et de

rétablir le bonheur commun. 11. La révolution n’est pas finie, parce que les riches absorbent

tous les biens et commandent exclusivement, tandis que les pauvres travaillent en véritables

esclaves, languissent dans la misère et ne sont rien dans l’état. 12. La Constitution de 1793 est

la véritable loi des Français, parce que le peuple l’a solennellement acceptée… »

Quer no citado texto de Maillard, quer no livro já referido do mesmo Autor, é possível apreciar o

uso que faz Babeuf das ideias da Revolução, já existentes entre grupos da população,

especialmente na Encyclopédie, ou em “misteriosos” Abades como Morelly e o seu Code de la

Nature[24], que Babeuf invoca durante o seu julgamento por ser o texto base do tratado das leis

que o Directório que regia a França da Revolução devia ter organizado e publicado. O

interessante desta denominada conspiração dos Iguais, era que, como refere Maillard no texto

citado, Babeuf não estava certo se o movimento que encabeçava devia denominar-se

“communautiste” por pôr os bens ao dispor de todos por igual, ou “égaux”, para marcar as

diferenças ideológicas com os Jacobinos comandados por Robespierre que queriam acabar

com a propriedade privada, o que era pouco para os já denominados bauvistas ou

bovessianos, por desejarem a abolição total de todo tipo de propriedade, como referi antes,

incluindo os direitos de propriedade intelectual. Como comenta Maillard: “il choisit en définitive

“Égaux”, sans doute pour ménager les différences doctrinales (les robespierristes souhaitaient

seulement limiter le droit de propriété, lui, voulait l’abolir et instaurer ce qu’il appelait la

communauté des biens, des travaux et des jouissances. Babeuf entendait rassembler dans un

front commun toutes les forces qui refusaient la Constitution de l’an III (adoptée par la

Convention thermidorienne) et qui réclamaient le retour à celle de 1793 : la Constitution de l’an

I, dont l’article premier de la Déclaration des droits proclamait que “le but de la société est le

bonheur commun”. Les Égaux ont ainsi mis en œuvre dans les quartiers populaires de Paris et

dans les régions de France où ils comptaient des partisans, des abonnés (Nord, Pas-de-Calais,

Champagne, région lyonnaise, Midi…) une propagande politique en diffusant des libelles, des

journaux (Le Tribun du peuple) et des chansons, en placardant des affiches (Analyse de la

doctrine de Babeuf), en tenant des réunions… Parallèlement, un Comité secret préparait,

politiquement et militairement, l’insurrection pour renverser le Directoire et lui substituer une

“autorité révolutionnaire et provisoire, constituée de manière à soustraire le peuple à l’influence

des ennemis naturels de l’égalité, et à lui rendre l’unité de volonté nécessaire pour l’adoption

des institutions républicaines” : bref une dictature révolutionnaire temporaire (le temps de mater

l’aristocratie) et un régime de transition qui mènerait le peuple de France et les autres nations à

ce qui n’est pas encore nommé le communisme, mais la communauté »[25].

 A citação é, mais uma vez, extensa, mas justificada para explicitar o meu título de

heterogeneidade do socialismo. Sem dúvida que todos os participantes da Revolução

Francesa, eram pessoas que desejavam acabar com os privilégios para indivíduos e classes

sociais; sem dúvida tiveram que lutar forte com Necker, Quesnay e os fisiocratas, membros não

54

Page 55: O Presente, Essa Grande Mentira Social

apenas da aristocracia, bem como da Enciclopédie de Diderot e D’Alembert, como tenho

referido, pessoas muito diferentes de Volaire e Montesquieu ou, ainda, de Rousseau. Estes

ilustres membros de Encyclopédie, defendiam o povo e os seus direitos, como temos

observado nos seus textos e na herança que deixaram à Humanidade, especialmente esse

tratado sobre a Tolerância. Mas, todos eles estavam ainda longe de serem pessoas que

abdicassem de ideias pelas quais nunca tinham passado: a falta de bens. É verdade que há um

Conde de Saint – Simon[26], fundador do movimento socialista francês e além França, que

pensava que toda sociedade devia ser orientada pelos cientistas e que todo investigador devia

estar ao serviço do grupo social; um Conde que partilha a sua riqueza com o operariado que

trabalha para ele, no entendimento de que o que ele ganhava, todos deviam ganhar. Apenas

não tinha reparado no motor económico da denominada mais-valia, que Marx viria a definir

mais em frente (um Marx, como Comte, discípulo de Saint-Simon, seguidor das suas ideias,

especialmente das políticas, a advogar pela divisão do trabalho e do Governo entre industriais

a partilharem lucros com os seus empregados, para se viver em harmonia). O texto mais

conhecido de Saint-Simon é o de 1825, The New Cristhianity, em conjunto com cartas escritas

ao Rei, ao longo de muitos anos, desafiando-o a tratar os seres humanos dentro da lei e com

Magistrados eleitos e não designados – por outras palavras, sujeitos a critica e não sujeitos ao

lucro que podia render uma sentença bem passada para o queixoso[27]. Este era o socialismo

de Saint-Simon, dos seus seguidores, entre os quais um jovem Marx, luterano, o que levara a

Auguste Comte ao abandonar e fundar o seu próprio socialismo, a Sociologia, da qual Émile

Durkheim beberia até ao fim da sua vida.[28]  

                                               É possível apreciar que Babeuf está rodeado de figuras e ideias

ditas letradas, eruditas, bem informadas. O Socialismo do operariado começa apenas com ele.

Os membros da Encyclopédie partilhavam ideias avançadas na economia, mas ainda estavam

ao pé da História e, à excepção de Montesquieu, ninguém advoga a sério sobre o facto de se

ter uma República, eleitores e representantes do povo. O texto de 1513 de Niccola di

Maquiavello, Il Príncipe[29], não deixa de ser um texto sobre a ciência da política, como tenho

comentado noutros textos, tal como a resposta, quase duzentos anos depois, de Frederico de

Prússia, O Anti-Maquiavelo[30] de 1786, escrito com a colaboração de Voltaire. Tomás Moro, em

1516, pensa uma República, denominadaUtopia[31], que foi parte do julgamento a que foi

submetido e causou a sua morte perante uma Inquisição ainda viva, no reinado de Henrique

Tudor. Deve ser esse o motivo que levará Karl Marx a escrever uma tese de Doutoramento

denominada The Difference Between the Democritean and Epicurean Philosophy of Nature[32].

O que Babeuf era capaz de escrever está nas suas obras, normalmente textos de jornais,

manifestos e ensaios contra as formas de Governo do Directório de 1794, no qual participava

Robespierre. Babeuf baseia-se na natureza e no denominado Direito Natural, ele via o que

acontecia com plantas, animais, seres humanos, para retirar dessas observações as suas

ideias políticas. Diz nos seus textos, baseado na sua observação de interacção humana: La

suppression de la propriété semble donc avoir, pour l’essentiel, une fonction instrumentale et

politique, et non la valeur d’un principe intangible (même s’il peut arriver qu’on la lui attribue).

C’est d’ailleurs pour cela que les utopies présentent sur ce plan des différences considérables,

sans pour autant cesser de relever d’une seule et même catégorie. Certaines d’entre elles, en

55

Page 56: O Presente, Essa Grande Mentira Social

effet, prônent l’abolition radicale de la propriété, comme de toute différenciation. “ Tout ce que

possèdent ceux qui ont au-delà de leur quote-part individuelle dans les biens de la société est

vol et usurpation ”, proclame en 1795 le Manifeste des plébéiens de Gracchus Babeuf. “ Il faut

[…] supprimer la propriété particulière ”, faire “ disparaître les bornes, les haies, les murs, les

serrures aux portes ” (in Le Tribun du peuple, no 35, an IV, p. 101 n.), si l’on veut supprimer le

mal qui résulte, intégralement et nécessairement, de l’inégalité.

                               D’autres utopies, moins radicales, se contentent de limiter la propriété, ou

de la réglementer, jugeant que seules les disparités excessives, le luxe et la misère, risquent de

déstabiliser la cité ou d’altérer sa cohérence. Parmi elles, certaines tiennent en outre à interdire

la propriété aux magistrats, considérant que leurs fonctions impliquent un renoncement absolu

au monde et un dévouement sans partage à l’intérêt public.

                               Ce qui néanmoins réunit ces différentes utopies, c’est qu’en toute

hypothèse, la propriété y fait l’objet d’un contrôle étroit et d’une réglementation minutieuse.

Même tolérée, la propriété, tout comme les libertés privées qu’elle supporte, doit être

considérée avec méfiance et maniée avec précaution.[33] »

O que Babeuf debate, é a sua descoberta desse Terceiro – o Tiers de Temple e Chabal,

modelo de análise extremamente útil para entender que, muito embora haja duas pessoas a

intercambiar, existe um terceiro invisível, a atitude de comércio ou aceitar para devolver –

poder que intermedeia os seres humanos, a mais-valia que ele denomina apenas propriedade

individual. Na sua ideia desponta o conceito de lucro que não é mencionado nos escritos, mas

que percebe existir entre um e outro ser humano, quando a moeda corre. É o que Marx

denominará o dinheiro retirado a outros ou mais-valia, com a sua fórmula das Grundrisse: M-C-

M1,ou Money, Commodity – Plus Money ou o pagamento do capital investido em toda empresa

que rende lucros e que emprega operariado.

                               Tipo de atitude que faz sofrer Robert Owen na Grã-Bretanha do seu tempo,

e que passamos a observar, dentro deste ponto comparativo permanente que tenho usado

para falar de heterogeneidade: a Revolução Francesa e as ideias de Babeuf, e dos seus

colegas de luta Cabot, Marèchal e Buonarroti, a serem referidos em breve. Entretanto, queria

comentar apenas esta descoberta feita por Babeuf e desenvolvida por Karl Marx e outros

socialistas, antes de se denominarem comunistas, a seguir à 1ª Internacional convocada por

Michel Bakounine, em Maio de 1871, quando refere: “Deux faits historiques, deux révolutions

mémorables avaient constitué ce que nous appelons le monde moderne, le monde de la

civilisation bourgeoise.L’une, connu sous le nom de Réformation, au commencement du

seizième siècle, avait brisé la clef de voûte de l’édifice féodal, la toute-puissance de l’Église ; en

détruisant cette puissance, elle prépara la ruine du pouvoir indépendant et quasi absolu des

seigneurs féodaux, qui, bénis et protégés par l’Église, comme les rois et souvent même contre

les rois, faisaient procéder leurs droits directement de la grâce divine ; et par là même elle

donna un essor nouveau à l’émancipation de la classe bourgeoise, lentement préparée, à son

tour, pendant les deux siècles qui avaient précédé cette révolution religieuse, par le

développement successif des libertés communales, et par celui du commerce et de l’industrie

qui en avait été en même temps la condition et la conséquence nécessaire.

56

Page 57: O Presente, Essa Grande Mentira Social

De cette révolution sortit une nouvelle puissance, non encore celle de la bourgeoisie, mais celle

de l’État, monarchique, constitutionnel et aristocratique en Angleterre, monarchique, absolu,

nobiliaire, militaire et bureaucratique sur tout le continent de l’Europe, moins deux petites

républiques, la Suisse et les Pays-Bas »[34]

                É esta transição de povos subordinados ao sistema feudal e ao contrato

de enfiteuse (que contribuía para a sua probreza, por ser necessário pagar grande parte da

colheita ao proprietário da raiz do bem), que é o elo da Primeira Reunião Socialista

Internacional. A maior parte do operariado não sabia o que fazer perante a possibilidade de ver

cumpridas as promessas de fraternidade, liberdade e igualdade, pelo que estavam à espera

das instruções dos seus dirigentes. Estes, pela sua parte, ainda não estavam preparados para

organizar as actividades de trabalho. Não é em vão, que no seu discurso, Karl Marx refere

apenas ideias abstractas: VALUE, PRICE AND PROFIT, Addressed to Working Men[35], no

Congresso de preparação da primeira reunião do operariado internacional ou 1ª Internacional,

reunião na qual já não participará por discordar com a interpretação do materialismo histórico

de Michel Bakounine[36].

As três conferências de Bakounine são dedicadas à crítica das instituições existentes e à

participação dos trabalhadores dentro destas actividades. Karl Marx tenta definir o problema

que existe na interacção pessoal, ao falar de valor ou o investimento do tempo de uma pessoa

para ser apropriada por outra, o preço de venda das mercadorias, normalmente para serem

recebidas pelos proprietários, pela lei que define a divisão do denominado Direito Natural, entre

pessoas que podem adquirir esses bens por terem lucro das suas actividades. Lucro que não é

partilhado com os fabricantes dos bens.

A tendência do desenvolvimento do capital, é analisada à luz de salários, tempo de trabalho e

lucro, que leva a um movimento dentro do mercado, que Marx sintetiza assim:

“I shall conclude by proposing the following resolutions:

Firstly. A general rise in the rate of wages would result in a fall of the general rate of profit, but,

broadly speaking, not affect the prices of commodities.

Secondly. The general tendency of capitalist production is not to raise, but to sink the average

standard of wages.

Thirdly. Trades Unions work well as centers of resistance against the encroachments of capital.

They fail partially from an injudicious use of their power. The faily generally from limiting

themselves to a guerilla war against the effects of the existing system, instead of simultaneously

trying to change it, instead of using their organized forces as a lever for the final emancipation of

the working class that is to say the ultimate abolition of the wages system.”

Esta análise define a tendência do Mercado, orientado como está pela venda de bens que são

baratos na sua produção: os preços seriam aumentados na venda ao público se os salários

fossem incrementados por solicitação dos sindicatos, porque o objectivo da produção

capitalista é afundar os salários. Ao menor salário, corresponde um maior lucro, especialmente

se os preços dos produtos são aumentados para prevenir qualquer petição dos sindicatos.

