o-paradigma-transdisciplinar

Upload: davi-vieira

Post on 07-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    1/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 1

    REPBLICA FEDERATIVA DO BRASILMINISTRIO DA CINCIA E TECNOLOGIA - MCTPROGRAMA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO CIENTFICO E TECNOLGICO - PADCT

    SUBPROGRAMA DE CINCIAS AMBIENTAIS - CIAMB

    WORKSHOP SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais,

    So Jos dos Campos, 2 e 3 de dezembro de 1999)

    TEMA 1:Marcos Conceituais para o Desenvolvimento da Interdisciplinaridade

    O PARADI GMA TRANSDISCIP LINAR: UMA P ERSPECTIVA METODOLGICA P ARA A PESQUISA

    AMBIENTAL

    por Daniel Jos da Silva Engenheiro Civil, Especialista em Hidrologia e Recursos Hdricos,

    Mestre em Sociologia Poltica e Doutor em Engenharia de Produo.Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitria e Ambiental

    da Universidade Federal de Santa Catarina.Caixa Postal 476.CEP 88049-900 - Florianpolis, SC. Fone 048 331 9597.

    E-mail: [email protected]

    SUMRIO1. INTRODUO

    2. A REFERNCIA INTERDISCIPLINAR2.1 -- Histrico da interdisciplinaridade2.2 - O modelo interdisciplinar2.3 - A reviso do modelo2.4 - A crtica filosfica2.5 - A interdisciplinaridade ambiental2.6 - O Projeto Cubato

    3. O PARADIGMA TRANSDISCIPLINAR3.1 - A noo de paradigma3.2 - Caracterizao3.3 - O raciocnio transdisciplinar3.4 - As implicaes epistmicas

    4. A PERSPECTIVA METODOLGICA4.1 - A necessidade metodolgica4.2 - Comeando pelas emoes4.3 - Construindo o domnio lingstico4.4 - Planejamento estratgico da pesquisa4.5 - Concepo e escrita do projeto4.6 - Aprendendo com o operar

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    2/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 2

    4.7 - A busca da efetividade4.8 - Fechando o ciclo

    5. CONCLUSO

    6. BIBLIOGRAFIA

    1. INTRODUO

    O interdisciplinar entra em minha vida em 1985, quando aglutinamos um grupo de amigos,de umas dez disciplinas diferentes, em torno do estudo interdisciplinar de dinmicasambientais. Foram dois anos de muita afetividade, discusso, estudos, reflexo eaprendizagem. Ao final, tnhamos um projeto, mas j no tnhamos mais a disponibilidadedas pessoas. Depois veio a participao no Projeto Cubato, financiado pelo ProgramaPADCT/CIAMB, com o objetivo explcito de desenvolver a interdisciplinaridade ambiental,que dez anos depois, foi outra experincia marcante. E agora, com nossa participao noProjeto de Educao Ambiental do Programa de Saneamento Ambiental "Bahia Azul", emrealizao pelo Consrcio Geohidro-Recitec, junto 800 escolas e comunidades emSalvador e mais 11 municpios do entorno da Baa de Todos os Santos, na Bahia. Estas soas referncias empricas - e claro, mais a formao terica que ela exigiu - com as quaisintento falar do interdisciplinar.

    Falar sobre interdisciplinaridade provoca-me um vazio no estmago. So as emoessentidas simultneamente ao longo destes 15 de anos de trabalho tentando umaaproximao com o complexo. Hoje eu as reconheo como legtimas, mas durante muitotempo exclui-as, por no aceita-las como pressuposto de minha racionalidade cientfica.Nestes ltimos anos tenho conscientemente evitado falar este termo. Quando necessrio,substituo por intersubjetividade. Isto porque diante do fracasso e da derrocada de tantosparadigmas, tambm a palavra interdisciplinaridade acabou esvaziando-se diante de suaincapacidade de integrar e mostrar novas realidades cientficas, institucionais e sociais. Aoescrever este artigo, espero exorcizar este fantasma, mesmo porque parto do pressupostoda insuficincia do paradigma interdisciplinar e assumo a proposio de trabalharmos umaperspectiva transdisciplinar para o desenvolvimento cognitivo sobre a complexidadeambiental.

    Assim, organizamos este artigo em trs momentos: a) uma breve reviso dointerdisciplinar, incluindo um registro do que j existe de crtica; b) uma apresentao doparadigma transdisciplinar, baseado no texto de Basarab Nicolescu e c) o desenho de umaperspectiva metodolgica transdisciplinar para trabalhos ambientais.

    2. A REFERNCIA INTERDISCIPLI NAR

    2.1 - Histrico da interdisciplinaridade

    Os dois maiores disseminadores da interdisciplinaridade no Brasil so Ivani Fazenda eHilton Japiassu, cujas formaes acadmicas receberam o vis da experincia europia,marcadamente francesa. As referncias de ambos so muito semelhantes e possuem em

    Georges Gusdorf um denominador comum. Foi Gusdorf o primeiro a sistematizar umaproposta de trabalho interdisciplinar, baseado na constituio de um grupo de especialistasvoltado para pesquisa interdisciplinar nas cincias humanas. O projeto, apresentado aUnesco em 1961, no aconteceu, mas a produo individual do Autor marcou o surgimentoefetivo da rea. Em 1970 a OCDE, organizao econmica dos pases desenvolvidos,promove em Nice, um seminrio internacional sobre o tema e constitui um grupo detrabalho, lanando dois anos depois o primeiro documento que apresentou umasistematizao do interdisciplinar. Neste evento Piaget lana a palavra "transdisciplinar",dizendo que aos trabalhos interdisciplinares deveria suceder uma etapa superior cujasinteraes disciplinares aconteceriam num espao sem as fronteiras disciplinares ainda

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    3/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 3

    existentes na etapa interdisciplinar. A partir desta poca iro surgir os trabalhos de EdgarMorin, E. Jantsch e muitos outros.

    No Brasil o marco inicial da disseminao do interdisciplinar foi o lanamento do livro deJapiassu, com prefcio do prprio Gusdorf, em 1976. Resultado de sua tese de doutoradoconcluda um ano antes em Paris, este livro continua sendo a melhor e maior refernciasobre o tema no Pas. Japiassu apresenta Gusdorf a Ivani Fazenda, que por sua vez,instaura um dos mais eficazes programa de pesquisa sobre interdisciplinaridade naeducao, dedicando toda sua vida, ao longo destes ltimos trinta anos s diversas facetasdo tema, com mais de uma dezena de livros j publicados. Outra referncia o trabalhodesenvolvido pela Universidade Holstica, sob a liderana do tambm francs Pierre Weil,no qual o inter e o trans so abordados como exigncias dos diversos mtodos empregadospara a construo da viso holstica de mundo. Mesmo que por demais enviesada pelacultura francesa, o Brasil j tem uma reflexo madura e extensa sobre a pratica dointerdisciplinar. Vamos ver como este modelo, a seguir.

