o percurso histórico das ong no br

17

Click here to load reader

Upload: viviane-s-martinhao

Post on 12-Nov-2015

221 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

da história das ONGs no Brasil

TRANSCRIPT

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3486

    OPERCURSOHISTRICODASONGSNOBRASIL:PERSPECTIVASEDESAFIOSNOCAMPODAEDUCAOPOPULAR

    AlineMariaBatistaMachadoalinemelo23@yahoo.com.brAgnciaFinanciadora:CNPq

    (UFPB)Resumo

    O presente artigo parte de nossa tese de doutorado, defendida em 2009 no Programa de PsGraduao emEducao da Universidade Federal da Paraba UFPB. A partir de uma perspectiva terica marxista, tem comoobjetivocentralapresentara trajetriahistricadasOrganizaesNoGovernamentaisONGsbrasileiras,dandonfaseaquelasqueseguemumaperspectivaprogressistaesoidentificadascomoCidads,especificamente,asqueatuamnombitodaeducaopopular,nosentidoapontaralgunsdesafiosacercadoqueelasvmdenominandodeparticipaocidad.Paratanto,levamosemcontaoscontextoshistricosemqueessasorganizaesemergemnaAmricaLatina, sedesenvolveme seexpandemnoBrasil,bemcomo suascontradies, limitesepossibilidadesnointeriordosistemacapitalista.Palavraschave:ONGS.EducaoPopular.Participaocidad.

    Introduo

    DiantedasdiferenciadasorganizaesquesereconhecemenquantoONGsnoBrasileno

    mundo,tornousedifcilparaosautoresdareaestabelecerumconceitoamploosuficientepara

    englobar essas diversas organizaes. No h um consenso acerca de uma definio. No

    obstante, no que diz respeito ao aspecto jurdico, as organizaes nogovernamentais so

    identificadascomoassociaesoufundaes,queregemseporestatutosregistradosemcartrio

    deregistrocivildepessoajurdica.

    NoBrasil,aAssociaoBrasileiradeOrganizaesNoGovernamentaisABONG,fundada

    em1991,apresentanoart.2doseuestatutoaseguintedefinioparaasONGs:

    [...] so consideradasOrganizaesNoGovernamentais ONGs, as entidadesque,juridicamenteconstitudassobaformadefundao,associaoesociedadecivil, todas sem fins lucrativos, notadamente autnomas e pluralistas, tenhamcompromisso com a construodeuma sociedadedemocrtica, participativa ecomofortalecimentodosmovimentossociaisdecarterdemocrtico,condiesestas, atestadas pelas suas trajetrias institucionais e pelos termos dos seusestatutos(cf..Acessoem16/11/2008).

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3487

    Alm desse e de outros conceitos que surgem para definir as organizaes no

    governamentais,destacamosoquefoiformuladopelaComissoSobreGovernanaGlobal(1996),

    porserumpoucomaisabrangente.

    AsONGsconstituemumgrupodiversoemultifacetado.Suasperspectivasesuasreasdeatuaopodemser locais, regionaisouglobais.Algumassededicamadeterminadasquestesou tarefas;outras somovidaspela ideologia.Algumasvisamaointeressepblicoemgeral;outrastmumaperspectivamaisestreitaeparticular.Tantopodem serpequenasentidades comunitrias cujas verbas soescassas,comoorganizaesdegrandeporte,bemdotadasderecursoshumanose financeiros. Algumas atuam individualmente; outras formaram redes paratrocarinformaesedividirtarefas,bemcomoampliarseuimpacto.(COMISSOSOBREGOVERNANAGLOBAL,1996,p.192).

    Aabrangnciadoconceitoacimacitadosedpordoismotivoscentrais,primeiroporque

    reconhece a heterogeneidade das ONGs outro grande desafio na hora de analislas e,

    segundo, porque no as generaliza como sendo no lucrativas, no governamentais e no

    assistencialistas.

    AheterogeneidadedasONGslevouGohn(2000)aidentificarquatrotiposdeorganizaes

    nogovernamentaisatuandonoBrasil:ascaritativas,asdesenvolvimentistas,asambientalistase

    as cidads, interpretadas pela autora como amodernidade da participao social na Amrica

    Latina. Entretanto, ela destaca que essas ONGs no trabalham na linha da militncia e da

    politizaodasociedadecivil,comoosmovimentossociais.ApenasumaparceladasONGscidads

    evocamomundodapoltica,daparticipao,aocontrriodas[...]assistencialistas(GOHN,2000,

    p.59).

    Da chamarmos ateno para as chamadas ONGs cidads, que, conforme a autora,

    nascemecrescemreferidasaocampodasassociaesedosmovimentossociais,oquedemarca

    seupapel como agentededemocratizao, caractersticapeculiarnoBrasileemalgunsoutros

    pasesdaAmricaLatina.Voltadasparareivindicaodosdireitosdecidadania,atuamnoespao

    urbanoconstruindoredesdesolidariedade,promovendoouparticipandodeprogramaseservios

    sociaisbsicoseemergenciais,atuandojuntoaminoriasdiscriminadas.EssasONGs,emparticular,

    tm uma grande atuao junto aos canais de comunicao e reivindicam polticas pblicas,

    fornecendosubsdiosparasuaelaborao,fiscalizandoasoufazendodennciasquandoocorrem

    violaesouomisses.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3488

    Contudo,aocontrriodessasONGsquenascem juntoaosmovimentossociais,Montao

    (2002) chama a ateno para as chamadas associaes livres, incentivadas ou criadas pelo

    conservadorismo liberal, ou seja, determinadas instituies livremente construdas por grupos

    formais, que so mais do que uma forma de ampliar os poderes populares dos oprimidos e

    explorados,pois souma formade conter as insatisfaesdestesepulverizar aparticipaoe

    lutassociais, retirando,com isso,ocarter revolucionrioeclassistadestase transformandoas

    ematividadesporinteressesespecficosdepequenosgrupos.Assim,seporumladoexistemONGs

    voltadasaoconservadorismoemanutenodostatusquo,quese integramaosprocessosde

    regulaosocialprestandoserviosassistencialistas,poroutro,tambmhONGsquevalorizamas

    lutaspopulareseosmecanismosdeparticipaopolticadepopulaeslocais.