É o que denomino socialismo heterogéneo: enquanto Bakounin e Marx experimentam instruir o

operariado e os seus apoiantes, com ideias para debater com motivação, estatísticas, fórmulas

com os proprietários do capital – do qual os próprios operários são parte como Capital variável

57

Page 58: O Presente, Essa Grande Mentira Social

ou assalariados –, o operariado, ele próprio, apenas deseja controlar a propriedade que

aparece como esse Terceiro que interfere com os comportamentos naturais de trabalhar para

produzir para si próprio e família, e o comportamento que a lei define como de pertença ao

proprietário. A análise da propriedade e a sua interferência entre seres humanos e bem-estar, é

organizada por Babeuf e desenvolvida por Marx e Engels no Manifesto dos Communards ou

dos Égeaux, que passaria, finalmente, a ser denominado Manifesto Comunista para honrar a

memória de Gracchus Babeuf, o fundador da ideia de controlar a relação social denominada

propriedade (causadora dos problemas da população proletária, isto é, dos cidadãos de uma

Nação que reserva e acautela esse direito para quem herda ou para quem está no poder e

pode dispensar tempo e decretos para possuir). Mas também para acabar com um debate que

existia entre os intelectuais: como denominar o grupo socialista, que começou por ser Liga dos

Comunistas, como refere Engels.[37]

                A definição de propriedade de Marx, é muito específica: “Private property is the right

of an individual to exclude others use of an object, and predates the rupture of society

into classes. In its undeveloped form private property is the simple relation of the individual to

the natural world in which their individuality finds objective expression. Private property is

essentially the denial of the private property of others and finds its ultimate expression only in

the relation of wage-labour andcapital. The antithesis between lack of property and property, so

long as it is not comprehended as the antithesis of labour and capital, still remains an indifferent

antithesis, not grasped in its active connection, in itsinternal relation, not yet grasped as

a contradiction. It can find expression in this first form even without the advanced development

of private property (as in ancient Rome, Turkey, etc.). It does not yet appear as having been

established by private property itself. But labour, the subjective essence of private property as

exclusion of property, and capital, objective labour as exclusion of labour, constitute private

property as its developed state of contradiction – hence a dynamic relationship driving towards

resolution. Private property has made us so stupid and one-sided that an object is

only ours when we have it – when it exists for us as capital, or when it is directly possessed,

eaten, drunk, worn, inhabited, etc., – in short, when it is used by us. Although private property

itself again conceives all these direct realisations of possession only as means of life, and the

life which they serve as means is the life of private property – labour and conversion into capital.

In the place of all physical and mental senses there has therefore come the sheer estrangement

of all these senses, the sense of having. The human being had to be reduced to this absolute

poverty in order that he might yield his inner wealth to the outer world[38]

                Quis manter esta longa referência, para incorporar todos os conceitos que na análise

de Marx, bem como no meu próprio entender, são importantes para o desenvolvimento dos

seres humanos dentro da História e da sua conjuntura. Marx salienta o facto de que a falta de

propriedade acaba por ser uma alienação, que faz do ser humano um “procurador” de salário,

levando-o a ignorar a relação mais importante, que é a sua capacidade de trabalhar. De facto,

a propriedade privada que Babeuf queria suprimir, era um objectivo para libertar o ser humano

da sua alienação de não considerar a sua obra como sua, de entregar o que é dele para o

mundo exterior, expresso no proprietário do capital, no seu proprietário. O terceiro na relação

proprietário-proletário, como dizem Temple e Chabal e analisa Marcel Mauss, é esta falta de

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Page 59: O Presente, Essa Grande Mentira Social

entendimento do seu verdadeiro valor ao construir uma obra. É assim que, ao oferecer um

objecto, damos um nome ao Outro e a nós próprios, por estar fora da relação propriedade

privada e entrar dentro do campo da interacção social. Processo mínimo para se entender que

não é a propriedade o problema da interacção social, mas a falta de entendimento da

capacidade de criar uma obra.

Mauss estaria a comparar essa habilidade, a contrastar o trabalho que dá mais valia ao

proprietário privado, ao falar de mana e hau. É dessas tragédias históricas que os dois não

tenham debatido estas ideias, mas para isso aqui estamos nós, para colocar no conceito de

mais-valia, essa ideia inocente de pensar que a propriedade privada é central no sistema

económico e não a oferta de trabalho conforme as capacidades de cada qual, devolvida em

salário ou remuneração, ou em dádivas, conforme fôr o resultado da habilidade para pensar e

capacidade para operar. Ideia normalmente derrotada pela falta de conhecimento do trabalho

como elo central da sociedade e de todo e cada indivíduo, conforme os seus objectivos de vida.

É evidente que esta análise é retirada por Mauss das ideias de Marx, como se pode apreciar

neste texto, bem como nos seus textos políticos. A terceira “pessoa” da relação de intercâmbio

é o facto mesmo de trocar. Eis o hau de Mauss, a mais-valia na reciprocidade. Uma mais-valia

real, material, com valor de uso – o que eu posso consumir – e um valor de câmbio – o que eu

posso trocar na base da minha produção, um conceito derivado de uma contradição entre a

ideia de propriedade privada ou exclusão de outro do uso de bens que são meus, e da falta de

conhecimento do que Marx, nos textos citados, denomina contradição.

Contradição ou antítese social entre trabalho e capital. Trabalho, acaba por ser a aplicação da

força humana, habilidades, habilitações e inteligência, para a transformação da natureza

material em recursos ou bens económicos para vender ou mercadorias. Normalmente, o preço

destes bens no mercado do capital, corresponde a uma outra lei que nem Babeuf nem Marx

tinham definido, mas sim Adam Smith[39]: a da procura e oferta ou da regulação do mercado

pela mão invisível da interacção. No capítulo VIII do livro I, Smith fala de uma “recompensa

natural ou salário de trabalho” para a confecção de mercadorias – que ele denomina produto do

trabalho. Não fala de mercadorias ou bens do mercado como define Marx: uma mercadoria é

um bem fabricado pelo trabalhador e vendido pelo proprietário dos meios de produção, que,

dada a propriedade privada, exclue o fabricante da propriedade do seu produto e do seu

resultado em moeda, ou capital de lucro, ou trabalho alienado. Alienado por ser entregue a

outro sem o conhecimento do fabricante que empregou a sua energia, habilidade e inteligência,

na confecção de um bem que desconhece e que vê no mercado como mais um de vários

recursos, a serem adquiridos por ele para poder usar ou consumir. Não é em vão que os

Socialistas, após a leitura dos textos de Marx, começam a atacar a ideia de propriedade

privada, interposta entre quem fabrica e quem adquire, esse Terceiro de Mauss [40], invocado

por Temple e Chabal. O que fica quer para o Maori, ou o Massim, quer para o operariado

europeu, é a necessidade de pensar com cuidado o que é preciso gastar por ser necessário

consumir, ou esse valor de uso definido por Marx, nas citações referidas. A ideia de maximizar

passa a ser um silogismo central, parte da subsistência.

Não é sem motivo que o filósofo socialista, John Stuart Mill, dedica o Livro II da sua obra sobre

a lógica, ao racíocinio e afirma que existe em todo o silogismo, un princípio que o orienta, é

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Page 60: O Presente, Essa Grande Mentira Social

dizer a cultura orienta o pensamento e não o arguto sentido de entender[41]. O debate serve

para explicar que os seres humanos não sabem retirar dos factos as necessárias conclusões.

Como no caso em que se eu trabalho um número de horas por um salário mínimo, e a minha

obra é vendida, por causa da propriedade privada, por um valor de troca maior do que o meu

salário, eu sou explorado, como comenta Marx nas passagens citadas mais acima. E isto é

parte do que eu denomino a mente cultural – sentir-se comprador e não produtor de bens. A

sociedade ocidental é composta por indivíduos que desejam retirar o máximo beneficío das

suas obras, com o mínimo de tempo possível investido no trabalho. Não é em vão que a escola

francesa da Fisiocracia trabalha nas ideias do laisser-faire[42], que influenciaram profundamente

as ideias de Adam Smith, o economista que cria a ideia da opção, desmistificada por Marx, e

criticada em profundidade pelo sociólogo socialista saint-simoniano e materialista, Émile

Durkheim, que dedica uma obra à crítica não apenas de Adam Smith, mas de toda a ideia

do laisser-faire[43] por ter organizado um empreendimento de trabalho rural, baseado no

contrato de enfiteuse, com o objectivo de organizar a economia de França, bem como de

outros lugares sob domínio francês.

Durkheim, como bom cidadão e fundador do pensamento sociológico, comemora as ideias de

Montesquieu, que foi capaz de esclarecer a divisão dos poderes e produzir um tratado sobre as

leis, bem como dispensar um duro tratamento à denominada Escola Clássica da Economia,

cujo intuito era a liberdade de comportamento para as trocas mercantis, sem se lembrar, diz

Durkheim, da existência do Direito Associativo ou Solidariedade Orgânica, e da Associação

livre entre iguais, unidos por ideias partilhadas dentro da cultura da sua sociedade ou lógica

social, que denomina, na lógica de Ferdinand Tönnies, solidariedade mecânica ou união por

meio das formas de pensar e de acreditar. Sobre este tema, tenho já feito vastas referências

noutros pontos deste texto, como em textos anteriores.

O que me interessa salientar, é a ideia de Durkheim de que os cidadãos devem ser controlados

pelo Estado, para não cair em comportamentos anómicos que destruam a interacção, razão de

ser do comportamento social. A igualdade procurada por Durkheim, advêm do seu Mestre na

Alemanha, Ferdinand Tönnies[44], Socialista Materialista, leitor e contemporâneo de Karl Marx,

que define como racionalista o pensamento que entende o que acontece em torno de si, quer

falemos de parentes, vizinhos, amigos ou sociedades de pequena escala, mas que mal

entende o que é a ideia política de governar. Donde, a racionalidade humana está obnubilada

pelas manipulações políticas dos proprietários do poder e, em consequência, do capital. Ideia

retirada dos textos de Karl Marx de 1848, ou Escritos filosóficos, e dos de 1861, ou o Capital,

bem como da Crítica da Economia Política de 1859, e, especialmente, das críticas também

endereçadas a James Mill, tal e qual tinha feito Marx nos seus escritos filsóficos, ao rebater a

ideia mercantilista do empréstimo a juros altos que Mill defendia, bem ao contrário do seu filho

John Stuart Mill.

O debate socialista é todo sobre a economia, definida como base da interacção social já desde

os tempos do economista clássico francês, Jean Baptiste Say[45]ao defender, em longas

páginas de 86 livros, a ideia de que existe a lei de que a oferta cria a sua própria demanda, em

consequência, é preciso criar muitas mercadorias para exportar e “equilibrar” o comércio com

mais exportações que importações, como Smith tinha aconselhado no texto citado, e como a

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Page 61: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Escola Fisiocrata tinha experimentado fazer. Apenas que os produtos a exportar devem ser

industriais ou manufacturados, enquanto que a manutenção da população dependia da

produção rural nacional, tal e qual tinha desenhado Quesnay em todas as suas obras,

especialmente nas publicadas na já referida Encyclopédie de Diderot e D’Alembert.

É contra este tipo de ideias económicas que se insurgem Babeuf, Marèchal, Tönnies, Marx,

Engels e Durkheim. Durkheim, em 1884[46]. Ainda à procura de uma alternativa para entender e

descrever o real, o nosso fundador ou refundador talvez, se pensarmos no Système de

Politique Positive ou Traité de Sociologie, no Chatéchisme Positiviste, e noCours de

Philosophie Positive de Auguste Comte, entre outros, ao transferir o pensamento religioso que

dominava a lógica e a pesquisa científica, para uma apreciação sociológica, é dizer, de

interacção entre pessoas que possuem, ou não, bens que são parte da natureza, como eles

próprios o são, bem como ao sistematizar o discurso dos sacerdotes dentro de uma teoria de

existência social que a religião resgata para ela, como se fora a criadora das relações de

ascendência e descendência, ou do poder político. Ideias que o levaram a afastar-se do

socialista Henry de Saint-Simon, católico ele, mas apreciador das novas formas de entender o

real que Comte apresentava, na base de uma lógica assente em documentos, estatísticas e

debates com o poder religioso e político[47].

A sua tendência era escatológica demais, ao acreditar na passagem da teologia a uma

teleologia baseada numa denominada “religion universelle du monde”, o que, no entanto, lhe

permitiu assentar bases para essa nova forma de olhar a realidade, baseada em provas que

Émile Durkheim debate na base dos seus estudos com Wundt e Tönnies e quase não refere na

sua obra. Ao contrário, em 1906, entre outras obras[48], na Livre Entretienes, 2ème série, diz em

resposta ao debate sobre luta de classes: «M. Paul DESJARDINS. — C’est la fameuse « Lutte

de classes » que nous avons tous dans l’idée. Il s’agit de savoir s’il y a vraiment aujourd’hui des

« classes », deux et non pas trois ni trente, mais deux, nettement tranchées, nécessairement

antagonistes, et aujourd’hui plus que jamais : il s’agit de savoir ensuite si cet antagonisme, que

les prolétaires doivent, non pas laisser amortir, mais pousser à son terme, éliminera

nécessairement l’antagonisme historique des nations et substituera aux sentiments que cet

antagonisme entretient des sentiments nouveaux : il s’agit enfin de savoir si la « conscience de

classe » vaudrait, comme stimulant d’énergies dévouées, le patriotisme national auquel on

prétend qu’elle va succéder…», é a questão lançada no debate, ao qual Durkheim responde :

«l’antipatriotisme n’est que la conséquence particulière d’une idée plus générale, de l’idée que

la société ne pourrait se reconstituer que par la destruction des nations actuelles : la société

actuelle forme deux blocs, il faut que l’un détruise l’autre. C’est là une forme relativement

récente du socialisme. C’est cette notion qu’il faut discuter; il faut examiner si socialisme et

révolution destructive s’impliquent nécessairement; c’est cette notion d’une destruction

nécessaire qui me paraît fausse; elle est contraire à tout ce que je connais de faits», ideias que

define já no curso de Filosofia do Liceu de Sens, e que mais tarde iria desenvolver no seu livro

escrito em 1889, mas publicado postumamente em 1924, Le Socialisme, PUF, ao falar das

ideias com as quais Karl Marx analisa a realidade, especialmente salientando a sua pesquisa

em documentos e estatísticas, que ele próprio emprega no seu texto sobre o suicídio.

