jude deveraux - edilean 04 - perfume de jasmim

203

Upload: maria-cacilda-scheffer

Post on 05-Nov-2015

93 views

Category:

Documents


9 download

DESCRIPTION

Perfume de Jasmim- 04 série Edilean

TRANSCRIPT

  • Ficha Tcnica

    Ttulo original: The Scent of Jasmine

    Autor: Jude DeverauxTraduo: Raquel Dutra Lopes

    Reviso: Domingas CruzCapa: Maria Manuel Lacerda/Oficina do Livro, Lda.

    ISBN: 9789897260643

    QUINTA ESSNCIAuma marca da Oficina do Livro Sociedade Editorial, Lda

    uma empresa do grupo LeYaRua Cidade de Crdova, n. 22610-038 Alfragide Portugal

    Tel. (+351) 21 427 22 00Fax. (+351) 21 427 22 01

    Jude Deveraux Inc., 2011

    Publicado com o acordo de Pocket Books,uma diviso da Simon & Shuster, Inc.

    e Oficina do Livro Sociedade Editorial, Lda.Todos os direitos reservados de acordo com a legislao em vigor

    E-mail: [email protected]

    www.leya.pt

    Esta edio segue a grafia do novo acordo ortogrfico

  • Nota traduo: bastas vezes referido no texto que os protagonistas se comunicam em Scottishbrogue, o sotaque dialetal escocs, frequentemente incompreensvel tanto pela pronnciacarregada como pelo uso de termos distintos dos da lngua inglesa. Na maioria das ocorrnciasno original, o brogue no transcrito. Naquelas em que o foi, a traduo portuguesa serve-se dealgumas marcas de oralidade (cum raio, por exemplo), sem no entanto cair no excesso detentar apresentar um sotaque regional portugus, que seria desapropriado. A ttulo decuriosidade, e em nota de rodap, so reproduzidas as frases que foram grafadas em brogue.

  • P

    1

    Charleston, Carolina do Sul, 1799

    ensa nas Terras Altas disse T. C. Connor afilhada, Cay. Pensa na terra natal do teu pai, nasgentes de l. Ele era o laird1, o que significa que tu s a filha do laird, o que significa...

    Julga que o meu pai quereria que eu fizesse o que est a pedir-me? perguntou ela, com os olhosde pestanas densas a sorrir-lhe.

    T. C. estava de cama, com uma tala do joelho anca. Tinha partido a perna poucas horas antes e omais nfimo movimento provocava-lhe esgares de dor, mas ofereceu a Cay um sorriso tnue.

    Se o teu pai soubesse o que estou a pedir sua querida filha, amarrar-me-ia a um vago earrastar-me-ia por umas quantas montanhas.

    Eu vou disse Hope do outro lado da cama. Levo uma carruagem e...T. C. pousou uma mo na dela e lanou-lhe um olhar carinhoso. Hope era a nica filha de

    Bathsheba e Isaac Chapman. A sua bela e jovem me morrera anos antes, enquanto o pai rezingo,velho e desagradvel continuava vivo. T. C. Connor alegava ser apenas um amigo da famlia, masCay ouvira rumores sussurrados entre as mulheres acerca de ter havido mais entre Bathsheba e T. C.que uma mera amizade. At se segredava que era possvel que T. C. fosse o pai de Hope.

    Isso muita gentileza tua, querida, mas... Deixou a frase a pairar no ar, no querendo dizer obvio. Hope fora educada numa cidade e nunca montara um cavalo. S viajava de carruagem. E, paraalm disso, cara de uma escadaria quando tinha trs anos e a sua perna esquerda curara-se mal. Sobas longas saias, usava um sapato com uma sola de cinco centmetros de espessura.

    Tio T. C. replicou Hope num tom paciente , o que est a pedir Cay impossvel. Olhe paraela. Est vestida para um baile. No poder propriamente montar um cavalo a usar aquele vestido.

    T. C. e Hope olharam para Cay e o esplendor cintilante dela quase iluminou o quarto. Cay tinhaapenas vinte anos e, ainda que nunca viesse a ser a beleza clssica que distinguia a sua me, eramuito bonita. Tinha uns olhos azul-escuros que espreitavam por baixo de pestanasextraordinariamente compridas, mas a sua melhor caracterstica era o cabelo denso e arruivado, queagora se encontrava preso, com alguns caracis soltos que lhe suavizavam a linha forte do maxilarque herdara do pai.

    Eu quero que ela v diretamente do local da reunio para o baile. Quando tentou sentar-se, T.C. teve de suprimir um gemido. Talvez eu possa...

    Hope deu-lhe um toque delicado no ombro e ele tornou a deixar-se cair no colcho. Ela limpou-lhea testa coberta de suor com um pano fresco.

    Sem flego, ele voltou a olhar para Cay. O vestido dela era maravilhoso. De cetim branco, comgaze sobreposta, estava coberto de centenas de contas minsculas de cristal que formavam padresintrincados. Ajustava-se na perfeio figura dela e, conhecendo bem o pai, Angus McTern

  • Harcourt, o vestido teria custado mais do que T. C. ganhara durante o ano anterior. A Hope tem razo disse ele. No podes ir no meu lugar. demasiado perigoso para quem

    quer que seja, sobretudo para uma jovem. Se ao menos o Nate estivesse aqui... Ou o Ethan, ou oTally.

    meno de trs dos seus quatro irmos mais velhos, Cay sentou-se na cadeira ao lado da cama. Cavalgo melhor do que o Tally replicou, referindo-se ao irmo que no chegava a ter mais um

    ano que ela. E sou capaz de disparar to bem como o Nate. O Adam acrescentou T. C. Se ao menos o Adam estivesse aqui...Cay soltou um suspiro. Nada havia que ela conseguisse fazer to bem como Adam. Mas a verdade

    era que s o seu pai estava altura de Adam. Tio T. C. disse Hope, com um tom de aviso na voz , o que est a fazer no correto. Est a

    tentar aliciar a Cay a fazer algo que lhe ser absoluta e completamente impossvel. Ela... Talvez no seja impossvel interrompeu Cay. Quero dizer, tudo o que terei de fazer ser

    cavalgar at um lugar especfico, levando um cavalo de carga, e pagar a uns homens. s isso, no?

    Nada mais respondeu T. C. ao mesmo tempo que voltava a tentar sentar-se. Quandoencontrares os homens, entregas-lhes o saco de moedas e ds ao Alex as rdeas do cavalo carregado.Os homens ir-se-o embora e tu poders ir na tua gua at ao baile. tudo bem simples.

    Talvez eu pudesse comeou Cay, mas Hope cortou-lhe a palavra; tinha-se levantando, de mosnas ancas, e estava a fitar T. C., deitado na cama, com um olhar furioso.

    T. C. Connor, o que est a fazer mente desta pobre criana mesmo prfido. Est a retorcer-lhes os pensamentos, a dar-lhe voltas at que ela no seja capaz sequer de recordar os factos de tudoisto... se que alguma vez os soube.

    Hope tinha quase trinta anos, mais nove que Cay, e era comum trat-la como se ela ainda no diaanterior saltasse corda.

    Eu compreendo o que o tio est a pedir insurgiu-se Cay. No, no compreendes. A voz de Hope ia-se elevando. Todos eles so criminosos. Todos,

    sem exceo. Esses dois homens a quem ias pagar... Lanou um olhar irado a T. C. Diga-lhe ondeos arranjou.

    Cadeia resmungou T. C., mas, perante o olhar de Hope, pronunciou a palavra com mais clareza. Na cadeia. Apanhei-os quando foram libertados da priso. Mas onde mais poderia eu encontrarhomens para o que precisava? Na igreja? Hope, esqueces-te de que o Alex quem interessa, no meiode tudo isto. o Alex que...

    O Alex! Hope levou as mos cabea e, por um instante, virou-se. Quando tornou a olhar parao homem deitado na cama, tinha o rosto vermelho de fria. No era uma mulher particularmentebonita e a cor no a favorecia. No sabe nada acerca deste Alexander McDowell. Nem sequer oconhecia at ter ido visit-lo priso.

    Os olhos de Cay arregalaram-se. Mas eu julgava... Julgavas que o nosso querido tio T. C. o conhecia, no julgavas? Pois bem, no conhece. O nosso

    padrinho esteve no exrcito com o pai deste Alex e o teu pai, e... E o homem salvou-me a vida por mais que uma vez atalhou T. C. num tom zangado. Protegeu-

    nos quando ramos to inexperientes que nem sabamos baixar-nos quando os outros comeavam a

  • disparar contra ns. O Mac era como um pai, ou um irmo mais velho, para todos ns. O Mac? repetiu Cay, que comeava finalmente a juntar as peas daquela histria. O homem

    que est a ajudar a fugir da priso filho do Mac de quem o meu pai fala? Sim confirmou T. C., virando-se para Cay. Acho que o teu pai no estaria ainda vivo se no

    fosse o Mac. Conte-lhe o que fez o filho exigiu Hope, ainda com o rosto to vermelho como se tivesse um

    escaldo. Conte Cay o que fez o homem para acabar na cadeia.Quando T. C. se manteve em silncio, Cay tartamudeou: Eu julgava que ele tinha sido... O qu? Preso por embriaguez? Por ter cado de bojo numa gamela de cavalo? Hope! censurou T. C. com severidade e Cay reparou que ele tambm estava afogueado, to

    vermelho quanto Hope. Acho mesmo que... Que seria capaz de ludibriar a Cay para que ela fizesse o que o tio quer sem lhe revelar os

    factos? O que fez ele? perguntou Cay. Assassinou a mulher! respondeu Hope quase a gritar. Oh!Cay no era capaz de pensar em algo mais para dizer. Os seus olhos estavam to arregalados que

    parecia uma boneca no seu lindo vestido. Tinha trs estrelas cobertas de diamantes no cabelo, quebrilhavam, refletindo a luz das velas.

    Hope sentou-se na cadeira junto cama e olhou para T. C. Conto-lhe eu ou conta o tio? Tu pareces estar decidida a contar todos os pormenores escabrosos, portanto, conta-lhe tu. Tu no estavas aqui comeou Hope , pelo que no viste todas as histrias terrveis que os

    jornais publicaram. Alexander Lachlan McDowell chegou a Charleston h trs meses, conheceu amuito bela e talentosa Miss Lilith Grey e casou-se de imediato com ela. No dia a seguir aocasamento, cortou-lhe a garganta.

    Horrorizada, Cay levou a mo ao pescoo.Hope olhou para T. C., que a fitava. Disse algo de errado? Exagerei no que quer que fosse? Todas as palavras so as que os jornais publicaram replicou ele num tom tenso.Hope tornou a olhar para Cay. Este homem, o Alex, s foi descoberto por acaso. Algum atirou uma pedra com uma nota presa

    pela janela do quarto do juiz Arnold. A nota dizia que a noiva de Alex McDowell estava morta epodia ser encontrada ao lado do marido, na sute do ltimo andar do melhor hotel da vila. Ao incio,julgou que se tratava de uma piada horrvel, mas, quando o doutor Nickerson comeou a bater-lhe porta com toda a fora, reclamando ter recebido uma nota idntica, o juiz saiu com ele e, juntos,foram investigar. Hope olhou para T. C. Devo continuar?

    Posso impedir-te?Cay olhou para um e para o outro e viu dois maxilares dispostos exatamente da mesma maneira,

    dois pares de olhos a chisparem de fria da mesma forma. Imaginou que, quando chegasse a casa, elae a me se ririam de todas as palavras e gestos daquela noite. Tambm contaria ao pai, mas teria deeditar a histria com cuidado, omitindo qualquer meno a cadeia e assassnio.

  • O juiz e o mdico surpreenderam este tal Alexander McDowell antes de o Sol raiar e, ao ladodele, na cama, estava a sua noiva. Prostrada e com a garganta cortada!

    Mais uma vez, Cay arquejou, de mo no pescoo. Eu estaria disposto a apostar a vida em como o filho do Mac no cometeu o assassnio disse T.

