o porta-voz

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O s pilares do sistema eleitoral no Brasil estão abalados há muito tempo. Na obra A mentira das ur- nas – Crônicas sobre dinheiro e fraudes nas eleições, o jornalista Mauricio Dias faz um apanhado histórico desde os tem- pos da monarquia até o pleito de 2002, mostrando que na política brasileira a relação entre dinheiro e voto implica questões que vão além da simples far- sa contábil e dos desdobramentos éti- cos. O voto virou mercadoria e pode ser comprado. Procedimentos legais, que deveriam proteger o processo, encobrem interesses políticos. A ad- ministração pública se tornou fonte coletora de recursos. Esses são alguns dos casos apon- tados por Dias nas 162 páginas que compõem o livro. No decorrer dos sete capítulos, depoimentos impor- tantes para a construção da narrativa e trechos de documentos comprovando as afirmações são intercalados com o texto. O caráter jornalístico da obra é evidente desde o começo, com cifras e tabelas oficiais ilustrando muitas pági- nas e uma extensa lista de notas refe- renciando dezenas de livros e revistas usados para precisar as informações. Um grande mérito do autor é apre- sentar, em suas ultimas folhas, peque- nos perfis bibliográficos de todos os citados no texto. Não somente per- sonagens desconhecidos para muitos leitores, como Gustavo Capanema, Ministro do Tribunal de Contas de 1959 a 1961, mas também figuras con- sagradas no cenário político brasileiro, como o imperador Pedro II. A medida facilita a compreensão dos fatos, com- plementando informações do texto sem precisar interrompê-lo. A experiência de Dias no campo da política é evidente diante da simplici- dade da escrita. São raros os jargões ou termos que obrigam a consulta ao dicionário. Reiterando sua autoridade para tratar do assunto, o autor opta muitas vezes por tons leves e descon- traídos, com passagens engraçadas e eventualmente sarcásticas sobre escân- dalos e temas tratados com dureza. A estruturação dos capítulos, con- tudo, mostra-se confusa por, inicial- mente, seguir o desenrolar da política brasileira cronologicamente e depois retornar a episódios aleatórios na história, sem obedecer a ordem dos acontecimentos. A escolha do autor pode dificultar o entendimento de al- guns eventos, já que apresenta certos fatos sem contexto profundo da épo- ca, como é feito nos capítulos iniciais e funciona muito bem. O capitulo final, dedicado ao pro- pósito do livro – discutir caminhos para reavaliar o processo eleitoral bra- sileiro - poderia ter sido muito mais bem desenvolvido, pois conta com apenas oito páginas, enquanto os de- mais apresentam cerca de 30 páginas cada. Não se pode dizer que propó- sito do livro não foi cumprido, pois, de fato, os aspectos que Dias acredita serem fundamentais para o aperfeiço- amento de nosso processo eleitoral, como melhoria das urnas e alterações na política de financiamentos de cam- panha, são apresentados e avaliados, mas de uma forma superficial diferen- te das outras análises do texto, em ge- ral profundas e detalhadas. Título e subtítulo do livro foram bem escolhidos. Aquele, objetivo e impactante, cumpre seu papel de des- pertar a curiosidade de quem por ele passa os olhos. Este nos indica que teremos histórias curtas sobre fatos cotidianos e verídicos. Dias mescla muito bem essas narrativas com seu texto jornalístico, que apresenta fa- tos concretos e usa as histórias para ilustrá-los. Essa combinação mostra- se ótima estratégia para apresentar um tema duro como política. Vamireh Chacon em sua obra Es- tado e povo no Brasil – As experiencias do Estado Novo e da democracia populista, de 1977, já afirmava que de todas as far- sas em ação na República democrática, a eleitoral era a mais descarada e imo- ral. De fato, nas sociedades de massa não se faz eleição sem gastar dinhei- ro, mas hoje vemos o dinheiro como o valor mais importante dos pleitos, estabelecendo paralelos definitivos en- tre mercado real e mercado de votos. Mauricio Dias, ciente da persistência do problema e da falta de ações para minimizá-lo, joga a discussão na cen- trífuga política brasileira e busca re- finar o olhar do eleitor para questões que já consideramos intrínsecas às campanhas, mas que podem – e de- vem – ser mudadas. Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Marina Lisboa Empinotti Contato: [email protected] Serviços editoriais: tse.gov.br, Carta Capital Impressão: Duplic Novembro de 2010 O PORTA-VOZ O PORTA-VOZ Florianópolis, 12 de novembro de 2010 A-1 “De todas as farsas da República, sem dúvida, a farsa eleitoral é a mais descarada” Financiamento público de campanha e aperfeiçoamento das urnas são vistos como passos iniciais para melhoras A lei complementar 135/10, conhecida como lei da Ficha Limpa, foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 27. A decisão faz com que as normas nela contidas passem a va- ler nas eleições 2010, impedindo, assim, 151 candidaturas considera- das “fichas-sujas” pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Antes de serem oficialmente indeferidos, todos os casos serão analisados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até o dia 17 de dezembro, quando acontece a diplomação dos eleitos. Embora o STF tenha levado 31 dias para resolver o impasse diante da validade da Ficha Limpa nestas eleições, o TSE já aplicou as novas regras durante o pleito e a lei repercutiu: alguns candidatos desistiram da disputa quando seus registros foram negados e outros foram rejeitados pelos eleitores nas urnas. Políticos barrados pelos TREs também não contabiliza- ram votos (ficarão separados até a Justiça liberar o registro e não contam para o partido no quocien- te eleitoral), mas esse aspecto pode ser revertido caso o TSE julgue o candidato inocente. Foi justamente a discussão sobre a aplicação imediata da lei ou sua postergação que levou o Supremo a um empate em 5 votos a 5 nos dois julgamentos realizados, no dia 24 de setembro, às vésperas das eleições, e no dia 27 de outubro, a poucos dias do segundo turno. O impasse foi resolvido pelo mi- nistro Celso de Mello, que votou contra a aplicação, mas sugeriu que o STF mantivesse a decisão do TSE e acatasse a lei. A dúvida em curso é a se é possível aprovar uma lei que modifique o processo eleitoral no mesmo ano em que ele acontece. Isso porque o artigo 16 da Constituição prevê um prazo mínimo de um ano para uma nova regra eleitoral entrar em vigor. A lei da Ficha Limpa surgiu da ini- ciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas desde setembro de 2009. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 4 de junho, ela proíbe a candi- datura de políticos condenados pela Justiça em decisão colegiada, mesmo que o processo ainda não tenha chegado ao fim, além de ter tornado mais rígidas as normas para inelegibilidade do candidato, como no caso de renúncia. Até então, o Brasil só contava com a lei da Inelegibilidade, lei comple- mentar 64, de 18 de maio de 1990. É uma regulamentação da Consti- tuição Federal de 1988, que prevê a “proteção da probidade admi- nistrativa” e a “moralidade”para exercício de um mandato con- siderando a “vida pregressa” do candidato. Lei da Ficha Limpa é aprovada A mentira das urnas avalia processo eleitoral Nascido em Carangola, Minas Ge- rais, em 1947, Mauricio Dias formou- se em história pela Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro e logo começou carreira jornalística na Tribuna da Im- prensa. Seguiu na área atuando como repórter de política na revista Veja, chefe da sucursal carioca das revistas IstoÉ e Senhor e editor dos cadernos Política e Cidades do Jornal do Brasil. Ainda no JB, foi editor do Informe e