    Oobjetivo centraldeste artigo apresentar a trajetriahistricadasOrganizaesNo

    Governamentais ONGs brasileiras, dando nfase aquelas que seguem uma perspectiva

    progressistaesoidentificadascomoCidadsemaisespecificamenteasqueatuamnombitoda

    educaopopular,nosentidodeapontaralgunsdesafiosacercadoqueelasvmdenominandode

    participao cidad. Para tanto, levamos em conta os contextos histricos em que essas

    organizaesemergemnaAmricaLatina,sedesenvolvemeseexpandemnoBrasil,bemcomo

    suascontradies,limitesepossibilidadesnointeriordosistemacapitalista.

    TrajetriahistricadasONGsnoBrasil

    A expresso ONG (Organizao NoGovernamental), segundo Landim (1993) e Gohn

    (2000),foicriadapelaOrganizaodasNaesUnidasONU,nadcadade1940,paradesignar

    entidadesnooficiaisquerecebiamajudafinanceiradergospblicosparaexecutarprojetosde

    interesse social, dentro de uma filosofia de trabalho denominada desenvolvimento de

    comunidade.EssaperspectivadedesenvolvimentodecomunidadesurgenaAmricaLatinacomo

    partedeumaestratgiamaisampladosistemacapitalista,quebuscavaasuperaodapobreza,

    do atraso e subdesenvolvimento do chamado Terceiro Mundo. Tratase do Nacional

    Desenvolvimentismo (19301964), cujas polticas desenvolvimentistas eram propugnadas por

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3489

    organismos internacionais como: ONU, OEA, CEPAL, BID, FMI, visando o progresso e a

    modernizaodasociedade,sobretudopelaviadocrescimentoeconmico.

    SegundoWanderley (1998),naperspectivadesenvolvimentistadesenvolversesignificava

    atingiromodelodassociedadesdesenvolvidasousociedadesmodernasecrescimentoeconmico

    estava fundamentalmente relacionado acelerao da industrializao que, por sua vez,

    eliminariaoatrasoeapobreza.Apontavaseparaapossibilidadedemudanasestruturaisepor

    issoumadasmetaseramobilizarvriosgruposdasociedadeparaseorganizaramemdefesadas

    reformas de base, agrria, urbana, tributria, entre outras. Mas essa estratgia de

    desenvolvimentotambmsedeviaaotemordocomunismo,pois,comofimdaSegundaGuerra

    Mundial(19391945),ocenriointernacionalviviaoqueficouconhecidocomoGuerraFria,uma

    fasedahistriaemque se contrapunhamdoisblocosdepases,os capitalistas, lideradospelos

    EstadosUnidos,eossocialistas,lideradospelaUnioSovitica.

    Em vista disso, para o sistema capitalista era imprescindvel que os pases mais

    desenvolvidoscontribussemcomoavanodosdenominadospasessubdesenvolvidos.Nombito

    social, uma das estratgias era financiar aes comunitrias e incentivar movimentos de

    promoosocialnospasesdochamadoTerceiroMundo.Paratanto,asagnciasdecooperao

    internacional,originriasdepasesdosEstadosUnidosedepartedaEuropa,

    [...]necessitavamdeparceiros locaisque fossem capazesde formularprojetos,acompanharasuaexecuoeprestarcontas.Necessitavamdecontrapartescompersonalidadejurdica,ummnimodeestruturaadministrativaeumaafinidadedepropsitos. No tinham como chegar direta e regularmente aos movimentossociais, pois estes, justamente, careciam de estabilidade institucional. E assimsurgiram as ONGs latinoamericanas, num jogo de reforos mtuos, comoparceiras de cooperao internacional no apoio s aes comunitrias e aosmovimentosdepromoosocial(FERNANDES,1994,p.80).

    O termoONG foi,assim, importadodasagnciasde financiamento (ONGsde1mundo)

    que, inicialmente, as denominava de ONGDs (Organizaes NoGovernamentais de

    Desenvolvimento); mas, para os latinoamericanos tornaramse conhecidas como Centros

    Populares e s posteriormente que ouniverso dessas organizaes se ampliou na Amrica

    Latina,adotandoseaexpressoONG.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3490

    Ocorre que, ao revisitar essa conjuntura, Fernandes (1987) explica que o Nacional

    Desenvolvimentismo foi uma forma de desenvolvimento capitalista dependente e

    subdesenvolvidoparaaAmricaLatinaque,emboratenhaelevadoaeconomiaefeitoavanara

    industrializaoeaurbanizao,levandoospaseslatinoamericanosasaltaremdaperiferiapara

    semiperiferiado capitalismomundial, fez comqueoprocessodemodernizaodessespases

    permanecesse na condio de dependncia externa, sobretudo por no ter promovido um

    processo de industrializao orgnico, uma autonomizao do Estado nacional em relao ao

    poder dos pases mais desenvolvidos e uma independncia da sociedade civil. Alis, as

    contradies advindas dessa conjuntura geraram aumento da inflao, arrocho salarial,

    movimentos reivindicatriosda classeoperriapormelhores condiesde trabalhoe salrios

    (Wanderley,1998,p.23),entreoutrascoisas.