    C. num tom calmo. Isso estaria muito bem, mas a vida da Cay que est a arriscar, no a sua! ripostou Hope.Cay observava-os e no tinha a certeza de que eles alguma vez tornassem a falar-se. Ento vai ajud-lo a sair da cadeia e a ir-se embora? O meu plano era esse, s que eu ia com ele. Em mais uma das suas travessias longas e perigosas comentou Hope, ainda numa voz zangada.

    Para onde planeava ir desta vez? Para as terras selvagens da Florida.Hope estremeceu com repugnncia.Durante toda a sua vida, Cay tinha ouvido falar das viagens do tio T. C., que fora com equipas de

    explorao at ao faroeste e vira coisas que nenhum outro homem branco havia visto. Ele adoravaplantas, parecia saber de cor os nomes latinos de todas e tinha passado trs anos a aprender adesenhar o que via. No entanto, enquanto outros elogiavam os seus desenhos, Cay e a me tinhamguardado as suas opinies para si mesmas, pois ambas partilhavam um talento artstico econsideravam as pinturas dele demasiado simples, com falta de instruo. Um dos professores dedesenho de Cay ela recebia aulas desde os quatro anos fora o artista ingls Russell Johns. Ohomem era um tirano no estdio e Cay tivera de se esforar muito para ir ao encontro das suasexigncias, mas conseguira-o. Se ao menos fosses um rapaz, dissera-lhe ele muitas vezes num tommelanclico.

    Cay no se apercebeu de que tinha dito aquelas palavras em voz alta at dar por T. C. e Hope afitarem-na.

    Estava a pensar em... Mister Johns completou T. C. O teu ltimo professor. Ele olhava-a com inveja. Quem me

    dera ter o teu talento, Cay. Se conseguisse desenhar to bem e depressa como tu, produziria trsvezes mais e tudo seria bom. O escoro enlouquece-me!

    Hope no sabia muito a respeito de Cay ou da famlia desta. O interesse que partilhavam era T. C.,pois era padrinho de ambas. Tudo o que havia sido dito a Hope era que Cay tinha uma deciso atomar e que ficaria em Charleston enquanto a tomava.

    Pintas?T. C. soltou uma pequena gargalhada que lhe provocou dores por todo o corpo. Esfregou o joelho

    por baixo das ligaduras enquanto tentava recuperar o flego. Miguel ngelo teria inveja do talento dela. No me parece disse Cay, mas estava a sorrir. Por modstia, fitou as mos pousadas no colo. E quer arriscar esta jovem encantadora para salvar um assassino? insurgiu-se Hope de olhos

    postos em T. C. No. S quero que ela faa algo por um homem que perdeu tudo! Se o tivesses visitado na priso

    comigo, como te implorei, terias visto o seu sofrimento. Ele estava mais preocupado com o que tinhaperdido do que com o que ia acontecer-lhe.

    Hope no se comoveu e Cay calculou que j tivessem travado aquela discusso muitas vezes.

  • E depois de este homem ser salvo, o que far? quis saber Hope. Passar o resto da vida afugir lei?

    Como j disse, o plano original era que o Alex viajasse comigo e Mister Grady at Florida. Lanou um olhar de relance a Cay. Mister Grady o lder desta expedio, que andamos a planeardesde a primavera. Eu seria o gravador, desenharia e pintaria tudo o que vssemos. Mister Grady foiamvel ao contratar-me, pois sabe que no sou capaz de desenhar uma pessoa ou um animal. S asplantas me interessam. A Cay consegue...

    Cay no queria ouvir mais elogios s suas capacidades artsticas; pareciam-lhe suprfluas quandoa vida de algum estava em perigo.

    Se ningum for ter com ele, o que far este homem? Ser apanhado, devolvido cadeia e enforcado amanh de manh respondeu T. C.Cay olhou para Hope em busca de confirmao, mas esta recusou-se a comentar. Ento quer que eu lhe leve um cavalo? Sim! exclamou T. C. antes que Hope tivesse oportunidade de falar. Nada mais. Paga aos

    homens que vo libert-lo, d o cavalo ao Alex e depois vai embora. E para onde ir ele se eu o fizer? Ir ter com Mister Grady. Desenhei um mapa do local em que o Alex dever juntar-se

    expedio. Mirou Cay com um olhar especulativo. Suponho que agora Mister Grady ter dearranjar outra pessoa que faa o registo, j que eu no posso ir. Que pena...

    Cay sorriu, percebendo o que ele queria dizer. Mesmo que eu fosse um homem, no se trata de uma coisa que gostasse de fazer. Sou bastante

    feliz a viver perto da minha famlia na Virgnia e quero continuar l. Deixo as aventuras para os meusirmos.

    Como deve ser interveio Hope. No se espera que as mulheres percorram o pas a fazer oque os homens faam. E certamente no se espera que montem um cavalo e galopem ao encontro deum assassino.

    T. C. estava a fitar Cay com um ar muito srio. Conheo-te desde que nasceste e sabes que nunca te pediria que fizesses algo perigoso. Podes

    tapar o vestido com o grande manto encapuzado da Hope, e eu sei que sabes cavalgar. J te vi saltarvedaes que assustam a maior parte dos homens.

    Se no o fizesse, os meus irmos rir-se-iam de mim replicou Cay. Eles haviam de...Ao pensar neles, perguntou-se o que fariam caso se deparassem com aquela situao. Tally j

    estaria sentado na sela, Nate colocaria uma centena de perguntas antes de partir, Ethan estaria apreparar as malas porque ocuparia o lugar de T. C. na expedio e Adam...

    Eles haviam de qu? perguntou T. C. Haviam de ajudar qualquer amigo do nosso pai disse Cay, j a levantar-se. No podes fazer isto. Hope estava a fit-la do outro lado da cama. No te ouvi dizer que tu irias se pudesses? inquiriu Cay. Sim disse ela , mas isso diferente. Tu s to jovem e... e... Infantil? Mimada? Rica? perguntou Cay, com os olhos a estreitarem-se mais a cada palavra.

    Desde que conhecera Hope que tinha a impresso de que esta a considerava demasiado nova,demasiado frvola, demasiado mimada para alguma vez vir a ser capaz de concretizar o que quer quefosse. Embora fosse verdade que no sofrera os reveses que tinham marcado a vida de Hope, um

  • acidente que a deixara a coxear, a morte da me e toda uma vida a cuidar de um pai velho sempre aqueixar-se, tambm Cay tivera algumas contrariedades na sua vida. Na sua opinio, ser a nica filhacom quatro irmos mais velhos bastava para a qualificar para uma misso perigosa.

    Vou faz-lo afirmou Cay, fitando Hope com o olhar que usava para impedir Tally de lhe enfiarum segundo sapo pelo colarinho.

    Obrigado agradeceu T. C. com lgrimas nos olhos. Agarrou-lhe na mo pequena e beijou-a. Obrigado, obrigado. E vais ficar bem. O Alex um jovem muito agradvel e...

    Duvido que a famlia da mulher dele concordasse com isso atalhou Hope.Quando T. C. lhe lanou um olhar, ela sentou-se na cadeira. Sabia reconhecer uma derrota. Talvez seja melhor mudar de roupa sugeriu Cay. No, no, quero que fiques assim. Vai do ponto de encontro para o baile, sem delongas. Isso dar-te- um libi comentou Hope, tendo perdido a intensidade do seu tom zangado. Sim, dar. No que te perguntem onde estiveste, mas... T. C. deixou a frase incompleta.Hope soltou um suspiro derrotado. E mantm o rosto tapado. No deixes que ningum te veja. Nem sequer esse homem. Haver gente a persegui-lo? perguntou Cay, que comeava a compreender aquilo para que se

    voluntariara. Tenho estado a planear isto h semanas, desde que ele foi preso disse T. C. e penso que cobri

    todas as possibilidades. Haver trs grupos de homens em fuga, e s tu sabers onde encontrar ocerto.

    Isso deve ter-lhe custado muito atalhou Hope.T. C. acenou com a mo para assinalar que no tinha importncia. O salvamento custara-lhe tudo o

    que possua, mas no ia contar-lhes isso. Quando devo partir? perguntou Cay, engolindo em seco ao pensar na noite que se aproximava. H vinte minutos. Ele no quer dar-te tempo para pensares explicou Hope. A minha criada... Eu mantenho-a ocupada disse Hope. Nem vai reparar que lhe escapaste. Eu... eu, h... gaguejou Cay. Vai! incitou-a T. C. No penses mais, vai s! Mantm-te coberta, no deixes que te vejam o

    rosto, nem sequer o Alex, e depois cavalga at ao baile. Deixa o cavalo nas traseiras do salo debaile para que no haja rumores acerca de como chegaste. A Hope tratar disso.

    Cay olhou para Hope, que correspondeu com um breve aceno de cabea. Muito bem, ento, suponho que seja melhor ir. No sei como vou montar um cavalo com este

    vestido, mas... O manto ir tapar-te por completo garantiu T. C., com os olhos a implorarem-lhe que no

    perdesse mais tempo a discutir. Amanh tomaremos chocolate ao pequeno-almoo e rir-nos-emosde tudo isto.

    Promete? perguntou Cay a sorrir. Juro.Depois de hesitar durante o tempo suficiente para o presentear com outro sorriso, agarrou na

    bainha do vestido e desceu as escadas a correr. Tinha o corao a mil, mas sabia que aquilo era umacoisa que tinha de ser feita. Naquela noite, salvaria a vida de um homem. Que ele pudesse ou no ser

  • um assassino no era algo com que quisesse preocupar-se. No, o melhor era limitar-se a cumprir atarefa e pensar depois no que fizera.

    1 Nome dado aos proprietrios de terras na Esccia. (N. da T.)

  • C2

    ay encontrava-se montada s escuras, desejando estar na Virgnia com a famlia. Era outono,pelo que estaria mais frio l. J teriam a lareira acesa na sala? Os seus irmos estariam em

    casa, ou seria que tinham sado para... para o que quer que fosse que os rapazes estavam sempre afazer? Ultimamente, Ethan andava a cortejar uma das raparigas da famlia Woodlock, embora Cayachasse que no fosse sair grande coisa disso. A rapariga no era suficientemente bonita neminteligente para Ethan.

    Quando a gua comeou a agitar-se, Cay mudou de posio na sela e acalmou-a. Escondido entre oarvoredo atrs dela estava o cavalo muito carregado que Alexander McDowell deveria levar quandofinalmente chegasse com os homens que o tinham libertado da cadeia.

    Olhou em volta mas pouco via no cu noturno. Fora difcil encontrar o lugar onde o padrinho lhedissera que deveria encontrar-se com o filho de Mac Cay s conseguia pensar nele assim. Tratava-se do filho do homem que ajudara o seu pai e essa era a razo pela qual ela ali estava. Se no seconcentrasse nisso, sabia que comearia a perscrutar a escura paisagem campestre e a pensar queestava prestes a conhecer um homem que, provavelmente, cometera um assassnio.

    Hope descera com ela, ajudara-a a tapar o vestido com o grande manto de l e dera-lhe o mapa queT. C. desenhara e que indicava para onde Cay deveria ir.

    No demasiado tarde para recusares disse-lhe enquanto lhe apertava o capuz volta dacabea.

    Cay fez a expresso mais corajosa de que foi capaz. Tenho a certeza que ficarei bem. Para mais, duvido que este homem seja realmente um assassino.Hope baixou o tom de voz. No leste os relatos dos jornais. O mdico e o juiz encontraram-na trancada dentro do quarto

    com ele, que estava a dormir a sono solto. No tinha qualquer conscincia do que tinha feito. malpuro.

    Cay engoliu em seco. O que disse ele acerca de tudo isso? Que tinha bebido um copo de vinho e adormecido. Talvez estivesse a dizer a verdade. s to novinha comentou Hope num tom condescendente. Nenhum homem adormece na noite

    de npcias. Mas talvez... tentou Cay dizer, mas Hope interrompeu-a: Quanto mais depressa fores, mais depressa poders voltar. Estarei tua espera no baile. No

    estarei vestida com tanto luxo como tu, mas terei o meu vestido de seda, por isso procura-me aofundo.

    Pousou as mos nos ombros de Cay e observou-a por um momento. Que Deus te acompanhe disse-lhe e deu-lhe um beijo rpido na face.

