o planejamento educacional do regime militar Às … · o processo de planejamento educacional...
TRANSCRIPT
O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL DO REGIME MILITAR ÀS PRIMEIRAS
DÉCADAS DO SÉCULO XXI: AUTORITARISMO, RECONSTRUÇÃO E
ESPERANÇA QUE SE ADIA
Emina Santos (UFPA)
Alberto Damasceno (UFPA)
RESUMO
O processo de planejamento educacional desde a década de 70 até nossos dias, comumente
esteve atrelado a objetivos ideológicos e econômicos em prejuízo de uma concepção ampla,
articulada e sistêmica. Hoje ainda enfrentamos as consequências dos longos períodos de
descaso, de ideais mercadológicos do ensino e da propalada “falta de vontade política”. Com
o advento do novo plano nacional de educação, após o primeiro ano de sua vigência como
lei, constatamos que algumas metas não foram realizadas dentro do prazo determinado,
enquanto outras, com o prazo próximo do fim, continuam sem perspectivas de efetivação, o
que amplia exponencialmente a chance de ações essenciais previstas no plano e construídas
coletivamente pela sociedade brasileira não serem executadas conforme o planejado. Em que
pesem os avanços conquistados, a gigantesca tarefa de criar e transformar para melhor nosso
sistema educacional, integrando os três níveis de governo e a sociedade organizada no
contexto de um Regime de Colaboração, além de desafiadora, continua a se desenhar como
uma esperança que se adia.
PALAVRAS-CHAVE: Política Educacional; Planejamento da Educação; Reformas
Educacionais; Plano Nacional de Educação.
ABSTRACT
The process of educational planning, since the 70s until today has been commonly linked to
ideological and economic goals rather than a wide, articulated and systemic design. Today
we still face the consequences of long periods of neglect, marketing ideals of teaching and
vaunted "lack of political will." With the advent of the new national education plan, after the
first year of its validity as a law, we find that some goals were not performed within the
specified time, while others, with a deadline, remain without effecting prospects, which
exponentially increases the chance of key actions in the plan and collectively built by
Brazilian society be not executed as planned. In spite of the advances made, the gigantic task
of creating and turning for the better our educational system, integrating the three levels of
government and the organized society in the context of a Collaboration System, besides
challenging, continues to emerge as a hope postponed.
KEYWORDS: Educational Policy; Educational Planification; Educacional Reforms;
Nacional Plan of Education.
Vendo embora com outros olhos a realidade, múltipla e complexa, –
porque ela mudou e profundamente sob vários aspectos, – e continuando
a ser homens de nosso tempo, partimos do ponto em que ficamos, não para
um grito de guerra que soaria mal na boca de educadores, mas para uma
tomada de consciência da realidade atual e uma retomada, franca e
decidida, de posição em face dela e em favor, como antes, da educação
democrática, da escola democrática e progressista que tem como
postulados a liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades
para todos. (Manifesto “Mais uma vez convocados”).
Ao lado de um amplo debate sobre o desenvolvimento de um plano educacional que fizesse
jus à grandeza do desafio de organizar adequadamente a educação nacional, observou-se a
difusão de uma concepção nacional-desenvolvimentista que impactou decisivamente a
elaboração dos planos educacionais, consolidando-se a lógica tecnocrata no exercício da
coordenação e planejamento educacionais, principalmente a partir da instauração do Regime
Militar implantado a partir de 1° de abril de 1964.
Tal caráter mais tecnocrata foi explicitado na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional nº 5.692/71, que instituiu o ensino técnico em todo o
país, tanto na rede pública quanto na rede privada, independentemente da
classe social. Foi também a partir desta Lei que a União transferiu mais
responsabilidades aos municípios no sentido de se tornarem mais eficientes
quanto à utilização dos recursos públicos destinados à educação,
especialmente em relação ao 1º grau (hoje Ensino Fundamental), que
passou a ser formalmente responsabilidade dos municípios. Assim,
podemos inferir que, mesmo contraditoriamente, foi a partir da Lei
5.692/71, pensada nos moldes centralizadores e tecnocratas, que ocorreu o
primeiro passo, embora singelo, para o processo de descentralização da
educação no país. Todavia, a criação dos sistemas de ensino ainda ficou a
cargo dos estados, do Distrito Federal e da União. (OLIVEIRA: 2014, 7).
Em que pese sua preocupação com ações mais permanentes, os governos do Regime Militar
se utilizaram de ações provisórias como meio de resolver problemas seculares resultantes do
longo período de descaso e negligência para com a situação da educação nacional. Assim
surgiram o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que visava a erradicar o
analfabetismo de jovens e adultos do país, e a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE)
que tinha o objetivo de apoiar o estudante por meio de programas de merenda escolar e
aquisição de material didático. Cabe ressaltar, no entanto, que referido Regime enfatizou o
planejamento central como instrumento de governo, cujas ações partiam da esfera decisória
central (União) para os Estados e Distrito Federal, de modo que a cada planejamento global
corresponderia um planejamento setorial, por área de atuação. (ver VIEIRA e FARIAS:
2011, 165).
Tanto é verdade que, em seguida à Reforma do Ensino de 1°e 2° graus, a Ditadura inaugura
a fase dos planos de desenvolvimento. Segundo Bordignon o I Plano Nacional de
Desenvolvimento – I PND (1972-1974) correspondeu ao período do “milagre brasileiro”,
cujo presidente era o General Emílio Garrastazu Médici. Dentre seus principais objetivos
estavam “elevar o Brasil, no espaço de uma geração, à categoria de nação desenvolvida;
duplicar, até o final da década, a renda per capita; e fazer a economia crescer entre 8 e 10%
até o final do Plano”. (2011; 11, 13). Mantendo a coerência com o PND, o I Plano Setorial
de Educação e Cultura – I PSEC para o mesmo período, tinha caráter economicista e estava
constituído por 10 programas e 21 projetos. (idem).
Concebido e executado em um período de fortes dificuldades econômicas, o II Plano
Nacional de Desenvolvimento – II PND (1975-1979), segundo Bordignon, “foi elaborado
sob o impacto das crises do petróleo e monetária internacional, com tensões econômicas em
âmbito mundial e, por isso, foi voltado para o homem brasileiro nas suas diferentes
dimensões e aspirações.” (2011, 15). Seu objetivo principal era o aumento da mão de obra
qualificada, tendo em vista municiar a produção para o atendimento das exportações e do
mercado interno.