editor-chefe. Atualmente escreve para a revista Carta Capital. A experiência de 30 anos na área da política, com muitos contatos e leitura sobre o tema, motivaram o jornalista a escrever seu primeiro livro, A mentira das urnas - Crônicas sobre dinheiro e fraudes nas eleições, no qual avalia muitos dos processos eleitorais brasileiros ocor- ridos até 2002. No pleito deste ano, novidades foram introduzidas, como o teste das urnas biométricas e o país viveu a expectativa da aprovação da lei da Ficha Limpa. Em entrevista conce- dida na semana anterior ao segundo turno das eleições presidenciais, Dias fala sobre essas inovações e outras questões tratadas em seu livro. O Porta-voz: Nestas eleições tive- mos novidades como o Ficha Limpa e a urna biométrica. Viu algum avanço com relação ao uso do dinheiro? Mauricio Dias: Não vi avanço ne- nhum. A influência do dinheiro na eleição não tem jeito. Ocorre no Brasil, nos EUA, na Europa e na Ásia (Japão). Há poucos anos atrás, li um livro do jornalista americano Bob Woodward que, com Carl Bernstein, provocou o impeachment de Nixon com as maté- rias sobre a invasão do escritório dos Democratas no edifício Watergate. Está lá no livro: a operação foi finan- ciada com 200 mil dólares de sobra do caixa 2 da campanha de Nixon. Aliás, sabe como o ex-presidente Fernando Henrique conseguiu aprovar a emenda da reeleição que o beneficiou? O Goo- gle responde prontamente. OPV: A lei da Ficha Limpa foi alvo de atenção nessas elei- ções devido à indeci- são do Supremo em aprová-la ainda para este ano. O que acha dessa lei? MD: Acho essa lei um equívoco brutal. Ela provém de um movimento social impulsionado pela imprensa, mas nem sempre estou com a maioria. Por exemplo, se fosse alemão (cru- zes, sou moreno) na Alemanha do final dos anos 30, ficaria contra a maioria; contra Hitler, apoia- do pela maioria dos alemães. Anote aí: essa lei quebra um princípio mui- to caro à democracia: a presunção de inocência. Esse princípio determina que um cidadão será considerado cul- pado somente após esgotados todos os recursos legais. A lei quebrou isso. OPV: As urnas bio- métricas prometem melhorar problemas de identificação de eleitores. Acredita que será uma solução a essa questão? MD: Não. Não há remédio contra a má fé dos homens. Aristóteles disse que a democracia se faz com bons cidadãos e boas leis. Daí... OPV: Há candidatos que afirmaram ter pesquisas de intenção de voto ma- nipuladas contra eles, o que afetaria seu desempenho nas urnas. Acha que a divulgação desse tipo de pesquisa in- fluencia eleitores? MD: Não acredito nisso. Essa ideia me parece que parte do preconceito de que os pobres seriam influenci- áveis. Nada disso, eles sabem votar. Vamireh Chacon “Acho a lei da Ficha Limpa um equívoco brutal” Arquivo Pessoal Dias: 30 anos de investigação política no currículo Como todos os outros grupos sociais, os pobres votam tendo como referên- cia seus interesses. OPV: Pessoalmente, acredita na vera- cidade de tais pesquisas? MD: Acredito como forma de perce- ber os movimentos que a sociedade faz. Erram às vezes. Meu amigo, o pro- fessor Marcus Figuei- redo, um acadêmico acima de qualquer suspeita, estuda o re- sultado das pesquisas brasileiras. A margem de acerto delas é mui- to grande. OPV: O que muda- ria se pudesse promover uma reforma política para entrar em vigor já nas próximas eleições? MD: Não considero esse movimento por reformas políticas alguma coisa muito séria. Eu teria coisas pontuais a sugerir, mas seique não é isso que eles querem. Fica uma modesta sugestão: restringir o acesso ao horário eleitoral (que não é gratuito) aos partidos com representação no Congresso. Talvez... sei que isso abre uma discussão sobre o direito das minorias. Mas isso fica para a próxima entrevista. Mauricio Dias comenta pleito de 2010 Fonte: Jornal Folha de São Paulo