    Diante desse contexto, as Organizaes NoGovernamentais continuaram a surgir na

    Amrica Latinabuscando contribuir comodesenvolvimentodo sistema capitalistapormeiodo

    abrandamentodasquestessociaisadvindasdestemesmosistema.Comisso,apaziguavamseos

    conflitos sociaiseevitavamse asmanifestaesepossveis avanosno sentidodeummodelo

    alternativodesociedade,osocialismo.

    Deumtotalde4.327ONGslatinasanalisadasporFernandes(1994),32%emergemnessa

    conjunturadesenvolvimentista(dessepercentual17%temrazesentreasdcadasde1950e1960

    e15%distribuemsedemaneira regularpelasdcadasanteriores)eos restantes68%aparecem

    depoisde1975.

    NoBrasil,asONGssoum fenmenomais recente,nascemcalcadasnomodelonorte

    americano e dentro de circuitos de cooperao global (NAVES, 2005, p. 570). Embora as

    entidades assistenciais ou filantrpicas presentes entre os anos de 1960 e 1970 no se

    autodenominassemONGs, Landim (1993) afirmaquemuitasdelas foram se autodenominando

    organizao nogovernamental a partir da dcada seguinte. Conforme a autora, ainda que o

    termoONGtenhasepopularizadoentreasprpriasorganizaesnosanosde1980,muitasONGs

    brasileiras j existiamnasdcadas de 1960 e 1970. Elas apenasno tinham um nome que as

    reconhecesse conjuntamente, oque faz com que autores como Gohn (2000) afirmem que as

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3491

    ONGsbrasileirassnascemnosanosde1980.Quando,de fato,oqueocorrenesseperodoa

    adoodotermoquelhesconferemumaidentidade.

    AsONGspioneirasdestepassurgem,ento,nocontextodaditaduramilitar,perodoem

    que j vigorava uma nova estratgia de desenvolvimento latinoamericana, a Autoritria

    Modernizante (19641978), a qual dava continuidade ao crescimento econmico advindo do

    NacionalDesenvolvimentismo,masgeravaumaprofunda repressopolticaecultural,excluindo

    asclassespopulareseatmesmoastradicionaisautoridadesreligiosas,comoasdaIgrejaCatlica,

    foradoscrculosmais ntimosdopoder (FERNANDES,1994,p.36).Noporacaso,vriasdas

    ONGsqueemergemapsosanosde1970possuam,nosfinanciamentosinternacionais,mas

    tambm, o apoio de alas progressistas da Igreja Catlica, que reviu suas posies quanto

    organizao da populao para participar de movimentos e mobilizaes conscientizadoras

    (GOHN,2000,p.12).Esseapoioocorre,sobretudo,apartirdomovimentoinspiradopelaTeologia

    daLibertao1edacriaodasComunidadesEclesiaisdeBaseCEBs.

    A finalidade da represso imposta pelos militares com o golpe que instalou o regime

    ditatorialnoBrasil, apartirde1964,era,nos termosdeNetto (2002,p.16),deuma contra

    revoluopreventiva.Ouseja,adequarospadresdedesenvolvimentonacionaisedegrupos

    de pases ao novo quadro [...] de internacionalizao do capital; golpear e imobilizar os

    protagonistas habilitados a resistir a esta reinsero mais subalterna no sistema capitalista

    (Ibidem) e frear osmais variadosmovimentos sociais que se posicionavam em defesa de um

    modeloalternativodesociedade.

    No perodo ditatorial os movimentos sociais foram violentamente reprimidos, pois

    expressavamumnovomodelodeaosocialpautadona lutapelamudanado regimepoltico

    brasileiro e no desejo de construiruma sociedademaisdemocrtica e justa, isto , commais

    liberdadepolticae igualdadesocial.Sobopesodaspresses,prises, torturasehomicdios,as

    reivindicaesdos sujeitospolticosdosmovimentos sociais voltados hegemoniados setores

    1ATeologiada Libertaonasceunadcadade1970e, segundoMondin (1980,p.25), significaummovimentoteolgicoquequermostraraoscristosqueafdeveservividanumaprxis libertadoraequeelapodecontribuirparatornarestaprxismaisautenticamentelibertadora.Alibertaoaquesereferealibertaodosoprimidoseporissoacorrentemarxistafoitomadacomoinstrumentalpredominante.Noobstante,afemDeuspermaneceuosentidoltimodateologia.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3492

    populares representavamumaameaaaosistemacapitalista.Por isso taismovimentos tiveram

    umpapelsignificativonessecenriode turbulncias,assimcomoasONGsqueosapoiavamou

    assessoravam.

    Noquediz respeito aessasONGsque atuavam com servios, assessoriasou apoio aos

    movimentos populares, Landim (1993) afirma que elas eram mais conhecidas como Centros

    Populares. A existncia dessas organizaes revela que nem todas as ONGs nascem com a

    inteno de contribuir com o desenvolvimento comunitrio, a fim de fazer avanar os pases

    subdesenvolvidosdosistemacapitalista,massimcomointuitodeoporemseasinjustiassociais

    decorrentesdaquelaconjuntura.

    QuantosONGsmaiscomprometidascomaorientaocristouapromoosocialdentro

    de um vis de modernizao da sociedade capitalista, ao contrrio daquelas articuladas aos

    movimentossociais, tinhamsima intenodecontribuircomodesenvolvimentocomunitrio,a

    fim de fazer avanar os pases subdesenvolvidos do sistema capitalista, seja amenizando os

    problemassociaisapartirdeumaperspectivaassistencialistaealtrusta,sejaprestandoservios

    deutilidadepblica.