No que se refere ao II Plano Setorial de Educação e Cultura – II PSEC, vinculado a este
PND, Bordignon explica que, além de uma visão sintética do panorama cultural na qual se
avaliam os avanços do plano anterior, “na segunda parte, definia os objetivos gerais e
específicos para cada etapa e nível de educação e as estratégias globais e específicas para
alcançá-los. Na parte III apresentava a programação detalhada das ações estratégicas.”
(2011, 15).
As crises econômicas mundiais das décadas de 70 e 80 afetaram fortemente o processo de
desenvolvimento nacional, até então considerado um “milagre”. Tanto a desregulamentação
do sistema monetário internacional como a crise petrolífera de 1973, fizeram com que o
Brasil sofresse com bastante intensidade os reflexos dos desastres internacionais. A situação
se agravou ainda mais por ocasião da segunda grande crise do petróleo em 1979 quando os
seguidos aumentos dos preços dos combustíveis no mercado interno provocaram a
aceleração inflacionária. Com o flanco da economia fatalmente aberto, o Regime Militar
começou a dar mostras de cansaço ao mesmo tempo em que os movimentos sociais
renovavam sua força e capacidade de organização e mobilização.
É nesse cenário que se processa a elaboração do III Plano Nacional de Desenvolvimento –
III PND (1980-1985), que acontece em paralelo às vigorosas manifestações em defesa das
eleições diretas para presidente e ao processo de abertura política. Bordignon cita como seu
objetivo síntese “a construção de uma sociedade desenvolvida, equilibrada e estável, em
benefício de todos os brasileiros, no menor prazo possível” (2011, 15-16). Por seu turno, o
III Plano Setorial de Educação e Cultura – III PSEC para o mesmo período
foi elaborado a partir da realização em Brasília, em julho de 1979, de um
seminário sobre política e planejamento da educação e cultura, com a
participação dos secretários de educação e cultura das unidades federadas.
A ele seguiram-se os encontros nacionais de planejamento realizados em
Manaus, Natal, Goiânia, Vitoria e Florianópolis nos meses de agosto a
setembro do ano de 1979, quando foram identificados os desafios a
superar. (BORDIGNON: 2011, 15-16).
Em meados da década de 1970, segundo Loureiro, retorna o “debate sobre a vinculação de
parte da receita de impostos para manutenção e desenvolvimento do ensino, que culmina,
em 1976, com a apresentação, pelo Senador João Calmon, membro da Comissão de
Educação do Senado, de proposta de vinculação”. (LOUREIRO, 2010, sp). Entretanto, é
somente na década de 1980, já no contexto da abertura política, que o Congresso Nacional
aprova a Emenda Constitucional 24/83, que teve o nome do Senador que a apresentou e que
estabelecia a vinculação de recursos da União em 13% e de Estados, Distrito Federal e
Municípios em 25%. Infelizmente, referida emenda, aprovada em 1983, só se efetivou em
1986. (LOUREIRO, 2010, sp).
Sem forças para fazer frente ao vigor das manifestações da Sociedade Civil a Ditadura
acabou perecendo. O marco final de seu ocaso foi a eleição indireta — no Congresso
Nacional — de um candidato moderado e de centro: Tancredo Neves. Após sua eleição,
Tancredo faleceu em circunstâncias ainda duvidosas, assumindo a presidência seu vice, José
Sarney.
O regime que emerge a partir do fim da ditadura, denominado “Nova República”, tinha
como maior desafio a reestruturação do arcabouço político jurídico do país, no sentido da
reconstrução dos aparatos democráticos. É nesse contexto que foi elaborado, sob a
coordenação do ministro de planejamento do governo Sarney, João Sayad, o I Plano
Nacional de Desenvolvimento da Nova República – I PNDNR (1986-1989) que, segundo
Matos, se concentrou nos seguintes aspectos: crescimento econômico; combate à pobreza,
às desigualdades e ao desemprego; educação, alimentação, saúde, saneamento, habitação,
previdência e assistência social; justiça e segurança pública. (MATOS: 2002, 72).
Esse período se fecha com a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, de 1988 cuja
relação com o Plano Nacional de Educação se pronuncia explicitamente no artigo 212, no
qual estabelece os percentuais que União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão
aplicar na manutenção e desenvolvimento do ensino nos termos do plano nacional de
educação.
Em seguida, a Carta Magna determina em seu artigo 214 que deve haver um plano nacional
de educação, “de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de
educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos
níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas”. (BRASIL, 1988). Complementando o caput do artigo, o
texto relaciona as metas a serem perseguidas pelo plano:
I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento
escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o
trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País; VI -
estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto. [Incluído pela Emenda
Constitucional nº 59, de 2009].
A Constituição de 1988, no capítulo referente à educação, foi fortemente influenciada pelo
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), criado em 1986, agregando várias
entidades científicas, sindicais e de classe1, todas mobilizadas no sentido da construção da
redemocratização da sociedade brasileira. Ressalte-se que nos artigos 211, 214 e 216 da
Constituição, está configurado um importante instrumento para viabilizar a execução de
competências comuns por parte dos entes federados: o Regime de Colaboração2.
Importante destacar que, antes mesmo da lei maior da educação (LDB), do plano nacional,
ou de qualquer outra iniciativa de construção legal, é uma lei referente aos direitos da Criança
e do Adolescente (Lei 8069/1990) que inaugura a década da reconstrução educacional pós
Constituição de 88, destinando, inclusive, um capítulo inteiro para essa temática3.
Três anos após, foi editado o Plano Decenal de Educação para Todos, que se caracterizava
como um ‘‘conjunto de diretrizes de política em processo contínuo de atualização e
negociação, cujo horizonte deverá coincidir com a reconstrução do sistema nacional de
educação básica.” (BRASIL: 1993, 15). A proposta pretendia que as referidas diretrizes
servissem de referência e fundamentos para os planos estaduais e municipais e que suas
metas fossem, posteriormente, “detalhadas pelos Estados, pelos Municípios e pelas escolas,
elegendo-se, em cada instância, as estratégias específicas mais adequadas a cada contexto e
à consecução dos objetivos globais do Plano” (Idem).
Outro marco da época foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
(Lei nº 9.394/96), que representou um importante momento de retomada do debate acerca
da construção de uma educação emancipatória no país.