    No minuto seguinte, correram para o estbulo onde os cavalos as esperavam. Hope ajudou-a a

  • ajustar o manto volumoso por cima do vestido e da parte inferior das pernas que, em meias de seda,estavam expostas. O vestido de baile era estreito e, quando ela montou o cavalo, subiu-lhe pelaspernas.

    Independentemente do que o nosso padrinho diz, por favor, tem muito cuidado com este homem aconselhou Hope quando Cay j estava na sela e toda coberta.

    Tentando aligeirar a disposio sria do momento, Cay perguntou-lhe: Queres que te traga alguma coisa? A tua segurana ser quanto basta replicou sem sorrir, mas, ao ver o olhar desiludido de Cay,

    continuou: Um marido. No muito alto, no muito baixo, nem rico nem pobre. S quero um homemque faa frente ao meu pai. Sorriu um pouco. E que no adormea na nossa noite de npcias.

    Que pai? perguntou Cay, apercebendo-se de imediato de que estava mais nervosa do quejulgava. Comeou a pedir desculpa, mas Hope riu-se.

    O queixoso, claro. Com o outro no tenho problemas... exceo de no conseguir que meobedea. Agora, vai!

    Cay esporeou a gua e avanou para oeste, em direo ao local onde encontraria o assassino.Agora mantinha-se montada e espera. Eles j deveriam ter chegado, mas ela nada ouvia ou via.

    Seria que algo correra mal? Teria a tentativa de fuga sido frustrada? Estava ciente de que sabiaimpressionantemente pouco sobre o que o tio T. C. fizera para concretizar aquele plano e de quedeveria ter feito mais perguntas. Deveria ter sido mais parecida com o seu irmo Nate, que adoravasolucionar enigmas. Ele gostava de descobrir quem fizera o qu e porqu. No silncio escuro, pensouna primeira vez que Nate resolvera um dilema que havia deixado em alvoroo a famlia inteira e todaa gente que trabalhava para ela. A farinha da cozinha andava a desaparecer a um ritmo alarmante,mas ningum admitia roub-la.

    A sorrir, a mente de Cay comeou a remontar a essa altura, mas um som sua direita f-la puxar asrdeas da gua. Tinha prendido o outro cavalo com cuidado a uma rvore a uns quarenta e cincometros dali e, quando olhou nessa direo, nada viu.

    Contudo, os sentidos diziam-lhe que algo estava diferente. Quem est a? gritou.Das trevas surgiu um homem alto, de barba e ar mais velho, que se aproximou tanto de si que Cay

    puxou as rdeas e comeou a fugir, mas ele apanhou-a pela barriga da perna e, quando o fez, a pernaenvolta em seda e um pouco do vestido foram revelados. As contas de cristal brilhavam mesmo naescurido da noite.

    Cum raio exclamou o homem ao olhar para ela. O idiota enviou-me uma mida pa fazer otrabalho dum homem. Uma mida to intil que mais valia acabar ca minha vida. Bem podia dar-mej um tiro.2 Fez uma pausa e depois perguntou-lhe em ingls norte-americano:

    Est a caminho de uma festa?Cay esperneou para se livrar da mo dele e mirou-o com todo o desprezo que era capaz de

    expressar. Assim que me livrar de si, estou. Consegue acompanhar-me?3 Ela tinha passado vrios veres

    na Esccia com os primos e compreendia o insulto que ele lhe fizera, pelo que s lhe ocorria que eraum patego ignorante.

    No se deu ao trabalho de indicar onde estava o outro cavalo. Se ele tinha tanta certeza que umamida era to intil que mais valia dar-se um tiro, ento bem podia encontr-lo por si mesmo,

  • cum raio.Ele limitou-se a ficar ali especado a olhar para ela, boquiaberto, e Cay calculou que estaria

    chocado por ela compreender o seu sotaque carregado. Entre dentes, ele disse qualquer coisa quesoava a uma McTern, mas ela no tinha a certeza de que tivesse sido isso.

    Quando ouviu um tiro, no ficou surpreendida. Obviamente, o plano de T. C. dera para o torto. Oshomens a quem ela deveria pagar no tinham aparecido e o escocs de linguagem desabrida vierasozinho. Era certo que ele estava por sua conta, pensou ela enquanto esporeava a gua para quegalopasse mais depressa.

    Enquanto cavalgava, sentia o vestido a subir-lhe cada vez mais, at s ancas. quele ritmo,chegaria ao baile com pssimo aspeto. O capuz do manto tinha-lhe cado da cabea e ela j sentia ocabelo cuidadosamente arranjado a soltar-se dos ganchos. Ficou satisfeita por se ter lembrado deprender as estrelas de diamantes ao interior do espartilho. Tinham sido o presente que o pai lhe derano seu dcimo oitavo aniversrio e ela teria detestado perd-las, sobretudo por uma causa todesmerecedora.

    Atrs de si, ouvia outro cavalo a aproximar-se depressa. Virou-se e viu que era o escocs. Apesarde ele ter muito cabelo e uma barba cerrada, ela conseguia ver que os seus olhos chispavam de raiva.

    Cubra-se, sua rapariga tonta gritou-lhe ele. No altura para pudores!Ela levantou-se na sela e a gua ganhou mais velocidade. Cay sempre adorara cavalgar e passara

    muita da sua vida montada num cavalo. Fazer corridas com os irmos e venc-los era um dosseus passatempos preferidos.

    para que no vejam que uma mida bradou ele enquanto tentava acompanhar o ritmo dela.Porm, o cavalo dele estava to carregado com aquilo que seria necessrio levar para a expedioque no era capaz de a alcanar. No obstante, o homem continuava a incit-lo at que Cay seapiedou do animal.

    Temos de nos separar disse ela ao mesmo tempo que guinava as rdeas da gua muito depressapara a levar para a esquerda. No conhecia muito bem os arrabaldes de Charleston, mas tinha umbom sentido de orientao e, para alm disso, via luzes ao longe. Regressaria a casa de T. C.,emalaria as suas roupas e voltaria para casa de manh. J tivera toda a comoo que seria capaz deaguentar durante uma visita.

    Quando o homem virou com ela e quase a fez sair do trilho, Cay teve de usar todos os seus anos deexperincia como cavaleira para manter a gua no caminho.

    O que julga que est a fazer?! gritou-lhe. A salvar-lhe a vidinha gritou ele em resposta. Se voltar para a cidade, vo prend-la. Ningum sabe que alguma vez o encontrei.Cay olhou por cima do ombro. Tinha ouvido um tiro, mas no vira vivalma. Eles viram-na. No viram! contraps ela.Para seu grande espanto, ele agarrou no freio da sua gua e puxou-o com tanta fora que ela quase

    caiu. Se tivesse um chicote mo, t-lo-ia usado nele. Tem de vir comigo. No irei! O senhor um criminoso! Tal como a menina, agora. Ou me segue ou arranco-a desse cavalo e levo-a na minha sela.

  • Cay sentiu-se tentada a p-lo prova. Via que ele tinha um corpo magro por baixo das roupasesfarrapadas e sabia que era muito mais nova que ele, mas tinha noo de que, ainda assim, elepoderia ter a fora necessria para a puxar.

    Muito bem acabou por conceder, ao que ele partiu, parecendo esperar que ela o seguisse paraonde quer que fosse.

    Ela tinha vontade de se virar e fugir, mas ouviu outro tiro ao longe pelo que foi atrs dele. Talvezele soubesse de algum stio seguro onde pudessem esconder-se. No era verdade que todas aspessoas que eram presas sabiam coisas dessas?

    Cavalgou atrs dele ao longo do que deveria ter sido um quilmetro e meio, aps o que lhe pareceuque ele desaparecia nas trevas. Quando indicou gua que parasse, olhou sua volta, sem o ver.Ouviu o assobio de um pssaro, bem como mais alguns sons. No instante a seguir, ouviu os cascos deum cavalo a bater na estrada e, quando o homem apareceu, ela percebeu que ele estava zangado,mesmo com toda a barba que lhe cobria a cara.

    Pasmada com a ingratido dele, levou a gua at aos arbustos beira da estrada e desmontou. Eu c pensava que comera da famlia, podia ter algum juzo, mas n, burra comuma porta.4 Entendo tudo o que diz ripostou ela e no me agrada nem um pouco. Quando eu voltar... Silncio, rapariga resmoneou ele ao mesmo tempo que a empurrava para o cho, com um brao

    nas costas dela.Cay ia protestar quando ouviu cavalos a aproximarem-se. Ao baixar a cabea, sentiu o brao do

    homem a deslizar por cima dela. Ele cheirava mal e ela perguntou-se se teria piolhos e outrosvermes. Se tivesse, nunca conseguiria tir-los do cabelo.

    Quatro cavalos e cavaleiros pararam no muito longe deles e Cay conteve o flego enquantoesperava que seguissem caminho.

    Estou a dizer-vos, era aquela rapariga de cabelo ruivo que est instalada em casa do T. C.Connor. Vi-lhe a cara quando ela olhou para trs disse um dos homens, a falar bem alto, ao que Cayarquejou.

    O escocs tapou-lhe a boca com a mo. Ele estava muito perto dela, com o corpo compridoencostado ao seu e um dos ombros em cima do dela para a manter colada ao cho.

    Ela mexeu a cabea para libertar a boca. Ele afastou a mo, mas lanou-lhe um olhar de aviso paraque estivesse calada.

    Uma rapariga? perguntou outro dos homens. Porque haveria uma rapariga de ajudar umassassino a fugir?

    Provavelmente, foi por causa dela que ele matou a mulher e agora vo fugir juntos. Toda a gentesabe que ele se casou com Miss Grey pelo dinheiro.

    Que loucura, matar uma beldade como ela. Vocs parecem duas galinhas velhas a discutirem bisbilhotices. Acho que o melhor voltarmos

    casa do Connor e vermos se a rapariga est l. Se no estiver, ento acho que devemos fazer-lhealgumas perguntas.

    E isso f-los virar os cavalos e partir.De imediato, Cay avanou para a sua gua, mas o homem agarrou-lhe a bainha do manto e tornou a

    pux-la para baixo. Onde pensa que vai? A casa do meu padrinho para o avisar.

  • A casa do T. C.? Claro. Faa isso e eles vo apanh-la e met-la na cadeia por ter ajudado um assassino a fugir.Ela lanou-lhe um olhar furioso enquanto ele se levantava. Presumo que isso queira dizer que no tenciona entregar-se para proteger o seu benfeitor?Depois de resfolegar, como se para indicar que ela era a pessoa mais burra do mundo, ele

    endireitou-se e avanou at ao seu cavalo. O Connor consegue cuidar de si mesmo. Do que ouvi dizer, j fugiu de ndios, ursos e de um

    barco cheio de piratas. Acho que capaz de lidar com uns quantos locais procura de uma raparigabonita que querem aterrorizar.

    Sim, mas... Cay no queria perder tempo a discutir com ele. Est bem, ento vou para casa. E isso quer dizer...? Edilean, na Virgnia. Algum em Charleston sabe que a que vive? Ele estava a verificar os alforjes do seu cavalo. Vrias pessoas daqui conhecem a minha famlia. Os meus pais vm c com frequncia e os meus

    irmos... Poupe-me histria da famlia. No pode ir para casa, porque esse o primeiro stio onde a

    procuraro depois de interrogarem o Connor. No posso ir para casa? Cay sorriu enquanto se levantava e caminhava at gua. No faz

    ideia de quem o meu pai, pois no? Ele agora no pode ajud-la. Monte o cavalo e tente manter as pernas tapadas. Distraem-me do

    meu objetivo.Cay no tinha a certeza de que aquilo fosse um elogio, mas, se o era, no lhe agradava. As imagens

    que Hope lhe dera acerca do que aquele homem fizera mulher estavam vvidas na sua mente. Onde vamos? quis saber. O meu pai conhece muita gente e ele podia...Ele puxou as rdeas do seu cavalo com fora para parar ao lado dela. O seu pai foi criado para ser o laird do cl McTern, no foi? Sim, foi respondeu orgulhosamente. Ento ser um homem que protege a sua famlia? Claro. o melhor... Se sabe isso a respeito dele, ser sua inteno dar incio a uma guerra entre o seu pai e a cidade

    de Charleston? claro que no. Se for para casa e se esconder com o seu pai, ele sem dvida lutar at morte para a proteger.