    2.2 - O modelo interdisciplinar

    As categorias utilizadas para caracterizar a multi e a inter, tanto por Fazenda quanto porJapiassu, so as mesmas. A fonte parece ser a classificao realizada por Jantsch, em1972, que associa a palavra "justaposio" multi e "integrao" inter. Este modelo estrepresentado na Figura 1. A justaposio na multi refere-se aos contedos das disciplinas,enquanto a integrao na inter refere-se s relaes entre os pesquisadores. O termotrans aparece muito pouco na obra destes autores. No de Japiassu, ainda uma novidade.Nos de Fazenda, aparece como uma impossibilidade, uma utopia, com o argumento de quecom sua proposta de transceder as disciplinas, a trans exigiria uma autoridade a serimposta s demais, negando a possibilidade do dilogo interdisciplinar.

    O modelo interdisciplinar destes autores pode ser sintetizado por duas categorias: a decoordenao solidria e a de relaes de parcerias entre as diversas percepes derealidade construdas pelas disciplinas presentes no processo. A leitura da realidadecontinua disciplinar, unidimensional e multireferencial. O esforo de integrao sobre assubjetividades objetivas dos sujeitos envolvidos e no sobre o objeto. O resultado final aformao interdisciplinar do sujeito, a partir de trocas intersubjetivas. O compromisso deste

    modelo - inclundo o movimento holstico, se bem que por outra metodologia - resgatar aunicidade do conhecimento, superando a fragmentao e a disjuno, to bemcaracterizadas por Morin em sua obra e depois resgatado por Capra e tantos outros.

    Com respeito aos esboos metodolgicos - e neste ponto Japiassu continua o mais claro,com sua sntese em cima do trabalho de Roger Bastide -, estes apontam para as seguintesetapas: a) constituio do grupo de pesquisadores, preferencialmente de alguma formainstitucional, para garantir sua estabilidade; b) estabelecimento de conceitos-chaves para apesquisa, o que chamamos hoje de domnio lingstico mnimo; c) a formulao doproblema da pesquisa, a partir dos universos disciplinares presentes; d) a organizao erepartio das tarefas, ou seja, a distribuio das coordenaes gerais e setoriais e aproduo disciplinar de conhecimento e e) a apresentao dos resultados disciplinares ediscusso pela equipe.

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    4/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 4

    MULTIDISCIPLINARIDADE

    Sistema de um s nvel e de objetivosmltiplos; nenhuma cooperao .

    PLURIDISCIPLINARIDADE

    Sistema de um s nvel e de objetivosmltiplos; cooperao mas sem coordenao .

    INTERDISCIPLINARIDADE

    Sistema de dois nvel e de objetivosmltiplos; cooperao procedendode nvel superior .

    TRANSDISCIPLINARIDADE

    Sistema de nveis eobjetivos mltiplos;coordenao com vistas

    a uma finalidadecomum dos sistemas.

    Figura 1.1 - O modelo de Jantsch

    MULTIDISCIPLINARIDADESistema de um s nvel e de objetivosmltiplos; nenhuma cooperao.

    PLURIDISCIPLINARIDADE

    Sistema de um s nvel e de objetivosmltiplos; cooperao mas sem coordenao.

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    5/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 5

    INTERDISCIPLINARIDADE

    Sistema de dois nvel e de objetivosmltiplos; cooperao procedendode nvel superior.

    TRANSDISCIPLINARIDADE

    Sistema de nveis eobjetivos mltiplos;coordenao com vistasa uma finalidadecomum dos sistemas.

    O unidisciplinar: neste plano temos o objeto -- representado pelo cilindro no canto superioresquerdo - sendo observado por apenas um universo disciplinar (UD1), determinando umanica dimenso de realidade e um nico domnio lingstico (1d/1dl) - conforme assinaladono canto superior direito. Como resultado deste modo de produo temos um nico texto(D1).

    O multidisciplinar: neste plano temos o objeto sendo observado por vrios universosdisciplinares (UD1/UD2/UD3), determinando, neste exemplo, trs dimenses de realidade,cada uma com seus respectivo domnio lingstico, justapostos pelo trabalho de reviso deum coordenador (C), (3d/3dl/1c). Como resultado deste modo de produo temos trstextos (D1/D2/D3). Neste modo no h cooperao entre as disciplinas, mas hcoordenao.

    O interdisciplinar: neste plano temos a mesma situao disciplinar do plano multi, s queagora com uma integrao dos respectivos domnios lingsticos de cada disciplina. Estaintegrao permitida, facilitada e orientada pela existncia de uma temtica comum atodas as disciplinas, com a qual elas devero observar o objeto. (3d/3dl/1c/1t). Comoresultado deste modo de produo continuamos tendo trs textos (D1/D2/D3), porm cadaum refletindo parte da realidade com o domnio lingstico das outras disciplinas. Estemodo exige a cooperao e a coordenao entre as disciplinas.

    O transdisciplinar: o que muda de substantivo neste plano a construo de um nicodomnio lingstico, a partir da identificao de zonas de no resistncia epistmica entre asdisciplinas, bem como do foco dado pela temtica, com o qual faz-se, ento, a observaodo objeto (3d/1dl/1c/1t). Como resultado deste modo de produo temos um nico texto(D1/D2/D3), capaz de refletir a multidimensionalidade da realidade. Este modo exigetambm a cooperao e a coordenao entre as disciplinas, mas com o objetivo detransced-las.