    Aps as fases turbulentas de represso s oposies, da reorganizao econmicaque

    culminaramcomoAtoInstitucionalnmero5AI5,dedezembrode1968edoaparecimentodas

    primeiras ONGs brasileiras, o regime parecia estabilizado como sistema poltico. Conforme

    Kucinski(2001),aps1974opaseradirigidoporumanovaclassedetecnocratascivisemilitares,

    que comandavam no apenas o aparelho do Estado, mas tambm as gigantescas empresas

    estatais. A ditadura se sustentava numa aliana de trs grupos de interesses bem definidos,

    chamadosdetripeconmico:osempresriosnacionais,osempresriosestrangeiroseoEstado,

    osquaispromoveramocrescimentoacelerado,caractersticodomilagreeconmico.

    Noentanto,emboraaditaduramilitarparecesseestabilizada,apartirde1978osmilitares

    sevempressionadosapromoverumaaberturademocrticaeem1985aditaduraencontraseu

    fim,oqual,segundoKucinski (2001),marcadopelasorigensdapropostadeaberturapoltica,

    pelo colapso do milagre econmico (sobretudo devido crise do preo do petrleo), crise

    institucional e militar, luta em defesa da democracia, campanha de anistia, greves do ABC,

    surgimentodonovosindicalismoeomovimentopelaseleiesdiretasparapresidente.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3493

    AredemocratizaodoBrasilvemacompanhadadaexpansodeumanovaestratgiade

    desenvolvimentodocapitalismoparaAmricaLatina,oNeoliberalismo.

    Duranteasdcadasde1980e1990,ochamadodiscursonicopropsofimdautopia socialistae,assim,dosembates ideolgicos (o fimdahistria), comahegemonia absoluta do mercado, entendido como entidade quasemetafsica.Tratase de uma retomada da concepo inaugurada por Adam Smith, naInglaterra, no sc. XIII. Nessa viso, o mercado das trocas financeiras ecomerciais visto comoharmonizadorou catalisador automticode todososinteresses dos indivduos, o lcus principal da conciliao do conjunto deinteressesindividuais.PorqueAdamSmithpreconizavaanoregulamentaodomercado, foi chamado de liberal. Da a retomada de seus princpios serconhecidacomoneoliberalismo(NAVES,2005,p.565).

    Petras (1999,p.44) assinalaqueopontodepartidaparaodesenvolvimentodasONGs

    ocorrequando os setoresmaisperceptveisdas classesdirigentesneoliberaisperceberamque

    suas polticas estavam polarizando a sociedadee provocandoum descontentamento social de

    grandes propores. Em decorrncia, assevera que no incio da dcada de 1980 os polticos

    neoliberais comearam a financiar e promover uma estratgia paralela nos Estados Unidos,

    EuropaeAmrica Latina, apartirdeorganizaes comunitriasdebase (grass roots), com

    umaideologiaantiestatalparaintervirnasclassespotencialmenteconflitantes.

    Oautorenfatizaqueaslimitaesdessasorganizaesjeramevidentesnaquelapoca,

    tendo em vista que ao mesmo tempo em que atacavam as violaes dos direitos humanos,

    praticadas pelas ditaduras locais, raramente denunciavam os seus patrocinadores norte

    americanoseeuropeusqueasfinanciavameaconselhavam.Nohaviaesforosrioparaligaras

    polticas econmicas neoliberais s violaes dos direitos humanos, pois os patrocinadores

    limitavamaesferadacrticaedasaesdasONGsemproldosdireitoshumanos.

    Conforme Gohn (2000), ao longo dos anos de 1980, com a transio democrtica, os

    movimentosforammudandoasposturascombativasepassaramaserinterlocutoresprivilegiados

    comoEstado.

    Fatoresexternos,comoaquedadomurodeBerlim,em1989,que representouo fimdo

    chamadoSocialismoReal,agravaramacrisedosmovimentossociaiseissoimplicoumudanas

    nosrumosdedeterminadosmovimentoseONGs,que,demodogeral,redefiniramadireodos

    seusprojetosticospolticospordeixaremdeacreditarnummodelodesociedadealternativoao

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3494

    capitalismo.Nosanosde1990osmovimentoseasONGsprogressistasquesobreviveramsua

    crise interna comearamaquererparticipardaspolticaspblicas, criandoumanova formade

    participao,apblicanoestatal.

    Diante desse contexto, Petras (1999), Gohn (2000) e Montao (2002), afirmam que a

    diminuiodosmovimentossociaisfoiproporcionalaocrescimentoderedesdeorganizaesno

    governamentais voltadas para o trabalho em parceria com as populaes pobres ou fora do

    mercado formal de trabalho. De tal modo que, no incio dos anos de 1980, muitas ONGs

    disputavam diretamente com osmovimentos sociopolticos o engajamento e a fidelidade dos

    ldereslocaisedascomunidadesmilitantes.Noslocaisemquehaviamovimentosorganizados,o

    novoparadigmadeao social gerou redesdepoder social local, compostaspelos lderesdos

    antigosmovimentos, quepassaram a atuar como assalariados num campo de trabalho pouco

    preocupado com as questes ideolgicas ou polticas partidrias e mais preocupado com a

    eficinciadasaes,comoxitodosprojetos,poisdissodependiaasuacontinuidadee,portanto,

    osempregosdoslderescomunitrios.