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Jornal-mural. UFSC, Edição 2010.2

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Page 1: O Porta-Voz

Os pilares do sistema eleitoral no Brasil estão abalados há muito tempo. Na obra A mentira das ur-

nas – Crônicas sobre dinheiro e fraudes nas eleições, o jornalista Mauricio Dias faz um apanhado histórico desde os tem-pos da monarquia até o pleito de 2002, mostrando que na política brasileira a relação entre dinheiro e voto implica questões que vão além da simples far-sa contábil e dos desdobramentos éti-cos. O voto virou mercadoria e pode ser comprado. Procedimentos legais, que deveriam proteger o processo, encobrem interesses políticos. A ad-ministração pública se tornou fonte coletora de recursos.

Esses são alguns dos casos apon-tados por Dias nas 162 páginas que compõem o livro. No decorrer dos sete capítulos, depoimentos impor-tantes para a construção da narrativa e trechos de documentos comprovando as afirmações são intercalados com o texto. O caráter jornalístico da obra é evidente desde o começo, com cifras e tabelas oficiais ilustrando muitas pági-nas e uma extensa lista de notas refe-

renciando dezenas de livros e revistas usados para precisar as informações.

Um grande mérito do autor é apre-sentar, em suas ultimas folhas, peque-nos perfis bibliográficos de todos os citados no texto. Não somente per-sonagens desconhecidos para muitos leitores, como Gustavo Capanema, Ministro do Tribunal de Contas de 1959 a 1961, mas também figuras con-sagradas no cenário político brasileiro, como o imperador Pedro II. A medida facilita a compreensão dos fatos, com-plementando informações do texto sem precisar interrompê-lo.

A experiência de Dias no campo da política é evidente diante da simplici-dade da escrita. São raros os jargões ou termos que obrigam a consulta ao dicionário. Reiterando sua autoridade para tratar do assunto, o autor opta muitas vezes por tons leves e descon-traídos, com passagens engraçadas e eventualmente sarcásticas sobre escân-dalos e temas tratados com dureza.

A estruturação dos capítulos, con-tudo, mostra-se confusa por, inicial-mente, seguir o desenrolar da política

brasileira cronologicamente e depois retornar a episódios aleatórios na história, sem obedecer a ordem dos acontecimentos. A escolha do autor

pode dificultar o entendimento de al-guns eventos, já que apresenta certos fatos sem contexto profundo da épo-ca, como é feito nos capítulos iniciais e funciona muito bem.

O capitulo final, dedicado ao pro-pósito do livro – discutir caminhos para reavaliar o processo eleitoral bra-sileiro - poderia ter sido muito mais bem desenvolvido, pois conta com apenas oito páginas, enquanto os de-mais apresentam cerca de 30 páginas cada. Não se pode dizer que propó-sito do livro não foi cumprido, pois, de fato, os aspectos que Dias acredita serem fundamentais para o aperfeiço-amento de nosso processo eleitoral, como melhoria das urnas e alterações na política de financiamentos de cam-panha, são apresentados e avaliados, mas de uma forma superficial diferen-te das outras análises do texto, em ge-ral profundas e detalhadas.

Título e subtítulo do livro foram bem escolhidos. Aquele, objetivo e impactante, cumpre seu papel de des-pertar a curiosidade de quem por ele passa os olhos. Este nos indica que

teremos histórias curtas sobre fatos cotidianos e verídicos. Dias mescla muito bem essas narrativas com seu texto jornalístico, que apresenta fa-tos concretos e usa as histórias para ilustrá-los. Essa combinação mostra-se ótima estratégia para apresentar um tema duro como política.

Vamireh Chacon em sua obra Es-tado e povo no Brasil – As experiencias do Estado Novo e da democracia populista, de 1977, já afirmava que de todas as far-sas em ação na República democrática, a eleitoral era a mais descarada e imo-ral. De fato, nas sociedades de massa não se faz eleição sem gastar dinhei-ro, mas hoje vemos o dinheiro como o valor mais importante dos pleitos, estabelecendo paralelos definitivos en-tre mercado real e mercado de votos. Mauricio Dias, ciente da persistência do problema e da falta de ações para minimizá-lo, joga a discussão na cen-trífuga política brasileira e busca re-finar o olhar do eleitor para questões que já consideramos intrínsecas às campanhas, mas que podem – e de-vem – ser mudadas.

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento e editoração

eletrônica: Marina Lisboa EmpinottiContato: [email protected]

Serviços editoriais: tse.gov.br, Carta CapitalImpressão: Duplic

Novembro de 2010O PORTA-VOZ O PORTA-VOZ

Florianópolis, 12 de novembro de 2010 A-1

“De todas as farsas da República, sem dúvida, a farsa eleitoral é a mais descarada”

Financiamento público de campanha e aperfeiçoamento das urnas são vistos como passos iniciais para melhoras