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    6/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 6

    O unidisciplinar OS RESULTADOS

    D1

    O multidisciplinar

    O interdisciplinar

    O transdisciplinar

    Figura 1.2 - Os modos de produo do conhecimento

    A crtica. Como poderamos nos ver com os olhos do outro se no fosse a crtica? E odiscurso interdisciplinar, em especial o brasileiro j tem at crtica, e das boas, reunidasnum livro fundamental para o avano do tema, organizado pelos professores Ari PauloJantsch e Lucdio Bianchetti, ambos da UFSC e reunindo uma dezena de artigoscontundentes de desconstruo da interdisicplinaridade como uma nova retomada dafilosofia do sujeito. Crtica esta realizada a partir da filosofia da prxis, com base noreferencial terico do materialismo histrico e dialtico, afirmando uma concepo histrica

    UD1

    UD1 UD2 UD3

    C

    D1

    D2

    D3

    D1

    D2

    D3

    D1/D2

    /D3

    UD1

    UD1

    UD1

    C

    UD2

    C

    3d/3d

    UD3

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    7/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 7

    da interdisciplinaridade. Vamos tentar apresentar os principais pontos deste desmonte: osujeito, o mtodo e a falta de historicidade.

    A crtica ao sujeito interdisciplinar est centrada na idia de "sujeito coletivo", o sujeito queemerge da equipe de trabalho. Esta viso considerada idealista, pois baseada nopressuposto do primado explicativo das idias e de sua autonomia frente ao real, dandosuficincia absoluta ao sujeito pensante sobre o objeto. Este deixa de ser visto como umresultado histrico, perdendo sua caracterstica fundamental de fornecer as condiesobjetivas e mediadoras do processo histrico de produo do conhecimento. Neste sentidoa fabrica tambm um sujeito coletivo, que possui, ento, um pressuposto "taylorista-fordista". A crtica chega ao ponto de dizer que a interdisciplinaridade, vista comoconstruto ideolgico da filosofia do sujeito, nada mais do que uma "filha docapitalismo".

    A crtica interdisciplinaridade enquanto mtodo diz respeito a idia de "pan-interdisciplinaridade", quando ela vista como uma resposta, um remdio a todos os malesda fragmentao do saber. A filosofia da prxis no aceita esta potencialidade mltipla dainterdisciplinaridade, baseada numa apologia da construo de consensos e harmonias edesconhecendo as determinaes histricas, as contradies e a luta de classes no interiorda sociedade. Por fim, a crtica ao sentido a-histrico da interdisciplinaridade, est baseadano fato de que esta no reconhece que as cincias disciplinares so os frutos de maiorracionalidade da histria de emancipao do homem, e no fragmentos de uma unidadeperdida que agora, busca-se desesperadamente reencontrar, atravs dainterdisciplinaridade.

    2.5 - A interdisciplinaridade ambiental

    O discurso ambiental surge na dcada de 70 j associado com a idia deinterdisciplinaridade. Isto porque, mesmo com os seus diferentes enfoques e origens, estediscurso tinha e tem uma caracterstica que comum a todas as abordagens: a dainsuficincia do conhecimento fragmentado para o tratamento da complexidade ambiental.Os dois documentos pioneiros de 1972, o Relatrio da Conferncia de Estocolmo e Relatriodo Clube de Roma "Os Limites do Crescimento" j apresentavam esta necessidade detratamento integrado e cooperativo das diversas cincias. A consolidao do tratamentointerdisciplinar das questes ambientais veio em 1980 com os trabalhos do Programa MAB -

    O Homem e a Biosfera - da UNESCO, e com a exposio "A Ecologia em Ao", da IUCN,referncias estas que posteriormente foram incorporadas ao prprio PADCT/CIAMB.

    Na Amrica Latina, o documento pioneiro tratando do tema foi a Declarao de Cocoyoc, de1974, seguido de diversos outros eventos e pesquisas, cujas principais snteses aparecemno livro organizado por Enrique Leff, em 1986, "Los problemas del conocimiento y laperspectiva ambiental del desarrollo" - na Amrica, Leff a maior referncia sobreinterdisciplinaridade ambiental e vem trabalhando no tema deste 1975 -. Neste livro soapresentados 14 enfoque diferentes sobre a problemtica do conhecimento no tratamentodas questes ambientais, e em todos eles as propostas interdisciplinares aparecem comdestaque. importante ressaltar o senso crtico destas contribuies, cujos autores fazemuma leitura da questo ambiental valendo-se tanto de um referncial terico domaterialismo histrico e dialtico quanto da condio de dependncia econmica de nossospases, retirando, com isto, um carter de ingenuidade ideolgica do discurso ambiental.

    Uma sntese do desafio interdisciplinar no tratamento das questes ambientais fornecidapor Leff, a partir de uma contribuio de Jorge Morello. O processo interdisciplinar deveser: a) dialtico, pois surge das contradies do esforo de integrao dos saberes; b)sistmico, porque exige a anlise das dinmicas e estruturas dos saberes; c) seletivo,porque obriga buscar para cada problema, categorias crticas; d) iterativo, porque umprocesso por aproximaes sucessivas e e) aberto, porque busca um aperfeioamentomtuo entre os saberes.

    2.6 - O Projeto Cubato

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    8/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 8

    Em 1995 a Universidade Federal de Santa Catarina recebeu um financiamento doPADCT/CIAMB, para desenvolver um projeto sobre Tecnologias Ambientais para oDesenvolvimento Sustentvel na Bacia do Rio Cubato, regio da Grande Florianpolis, emSanta Catarina. Este projeto tentou ser um marco com respeito concepo e tratamentointerdisciplinar da produo do conhecimento na questo ambiental. Envolveu trsdepartamentos de engenharia, Sanitria e Ambiental, Rural e Mecnica, o Centro deInformaes Toxicolgicas e dois Programas de Ps-Graduao, o de Engenharia Ambientale o de Agroecossistemas, reunindo por dois anos, mais de 40 pesquisadores, bolsistas e

    profissionais contratados.Na concepo do projeto levou-se em conta, com muita preciso os marcos de refernciado PADCT/CIAMB, bem como do Programa MAB e de outras referncias oriundas da ECO'92. Organizou-se estas referncias em trs instrumentos: a) as diretrizes para o trabalhoambiental; b) as caractersticas do trabalho ambiental e c) os problemas ambientaisglobais. As diretrizes eram dadas pela articulao da produo do conhecimento com aformao de recursos humanos e a disseminao das informaes. As caractersticas forama interdisciplinaridade na produo do conhecimento, a interinstitucionalidade nogerenciamento e articulao do projeto com os diversos setores do governo e ainteratividade com a comunidade da bacia objeto do trabalho. A referncia aos problemasambientais globais diziam respeito a associao do projeto, enquanto uma intervenolocal, com a complexidade ambiental biosfrica, identificando o compromisso dos resultadosem minorar a reduo da camada de oznio, o aumento do efeito estufa, a reduo dabiodiversidade e a poluio das guas.

