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Libro de Bolso - O perfume

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O PerfumeHISTÓRIA DE UM ASSASSINO

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Patrick Süskind

O PerfumeHISTÓRIA DE UM ASSASSINO

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FICHA TÉCNICA

Título original: Das Parfum Die Geschichte eines Murders

Autor: Patrick Suskind All rights reserved. Copyright(c) 1985 by Diagenes Verlag AG, Zurick

Tradutor: Maria Emília Serros Moura

Capa: Francisca Santos

Composição, impressão e acabamento: Imprensa Portuguesa --- Porto

1.ª Edição, Lisboa, 1986

Depósito legal n.º 13 879/86

Reservados os direitos para portugal à VENDAVAL

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P R I M E I R A P A R T E

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No século XVIII viveu em França um homem que se inseriu entre as personagens mais geniais e mais abomináveis desta época que, porém, não escasseou em personagens geniais e abomináveis. É a sua história que será contada nestas páginas. Chamava-se Jean-Baptiste Grenouille e se o seu nome, contrariamente aos de outros grandes facínoras de génio, como, por exemplo, Sade, Saint-Juste, Fouché, Bonaparte, etc., caiu hoje em dia no esquecimento, tal não se deve por certo a que Gre-nouille fosse menos arrogante, menos inimigo da Humanidade, menos imoral, em resumo, menos perverso do que os patifes mais famosos, mas ao facto de o seu génio e a sua única ambição se cingirem a um domínio que não deixa traços na História: ao reino fugaz dos odores. Na época a que nos referimos dominava nas cidades um fedor di-ficilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas das casas tresandavam a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as co-zinhas a couve podre e a gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro acre dos bacios. As chaminés cuspiam fedor a enxofre, as fábricas de curtumes cuspiam o fedor dos seus banhos corrosivos e os matadouros o fedor a sangue coalhado. As pessoas tresandavam a suor e a roupa por lavar; as bocas tresandavam a dentes podres, os estômagos tresandavam a cebola e os corpos, ao per-derem a juventude, tresandavam a queijo rançoso, leite azedo e tumores em evolução. Os rios tresandavam, as praças tresandavam, as igrejas tresandavam e o mesmo acontecia debaixo das pontes e nos palácios. O camponês cheirava tão mal como o padre, o operário como a mulher do mestre artesão, a nobreza tresandava em todas as suas camadas, o próprio rei cheirava tão mal como um animal selvagem a rainha como uma cabra velha, quer de Verão quer de Inverno. Isto porque neste século XVIII a actividade destrutiva das batérias ainda não encontrara fronteiras e não existia, assim, qualquer actividade humana, quer fosse construtiva ou destrutiva, qualquer manifestação da vida em germe ou em declínio, que estivesse isenta da companhia do fedor.E era,naturalmente, em Paris, que o fedor atingia o índice mais elevado, na medida em que paris era a maior cidade de França. E no seio da

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capital existia um lugar onde o fedor reinava de uma forma particu-larmente infernal, entre a Rua aux Fers e a Rua de la Ferronerie, na realidade, o Cemitério dos Inocentes. Durante oitecentos anos, tinham-se transportado para lá os mortos do Hôtel-Dieu e os das paróquias vizinhas; durante oitecentos amos, haviam-se trazido até ali, dia após dia, em carroças, os cadáveres que eram atirados às dúzias para fundas valas; durante oitecentos anos, haviam-se acumulado camadas suces-sivas de ossos nas carneiras e ossuários. E foi so mais tarde, em vésperas da Revolução Francesa, quando algumas destas valas comuns se abat-eram perigosamente e o fedor deste cemitério a abarrotas desencadeou entre os habitantes das margens do rio não apenas protestos mas verda-deiros motins, que acabaram por encerrá-lo e esvaziá-lo, tendo sido os milhões de ossos e crânios empurrados à pá na direcção das catacumbas de Montmartre e construído um mercado, em sua substituição, neste local. Aqui, neste sítio mais fedorento de todo o reino, nasceu Jean-Baptiste Grenouille, a 17 de Julho de 1738. Foi um dos dias mais quentes do ano. O calor pesava como chumbo sobre o cemitério, projectando nas ru-elas vizinhas o seu bafo pestilento, onde se misturava o cheiro a melões apodrecidos e a trigo queimado. Quando começou com as dores de parto, a mãe de Grenouille encontrava-se de pé, atrás de uma banca, na Rua aux Fers , a escamar as carpas que acabava de estripar. Os peixes, supostamente pescados no Sena nessa mesma manhã, ja cheiravam pior do que cadáver. A mãe de Grenouille não distinguia, no entanto, entre o cheiro a peixe e o de cadáver, na medida em que o seu olfacto era extraordinariamente insensivel aos cheiros, e, além disso, a dor que lhe apunhalava o ventre eliminava toda a sensivilidade ás sensações exte-riores. Apenas desejava que a dor parasse; desejava pôr termo o mais rapidamente possível a este repugnante parto. Era o quinto. Todos os outros se haviam verificado atrás desta banca de peixe e sempre se tra-tara de nados mortos, ou quase,porque a carne sanguinolenta que dela juncavam o solo, e se escapava não se diferençava grandemente das miudezas de peixe que juncavam o solo, e também nao possuía, além disso, muito tempo de vida; á noite, tudo era varrido a trouxe-mouxe e levado nas carroças, em direcção ao cemitério ou ao rio. Era o que deveria passar-se, uma vez mais, naquele dia e a mão de Grenouille, e que ainda era jovem, vinte e cinco anos feitos, que ainda era bonia, que