Criado para atuar junto à Constituição Federal, em defesa da educação pública e gratuita, o
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública retornou à luta, agregando forças para garantir
uma Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional que estivesse em consonância com
os interesses da maioria da população. Por meio da realização de diversos eventos sobre o
assunto em diferentes estados, o Fórum construiu a base de um projeto de lei que foi
atribuído ao Deputado Jorge Hage, que passou a ser conhecido como “Projeto da Sociedade
Civil”. No que se refere à tramitação no Congresso Nacional, infelizmente,
Após demoradas discussões, novas propostas e novos relatores, este
projeto sucumbiu, prevalecendo outro de origem do Executivo,
encaminhado via Senado, tendo como relator Darcy Ribeiro, e que veio a
ser aprovado constituindo a atual LDB (Lei nº 9.394/96). A nova LDB
disciplina as competências dos sistemas de ensino, em regime de
colaboração, – com liberdade de organização nos termos desta lei (§2º do
art. 8º) – e atribui à União a competência de elaborar o Plano Nacional de
Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios (inciso I do art. 9º). (BORDIGNON: 2011, 19).
Em 20 de dezembro de 1996, a sociedade brasileira recebia sua segunda Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Partindo da ampla premissa de que a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais, referida Lei se propõe disciplinar, em seu
artigo primeiro, a educação escolar que se desenvolve, predominantemente, por meio do
ensino, em instituições próprias. Educação escolar que deve estar vinculada ao mundo do
trabalho e à prática social. A LDB 9.394 também se propunha a subsidiar as ações que
precisavam ser desencadeadas para modificar o panorama caótico do sistema educacional
brasileiro àquela época. Uma dessas ações estava consignada no seu artigo 9º, inciso I, que
atribuía à União a incumbência de elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração
com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Uma iniciativa importante, referente ao planejamento educacional no âmbito das escolas, foi
a criação do PDE Escola. Embora concebido em 1997 a partir do Fundescola4 e circunscrito
até 2005 às unidades escolares de ensino fundamental localizadas nas regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, nos últimos anos o programa se expandiu e em 2012 chegou a
contemplar mais de 13 mil escolas de todo país.
Seguindo determinação da LDB, o Congresso deu início à construção do Plano Nacional de
Educação para o decênio 2001-2010, deflagrando processo de fortes disputas, basicamente
a partir de duas perspectivas e concepções inconciliáveis e antagônicas de plano. Uma delas
ficou conhecida como sendo “Projeto da Sociedade Brasileira” enquanto a outra se
reconhecia como “Proposta do Poder Executivo”. Ambos os projetos explicitavam
perspectivas políticas e educacionais distintas, bem como diferentes prioridades. Após
intensos debates entre os parlamentares, inclusive com audiências públicas, obteve
hegemonia a proposta governamental. (Ver DOURADO, 2011, 25-26).
A maioria dos analistas do Plano Nacional de Educação 2001-2010, disposto por meio Lei
10.172, concorda que ele não se consubstanciou, efetivamente, em política de Estado,
configurando-se, no máximo, em instrumento de críticas à ausência de compromissos dos
governantes em relação ao enfrentamento efetivo das mazelas que assolam a educação
nacional há séculos.
O PNE aprovado não constituiu base e diretriz para políticas, planejamento
e gestão da educação nacional, nem foi acionado como tal pelos diferentes
segmentos da sociedade civil e da política brasileira. As entidades
educacionais, por exemplo, não efetivaram uma avaliação sistemática e
global do Plano e de sua concretização. Não houve movimento em defesa
ou pela reformulação do atual PNE pelas entidades educacionais, que, ao
contrário, advogaram, como estratégia política, em dado momento, a
revogação do Plano aprovado, por entenderem que esse dispositivo legal
não traduzia o esforço político conduzido pela sociedade civil, em
particular pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, e que não se
configurava como política de Estado, mas resultava de manobras
governamentais no seu processo de tramitação. (DOURADO: 2011, 30).
Findo o período dos governos neoliberais com a ascensão de um projeto democrático social
ao Poder Executivo em 2003 várias alterações começaram a ser produzidas.
(...) o governo democrático-popular iniciado por Lula reverteu
significativamente o processo de desinvestimento social que tinha
caracterizado o governo neoliberal do seu antecessor. De fato, durante os
dois governos de Fernando Henrique Cardoso, as políticas sociais sofreram
cortes significativos, sobretudo aquelas de caráter universal, perseguindo a
focalização em grupos específicos e empurrando setores médios para o
mercado. A partir de 2003, as políticas públicas orientadas para promover
uma melhor distribuição de renda e o acesso dos mais pobres a uma ampla
esfera de direitos aumentaram significativamente. O aumento progressivo
e sistemático do gasto público social durante os dois governos do
presidente Lula é uma clara evidência disso, chegando a R$ 638,5 bilhões,
15,24% do Produto Interno Bruto (PIB). (GENTILI e OLIVEIRA, 13,
254).
Na esteira das mudanças, em 2008 o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
escolheu “Aprender” como o tema central para sua atuação no Brasil naquele ano.
“Aprendizagem como direito” foi o slogan de um esforço interinstitucional de Municípios,
Estados e União e o título do estudo que buscou identificar boas práticas educacionais
desenvolvidas pelos municípios brasileiros na área educacional. Uma das conclusões
reafirmava o já conhecido preceito de que o exercício da docência vai muito além do ensino
exclusivamente, comportando ações que tenham em vista a criação de ambientes de
aprendizagem para o estudante. As redes municipais de ensino abordadas tinham em comum
tanto a inserção em contextos de vulnerabilidade social quanto os resultados no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) acima da média nacional e estavam situadas
em municípios de diferentes regiões do país, além de possuírem tamanhos variados, o que
deu uma dimensão nacional aos resultados.
No estudo, quando foram entrevistados gestores, diretores, coordenadores, docentes,
funcionários, familiares, comunitários e estudantes, buscou-se configurar “redes de
aprendizagem que desenvolvem boas práticas a partir de municípios que garantem o direito
de aprender”. Foram relacionadas 37 redes municipais5 que, segundo o trabalho,
influenciaram de fato no aprendizado dos alunos, já que o contexto sócio econômico foi
isolado da análise. Como prioridade nacional a educação básica de qualidade exigia que,
para além do comprometimento de gestores, técnicos e conselheiros da educação, as
comunidades educativas, compostas por pais, estudantes e profissionais da educação em
geral, atuassem conjuntamente na proposição e acompanhamento de alternativas que
fundamentem e consolidem a permanência e o sucesso do aluno na escola.