    A concepo do projeto, na forma de dimenses estratgicas, foi outra caractersticainovadora, bem como a matriz de inter-relaes entre as linhas de ao, com vistas integrao disciplinar. O relatrio final foi escrito atravs da incorporao dosconhecimentos disciplinares produzidos por cada linha de ao a um resgate da histriaambiental da bacia, escolhido, depois de muita discusso, como eixo norteador daapresentao dos resultados.

    3. O PARADIGMA TRANSDISCIP LINAR

    3.1 - A noo de paradigma

    Para esclarecer o leitor sobre os fundamentos desde onde estamos argumentando,necessrio se faz alguns esclarecimentos a respeito da episteme deste pesquisador. Nestetexto usa-se a palavra paradigma conforme a noo dada por Thomas Kuhn, em seusentido latu: o conjunto de valores e crenas que norteia o fazer cientfico de umdeterminado praticante cientfico. Os dois principais paradigmas nos quais nos baseamosso o paradigma da complexidade, conforme proposto por Edgar Morin e o paradigma daautopoisis, proposto por Humberto Maturana e Francisco Varela. O primeiro foi trabalhadoem nossa Dissertao de Mestrado em Sociologia Poltica e o segundo em nossa Tese deDoutorado em Engenharia de Produo.

    O segundo esclarecimento diz respeito ao tipo de saber que estaremos utilizando commaior freqncia na construo do paradigma transdisciplinar: o saber quntico. Um saber o conjunto do conhecimento de um sujeito mais o tipo de raciocnio, a lgica, que estesujeito utiliza para justificar este conhecimento. O saber quntico marcado pela dialgicada pertinncia difusa simultnea, base do raciocnio transdisciplinar, que permitecompreender a realidade de um mesmo objeto possuindo dois comportamentos lgicosdistintos. Ele tambm permite, enquanto saber transiente que , atravessar e comunicar-se, sem entrar em contradio, com os demais quatro saberes constitudos e suasrespectivas lgicas: o saber religioso, o saber filosfico, o saber popular e o sabercientfico.

    Paradigmas e saberes exigem palavras e conceitos, cujos significados sejamcompartilhados pela comunidade de praticantes. Assim a noo de domnio lingstico,conforme proposto por Maturana e Varela, imprescindvel para o entendimento destes

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    9/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 9

    argumentos. Um domnio lingstico um espao no material de representao darealidade, no qual os praticantes deste domnio no possuem dificuldades de entendimentoao utilizarem determinadas palavras e seus respectivos conceitos. Paradigmas, saberes eseus respectivos domnios lingsticos constituem a episteme de um pesquisador, osfundamentos de sua cognio cientfica.

    3.2 - Caracterizao

    O paradigma transdisciplinar pode ser imaginado a partir de trs idias-chaves: amultidimensionalidade do objeto; a multireferencialidade do sujeito e a verticalidade doacessamento cognitivo. Na Figura 1.3 caracterizamos, de forma inicial, estas idias eapresentamos uma possvel arquitetura do paradigma.

    A multidimensionalidade do objeto transdisciplinar diz respeito a existncia de diversasdimenses de realidade para um mesmo objeto. Cada uma destas dimenses construdapela capacidade representativa do universo disciplinar. O universo disciplinar o conjuntodifuso dado pelo domnio lingstico de uma disciplina, pelo praticante disciplinar e por suaepisteme. Em outras palavras, um universo disciplinar caracterizado por cada um dospesquisadores e seus respectivos conhecimentos e paradigmas. Ao interpretar osfenmenos para os quais a sua formao disciplinar o qualificou, o pesquisador percebeuma realidade, dando-lhe sentido lgico e informacional, segundo as lgicas de seusparadigmas e as informaes de seu domnio lingstico. O paradigma transdisciplinar nosimpe a necessidade de reconhecer a existncia de todas as dimenses disciplinarespresentes no processo de investigao.

    A multireferencialidade do sujeito transdisciplinar diz respeito a existncia de diversosnveis de percepo da realidade e ao histrico de referncia do pesquisador, incluindo suaexperincia, suas crenas e seus saberes na construo desta percepo. cada nvel depercepo existe um nvel de realidade. Numa equipe de pesquisa transdiciplinar exigidodo sujeito uma capacidade de transitar por diversas percepes e suas epistemes, cadaqual com seu conjunto de referncias histricas, construdas a partir da experincia vividapor cada um dos pesquisadores participantes.

    A verticalidade do acessamento cognio transdisciplinar diz respeito a existncia de umespao vertical dentro do qual esto dispostas as diversas zonas dimensionais de realidadese percepes, para as quais o transitar cognitivo do sujeito d-se sem resistnciaepistmica, conceitual e lingstica.

    VERTICALIDADEDO ACESSAMENTO COGNITIVO

    ESPAO DETRANSIO ZONA DESEM RESISTNCIA PERTINNCIA

    DISCIPLINAR

    NVEL/DIMENSO UNIVERSODE REALIDADE E DISCIPLINARPERCEPO

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    10/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 10

    ESPAO

    TRANSDISCIPLINAR

    UNIVERSODISCIPLINAR

    3.3 - O raciocnio transdisciplinar

    Vamos agora detalhar os dois elementos cognitivos principais constituintes do raciocnio doparadigma e que esto presentes nas trs idias-chaves de sua arquitetura. So eles algica do raciocnio transdisciplinar e as zonas de no resistncia.

    A lgica do raciocnio transdisciplinar de natureza difusa, no binria. O seu fundamentofsico dado pela fsica quntica e o matemtico pelos conjuntos difusos. Considere os trsaxiomas da lgica binria:

    - o princpio da identidade, onde A igual a A;- o princpio da no-contradio, onde A no no-A e

    - o princpio do terceiro excludo, onde no existe um terceiro elemento T que possa aomesmo tempo ser (ou estar em) A e no-A.