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conservava quase todos os dentes e tinha ainda cabelos e que, indepen-dentemente da gota, da sífilis, e de uma leve tubercolose não sofria de qualquer doença grave; que esperava viver ainda muito tempo, talvez cinco ou dez anos, e talvez até mesmo casar um dia e ter verdadeiros filhos na qualidade de respeitável esposa de um artesão viúvo, por exem-plo,... a mãe de Grenouille desejava que tudo já tivesse acabado. E quando as dores de parto se fixaram, agachou-se, deu à luz debaixo da sua banca de peixe tal como das vezes anteriores e cortou com a faca do peixe o cordão umbilical do recém-nascido. Em seguida, porém, e devido ao calor e ao mau cheiro que ela não apercebia como tal mas como algo de insur-portável e estonteante --- um campo de lírios ou uma divisão demasiado pequena a transbordar de junquilhos ---, desmaiou, caiu para o lado e rolou debaixo da banca até ao meio da rua, onde ficou estiraçada com a faca na mão. Gritos, correrias, a multidão de basbaques à roda e alguém que vai chamar a Polícia. A mulher mantém-se prostrada no chão com a faca na mão e volta lentamente a si. Perguntam-lhe o que se passou. - Nada. E o que faz ali com a faca? - Nada. E de onde vem o sangue que lhe corre por baixo das saias? - Dos peixes. Ela levanta-se, atira a faca para o lado e afasta-se para se lavar. Mas eis que, contra todas as suas expectaticas, a coisa por baixo da banca do peixe põe-se a chorar. As pessoas acorrem, e sob um enxame de moscas, no meio das tripas e cabeças de peixe, descobre-se e liberta-se o recém-nscido. As autoridades entregam-no a uma ama e a mãe e presa. E dado que ela não hesita em confessar que certamente teria deixado morrer o fedelho como já fizera, aliás, como os outros quatro, abrem-lhe um processo, é condenada por vários infanticídos, e algumas semanas mais tarde, cortam-lhe a cabeça na Praça de Grève. Nesta altura, a criança já tinha mudado três vezes de ama. Nen-huma delas quisera conservá-la mais do que uns dias. Afirmavam que ele era guloso demais, mamava por dois, tirava o leite da boca dos out-ros recém-nascidos e o pão da boca das amas, na medida em que uma amamentação rentável era impossível com um único recém-nascido.O

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oficial da policia encarregado deste cas, um tal de La Fosse, começava a ficar farto e já estava disposto a mandar a criança para um cen-tro de reagrupamento de enjeitados órfãos, situado ao fundo da Rua Saint- Antoine, de onde partiam diariamente bandos de crianças des-tinadas ao grande orfanato estatal de Ruão. Na medida , póre, em que estes transportes era efectuados por carregamentos de cestos de ráfia, onde, para uma maior rentabilidade, se metiam até quatro recém-na-scidos; como, por conseguinte, a taxa de falecidos pelo caminho era extraordináriamente elevada; como, por este motivo, os carregadores tinham por missão preocuparem-se somente com os recém-nascidos que fossem baptizados estivessem munidos de um bilhete de transporte conforme as leis e que devia ser visado à chegada a Ruão; mas como a criança Grenouille constar no bilhete de transporte conforme a lei; e como, por outro lado, era inimaginável que a Polícia abandonasse anonimamente uma criança, colocando-a à porta do centro de reagru-pamento, o que seria a única maneira de eliminar as restantes formali-dades...numa palavra, devido a toda a série de dificuldades burocráticas e administrativas que a expedição do bebé aparentemente levantava, e porque, além disso, o tempo urgia, o oficial de polícia La Fosse optou por renunciar a pôr em prática a sua primeira decisão e deu instruções para que entregasse esse rapazinho a qualquer instituição religiosa, a troco de um recibo para que o baptizassem e tomassem decisões quanto ao seu futuro. Conseguiram deposita-lo no convento de Saint-Merri, na Rua Saint-Marti. Recebeu o baptismo e o nome de Jean-Baptiste. E dado que, nesse dia, o pior se encontrava de bom humor e dispunha ainda de fundos para as obras de fundos para as obras de caridade, a criança não foi enviada para Ruão, mas colocada ás custas do convento. Confiaram-na, assim, a uma ama chamada Jeanne Bussie na Rua Saint-Denis, e, até nova ordem, concederam três francos por semana a essa mulher como salário dos seus esforços.