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Page 62: O Presente, Essa Grande Mentira Social

E, na Livre Entrétiene referida, sintetiza:« Je résume ce que je viens de dire : 1o Pour vouloir

détruire la société actuelle, il faut croire que la grande industrie représente un développement

économique anormal ; 2oL’antagonisme des classes repose sur cette idée que l’ouvrier n’existe

que comme producteur. Pourquoi ne considère-t-on en lui que ce côté ? 3o Je conçois qu’on

puisse se demander : à quelle nationalité voulons-nous appartenir ? Nous n’avons pas le droit

d’empêcher un homme de se dénationaliser, — une fois acquittées ses dettes envers sa patrie

natale. — Mais que nous voulions vivre sans société, dans l’intérim qui suivra la destruction de

la société actuelle, c’est comme si l’on me disait que nous voulons vivre hors de l’atmosphère,

car la société est l’atmosphère morale de l’homme, de l’ouvrier comme des autres.

É desta forma que Durkheim defende as ideias socialistas e salienta a forma de se estar em

sociedade: o operário é um ser humano como os outros, embora não seja assim considerado

pela população e pelo estado. Aliás, é na publicação Revue de Philosophie de 1906, do mês de

Dezembro, em Paris, que Durkheim estuda as ideias materialistas ao recensear o livro de

António Labriola: Essais sur la conception matérialiste de l’Histoire, para concluir que estas

ideias são as que têm morto a teologia e permitem uma análise objectiva da realidade,

especialmente porque o que Labriola defende é a igualdade e uma economia mais certa para o

operariado, causa que o fundador da Sociologia nunca abandonou desde que presenciara a

destruição de la Comunne de Paris e o resultado da guerra Franco-Prussiana nos anos 70 do

Século XIX. Aliás, já pensador socialista como ele era, dedica todo um número da sua

Revista L’Année Sociologique à análise do materialismo histórico. O próprio discípulo de

Durkheim, Rudolph Lapie, escreve um texto a salientar na primeira frase: «La conception

materialiste de l’histoire est en faveur: à chaque page de l’Année Sociologique on en aura la

preuve, car il s’est trouvé, dans chaque branche de la science, desécrivains preocupées

de’etudier au point de vue économique les autres éléments des sociétés….»[49]

Não me parece nada estranho que esta seja a posição de um intelectual que soube investigar

sem enganar ninguém, com a honestidade de quem está consciente de formar um olhar social

que Comte tinha experimentado, assentando bases filosóficas para uma pesquisa positiva e

não teológica. O próprio Durkheim tinha uma ideia agnóstica sobre o real, melhor, ateia, o que

lhe permitia um certo distanciamento dos factos e das crenças que acabam por falsificar a

realidade. Não é em vão, que anos mais tarde, Pierre Bourdieu se debruça sobre a pesquisa

sociológica e definirá a mesma como um olhar distanciado do que está junto a nós, propondo o

método comparativo, como exprime na sua vasta obra, especialmente em dois dos seus textos,

ao sugerir que um investigador não se pode enquadrar dentro de uma teoria, se quer dar conta

do real[50].

Entre os economistas socialistas, que estamos a rever, aparece uma novidade: François Marie

Charles Fourier, que, no seu texto de 1820, critica a estrutura da sociedade francesa,

especialmente confrontando as promessas feitas pelos filósofos Iluministas com a realidade

com a qual se debate, quer a burguesia francesa – miséria material e moral –, quer a dos

operários, sendo que a sua opção passa pela criação de cooperativas nas quais os operários

teriam uma parte dos lucros. No entanto, não é apenas uma análise da sociedade francesa que

ele faz, bem como uma História da sociedade e o seu desenvolvimento, com o objectivo de

rever a participação económica dos indivíduos dentro de cada uma das actividades. Concebe

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Page 63: O Presente, Essa Grande Mentira Social

estágios de desenvolvimento, divisões em selvagens, bárbaros, patriarcado e civilização. Esta

última corresponderia à sociedade civilizada burguesa do seu tempo, mas com a ironia de

afirmar que o estágio civilizado desenvolve todo tipo de vícios praticados no barbarismo.

Forma de existência ambígua, heterogénea, desencontrados os princípios uns com os outros,

de forma hipócrita, porque estes estágios de desenvolvimento é um círculo reiterado de

desenvolvimento, um círculo vicioso no qual está presente a barbárie, o selvagismo, o

patriarcado e a denominada civilização. É evidente que Fourier usa o método dialéctico de

Hegel, e conclui com duas ideias muito bem conhecidas: que o ser humano, dentro deste

círculo vicioso denominado civilização, tem como ponto de chegada o seu oposto, a pobreza

que nasce da superabundância das classes possuidoras de capital; e uma segunda ideia é que

a História é a destruição da Sociedade, como aconteceu em França, onde a Revolução

Francesa acarretou caos e desvantagens para todos, porque os capitalistas vão à falência ao

dividirem-se as indústrias em diferentes manufacturas que não permitem uma verdadeira

acumulação, impingindo à pequena burguesia um tipo de trabalho artesanal para sobreviver às

crises económicas do seu tempo, sendo a maior parte de população conduzida para um estado

extremo de pobreza. Donde, as cooperativas seriam a salvação ao unir dentro dos lucros, os

proprietários e os produtores, essa outra parte do capital, em que o fixo é o dinheiro e o

variável, o trabalhador[51].

Em síntese, o que Fourier procura é uma harmonia universal, salientando os problemas

históricos, para serem ultrapassados com base num tipo de associação que denomina Phalanx,

ou unidade económica para partilhar os lucros, ultrapassar obstáculos e dividir o trabalho,

conforme as inclinações naturais de cada um. Muitas cooperativas foram organizadas no seu

tempo, o que ajudou a ultrapassar a crise económica de uma França revoltada entre

Revolução, Directórios, Consulados, Império, Monarquia, República, Segundo Império e a

guerra Franco-Prussiana de 1870. Engels, no seu texto de 1888, chama a Fourier socialista

utópico: «Si nous trouvons chez Saint-Simon une largeur de  vues géniales qui fait que presque

toutes les idées non strictement économiques des socialistes postérieures sont contenues en

germe chez lui…Fourier prende au mot la bourgeoisie, ses prophétes enthousiastes d’avant la

Revolution et ses flagorneurs intéressés d’après[52]..»

É este o mesmo texto que refere Owen e as suas utopias. Robert Owen denominado o

fundador do Partido Socialista Británico, cujos princípios, como Fourier, descansavam na

fundação de cooperativas de auto-suficiência, para viver em comum, trabalhar e exportar. As

ideias de Owen sobre as cooperativas eram de dois tipos: as criadas para exportar bens

manufacturados pelos cooperantes; e as de produção quer para o auto-consumo, quer para a

venda. As ideias socialistas de Owen não continham ideias de Karl Marx, bem ao contrário, ele

não aderiu à luta de classes e definiu os trabalhadores como os produtores de cooperativas

comuns ou dos commoners, todos os que trabalhavam e não tinham um título da aristocracia

que governava Grã-Bretanha, integravam cooperativas sociais que define nos seus ensaios[53].

O objectivo de Owen era a fundação de uma grande Central Sindical, capaz de derrotar o

Capital, sonho que não foi possível, apesar da colaboração de David Ricardo, que legislou

especialmente para taxar os mais ricos e eximir os mais pobres ou assalariados, em 1917[54].

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Page 64: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Frederich Engels não podia deixar de opinar sobre o romantismo e cristianismo que orientavam

as ideias socialistas de Owen, e diz ao falar da luta pelos mais despojados: « Mais, à côté de

l’opposition entre la noblesse féodale et la bourgeoisie qui se donnait pour le représentant de

tout le reste de la société, existait l’opposition universelle contre exploiteurs et exploités, riches

oisifs et pauvres laborieux. Et c’est justement celle circonstance qui permit aux représentants

de la bourgeoisie de se poser en représentants non pas d’une classe particulière, mais de toute

l’humanité souffrante. Il y a plus. Dès sa naissance, la bourgeoisie était grevée de son contraire:

les capitalistes ne peuvent pas exister sans salariés et à mesure que le bourgeois des

corporations du moyen âge devenait le bourgeois moderne, dans la même mesure le

compagnon des corporations et le journalier libre devenaient le prolétaire. Et même si dans

l’ensemble, la bourgeoisie pouvait prétendre représenter également, dans la lutte contre la

noblesse, les intérêts des diverses classes laborieuses de ce temps, on vit cependant, à

chaque grand mouvement bourgeois, se faire jour des mouvements indépendants de la classe

qui était la devancière plus ou moins développée du prolétariat moderne. Ainsi, au temps de la

Réforme et de la guerre des Paysans en Allemagne, les anabaptistes et Thomas Münzer; dans

la grande Révolution anglaise, les niveleurs; dans la Révolution française, Babeuf. A ces levées

de boucliers révolutionnaires d’une classe encore embryonnaire, correspondaient des

manifestations théoriques; au XVIe et au XVIIe siècle, des peintures utopiques d’une société

idéale; au XIIIe, des théories déjà franchement communistes (Morelly et Mably). La

revendication de l’égalité ne se limitait plus aux droits politiques, elle devait s’étendre aussi à la

situation sociale des individus; ce n’étaient plus seulement les privilèges de classes qu’on

devait supprimer, mais les différences de classes elles mêmes. Le premier visage de la

nouvelle doctrine fut ainsi un communisme aseptique se rattachant à Sparte, interdisant toute

joie de l’existence. Puis vinrent les trois grands utopistes: Saint-Simon, chez qui la tendance

bourgeoise garde encore un certain poids à côté de l’orientation prolétarienne; Fourier et Owen:

ce dernier, dans le pays de la production capitaliste la plus évoluée et sous l’impression des

contradictions qu’elle engendre, développa systématiquement ses propositions d’abolition des

différences de classes, en se rattachant directement au matérialisme français». [55]

Mais uma vez, foi-me impossível resistir a uma longa citação. É mais do que compreensível. É

este o texto que explica o socialismo francês, os seus participantes e a decadência do

socialismo inglês. A primeira ideia desta citação que acabo de reproduzir (da página 2 do

prefácio para a Edição inglesa), é que Engels usa o seu prefácio como uma verdadeira homília

para tentar introduzir o socialismo marxista na Grã-Bretanha. O Prefácio à versão francesa,

anterior ao 88 ou escrito na data da apresentação do texto em alemão – língua natal de Engels

– em 1880, é bem mais curto, até porque os franceses estão a viver uma situação miserável, a

combater e a criar um sistema de revolução que se espalha pelo mundo todo, excepto na Grã-

Bretanha, que já ultrapassara, como referi, a época das revoluções sociais e tinha ficado

impermeável a qualquer sugestão do que puder acontecer no campo das mudanças de

hierarquias (é preciso lembrar que a Grã-Bretanha não era terra de materialismo histórico e, em

consequência, pouco se importava com o facto de um Karl Marx estar a residir no país e a

pesquisar na Biblioteca do British Museum ao longo de 20 anos, após ter sido expulso do seu

país, Prússia, da França Imperial I e da França da Monarquia Capeto Restaurada).

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Page 65: O Presente, Essa Grande Mentira Social

[1] Vide Mészáros, István 1970: “Marx´s Theory of Alienation” in Marxist Internet Archives ou http://www.marxists.org/archive/marx/works. “As we can see, here we have a dialectical reciprocity… between all three members of this relationship which means that “man” is not only the creator of industry but also its product. Talking about this process of reciprocal interaction, Marx calls it the “genesis of human society”(Manuscripts of 1844) A análise do autor do ensaio é directa e simples: o homem está dividido entre a propriedade privada do proprietário e o salário” página 11, a minha tradução e síntese.[2] O conceito de socialismo varia dentro dos contextos da ideia e conceito, os tempos, os costumes, e os autores. Pelo que, procurei uma definição mais neutra na entrada socialism da Enciclopédia Britânica, editada pela Penguin Books, Grã-bretanha, em Associação com o Pessoal Académico da Columbia University, USA, página 784.[3] Durkheim Émile, (1888) 1928: Le socialism, Presses Universitaires de France, Paris, página 49.Lições 1 e 2, páginas 35 a 57, em formato de papel. A citação é uma síntese que exprime uma ideia a seguir várias definições que Durkheim experimenta no seu curso sobre Socialisme, Universidade de Bordeaux, 1886-1887.Durkheim relaciona o conceito com a economia e a situação social dos trabalhadores do seu tempo. Website nota 26.[4] Durkheim, obra citada, páginas 37 a 39. A síntese é minha.[5] Babeuf, Grachus, 1795, Manifeste de plebéienshttp://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Gracchus+Babeuf+Le+manifeste+de+pl%C3%A9b%C3%A9iens&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt ; Marèchal, Sylvain, Le manifeste dês égeaux, 1796 :http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Sylvain+Mar%C3%A8chal+Le+manif%C3%A9ste+des+%C3%89gaux&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt Os textos destes manifestos estão impressos em Histoire de la conspiration de Babeuf, 1828, de Philippo Buonarroti, website:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Philipo+Buonarroti+&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt  e Pages Choisis de Babeuf, Maurice Dommanget, 1835, website:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Maurice+Dommanget+Pages+Choisis+de+Babeuf&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_pt; Marx, Karl e Engels, Friedrich : Le manifeste communiste. 1848. Website nota 25. Estes três nascem um do outro, até ao ponto de serem referidos como os Manifestos do Manifesto.[6] Voltaire, Jean Marie Arouet, 1763 : Traité sur la Tolerance,http://un2sg4.unique.ch/athena/voltaire/volt_tol.html ; Locke, John, 1666: Websitehttp://www.socsi.kun.nl/ped/histeducIlocke/index.html Texto complementarLocke, John, 1666: Website:  http://www.socsi.kun.nl/ped/histeducIlocke/index.html      ou  http://dspace.dial.pipex.com/town/terrace/adw03/peel/owen.htm Site web http://www.uqac.uquebec.ca/zone 30/Classiques _des_sciences_sociales/index.html[7] Voltaire, obra referida, página 16 da Web de 82 páginas. Website, nota anterior.[8] Voltaire, obra em análise, páginas 51 e seguintes da Web Site, nota 180[9] Montesquieu, 1721: Lettres persanes, Website:http://www.uqc.quebec.ca/index.htm[10] Montesquieu, 1748-1751: De l’esprit des lois, 31 volumes, Site Webhttp://pages.infinit.net/sociojmt eDéfense de l’esprit des lois, 1750,Site web http://www.uqac.uquebec.ca/zone 30/Classiques _des_sciences_sociales/index.html[11] Montesquieu, obra em análise, Livro II, Capitulo 2, páginas 39 e seguintes. Website nota 184[12] Montesquieu, mesmo livro, mesma página 39.[13] Iturra, Raúl, 2002: A economia deriva da religião. Ensaio de Antropologia do Económico, Afrontamento, Porto. Website nota 2.[14] The Unanimous Declaration of the Thirteen Unites States of America, July 4, 1776, Site Web http://odur.let.rug.nl/-usa/D/1776-1800/independnece/doi.htm[15] Déclaration dês droits de l’Homme et de citoyen-26 août 1789, Site Web http://www.justice.gouv.fr/trxtfond/ddhc.htm[16] Sieyès, Emanuel: Texto todos no Site Webhttp://gallica.bnf.fr/Catalogue/Notices/imp/N047520.htm[17] Sobre vida e obra de Grachus Babeuf, ver Pages Choisis de Babeuf, 1935, por Maurice Dommangent, Librairie Armand Colin, Paris; Babeuf,Écrits présntés por Claude Mauzauriac, 1988, Messidor, Paris; Soublin, Jean, 2001: J t’écris au dujet de Gracchus Babeuf, Essai, Atelier du Guê, Paris – é o meu correspondente sobre este tema-; Riviale, Philippe, 2001:L’impacience du bonheur. Apologie de Gracchus Babeuf, Éditions Payot, Paris; Schiappa, Jean-Marc, 1991: Gracchus Babeuf avec les égaux, Les Éditions Ouvriers, Paris ; Maillard, Alain, 1999 : La communauté des égaux, Klimé, Paris ; e, finalmente, pela sua importância como testemunha de vida, Buonarroti, Filippo, 1850 : Histoire de la Conspiration pour l’Égalité dite de Babeuf, Chez Charavay Jeune, Paris. Bem comohttp://www.gracchus-babeuf.com/index.htm[18] Em American and French Revolution Revised, sem autor nem data, página Web referida na nota anterior.[19] Em Férre, Léo, Les anarchistes, Site Web Source:http://jllhomepage.multimania.com/1024/frame2.html[20] Babeuf, François Nöel, dite Gracchus, 1789: Le Cadastre Perpetuel, editado em  ÀVersailles, Chez Blezot, Librairie. Fonte : Biliothéque National de France, Web Site referido, Motor de Pesquisa Gallica. Website:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Gracchus+Babeuf+Le+Cadastre+Perpetuel&spell=1