    A estrutura racional desta lgica consiste na premissa de que a existncia de um elementonum determinado conjunto implica, necessariamente, a sua no existncia num outroconjunto qualquer. Esta premissa evita a contradio de um objeto ser e no ser, estar eno estar ao mesmo em espaos diferentes. A lgica difusa rompe com esta premissa, sementretanto contrari-la. Primeiro porque ela interbinria, acontecendo no espao entre A eno-A, e segundo porque ela interdimensional, explicitando o elemento excludo numadimenso outra que aquela onde acontece A e no-A. Assim, os pares de contraditriosesto sempre no mesmo nvel de realidade, e continuam satisfazendo o primeiro e osegundo princpios da lgica binria. Esta condio tambm satisfaz a lgica dopensamento taoista, da unidade dos contrrios. O problema reducionista surge quandoconsideramos o terceiro excludo no mesmo nvel de realidade dos pares de contraditrios,e sucedendo no tempo a ocorrncia destes.O raciocnio transdisciplinar considera a possibilidade de uma dialgica de pertinncia

    simultnea, no contraditria, entre A e no-A e entre estes e T. Para tanto faz-senecessrio a existncia de nveis de realidade para um mesmo objeto ou fenmeno. Doponto de vista fsico mais imediato, existe pelo menos dois nveis de realidade a seremconsiderados: o macro-fsico e o quntico. Do mais geral, a quantidade destes nveis podeser considerada infinita.

    As zonas de no resistncia constituem o espao privilegiado do fenmeno transdisciplinar.Os conceitos de pertinncia, da matemtica difusa e de afinidade, que emerge a partir doprimeiro, so suficientes para explicar o que so as zonas de no resistncia.

    A cada nvel de realidade observada corresponde um nvel de percepo do observador. Aoconsiderar a dialgica do terceiro includo, possvel estabelecer a existncia simultnea departes de um mesmo elemento em dois nveis diferentes de realidade. esta possibilidadechamamos pertinncia de T em relao A e em relao no-A. Esta pertinncia ,inicialmente, de natureza quntica e portanto, material. Significa dizer que em todas asdimenses de realidades representativas de um objeto, existe uma certa quantidade dematria comum todas as dimenses. Quando dois ou mais observadores - que no enfoquedeste texto significam os pesquisadores ambientais - conseguem reconhecer suaspertinncias, atravs do resgate de seus histricos de vida e de suas origens, abre-se umapossibilidade de segunda ordem, que a identificao de suas afinidades, atravs dasimples revelao de suas crenas, valores e gostos. Esta afinidade um sentimento, uma

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    11/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 11

    emergncia, e portanto, uma realidade no material. Pertinncia e afinidade constituem,ento, um espao dimensional no qual tanto a realidade representada - constituda dematria quntica - como a percepo que a representa - constituda de sentimentos -, socomuns a cada um dos sujeitos, fazendo parte de sua autopoisis. Assim sendo, estesespaos no apresentam resistncia ao esforo cognitivo do sujeito. Se imaginarmos agoraum fluxo vertical de energia - que pode ser entendido tambm como um fluxo deinformao - passando por estes espaos dimensionais, temos a uma zona vertical deacessamento cognivo, cuja principal caracterstica no apresentar resistncia ao trabalho

    de uma equipe de pesquisadores, tais como a construo de domnios lingsticos, aconcepo de estratgias, a experimentao de modelos, a produo de snteses, avisualizao criativa e mesmo a formalizao matemtica.

    As zonas de no resistncia enquanto uma vertical de acessamento cognitivo simultneoentre os diversos nveis de realidade, so uma unidade aberta e dizem respeitoexclusivamente a autopoisis do sujeito e sua capacidade de aprender com o seu prpriooperar bem como com o operar do outro.

    3.4 - As implicaes epistmicas do paradigma transdisciplinar

    Vamos considerar agora as principais implicaes epistmicas do paradigmatransdisciplinar.

    O sujeito transdisciplinarO sujeito sempre aquele que observa, o observador. sempre aquele que percebe, o

    pesquisador. Este pesquisador torna-se um sujeito transdisciplinar quando consegue:a) identificar sua pertinncia disciplinar especfica e construir sua insero no espao deno resistncia com os demais pesquisadores, eb) transitar sem resistncia pelas demais pertinncias oriundas das outras disciplinas.

    Para que isto acontea necessrio que o sujeito saiba identificar suas duas prpriasdimenses de realidade: a macrofisica e a quntica, cada qual com a sua ontogenia -histria das mudanas estruturais que mantiveram a organizao do seu ser - e ontologia -histria da natureza deste ser enquanto ser - no espao nico de seu corpo e esprito. Estasduas dimenses permitem ao pesquisador ver-se tanto como um especialista disciplinar,com um corpo macrofsico e com um domnio lingstico privilegiado sobre um determinadonvel de realidade, dado pela competncia de seu universo disciplinar, bem como com umacapacidade cognitiva, espiritual, de acessar as zonas de no resistncia comuns a todos osdemais pesquisadores. Na medida em que este pesquisador acessa estas zonas, emconjunto com os demais pesquisadores da equipe, tem-se a a configurao quntica dosujeito transdisciplinar. Este sujeito , portanto, uma emergncia dos sujeitos macrofsicose de suas respectivas percepes da realidade e suas zonas complementares de noresistncia.

    O objeto transdisciplinar

    A dimenso de realidade percebida pela competncia do universo disciplinar uma zona deno resistncia disciplinar. Esta realidade, entretanto, sempre uma reduo dacomplexidade ontolgica da realidade. A construo da idia de objeto transdisciplinarresulta da compreenso da natureza ontolgica e complexa da realidade e que esta no possvel de ser captada de forma unidimensional e unireferencial. A construo desteobjeto exige do sujeito um desapego a todas as formas de vises fundamentalistas demundo, sem necessariamente desacredit-las. A transdisciplinaridade no prescinde nemexclui os demais modos de interpretar o mundo, apenas mostra o quanto suas lgicas soreducionistas. Se a realidade ontolgica - existe independente do domnio lingstico doobservador em represent-la - e complexa - possui resistncias no explicitadas todas asdisciplinas - ento sua representao disciplinar sempre reducionista, revelando apenasparte de sua complexidade e ontologia. Na medida em que os pesquisadores consigamidentificar a sua contribuio disciplinar de representao da realidade que possa sertambm explicativa da complexidade de um outro nvel de realidade, est a o construto do

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    12/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 12

    objeto transdisciplinar. Este objeto, assim como o sujeito que o concebe, umaemergncia dos diversos nveis de realidade e de suas zonas de no resistncia.