    Ser que deseja ver a sua famlia morta? No respondeu ela, com a respirao contida, pois sabia que seria exatamente isso o que o pai

    e os irmos fariam. No quero que isso acontea e quando o meu pai ficar a par disto... Tenho a certeza de que o T. C. Connor tratar de que o seu pai no venha a saber disto. O que

    temos de fazer encontrar-lhe um esconderijo seguro at que eu possa provar a minha inocncia.Quando eu for livre, a menina tambm ser.

    Mas... Conteve-se de dizer que no tinha a certeza de que ele fosse inocente. Como podeprovar a sua inocncia a explorar as selvas da Florida?

    Preciso dar a estas pessoas algum tempo para acalmarem. Descobri, no meu julgamento, que

  • ningum me escutaria. Demasiada gente gostava da... Ele parecia prestes a engasgar-se. Da sua mulher? perguntou Cay. As pessoas gostavam dela? Achava que me casaria com uma mulher de quem ningum gostasse? ripostou ele. A sua ingratido pasma-me. Depois de tudo o que arrisquei por si, o senhor... Dizer o que tinha

    vontade de dizer no melhoraria a situao. O que disse o mdico? Esse cretino morreu de ataque cardaco no dia a seguir Lilith... ter partido. Ela foi sepultada

    sem que eu voltasse a v-la. Se ela era acarinhada, ento o mdico morreu devido ao choque de tudo isso e no admira que

    queiram enforc-lo por t-la assassinado.A acusao no pareceu perturb-lo. Eu no me limitarei a enforcar o homem que a matou resmoneou. Agora siga-me e no me

    mace com o seu atrevimento.Enquanto o seguia, Cay tentava pensar numa forma de sair daquele apuro. Se no podia voltar para

    junto do padrinho, recorrer a outros amigos da famlia, nem ir para casa, para onde iria? Quantotempo duraria ser-se um fugitivo justia? Talvez o melhor fosse embarcar para a Esccia e ficarcom a famlia do pai durante algum tempo. Mas quanto? Seis meses? Um ano? O escocs tinha ditoque queria deixar as autoridades de Charleston acalmarem, aps o que planeava descobrir overdadeiro assassino da sua mulher. Quanto tempo demoraria isso? E se, afinal, fosse ele oassassino? Isso significaria que nunca seria absolvido. Seria sempre um homem procurado o queimplicaria que Cay tambm seria perseguida pela lei para sempre.

    Ela continuava a segui-lo, mas sentia-se tentada a dar meia volta e regressar a Charleston.Contudo, ao lembrar-se dos homens na estrada procura dela, sabendo quem era e onde poderiamencontr-la, impedia-a. Alm disso, as palavras do escocs quanto reao da famlia dela a tudoaquilo no a deixavam voltar. Se regressasse a Charleston, fosse a casa de T. C. e se entregasse, semdvida seria presa. No era capaz de imaginar a fria que isso suscitaria na sua famlia. J quase viao pai e os quatro irmos a abrirem caminho a tiro para a tirarem da priso. E se um deles morresse?

    Quando as lgrimas comearam a correr-lhe pelas faces, Cay no se deu ao trabalho de as limpar.Tentou pensar nalguma coisa boa, mas tudo o que lhe ocorria era quo estpida tinha sido. Era aprimeira vez que viajava sozinha sem companhia, exceo da criada e do lacaio, Cuddy e forapreciso discutir para ganhar tal privilgio.

    Vais meter-te em apuros sem ns vaticinara Tally. Vais conhecer outros homens, pelo que ters mais do que trs pedidos de casamento em que

    pensar comentou Ethan, com um olhar muito divertido.Nate dera-lhe uma lista de livros que queria que ela lhe comprasse e dissera: Vais ter cuidado, no vais?Adam fora o pior. Dera-lhe um beijo na testa e afirmara que confiava nela, acreditava nela e sabia

    que ela tinha juzo suficiente para se comportar com decoro sob quaisquer circunstncias.Cay olhou para o flanco da gua e viu que tinha uma das pernas mostra at acima do joelho.

    Tentou tap-la com o manto, mas estava sentada em cima dele.Quanto ao pai, quando lhe pedira permisso para viajar sozinha, ele dissera: No.Apenas isso, No. A me interviera: No te preocupes, eu conveno-o. E assim fizera.

  • Portanto, agora Cay tinha trado a confiana de todos exceo de Tally, que julgava que a irmera uma tolinha sem juzo.

    Tome! disse-lhe o escocs, passando-lhe um leno sujo. Quando ela hesitou antes de o aceitar,ele insistiu: O seu nariz vai suj-lo mais, por isso, porque precisa que esteja limpo?

    Quando ela comeou a responder-lhe pergunta, ele revirou os olhos e esporeou o cavalo frentedela.

    Cay assoou-se e depois segurou o pano imundo bem longe de si, sem saber o que fazer com ele. No o deite para o cho apressou-se o escocs a dizer. Eles ho de pr ces atrs de ns.Cay ficou to espantada com essa possibilidade que deixou mesmo o leno cair, mas o escocs

    puxou as rdeas do seu cavalo e apanhou-o antes que tocasse no cho. Pode no gostar de mim, mas estamos nisto juntos advertiu-a num tom zangado enquanto

    enfiava o pano sujo num alforje. Depois a sua voz suavizou-se. Desculpe, menina. No tinha amenor inteno de a arrastar para isto, mas eu tambm nunca teria enviado uma rapariga...

    Se voltar a dizer para fazer o trabalho de um homem, sou eu que o denuncio.Ela no tinha a certeza, mas pareceu-lhe ver um pequeno sorriso sob toda aquela barba. Vamos l, menina disse ele , anime-se. Se me apanharem, ainda me v na forca.Enquanto ele mandava o cavalo avanar, Cay perguntou: Mas serei enforcada a seu lado? No. Diga-lhes que a raptei. Eles vo acreditar. Eu acredito resmoneou ela, a esporear a gua para ir atrs dele.

    2 No original: Th glaikit cheil sent a vemen childe tae dae a mons job. A wee, dreich hen ay nae use at Ah main troost wi mah life.Ah main an aw shet myself noo. (N. da T.)

    3 No original: As suin as Ah gie rid ay ye, Ah am. Kin ye keep up wi me? (N. da T.)

    4 No original: Ah thooght at coz ye coods kin me, ye micht hae a wee bit ay sense tae ye, but nae, yoore as dumb as a bairn. (N.da T.)

  • C3

    ay estava com dores nas pernas e nas costas e tinha tanto sono que mal conseguia continuar asegurar as rdeas da gua. Haviam passado a noite toda e quase todo o dia a cavalgar e o pobre

    animal estava mais cansado do que ela.Mas no se queixou ao homem que estava a seguir. Fitava-lhe as costas, a forma como ele se

    mantinha direito na sela, sem quaisquer sinais de fadiga, e perguntava-se se seria humano.De repente, ele voltou-se para trs e no tardou a ficar ao lado dela. Temos de deixar os cavalos descansar.Cay ia dizer que ele podia ter perguntado como estava ela, mas conteve-se. Sim, a minha montada est bastante exausta replicou no seu tom mais altivo.No tinha a certeza, mas pareceu-lhe ver um ligeiro sorriso nos olhos azuis. Com aquela barba to

    hirsuta, era difcil perceber. Quero que espere aqui por mim. Apontou para um grande carvalho cujos ramos pendiam at ao

    cho. Mantenha-se a cavalo, caso contrrio no conseguir voltar a montar. Acho que sou perfeitamente capaz de desmontar e voltar a montar replicou ela. Des e re. Ele abanou a cabea. Recebeu alguma instruo, no recebeu? Especializei-me em boas maneiras. Alguma vez ouviu falar delas? No neste pas disse ele, embora parecesse haver um sorriso sob os seus bigodes por aparar.Ela seguiu-o at ao abrigo da rvore, baixando-se para evitar os ramos baixos. Tem o dinheiro com que ia pagar aos homens?O rosto de Cay espelhou o seu alarme. Iria ele levar-lhe o pouco dinheiro que ela tinha e deix-la

    ali para que enfrentasse a lei sozinha?J sem humor no rosto, os olhos dele chisparam. Eu no sou um ladro! Preciso de algumas moedas para pagar um stio para passarmos a noite e

    alguma comida. Pode ficar com o resto.Ela levou a mo ao alforje que tinha junto perna e tirou de l o saco de dinheiro que o tio T. C.

    lhe dera. No pde evitar parar um pouco a lembrar-se de quando ele lho passara para a mo. Opadrinho e Hope tinham ficado to longe...

    Est a pensar demorar a noite toda? insurgiu-se o escocs.Cay teve vontade de lhe atirar as moedas ao rosto ingrato, mas conteve-se. De quanto precisa? Um dlar ou dois devero bastar. Agora, ficar aqui minha espera, ou ir a correr ter com as

    autoridades? Preciso de saber o que devo esperar quando voltar.Parte de si queria ir ver o xerife daquela terra e dizer-lhe que tinha sido raptada por aquele

    homem, mas sabia que no poderia faz-lo. Nunca seria capaz de voltar a enfrentar o padrinho. Preciso de uma pena, de papel e de tinta respondeu. Tenho de enviar uma carta minha

    famlia, para que saibam que estou bem. Tenciona mentir, ento?

  • Peo desculpa? Est entregue aos cuidados de um homem que, h um dia, estava prestes a ser enforcado. No me

    parece que a sua famlia julgue que isso estar bem.Cay no queria pensar na fria do pai ou nas lgrimas da me. Sobretudo, no queria imaginar o

    que os irmos fariam para a encontrarem. Se vai chorar outra vez, tenho de ir buscar o leno.Cay endireitou-se na sela. No vou chorar e preferiria assoar-me manga que servir-me daquele trapo nojento que o

    senhor me deu. Uma escolha sensata comentou ele, de novo com cantos dos olhos a enrugarem-se. Agora

    fique aqui, mantenha-se serena e espere. Farei isso se me apetecer disse ela em tom de desafio, mas sabendo que tudo o que queria era

    parar de se mexer.Tornou a ver a comissura da boca dele a remexer-se, como se estivesse a conter o riso; depois ele

    virou o cavalo e encaminhou-se para leste.Quando ficou sozinha, Cay pensou que deveria desmontar, mais no fosse para lhe mostrar que no

    se lhe submeteria. Mas no tinha energia para isso, pelo que se limitou somente a deixar a cabeapender para a frente, adormecendo de imediato.

    Quando Alex voltou, foi assim que a encontrou, sentada na gua, ainda com as rdeas nas mos eprofundamente adormecida. Debruando-se, espreitou-lhe o rosto. Era bem bonita. As contas do seuvestido elegante refletiam-se no queixo pequeno e no parecia ter mais que doze anos. Que poderiater passado pela cabea de T. C. Connor para enviar aquela criana para o meio do inferno em que setornara a vida de Alex?

    Havia uma parte de si que queria entregar-se e acabar com tudo acabar com a prpria vida. Nohavia um nico momento em que no recordasse a viso da mulher que amava deitada a seu lado,com a linda garganta desfeita por um golpe sangrento.

    Tudo o que acontecera depois disso, a forma como fora tratado na cadeia, o julgamento, tudo isso,parecera-lhe ser o que merecia, no por lhe ter feito mal, mas por no ter sido capaz de a proteger.

    E, agora, T. C. Connor, o nico homem que fora seu amigo durante o calvrio, colocara outramulher sua responsabilidade e Alex no tinha o que seria necessrio para a proteger dos perigosque os rodeavam.

    Com cuidado, tirou-lhes as rdeas das mos cansadas e encaminhou a gua em frente. Manteve-seatento para garantir que ela no caa da sela, mas Cay continuou bem sentada enquanto percorreram adistncia at ao estbulo onde Alex reservara abrigo para aquela noite. O proprietrio velhote, Yates,regateara bastante pelo que Alex ficara satisfeito por ter pouco dinheiro consigo. Se o velhote tivessevisto a rapariga, naquele vestido luxuoso, ter-lhes-ia exigido tudo o que tivessem. Ou, pior, teriasomado dois e dois e ido falar com o xerife.