Para o cumprimento dessa meta, o Governo Federal lançou simultaneamente o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Decreto n° 6.094 em 2007. O primeiro, de acordo
com o próprio documento fundante,
oferece uma concepção de educação alinhada aos objetivos
constitucionalmente determinados à República Federativa do Brasil. Esse
alinhamento exige a construção da unidade dos sistemas educacionais
como sistema nacional — o que pressupõe multiplicidade e não
uniformidade. Em seguida, exige pensar etapas, modalidades e níveis
educacionais não apenas na sua unidade, mas também a partir dos
necessários enlaces da educação com a ordenação do território e com o
desenvolvimento econômico e social, única forma de garantir a todos e a
cada um o direito de aprender até onde o permitam suas aptidões e vontade.
(BRASIL, 07a).
O segundo dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com os outros entes federados,
inclusive as famílias, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando
a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. (BRASIL, 07b). De
acordo com o Decreto, a participação da União no Compromisso deverá se pautar pela
realização direta ou pelo incentivo e apoio à implementação de 28 diretrizes6 previamente
estabelecidas às quais Municípios, Estados e Distrito Federal deveriam aderir para fazer jus
a transferências voluntárias e a assistência técnica do Ministério da Educação (MEC) e do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), assim como fazer o diagnóstico
da situação educacional do ente e elaborar seu Plano de Ações Articuladas (PAR).
Todavia, para que o PAR fosse elaborado coube aos gestores (governadores e prefeitos) a
assinatura do Termo de Adesão ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e a
inserção de dados sobre sua realidade educacional em um sistema informacional –
inicialmente no sistema do Compromisso todos pela Educação (CTE), posteriormente
substituído pelo Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação (SIMEC)
- concebidos e cedidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Por
meio deste último sistema, os municípios puderam realizar o diagnóstico da situação da sua
educação para, em seguida, construir os seus Planos de Ações Articuladas.
No âmbito das ações estruturantes do período em tela, ressalta-se a promulgação da Emenda
Constitucional N° 59, de novembro de 2009 e a realização da CONAE – Conferência
Nacional de Educação em 2010. A primeira, sem sombra de dúvidas, pode ser considerada
uma das mais importantes iniciativas legais da política educacional brasileira das últimas
décadas. Ela deu nova redação aos incisos I e VII do art. 208 da Carta Magna, de forma a
tornar obrigatória a educação básica por meio da universalização do ensino de quatro a
dezessete anos. Referida medida passou a ser regulada pela Lei 12.796 de 4 de abril de 2013,
garantindo a implementação progressiva da educação básica obrigatória até 2016.
Resta esclarecer que antes de referida norma, o Estado brasileiro ofertava de forma
obrigatória somente a etapa do ensino fundamental, resguardando a oferta do ensino médio
a uma extensão progressiva. Com isso, no plano normativo e na organização dos sistemas
de ensino, ampliou-se o período de obrigatoriedade da educação básica de nove para 14 anos.
De forma incontestável, a médio prazo, esta medida, terá a capacidade de ampliação
cidadania ativa de crianças e adolescentes por meio de seu acesso ao mais fundamental dos
direitos humanos, a educação.
Por seu turno, a CONAE representou o coroamento de um amplo processo de debates que
se iniciou com a elaboração dos Planos de Ações Articuladas e as conferências municipais,
regionais e estaduais, constituindo uma extensa e consistente rede de discussão sobre a
educação nas diferentes esferas governamentais e territórios do país até chegarmos à
aprovação, pelo Congresso, da Lei 13.005, de junho de 2014, que estabelece o novo Plano
Nacional de Educação.
Com 20 metas distribuídas por temas como o acesso e garantias de direitos (1, 2, 3, 5, 6 e 9);
diversidade e combate à desigualdade (4 e 8); qualidade do ensino (7); formação técnica e
profissional (10 e 11); valorização dos profissionais da educação (15, 16, 17 e 18); educação
superior (11,13 e 14); gestão democrática (19) e; investimento e financiamento (20), o atual
Plano Nacional de Educação tem a pretensão de atender o disposto no artigo 214 da
Constituição Federal que lhe atribui o “objetivo de articular o sistema nacional de educação
em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos
níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas”. (BRASIL, 14).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da década de 70 a sociedade brasileira testemunhou a experiência de um governo
autoritário e repressor, uma ditadura militar instalada ainda na década de 60. O período foi
inaugurado pela Lei 5.692, de 1971, que reformou a educação primária e secundária. Pouco
depois surgem os planos setoriais de educação acoplados aos planos plurianuais de
desenvolvimento. Em meados da década de 80 a eleição de um candidato civil para a
presidência da República (Tancredo Neves) dá fim à ditadura e inicia a chamada “Nova
República”, regime coroado com a promulgação da Constituição de 1988.
Finalmente, na década de 90 e nas primeiras décadas do século XXI temos momentos de
forte mobilização e reconstrução democrática da sociedade civil e seus aparatos legais.
Tratava-se de uma fase que começa com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente
que assegura “com absoluta prioridade” a efetivação dos direitos referentes à educação.
Posteriormente é criado o “Plano Decenal Educação para Todos”, em 1993, e promulgada a
lei de diretrizes e bases em 1996. Tivemos o primeiro plano nacional, o plano de
desenvolvimento e o plano de ações articuladas. O período é concluído com a promulgação
da Lei 13.005, de junho de 2014, que estabelece o atual Plano Nacional de Educação, cuja
vigência vai até o ano de 2024.
Para o Regime militar, em especial, o planejamento educacional subordinou-se ao
planejamento macroeconômico, principalmente sob o ponto de vista da formação de mão-
de-obra necessária para a reprodução do capital. Júnior (1995) afirma, inclusive, que esse
“padrão altamente seletivo introduzido, seguindo o alto índice de exclusão social que marca
o modelo militar como um todo, foi maléfico sobretudo para o ensino fundamental, relegado
a segundo plano em função do maior interesse pelos demais (em particular a educação
universitária e a pós-graduação)”. (1995, 08). O que se constata, portanto, é a criação de
planos de educação atrelados a objetivos econômicos, seja por meio do controle de recursos
financeiros, seja em prejuízo de uma concepção ampla, articulada e sistêmica.