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[21] O Cadastro de Napoleão, que não tinha por nome “perpetuel” está em http://www.napoleon.orp[22] Babeuf, François Nöel, 1975: Le manifeste de plébiénshttp://www.chez.com./durru/babeuf/babeuf.htm[23] Maillard, Alain, Gracchus Babeuf (1760-1797) et le communisme. Suicide : Soublin Jean : [Extraits de] Je t’écris au sujet de Gracchus Babeuf. Suivi de : François-Noël Babeuf dit Grachus Babeuf-Documento on line :http://ssevillano.free.fr/annexe_3/gracchus_babeuf.doc[24] Morelly, 1755, Code de la nature ou de le véritable esprit des ses lois, Raymond Clavreuil, Paris, ouhttp://www.taieb.net/auteurs/Morelly/tab4.html[25] Maillard, obra citada ut supra. Website 197.[26] Saint-Simon, Claude Henry de Rouvroy, 1760-1825, autor, com a colaboração de Auguste Comte, do Tratado Du Système Industriel, de 1821, Chez Antoine-Augustine Renouard, Paris, texto on-line, Website: Biliotéque de France, Motor Gallica. Website nota 117.[27] Os textos de Saint-Simon estão ao dispor dos leitores na Bibliotéque National de Paris, por meio do motor Gallica; bem como em Saint – Simon,Oeuvres, Gallimard, 1966 em frente, Paris. Marx entrou ao Socialismo pela mão do seu professor, do seu Pai e do seu sogro, todos eles seguidores das ideias do Conde, que Engels denominaria mais tarde como Socialista Utópico, no seu texto de 1888 Socialisme Utopique et Socialisme Scientifique, emhttp://www.marxist.org/français/marx/80-utopi/utopi-1.htm. O texto não as desqualifica, apenas reorganiza a participação das pessoas dentro das ideias definidas como controladas pelo Estado, como as economias de cada cidadão.[28] Filloux, Jean Claude, in Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée, vol. XXIII, nº 1-2, 1993, Paris, UNESCO. Website: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jean+Claude+Filloux+Perspectives+revue+trimestrielle+d%E2%80%99%C3%A9ducation+compar%C3%A9e&btnG=Pesquisar&meta= . Textos: agora.qc.ca/mot.nsf/Dossiers/Emile_Durkheim[29] Macchiavello, Nicola di, (1513) 1983: El Príncipe, Planeta, Barcelona. Website com texto  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Nicola+di+Machiavelli+Il+Principe&btnG=Pesquisar&meta=[30] Frederico de Prússia, (1786) 2000: O Anti-Maquiavel, Guimarães, Lisboa. Website para pesquisa  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Frederico+de+Pr%C3%BAssia&btnG=Pesquisar&meta=[31] Morus, Thomas, (1516) 1989: A Utopia (título original Utopy), Guimarães, Lisboa. Website com texto http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Thomas+Morus+Utopia&spell=1[32] Marx Karl, 1841: The difference between the Democritean and Epicurean Philosophy of Nature, emhttp://www.marxists.org/archive/marx/works.1841/dr-theses/index.htm[33] Babeuf, Gracchus, retirado do site referido, denominado Penseurs sociaux, recontre du 10 de Octobre, 2002. Por outras palavras, Babeuf é lembrado e comemorado e as suas palavras e atitudes, persistem vivas nas mentes baivistas da França e fora do País.[34] Bakounine, Michel, 1871, uma de três conferências proferidas. Fonte: Canevas Éditeur, Saint-Imier, 1990, Bibliothéque National de Paris, motor de pesquisa Gallica.[35] Marx, Karl, 1861: Value, Price and Profit.Addresed to workinf men. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+Value%2C+Price+and+Profit+Addressed+to+Working+Men&btnG=Pesquisar&meta=  [36] Marx, Karl, 1861: 1st International Internet Archive, discurso do autor ao Congresso que prepara a reunião internacional. Website para pesquisa e texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Karl+Marx+1st+International+Internet+Archive&btnG=Pesquisar&meta= [37] Engels, Fredrerich, 1885: On the History of the Communist League, em Website:http://www.marxists.org/archive/marx/works/1847/communist-league/1885hist.htm[38] Marx, Karl, 1848 e 1861;Economic and Philosophical Manuscripts 1848;The Communist Manifesto; e Capital, Vol. 1, no Website:http://www.marxists.org/glossary/terms/p/r.htm ehttp://www.marxists.org/archive/marx/1844/manuscripts/comm.htm [39] Smith, Adam, 1776: An inquiry into the nature and causes of the wealth of Nations, site web com textohttp://geolib.com/smith.adam/won1-08.htm1[40] Mauss, Marcel, 1923-24: «Essai sur le don. Forme et raison de l’echange dans les sociétés archaïques» em L’Année Sociologique, Nouvelle Série, Nº1, páginas 30 a 186.http://gallica.bnf.fr/Fonds_Tables/009/M0093915.htm ouhttp://www.uqac.uquec.ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index.htm1Ou nota 27 do Capítulo 1.[41] Mill, John Stuart, (1843) 1866: Système de logique déductive et inductive-Livre II Du Raisonnement, páginas 30 e seguintes.http://pages.infinit.net/sociojmt[42] Necker, Jacques ; Quesnay, François ; Dupont de Nemours, Jacques de Turgot, http://gallica.bnf.fr/Fonds_Tables/000/M0005448.htm ouhttp://psteger.free.fr/Quesnay.htm[43] Durkheim, Èmile, 1893: De la division du travail social, já referido, nota 26http://gallica.bnf.fr/Catalogues/Notices/txt/N088267.htm , bem como «La contribution de Montesquieu à la constitution de la science sociale», 1892, site web http://pages.infinit.net/sociojmt[44] Tönnies, Ferdinand, 1887, Gemeinschaft und Gesselchaft, emhttp://www.cambridge.com[45] Say, Jean Baptiste, 1841:Traité d’Economie Politique,http://www.ecolib.org[46] Durkheim, Émile, 1883-4, Cours de philosophie fait au Lycée de Sens, em http://pages.infinit.net/sociojmt

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[47] Comte, Auguste, 1830-42, Cours de Philosophie Positive, emhttp://pages.inginit.net/sociojmt ouhttp://gallica.bnf.fr/Catalogue/Notices/imp/N07621.htm; Formation du Positivisme, 1936-1941, emhttp://www.terravista.pt/PortoSanto/1139%SHIP%203%20comte.htm ; 1842 : Discours sur  l’esprit positif, emhttp://bibliotheque.uqac.uquebec.ca/index.htm1852: Catéchisme Positiviste, emhttp://bibliotheque.uqac.uquebec.ca/index.htn  [48] Durkheim, Émile. 1906, em http://www.uqac.uquebec.ca/zone 30/Classiques_des_sciences_sociales/index.htm1, aparece o texto «Internationalisme et lutte des classes».[49] Lapie, Rudolfe, 1898, em /metacata.idq?Mod=&BGC=&Cirestriction=@_Titre(ANNEE%20SOCIOLOGIQUE[50] Bourdieu, Pierre, 1987, Choses Dites, Minuit, Paris; 2000 : Les structures sociales de l’économie, Seuil, Paris.http://www.art.man.ac.uk.SPANISH/Writings/capital.html ouhttp://www.iwp.uno-linz.ac.at/lxe/sektktf/bb/hyperbourdieuAppendix.html[51] Fourier, François Marie Charles, 1820: Théorie de l’organization social; e 1847 : Égarement de la raison, emhttp://www.marxists.org/reference/bio/fourier.htm A minha sítese e a minha tradução[52] Engels, Friedrich, 1888: Socialisme Utopique et Socialisme Scientifique, em http://www.marxists.org/français/marx/80-utopi-1.htm[53] Owen, Robert, 1813-1816: A new view of society or Essays on the Principle of formation of the Human Character, emhttp://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/owen/newview.txtou http://dspace.dial.pipex.com/town/terrace/adw03/peel/owen.htm[54] Ricardo, David (1817) 1983: Princípios de economia politica e de tributação, em formato de papel, Gulbenkian, Lisboa. O original é da Editora Everyman’s Library e está on-line http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=David+Ricardo.+Principles+of+political+economy+and+taxation&btnG=Pesquisa+Google&meta= apesar de ser um texto usado para ensinar economia, ou texto comercial.[55] Engels, Fredrerich, 1888: Socialisme utopique, socialisme scientifique, no Websitehttp://www.marxists.org/français/marx/80-utopi/ 

Engels, homem de posse, tinha ideias para colaborar com a melhoria de vida do povo inglês.

Ele não ignorava os esforços de David Ricardo – que, infelizmente, na apresentação do autor

que faz a Gulbenkian, é denominado como filho de Holandeses, sendo, de facto, filho de

portugueses fugidos para Amesterdão, terra de acolhimento de judeus – o caso exacto da sua

família. 

Este Ricardo tinha definido o valor do trabalho de forma diferente de Adam Smith e Marx. Este,

em conjunto com Engels, teve o trabalho de transferir para o materialismo histórico, a frase da

definição de Ricardo e usar a ideia para definir a mais-valia das empresas, inglesas, francesas

ou, já na altura do texto, da Alemanha.

A frase abre o livro de Ricardo, na edição de Lisboa, e diz: “….a utilidade não serve de medidas

de valor de troca [como definira Adam Smith no texto citado de 1776] (o parêntese é meu),

embora lhe seja essencial. Se um bem fosse destituído de utilidade – por outras palavras, se

não pudesse, de modo algum, contribuir para o nosso bem-estar – não possuiria valor de troca

independentemente da sua escassez ou da quantidade de trabalho necessária para o produzir.

Os bens que possuem utilidade vão buscar o valor de troca a duas fontes: à sua escassez e à

quantidade de trabalho necessário para a sua obtenção”[1]Engels sabia disto, porque sabia das

actividades socialistas de David Ricardo.

[1] Ricardo, David, 1817, obra citada, páginas 31 e 32 da edição em formato de papel, Gulbenkian,

Lisboa.

Capítulo Quinto

67

Page 68: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Sociologia Económica

1. Antecedentes.

Espera-se que um Antropólogo da Economia fale, apenas, da etnografia de povos além da sua

cultura e não da interacção social da economia que orienta a sua própria cultura. Mas, se

queremos entender esse processo, é preciso entendermos o que é a Sociologia Económica.

Uma temática que tem a ver com três conceitos: o de opção e o de maximização outeoria da

acção sociale, principalmente, o que o Année Sociologique[1] procurava: a teoria do valor. Esta,

através da análise da teoria liberal da economia, não do utilitarismo, como referido por Marcel

Mauss ao falar da economia de troca-dádiva, como diferente da economia utilitarista[2].

Diz Mauss no texto referido: “Vimos repetidamente quanto esta economia de troca-dádiva

estava longe de entrar nos quadros da economia supostamente natural do utilitarismo”[3] A

definição de sociologia económica usada por Marcel Mauss, é apenas uma introdução à

matéria, no Prefácio da Secção Quinta da Année Sociologique em referência.

É conceptual a questão levantada neste parágrafo. Quer Mauss no seuEssai sur le don, quer

Durkheim na sua tese de doutoramento de 1893, publicada nesse mesmo ano, sob o título De

la division du travail social, debatem o conceito que orientava a vida social e económica, o

princípio ético de utilidade, que já na Ética a Nicomaco, Aristóteles tinha avançado[4], e é mais

tarde usada por Jeremy Bentham[5] e por John Stuart Mill[6]. A questão é simples e mais

filosófica e de princípios morais, que de economia, como fiz referência no Capitulo I, nº 3 deste

texto. Na base da ideia de ser gentil, civilizado, aberto e debater as ideias, retirando-as da

prática, mas elaborando ideias a partir do seu confronto com teorias prévias, Aristóteles

organiza um sistema de pensamento, reflectido não apenas na Ética a Nicómaco, bem como

em toda a sua obra: Economia ou interacção do lar com a vida pública, Política ou conselhos

para o bom governo do povo, Metafisica ou de como as ideias são formadas.