    Alex sabia que os dois formavam um par to incongruente que dariam azo a suspeitas onde querque fossem. A rapariga era jovem e tinha um ar que proclamava que era rica. Desde o cabelo, que lhechegava aos ombros em caracis densos e lustrosos, aos ps envoltos em sapatos prateados, toda elagritava dinheiro. Cheirava a riqueza e classe, educao e sofisticao. Alguma vez teria bebidoch de uma caneca rstica ou seria que s usava porcelana?

    Quanto a Alex, era o oposto. As suas roupas estavam rasgadas e imundas, o corpo emaciado pelas

  • semanas que passara na priso. Sempre que T. C. o visitava, levava-lhe uma caixa com comida, masos guardas deliciavam-se de tal maneira a revistar o contedo que, quando chegava a Alex, acomida estava praticamente incomestvel.

    No lhe tinham permitido que tivesse instrumentos para se barbear nem gua para se lavar. Aspessoas de Charleston odiavam-no pelo que julgavam que ele tinha feito e trataram-no de acordo comisso. Fora tratado pior que um animal.

    Portanto, agora Alex via-se na obrigao de cuidar daquela jovem inocente e no fazia ideia doque fazer com ela. Deveria ensinar-lhe uma patranha que ela pudesse contar famlia? Ela poderiadizer que fora raptada por um assassino condenado e que ele no a deixara partir. Mas duvidava queela conseguisse tornar a histria credvel. Se T. C. a tinha, de alguma maneira, ludibriado para quefosse ao encontro de um prisioneiro em fuga, isso significava que ela possua um bom corao, masnenhum sentido de sobrevivncia.

    Para mais, como poderia ela regressar para junto da famlia por si s? Como poderia ele deixaruma rapariga como ela entregue a si mesma? Bastava um olhar de relance para aquele vestidoelegante debaixo do manto enorme e todos os ladres de Charleston a perseguiriam.

    No, agradava-lhe o plano de T. C., segundo o qual ele se juntaria a um grupo expedicionrio eviajaria at s zonas selvagens da Florida. O plano ditava que T. C. desenharia o que vissem,enquanto Alex iria na qualidade de vaqueiro. Trataria dos cavalos e da caa e ajudaria de qualquermaneira que fosse necessria.

    Naquele dia, durante a viagem para sul, quando perguntara rapariga por que motivo T. C. noaparecera, ela contara-lhe que este tinha partido a perna. Mesmo nessa manh, T. C. subira a umaescada para chegar ao telhado e cara de costas. Alex resmungara para com os seus botes qualquercoisa acerca da estupidez de ter feito isso no dia em que ia ajudar um prisioneiro em fuga, masmantivera a voz baixa. Que a rapariga conseguisse entend-lo mesmo quando falava no seu sotaquemais carregado deixara-o atarantado. Quando chegara Amrica, ningum percebia patavina do quedizia. Durante os primeiros seis meses, vira-se forado a fazer pantominas de tudo. Mas comeara aaprender a forma americana de falar, em que cada palavra se pronunciava tal e qual como seescrevia. Pessoalmente, Alex achava que isso era enfadonho e muito pouco criativo, mas conseguiafazer o mesmo.

    Quando conhecera Lilith, a mulher com quem se casaria, falava to claramente como a maioria dosnorte-americanos. S em alturas de grande stresse, como ao escapar da priso e deparar-se com umarapariguinha sua espera, o sotaque mais carregado voltava.

    Levaram apenas alguns minutos a chegar ao estbulo delapidado de Yates e, quando Alex viu acara do velhote espreita numa janela suja, colocou o corpo frente do da rapariga e ficou contentepor se ter lembrado de lhe tapar o cabelo todo com o capuz. Daquele ngulo, ningum conseguiriaperceber se era um rapaz ou uma rapariga tal como ele queria, pois dissera que estava a viajar com oirmo mais novo.

    Alex fez os cavalos entrarem no estbulo e ps a tranca na porta. O velhote tinha ali uma vaca, umcavalo velho e umas quantas galinhas empoleiradas nas vigas. Era um edifcio velho e sujo e Alexesperava que no chovesse, caso contrrio ficariam ensopados, pois conseguia ver a luz poente pelosburacos do teto. Estavam a cavalgar havia quase vinte e quatro horas.

    Deixou a rapariga, ainda adormecida, no cavalo, enquanto verificava se tudo por que tinha pagadose encontrava ali. Havia um fardo de palha ao canto, um pouco de aveia para os cavalos e, numa

  • velha mesa, uma tigela de sopa aguada e um naco duro de po. Por minguada que fosse a refeio,Alex teve a sensao de que o velhote lhe dera tanto quanto podia dispensar.

    Depois de espalhar a palha num cubculo vazio, Alex foi buscar a rapariga. Esta estava a cair numsono mais profundo e comeava a vacilar no cavalo. Encostou uma mo cintura dela para a amparare, com cuidado, puxou-a para si. Afinal, era compacta, mais pesada do que ele esperava, mas averdade era que ele estava mais fraco do que costumava ser. Ainda a dormir, ela aninhou-se nele,como se estivesse habituada a ser levada por um homem e ele sabia que estava. Uma das razespela qual sabia quem ela era e que vida tinha era que, quando era pequeno, a me lia as cartas dame dela, Edilean Harcourt, em voz alta para que Alex e o pai ouvissem.

    Fora depois da morte da me, quando tinha apenas nove anos, que Alex comeara a trocarcorrespondncia com o irmo de Cay, Nate. Tinham nascido no mesmo ano e Mrs. Harcourt julgaraque corresponder-se com algum da sua idade poderia ajudar Alex a lidar com a mgoa. De facto,ajudara e ele e Nate nunca tinham deixado de escrever um ao outro.

    Nos cerca de quinze anos que passara a corresponder-se com o irmo dela, Alex aprendera muitoacerca da famlia Harcourt. Quando ele e Nate tinham dez anos, tomaram a deciso de guardarsegredo sobre as cartas. Para Alex, isso implicara no ler as cartas de Nate em voz alta para que opai ouvisse, embora lhe contasse tudo. Mas, para Nate, que vivia com a sua grande famlia, na qualtudo se partilhava, implicara manter Alex s para si. Apenas os pais sabiam da correspondnciaentre os rapazes.

    Alex recordava todas as palavras que Nate escrevera acerca da sua irm mais nova e, enquantoestava preso, T. C. dissera-lhe que a afilhada estava a visit-lo em Charleston.

    Mas no tinha de ma mandar resmungou Alex.A rapariga agitou-se nos seus braos e, quando ele a levantou mais, os braos dela passaram-lhe

    volta do pescoo. O manto abriu-se, revelando o iridescente vestido branco, o brao nu e a partesuperior do peito dela.

    Quando tentou tap-la, Alex quase a deixou cair. Semanas de pouca comida e nenhum exercciotinham-no fragilizado.

    Deitou-a na palha do cubculo cuidadosamente, endireitou-se e espreguiou-se. No conseguiuevitar observ-la. Cay tinha o cabelo ruivo-escuro espalhado sua volta como um halo e o lindovestido cintilava sob a luz poente que entrava pelo telhado. Estava deitada no grande manto, que seespraiava por baixo dela como um cobertor. Era, deveras, uma viso encantadora bastava v-lapara soltar um gemido.

    Que raio haveria de fazer com ela?Mandar algum to frgil e inocente como ela para enfrentar o mundo sozinha no era algo que ele

    pudesse conceber.Deixou-a ali deitada, profundamente adormecida, enquanto cuidava dos cavalos. Tirou-lhes as

    selas e os alforjes, esfregou-os com mos-cheias de palha e deu-lhes comida e gua.Quando tornou a aproximar-se da rapariga, viu que ela no se tinha movido, pelo que se sentou

    mesa velha e bamba, numa das cadeiras ao fundo do cubculo, e olhou para ela enquanto comiametade da refeio frugal que Yates lhes tinha deixado. Acabou numa questo de minutos e tudo o quelhe apetecia fazer era dormir. Desejou ter o seu plaid 5 mo, para poder envolver-se nele e tapar asroupas finas e rasgadas, mas no tinha.

    Estava a ponderar onde haveria de dormir quando a rapariga se virou de lado, deixando parte do

  • seu grande manto de l a descoberto. Ele sabia que no devia, mas o conforto que ela oferecia erairresistvel. Levantou um lado do manto, estendeu-o ao lado dela e tapou-se com a l pesada. Se noestivesse to sujo, ter-se-ia aninhado nela, mas sabia que a sua imundcie lhe sujaria o vestido.Enquanto adormecia, perguntou-se como poderia ela cavalgar durante tantas horas e continuar tolimpa. Mas a verdade, na sua opinio, era que a capacidade de se manterem limpas era um dosmistrios das mulheres.

    5 Manta de xadrez que constitui a parte superior do traje escocs tpico. (N. da T.)

  • A4

    lex acordou sobressaltado, mas ficou quieto, de olhos fechados, escuta. No ouvindo nada,levantou-se e olhou em volta. Aparentemente, o estbulo estava tal como quando adormecera,

    mas ele pressentia que algo se alterara ou estava prestes a alterar. O seu pai dizia que Alex herdaraum bocadinho da clarividncia da me. Esta sabia sempre quando algum ia chegar. Por volta dosseis anos, quando Alex via a me a apressar-se para limpar a casa, a expetativa acelerava-lhe ocorao, pois percebia que algo iria acontecer. Ela nunca se enganava.

    Baixou o olhar para a rapariga, ainda deitada de lado, ainda profundamente adormecida. Ficou emsilncio, a escutar os sons tnues dos poucos animais presentes no celeiro; nada estava mal. Contudo,no conseguia desfazer-se da impresso de que algo mau estava prestes a acontecer.

    Quando olhou para cima, para os buracos no telhado, viu que ainda faltavam algumas horas para aaurora, o que significava que pouco descansara. Algo no seu ntimo lhe dizia que precisava tirar oscavalos do estbulo. Sabia que, quando o perigo chegasse, ele e a rapariga teriam de partir depressapelo que seria necessrio ter os cavalos a postos.

    Sem fazer barulho, Alex aproximou-se da cavalaria onde estava o seu cavalo e passou as mospelo dorso do animal. No se tratava de um dos cavalos de corrida a que ele estava habituado, nemdos pneis Highland da sua juventude, mas era uma boa escolha para transportar o equipamento queT. C. sabia que Alex precisaria.

    Em voz baixa, pediu desculpa ao cavalo enquanto comeava a voltar a arre-lo. O animal noestivera tempo suficiente sem os fardos, mas, sob as mos delicadas e experientes de Alex, noprotestou.

    Em seguida, tratou da gua da rapariga passando-lhe as mos pelos flancos. Parecia-lhe que aqueleanimal deveria ser a melhor montada que T. C. teria nos seus estbulos. A gua agitou-se, mas Alexacalmou-a com palavras sussurradas e toques delicados com as mos. Ela era jovem e dava-lhe aentender que seria capaz de correr suficientemente depressa para deixar outros para trs. Enquantolhe verificava as ferraduras, no conseguiu evitar um sorriso, pois lembrou-se da forma como arapariga montava. Tinha sido bem ensinada e estava vontade em cima de um cavalo, como setivesse sido educada nas Terras Altas da Esccia. Esse pensamento f-lo sorrir mais. No haviadvida de que ela lhe diria que qualquer habitante da Virgnia era capaz de montar to bem comoqualquer escocs.

    Lentamente, em silncio, Alex comeou a arrear a gua com a bela sela inglesa que a raparigausava. No tinha quaisquer alforjes para transportar o que quer que fosse pelo que era intil, masdecerto era encantadora. Alex ficara satisfeito por a rapariga no estar a montar amazona, emborasoubesse que o mais provvel era que costumasse faz-lo.