    Emalusoaos locaisemquenohaviamovimentosorganizados,Gohn (2000)esclarece

    queosnovosprogramassociaisdeparceriaseimplantamnocomodireitos,mascomoprestao

    de servios, ocorrendo, muitas vezes, uma despolitizao do contedo poltico da questo;

    portanto, retrocedendo problemtica da cidadania de seus termos coletivos para antigos

    patamaresdacidadaniaindividual (GOHN,2000,p.37).Emoutraspalavras,acontestaodo

    discursohegemnicocomeouasedarnombitodosdireitoshumanosuniversais,alutasocial

    perdeuoenfoquecapitaltrabalho(NAVES,2005,p.570).

    Segundo Lyra (2005), asmudanas conjunturais fizeram com que as organizaes no

    governamentais redefinissemseusdiscursosapartirdeumacertaconversodevalores,uma

    vezquepassamdaideiaderevoluodosanosde1960paraaideiadedemocracianosanosde

    1980.Muitas,aexemplodasqueelapesquisounaregiometropolitanadacidadedoRecifePE,

    [...]possuememcomumaelaboraodeumacrenanaautonomiadoindivduoparatransformaosocial.Assim,avisodeempowerment (empoderamento)compartilhada: levantarse puxando os cordes dos prprios sapatos e/oucadaseremsipossuiodomdesercapazeser feliz(...)A ideiadeautonomia,deempowermentdo indivduopodesercompreendidanessecontexto,emque

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3495

    so produzidas fantasias mobilizadoras que permitem o funcionamento dasinstituies,oirtocandoemfrente.(LYRA,2005,p.142e144).

    DiantedevriasmatrizesdepensamentoedaaodessasONGs,aautoraapresentauma

    visocrticaacercadosdiscursosdasorganizaesqueproduzemoqueeladefinede fantasias

    mobilizadoras,ondeho fortalecimentodo indivduo. Oque significaquebrar com a tradio

    marxista do coletivo (classe, partido). O ator coletivo importante, mas h um resgate da

    individualidade.(Idem,p.117).

    Assim,asONGsseafirmamesepopularizamdemaneiramaisdensaapartirdadcadade

    1980 e ganham importnciamundial no decnio seguinte, sobretudo aps a Eco92 (MATOS,

    2005,p.23).DeacordocomWendhausen(2003),essefoiummegaeventoqueocorreunoRiode

    Janeironoanode1992econtoucoma realizaodoFrumBrasileirodeONGseMovimentos

    Sociais,ocupandoexpressivosespaosnamdia,oque revelouacomplexidadeediversidadedo

    universodasONGs.Coincidnciaouno,essemegaeventoocorrenomesmoperodoemquea

    polticaneoliberalcomeaaganharterrenononossopas.

    AsONGseaeducaopopular

    ComacrisedoWelfareState(EstadodeBemEstarSocial)europeuenorteamericanoea

    derrocadadochamadoSocialismoReal,apropostaneoliberaldeumEstadomnimoavanou

    mundialmente comoum processode construohegemnica, isto, comoumaestratgiade

    poder(GENTILI,1996p.09)atualdocapitalismo.

    Ao analisar a atuao conjunta entre Estado e sociedade civil, seus projetos polticos

    compartilhados,complementaridadeseparcerias,Dagnino (2002)vaidestacaras relaesentre

    EstadoeONGscomoexemplaresdoquechamadeconflunciaperversa,postoque,apesarde

    possuremprojetospolticosdistintos,essasorganizaesapresentamumacomplementaridade

    instrumentalaoEstado,quebuscanessasrelaesaimplementaodoajusteneoliberal,oqual

    exigeoencolhimentodassuas responsabilidadessociais.Tratasedeumaconflunciaperversa

    entreoprojetoparticipatrio,construdoaoredordaextensodacidadaniaedoaprofundamento

    da democracia, e o projeto de Estado mnimo que isenta progressivamente seu papel de

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3496

    garantidordedireitos(DAGNINO,2002,p.153).Paraaautora,aperversidaderesidenofatode

    que, apontando para direes opostas e at antagnicas, ambos os projetos requerem uma

    sociedadecivilativaepropositiva.

    UmaoutrapreocupaodestacadaporDagnino(2002)ocrescenteabandono,porparte

    dasONGs,devnculosorgnicoscomosmovimentossociaisqueascaracterizavamemperodos

    anteriores, pois essa autonomizao poltica as revela mais submissas aos seus rgos

    financiadoras,entreosquais seencontraoprprio Estado, tornandoasmerasprestadorasde

    servios.

    Porm,nem todasasONGsestodesarticuladasdosmovimentossociais,algumas,ainda

    quenoseposicionemmaiscontraosistemacapitalista,semantmnalutacontrasuaestratgia

    dedesenvolvimentoneoliberal.Essasorganizaes,emparticular,nobuscamsubstituirasaes

    estataisnombitosocial,massimcobrardoEstadoaconcretizaodepolticaspblicas.Porisso

    nosedevegeneralizarasvisesacercadasONGs,comosetodasrepresentassemsimplesmente

    afacedacomunidadedoneoliberalismo,comoapontaPetras(1999,p.45).

    Nosepodehomogenizarasaesde taisorganizaes,comosenoexistissenenhuma

    querealizasseprticascompatveiscomumperfilprogressista,aexemplodedeterminadasONGs

    que desde a sua origem seguem prestando assessoria aos movimentos sociais por meio da

    educaopopular,poisessas,emespecial,aindaque apresentemuma certa funcionalidadeao

    sistema capitalista (j que, como todas as organizaes nogovernamentais, assumem

    determinadas responsabilidades sociais do Estado), tambm promovem aes crticas e at

    mesmoopostasaoneoliberalismo.Daocartercontraditrio.Elasnososimplesmenteissoou

    aquilo,isto,nosomotoresdetransformaoouafacedoneoliberalismo:soaunidade

    dosopostos.