É destes textos, que, no fim da época denominada liberal, quando a História traz outra vez

formas de Governo Imperial e Aristocrata; quando a declaração dos Direitos do Homem

começa a ficar esquecida, pelo objectivo do lucro que todo o indivíduo procura, que a

Economia passa a ser uma forma de vida que Bentham resume numa frase, no seu livro já

citado: “By the principle [or foundation, or approbation, or feelings, a minha interpolação] of

utility, is meant that principle which aproves or disapproves of every action wahtsoever,

according to the tendency which it appears to have to augment or diminish the happiness of the

party whose interest is in question. Or to promote or to oppose that happiness. I say of every

action whatsoever; and therefore not only of every action of a private individual, but of every

measure of government. By utility is meant the property of any object, whereby it tends to

produce benefit, advantage, pleasure, good, or happiness…or to prevent the happening of

mischief, pain, evil, or unhappiness to the party whose interest is considered…”[7]

Acrescenta John Stuart Mill[8] que a felicidade pode ser apreciada nas obras das pessoas, que

as pessoas felizes produzem obras boas e as infelizes, obras más. A lógica a ser usada é

empírica e é desse empirismo que deriva a ideia central da Economia. O que nem Durkheim

nem Mauss parecem entender. Eles discutem as ideias económicas de Stuart Mill e lutam

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Page 69: O Presente, Essa Grande Mentira Social

contra as ideias utilitárias, por terem percebido que não há felicidade nos seres humanos por

causa da diferença social: há os patrões e há os operários, duas classes opostas. Opostas, por

serem os primeiros proprietários das tecnologias reprodutivas e produtivas, os segundos por

viverem de um salário raro e pobre.

As ideias económicas de Stuart Mill estão expressas no seu texto de 1848 [9]. Distingue entre a

produção e a distribuição das riquezas; a distribuição tem duas formas: a propriedade privada e

a propriedade comum, desiquilibradas, por haver mais propriedade privada que comum, e pelo

comportamento concorrencial dos indivíduos: “É duvidoso que todas as intervenções

mecânicas feitas até hoje tenham diminuído a fadiga quotidiana de um único ser humano.

Permitiram a um maior número de homens levar a mesma vida de reclusão e de trabalhos

penosos e a um maior número de manufactureiros e outros fazer grandes fortunas; mas elas

não começaram ainda a operar no destino da humanidade as grandes mudanças que está na

sua natureza realizar”[10].

O que debate é um modo de vida e na altura das revoluções que se seguiram a dois factos

determinantes: a Revolução Francesa, cuja estabilidade apenas foi conseguida em 1870; e a

implantação das ideias liberais na Grã-Bretanha, terra do nosso autor. Em desespero, como

humanista, defende a igualdade das mulheres perante os homens e advoga pelo controle dos

nascimentos, para melhorar o nível de vida da população. Stuart Mill acolhe o debate de três

autores: Sismonde de Sismondi, James Mill e Karl Marx[11].

Karl Marx, que escreve especialmente o seu Prefácio à Crítica da Economia Política – único

texto das Grundrisse a aparecer durante a vida de Marx[12] no seu livro O Capital, Volume I,

contradiz Stuart Mill, apenas porque diz para um público mais amplo: “My investigation led me

to the result that legal relations as well as forms of State are to be grasped neither from

themselves nor for the so-called general development of the human mind, but rather have their

roots in the materials conditions of life, the sum total of which Hegel, following the examples of

the Englishmen and Frenchmen of the eighteenth century, combines under the name of “civil

society”…the anatomy of civil society is to be sought in political economy: …in the social

production of their life, men enter into definite relations that are indispensable and independent

of their will, relations of production which correspond which correspond to a definite stage of

development of their material productive forces. The sum total of these relations of production,

constitutes the economic structures of society, the real foundation, on which rises a legal and

political superstructure and to which corresponds definite forms of social consciousness…It is

not the consciousness of men that determines their being, but, on the contrary, their social

being that determines their consciousness… [until] a social revolution begins”[13].

A boa vontade não é suficiente para viver, nem as causas cívicas a que dedicava o seu tempo

e ideias o autor em questão. Na época de Stuart Mill a assistência aos pobres ao domicílio foi

revogada em 1834, as leis do trigo passaram do controlo estatal de impostos previsto por David

Ricardo em 1818,[14] ao livre comércio em 1844 e revogadas em 1846, as novas terras para

69

Page 70: O Presente, Essa Grande Mentira Social

produzir foram abertas à concorrência, o que eleva o custo da subsistência, na medida em que

a população cresce sem ter outros meios de trabalho ou salários que condicentes com os

preços dos bens rurais, classificados por Ricardo em terras de primeira qualidade, segunda e

terceira, conforme a sua proximidade ao mercado e o potencial de criação de postos de

trabalho ou lugares para obter um salário. Em consequência, as formas de pensar a economia

não podiam já ser morais, a vida desses seres humanos estava em perigo, a fome existia e foi

a época mais pobre da História da Europa. O programa da economia liberal tencionava

desenvolver ideias de produção e de empresa, de capital acumulado para e pelas pessoas.

Não é em vão que Marx, perante estes factos e perante as leituras das leis e das teorias,

escreve que são as condições de vida que determinam a consciência do ser humano.

Normalmente, as ideias de um Bentham ou de um Stuart Mill eram uma forma de vida reflectida

nas obras feitas pelas pessoas. Aliás, havia toda uma ideologia religiosa que já foi invocada, e

que pode ser sintetizada pela frase evangélica de que “pelas vossas obras sereis conhecidos”.

Marx, na sua educação como Rabino e na sua intervenção na questão judaica da França de

1849, entendeu que os seres humanos tinham sérias limitações materiais para poderem viver e

que a prometida liberdade que as máquinas tinham trazido ao trabalho, não existia por causa

da propriedade privada das mesmas. Os Utilitaristas tentaram fazer da denominada Lei Natural,

uma teoria económica. Essa lei natural era a capacidade para trabalhar e para enriquecer,

desde que se pensasse de forma pragmática. Pragmatismo impossível pelas bases dos seus

princípios: a propriedade privada dos bens de produção, a apropriação privada do resultado do

trabalho de outros seres humanos pelos poucos que, como Stuart Mill diz muito bem na citação

anterior, passam para a nova era como donos da indústria que nasce.

O operariado estava em revolta, as manifestações e as greves eram alargadas, não apenas na

Grã-Bretanha, como em todo o mundo industrial. As leis de repressão e de encarceramento

eram uma nova criação dos Estados e Nações que detinham o poder nas suas mãos. Aliás,

como é possível analisar pelos historiadores, as classes dominantes eram as classes

proprietárias, e de entre esses proprietários, se escolhia um Governo através do voto nas

urnas. Não é em vão que o próprio Stuart Mill começa a militar no partido de Owen, o

sindicalista inglês que, como sabemos dos capítulos anteriores, organizou a resistência ao

capital e à classe proprietária, ao qual aderiu Stuart Mill. Marx tinha escrito textos sobre o

desenvolvimento da pobreza por causa da indústria, no seu Manifesto Comunista, e é a partir

daí que Stuart Mill escreve a citação extensa que fiz antes: é a declaração do socialismo inglês,

uma manifestação distante das primeiras ideias do Utilitarismo que ele produzira em escritos

anteriores, já citados. No seu texto de 1848, acrescenta que a exportação de capitais para

trabalhar e produzir em sítios mais baratos, bem como a importação de géneros estrangeiros

para manufacturar na Grã-Bretanha, levaria a descer a taxa de lucro dos capitalistas que

estavam a causar a pobreza da Nação. E diz, em síntese, de que “o melhor estado para a

natureza humana é aquele em que ninguém é rico, ninguém aspira a tornar-se mais rico e não

teme ser derrubado pelos esforços que os outros fazem para se precipitarem para diante”[15].

Por outras palavras, estas são ideias de um bom samaritano, que não tem mais do que o seu

saber filosófico, moral ou ético, para entender uma realidade que não investiga, como fazem

Marx e Durkheim. A cura social para a indução/dedução das ideias acaba por não ser a forma

70

Page 71: O Presente, Essa Grande Mentira Social

de remediar a acumulação de bens em poucas mãos, facto reconhecido na citação anterior. A

escola liberal triunfa na economia e na política, e é contra este tipo de factos, que Durkheim e

Mauss se agitam. Especialmente, pela ideia de maximização ou Homo Economicus que define

o padrão social do comportamento dos indivíduos e os seus grupos. Não é em vão que

Durkheim escreve o texto de 1890:”Propriété social et démocratie”[16]: “La propriété individuelle

ne se recommande pas seulement par de raisons d’intérêt bien entendu; elle a as base

rationnelle…Mais une propriété absolue, sens réserve et sens restriction, ne se trouve pas pour

cela justifiée; car, avec nos seules forces, nous ne pouvons rien créer…. Ainsi, dan toute

propriété, outre le part de l’individu, il y a celle de la nature et celle de la nation. L’économie

orthodoxe a le tort de méconnaître cette collaboration….Comment pourrait-il [l’État] adapter la

production aux mille nuances de la demande ? …La puissance politique constitue une sorte de

fonds social, dont il faut régler la répartition… La société est composée des individus libres : le

suffrage universel permet la vie en commun, sans toucher à cette liberté. La société est une

association. Mais, ce l’État qui doit prendre soin de l’individu qui appartient a une société

organique…Le socialisme lui aussi sera volontaire et conscient[17]”

Neste texto Durkheim debate entre a iniciativa individual e a iniciativa de grupo, entre o

individualismo, que sempre criticou, contra um possível socialismo que estruture a sociedade

como um processo absoluto comandado pelo Estado. Vive-se a época republicana na França

de Durkheim, que é prévia à sua leitura de Marx e dos socialistas utópicos, que apenas lê a

seguir à sua viagem à Alemanha, em 1888. O que me interessa em todo este debate e

citações, é estabelecer que a sociologia económica nasce a partir de um contexto sem

conceitos nem decisões bem estabelecidas. O mundo social acaba de sair de uma estrutura

histórica de servidão, da qual não está ainda muito certo, enquanto Continente, de se ter

libertado. É um Continente que não apenas ainda tem Colónias, usadas para produzir as

matérias-primas (como recomenda Stuart Mill), bem como um Continente com experiências

diversas. Na França, a Revolução tinha acontecido antes e depois da data da sua

comemoração. Durkheim, Marx, Stuart Mill, sabem das revoltas de 1848 por todo o continente,

das unificações de países, do “arrecadar” para a indústria dos seres humanos denominados

cidadãos, com direito a voto, governar e escolher os seus governantes.

A Sociologia Económica tem um começo polémico, de luta de classes, como Marx e Durkheim

analisam, da desigualdade dos seres humanos perante a lei, por causa das riquezas ou da falta

das mesmas. Um Continente que vive uma ideia, a da libertação dos proprietários, não apenas

das suas terras, bem como das suas pessoas.

A Sociologia Económica nasce para se entender uma anedota: qual é agora, a hierarquia

social? Esta parece residir no que já denominei de lógica de maximização ou de Homo

Economicus. Porque o debate dos sociólogos é com os economistas que apenas entendem de

fórmulas para progredir no lucro, para concentrar uma relação social baseada no capital – i.e.,

a propriedade concentrada dos meios de produção nas mãos do pequeno grupo que refere

Stuart Mill, os poderosos do seu País e partilhá-los, na base da lei, como Durkheim argumenta

em La division du travail social, com os citoyens criados pela declaração já referida no Capítulo

71

Page 72: O Presente, Essa Grande Mentira Social

1.

O contrato e a lei, pareciam ser a base da igualdade, mas, e a lógica, para a definir? Vamos

analisar esse conceito de maximização como segundo ponto, para, a seguir, analisar as ideias

sociológicas sobre a estrutura social.

2. Maximizar ou Homo Economicus.

 

É a ideia que analisam, em primeiro lugar, mas com reticências, autores como Thorstein

Veblen[18] e Talcott Parsons[19], e, de forma mais aprofundada, os teóricos Max Weber[20] e

Pierre Bourdieu[21], entre outros, bem como a reacção de Émile Durkheim e Marcel Mauss.

A teoria liberal tinha conseguido, com a liberalização dos mercados e com a não intervenção do

Estado em matéria de fluxo de mercadorias, que a população tivesse que se defender da livre

empresa que procurava compradores para colocar os seus produtos. A livre empresa, ou o livre

mercado, consiste em fixar preços na base dos custos antecipados pelo proprietário do dinheiro

(ou investidor), que permitam recuperar o investimento e, além do mais, lucrar. Lucrar, ou

ganhar dinheiro com o dinheiro investido. É o dinheiro investido que se tenta recuperar,

ganhando de permeio um valor semelhante ao investido e recuperado, para lucrar. É o que

Marx denomina como a Mais-Valia ou valor a mais, ouvalor acrescentado[22]. Não é apenas o

investimento, bem como as horas extras de trabalho do denominado capital variável ou

operariado, que deve estar sempre presente e disponível para transformar as matérias em

bens a colocar no mercado. Todo o investidor para lucrar, ou pelo menos, para vender os bens

que fabrica, faz o que se denomina uma prospecção do mercado, tentando saber qual é o bem

mais necessário e de que maneira é procurado, para satisfazer o capital fixo ou dinheiro

adiantado em moeda, tecnologia, edifícios, matéria-prima ou não convertida em bem para

oferecer. As leis formuladas por Adam Smith funcionam de forma perfeita num sistema de livre

mercado, dentro do qual há pessoas que não conseguem criar todos os bens que precisam

para o seu uso e devem adquirir ou comprar outros bens de uso que passam assim a ser bens

de troca ou de intercâmbio.

A lógica do liberalismo baseia-se no facto da divisão do trabalho ocupar todo e cada um

membro do grupo social, indivíduos sempre ocupados a trabalhar na confecção de um bem,

sem terem tempo para dedicar horas do seu dia de trabalho, à confecção de bens de uso ou

bens que precisam para a sua subsistência. É o denominado bem de consumo[23], que, uma

vez usado, desaparece e deve ser substituído, mais e mais uma vez, por bens semelhantes. O

exemplo mais típico é a alimentação; outro, o vestuário; outro ainda o abrigo ou agasalho de

uma casa ou lar. Se pensarmos nos tempos actuais, os investidores estão muito atentos, de

olhos abertos, para ver como criar uma necessidade para passar a ser esta nova procura,

como organizar mais uma forma de vender produtos.