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Algumas semanas mais tarde, Jeanne Bussie apresentou-se com um cesto de asas debaixo do braço, à porta do Convento de Saint-Merri. - Aqui tem! - dirigiu-se ao padre Terrier, um monge calvo e cheirando um pouco a vinagre, que veio abrir-lhe a porta. E pousou o cesto na soleira da porta. - O que é isto? - questionou Terrier, ao mesmo tempo que se inclinava sobre o cesto e cheirava, supondo tratar-se de víveres. - O bastardo da infanticida da Rua aux Fers! O padre remexeu no cesto, até pôr a descoberto o rosto do recém-nascido adormecido. -Está com bom aspecto! - observou. - Com as faces rosadinhas e bem alimentado. - Porque engordou à minha custa. Porque me chupou e sugou até aos ossos. Agora, no entanto, acabou-se. Podem continuar a alimentá-lo com leite de cabra, papas, sumo de cenoura. Este bastardo devora tudo. O padre Terrier era um homem pacífico. Cabia-lhe a responsabili-dade da gestão dos fundos para obras de caridade do convento e da repartição de dinheiro pelos pobres e necessitados. Em troca, apenas desejava ouvir um “obrigado” e que, quanto ao resto, o deixassem em paz. Tinha horror aos pormenores técnicos, porque os pormenores significavam sempre dificuldades e as dificuldades significavam sempre uma perturbação da sua tranquilidade de espírito, o que lhe era impos-sível suportar. Sentiu-se irritado por ter vindo abrir a porta. Desejava que esta pessoa pegasse no cesto, voltasse a casa e deixasse de o impor-tunar com os problemas do recém-nascido. Endireitou-se lentamente e aspirou o odor a leite e a lã de ovelha que a ama exalava. Era um odor agradável. - Não compreendo o que queres - retorquiu o padre. - Não com-preendo onde queres chegar. Presumo apenas que muito beneficiaria este recém-nascido ficasse ainda um bom pedaço de tempo a ser ama-mentado por ti. - A ele sim, mas não para mim - redarguiu a ama num tom áspero. - Emagreci cinco quilos, e, no entanto, como por três.E tudo a troco de três francos por semana!

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- Ah! Agora entendo! - exclamou Terrier, quase aliviado. - Estou a ver. É de novo uma questão de dinheiro. - Não! - objectou a ama. - Sim. É sempre uma questão de dinheiro - contrapôs o padre. -Quando se bate a esta porta é sempre por uma questão de dinheiro. Sonho abrir, um dia, a porta a alguém que venha falar-me de outra coisa. Alguém, por exemplo, que me traga uma pequena lembrança. Por ex-emplo, fruta ou umas nozes. Não faltam coisas deste género, que possam trazer-se no Outono. Flores, talvez. Ou podia, simplesmente, aparecer al-guém que me dissesse num tom amável: “Deus o abençoe, padre Terrier! Um bom dia para si!” Contudo, morrerei sem que isso aconteça. Quando não é um mendigo, é um comerciante, e se não é um comerciante é um artesão e quando não pede esmola, apresenta uma factura. Já nem sequer posso pôr um pé na rua. Mal saio, não consigo dar três passos sem ser abordado por indivíduos que querem dinheiro. - Não é esse o meu caso! - replicou a ama. - Contudo, vou dizer-te uma coisa: não és a única ama na paróquia. Há centenas de mães adoptivas de primeira qualidade, que se bateriam por ter o direito de, a troco de três francos semanais, amamentar este encantador recém-nascido ou alimentá-lo a papas, sumo de frutas ou qualquer outra comida... - Então, dê-o a uma delas! - ... Por outro lado, não é aconselhável passar, assim, uma criança para outros braços. Quem sabe se irá dar-se tão bem com um leite que não seja o teu? Está habituada ao odor dos teus seios e, é necessário que o entendas, ao bater do teu coração. E o padre voltou a aspirar longamente esse bafo quente que se despren-dia da ama. - Vais levar esta criança para tua casa - acrescentou, tomando consciência de que as suas palavras não provocavam qualquer efeito sobre a ama. - Falarei deste assunto ao prior. Vou propor-lhe que, doravante, te pague quatro francos por semana. - Bom. Digamos cinco, então! - Não! - Mas, afinal, quanto é que queres mais? - gritou-lhe Terrier. - Cinco francos é imenso dinheiro como paga deste trabalho insignifi-