    Depois de os cavalos estarem selados, Alex avanou at grande porta do celeiro e abriu-a comcautela. Nada ouviu, ningum viu. Em silncio, conduziu os animais para o exterior, aps o que osencaminhou ao longo de cerca de oitocentos metros, at ao grande carvalho, ao qual os amarrou. Seno chovesse, ficariam bem, mas Alex sabia que sentiriam a falta do conforto do estbulo.

  • Trancou a porta depois de entrar e aproximou-se da rapariga. Esta continuava a dormir, ainda naposio em que ele a tinha deixado. Obviamente, ela levara uma vida segura na qual nunca houveranecessidade de se manter alerta, nem sequer durante a noite. Alex explorou o estbulo, com as mosa percorrerem as paredes escuras. A nica porta era a da frente, mas ele achava que talvezprecisassem de outra forma de escaparem. Havia quatro tbuas soltas e apodrecidas ao fundo e foifcil tir-las. Tapou a grande abertura juntando as tbuas inclinadas.

    Quando, por fim, tornou a sentir-se seguro, regressou para junto da rapariga, que esfregou o narizenquanto dormia, provocando-lhe um sorriso. Em tempos, Nate enviara-lhe um esboo muito pequenoda irm, desenhado pela me, e Alex guardara-o na mesa de cabeceira durante anos. Quando Lilith ovira quase tivera cimes.

    Ao pensar na mulher, o sorriso abandonou-o. Agora tudo o que parecia ter em mente era a imagemdela numa poa de sangue. A morte dela, t-la perdido, ao incio privara-o da vontade de viver. ForaT. C. quem lhe dera a ideia de limpar o nome.

    Vai para a Florida com o Grady dissera-lhe, mantendo a voz baixa para que os guardas no oouvissem. Uns quantos meses num flatboat6, rodeado por tanto esplendor, vo dar-te tempo parapensares e recordares.

    Eu no quero recordar respondera Alex. Eu sei o que se sente quando se perde a pessoa que mais se ama. Eu perdi a minha duas vezes,

    primeiro quando o pai a obrigou a casar com outra pessoa, a segunda quando ela morreu. Sei que noparece possvel, mas o tempo realmente cura feridas. Vai para a Florida e d a esta vila tempo paraacalmar. Permite-te recuperar alguma paz. Alex, tens de demonstrar s pessoas que s inocente.

    Agora, Alex olhava para o telhado. Poderia dormir mais duas horas antes de terem de partir. Porora, ainda no sabia o que havia de fazer com a rapariga, mas um plano comeava a formar-se na suacabea. S precisava de a manter a salvo at chegarem ao local em que deveria encontrar-se comJames Grady. Se conseguisse faz-la chegar l s e salva, poderia deix-la com amigos de T. C. Elapoderia esperar a durante algumas semanas e ento pagar a algum para a acompanhar at casa.Alegaria ter sido raptada pelo assassino a ideia f-lo inspirar profundamente , mas que conseguiraescapar-lhe.

    Quando se deitou na palha ao lado dela, tirou a grande faca que embainhara por baixo da camisarasgada e suja e pousou-a a seu lado. Tinha uma pistola e uma espingarda no cavalo, mas sabia queas armas de fogo encravavam, que a plvora podia molhar-se. Para aquele momento, uma faca seria asua melhor defesa.

    * * *

    Cay acordou lentamente e, durante vrios segundos, no soube onde se encontrava. Tinha aspestanas grudadas e sentia qualquer coisa a fazer-lhe presso nas costas. Enquanto pestanejava eesfregava os olhos, virou a cabea. Quando o viu a seu lado, s a custo no gritou. O rosto cobertode barba do escocs estava a poucos centmetros do seu e o fedor que emanava era quaseavassalador.

    A nica coisa que lhe passava pela cabea era como escapar-lhe. Agora que se havia passadoalgum tempo desde a fuga, decerto ela e o tio T. C. conseguiriam arranjar alguma forma de provar asua inocncia. Dado que ele parecia estar profundamente adormecido, Cay pensou rebolar para forada cavalaria e sair do estbulo em bicos de ps; todavia, como o grande manto estava emaranhado

  • volta dos dois, se mexesse mais do que os braos, acord-lo-ia.Enquanto os seus olhos se habituavam luz tnue do celeiro, viu a faca ao lado dele. Se

    conseguisse alcan-la, poderia encostar-lha garganta e obrig-lo a... libert-la. Sim, era isso queera preciso fazer.

    Enquanto esticava o brao direito desnudo por cima da cara dele, manteve-se atenta a quaisquersinais que indicassem que ele estivesse a despertar, mas o escocs no se movia. Tinha tanta certezaque ele estava a dormir que, quando o ouviu falar, arquejou.

    Menina, o que est a tramar? perguntou-lhe ele em voz baixa, ainda de olhos fechados.Os pensamentos de Cay entraram em rodopio e imaginou que rolava para longe do alcance dele e

    que corria. Poderia chegar porta do estbulo antes dele? Seria que o proprietrio, fosse l quemfosse, a ajudaria a fugir?

    Mantendo os olhos fechados, Alex levou a mo faca a seu lado e ofereceu-lha, com o cabo viradopara ela.

    isto que quer?Com um nico movimento gil, Cay agarrou na faca e encostou-a garganta dele. Solte-me ou acabo-lhe com a vida disse no tom mais ameaador que conseguia proferir. Menina respondeu ele paciente , se precisa de se afastar de um homem, no pode avis-lo.Ela fez mais presso com a faca. Por respeito ao meu padrinho, no o matarei. Tudo o que quero afastar-me de si.Alex ainda no tinha aberto os olhos mas continuava calmamente deitado, com a faca encostada ao

    pescoo. livre de partir, mas aviso-a de que ainda no passou tempo suficiente. Se no conseguirem

    encontrar-me para me enforcarem, sero capazes de decidir esticar antes o seu pescocinho. Mas eu sou inocente.Abrindo os olhos, Alex fitou-a. Apenas alguns centmetros separavam os seus rostos. Ajudar um homem condenado a fugir inocente? Eu estava a ajudar o meu padrinho, no o senhor! Ah, ento podem enforc-lo a seu lado.Ela juntou mais a faca garganta dele. Se eu tivesse juzo, matava-o j e deixaria que todos vissem...Cay no terminou a frase porque Alex desviou a faca com o brao e apressou-se a pr-se de p. Anda algum l fora sussurrou ele enquanto a puxava para a ajudar a levantar-se, mas os ps

    dela prenderam-se no manto volumoso e ela caiu nos braos dele. canunca vi uma mida mais intil7 resmoneou ele enquanto a empurrava.Cay quase embateu contra a parede do estbulo, mas conseguiu soltar os ps e endireitou-se a

    tempo de ver o homem correr at porta e espreitar por uma fenda. No instante seguinte, ele estavade novo a seu lado.

    O velho Yates vem a e traz companhia. Temos de ir.Ela acabara de ver a comida em cima da mesa e o seu estmago fez barulho. No altura para comer, menina disse-lhe Alex, impelindo-a para as traseiras do celeiro.Quando ela por pouco no tropeou, Alex agarrou no pedao de po e enfiou-o na camisa suja.

    Logo a seguir, ps-se frente dela e afastou as tbuas da parede para um lado. Algum comeou abater nas grandes portas duplas. Num tom ensonado e zangado, Alex gritou:

  • Qu que querem?8 Fale como deve ser silvou-lhe Cay, que j estava do lado de fora, a pensar correr para a frente

    do celeiro e entregar-se, mas as palavras do escocs, acerca de um enforcamento duplo, ou triplo,fizeram-na hesitar.

    O que querem? repetiu Alex enquanto se esgueirava pela abertura da parede. Porm, a costuradas calas prendeu-se e ele no conseguia libertar-se.

    S ento Cay se deu conta de que ainda tinha a faca na mo. Ergueu-a e, por um instante, ela e Alexentreolharam-se e Cay percebeu que ele pensava que ela ia esfaque-lo.

    Com destreza, levou a faca ilharga dele, cortou-lhe a costura das calas e soltou-o. O olhar deagradecimento dele quase a fez corar.

    Os cavalos esto sombra do carvalho. A distncia pela estrada curta, mas no podemos irpara a. Temos de seguir pelos campos e bem depressa. Consegue correr, menina?

    Consigo fugir a irmos disse ela, como se isso respondesse pergunta. Alando o manto e abainha do vestido, passou-os por cima de um brao.

    Intrigado pelo que ela dissera, Alex comeou a acelerar pelos campos e Cay acompanhou-o.Quando j estavam a correr aos ziguezagues havia quase vinte minutos, Cay sentiu-se tentada a tirar omanto e o vestido e a correr apenas em roupa interior. E, se o fizesse, servir-se-ia da faca do escocspara cortar as barbas do espartilho. Naquele momento, precisava mais de respirar profundamente doque ter uma cintura estreita.

    A dada altura, tiveram de atravessar uma vedao de madeira. Alex passou primeiro e em seguidalevantou os braos para a ajudar a descer, mas, quando ela quase caiu em cima dele, ele cambaleoupara trs.

    um homem muito fraco. J saltei para os braos dos meus irmos a partir de ramos de rvore,sem os mandar ao cho.

    Alex abriu a boca como se fosse defender-se, mas tornou a fech-la e desatou novamente a correr,com Cay a segui-lo de perto. Contudo, ela ouvia-o a resmungar qualquer coisa entre dentes e viu-oabanar a cabea umas quantas vezes. O facto de ter conseguido arreli-lo f-la sorrir. Era o mnimoque podia fazer, j que ele lhe causava tanto desconforto.

    Quando, por fim, chegaram aos cavalos, ela estacou, surpreendida. Alex dissera-lhe que os animaisestavam sombra do grande carvalho, mas ouvir isso e v-los eram duas coisas distintas. Estacou, aagarrar nas roupas amarrotadas, com as ceroulas molhadas e a colarem-se-lhe s pernas, as meiasrasgadas e imundas.

    Quando fez isto? Agora no h tempo para perguntas, menina respondeu Alex. Temos de sair daqui. Como

    ela no se mexia, ele agarrou-a pela mo e puxou-a. Tenho de a atirar para a sela? O senhor? redarguiu ela, a recuperar do choque. O meu irmo mais novo tem mais fora! O Tally? Alex juntou as mos para que ela apoiasse o p e se iasse para a sela. Esse rapaz

    mais depressa atirava lama ao inimigo do que lhe batia.Assim que disse a frase, arrependeu-se. Estava a referir-se a algo que Nate lhe contara sobre os

    irmos mais novos, quando todos eles eram apenas crianas.Cay fitou-o de olhos esbugalhados. Como sabe isso?O pai dela ainda se ria da enorme luta de lama que ela travara com o irmo quando tinham,

  • respetivamente, trs e quatro anos.Alex puxou as rdeas do seu cavalo para o virar e tocou com um dedo numa tmpora. Nunca ouviu falar de clarividncia, menina? Adivinho o que as pessoas pensam.Sorriu-lhe, revelando dentes regulares e brancos; em seguida baixou-se e incitou o cavalo para que

    sasse do abrigo propiciado pelos ramos pendentes. No instante a seguir, j o estava a esporear e acomear a galopar.

    E calculo que assuma que irei atrs dele disse Cay, dando uma palmadinha no pescoo da gua.Olhou para o caminho que tinham feito. O Sol ainda no tinha ultrapassado o horizonte, mas j se

    via o suficiente para que ela percebesse que ningum os perseguia. Talvez devesse regressar aoestbulo e agir por forma que aquele homem a ajudasse a voltar para junto da sua famlia.

    Cay chegou at a virar a gua nessa direo, mas algo a travou. Talvez fosse a forma como oescocs a tinha deixado ficar com a faca quando facilmente poderia ter-se apoderado dela, ou talvezfosse o facto de ter mencionado Tally. Ou ainda a f que o tio T. C. tinha nele; de qualquer maneira,Cay no fugiu.

    Acho que vou arrepender-me disto disse em voz alta ao mesmo tempo que voltava a gua nadireo do escocs e ia atrs dele. Demorou algum tempo a apanh-lo e, se o cavalo dele noestivesse to carregado, no lhe parecia que o tivesse conseguido. Ele cavalgava to bem como osseus primos escoceses.