    Nesse sentido, ao tomarmos a atuao das ONGs como contraditria, buscamos uma

    anlisemaisdialtica.Paratanto,nosancoramosemMontao(2002)aodestacaraimportncia

    da articulao entre asONGs eosmovimentos sociais, a fimde que se revitalizem as lutas e

    reivindicaessociaisenoadependnciaouparceriacomosgovernosneoliberais.Avisodo

    autor imprime um diferencial significativo, uma vez que, ao apontar o restabelecimento da

    articulaoentre asONGseosmovimentos sociais,nospermitedestacar aquelasquenascem

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3497

    apoiandoouassessorandoosmovimentossociaispormeiodaEducaoPopularnaperspectiva

    freireana,vistoquepassamainterferirdiretamentenasopiniesevisesdemundodossujeitos

    sociais que recebem seus servios, reproduzindouma educao crtica, problematizadora,que

    seguenaperspectivaemancipatria.

    a partir dosmovimentos educativos voltados hegemonia dos setores populares do

    inciodosanosde1960quenasce,nopas,aeducaopopularsistematizadaporPauloFreire,o

    qualadefinecomoaque,

    [...]postaemprtica,emtermosamplos,profundoseradicais,numasociedadedeclasse,seconstituicomoumnadarcontraacorrenteza.exatamenteaque,substantivamente democrtica, jamais separa do ensino dos contedos odesvelamentoda realidade.aqueestimulaapresenaorganizadadas classessociaispopularesna lutaem favorda transformaodemocrticadasociedade,nosentidodasuperaodasinjustiassociais.aquerespeitaoseducandos,noimportaqualsejasuaposioeclassee,aomesmotempo,levaemconsiderao,seriamente, o seu saber de experincia feito, a partir do qual trabalha oconhecimentocomrigordeaproximaoaosobjetos. [...]aquenoconsiderasuficientemudar apenasas relaes entre educadora e educandos,amaciandoessas relaes,mas, ao criticar e tentar ir alm das tradies autoritrias [...]criticatambmanaturezaautoritriaeexploradoradocapitalismo(FREIRE,2007,p.103105).

    Diante disso, preciso que se esclarea que as ONGs identificadas como cidads ou

    progressistas no mbito da educao popular tem contribudo bastante com o estmulo a

    mobilizao popular e participao cidad e, inclusive, alcanado conquistas no mbito de

    polticaspblicaslocais.Mas,anossover,essaparticipaoapresentaalgunslimitesquepodeme

    devemserultrapassados,queexatamentealutapormudanaspontuaisenoestruturais,no

    se busca lutar contra as razes dos problemas sociais, o sistema capitalista, e sim, contra a

    estratgiaatualdessesistema,oneoliberalismo,oqueascolocanumaposioreformistaeno

    transformadora.

    Lutarporpolticaspblicas locaismuito importanteparaaclasse trabalhadora,porm,

    issono atinge asbasesdo sistemaqueproduz adesigualdade social.Atporque aspolticas

    sociais,embora tenhamsurgidoapartirdaspressesdos trabalhadores,elasnascemdentrodo

    sistemacapitalistacomoestratgiadaclassedominanteparaconteraslutasdeclasses.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3498

    Demodo geral, como no cabe asONGs agirde forma universalista frente s variadas

    expressesdaquestosocialesimaoEstado,elascriaramumaestratgiadeaoespecfica,do

    respostaslocaisapressesglobais.Mas,deacordocomOliveira(2004),essaformadeagirafeta

    muitopoucoopoderdasempresas,dasinstituiessupranacionaisedasinstituiesestatais.No

    obstante, so contribuies importantes, posto que preciso contestar sempre, criar novos

    camposdecontestaoeinventarnovasorganizaes.

    AoanalisarmosduasONGsidentificadascomocidadsnoestadodaParaba(oServiode

    EducaoPopularSEDUPeaAssociaoSantosDias),constatamosquedefatoobjetivamseguir

    numa perspectivaprogressista, suas prticas educativas buscam, pormeio dametodologiada

    educaopopular,conciliaraformaoeducativaeacapacitaotcnicaparageraoderenda

    ao processo de conscientizao poltica. Com isso, essas organizaes tm contribudo com a

    formao de uma cultura popular cidad, isto , uma formao direcionada a organizao

    comunitria,aparticipaopopular,aodesenvolvimentosustentvellocal,aocontrolesocialeat

    mesmoaconscinciacrticadeseususurios,vistoqueestes tantopassarama refletirsobreos

    problemassociaislocaiscomoaexigirdopoderpblicoagarantiadedireitossociais.Entretanto,

    talcobranaserestringeaopoderpblicolocalenoaorganizaodavidasocialcomoumtodo.

    Apesardas trajetriashistricas compatveis comumperfilprogressistaedo intuitode

    trabalharnaperspectivadalibertao,oprocessodeconscientizaodasprticasdeeducao

    populardesenvolvidasnessasorganizaesnodesvelaa razodeserda realidadeestruturale

    sim da local. Em vista disso, suas prticas educativas contribuem com o desenvolvimento da

    conscinciada prxis (forma crtica de abordagem domundo que leva a autoconscinciada

    prtica transformadora). Porm, esta limitase a conscincia comunitria (o descobrirse

    enquantocomunidade)enoaconscinciadeclasse(odescobrirseenquantosujeitosocialde

    uma classe subalterna, que vive em condies de explorao e dominao na sociedade

    capitalista).DemodoqueasperspectivaseprticasdessasONGs,assimcomo suasconquistas,

    emboraimportantes,restringemseasmudanasdascondieslocais,pontuais,noseestendem

    aosprocessosdetransformaosocialdasociedadecapitalista.