A lei complementar 135/10, conhecida como lei da Ficha Limpa, foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 27. A decisão faz com que as normas nela contidas passem a va-ler nas eleições 2010, impedindo, assim, 151 candidaturas considera-das “fichas-sujas” pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Antes de serem oficialmente indeferidos, todos os casos serão analisados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até o dia 17 de dezembro, quando acontece a diplomação dos eleitos.Embora o STF tenha levado 31 dias para resolver o impasse diante da validade da Ficha Limpa nestas eleições, o TSE já aplicou as novas regras durante o pleito e a lei repercutiu: alguns candidatos desistiram da disputa quando seus registros foram negados e outros foram rejeitados pelos eleitores nas urnas. Políticos barrados pelos TREs também não contabiliza-ram votos (ficarão separados até a Justiça liberar o registro e não contam para o partido no quocien-te eleitoral), mas esse aspecto pode ser revertido caso o TSE julgue o candidato inocente.Foi justamente a discussão sobre a aplicação imediata da lei ou sua postergação que levou o Supremo a um empate em 5 votos a 5 nos dois julgamentos realizados, no dia 24 de setembro, às vésperas das

eleições, e no dia 27 de outubro, a poucos dias do segundo turno. O impasse foi resolvido pelo mi-nistro Celso de Mello, que votou contra a aplicação, mas sugeriu que o STF mantivesse a decisão do TSE e acatasse a lei. A dúvida em curso é a se é possível aprovar uma lei que modifique o processo eleitoral no mesmo ano em que ele acontece. Isso porque o artigo 16 da Constituição prevê um prazo mínimo de um ano para uma nova regra eleitoral entrar em vigor.A lei da Ficha Limpa surgiu da ini-ciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas desde setembro de 2009. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 4 de junho, ela proíbe a candi-datura de políticos condenados pela Justiça em decisão colegiada, mesmo que o processo ainda não tenha chegado ao fim, além de ter tornado mais rígidas as normas para inelegibilidade do candidato, como no caso de renúncia. Até então, o Brasil só contava com a lei da Inelegibilidade, lei comple-mentar 64, de 18 de maio de 1990. É uma regulamentação da Consti-tuição Federal de 1988, que prevê a “proteção da probidade admi-nistrativa” e a “moralidade”para exercício de um mandato con-siderando a “vida pregressa” do candidato.

Lei da Ficha Limpa é aprovada

A mentira das urnas avalia processo eleitoral

Nascido em Carangola, Minas Ge-rais, em 1947, Mauricio Dias formou-se em história pela Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro e logo começou carreira jornalística na Tribuna da Im-prensa. Seguiu na área atuando como repórter de política na revista Veja, chefe da sucursal carioca das revistas IstoÉ e Senhor e editor dos cadernos Política e Cidades do Jornal do Brasil. Ainda no JB, foi editor do Informe e editor-chefe. Atualmente escreve para a revista Carta Capital.

A experiência de 30 anos na área da política, com muitos contatos e leitura sobre o tema, motivaram o jornalista a escrever seu primeiro livro, A mentira das urnas - Crônicas sobre dinheiro e fraudes nas eleições, no qual avalia muitos dos processos eleitorais brasileiros ocor-ridos até 2002. No pleito deste ano, novidades foram introduzidas, como o teste das urnas biométricas e o país viveu a expectativa da aprovação da lei da Ficha Limpa. Em entrevista conce-dida na semana anterior ao segundo turno das eleições presidenciais, Dias fala sobre essas inovações e outras questões tratadas em seu livro.

O Porta-voz: Nestas eleições tive-mos novidades como o Ficha Limpa e a urna biométrica. Viu algum avanço com relação ao uso do dinheiro?Mauricio Dias: Não vi avanço ne-nhum. A influência do dinheiro na eleição não tem jeito. Ocorre no Brasil, nos EUA, na Europa e na Ásia (Japão). Há poucos anos atrás, li um livro do jornalista americano Bob Woodward que, com Carl Bernstein, provocou o impeachment de Nixon com as maté-rias sobre a invasão do escritório dos Democratas no edifício Watergate. Está lá no livro: a operação foi finan-ciada com 200 mil dólares de sobra do caixa 2 da campanha de Nixon. Aliás, sabe como o ex-presidente Fernando Henrique conseguiu aprovar a emenda da reeleição que o beneficiou? O Goo-gle responde prontamente.

OPV: A lei da Ficha Limpa foi alvo de atenção nessas elei-ções devido à indeci-são do Supremo em aprová-la ainda para este ano. O que acha dessa lei?MD: Acho essa lei um equívoco brutal. Ela provém de um movimento social impulsionado pela imprensa, mas nem sempre estou com a maioria. Por exemplo, se fosse alemão (cru-zes, sou moreno) na Alemanha do final dos anos 30, ficaria contra a maioria; contra Hitler, apoia-do pela maioria dos alemães. Anote aí: essa lei quebra um princípio mui-to caro à democracia: a presunção de inocência. Esse princípio determina que um cidadão será considerado cul-pado somente após esgotados todos os recursos legais. A lei quebrou isso.

