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Page 1: O Paraíso Invertido de Lezama Lima - Cultura - Estadão

26/09/15 19:39O paraíso invertido de Lezama Lima - Cultura - Estadão

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CARLOS GRANÉS - O ESTADO DE S.PAULO

18 Dezembro 2010 | 00h 00

O autor de Paradiso, cujo centenário de nascimento transcorre amanhã, explorou nesse romance a estéticabarroca, criando um mundo onde o que importa são apenas as imagens poéticas

A poesia é o paraíso da linguagem. Essa foi uma definição de Paul Valéry, mas também poderia ter saído da pena de José Lezama Lima(1910-1976). O escritor cubano prestou uma homenagem àquela frase com uma obra literária que se fundamenta exatamente nela,criando um mundo à parte, paradisíaco, onde a linguagem é soberana e o escritor tem absoluta liberdade para fazer experiências com aspalavras. Embora Lezama Lima seja principalmente um poeta, o apogeu e a síntese do seu mundo é Paradiso, um extraordinário romanceno qual trabalhou lentamente, desde o fim dos anos 40 até meados dos 60, pondo em prática sua estética barroca e a sua maior ambição:criar um sistema poético do mundo, onde os atos humanos, as reflexões pessoais, as ideias ou a lógica causal não importam, o que contasão apenas as imagens poéticas.

E é essa sucessão de imagens que faz de Paradiso uma das experiências literárias mais fabulosas e difíceis. Difícil porque as metáforascorroem a realidade até que ela desaparece, deixando-nos à deriva num oceano de palavras que não têm nada a ver com o mundo factual.E é fabulosa porque, ao mesmo tempo que nos sentimos à deriva, navegamos, imperceptivelmente, num universo novo, alheio àracionalidade e à causalidade, guiado pelo que Lezama Lima chamou de "incondicional poético", repleto de sensações e efeitosresplandecentes produzidos pela pirotecnia verbal. Esta enorme construção barroca, formada de metáforas, analogias, semelhanças ehipérboles que nascem umas das outras, que se reproduzem, se ramificam e se elevam até explodir como bolhas de sabão, situa-se numazona onde as ferramentas da razão são de pouca utilidade. Em Paradiso predominam os ecos, as labaredas visuais e as impressõesolfativas, como se os personagens, em vez de refletir e agir, vivessem em estado de transe, entregues ao ato de sentir e interpretar suasexperiências à luz da cultura universal.

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Embora a trama de Paradiso não seja o ponto mais relevante, vale a pena recordá-lo. O romance conta como surgiu a vocação poética deJosé Cemí, um menino asmático que encarna a própria experiência pessoal de Lezama Lima. O fato mais significativo da sua infância é amorte do pai, o Coronel José Eugenio Cemí, que se encontrava numa missão no acampamento de Forth Barrancas, em Pensacola. A partirdesse dia, José Cemí submerge no mundo materno e ali, lentamente, começa a descobrir sua paixão pela literatura. À medida que cresce,esse processo é acompanhado por seus dois amigos, Foción e Fronesis, e por um personagem enigmático, com pouca presença noromance, chamado Oppiano Licario. O Coronel conheceu Oppiano Licario no hospital e, antes de morrer, pediu-lhe que ensinasse a seufilho tudo o que aprendera nas suas viagens, leituras e sofrimentos. Licario cumpre a tarefa de modo indireto, inspirando José Cemí adistância, atuando como mentor e guia espiritual. No fim do romance vamos encontrar um José Cemí maduro, totalmente consciente dasua paixão pela poesia e preparado para escrever seus primeiros versos.

O que surpreende é que a história transcorre desde fins do século 19 até meados da década de 30, mas há poucos comentários sobre asituação política e social de Cuba. O que há são breves referências às lutas de independência contra a Espanha e as revoltas estudantis de1930 para derrubar o ditador Gerardo Machado, e aí se esgotam os eventos históricos. Em compensação, Lezama Lima concentra-se navida cotidiana e nas aventuras da família Olaya. Toda a experiência dos personagens é transfigurada pela analogia fantasiosa. Lezama

O paraíso invertido de Lezama Lima

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Lima enaltece com a metáfora cada ato, desde o mais simples ao mais complexo, transformando a vida dos seus personagens em grandesrealizações poéticas. Em Paradiso, o Coronel não tem sonhos: suas pálpebras se fecham "sob o peso de anêmonas soníferas". A penausada por Fibo não é um simples instrumento para escrever, mas "uma aberração satânica do barroco carcerário". Quando Mela resolvealguma situação, "é como um esquadrão de aqueus que passa ululando para os navios de proas de cobre".