    Conforme Gadotti (2004), para a classe trabalhadora a conscincia de classe tem um

    sentidometodolgico,cujoobjetivoaconquistadeumasociedadeemquehajaodomniodos

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3499

    interessesdostrabalhadoressobreocapital,isto,atransformaodosistemasocial.Comoessa

    transformaonosedarespontaneamente,aclassetrabalhadoraesobretudoascamadasmais

    oprimidasdapopulaonecessitamadquirirumgraucadavezmaiselaboradodeconscinciada

    opresso(GADOTTI,2004,p.188).

    Ofatoque,emborareconheamosqueaconscinciacomunitriadecorradaconscincia

    crtica,precisolembrarqueaconscinciacrticanoaindaaconscinciadeclasse(Ibidem).

    Sendo assim, entendemosque aprtica educativa voltada conscincia comunitria contribui

    paraoavanoda cidadanianuma sociedadede classes,mas insuficienteparapromoveruma

    direo cultural e ideolgica que contribua de forma efetiva com a hegemonia das classes

    subalternas.

    Conforme Gadotti (2004), para assumir a direo e hegemonia da sociedade, a classe

    trabalhadoraprecisamunirsedematuridadepara superarosefeitosdevastadoresdo sistema

    capitalistasobresuaconscinciadeclasse.Enissoaeducaopodedarumagrandecontribuio.

    Atporque,comungamoscomGramsci (2004,p.15)aoafirmarquetodogruposocial [...]cria

    para si, aomesmo tempo, organicamente, uma oumais camadas de intelectuais que lhe do

    homogeneidadeeconscinciadaprpriafuno,noapenasnocampoeconmico,mastambm

    nosocialepoltico.

    No que se refere aos desafios das ONGs, instabilidade financeira, imediatismo e

    descontinuidadedas aes,necessidadede reconhecimento socialde suas aesno campoda

    educaopopular, adesodenovos seguidorese atendimentodasdemandasdopblico alvo,

    consideramosqueomaiordeles resideem realizarumaeducaopopularefetivamentecrtica,

    visto que, enquanto para alguns dos educadores ela deve ser repensada e ajustada a atual

    conjunturaoutrosnemmesmosabemoqueelasignifica.

    CaberessaltarqueacurtadurabilidadedosprojetossociaisdasONGsesuainstabilidade

    financeiraexpenosoimediatismocomoadescontinuidadedasaesdessasentidades,duas

    grandesfragilidadesnahoradecolaborarcomahegemoniadasclassessubalternaspormeioda

    educaopopular, jqueoprocessode conscientizaonaperspectiva freireanano sedde

    formainstantneaedescontnua.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3500

    Diantedesses resultados, analisados luzdeum referencial terico crtico, chegamosa

    concluso de que apesar das aes das ONGs estudadas serem importantes para mudanas

    pontuaise,emalgunsmomentos,fundamentaisparaaorganizaoclassista,nososuficientes

    paradesencadearmudanasdedimensonacional,menosaindaatransformaosocialdequese

    trataaqui.Oquenos levaaafirmarque,aindaqueasONGsapresentemaspectoshistricose

    tericometodolgicos compatveis comumperfilprogressistanombitodaeducaopopular,

    suas prticas so insuficientes para contribuir com a hegemonia das classes subalternas. Isto

    porqueumaeducaopopularcrticaeemancipatria,quebuscacontribuircomoprocessode

    conscientizaovoltadolibertaodaopresso,noapenasaquebuscadesvelararealidade

    local objetivando mudanas focalizadas, mas a que, alm disso, tambm procura desvelar a

    realidade estrutural para contribuir com a transformao social, ou seja, a transformao do

    prpriosistemacapitalista,vistoquenelenopossvelahegemoniadasclassessubalternas.

    ConsideraesFinais

    Demodo geral,hduasperspectivasde anlise sobre asONGs: aprimeira aque as

    consideramotores de transformao social e, por isso, delega aessas organizaes parte das

    responsabilidade pelas solues das variadas expresses da questo social, como uma nova

    formadecontribuircomatransformaodarealidadesocial,asegundaaqueastomacomoa

    face do neoliberalismo, delegando a elas uma identidade homognea, como se todas, sem

    exceo,buscassemapenasassumiroucomplementarasresponsabilidadesdoEstadonombito

    social,comopartedeumaestratgiamaisampladocapitalfrentequestosocial.

    Na realidade, as duas perspectivas de anlise: a que toma asONGs comomotores de

    transformao social e a que as consideram a face do neoliberalismo, desconsideram a

    heterogeneidadedas organizaes nogovernamentais. Ambas perdemde vistaomovimento

    contraditriodasorganizaes,sobretudodaquelasquenascememmeioaosmovimentossociais

    e, ainda hoje, continuam apoiando ou assessorando tais movimentos, pois essas ONGs, em

    particular,aindaqueapresentemumacertafuncionalidadeaocapitalismo(jque,comotodasas

    organizaesnogovernamentais, tambmassumemdeterminadas responsabilidadessociaisdo

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3501

    Estado), contraditoriamente, tambm promovem aes crticas e at mesmo opostas ao

    neoliberalismo.