    Quando Cay surgiu a seu lado, o olhar dele revelou o alvio que sentia. S vim porque o senhor ficou com o po referiu ela bem alto.Ele levou a mo ao interior da camisa esfarrapada e tirou o pedao de po duro e velho e passou-

    lho.No era fcil esticar a mo entre os dois cavalos e receb-lo, mas Cay tinha participado em

    corridas de estafetas com os irmos, pelo que sabia agarrar algo enquanto galopava a toda avelocidade. Arrancou-lhe o po da mo e, por um instante, pensou: Espera-se que eu coma estacoisa nojenta? Se no sentisse tanta fome e ele no estivesse a observ-la, teria atirado o po para ocho, mas no lhe daria essa satisfao. Deu uma dentada e mastigou com garra.

    Bem, Catherine Edilean Harcourt, talvez no seja assim to intil disse ele num sotaque norte-americano bem percetvel, aps o que esporeou mais o cavalo.

    Por um momento, Cay ficou to estupefacta por ele saber o seu nome completo que deixou amontada abrandar.

    Vamos l, menina! incitou-a ele. No temos o dia todo para estar a a preguiar. A preguiar! protestou ela enquanto comia o que restava do po. Anda, rapariga disse

    gua , vamos apanh-lo.Cinco minutos depois, Cay ultrapassou-o e, aps dez minutos, tinha-se distanciado tanto que,

    quando olhou para trs, no o via. At pensou que o perdera, mas, quando dobrou uma curva daestrada, ali estava ele e zangado.

    No volte a fazer isso censurou-a em voz baixa, mas o tom era quase assustador. No possoproteg-la se no souber onde est. Uma coisa provocar um homem, mas pr a sua gua em risco outra. Poderia ter-lhe magoado as patas dianteiras neste piso duro.

    Eu? replicou Cay com a gua a descrever crculos volta dele, cujo cavalo se mantinhaimvel. Chegou aqui antes de mim, pelo que decerto ter cavalgado mais depressa que eu. Nousou a estrada?

  • Como eu vim no da sua conta. Para que possa proteg-la, ter de me obedecer.A raiva apoderou-se dela. O nico homem a quem obedeo o meu pai... e s vezes o Adam acrescentou. Quanto a

    si, se no capaz de aguentar o meu ritmo, sugiro-lhe que se sente e fique espera que o xerife oencontre.

    E, sem mais, puxou as rdeas da gua para a virar e desatou a cavalgar estrada fora, to depressaquanto a gua conseguia.

    Foram precisos quase cinco quilmetros a galope para que a sua fria comeasse a abrandar. Detodas as coisas insuportveis e arrogantes que alguma vez lhe tinham dito, as dele eram as piores.

    Abrandou a montada e olhou para trs. No havia sinal do homem. Bem, na verdade, o que eledissera talvez no tivesse sido o pior de tudo o que j ouvira. Um por um, todos os irmos lhe tinhamdito que ela devia obedecer-lhes. E a verdade era que assim fizera. Eles no a teriam deixado to jovem e sendo rapariga acompanh-los se no o fizesse. Mas nunca obedecera a Tally!

    Quando a gua comeou a coxear um pouco, Cay desmontou e levou-a at sombra de uma rvore.O pobre animal precisava de descansar e ela tambm. Ficou escuta, mas nada ouvia. Na estrada,no estava vivalma. Assim que parou, apercebeu-se de quo faminta e sedenta estava. A sua guatinha apenas a bonita sela de couro que ela trouxera de casa. No tinha um cantil, como a do cavalodo escocs.

    Estava encostada rvore quando ouviu vozes. Apressou-se a endireitar-se, pronta a saudar quemquer que fosse, mas, no instante a seguir, apercebeu-se que era um grupo de homens que seaproximava. Baixou a cabea e avaliou o estado em que se encontrava.

    O seu vestido, que to bonito tinha sido, estava sujo, com contas a pender de fios repuxados. Aindaassim, dava para ver que fora caro. E havia a sua gua, um animal encantador, com a sela feita mono dorso. Bem vistas as coisas, Cay concluiu que seria mais sensato no permitir que um grupo dehomens desconhecidos percebesse que ela era uma mulher que estava sozinha. At os ver e avaliarquem eram, parecia-lhe que deveria esconder-se.

    Encaminhou a gua para o arvoredo denso beira da estrada e esperou. Quando os homens setornaram visveis, ficou contente por ter tido o discernimento de se esconder. Eram quatro, todossujos e, a julgar pela maneira como montavam os cavalos, no estariam completamente sbrios.

    Passaram a noite a beber disse uma voz junto ao seu ouvido.Cay no conseguiu conter uma exclamao de espanto ao ver o escocs a seu lado. O que foi aquilo? perguntou um dos homens enquanto puxava as rdeas abruptamente para

    parar o cavalo e saltar para o cho. Nada disse um dos outros. Vamos para casa. Estou a dizer-vos, ouvi qualquer coisa.O primeiro homem aproximou-se mais das rvores e fitou a sombra densa.Alex passou um brao volta dos ombros de Cay, tapou-lhe a cabea com o capuz do manto e

    puxou-a para o cho, baixando-se tambm. O Yates disse... Esse velho mentiroso? Acreditaste que ele deu guarida a dois assassinos ontem noite? Porque no? Aquele assassino de Charleston fugiu com a amiga, porque no haviam de se

    esconder no estbulo do Yates? Porque basta um fsforo para incendiar aquilo. Se so assassinos, porque no mataram o Yates?

  • Eu sei que tive vontade uma data de vezes. Ele tinha aquelas moedas, por isso onde as arranjou? Eu sempre achei que ele tinha dinheiro. s demasiado forreta para pagar a sua prpria cerveja.

    Anda l, vamos para casa. Deves ter ouvido um gato.Alex e Cay observaram o homem que, relutante, lhes virou costas e montou o cavalo, aps o que o

    grupo se foi embora.Quando Alex se afastou de Cay, esta virou-se de barriga para cima e fitou-o. livre, se quiser ir-se embora disse-lhe ele com raiva na voz. Eu no sou carcereiro e no

    quero que me vejam como um. Pode partir quando quiser, mas, se ficar comigo, ter de... Interrompeu-se, com uma expresso que dava a entender estar a tentar compor o que dizia. Aomenos, ouvir o que digo e t-lo em considerao.

    Apetecia-lhe ser desafiadora e dizer-lhe que se ia embora, mas as palavras dos homens tinhamficado a ecoar-lhe nos ouvidos. Que a notcia da fuga do escocs se tivesse espalhado at to longeera assustador. Pior ainda era que ela continuava a ser considerada sua cmplice.

    No deve ter irms ou saberia que no boa ideia dizer-lhes que lhe obedeam.Cay continuava deitada no cho, a olhar para ele.Alex abanou a cabea. Nem irms nem irmos. Sou o nico filho do meu pai. E a sua me? Morreu quando eu tinha nove anos. Lamento disse ela.Ele estava a fit-la de cima, sem qualquer humor nos olhos azuis e espera da resposta dela.Cay no queria ceder. No queria seguir caminho com aquele homem. Queria ir para casa, estar

    com a sua famlia, tomar um banho quente e vestir roupas limpas. S queria que tudo aquiloacabasse!

    Os olhos de Alex suavizaram-se quando se sentou ao lado dela, com as pernas dobradas e osbraos a abra-las.

    Menina, sei como se sente. Tambm no desejava nada disto. Num minuto estava a apostar emcorridas de cavalos e a ganhar dinheiro queles rapazes ricos e ociosos de Charleston, ia casar-mecom a mulher mais linda do mundo... e, num abrir e fechar de olhos, vi-me numa priso imunda eprestes a ser enforcado. A sua voz tornou-se mais grave. E a mulher que amava tinha morrido.

    Ela via-lhe o rosto de perfil e apercebia-se da tristeza no do pesar no seu olhar. De facto, Cayno tivera tempo para pensar na situao do ponto de vista dele.

    Dado que ela permanecia calada, Alex avanou at ao cavalo e apertou a cilha. Vou lev-la de volta disse-lhe. No merece fazer parte disto.Ela levantou-se e aproximou-se dele. Quer dizer para a Virgnia? Pois, para a Virgnia ou para onde queira ir. Mas e o perigo que isso representa para a minha famlia? melhor que obrig-la a ficar com um assassino.Alex soltou o cavalo e estava prestes a mont-lo, mas Cay bloqueou-lhe a passagem. Temos de falar sobre isto. No h de que falar replicou ele j a sentar-se na sela. Acho que devemos partir, mas diz-lo

  • poder lev-la a pensar que tem de me obedecer, portanto, faa o que quiser.Cay no se mexeu. Talvez devssemos tirar algum tempo para fazer um plano.Ele estava a cavalo enquanto ela continuava de p no cho e parecia to pequena... o seu cabelo

    glorioso caa-lhe pelos ombros e tinha raminhos e folhas, o que no lhe atenuava a beleza. Natenunca mencionara o cabelo da irm, exceto para dizer que era ruivo e que os irmos a provocavampor causa disso. Certa vez, Tally tingira uma peruca velha e pavoneara-se pela casa a fingir que eraCay. Esta parara-o deixando cair um dos preciosos vasos de porcelana da me por uma varanda, quepor pouco no lhe acertou na cabea. Alex rira-se do castigo das duas crianas: uma semana alavarem a roupa da famlia.

    Boa ideia respondeu-lhe. Tem algumas sugestes quanto ao que devemos fazer?Ela pestanejou umas quantas vezes, pois no contava com a franqueza dele e a verdade era que no

    tinha a mnima noo de como escapar ao ser perseguida. Como de costume, recorreu ao humor. Arranjamos-lhe um vestido e voltamos para a Virgnia como duas velhotas. O riso bailava-lhe

    nos olhos. Claro que isso implicaria que fizesse a barba e, quem sabe, tomasse um banho.Cay aproximou a gua do cepo de uma rvore para o qual subiu a fim de montar. Se preciso tomar banho, ento no posso fazer isso respondeu ele num tom to srio que ela

    no percebeu se estaria a brincar ou no. E no uso vestidos. Fitou-a com um olhar muito srio. Vamos para norte ou para sul?

    Cay engoliu em seco. Nunca na sua vida tivera de tomar uma deciso daquelas. Foi a ideia do quepoderia acontecer famlia que a fez decidir. Se os seus irmos se encontrassem naquela situao,nunca hesitariam quanto a protegerem quem amavam.

    Para sul acabou por sussurrar.Ia dizer mais, mas ele acenou rapidamente com a cabea e incitou o cavalo a avanar, ao que

    ambos comearam a cavalgar a bom ritmo. Pararam duas vezes para beberem gua e darem de beberaos cavalos, aps o que seguiram caminho.

    Numa das paragens, Cay perguntou-lhe quo longe achava que teriam de ir para escaparem reados mexericos. Ela nem olhara para o mapa de T. C. Tudo o que sabia era que estavam a dirigir-separa sul, com o sol sempre a dar-lhe no rosto.

    As pessoas adoram histrias de terror, pelo que calculo que teremos de chegar Florida parapodermos escapar ao falatrio.

    Florida, pensou ela, e foi incapaz de reprimir um calafrio. Pntanos, aligtores e plantas quecomiam pessoas. Pelo menos, era essa uma das histrias que o tio T. C. costumava contar-lhe e aTally quando eles eram pequenos. Adam dissera que era mentira e fora ele quem a abraara nessanoite, quando ela gritara com pesadelos.

    No se preocupe disse Alex. No ir comigo para os pntanos. Vou deix-la com os amigosdo T. C.

    Depois acercou-se do seu cavalo, remexeu no alforje e passou-lhe um bocado de carne seca. Detesto isto resmungou ela enquanto ia mastigando com relutncia. Pensava que dissera que

    no tinha um plano. E no tinha, se quisesse que a levasse at Virgnia.Dado que ele no acrescentou mais nada, ela instigou-o: Ento? Est a pensar partilh-lo ou no?