No campo do planejamento educacional, assim como em outros setores, o
planejamento esteve estritamente atrelado à meta do desenvolvimento
econômico, e não ao desenvolvimento social. Uma diretriz política de
caráter contencionista com relação ao ensino fundamental, que resultou na
diminuição, em termos relativos, do acesso da população à rede pública,
combinou-se com a prioridade dada à formação de mão-de-obra para o
mercado de trabalho emergente, com ênfase nos cursos secundários
técnicos e profissionalizantes, e na expansão desmedida do sistema
universitário público e privado. (JÚNIOR: 1995, 9).
Essas experiências históricas nos alertam para o fato de que a construção do novo Sistema
Nacional Articulado de Educação — que inicia a partir da promulgação de todo um
complexo legal que o normatiza, desde a promulgação da Constituição de 1988, até o atual
Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), passando pela Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional) —, exigirá um esforço não só do Estado mas, sobretudo, da
sociedade civil, no que tange à compreensão da necessidade e da importância da mobilização
popular e do exercício do controle social7 para a efetivação da melhoria da oferta de serviços
educacionais no país por meio do uso mais profícuo e racional de recursos financeiros e
humanos.
A história do financiamento da educação no Brasil mostra que a vinculação
da receita para a educação cumpriu um papel importante para o setor
educacional. No entanto, isso ainda não garante que o recurso seja de fato
repassado para a educação e que o atendimento da população por meio de
uma educação pública de boa qualidade esteja garantida. (LOUREIRO,
2010, sp).
Na verdade, a garantia da educação como direito de crianças e adolescentes tem uma ligação
estreita com o financiamento público das atividades de manutenção e desenvolvimento do
ensino8 que, por sua vez, é submetido à matriz ideológica e à concepção política dos
governos que se sucedem. Uma breve retrospectiva da história da educação no Brasil
demonstra que a vinculação — leia-se, a garantia efetiva — de recursos para a educação
acontece justamente nos períodos considerados democráticos (de 1934 a 1937, de 1946 a
1964, 1983 e 1988), assim como a desvinculação de recursos acontece precisamente em
períodos autoritários (de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985), fato que, indubitavelmente,
compromete a garantia do direito e da gratuidade da educação. (Ver OLIVEIRA, sd, sp).
Pode-se concluir que, com exceção dos períodos ditatoriais, como o Estado
Novo, por meio da Constituição Federal de 1937, e a Ditadura Militar, pela
Constituição Federal de 1967, esse princípio [vinculação de recursos para
a educação pública] tem sido respeitado e vem sendo o meio de se
assegurar o financiamento público para a manutenção e o desenvolvimento
do ensino. (LOUREIRO, 2010, sp).
Em que pese vivermos um período democrático, ainda convivemos com as consequências
de longos anos de descaso, de ideais mercadológicos do ensino e da propalada “falta de
vontade política”. Continuamos a enfrentar limites não superados como a baixa qualidade
do ensino que condena milhões de brasileiros à ignorância ou ao analfabetismo funcional; a
cultura da meritocracia; a baixa capacidade instalada em termos de recursos humanos nas
secretarias de educação (principalmente dos entes municipais) e a insistente e persistente
influência do setor privado nas deliberações e ações governamentais. Nesse campo,
equivocadamente, o atual PNE 2014-2024 resguardou dispositivo que fere a exclusividade
de repasse de recursos públicos para instituições públicas “como a contabilização das
parcerias público-privadas na meta de investimento público em educação (parágrafo 4º ao
Art. 5º) e a permanência do estímulo à remuneração dos professores por resultados
(Estratégia 7.36)”. (CAMPANHA, 2014).
Por outro lado, as rupturas realizadas resultaram em avanços significativos. Podemos
relacionar, dentre as superações, a racionalização do financiamento, que após o advento do
FUNDEB, passou a ter concepção sistêmica, superando a fragmentação entre níveis e
modalidades de ensino e a implementação plena do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial),
com participação da União para sua viabilização financeira, colaborando com Estados e
Municípios; a formação de professores, que contou com o incremento proporcionado pelo
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR; a
democratização do acesso e o fortalecimento da diversidade nas escolas, por meio de
iniciativas como programas de Educação Especial, Educação para as Relações Étnico-
Raciais, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Quilombola, Educação
em Direitos Humanos, Educação Inclusiva, Gênero e Diversidade Sexual, Combate à
Violência, Educação Ambiental e Educação de Jovens e Adultos. Avanço decisivo no campo
das iniciativas estruturantes é a mudança nas próprias condições de planejamento da
educação que, a partir do exercício do planejamento de ações articuladas (PAR) modificou-
se em termos de concepções e práticas nas secretarias de educação.
Outra ruptura positiva deu-se com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59/2009 que
incluiu no texto constitucional a expressão “Sistema Nacional de Educação”; prevê a
obrigatoriedade e universalização do ensino de 4 a 17 anos; amplia a abrangência dos
programas suplementares para todas as etapas da educação básica e estabelece meta de
aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto
(PIB). (BRASIL: 2014, 9).
Como se vê, as rupturas foram significativas e proativas, e apontam para um novo momento
no qual as conquistas “saiam do papel”, rompendo com os hábitos nocivos da imobilidade e
da procrastinação, garantindo sua efetivação na prática. Por essa razão concordamos com a
Campanha Nacional pelo Direito à Educação quando sustenta que o “principal desafio do
PNE agora é o da sua implementação, que deve estar alicerçada na elaboração de planos
estaduais e municipais, no fortalecimento do Fórum Nacional de Educação e dos fóruns
subnacionais (estaduais e municipais) e no estabelecimento de práticas e mecanismos de
controle social. O PNE precisa tomar o centro do debate público nacional.” (CAMPANHA,
2014).
Recentemente, o Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, em audiência pública da
Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, realizada em 09 de junho de
2015, apontou o Plano Nacional de Educação (PNE) como a grande prioridade de sua pasta.
Considerado como política de Estado, concebeu o documento como "uma lei acima de
preferências político-partidárias, feita por um país inteiro e que recebeu apoio integral dos
poderes Legislativo e Executivo. Temos portanto, rota, um mapa a trilhar e metas a cumprir."
(BRASIL, 2015-A). Na mesma linha, na passagem do primeiro ano de vigência do plano, a
Comissão de Educação da Câmara dos Deputados promoveu em Brasília um seminário com
o intuito de avaliar o desenvolvimento de suas metas, denominado “O PNE e o futuro da
educação brasileira”9, ocasião em que o desempenho das metas foi discutido e considerado
positivo.