O exemplo mais característico e vulgar, é o do uso dos telefones móveis ou telemóveis, como

são denominados. Adam Smith não estava nada perdido no dia que escreveu o seu livro e

distinguia entre dois conceitos:needs e wants. Um need ou necessidade, é o conceito que

exprime tudo o que não fazemos, mas é necessário para nós sobrevivermos (é, gostaria de

72

Page 73: O Presente, Essa Grande Mentira Social

dizer, para nós sermos entidades sociais semelhantes às outras ou seres humanos que

usamos os mesmos bens). O liberalismo desenvolveu uma concorrência forte entre todas as

pessoas, quase como o que acontece entre os gestores de fábricas, indústrias, produtores em

geral, ou investidores. A necessidade de colocar o produto no mercado, acaba por ser o

incentivo para a propaganda, para a transformação de bens naturais em bens de mercado ao

mais baixo investimento possível, em consequência, com um preço mais económico para quem

o adquire. O mesmo tipo de bem, pode ter diferentes preços decorrendo dos materiais

empregues e da mão-de-obra utilizada; um colar de pérolas, é um need social, ou, como é

também definido, um bem de luxo. Este bem de luxo é concorrencial, ajuda a vender a pessoa

que o usa, a ser objecto de atenção social, a impor nos que a rodeiam um respeito que pode ou

não condizer com o valor dos bens que fabrica, inventa ou cria.

Exemplos típicos são também os perfumes e a moda: a forma extravagante de viver e de vestir

de Coco Channel, fez dela uma empresária a criar um need no meio das pessoas que, tenham

a capacidade económica ou não, possam ou não (aqui há que ressalvar essa outra estratégia

de oferta e procura que passa pela contrafacção), é dizer, tenham ou não a “estética

necessária” para usar perfume ou roupa Channel, acabam por ser consideradas como seres

de valor social. Estamos aí no domínio do que se denomina “a moda”, formas de agir às quais

é dedicada publicidade, respeito, hierarquia social, a passar sempre à frente dos outros. Por

outras palavras, os indivíduos devem, conforme a legislação actual em Portugal e a maneira

liberal de Smith, fazer a sua própria empresa: a própria pessoa ou empresário em nome

individual, a quem se solicita produtividade, sem mais. Uma necessidade existe no meio social,

quando é para ser consumida. Mas, a denominada Lei de Mercado, vai criando outras tão

importantes, que até podem passar sem procurar o que é preciso para a sua subsistência, para

poder brilhar entre os parentes, vizinhos e amigos, ou ainda, na relação patrão-operário: um

operário bem alimentado, bem vestido, como maneiras eruditas de falar para o seu nível, em

conjunto com a sua destreza para fabricar o bem de mercado para o qual é requerido

e alugado – os seres humanos têm também um mercado, do qual se está consciente. Exemplo

de escravatura no seu tempo, brutal ou não, é o que define este mercado de seres humanos:

às vezes não é necessário saber, as vezes é necessário ser visto como um ser humano que

sabe dominar as suas emoções e pode agir conforme a sua racionalidade. Há necessidades

primárias e necessidades criadas pelo mercado. Uma das quais, é a de nunca causar conflitos

ou falar dos seus problemas: a lei de mercado impõe silêncio entre os seres humanos.

Assim, podemos falar de um want, esse outro conceito de Adam Smith, que passou para a

posteridade como o que eu desejo adquirir além das minhas necessidades. Um want é

importante para o investidor, por permitir definir o possível investimento que uma pessoa faz

dentro dos seus recursos. Want é desejar bens sem os quais podemos sobreviver. Um need é

parte das vendas do ser humano no mercado. Um want é um querer consumir, para o qual o

mercado deve estar mais do que atento, à espera do satisfazer porque é aí onde faz o seu

investimento e o seu lucro. É aí onde começamos a lidar com o conceito de maximizar ou

optimizar as nossas possibilidades económicas. Adam Smith fala de want, usando o

conceito need como uma forma de exprimir ou exteriorizar o seu discurso. Para ele, há o que

deseja a Raça Humana, a extensão do fenómeno para poder investir no mesmo, e para poder

73

Page 74: O Presente, Essa Grande Mentira Social

medir qual a extensão do fenómeno de querer ou desejar, para calcular o tipo de pessoas a

serem alugadas por um salário, quantos, quando e onde.[24]No texto, o autor define want como

um need humano que, ao ser satisfeito, traz lucros ao mercado. E diz: “after food, clothing and

lodging are the two great wants of mankind”[25].

Mas, não é apenas o que tenho citado em nota de rodapé que é importante saber, para

configurar a defesa que faz o Homo Economicusna criação de uma lógica para se defender de

um mercado que o persegue de forma impiedosa para satisfazer a sua urgência de vender e

recuperar os investimentos. Para o Mercado, o ser humano não é pessoa, é apenas um

potencial comprador ou consumidor de bens produzidos por outros, ou um potencial indutor de

ideias de consumo espalhadas e criadas pelo mercado. “In that rude state of society in which

there is no division of labour, in which exchanges are very seldom made, and in which every

man provides everything for himself, it is not necessary that any stock [reserva, provimento]

should me accumulated or stored up beforehand, in order to carry on the business of society

[reservado, previsto]. Every man endeavours to supply by his own industry his own occasional

wants as they may occur. When he is hungry, he goes to the forest to hunt; when his coat or

worn out, he clothes himself with the skin of the fist large animal he kills…But when the division

of labour has once been thoroughly introduced, the produce of man ‘s own labour can supply

but a very small part of his occasional wants. The far greatest parts of them are supplied by the

produce of other men’s labour, which he purchases with the produce, or, what is the same thing,

with the price of the produce of his own”[26]. Mais esta comprida citação que se deve ao facto do

autor remeter o que se deseja ou se quer, para um estado de comércio, ao comparar as formas

de intercâmbio com as que pensava existirem quando a actividade era de auto-suficiência ou,

talvez, de permuta. Este facto por ele delineado, esquece que na divisão do trabalho, como

Durkheim[27] depois rebate, tem valor social, ou seja, não existe apenas para dinamizar a

capacidade produtiva dos seres humanos, objectivo do trabalho de Adam Smith, bem como

para criar justiça entre seres humanos que vivem dentro de uma estrutura com processos de

solidariedade orgânica, em grupos. De forma que cabe a Durkheim comentar a ideia de Karl

Marx, expressa no Capital, Vol. I e antes, no Manifesto Comunista: “A chacun selon ses

œuvres” devia ser, para sermos justos, diz Durkheim, “a chacun selon son mérites”[28], é dizer,

conforme o valor de cada pessoa e não uma forma absolutista de não medir o mérito. É o que

Durkheim mais tarde iria denominar de “Socialismo Absolutista”[29].

O que interessa, por agora, é a lógica derivada do liberalismo e de como o criador da Economia

Clássica, define os seres humanos como operários, sem reparar que ao falar de Divisão do

Trabalho e dizer que as pessoas podem, com o seu dinheiro, comprar a outros aquilo que for

preciso, esquece o que define em outros Capítulos do seu livro, isto é, que os seres humanos

vivem em divisão de trabalho, conforme as indústrias, manufacturas e empresas nas quais

trabalhem, e que ou trabalham no campo ou na cidade. Aliás, prevenindo a falta de riqueza

pessoal, fala da Commonwealth, ou o fundo de reservas que pode apoiar os que não tenham

dinheiro. A maior parte do livro é dedicada a esta política de formar um fundo comum, ou, como

denomina The revenue of the sovereign, bem como ao comércio e às Colónias. Não há

impostos em causa, apenas toda uma argumentação sobre a gestão livre e autónoma das

formas de produção.

74

Page 75: O Presente, Essa Grande Mentira Social

É evidente, como já referi, que esta produção tem por resultado uma forma de pensamento que

é bem simples de lembrar: todo ser humano precisa de observar com todo cuidado os preços

dos produtos que necessita, distinguir entre o que deseja mas pode dispensar, e resolver se

gasta ou não a sua moeda. É o mesmo tipo de julgamento que faz o investidor, antes de decidir

qual o ramo de actividade para produzir e vender. É este comportamento dos proprietários que

é imitado, conscientemente ou não, pela população. A estrutura social, a hierarquia, o objeto

sociológico da ciência, é o comportamento social conforme as formas de pensar de forma

económica.

Economizar (economizing), é um conceito cunhado pela atitude dos produtores e os seus

trabalhadores. Não é em vão que Talccott Parsons e Neill Smelser dizem: “…the economics

aspects of society which are principally distinguished by their maximising of available means to

want-satisfactions…”[30] Todo o indivíduo, porque é de indivíduos a pensar do que se trata em

Sociologia Económica, vê-se confrontado com a necessidade de comprar, por lhe faltar tempo

para criar bens necessários para a sua subsistência. O ordenado ou salário com que é pago, é

pouco em relação à imensidão de recursos que deve consumir. O mercado conta já com esta

ideia, joga com ela e usa-a para o seu próprio proveito.

Maximizar ou optimizar, como diz Karl Marx no Capital, é, para as pessoas de escassos

recursos, que precisam de usar a sua lógica para reparar no bem que procuram, e procurar

adquiri-lo onde ele é mais barato, ou alternativamente, não o adquirir, ou, ainda, pela venda

ética da sua estética. De facto, a produção de valores de uso está subordinada à produção de

valores de câmbio, orientada pelo proprietário, que por sua vez, se orienta pelo mercado. A

lógica do consumidor, a maior parte da população de uma Nação, deve usar estratégias para

poder consumir ou gastar o seu dinheiro. A lógica do mercado foi criada pelas empresas e para

empresários, entendendo-se que cada indivíduo seria uma empresa individual ou a este

comportamento ficar obrigado. Foi assim que tratei deste assunto em dois textos meus, ao

falar in extensi das estratégias para maximizar[31]. A explicação é dada por Polanyi: “The last

two centuries produced in Western Europe and North America an organization of man’s

livelihood to which the rules of choice happened to be singularly applicable. This form of the

economy consisted in a price-making markets…”[32]. A formação dos preços resulta da falta de

proteccionismo estatal e da liberalização do intercâmbio: quem vende mais barato um bom

produto, ganha e lucra e atrai uma clientela importante, formando-se uma corrente de opinião

favorável à empresa que assim lucra. A produção dos bens é o que interessa, não a sua

circulação. Smith concentra-se na circulação, ignorando a produção, pelo que define valor de

um bem como o preço que adquire um produto pela quantidade de trabalho investido na

produção, especialmente se a divisão do trabalho para elaborar esse bem, é de grandes

proporções e envolve muitas pessoas. Teoria refutada por David Ricardo e Karl Marx.

Entretanto, é preciso saber o que diz Thorstein Veblen[33], em relação a esta temática, tal e qual

já foi analisado no Capítulo I. Sobre a realidade capitalista, Veblen diz calmamente: “All classes

are in a measure engaged in the pecuniary struggle, and in all classes the possession of the

pecuniary traits counts towards the success abd survival of the individual.Wherever the

pecuniary culture prevails, the selective process by which men’s habits of thought are shaped,

and by which the survival of rival lines of descent is decided, proceeds proximately on the basis

75

Page 76: O Presente, Essa Grande Mentira Social

of fitness for acquisition. Consequently, if it were not for the fact that pecuniary efficiency is on

the whole incompatible with industrial efficiency, the selective action of all occupations would

tend to the unmitigated dominance of the pecuniary temperament. The result would be the

installation of what has been known as «economic man», as the normal and definitive type of

human nature. But the «economic man», whose only interest is the self-regarding one and

whose only human trait is prudence, is useless for the purpose of modern industry”[34]. Para

Tholstein a exploração dos seres humanos está institucionalizada no consumo conspícuo ou

notável para além do investimento em produção. A classe possidente tem tempo livre para

poder ditar o que tem valor, definir as normas de urbanidade, classificar os seres humanos pelo

tempo empregue, através de gerações, na educação da sua família em recreações que o

libertam da opressão causada pelo trabalho industrial. Ao longo do seu livro, este autor faz uma

análise dura e déspota dos senhores do mundo. Ou, por outras palavras, analisa o que Adam

Smith e Karl Marx não tiveram tempo de fazer: o primeiro ocupado com a sua ideia de

construção de uma teoria económica organizadora dos investimentos e dinamizadora da

produtividade dos seres humanos, pobres ou ricos; o segundo, em defender a classe social

mais despojada de bens, é dizer, os proletários, para o que dedica o seu tempo ao estudo dos

investimentos de capital e compara épocas históricas. Veblen tem tempo suficiente para

analisar o investimento do tempo de ócio da classe social que têm para si os meios de

produção. Porque, não é possível pensar apenas na mais-valia, quando se pensa na classe

dominante. A classe dominante tem outros meios para exercer essa dominação e eles residem

nos gostos, nas formalidades, nas formas de usar o corpo, os usos das alianças matrimoniais,

as formas de ocupar o tempo e de estabelecer, por exemplo, como deve ser um corpo de

mulher.

Veblen analisa ainda o uso da religião como uma maneira de estabelecer formas de vida e fala

das formas austeras de vida que estes cânones de vida impõem nas pessoas. Diz: “If any

element of comfort is admitted in the fittings of the sanctuary, it should at least be scrupulously

screened and masked under ostensibly austerity. In the most reputable latter-day houses of

worship, where not expense is spared, the principle of austerity is carried to the length of

making the fittings of the place a means of mortifying the flesh, specially in appearance…This

canon of devout austerity is based on the pecuniary reputability of conspicuously wasteful

consumption, backed by the principle that vicarious consumption should conspicuously not

conduce to the comfort of the vicarious consumer”[35].

O consumo excêntrico analisado por Veblen, faz pensar nos elementos que são usados pelas

classes exploradoras e reproduzidos pelas classes exploradas, que desejam ou manter o seu

trabalho ou pensar-se a si próprios como parte desse grupo, ao qual apenas têm acesso pelo

trabalho e pelo salário. No entanto, e como Max Weber [36] analisa no seu Capítulo IX do texto

referido, há formas de dominar com estrutura e funcionamento a partir do Governo, que

passam pelo recato nas formas de viver e pela austeridade, acabando por ser exemplos de

estratégias de poupança. “Poupança” que reverte em favor do proprietário ou da classe com

tempo livre, por não ter que gastar em ordenados ou salários que compensem o trabalho ou a

escolha de gosto e de alimentos que os proprietários usam. É como se estivéssemos a visitar o

76

Page 77: O Presente, Essa Grande Mentira Social

livro do Conde de Lampedusa[37], O Leopardo, na época da reunificação italiana, quando

diz que tudo deve mudar para que tudo continue a ser o mesmo.