  • Ele estendeu-lhe as mos para a ajudar a montar a gua. No.Irritada, Cay pousou-lhe uma mo no ombro e passou o p para a coxa dele. Era um movimento que

    usara muitas vezes com os irmos e que garantia desequilibr-los. Mas Alex estava preparado e deuum passo atrs que quase fez com que Cay casse de costas. Apanhou-lhe a mo antes que ela batesseno cho.

    Ela comeou a gritar com ele, mas o que via do seu rosto parecia-lhe to satisfeito que no pdedeixar de sorrir.

    Tem a certeza que no tem irms? Nenhuma, mas estou a aprender que basta pensar na coisa mais maldosa que possa fazer, pois

    ser isso que far.Cay abriu e fechou a boca vrias vezes, com a inteno de se defender, mas acabou por se rir. possvel que seja mais fraco e mais velho que os meus irmos, mas talvez seja mais esperto.

    Exceo feita ao Adam, claro.Ele ofereceu-lhe as mos entrelaadas, ela apoiou o p e montou a gua. Exceo feita ao Adam repetiu Alex enquanto voltava para a sela. Ao virar-se, perguntou:

    Que idade tem o Adam? Vinte e oito. Tal como me lembrava comentou Alex num tom pensativo enquanto olhava para o Sol. Quanto

    a si, no sei, mas eu j comia qualquer coisa. Tenho estado a olhar para a rabadilha do seu cavalo com vontade de lhe dar uma dentada. Ai sim? replicou Alex. Talvez deva dar-me por satisfeito por no ser a minha rabadilha que

    queria. A sujidade havia de me envenenar respondeu ela sem sequer um laivo de um sorriso. O

    cavalo est mais limpo. E cheira melhor.Alex no conseguiu evitar sorrir quando ela atirou o lindo cabelo para trs, ergueu o queixo e o

    ultrapassou.

    6 Gnero de barcaa tipicamente usada no transporte fluvial norte-americano entre o final do sculo XVIII e meados do sculo XIX.(N. da T.)

    7 No original: Ah neer saw a lassie as useless as ye. (N. da T.)

    8 No original: Whit dae ye want? (N. da T.)

  • D

    5

    e certeza que vai ficar bem? perguntou Alex a Cay pela terceira vez. pior que o meu pai disse ela, mas estava a fingir a bravata. A verdade que morria de

    medo de ficar sozinha na floresta. Olhou para trs, para as velhas runas sinistras onde ele instalaraum teto de lona. Uma vez que a parte da frente era aberta, no haveria qualquer proteo contra... oque quer que estivesse espreita no arvoredo. Estou bem garantiu. Ficarei simplesmente aqui sua espera at que regresse.

    Tem a pistola e sabe us-la, no sabe?Ele j tinha perdido muito tempo a assegurar-lhe que no era provvel que ursos atacassem o

    acampamento. Sou bastante boa atiradora. Cay esfregou os braos por causa do frio enquanto lanava um

    olhar de relance para o cu. Parece que capaz de chover em breve, portanto, talvez seja melhor irandando.

    Ela queria implorar-lhe que no a deixasse ali sozinha, mas preferiria morrer a dizer-lhe isso. JAlex no se deixou enganar pela fanfarronice dela. Sabia que estava assustada e, dado que eramprocurados pela lei e perseguidos por todos os caadores de recompensas de trs estados, tinhamotivos para sentir medo. Mas ele precisava de arranjar comida e no poderia aparecer em pblicocom ela. Havia demasiada gente em busca de um casal a cavalo.

    Vou levar a sua gua disse ele, atento para perceber quo incomodada ela ficaria.Quando uma expresso de pnico perpassou o rosto dela, Alex quase perdeu o alento. Tinham

    sacas de comida seca nos alforjes dele, mas far-lhes-ia falta mais tarde. Naquele momento, tanto umcomo outro precisavam de uma refeio quente e, se fosse possvel, ele iria arranj-la.

    V! disse-lhe Cay enquanto se recolhia no abrigo de lona. Deixe de se preocupar comigo. Eusei tomar conta de mim.

    Alex achava que ela mal conseguia caminhar sozinha, mas no lhe diria isso. O seu verdadeiromedo era que Cay decidisse que aquela era a sua oportunidade de fugir e partisse assim que elevoltasse costas. Detestava pensar no que uma milcia popular faria a uma jovem se julgasse tratar-sede uma criminosa.

    Com relutncia, selou a gua e, lanando um ltimo olhar para trs, deixou-a sozinha na floresta,protegida por umas quantas paredes decrpitas de tijolo de uma casa ardida.

    Cavalgou to depressa quanto podia pelo caminho estreito por entre as rvores e, pela milionsimavez, amaldioou T. C. Connor. Por um lado, Alex devia a vida ao homem, mas, por outro, era por suacausa que ele se via obrigado a cuidar e alimentar uma rapariga que no sabia fazer coisaalguma. Recusava-se a obedecer a ordens e ia para onde queria quando queria. E bastava que Alexsugerisse como ela deveria fazer algo para que ela lhe dissesse que ele era o homem mais ingrato emalcheiroso que alguma vez conhecera.

    Ao passar para a estrada, Alex no conseguiu suprimir um sorriso. Ela sabia cavalgar, isso elereconhecia, e a imagem dela a cavalo, com o cabelo solto, o enorme manto a tufar-se atrs de si e

  • aquele vestido branco a cintilar-lhe no corpo pequeno e esbelto f-lo soltar uma risada.Interrompeu-se de imediato, olhando em redor para ver se algum o ouvira, mas a estrada estava

    deserta.A verdade era que a rapariga era boa companhia, algo de que ele precisava desesperadamente

    depois dos ltimos meses da sua vida. O julgamento fora uma farsa. No estivera uma nica pessoanaquele tribunal nem mesmo o seu advogado que no o considerasse culpado. Todos os dias oarrastavam da cela para o tribunal e as pessoas silvavam-lhe, cuspiam-lhe, at lhe atiravam pedras.Quando o veredicto foi pronunciado, at Alex j comeara a duvidar da sua inocncia. Na verdade,uma defesa de no sei o que aconteceu no era l muito convincente.

    S T. C. lhe demonstrara alguma amabilidade e, quando lhe contara o plano que tinha para olibertar, Alex encarara-o com ceticismo. Que, no dia da fuga, T. C. tivesse partido uma perna e ficadoimpossibilitado de supervisionar a operao, que um dos homens pagos para ajudar Alex a escapartivesse sido alvejado e o outro capturado eram circunstncias que pareciam adequar-se a toda aquelasituao. Quando finalmente conseguira chegar, a p, ao local marcado, deparando-se com umarapariga bonita com um vestido cintilante prprio para um baile, Alex julgara que o mundo ia acabar.Tivera a certeza de que, dali a uns minutos, estaria morto e ela tambm.

    O facto de ela ter compreendido o seu sotaque coisa que a maioria dos norte-americanos noconseguia fizera-o perceber, com horror, que estava perante a filha de Angus McTern Harcourt. Eraa adorada irm do melhor amigo de Alex e fora colocada sua responsabilidade quando ele no erasequer capaz de se proteger a si mesmo. Caso tivesse tido tempo para pensar, estava certo de que seteria entregado em vez de a deixar arriscar a vida. No entanto, as balas que os perseguiam no lhestinham permitido fazer o que quer que fosse, para alm de fugir.

    No entanto, a rapariga provara ser feita de material mais resistente do que parecera numa primeiraimpresso. Ele vira quo assustada ela estava, mas tambm que se enchia de coragem e tentavamelhorar ao mximo uma situao muito m.

    Alex incitou a gua a avanar. O mapa de T. C. indicava que havia uma taberna ali perto e eletencionava fazer o que pudesse para conseguir alguma comida decente para ambos. J se tinhampassado semanas desde a ltima vez que comera uma refeio quente e sentia as costelas asobressair. Voltou a sorrir, ao lembrar-se que a rapariga lhe chamara fraco e velho. Passou a mopela barba. Precisava dela, agora, para ocultar o rosto que tantas pessoas de Charleston e dosarredores haviam visto. Mas a barba parecia levar a rapariga a pensar que ele era um velho, decertomais velho que seu idolatrado irmo, Adam.

    Alex baixou a cabea ao passar por um casal numa carruagem aberta e deixou escapar um suspirode alvio quando eles no o reconheceram como sendo um fugitivo.

    Continuando a cavalgar, foi tentando recordar-se do que Nate lhe contara acerca da irm, mas nohavia sido muito. Nate gostava de resolver enigmas e eles tinham-se correspondido acerca de coisasque consideravam misteriosas. Ele s lhe escrevia a propsito da irm mais nova quando esta faziaalguma coisa pela qual era castigada e isso costumava significar uma luta com o irmo ArthurTalbot Harcourt, Tally. Muitas vezes, Alex fizera o pai rir ao contar-lhe os disparates de Cay eTally.

    parecida com a me dizia-lhe o pai. Contei-te da vez em que ela disparou contra o Angus?Alex respondia que sim, mas que gostaria de voltar a ouvir. Fora Malcolm, tio-av de Cay, quem

    lhes contara a histria pela primeira vez. Por trs vezes, Alex e o pai tinham visitado os McTern, que

  • viviam numa terra mesmo a norte de Glasgow. Alex conhecera todos os primos direitos de Cay, queeram seis, mais velhos, mais ricos e mais bem-educados do que ele. S no que dizia respeito acavalos, ou a qualquer outro animal, Alex era visto como o lder. Fora o rapaz mais velho, Derek,que tinha mais onze anos que Alex, quem lhe reconhecera esse talento. Derek fora adotado porMalcolm, que era agora o laird do cl McTern, e pela mulher deste, Harriet, e um dia seria Derek olaird pelo que os outros lhe prestavam ateno. Ele dizia que Alex era um mgico com animais,capaz de os levar a fazer tudo o que quisesse. Quando Alex escrevera a Nate e lhe contara isto, elecomeara a chamar-lhe Merlin e, para explicar o nome, enviara-lhe um livro sobre o antigofeiticeiro. O nome pegara e desde ento Nate tratava-o assim.

    A mente de Alex regressou ao presente ao ver a taberna ao longe. Era maior e muito maisconcorrida do que ele teria gostado. Ia com esperana de poder entrar e encomendar comida, mas,estando ali tanta gente, decerto as notcias de Charleston j seriam conhecidas. Se Alex estivesselimpo e a usar boas roupas, com o rosto ocultado pela barba, provavelmente conseguiria passardespercebido. No entanto, tal como se encontrava, parecia mesmo algum acabado de fugir dapriso.

    Maldio! resmoneou, j a pensar regressar para junto de Cay.Bem poderiam sobreviver comendo carne e frutos secos durante mais alguns dias. Quanto mais

    para sul avanassem, menos provvel seria que fossem reconhecidos.Contudo, tinha o estmago a dar horas, a record-lo de que precisava de comida a srio.

    Desmontou e encaminhou a gua para o arvoredo, a partir de onde podia observar a atividade nataberna. Dali via que a cozinha ficava nas traseiras do edifcio e que at estava uma grande chaleirano exterior. Viu cozinheiros e talhantes, de aventais ensanguentados, a andarem de um lado para ooutro.

    frente, as portas duplas abriam-se com frequncia, medida que as pessoas entravam e saam.No, de forma alguma conseguiria entrar ali sem que algum soubesse quem ele era.

    Teve uma ideia. Se no podia entrar, ento teria de arranjar maneira de fazer com que todossassem. Verificou a quantidade de plvora que tinha consigo. Com isso e algumas pinhas, seriacapaz de fazer uma grande barulheira.

    * * *

    Cay correu pelo caminho at o escocs deixar de ser visvel, aps o que regressou ao pequenoacampamento desolador e se sentou num cepo. Tinha na mo a pistola que ele lhe deixara e comeoua perguntar-se se a plvora estaria seca. Se estivesse molhada e ela disparasse, a pistola poderiarebentar-lhe na cara. Mesmo que no explodisse, ela demoraria pelo menos trs minutos a recarreg-la. Mas e se a plvora estivesse do outro lado do que quer que fosse o seu alvo? Se fosse, porexemplo, um urso a atac-la e ela falhasse o primeiro tiro, como poderia esquivar-se ao monstroenorme, alcanar a plvora e recarregar a arma? Por outro lado, se no matasse o urso