    O modelo transdisciplinar de realidade

    A idia de sujeito e objeto que acabamos de ver necessita de um terceiro elemento paradar equilbrio e consistncia ao paradigma transdisciplinar e vislumbrar seu modelo derealidade. Apesar de serem emergncias e, portanto, realidades no materiais, tanto osujeito como o objeto transdisciplinar repousam sobre a materialidade racionalizvel dosujeito enquanto pessoa - uma subjetividade objetivada pela natureza - e do objetoenquanto natureza - uma objetividade subjetivada pelo sujeito. necessrio um terceiroelemento no passvel de racionalizao, que permita exatamente a existncia dialgica dosoutros dois. Este elemento a vertical de acesso cognitivo s zonas de no resistncia dasdimenses de realidade do objeto e de percepo do sujeito transdisciplinar. Esta verticalpossui dois sentidos e mltiplas referncias dialgicas: enquanto em um circula informao,no outro conscincia. Num liberdade, no outro responsabilidade. Se em um vem a flecha dotempo macrofsico, no outro vem o tempo reversvel do mundo quntico. Esta dialgica impossvel de ser racionalizada e formalizada matemticamente. Este espao portanto oespao do sagrado. O sagrado, enquanto experincia vivida, representa o terceiro que seinclui para dar sentido a dialgica entre sujeito e objeto na representao transdisciplinarde uma realidade.

    Os principais desvios

    A palavra desvio neste texto vem com o contexto dado por Maturana e Varela, em suateoria da deriva natural dos sistemas cognitivos. Desvio, portanto, uma derivao dentrodo campo de todas as possibilidades de acontecimento, ou seja, do campo epignico noqual acontece as diversas filogenias coletivas e ontogenias individuais. O principal desvio docaminho transdisciplinar, ele prprio uma derivao na epignese da construo doconhecimento, a confuso em torno dos nveis de realidade e seus respectivos nveis depercepo. Cada um destes nveis so irredutveis e descontnuos. Ou seja, no se devepretender explicar um nvel a partir do domnio lingstico de outro, pois isto significa areduo dos dois nveis de realidade a um s, pela re-excluso do terceiro elemento. As leisque explicam a complexidade de um determinado nvel de realidade no so suficientes ou

    vlidas para um outro nvel. O mesmo raciocnio reducionista pode ser aplicado para osnveis de percepo, cuja descontinudade garante o critrio da multireferencialidade. No possvel reduzir as diferentes percepes a uma nica, por mais privilegiada que ela seja.Esta irredutibilidade e descontinuidade das dimenses a condio da dialgicatransdisciplinar para garantir a complexidade da realidade, existente no s como umconstruto cognitivo, expressado atravs da linguagem, mas tambm como uma entidadeontolgica, existindo a revelia do sujeito.

    A atitude transdisciplinar

    Fechando esta apresentao do paradigma, gostaramos de comentar as trscaractersticas essenciais da atitute transdisciplinar: o rigor, a abertura e a tolerncia e comisto abrir a perspectiva metodolgica. O rigor diz respeito ao uso da linguagem comoprincipal elemento mediador da dialgica ternria do transdisciplinar, dando qualidade narelao entre os sujeitos e seus contextos. A abertura diz respeito a possibilidade doinesperado na construo do conhecimento advindo das zonas de resistncia entre sujeito eobjeto. J a tolerncia significa o reconhecimento das posies contrrias e que estaspodem avanar ou no no campo epignico das idias. O futuro, do ponto de vistatransdisciplinar, no est determinado nem construdo a priori. H que se decidir por ele nopresente.

    4. A PERSPECTIVA METODOLGICA

    4.1 - A necessidade metodolgica

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    13/18

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    14/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 14

    AFETIVO

    D1

    SUJEITOR : RetroalimentaoD1: Nveis dimensionais de percepo e realidadeVAC: Verticalidade de Acessamento Cognitivo

    Figura 4 - A Perspectiva Metodolgica Transdisciplinar

    4.2 - Comeando pelas emoes

    Por trs razes. Primeiro porque a degradao resultado de uma racionalidade, no qual aeficcia justifica-se por si s. tautolgica. A conscincia da degradao no basta parareverte-la. O racional somente no convence, insuficiente. Precisamos de um novo pontode partida. Segundo porque a transcedncia a primeira exigncia do transdisciplinar. Eno se transcende pelo racional. Terceiro porque a finalidade intrnseca do trans o

    religare do conhecimento. No podemos recomear pela mesma capacidade analtica edisjuntiva, dada pelo racional. O ponto de partida, portanto, so as emoes e nossacapacidade autopoitica de emocionar o outro e nos emocionar. A referncia bsica destaproposio dada pela obra de Maturana, na qual as emoes so disposies corporaisque definem as aes do sujeito e seu acoplamento estrutural com o ambiente que lhecerca. As emoes, portanto, esto abaixo dos paradigmas com os quais o sujeito percebeo mundo que v. Do ponto de vista cientfico, enquanto os paradigmas constituem aepisteme do conhecimento, as emoes so a episteme dos paradigmas. E entre asemoes fundadoras do humano est o amor, esta disposio corporal de aceitao dooutro como um legtimo outro na convivncia.

    A perspectiva metodolgica da dimenso afetiva tem sido construda atravs de trsabordagens: a cooperativa, a esttica e a cognitiva. A primeira produz um emocionarvoltado para o religare do sujeito com o universo, o ambiente local e as pessoas, atravsdos conceitos de pertinncia, afinidade e solidariedade. A segunda produz um emocionarvoltado para o reconhecimento da esttica - de feira e de beleza - do acoplamentoestrutural do sujeito com o seu ambiente, atravs dos conceitos de essncia, criatividade eesttica, e a terceira abordagem trabalha o emocionar pela capacidade de representao daintersubjetividade, atravs da tcnica de construo de texto coletivo.

    Ao comear pelas emoes, a metodologia transdisciplinar prope e assume o emocionarcomo um recurso cognitivo legtimo para a construo de um conhecimento comprometidocom o religare do homem com sua felicidade, com sua humanizao. A disciplina cujo nvelde eficcia no consiga justificar-se por esta finalidade, perde sua transcedncia, perde suaconscincia, perde sua cincia.

    4.3 - Construindo o domnio lingstico da sustentabilidadeNa dimenso anterior, o par de contraditrio representado pela disjuno entre as

    pessoas e o ambiente. O resultado desta disjuno a degradao. A dialgica difusasimultnea do transdisciplinar prope o religare deste binrio atravs das emoes - e seusdesdobramentos sensitivos, intuitivos e sentimentais - de forma a levar as pessoas a seperceberem no s como parte do ambiente - e do universo - mas tambm levando-odentro de si. Esta relao, entretanto, est em aberto nesta dimenso e somente secompleta com o terceiro elemento includo na dimenso superior, a conceitual, que trata dequalificar a transcedncia inicial do sujeito atravs de um conjunto mnimo de conceitosintrodutrios ao paradigma da sustentabilidade.