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cante que consiste em alimentar uma criança! - Não quero dinheiro nenhum - redarguiu a ama. - Só quero o bastardo fora da minha casa. - Mas porquê, boa mulher? - replicou Terrier e voltou a remexer no cesto com as pontas dos dedos. - É uma criança adorávelrosadinhas, não chora, dorme bem e está baptizado. - Está possuído pelo Diabo! Terrier apressou-se a retirar a mão do cesto. - Impossível! - exclamou. - É totalmente impossível que um recém-nasci-do esteja possuído pelo Diabo. Um recém-nascido não é um ser humano, mas apenas um esboço e a sua alma ainda não se encontra formada. Não oferece, consequentemente, qualquer interesse para o Diabo. Ele já fala? Tem convulsões? Faz deslocar os objectos no quarto? Exala mau cheiro? - Ele não cheira absolutamente a nada - observou a ama. - Estás a ver? Isso é um sinal importante. Se fosse possuído pelo Diabo, teria que cheirar mal! E, a fim de tranquilizar a ama e de pôr à prova a sua própria coragem, Terrier levantou o cesto e colocou-o debaixo do nariz. - Não me cheira a nada de especial - declarou, após ter fungado uns instantes. - Absolutamente a nada de especial. Parece-me, no entanto, que há qualquer coisa nas fraldas que deita cheiro - acrescentou, ao mesmo tempo que estendia o cesto à mulher para obter a confirmação das suas palavras. - Não é disso que falo - redarguiu a ama secamente, afastando o cesto. -Não estou a falar-lhe do que há nas fraldas. É claro que as suas fezes a cebolas. Esta está de boa saúde e nada Querias que cheirasse mal? Os teus próprios filhos cheiram mal? - Não - retorquiu a ama. - Os meus filhos têm o odor que pertence aos filhos do homem. Terrier voltou a pousar, cuidadosamente, o cesto no chão, dado que começava a sentir os primeiros indícios de raiva que a teimosia dessa mulher lhe inspirava. Não era de excluir a hipótese de que a continu-ação desta disputa lhe exigisse o uso dos dois braços para gesticular mais à vontade e não queria que o recém-nascido fosse afectado. Então, cruzou as mãos atrás das costas, empinou a barriga proeminente na direcção da ama e só depois retomou a palavra. - Estás, portanto, certa de saber a que deve cheirar o filho do homem que é também um filho do bom Deus?... Apesar de tudo, gostaria de te

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recordar que a criança está baptizada, - retrucou. - Sim - asseverou a ama. - E se ele não tem o odor que tu, a ama Jeanne Bussie, da Rua Saint- Denis, achas que deve ter, isso significa que é um filho do Diabo?O padre retirou a mão esquerda de trás das costas e brandiu-a, ameaçadoramente, sob o nariz da ama com o indicador curvado e se-melhante a um ponto de interrogação. A ama reflectiu. Não lhe agra-dava que a conversa assumisse a forma de um interrogatório teológico, em que ela ficaria, obviamente, numa situação de inferioridade. - Não foi isso que eu quis dizer - replicou ela, fazendo marcha atrás. - E o senhor que deve decidir se este caso tem ou não a ver qualquer coisa com o Diabo, padre Terrier, pois eu não tenho competência para isso. Apenas sei que este recém-nascido me horroriza, porque não chei-ra ao que devem cheirar as crianças. com o Diabo, padre Terrier, pois eu não tenho competência para isso. - Ah, ah! - exclamou Terrier satisfeito, voltando a deixar pender o braço. - Recuemos, pois, quanto a esta história do Diabo. Ora, muito bem! Contudo, queres ter a bondade de me explicar a que cheira um recém- nascido, quando possui o odor que achas que deve ter? Hein? - Cheira bem - esclareceu a ama. - O que significa isso de “cheirar bem”? - gritou-lhe Terrier. - Há muitas coisas que cheiram bem. Um ramo de alfazema cheira bem. O caldo de carne cheira bem. Os jardins da Arábia cheiram bem. Gostava de saber a que cheira um recém-nascido! A ama hesitou. Conhecia, obviamente, o odor dos recém-nascidos, conhecia-o perfeitamente. Não era em vão que os tinha amamentado, cuidado, embalado, beijado às dúzias... Seria capaz de os descobrir, de noite, apenas pelo odor, e, naquele mesmo instante, tinha exactamente o odor do recém-nascido debaixo do nariz. Nunca o havia, porém, definido por palavras. - Então? - rugiu Terrier, ao mesmo tempo que estalava os dedos de impaciência. - E que... é que... - balbuciou a ama - ... não é muito fácil de explicar, porque... eles não cheiram todos ao mesmo, embora todos cheirem bem, está a compreender, senhor padre? Os pés, por exem-plo, cheiram a um seixo liso e quente; ou, então, a queijo branco... ou

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