OPV: As urnas bio-métricas prometem melhorar problemas de identificação de eleitores. Acredita que será uma solução a essa questão?MD: Não. Não há remédio contra a má fé dos homens. Aristóteles disse que a democracia se faz com bons cidadãos e boas leis. Daí...

OPV: Há candidatos que afirmaram ter pesquisas de intenção de voto ma-nipuladas contra eles, o que afetaria seu desempenho nas urnas. Acha que a divulgação desse tipo de pesquisa in-fluencia eleitores? MD: Não acredito nisso. Essa ideia me parece que parte do preconceito de que os pobres seriam influenci-áveis. Nada disso, eles sabem votar.

Vamireh Chacon

“Acho a lei da Ficha Limpa um

equívoco brutal”

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Dias: 30 anos de investigação política no currículo

Como todos os outros grupos sociais, os pobres votam tendo como referên-cia seus interesses.

OPV: Pessoalmente, acredita na vera-cidade de tais pesquisas?MD: Acredito como forma de perce-ber os movimentos que a sociedade faz. Erram às vezes. Meu amigo, o pro-

fessor Marcus Figuei-redo, um acadêmico acima de qualquer suspeita, estuda o re-sultado das pesquisas brasileiras. A margem de acerto delas é mui-to grande.

OPV: O que muda-ria se pudesse promover uma reforma política para entrar em vigor já nas próximas eleições? MD: Não considero esse movimento por reformas políticas alguma coisa muito séria. Eu teria coisas pontuais a sugerir, mas seique não é isso que eles querem. Fica uma modesta sugestão: restringir o acesso ao horário eleitoral (que não é gratuito) aos partidos com representação no Congresso. Talvez... sei que isso abre uma discussão sobre o direito das minorias. Mas isso fica para a próxima entrevista.

Mauricio Dias comenta pleito de 2010

Fonte: Jornal Folha de São Paulo

Page 2: O Porta-Voz

O PORTA-VOZ

Florianópolis, 12 de novembro de 2010 A-2

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento e editoração

eletrônica: Marina Lisboa EmpinottiContato: [email protected]

Serviços editoriais: tse.gov.br, Carta CapitalImpressão: Duplic

Novembro de 2010O PORTA-VOZ O PORTA-VOZ

Três casos graves são retomados em meio às eleições

“Não foi por acaso que nós não inventamos a flauta doce, e sim a urna eletrônica”Vamireh Chacon Mauricio Dias

Escândalos antigos voltam a ser discutidos no cenáriopolítico nacional este ano

Projeto de lei prevê voto facultativoUm projeto de lei que pretende aca-

bar com as punições para o eleitor que deixa de votar aguarda aprovação no Congresso desde julho. Essa lei pre-vê que quem não votar apenas pagará uma multa de 5% a 20% do salário-mí-nimo e poderá ter o registro eleitoral cancelado. Sanções atuais como a im-possibilidade de tirar documentos ou de se inscrever em concursos públicos e licitações acabam. Seria um grande passo para tornar o voto no Brasil facultativo, pois sem punição, não há obrigação de participar.

A constituição brasileira mantém o voto obrigatório desde o Código Elei-toral de 1932. Isso faz com que muitos eleitores vão às urnas apenas para não receber as sanções impostas aos que deixam de exercer o direito do voto, como querem alguns, ou o dever do voto, como sustentam outros.

No dia seguinte ao primeiro turno das eleições deste ano, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, defendeu a continuidade do caráter obrigatório do voto. Discursando para um grupo de observadores internacionais que acompanharam o pleito, Lewandowski afirmou que a obrigatoriedade fortale-ce as instituições democráticas, pois o voto é necessário para que as eleições tenham maior legitimidade e os candi-datos tenham força maior do ponto de vista da soberania popular.