Na contramão das posições oficiais, entidades da sociedade civil como a “Campanha
Nacional pelo Direito à Educação” se posicionou publicamente, defendendo que o Brasil —
como uma “pátria educadora deve tirar o PNE do papel”, pois os primeiros prazos do plano
já estavam sendo descumpridos.
Analisando os posicionamentos de representantes do Estado e da Sociedade Civil, o que já
foi efetivado e o que deverá ser feito a seguir, é possível constatar (CAMPANHA, 2015), no
pleno exercício de controle social do plano, que, infelizmente, no seu primeiro aniversário,
algumas metas não conseguiram ser realizadas no prazo determinado, enquanto outras, com
o prazo próximo do fim, continuam sem perspectivas de efetivação, o que amplia
exponencialmente a chance de ações essenciais previstas no plano e construídas
coletivamente pela sociedade brasileira não serem executadas conforme o planejado. Alguns
fatores confirmam essa tese:
Em primeiro lugar, é inegável que o Estado brasileiro atravessa um período de significativos
cortes de recursos que tem afetado e afetarão a implementação de projetos e programas
educacionais. Embora denominada “Pátria Educadora” no segundo mandato da Presidente
Dilma, o que se tem constatado é um forte contingenciamento de ações que até então vinham
sendo desenvolvidas desde o PDE e que serviam de suporte para o alcance de grande parte
das metas previstas pelo plano em vigência.
O ajuste fiscal em curso atinge e inviabiliza a educação como tarefa primordial da nação,
como bem define um dos documentos divulgados pela Campanha10 em 22 de junho de 2015,
“uma pátria educadora não pode descuidar do cumprimento de uma das principais leis da
educação nacional, como é o caso do PNE”. Desta forma, o fato de termos atualmente a
maior parcela do Produto Interno Bruto destinado às políticas educacionais (atualmente
cerca de 6,2% de acordo com pronunciamento do Secretário Executivo do MEC no
seminário de 25 de junho 201511), não significa que estamos efetivando uma ação
educacional com maior qualidade a um número maior de pessoas. Consequência deste fato
é que os desafios contidos no alcance das metas do PNE ganham novos contornos diante do
contingenciamento dos recursos públicos à educação12.
Em segundo lugar, associado à questão do financiamento, mas extrapolando a importância
restrita desta dimensão, reiteramos como um dos principais desafios à implementação das
metas, o fortalecimento do regime de colaboração entre os entes federativos da nação.
Percebemos que quanto às tarefas dos entes federados no que tange ao plano, se podemos
afirmar que as responsabilidades já estão definidas sob o ponto de vista da regulamentação
formal, ainda não possuímos claro conhecimento de como se dará a tão almejada
colaboração. Este desafio, a nosso ver estruturante à organização sistêmica das políticas
educacionais brasileiras, tem constituído pauta prioritária desde a CONAE 2010 e até os dias
de hoje ainda constitui meta a ser perseguida.
Com isso afirmamos como condição preliminar da execução do plano de forma exitosa, a
regulamentação do constante no parágrafo único do artigo 23 da atual Constituição Federal
que estabelece que “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)”, ou seja, surge como desafio inadiável a regulamentação do
Regime de Colaboração;
Em terceiro lugar, vemos instituições do governo e a Câmara dos Deputados avaliando que,
embora com atraso no cumprimento gradual das metas previstas para os próximos 10 anos,
o PNE está em movimento. A nosso ver tal dinâmica se sustenta por meio de ações formais,
mais voltadas à formulação de suporte legal para efetivação das metas, do que pela
efetivação de estratégias propriamente ditas.
Basicamente, elas se resumem à criação de comissões e distribuição de
documentos conceituais que congregam propostas. Embora sejam medidas
necessárias, são gravemente tardias. Além do fato de que deveriam ter sido
lançadas antes, concretamente, os prazos serão protelados e descumpridos.
Lamentavelmente, a qualidade de implementação do PNE é muito baixa.
(Campanha, 2015).
Finalmente, destacamos como uma das principais conquistas ao final de 2015, o esforço da
maioria dos estados e municípios em elaborarem seus Planos Estaduais e Municipais de
Educação, respectivamente como tarefa de se adaptar às orientações emanadas do Nacional
e ressignificar desafios históricos, como o fim da evasão do ensino médio, por exemplo.
Nossa esperança era que, realizando o plano, fôssemos capazes de integrar os três níveis de
governo e a sociedade organizada no esforço de fazer acontecer o Regime de Colaboração
previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases, além de começarmos a construir as
bases políticas e técnicas de um novo Sistema Nacional de Educação no Brasil. Entretanto,
o pior aconteceu.
Pouco tempo após a conquista da promulgação – sem vetos – do novo plano nacional, mais
uma vez a dualidade continuidade e ruptura foi demarcada pela disputa de territórios entre o
público e o privado na trajetória histórica das políticas educacionais brasileiras. No momento
em que concluíamos as análises aqui apresentadas, a nação brasileira foi tomada de assalto
por um golpe de estado parlamentar midiático empresarial, protagonizado pelas forças
políticas mais reacionárias e conservadoras assentadas no Congresso Nacional Brasileiro.
A presidenta Dilma Roussef foi afastada da Presidência da República em 11 de maio de
2016, quando assumiu Michel Temer — seu vice-presidente e um dos líderes do golpe —
que, com apoio de um grupo de parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção e
apoiados por grandes grupos empresariais (principalmente da mídia tradicional) impôs à
nação brasileira uma pauta de desconstrução das políticas públicas, promovendo um
retrocesso sem precedentes nas conquistas sociais em toda nossa história.
O governo interino, conformando um verdadeiro estado de exceção1 e afrontando a
supremacia dos direitos fundamentais, promoveu um ostensivo desmonte do setor público,
promovendo robustos cortes orçamentários e a desvinculação constitucional das receitas,
estreitando os laços institucionais com o setor privado, apoiando iniciativas de conteúdo
ideológico conservador e fascista nos currículos escolares, caracterizando-se, portanto, como
um governo que legisla por meio da suspensão de direitos.