O conhecimento, a cultura universal, os mitos, heróis e as conquistas artísticas de todas as civilizações, desde a inca até a grega, desde ahindu até a asiática, se mesclam com a tradição crioula e a gíria popular cubana para encher o espaço narrativo. A vida cotidiana adquireuma dimensão lírica, enobrecida pelo símile e a referência ao mito homérico, ao registro erudito e à imagem surrealista. Lezama Limarevolve toda a experiência cubana, embelezando-a com o enorme conhecimento que acumulou ao longo dos anos. Como Borges, ele leumuito e viveu pouco. Foi um "peregrino imóvel", que durante a vida adulta saiu de Cuba apenas duas vezes, para o México e a Jamaica, epor poucos dias. Contudo, o mundo todo está em Paradiso. Através dos livros o autor impregnou-se de todo conhecimento humano e comesse material quis criar uma imagem mítica de Cuba, em que se fundem o regionalismo crioulo e a onisciência universal, o falatório davizinhança e a epopeia homérica.

Anjos caídos. Nesse sentido, o paraíso de Lezama Lima é bem diferente do jardim do Éden do mito judaico-cristão. Poderíamos dizer, até,que o seu é um paraíso invertido. José Cemí e os demais personagens, longe de viver num estado de inocência primitiva, respiram um arcarregado de sexualidade e conhecimento. Há uma imagem, no início do terceiro capítulo, em que ele recria a cena mítica do roubo dofruto proibido. Rialta, a mãe de José Cemí, desliza pelos galhos de uma árvore para arrancar um punhado de nozes. Diferentemente doque ocorre no Éden, ninguém é expulso deste Paradiso. Fronesis e Foción são iniciados no conhecimento e no sexo. Vivem uma delicadaexistência consagrada a deslindar os diálogos de Platão e decifrar os enigmas da sua sexualidade, o primeiro com uma mulher, o segundocom um homem. Ambos são os novos anjos caídos que não têm motivo para se rebelar porque, neste paraíso, as suas inclinação não sãoum vício, mas uma virtude.

O paraíso invertido de Lezama Lima assemelha-se ao Jardim das Delícias, de El Bosco, e por isso elementos fantásticos penetram nele,como o enorme falo rodeado de damas romanas que desfila entre os estudantes rebelados, ou o crítico musical de 114 anos quepermanece adormecido e exposto em uma urna de cristal durante meio século. Neste paraíso também existe morte, perdas, doenças,inconformismo e sofrimento, mas não pecado. Todas as paixões de Lezama Lima - o amor pelo conhecimento, a homossexualidade, avocação poética - são lícitas. O poeta aproveitou seu talento e esforço para corrigir as falhas do paraíso original e moldá-lo à sua própriavisão da terra prometida. Lezama Lima estava convencido de que a poesia tinha o poder de substituir a história. Em La ExpresiónAmericana, um dos seus livros de ensaios, ele afirma que são as imagens poéticas, não a tumultuada experiência de épocas passadas, quesobrevivem ao tempo. Dos etruscos, carolíngios ou bretões o que nos chegou foram a sua imaginação, as metáforas e sínteses que fizeramda sua experiência e que acabaram por se impor à realidade histórica. Paradiso foi escrito com o mesmo objetivo: negar a realidade e ahistória e contrapor a elas uma imagem mítica de Cuba, onde a única preocupação dos seus habitantes é o conhecimento e as musas,onde o herói é o poeta e a sua vocação, onde a experiência mais simples e cotidiana é realçada pela magia da analogia.

Passaram-se 44 anos desde que Paradiso foi publicado e 100 anos desde o nascimento do poeta. É muito cedo para afirmar que a imagemcriada por Lezama Lima substituiu a de uma Cuba real. Talvez pedir a um romance uma tal façanha seja demasiado. O que não há dúvidaé que o esforço titânico de Lezama Lima resultou num dos romances mais pessoais e audaciosos da literatura hispano-americana, onde ocentro do mundo é Cuba e toda a história e a cultura universal se convertem num ornamento para transformar a existência em poesia. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

CARLOS GRANÉS É DOUTOR EM ANTROPOLOGIA SOCIAL PELA UNIVERSIDADE COMPLUTENSE

DE MADRI, AUTOR DE LA REVANCHA DE LA IMAGINACIÓN - ANTROPOLOGÍA DE LOS

PROCESOS CREATIVOS: MARIO VARGAS LLOSA Y JOSÉ ALEJANDRO RESTREPO (CONSEJO

SUPERIOR DE INVESTIGACIONES CIENTIFICAS DE MADRID) E ORGANIZADOR DE SABRES &

UTOPIAS - VISÕES DA AMÉRICA LATINA (EDITORA OBJETIVA)

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