Em defesa do voto facultativo exis-te a ONG Movimento Voto Livre, criada em 2005. Com sede em Brasí-lia, mas representação nacional, a or-ganização busca a abolição do voto obrigatório para, a partir daí, começar uma reforma política. Para tal, coleta opiniões de personalidades, políticos e especialistas do assunto, além de traba-lhos, artigos, pesquisas e charges sobre o tema, mantendo, de acordo com o presidente do movimento, Paulo Ban-deira, a maior biblioteca sobre “voto livre x voto obrigatório” do mundo.

Os argumentos dos defensores do voto facultativo são de que a absten-ção faz parte da democracia e nada justifica o Estado punir o cidadão que prefere não opinar. O ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Santa Catarina, Francisco Vieira, defende a liberdade do eleitor: “Voto obrigatório é um retrocesso democrá-tico que só interessa aos mercadores da consciência, aos que aviltam a li-berdade, valor maior do ser humano”. Apenas 24 países no mundo adotam o voto obrigatório. Todas as nações do G8 permitem o voto livre.

A opinião do povo brasileiro sobre a questão é monitorada pelo Instituto Datafolha desde 1994. A última pes-quisa, publicada em maio deste ano, mostra que o voto obrigatório divide mais do que nunca o eleitorado brasi-leiro (veja no gráfico acima).

Roriz: renunciou ao cargo em 2007 Arruda: mandato cassado em 2010 Barbalho: deixou Senado em 2001

Neste ano eleitoral, além dos 27 partidos políticos já existentes no Brasil, outras 31 legendas estão funcionando em caráter provisório. Caso consigam o registro definiti-vo para atuar, o país contará com até 58 partidos, fato que, apesar de consagrado pela Constituição de 88, que garante o sistema pluripar-tidário, destoa de países com con-solidada democracia representativa, onde há três ou quatro partidos, no máximo.Segundo o cientista político David Fleischer, a maioria dos nanicos – expressão oficializada pelo Tribu-nal Superior Eleitoral (TSE) para designar partidos que hajam con-seguido eleger pequeno número de representantes- funciona como legenda de aluguel. “Eles têm um dono específico e vendem espaço na sigla para quem quer se candi-datar.” afirma Fleischer: “Pequenos partidos, grandes negócios”.Em geral, os nanicos são agrupa-mentos sem qualquer ideologia esem vida própria, pois são for-mados da derivação dos partidos

maiores, que mantém o controle e os devidos espaços (em televisão e rádio, por exemplo) dos pequenos para serem utilizados nos proces-sos eleitorais. Mas os dirigentes das 31 legendas que funcionam em caráter pro-visório, aguardando a aprovação do TSE, têm ainda outros objeti-vos. O primeiro é abocanhar uma fatia dos R$ 149 milhões do Fundo Partidário, repassados anualmente às agremiações com registro. O segundo é dispor de cerca de cinco minutos de TV e de rádio por semestre, a serem vendidos para os grandes das futuras coligações. Embora a mercantilização do horário eleitoral seja ilegal, usam-se artifícios para que a compensação não seja explícita.Além de reforçar o fisiologismo, a proliferação de legendas sem qualquer representatividade confunde o eleitorado, distorce o debate ideológico e desmoraliza o jogo político, comprometendo a própria vitalidade do regime democrático.

Fonte: Instituto Datafolha

G1

PS

C R7

Brasil pode abrigar 58 partidos

A cada eleição surgem novos escândalos políticos, mas em 2010, a discussão em

torno da validade da lei da Ficha Limpa ajudou a trazer de volta ao cenário da corrupção velhos conhecidos do eleitor. Dois dos casos de maior repercussão são o de Jader Barbalho e Joaquim Ro-riz. São situações semelhantes: ambos renunciaram ao cargo de senador sob pesadas denúncias, para não serem cassados; Bar-balho em 2001 e Roriz em 2007. O assunto voltou a ser discuti-do após os dois tentarem novos cargos públicos nestas eleições e serem considerados fichas-sujas, entrando com recursos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um terceiro caso é o do ex-governador do Distri-to Federal, José Roberto Arruda, que teve o mandato cassado em março deste ano por suspeita de desvio de recursos públicos. Este mês voltou à tona, pois o Superior Tribunal de Jus-tiça determinou que o inquérito contra o político volte à a 5ª Vara Criminal de Brasília, instância de primeiro grau.