Tais medidas — embora iniciais — nos levam a crer que, consolidado o impedimento da
presidenta eleita, terão consequências avassaladoras para as conquistas obtidas a muito custo
no âmbito das políticas educacionais, para o desenvolvimento dos avanços presentes no
1 Ver conceito em AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: BoiTempo Editorial, 2004.
Plano Nacional de Educação e para a vinculação das receitas do Pré-sal, dentre outras
medidas que ultrajam os direitos de nossas crianças e adolescentes, comprometendo o
presente de nossos jovens e o futuro civilizatório da nação.
NOTAS
1. O Fórum foi composto inicialmente por 15 entidades nacionais, sendo 3 de organizações
de classe (CUT/CGT/OAB); quatro entidades voltadas para o ensino, a pesquisa e/ou sua
divulgação (ANPED/SBPC/SEAE/CEDES); seis entidades de trabalhadores profissionais da
área de educação (ANDES/ANDE/CPB/FENOE/FASUBRA/ANPAE) e duas entidades do
movimento estudantil (UNE e UBES).
2. De acordo com Hentz “No que tange ao Regime de Colaboração, embora óbvio, não é
demais frisar que ele só é possível em havendo entes federados autônomos, que possam
estabelecer esse regime nas suas relações. Trazendo esta assertiva para o campo da educação,
no que diz respeito à relação entre os sistemas, pode-se afirmar que a condição para que se
dê efetividade ao disposto no art. 211 da Constituição da República: A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de
ensino é que existam os sistemas federal, os estaduais e os municipais, cada qual nas
competências que lhes foram atribuídas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, em seu título IV – Da Organização da Educação Nacional.” (2009).
3. Capítulo IV - Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer.
4. O Fundo de Fortalecimento da Escola é um programa oriundo de um acordo de
financiamento entre o Banco Mundial e o MEC, desenvolvido em parceria com as secretarias
estaduais e municipais de Educação dos estados envolvidos, tendo em vista o
desenvolvimento da gestão escolar, com vistas à melhoria da qualidade das escolas do ensino
fundamental e à permanência das crianças nas escolas públicas, nas regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste. O programa privilegia o desenvolvimento de ações que funcionem em
sinergia com outras iniciativas e programas governamentais de educação, entre eles o
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE); o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB); o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) e se propõe também a implementar ações de
fortalecimento da escola por meio de convênios com os municípios, mediante adesão desses
municípios. Cada acordo dura em média seis anos, sendo que o “Acordo de Participação”
inicial, ou seja, do FUNDESCOLA I, teve início em 1997. (Ver OLIVEIRA, 2005, 128-
129).
5. Entre os critérios de escolha das redes estava sua inserção na nota 4 (quatro) no IDEB
(que varia de um a dez) e o desempenho acima do esperado em relação a redes com
condições sócio econômicas semelhantes. Nenhuma das redes selecionadas se encontrava
no padrão considerado do mundo desenvolvido, cuja nota é igual ou maior do que 6 (seis),
mas todas estão acima da média nacional, que é de 3,8 (três e oito décimos). Ficou claro
também, que nenhuma das práticas identificadas era por essência inédita ou inovadora. A
pesquisa, na verdade, parecia reverberar o esforço de integração que então se realizava entre
as esferas federal, estadual e municipal por meio do planejamento articulado de ações
educacionais em diferentes níveis governamentais.
6. Quais sejam: I - estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a
atingir; II - alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os
resultados por exame periódico específico; III - acompanhar cada aluno da rede
individualmente, mediante registro da sua frequência e do seu desempenho em avaliações,
que devem ser realizadas periodicamente; IV - combater a repetência, dadas as
especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no contra turno,
estudos de recuperação e progressão parcial; V - combater a evasão pelo acompanhamento
individual das razões da não-frequência do educando e sua superação; VI - matricular o
aluno na escola mais próxima da sua residência; VII - ampliar as possibilidades de
permanência do educando sob responsabilidade da escola para além da jornada regular;
VIII - valorizar a formação ética, artística e a educação física; IX - garantir o acesso e
permanência das pessoas com necessidades educacionais especiais nas classes comuns do
ensino regular, fortalecendo a inclusão educacional nas escolas públicas; X - promover a
educação infantil; XI - manter programa de alfabetização de jovens e adultos; XII - instituir
programa próprio ou em regime de colaboração para formação inicial e continuada de
profissionais da educação; XIII - implantar plano de carreira, cargos e salários para os
profissionais da educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho;
XIV - valorizar o mérito do trabalhador da educação, representado pelo desempenho
eficiente no trabalho, dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade, realização de
projetos e trabalhos especializados, cursos de atualização e desenvolvimento profissional;
XV - dar consequência ao período probatório, tornando o professor efetivo estável após
avaliação, de preferência externa ao sistema educacional local; XVI - envolver todos os
professores na discussão e elaboração do projeto político pedagógico, respeitadas as
especificidades de cada escola; XVII - incorporar ao núcleo gestor da escola coordenadores
pedagógicos que acompanhem as dificuldades enfrentadas pelo professor; XVIII - fixar
regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretor de
escola; XIX - divulgar na escola e na comunidade os dados relativos à área da educação,
com ênfase no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, referido no art. 3o;
XX - acompanhar e avaliar, com participação da comunidade e do Conselho de Educação,
as políticas públicas na área de educação e garantir condições, sobretudo institucionais, de
continuidade das ações efetivas, preservando a memória daquelas realizadas; XXI - zelar
pela transparência da gestão pública na área da educação, garantindo o funcionamento
efetivo, autônomo e articulado dos conselhos de controle social; XXII - promover a gestão
participativa na rede de ensino; XXIII - elaborar plano de educação e instalar Conselho de
Educação, quando inexistentes; XXIV - integrar os programas da área da educação com os
de outras áreas como saúde, esporte, assistência social, cultura, dentre outras, com vista ao
fortalecimento da identidade do educando com sua escola; XXV - fomentar e apoiar os
conselhos escolares, envolvendo as famílias dos educandos, com as atribuições, dentre
outras, de zelar pela manutenção da escola e pelo monitoramento das ações e consecução
das metas do compromisso; XXVI - transformar a escola num espaço comunitário e manter
ou recuperar aqueles espaços e equipamentos públicos da cidade que possam ser utilizados
pela comunidade escolar; XXVII - firmar parcerias externas à comunidade escolar, visando
a melhoria da infra estrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações
educativas; XXVIII - organizar um comitê local do Compromisso, com representantes das
associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho
Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da
sociedade e do acompanhamento das metas de evolução do IDEB. (BRASIL: 2007a).