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    15/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 15

    As referncias bsicas para o termo "domnio lingstico" so Habermas, com sua Teoria daAo Comunicativa e Maturana, com a sua Biologia do Conhecimento. Domnio lingsticosignifica o espao no material de significaes semelhantes de uma mesma realidade,compartilhado consensualmente por um conjunto de pessoas. As noes de paradigma e deuniverso disciplinar ficam mais esclarecidas quando associadas a seus respectivos domnioslingsticos. Fora destes domnios no h comunicao, no h sociedade.

    Esta dimenso conceitual resgata o histrico da etapa inicial da metodologiainterdisciplinar, a de construo de conceitos-chaves. Mas seu objetivo no se resume autilizao destes conceitos no domnio disciplinar, e sim, dar amplitude qualificada aoespao vertical de acessamento cognitivo ao trans, aberto com as emoes. Ela tem sidoconstruda a partir de cinco conceitos operativos - BIOSFERA, AMBIENTE, CIDADANIAAMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E SADE INTEGRAL - e cinco erashistricas de resgate das relaes entre a sociedade e a natureza -- ERA DE FORMAODOS ECOSSISTEMAS, ERA DE FORMAO DO AMBIENTE, ERA DO INCIO DADEGRADAO, ERA DA CRISE ATUAL E ERA DAS RELAES SUSTENTVEIS. Ao participarda construo de cada conceito e sua respectiva era histrica, o participante tem aoportunidade de aportar todo o conhecimento especfico de seu universo disciplinar, cujasessncias integraro o texto coletivo, na medida em que tambm fizerem sentido para osdemais participantes. O domnio lingstico ento construdo exatamente a zona detransio sem resistncia que vai conformar o espao transdiciplinar e a verticalidadecognitiva.

    4.4 - Planejamento estratgico da pesquisa

    O par de contraditrios na dimenso conceitual dado pela disjuno entre o conjunto deconceitos do paradigma da sustentabilidade e o conjunto de conceitos de cada uma dasdisciplinas envolvidas. Na lgica binria estes contedos esto incomunicveis. Mesmoporque a existncia do conjunto da sustentabilidade muito recente. Se considerarmos asprimeiras medidas do rompimento da camada de oznio, ocorridas em 1985, como ainformao cientfica que fechou o ciclo argumentativo da existncia da crise global desustentabilidade do Planeta, temos pouco mais de dez anos apenas.

    A perspectiva metodolgica prope a construo da pertinncia difusa entre estes doisconjuntos atravs da qualificao do pesquisador e da adequao e reviso de seu universo

    disciplinar. A dialgica se complementa com a identificao do terceiro includo nadimenso superior, a do planejamento estratgico da pesquisa, que permite ao participantea visualizao dos riscos e oportunidade de cada uma das perspectivas do desenvolvimentocientfico, e de sua relao com a sociedade e a natureza. Se continua na via disciplinarfragmentadora ou se assume a abertura em direo sustentabilidade.

    Tem-se trabalhado a dimenso estratgica com uma metodologia resultante da articulaode trs referncias bsicas: a metodologia de planejamento estratgico para o setor pblicoe sem fins lucrativos proposta por John Bryson; a concepo de estratgia de HenryMintzberg e o raciocnio dialgico do paradigma da complexidade. As etapas so asseguintes: o acordo inicial entre os diversos participantes individuais e institucionais; oresgate do histrico do movimento da sustentabilidade, introduzindo o participante na ondacivilizatria do desenvolvimento sustentvel; a identificao do mandato atual normativo donovo estilo de desenvolvimento - conjunto de leis reguladoras da degradao e promotorasda sustentabilidade -; a construo da misso da equipe, criando o foco coletivo detrabalho; a elaborao do diagnstico estratgico, elemento analtico dialgico fundamentalpara a construo da relao com o par de contraditrio da dimenso anterior; aformulao de estratgias e a construo da viso de sucesso, mediante o emprego detcnicas de visualizao criativa.

    4.5 - Concepo e escrita do projeto

    O par de contraditrios da dimenso estratgica dado pela realidade de contrriosrevelada no diagnstico estratgico. Na anlise do ambiente interno, por exemplo, temosdificuldade de ver a possibilidade de transformar, reduzir ou eliminar os pontos fracos em

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    16/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 16

    funo da valorizao dos pontos fortes. Da mesma forma na anlise do ambiente externo:como transformar, reduzir ou evitar os riscos e ameaas em funo do aproveitamento dasoportunidades. Isto porque, em se tratando do setor pblico, que onde nos situamos,acreditamos muito pouco no poder da educao em mudar as culturas polticas einstitucionais vigentes. A dialgica estratgica da anlise destes ambientes incompatvelcom a lgica binria. A realidade destes ambientes considerada imutvel no curto prazo.Ela, a dialgica, s adquire sentido prtico quando do esforo da equipe em consider-la naconcepo e escrita do projeto de pesquisa, finalmente. Esta concepo estratgica, na

    qual considerada todos os produtos do planejamento estratgico realizado na dimensoanterior, constitui-se no terceiro elemento da lgica ternria transdisciplinar.

    A construo da dimenso conceptiva a de maior satisfao cognitiva ao participante.Tem-se trabalhado esta etapa com trs caractersticas: a) resgatando a idia decoordenao solidria j proposta pela interdisciplinaridade. O coordenador estabelece-sepor sua capacidade mediadora, muito mais do que por sua competncia de conhecimentointer e transdisciplinar, sendo esta, porm, fundamental. A capacidade mediadora resultado domnio do raciocnio dialgico, valorizador das contribuies de cada um dosparticipantes, e do poder objetivante em cima das propostas. Estas, apesar de jincorporarem o domnio lingstico transdisciplinar construdo anteriomente, ainda vem comforte vis disciplinar. b) A concepo dimensional da pesquisa a caracterstica seguinte.Ela acontece atravs da identificao de dimenses que atendam as estratgias formuladasna dimenso anterior. Eixos verticais trespassando as dimenses so facilmenteidentificados. So os focos dados pela misso e pela viso de sucesso. Surge o fractal doProjeto. c) A terceira caracterstica o detalhamento fractal, que consiste na aplicao dofractal do projeto s linhas de aes, construindo assim a estrutura de acoplamento decada ao individual e disciplinar ao espao transdisciplinar.