De facto, uma vista de olhos à sociedade actual, denominada globalizada, faz pensar que a

análise evolutiva das classes sociais, usada de forma dialéctica por Marx e por Veblen, é uma

realidade. A Sociologia Económica exibe-nos grupos sociais a usarem valores antigamente

dedicados ao uso e a poupança reservada para o uso, caso um dia os valores faltassem, hoje

em dia transformados em moeda de troca, de intercâmbio, utilizada para viajar, comprar os

melhores instrumentos electrónicos, seleccionar uma biblioteca nunca lida mas sim exibida

para, como dizemos em Portugal, “inglês ver”. As classes assalariadas passaram ao gasto

sumptuário ou conspícuo, como analisado por Veblen no seu tempo. Quanto mais rica a classe

operária, mais semelhante à classe dominante e mais dominadora ela própria dos seus

semelhantes que tenham a desgraça de trabalhar para eles. O operariado imita estes

comportamentos; os sindicatos têm formado escolas para crianças e adultos, as suas

reivindicações passam por salas de leitura, clubes, música e outros bens que, no Século XIX,

eram apenas atributo das classes ociosas, como Marx as denominou e Veblen usou como

conceito, para entender o outro lado da moeda: não há classe operária se não houver classe

proprietária.

Quanto ao investimento dentro de toda esta análise, ele é também exercido pelo operariado. O

que se define por produtividade, hoje em dia, não é apenas a força de trabalho, bem como o

funcionamento em empresa privada ou, ainda melhor, individual e autónoma. O conceito que

Durkheim mais contestara, era esse do individualismo, usado pela primeira vez nas

declarações de Independência referidas, nos Direitos do Cidadão da Revolução francesa, e

pelo liberalismo que consegue pôr ordem no caos da passagem da servidão à livre empresa,

com operários a lutarem com os seus sindicatos, até abandonarem os mesmos para ter a sua

indústria. A individualidade definida por Milton Friedman[38] e a escolha livre, são parte da vida

actual, reformulados os conceitos, ou amplificados os conceitos de classe social, tal e qual

Veblen analisa nos seus vários livros e Anthony Giddens no de 1998, sobre a social-

democracia. Giddens[39] é capaz de ver que o mundo da Social-democracia avança para o

sonho de Durkheim e Mauss, de todos sermos iguais sem luta de classes nem guerras nem

revoluções.

Não queria dizer com isto, que o conceito de exploração institucionalizada, usado por Thorstein

Veblen, me tenha arrebatado o julgamento da realidade. A luta de classes é uma realidade,

apenas que os membros das classes mudaram, como acontece normalmente na História. A

Aristocracia Bourbon em França muda para o Bonapartismo, que consiste afinal na compra de

títulos de Conde, Duque ou outros. Veblen diz claramente: “The constituency of the leisure

class is kept up by a continual selective process, whereby the individuals and lines of descent

that are eminently fitted for an aggressive pecuniary competition are withdrawn from the lower

classes. In order to reach the upper levels the aspirant must have, not only a faire average

complement of the pecuniary aptitudes, but he must have these gifts in such an eminent degree

as to overcome very material difficulties that stand in the way of his ascent. Barring accidents,

the nouveaux arrivés are a picked body… a process that has always been going on ever since

the institution of the leisure class was first installed…”[40]

77

Page 78: O Presente, Essa Grande Mentira Social

De facto, Karl Marx tem razão quando diz que as relações de capital vão destruir o mundo, por

se querer ser dos nouvaux arrivés, análise que apenas faz no seu texto de 1847, The poverty

of philosophy. De resto, Marx tem os dados certos para explicar a luta de classes e Veblen usa

esses dados apenas para analisar as mudanças de indivíduos dentro dos mesmos papéis

sociais de exploração institucionalizada, conceito que enriquece a análise materialista

dialéctica.

[1] Année Sociologique Nº1, 1896-97, página 457,fascículo 1. Website com texto, bem como Motor de pesquisa Gallica.[2] Mauss, Marcel, (1923-24) 2001: Ensaio sobre a dádiva, Edições 70, Lisboa. Website nota 27.[3] Mauss, Marcel, obra citada, página 183 e seguintes.[4] Aristóles (323) 1992: Étique à Nicomaque, Encyclopedy on-line l’Agora, Les Classiques, Paris, ou website http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Arist%C3%B3teles+%C3%89tique+a+Nicomaque&btnG=Pesquisar&meta=lr%3Dlang_ptcomentado no meu texto de 2002 : A economia deriva da religião, Afrontamento, Porto. Ver também Aquinas, Thomas, c.1270:Commentaires de l’Ethique à Nicomaque, Paris, Sorbonne, manuscrito on line.Website: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Tomas+de+Aquino+Commentaires+de+l%E2%80%99Ethique+%C3%A0+Nicomaque&btnG=Pesquisar&meta=[5] Bentham, Jeremy, (1768, publicação anónima, 1789 edição pública, William Collins Sons, Ltd, Glasgow)) 1962: An introduction to the principles of morals and legislation, Collins Fontana, Glasgow. Website com o texto original:http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/bentham/morals.pdf[6] Mill, John Stuart, (1863) 1962: Utilitarianism, William Collins Ltd, Glasgow, em suporte de papel. Website com texto:  http://www.utilitarianism.com/jsmill.htm[7] Bentham, Jeremy (1879) 1975: An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, William Collins and Son, Ltd, Glasgow. Páginas 34 e seguintes. Website com texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jeremy+Bentham++An+Introduction+to+the+Principles+of+Morals+and+Legislation&btnG=Pesquisar&meta=[8] Stuart Mill, John, 1859 e 1960: On Liberty, e Utilitarianism, Collins and Sons, Glasgow. Website nota 39 para o primeiro, website para o Segundo:http://www.google.pt/search?hl=pt-, com texto.PT&q=John+Stuart+Mill+Utilitarianism&btnG=Pesquisar&meta= As duas citações são com texto.[9] Stuart Mill, John, 1848: Principles of Political Economy¸ Collins, Glasgow. Website com texto http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=John+Stuart+Mill+Principles+of+Political+Economy&btnG=Pesquisar&meta=[10] Stuart Mill, John, obra citada, páginas 307 e 308, tradução de Borges Coelho para Livros Horizonte, 1987. Website nota anterior.[11] Sismonde de Sismondi, Jean Charles Leonard, 1819: Nouveaux Principes de Économie Politique, Paris. Website com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Jean+Charles+Leonard+Sismonde+de+Sismondi+Nouveaux+Principes+de+%C3%89conomie+Politique&btnG=Pesquisar&meta= Mill, James, Elements of Political Economy,  1821. Website com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=James+Mill+Elements+of+Political+Economy&btnG=Pesquisar&meta=[12] Marx, Karl, (1859) 1977: Preface to a Critique of Political Economy, Oxford Press, Grã-Bretanha. Website com texto: www.marxists.org/archive/marx/ works/1859/critique-pol-economy/preface.htm[13] Marx, Karl, obra citada, páginas 388 a 391, sintetizadas por mim.[14] Ricardo, David, (1918) 1983: Princípios económicos e de tributação, Gulbenkian, Lisboa. Website nota 227.[15] Stuart Mill, John, obra citada, páginas 304 a 305. A síntese é minha. Website nota 252.[16] Durkheim, Émile, 1885 :“Alfred Fouillé, La propriété sociale et la démocratie” in Revue Philosophique  XIX, Paris. Website com texto www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_2_04/propriete_soc.html[17] Durkheim texto citado, páginas 170 a 183 em suporte de papel. . A mina síntese.Website nota 26.[18] Veblen, Thorstein, (1899) 1998: The theory of the leisure class, Prometheus Books, Nova Iorque. Website nota  95.[19] Parsons, Talcott, Neill, Smelser, 1968: Economy and Society, Routledge and Kegan Paul, Londres. Website para pesquisa e textos sintetizados:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Talcott+Parsons+Smelser+Neil+Economy+and+Society%2C+&btnG=Pesquisar&meta=[20] Weber, Max, 1956, obra póstuma: Economía y Sociedad, FCE, México e Madrid. Website para debate, teoria e textos comentados:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Max+Weber+Economia+e+Sociedade&spell=1[21] Bourdieu, Pierre, 1977: Algérie 60. Structures économiques et structures temporelles, Minuit, Paris ; e 2000 : Les structures sociales de l´économie, Seuil, Paris. Website para debate e

78

Page 79: O Presente, Essa Grande Mentira Social

teoria:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Pierre+Bourdieu+Alg%C3%A9rie+60.+Structures+%C3%A9conomiques+et+structures+temporelles&btnG=Pesquisar&meta=[22] Marx, Karl, 1862 e 1863, Theories of Surplus Value, ao todo, dois textos escritos em anos diferentes, do que vamos tratar no Capitulo V de este texto. Website nota 50.[23] Karl Marx, textos citados.[24] Smith, Adam, obra citada do texto original, define wants ao começo do seu livro, Capítulo I. Enquanto need é o que forçosamente deve ser feito, o que tem que ser, want é a carência, a falta de, deficiência, privação, penúria. Este determinismo natural é usado pelo autor para formular o seu objectivo: melhorar a produtividade do trabalho de todo indivíduo e da massa de trabalhadores. Website nota 22[25] Smith, Adam, página 130, Capítulo XI, Parte II, define o conceitowants como a extensão do mercado de necessidades que, ao serem satisfeitas, são importantes para a oferta de produtos, em consequência, para o mercado de capital. Website nota 22[26] Smith, Adam, obra citada, Livro II, página 207 da versão inglesa original que uso. Website com texto: nota 22.[27] Durkheim argumenta de forma cumprida que a divisão do trabalho é social, não apenas por ser dividida entre todos os seres humanos, bem como porque há lei e contrato, apenas que o contrato é desigual por causa da existência de classes sociais, como já foi referido.[28] Durkheim, Émile, 1910b): “La notion d’égalité sociale” in Bulletin de la Société française de philosophie, Nº 10, Paris. Website com texto:http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+La+notion+d%E2%80%99%C3%A9galit%C3%A9+sociale+&btnG=Pesquisar&meta= Marx tinha exprimido a ideia ao dizer “De cada um conforme as suas capacidades, a cada um conforme as suas necessidades”, Communist Manifesto, versão de 1870.[29] Durkheim, Émile, 1904: L’élite intellectuelle et la démocratie, já citado. Website: www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_3_11/elite_intellectuelle.html[30] Parsons, Talcott, e Smelser, Neill, 1956: Economy and Society, Routledge and Kegan Paul, Londres, página 20. Website nota 261.[31] Iturra, Raúl, (1977) 1988: Antropologia Económica de la Galicia Rural, especialmente Capítulo II, Xunta de Galiza, Compostela. O original em inglês, CUP, trata especificamente de maximização. Website nota 45.[32] Polanyi, Karl, 1957: “The economy as an instituted process” in Polanyi, Arensberg e Pearson, Trade and market in the early empires, The Free Press, Nova Iorque. Website nota 60[33] Veblen, Thorstein, (1889) 1998: The theory of the leisure class, Prometheus Books, Nova Iorque. Website nota 95[34] Obra citada, página 241.[35] Veblen, Thorstein, obra citada, páginas 115 a 166, sintetizadas por mim ao reproduzir frases das páginas 121 e 122 do texto em formato de papel[36] Weber, Max, (1922) 1993: Wirtschaft und Gesellschaft. Grudisse der Verstcheunder Soziologie, traduzido como Economia y Sociedad, FCE, México. A cobra mais difundida de Weber é a de 1904, A ética do Protestantismo, editado pela Presença em 1986 em Portugal, útil também para entender a austeridade que faz os ricos: Beruf mas que por ultra conhecido, ponho de parte nesta analise. Website nota 262[37] Di Lampedusa, Giuseppe Tomassi, 1889: Il Gattopardo, várias edições, entre as quais a portuguesa da Europa-América e a de Luchino Visconti, de 1968, a minha preferida. Website para debate e informação: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Giuseppe+Tomasi+Di+Lampedusa+Il+Gattopardo&spell=1[38] Friedman, Milton, 111962: Capitalism and freedom, the University of Chicago Press, EUA… Website para debate http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Milton+Friedman+Capitalism+and+freedom&btnG=Pesquisar&meta=[39] Giddens, Anthony, 1988: The third way and its critics, Polity Press, Cambridge, Grã Bretanha. Website nota 36[40] Veblen Thorstein, obra citada, Capítulo IX, “The conservation of Archaics Texts”, sintetizado nas palavras do autor, páginas 236 e 237, em suporte de papel. Website nota 95.

Conclusões. A reacção de Durkheim e Mauss

Era o começo. Era a incerteza. Diz Maurice Halbwachs[1], colaborador e discípulo de Durkheim,

da equipa do Année Sociologique, que, enquanto andavam um dia por Paris, passaram em

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Page 80: O Presente, Essa Grande Mentira Social

frente da catedral de Notre Dame e diz Durkheim, “é disso que eu preciso, um púlpito para

falar”. Apesar de não ser religioso e confessar o seu ateísmo, a formação judaica nunca

abandonará Émile Durkheim. E é por isso, dizem seus biógrafos, que consagraram a sua vida à

Pedagogia e ao Socialismo. Trata-se apenas de uma anedota para aligeirar as análises

anteriores. Porque Durkheim estava preocupado e interessado pela economia.

[1] Halbwachs, Maurice, 1938: “Introdução” à Obra póstuma de DurkheimL’evolution pedagogique en France, Presse Universitaire de France, Paris. Há versão em Castelhano, La Piqueta, Madrid. Website para pesuisa e texto: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Maurice+Halbwachs+Introdu%C3%A7%C3%A3o+%C3%A0+Durkheim&btnG=Pesquisar&meta= Texto da Introução de Halbwachs www. l ivre-rare-book.com/Matieres/gd/1478p.htm l

Tal e qual estava Marcel Mauss, da forma que tenho referido. Mas porquê este interesse?