7. Neste trabalho concebemos Controle Social como o processo permanente e sustentável de
participação de pessoas dos mais diferentes segmentos sociais no cotidiano da gestão
pública; fiscalizando, acompanhando, monitorando e controlando as políticas públicas e
demais ações governamentais na perspectiva do fortalecimento da cidadania. Na rede web
de direitos humanos (http://www.dhnet.org.br/index.htm) temos que “No caso atual do
Brasil, a Constituição de 1988 assegura juridicamente a participação e o controle social como
mecanismos de democratização dos direitos civis e políticos. Nesse sentido, o termo controle
social está intrinsecamente articulado à democracia representativa, que assegura
mecanismos de participação da população na formulação, deliberação e fiscalização das
políticas públicas. Conferências e Conselhos, por exemplo, são formas de participação social
e mecanismos conquistados para exercer o controle social.” (Ver Participação e controle
social na garantia dos direitos humanos. In:
http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/cc/2/participacao.htm).
8. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/1996) estabelece em seus artigos 70 e
71, respectivamente, o que é considerado e o que não se constitui “Manutenção e
Desenvolvimento de Ensino”.
9. Seminário realizado em Brasília, no auditório Nereu Ramos, no dia 25 de junho de 2015.
10. “A Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi lançada em 5 de outubro de 1999
por um grupo de organizações da sociedade civil com o propósito de somar diferentes forças
políticas pela efetivação dos direitos educacionais garantidos por lei para que todo cidadão
e toda cidadã tenham acesso a uma educação pública de qualidade. Hoje é considerada a
articulação mais ampla e plural no campo da educação básica no Brasil, constituindo-se
como uma rede que articula mais de 200 grupos e entidades distribuídas por todo o país,
incluindo movimentos sociais, sindicatos, organizações não-governamentais nacionais e
internacionais, fundações, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários, além de
centenas de cidadãos que acreditam na construção de um país justo e sustentável por meio
da oferta de uma educação pública de qualidade. Tem como missão atuar pela efetivação e
ampliação dos direitos educacionais para que todas as pessoas tenham garantido seu direito
a uma educação pública, gratuita e de qualidade no Brasil. Gerida por uma equipe de
coordenação geral e dirigida por um comitê diretivo nacional, a Campanha também possui
comitês regionais. É fundadora e membro do comitê diretivo da Clade (Campanha Latino-
Americana pelo Direito à Educação). Também participou da fundação da CGE (Campanha
Global pela Educação) e integra sua direção. Em outubro de 2007, a Campanha recebeu do
Congresso Nacional o prêmio Darcy Ribeiro, por sua bem-sucedida atuação de incidência
política no processo de criação do Fundeb (Fundo da Educação Básica).” Mais informações
sobre a Campanha consultar: campanhaeducacao.org.br. Acesso em: 27/06/15.
11. No Seminário “O PNE e o futuro da educação brasileira”, salvo em
câmara.leg.br/discursoparlamentares.
12. Segundo Costas A oferta de vagas no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego (Pronatec) deve cair 60%, foram criadas regras mais rígidas para concessão de
crédito do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), foram cortados mais de R$2 bilhões
destinados a construção de creches e pré-escolas, escolas e quadras esportivas, além do grave
corte nas verbas de investimentos nas universidades federais. A quantidade de bolsas para
estudantes brasileiros no exterior também deve ser reduzido. (COSTAS, Ruth. O ajuste fiscal
ameaça a 'pátria educadora'? Disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150707_cortes_educacao_ru. Acesso em
08/08/2015).
REFERÊNCIAS
BORDIGNON, Genuíno et alli. O planejamento educacional no Brasil. Brasília. Fórum
Nacional de Educação. Junho/2011.
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
BRASIL. Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007a.
BRASIL. Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014.
BRASIL. Planejando a Próxima Década: Alinhando os Planos de Educação. Brasília:
Ministério da Educação / Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino
(MEC/SASE), 2014.
BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação. Brasília: MEC, 2007b.
BRASIL. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC, 1993.
CAMPANHA Nacional pelo Direito à Educação. Carta à sociedade brasileira - PNE
sancionado sem vetos: vitória do Brasil! 26 de junho de 2014. Disponível em:
http://campanhaeducacao.org.br/?idn=1377. Acesso em 26/06/14.
DOURADO, Luiz Fernandes (org.). Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação
e perspectivas. Goiânia: Editora UFG, 2011.
GENTILI, Pablo e OLIVEIRA, Dalila Andrade de. A procura da igualdade: dez anos de
política educacional no Brasil. In: SADER, Emir (org). 10 anos de governos pós-
neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo / Rio de Janeiro: FLACSO
Brasil, 2013.
JÚNIOR, Heitor Frúgoli. Estrutura do planejamento e planejamento educacional no Brasil.
In: Revista de Administração Pública. São Paulo Fundação Getúlio Vargas. V. 29, N 1,
1995.
LOUREIRO. Walderês Nunes. O financiamento da educação no Brasil:
contextualização. In: Anais do Simpósio de estudos e pesquisas da FE/UFG, 2010.
Disponível em:
https://anaisdosimposio.fe.ufg.br/up/248/o/3_LOUREIRO__Walderes_Nunes.pdf. Acesso
em: 16/01/2015.
MANIFESTO dos educadores: Mais uma vez convocados. Disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc2_22e.pdf. Acesso em
16/12/2014.
MATOS, Patrícia de Oliveira. Análise dos planos de desenvolvimento no Brasil após o II
PND. Dissertação de Mestrado. Piracicaba: ESALQ, 2002.
OLIVEIRA, João Ferreira de, et alli. O financiamento da educação básica: limites e
possibilidades. Sem data. Disponível em: http://escoladegestores.mec.gov.br/site/4-
sala_politica_gestao_escolar/pdf/fin_edu_basica.pdf. Acesso em: 16/01/2015.
OLIVEIRA, João Ferreira. Et alli. O programa fundescola: concepções, objetivos,
componentes e abrangência – a perspectiva de melhoria da gestão do sistema e das
escolas públicas. In: Revista Educação & Sociedade., Campinas, vol. 26, n. 90, p. 127-147,
Jan./Abr. 2005.
VIEIRA, Sofia Lerche e FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Política Educacional no Brasil:
Introdução histórica. 3ª. ed. Brasília: Liber Livro Editora, 2011.