    4.6 - Aprendendo com o operar

    O par de contraditrios da dimenso conceptiva dado pela tenso essencial que seestabelece entre a concepo da pesquisa formulada pela equipe e a realidade ontolgicasobre a qual o projeto ir atuar. O primeiro um universo no material, construdo comuma dialgica de pertinncia difusa simultnea, o segundo o universo real, onde estopresentes, tambm de forma difusa e simultnea, todas as relaes naturais e antrpicasque fazem do ambiente a complexidade que . Pela lgica binria, a comunicao entre

    estes dois universos tende ao fracasso, "porque a teoria, na prtica, outra". Ametodologia transdisciplinar deve ser capaz de tornar esta relao binria a mais tnuepossvel, e para tanto estamos usando a cognio como o elemento mediador destacontradio. A cognio enquanto capacidade do sujeito de aprender com o seu prpriooperar no ambiente que lhe cerca. Ela o terceiro includo que est presente na dimensosuperior, a da produo do conhecimento.

    A dimenso cognitiva trata da produo do conhecimento das diversas linhas de ao doProjeto. Temos trabalhado-a com os seguintes aportes: a) o epistmico, dado pelo trabalhosempre presente da discusso com a equipe, dos fundamentos paradigmticos de nossaprtica enquanto pesquisador comprometido em realizar uma "cincia com conscincia".Este aporte o responsvel pela atitude de abertura exigida pelo paradigmatransdisciplinar. Destacamos a importncia cotidiana do paradigma da autopoisis e dosaber quntico. b) O pedaggico tem sido responsvel pela permanente disposio aprendizagem e a construo coletiva do conhecimento, tanto no interior da equipe como

    junto comunidade. Muito tem ajudado uma seqncia pedaggica construtivista,sintetizada ao longo destes ltimos anos e que tem no paradigma da autopoisis e naemoo fundadora do amor a sua episteme. Este aporte o responsvel pela atitude datolerncia. c) O metodolgico o que nos garante o rigor do processo. Utiliza-se ametodologia histrica das cinco eras. Todo o conhecimento disciplinar produzido tendo-acomo eixo condutor. Assim, as cincias naturais so orientadas para produzir asinformaes bsicas de caracterizao da dinmica da natureza e as cincias sociais adinmica da sociedade, incluindo, conforme o momento histrico, as informaes dasdemais cincias ambientais.

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    17/18

    www.cetrans.com.br CETRANS Centro de Educao Transdisciplinar 17

    4.7 - A busca da efetividade

    O par de contraditrios da dimenso cognitiva uma relao de poder. Do poderagregador das informaes produzidas e dos conhecimentos construdos pelo Projeto contrao poder desagregador das culturas polticas e institucionais vigentes sobre o ambientetrabalhado. Pela lgica binria esta relao no mnimo ingnua, pois trata de pedir aopoder que mude a si prprio. Pela dialgica transdisciplinar, esta uma relao aindaincerta e no sabida. No temos resultados consistentes e abrangentes de incorporao dosavanos de uma viso menos fragmentada nas polticas pblicas e empresarias para atestarum futuro de sucesso. H indcios, apenas.

    Como estamos trabalhando esta incerteza, do ponto de vista metodolgico? Definindo ogerenciamento autopoitico da informao como o terceiro includo na dimenso superior.O gerenciamento simultneo da informao uma caracterstica comum das duas esferascontraditrias de poder. Ele hoje possvel e factvel graas revoluo da informtica. Oque estamos propondo que os projetos ambientais, com perspectivas de investigaointer e transdisciplinar, tenham oramentos explcitos de redes informatizadas degerenciamento das informaes produzidas, para acesso e utilizao da sociedadediretamente envolvida pelo projeto.

    Esta dimenso do efetivo ainda est por ser consolidada na metodologia transdisciplinarcom a qual estamos trabalhando. Mas podemos adiantar algumas de seus elementos: eladiz respeito a relao entre a eficincia dos diversos fluxos de informao e conscincia doprocesso transdisciplinar com a eficcia de aplicao de seus resultados junto a sociedade.A lgica binria trata eficincia e eficcia de forma disjuntiva. Uma pode acontecerindependente da outra. Isto porque na viso desagregadora de mundo, a racionalidade instrumental, podendo estas duas qualidades serem plenamente autojustificveis. Aeficcia pela eficcia. A eficincia pela eficincia. Na viso sustentvel de mundo isto no possvel, pois a racionalidade da sustentabilidade substantiva, ou seja, no h como osfins justificarem os meios. Estes necessitam tambm de justificativas. Na dialgicatransdisciplinar, a eficcia da economia e a eficincia dos processos produtivos no se

    justificam por si s.

    4.8 - Fechando o ciclo

    O par de contraditrios da dimenso efetiva dado pela relao entre eficincia e eficcia.O terceiro includo que completa a dialgica ternria est na emergncia desta relao, que a efetividade, entendida como o nvel de satisfao subjetiva de uma comunidade comrespeito a uma determinada iniciativa. Este terceiro elemento encontra-se justamente naprimeira dimenso trabalhada por este esboo, a dimenso afetiva. exatamente quando aefetividade encontra-se com a afetividade que a transdisciplinaridade cumpre o seu papelde auxiliar homens e mulheres a construir um mundo melhor. O universo das emoes,exatamente por ser subjetivo, que pode fornecer as justificativas ltimas para a avaliaoda efetividade de um projeto que pretende ser um instrumento de religao das pessoascom elas mesmas, com as outras e com a natureza ocupada por todas elas.

    Com esta retroalimentao, fecha-se, operacionalmente, o ciclo da pesquisa e abre-se ociclo das possibilidades de mudanas sociais e civilizatrias.

    A descrio desta perspectiva metodolgica permite apontar as seguintes sugestesoperacionais para o financiamento de pesquisas ambientais, com interesse em avanosmetodolgicos nos modos de produo do conhecimento:

    - com respeito a inter e a transdisciplinaridade, incluindo seus fundamentos, a capacitaointerna das equipes interessadas deve ser induzida pelo Programa;- o acompanhamento dos consultores do Programa deve ser mais efetivo;- encontros de intercmbio entre as equipes devem ser previstos regularmente;- deve ser incentivado a contemplao de redes informatizadas de gerenciamento dainformao para uso da sociedade;- existncia de instrumentos de avaliao processual e metodolgico.

  • 8/6/2019 o-paradigma-transdisciplinar

    18/18