Durkheim analisa em 1883 e em 1897, o conceito de anomia ou falta de vontade para agir ou a

divisão do ser, que para ele tinha duas naturezas: a social e a individual, do que trata em

1914[1]. Os factos económicos aparecem-lhe como factores de divisão social, não da união

solidária dos grupos, como defende na sua tese De la division du travail sociale, já referido.

São factores de divisão e não de integração porque “ils engagent les hommes dans des

rapports qui le laissent en dehors les uns des autres, est c’est à leur niveau que l’amorphisme,

l’anomie sont les plus graves…le facteur religieux et non point le facteur économique joue un

rôle primordial dans les devenir des sociétés[2]No entanto, se as relações económicas colocam

tantos problemas às relações sociais, isso significa que são um facto social, um facto social a

estudar, quer para o entender, quer para melhorar a relação entre os seres humanos e fazer da

economia um factor de integração social nas sociedades industriais, nas quais existe a ameaça

de luta, como Karl Marx tinha já advertido.[3]

Se a economia ameaça a integração da vida social, é necessário estudar o facto. E define um

tipo de estudo e de análise que incorpora na Année Sociologique como a sua constante secção

V. A Sociologia Económica é para estudar as instituições económicas e o comportamento das

pessoas dentro delas. É a proposta que faz de entrada no primeiro número da revista por ele

fundada, em conjunto com a sua equipa. Diz, por intermédio do seu colaborador François

Simiand, ao começo da primeira aparição da Secção V ou Sociologie Économique: “Il ne serait

pas possible, ni du reste convenable au dessin de ce livre, de passer en revue ici toute la très

abondante littérature économique actuelle. Pour toutes les études techniques sur des questions

spéciales, telles qu’en ce moment le métallisme monétaire ou le protectionnisme ou l’agrarisme,

pour touts les travaux plus concrets qui concernent la législation économique, projets, résultats,

statistiques, monographies, etc., accumulation méthodique de matériaux pour la science de

demain, on ne peut que renvoyer aux publications appropriées. Mais, les problèmes généraux

de l’économie, la portée d’ensemble, la méthode, intéressent la science sociale tout entière et

on peut-être beaucoup à tirer d’elle…Quel est l’état présent de la théorie ou des théories de la

valeur ? Qu’y a-t-il d’acquis, qu’y q-t-il à rechercher encore et peut être indéfiniment, touchant la

nature et touchant la mesure de la valeur ? En quel sens et dans quelle et dans quelle mesure

la science économique actuelle peut-elle fonder des systèmes pratiques tels que sont les

systèmes socialistes?[4].

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Page 81: O Presente, Essa Grande Mentira Social

Esta longa citação serve apenas para estabelecer e definir o que preocupa os sociólogos, à

data do seu nascimento, sobre a economia. Para começar, a escola fundada por Durkheim,

descarta os projectos específicos para se concentrar apenas na teoria que orienta a produção e

o consumo, é dizer, os actos económicos que dizem respeito às relações humanas.

Especialmente, dois pontos são interessantes para a equipa: a teoria do valor, e a teoria do

socialismo. Ambas aparecem em comentários de livros sobre a matéria, ou como textos, entre

a data da fundação do texto, até 1903.

Como tenho referido, Maurice Lapie, no próprio N.º 1 da Revista, diz: “La théorie matérialiste de

l’histoire est en faveur: á chaque page de l’Année Sociologique on en aura la preuve, car s’il est

trouvé, dans chaque branche de la science, des écrivains préoccupés d’étudier au point de vue

économique les autres éléments des sociétés. Or, expliquer le droit, la politique, la famille, la

science, l’art, la religion, la morale par l’état de l’agriculture, de l’industrie et du commerce, voilà

ce que, suivant l’opinion courante, Karl Marx nommait de matérialisme historique.”[5]

O que indica o segundo ponto em que estavam interessados os sociólogos da “primeira leva”: o

socialismo. O que interessa nestas páginas, é entender qual era a opinião e o objectivo

sociológico na economia. O interesse é explicar a interacção, o comportamento social.

Durkheim já o tinha apurado no seu livro sobre a divisão do trabalho, onde acaba por definir

uma organização do trabalho socialmente dividida, conforme as capacidades e saber de cada

pessoa. A frase já comentada de “De todos conforme a sua capacidade, para todos conforme

as suas necessidades”, é para Durkheim a ideia do mérito das pessoas para receber conforme

o seu comportamento, em sociedade e em grupo. Porque o grande dilema de Durkheim, o seu

problema com a economia era como colocar, como coordenar, a dinâmica do indivíduo e o seu

trabalho em grupo. Se a economia é interessante como facto social, é porque a vida em grupo

começa por ser um campo de acção ou actividades, para continuar, num segundo momento,

pela produção:“L’association ne peut produire ses effets qu’en vertu de ses processus

reciproque. Par effect de ses relations que se nouent ainsi, se créent spontanément des idées,

des sentiments, que partagent les individues associées, production collective donc”[6].

A base moral, essa outra natureza da pessoa, é a base do Direito, do Contrato e da Produção,

que se aprende desde a infância. São os preceitos da lei que permitem um contrato para

trabalhar e produzir, como debate em De la division social du travail. E, para que o trabalho

produtivo possa acontecer, a classe capitalista deve ser destruída como meio intermediário

inútil entre o produto e o produtor como diz Marx, e Durkheim critica com base nas suas

próprias leituras de Marx[7]. Ora bem, se é assim que Marx pensa, como vai então desaparecer

o capital, que é a relação social que coloca os operários em situação de desespero e mau

pagamento?

“Dans le socialisme marxiste, le capital ne disparaît pas, il est seulement administré par la

société et non par des particuliers”[8]. É a crítica de um socialista a outro socialista, que deseja

que os bens sejam distribuídos de forma igual entre todas as pessoas.

A reacção de Mauss é conhecida, como tenho analisado nos Capítulos anteriores. É conhecida

também, pelo posicionamento que toma no Prefácio do livro de Durkheim, Le socialisme. Mas é

interessante notar a forma e conteúdo da sua reacção à ideia de relações sociais orientadas

pela economia. Aí onde Durkheim se bate em prol do operariado e defende que o capital como

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Page 82: O Presente, Essa Grande Mentira Social

economia seja repartido entre todos, por todos sermos iguais, como o defendera no seu texto

de 1890[9], Mauss faz uma análise das formas denominadas arcaicas da economia e analisa a

economia denominada troca-dádiva, na qual adverte para a existência de excedentes

acumulados, já criticada por Marx, no seu texto de 1859[10], do lazer permitido pelo capital e

pela produção e apropriação de valores de troca, essa exploração institucionalizada analisada

por Veblen e denominada o prazer do ócio. Ócio que é também analisado por Marcel Mauss,

mas não como uma crítica, mas como um louvor, um prazer, para as pessoas que trabalham e

que são capazes de descansar a seguir ao trabalho. Trabalho que, salienta Mauss, está

organizado por rituais e formas de comportamento festivas, cerimónias, respeito às formas

religiosas, isto é, as formas de representação do grupo, de ver-se a si próprio e aceitar a lei e o

direito, não para deles fugir, antes aceitando-os e respeitando os direitos alheios. Com estes

elementos, vai, sem o dizer, definindo o conceito de Sociologia Económica. Conceitos

deprenda, dádiva, oferta, dádiva aos quais opõe, por não serem exactos para definir a política

económica dos povos estudados, os que considera mais verdadeiros e adequados, como a

lista que começa por liberdade e obrigação, liberalidade, generosidade, luxo, e economia,

interesse, utilidade. Mauss propõe que estes são os conceitos que, na verdade, deviam ser

utilizados para entender a estrutura social, a interacção e a conduta do grupo. A conclusão de

Mauss, embora pareça constituir um acréscimo ao referido por Malinowski em 1922 – de que

os povos primitivos têm economia denominada comercial, tal e qual o Ocidente –, é, na

verdade, um contributo que, pela forma da escrita de Mauss, pode passar despercebido, se

não centramos a nossa atenção em toda a obra, de equipa e individual, do grupo Durkheim.

Mauss fala de híbrido para se referir ao comportamento de povos por ele definidos como

arcaicos e primitivos. Esse comportamento, híbrido, conjuntural, heterogéneo, é definido pelo

autor, antes do conceito, ao referir que:“É ainda uma noção complexa a que inspira todos os

actos económicos que descrevemos; e esta noção não é nem a da prestação puramente livre e

gratuita, nem a da produção e da troca puramente interessada, do útil[11].”

A conclusão de Mauss é que estas trocas de produtos nem são livres nem desinteressadas.

São trocas interessadas para manter uma aliança ou para trabalhar, ou para distribuir bens que

um grupo não consegue fazer e entende-se com outro capaz de o fazer, por ter tempo,

disponibilidade e sabedoria. Trocas cimentadas pela aliança matrimonial de pessoas de diverso

conhecimento, mas da mesma categoria. Este facto de pertença à mesma categoria, que

acrescenta mais um elemento à noção de Sociologia Económica, é um pacto de hierarquias,

representadas por pessoas designadas com antecedência. Tal como acontece no Ocidente.

Compara as associações entre Kwakiutl e Kiriwina, com as realizadas com os sindicatos, pelos

patrões ou proprietários do capital. O que se segue foi já referido no Capítulo I, nº3, sobre

reciprocidade comercial. Não devo esquecer-me de acrescentar uma frase muito importante,

que Mauss refere na página 188 do texto que uso. Ao referir as civilizações arcaicas,

acrescenta uma frase que não se sabe bem se fala das arcaicas ou das Ocidentais: “Aforra-se,

mas para gastar, para «obrigar», para ter «homens enfeudados»…Restitui-se com usura, mas

para humilhar o primeiro doador ou cambista e não apenas para compensar pela perda que lhe

causa «um consumo diferido». Há lucro, mas este é apenas semelhante àquele que, diga-se,

nos guia”[12].

82

Page 83: O Presente, Essa Grande Mentira Social

As restantes conclusões são conhecidas e foram já por mim referidas ao longo do texto.

Porque tudo o que Marcel Mauss faz, é aplicar os conceitos da economia ocidental para

entender o que acontece nas economias ditas primitivas. Pensa que, com esta análise, a

questão colocada por Durkheim, de que economia e valor eram factos ligados à religião, fica

respondida. Mas, é o próprio Durkheim que nas conclusões do texto Les formes élémentaires

de la vie religieuse. Le système Totémique en Australie lhe responde já, ao afirmar, na página

429 da minha versão inglesa, que: “Having left religion, science tends to substitute itself for this

latter in all that which concerns the cognitive and intellectual functions”[13].

Associado aos textos de 1900 e de 1908, mais ao texto de 1928, a resposta de que a economia

é quem orienta o comportamento, já está estabelecida.

Mauss parece não ter lido tudo o que o seu mestre tinha produzido para definir os objetos da

Sociologia, um dos quais é a Sociologia Económica.

Eis porque Bourdieu escreve o seu derradeiro livro de 2000[14], cujo elo é o Estado e o

Mercado, o mesmo de Émile Durkheim…

[1] Durkheim, Émile, 1914: “Le dualisme de la nature humaine et ses conditions sociales” em Scientia, XV, Paris. Website : www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_4_15/dualisme_nature_hum.html[2] Durkheim Émile, 1897: “La conception matérialiste de l’Histoire”, emRevue Philosophique XLIV, Paris. Website com texto www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_2_09/conception_materialiste.html[3] Esta ideia está no seu texto de 1893, no que estamos a comentar, e no póstumo de 1928, escrito em 1888, após a sua leitura da obra de Marx.[4] Simiand, François, 1896, “Théories Économiques”, Année SociologiqueNº 1, Cinquième Section, Sociologie Économique, Félix Alcan, Paris. O texto foi retirado, com todos os volumes, da Página Web correspondente, que a Biblioteca de Paris facilita on-line. Estes textos não se encontram em Portugal, a exepção da Biblioteca de Direito de Universidade de Lisboa e na minha pessoal e na Página Web da Bibliotéque National de Paris. Website com texto www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/simiand_francois/ methode/methode_20/revololution_industrielle.pdf[5] Lapie, Maurice, 1986: “Antonio Labriola. Essais sur la conception matérialiste de l’histoire” in Année Sociologique, Nº 1, página 270 e seguintes. Website para pesquisa: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Maurice+Lapie+La+conception+materialiste+de+l%27+Histoire&btnG=Pesquisar&meta[6] Durkheim, Émile, 1925: L’education morale, Félix Alcan, Paris. Website 43[7] Durkheim, que sabia ler Alemão, baseia o seu argumento nas suas leituras do Manifesto Comunista (1848), do Volume 1 do Capital (1867), A guerra civil na França (1871), O 18 Brumário de Louis Bonaparte (1852), A luta de classes na França (1850). Retirado de Jean – Claude Filloux, do seu texto em suporte de papel: Durkheim et le socialisme, Livrairie Droz-Genéve-Paris. Website agora.qc.ca/mot.nsf/Dossiers/Emile_Durkheim.[8] Durkheim, Émile, (1888 e 1898) 1928: Le socialisme, PUF, Paris. Website nota 26[9] Durkheim, Émile, 1890: “Les principes de 1789 et la sociologie”in Revue internationale de l’enseignement, XIX.Website com texto www.uqac.uquebec.ca/…/classiques/Durkheim_emile/ sc_soc_et_action/texte_2_06/principes_1789.html[10] Marx, Karl, 1859: Preface to a Critique of Political Economy, já referido. Website www.marxists.org/archive/marx/ works/1859/critique-pol-economy/preface.htm[11] Mauss, Marcel, (1922-23) 2001: Ensaio sobre a dádiva, Edições 70, Lisboa, páginas 198 e ss, em suporte de papel. Website nota 27.[12] Mauss, Marcel, obra e editora citada, página 188. É pena a tradução do texto editorial ser tão pobre.[13] Durkheim, Émile (1912) 11915: The elementary forms of religious life, George Allen and Unwin Ltd, Londres. Websitehttp://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+The+elementary+forms+of+religious+life&btnG=Pesquisar&meta=[14] Bourdieu, Pierre: Les structures sociales de l’économie, Seuil, Paris. Website  http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=Bourdieu%2C+Pierre%3A+Les+structures+sociales+de+l%E2%80%99

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