O primeiro dos citados, Jader Bar-balho (PMDB) foi o senador mais vo-tado no Pará este ano, com 1,7 milhão de votos. Para concorrer aquele que seria seu segundo mandato no Senado, onde já esteve de 1995 a 2001, o can-didato deixou de lado o posto de de-putado federal, também conquistado com a maior votação do estado, tanto em 2002 quanto em 2006. Antes disso, foi eleito outras duas vezes à Câmara, totalizando 23 anos em Brasília.

Apesar da extensa vida pública e popularidade, o deputado tem a car-reira manchada por uma série da de-núncias. Em 2001, logo após ter sido eleito presidente do Senado, foi acusa-do de diversos casos de enriquecimen-to ilícito e corrupção, o mais grave deles envolvendo desvios milionários do Banpará. Os fatos levaram o Sena-do a instaurar processo de quebra de decoro parlamentar contra Barbalho,

causando a renúncia ao seu mandato e impedindo a seqüência do processo, que poderia acabar em cassação.

O que fez o caso voltar à tona foi o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Pará ter autorizado a candidatura de Jader Barbalho, levando o Minis-tério Público a entrar com recursos para que o TSE avaliasse a situação de acordo com as normas da Ficha Lim-pa, que impede a participação de quem já renunciou a cargos públicos em no-vas eleições. Os ministros impediram a candidatura de Barbalho e os votos ganhos não foram contabilizados, as-sim como os recebidos pelo terceiro colocado na disputa – o petista Paulo Rocha -, também barrado pela nova lei. Como a soma dos votos dos dois candidatos ultrapassa 50% dos váli-dos, apenas uma vaga do senado para-ense foi preenchida e o TRE do estado pode convocar novas eleições.

Situação parecida viveu este ano Jo-aquim Roriz (PSC), candidato ao quin-to mandato como governador do Dis-trito Federal. Diferentemente do TRE paraense, o do DF considerou inválida a candidatura de Roriz, que renunciou ao mandato de senador no mesmo ano em que assumiu, após ser acusado de envolvimento no escândalo do Banco de Brasília. Antes disso, o politico foi governador do DF por quatorze anos

e Ministro da Agricultura du-rante parte da gestão Fernando Collor. Diante da impossibili-dade de concorrer a um novo mandato, pois o TSE acatou a decisão do TRE, Roriz desistiu da disputa e sua esposa, Weslian, o substituiu. A troca trouxe ain-da mais visibilidade ao caso, pois ela, sem experiência política, dis-parou bobagens nos debates te-levisivos, como propostas para “defender a corrupção”.

O último caso, com menos apelo popular, embora maior apelo judicial, é a sequência da condenação de José Roberto Ar-ruda (ex-DEM). Cinco dias após o primeiro turno das eleições, o ministro Luiz Fux, do STJ, deci-diu que o inquérito por suspeita de desvio de recursos públicos da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) retornasse à 5ª Vara Criminal de Brasília.

Fux, relator do inquérito, afirmou que a decisão do TRE do DF de cassar o mandato retirou o foro privilegiado de Arruda como governador e, conse-quentemente, afastou a competência do Tribunal. O relator determinou, então, que cabe à instância de primeiro grau processar e julgar o feito.

Arruda entrou na política com apoio de Joaquim Roriz, sendo eleito senador logo na primeira disputa que participou, em 1994. No ano seguinte, rompeu com Roriz e foi deputado fe-deral de 2002 a 2006, quando venceu o pleito para governador do DF. O escândalo que o derrubou do gover-no ocorreu ano passado, começando com a operação Caixa de Pandora, que apreendeu milhões em reais, dólares e euros na casa de Arruda, e culminou com o Mensalão do DEM. A prisão do ex-governador foi decretada em 11 de fevereiro deste ano, sob argumen-to de que ele estaria interferindo nas investigações com tentativas de subor-no. Após 2 meses de cárcere e de se manter longe dos holofotes durante o resto do ano, logo após anunciada a candidatura de Weslian Roriz, Arru-da quebrou o silêncio em entrevista ao Correio Braziliense, disparando contra seu ex-aliado, como se nada mais tives-sem em comum. Mas tem. A começar pela cor do colarinho.

Arruda reaparece após dois meses de prisão e o resto

do ano longe dos holofotes

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