    Nesse sentido, ao tomarmos a atuaodasONGs como contraditria, apontamos uma

    possibilidade de anlise mais dialtica, que consegue perceber as diferenciaes entre essas

    organizaes(asprogressistaseasconservadoras),ascontribuieseoslimitesdeambas.Eentre

    aquelasqueatuamde formaprogressistapormeiodaeducaopopularpercebemososlimites

    (instabilidade financeira, aes pontuais, imediatismo e descontinuidade das aes) e as

    possibilidades (estmulo a mobilizao popular/ participao cidad e conquistas sociais). E

    dentrodessaspossibilidades,osdesafiosqueexistem(conscientizaocomunitriaparticipao

    localmudanapontual),masquepodemedevem serultrapassados (conscinciade classe

    participaopolticatransformaosocial).Enfim,cabeans,educadores(as),apoiarasONGs

    Cidads ou Progressistas, mas, contribuir criticamente no sentido de esclarecer que para um

    efetivodesvelamentodarealidadelocalprecisoconsiderarqueestaestinseridonocontextoda

    totalidadesocial.Emvistadisso,considerar, tambm,queasmudanaslocaisconquistadaspela

    participao cidad so importantes sim, mas, para essa participao de fato conquistar a

    cidadania,os sujeitoshistricosdessemovimentoprecisam compreenderqueosprocessosde

    transformaosocialpassamnosomentepelamudana local,mas,sobretudo,pelaestrutural,

    poisoquebuscamosumProjetoSocietrioefetivamenteemancipatrio.

    Referncias

    COMISSOSOBREGOVERNANAGLOBAL.Nossacomunidadeglobal.RiodeJaneiro:FundaoGetlioVargas,1996.DAGNINO,Evelina.Democracia,teoriaeprtica:aparticipaodasociedadecivil.In:PERISSINOTTO,R.eFUKS,M.(orgs.).Democracia:teoriaeprtica.RiodeJaneiro:RelumeDumar,2002.FERNANDES,Florestan.RevoluoburguesanoBrasil.3ed.RiodeJaneiro:Guanabara,1987.FERNANDES, Rubem Csar. Privado porm pblico: o terceiro setor na Amrica Latina. Rio de Janeiro: RelumeDumar,1994.FREIRE,Paulo.Pedagogiadaautonomia:saberesnecessriosprticaeducativa.31ed.SoPaulo:PazeTerra,2005._____.Polticaeeducao.8ed.SoPaulo:VilladasLetras,2007.GENTILI,Pablo.Neoliberalismoeeducao:manualdousurio.In:GENTILI,PabloeSILVA,TomazT.(orgs.).EscolaS.A:quemganhaequemperdeomercadoeducacionaldoneoliberalismo.Braslia:CNTE,1996.

  • IX SEMINRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTRIA, SOCIEDADE E EDUCAO NO BRASIL

    Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 31/07 a 03/08/2012 Anais Eletrnicos ISBN 978-85-7745-551-5

    3502

    GADOTTI,Moacir.Perspectivasatuaisdaeducao.PortoAlegre:ArtesMdicasSul,2000._____.Pedagogiadaprxis.4ed.SoPaulo:Cortez/InstitutoPauloFreire,2004.GOHN,MariadaG.Ossemterra,ONGsecidadania.2ed.SoPaulo:Cortez,2000.GRAMSCI,Antonio.Cadernosdocrcere.vol.2,3ed.TraduodeCarlosNelsonCoutinho.RiodeJaneiro:CivilizaoBrasileira,2004.LANDIM,Leilah.A invenodasONGs:doservioinvisvelprofissoimpossvel.Tesededoutorado.UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.ProgramadePsgraduaoemAntropologiaSocial.RiodeJaneiro,1993.KUCINSKI,Bernardo.Ofimdaditaduramilitar.(Repensandoahistria).SoPaulo:Contexto,2001.LYRA, Carla. Ao poltica e autonomia: a cooperao nogovernamental para o desenvolvimento. So Paulo:Annablume,2005.MATOS, Maria Izilda S. de. Terceiro setor e gnero: trajetrias e perspectivas. So Paulo: Cultura Acadmica:InstitutoPresbiterianoMackenzie,2005.MONDIN,B.Ostelogosdalibertao.SoPaulo:Paulinas,1980.MONTAO,Carlos.Terceiro setorequesto social:crticaaopadroemergentede interveno social.SoPaulo:Cortez,2002.NAVES, Rubens.Novas possibilidades para o exerccio da cidadania. In: PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla B. (orgs.).Histriadacidadania.3ed.SoPaulo:Contexto,2005.NETTO,JosPaulo.Ditaduraeserviosocial:umaanlisedoserviosocialnoBrasilps64.6ed.SoPaulo:Cortez,2002.OLIVEIRA,Franciscode.Porqupoltica?In:FrumdaSociedadeCivilnaUnctad(Agendapsneoliberal:fazendopossvel um outro mundo). So Paulo, 2004. Disponvel em:http://www.ibase.br/modules.php?name=conteudoepid=1079[26/10/2007].PETRAS,J.Neoliberalismo:AmricaLatina,EstadosUnidoseEuropa.Coleosociedadeeambienten3.TraduodeAnaMariaR.Naumann[etal.].Blumenau:FURB,1999.WANDERLEY,MaringelaBelfiore.Metamorfosesdodesenvolvimentodecomunidade.2ed.SoPaulo:Cortez,1998.WENDHAUSEN,Henrique.ComunicaoemediaodasONGs:uma leituraapartirdocanalcomunitriodePortoAlegre.(ColeoComunicao26)PortoAlegre:EDIPUCRS,2003.