criatividade em uma perspectiva transdisciplinar: rompendo

307

Upload: doandien

Post on 07-Jan-2017

305 views

Category:

Documents


55 download

TRANSCRIPT

  • CRIATIVIDADE EM UMA PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR

  • OLZENI COSTA RIBEIROMARIA CNDIDA MORAES

    CRIATIVIDADE EM UMA PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR

    Rompendo crenas, mitos e concepes

    BrasliaUnesco, 2014

  • proibida a reproduo total ou parcial desta publicao, por quaisquer meios, sem autorizao prvia, por escrito, da editora e do Programa de Mestrado e Doutorado em Educao da UCB.

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1999, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Coleo Juventude, Educao e Sociedade

    Comit EditorialAfonso Celso Tanus Galvo, Clio da Cunha, Cndido Alberto da Costa Gomes, Carlos ngelo de Meneses Sousa, Geraldo Caliman (Coord.), Luiz Sveres, Wellington Ferreira de Jesus

    Conselho Editorial ConsultivoMaria Teresa Prieto Quezada (Mexico), Bernhard Fichtner (Alemanha), Maria Benites (Alemanha), Roberto da Silva (USP), Azucena Ochoa Cervantes (Mexico), Pedro Reis (Portugal).

    Conselho Editorial da Liber Livro Editora Ltda.Bernardete A. Gatti, Iria Brzezinski, Maria Celia de Abreu, Osmar Favero, Pedro Demo, Rogrio de Andrade Crdova, Sofia Lerche Vieira

    Capa: Edson FogaaIlustraes: Marcos Rodrigo RibeiroReviso: Jair Santana de MoraesDiagramao: Samuel Tabosa de CastroImpresso e acabamento: Cidade Grfica e Editora Ltda.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    R484c

    Ribeiro, Olzeni CostaMoraes, Maria Cndida

    Criatividade em uma perspectiva transdisciplinar: rompendo crenas, mitos e concepes / Olzeni Costa Ribeiro; Maria Cndida Moraes Braslia: Liber Livro, 2014.

    312 p. : 24 cm.

    ISBN: 978-85-7963-121-4

    Universidade Catlica de Braslia. UNESCO. Ctedra UNESCO de Juventude, Educao e Sociedade.

    1. Criatividade. 2. Aprendizagem. 3. Inovao. 4. Complexidade. 5. Transdisciplinaridade. I. Ttulo.

    CDU: 159.954

    ndices para catlogo sistemtico:1. Aprendizagem : Criatividade 159.9542. Criatividade : Aprendizagem 159.954

    Ctedra UNESCO de Juventude, Educao e SociedadeUniversidade Catlica de BrasliaCampus I, QS 07, lote 1, EPCT, guas Claras71906-700 Taguatinga DF / Fone: (61) 3356-9601 [email protected]

    Liber Livro Editora Ltda.SHIN CA 07 Lote 14 Bloco N Loja 02Lago Norte 71503-507 Braslia-DF

    Fone: (61) 3965-9667 / Fax: (61) [email protected] / www.liberlivro.com.br

    mailto:[email protected]:[email protected]://www.liberlivro.com.br

  • Em um futuro bem prximo, a sociedade ter, no tocante criatividade, a mesma conscincia que tem hoje em dia sobre a universalidade da educao. Dito com os termos do enunciado: a educao da criatividade ser uma exigncia social.

    Saturnino de la Torre

  • Para aqueles que tm mostrado interesse em indagar a criatividade, para aqueles que tm tentado desenvolv-la em si mesmos,

    para aqueles que tm tentado estimul-la nos outros, para aqueles que tm feito dela um caminho

    que os levem felicidade e d plenosentido s suas vidas [...].

    Saturnino de la Torre

    Dedicamos este livroa todos aqueles que se sentem inconformados

    com os rumos da educao,da sociedade, da humanidade, e que desejam

    abrir os horizontes para novas perspectivas.O primeiro passo est sendo proposto:

    compreender a fora vitalda criatividade humana.

    As Autoras

  • RECONHECIMENTO

    [...] A vida no uma sonata que para realizar sua beleza tem de ser tocada at o fim [...] ao contrrio, [...] a vida um lbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efmero que seja, uma experincia completa que est destinada eternidade. Um nico momento de beleza e amor justifica a vida inteira.

    Rubem Alves

    Este livro resulta de uma pesquisa de mestrado desenvolvida pela autora, Olzeni Costa Ribeiro, e orientada pela tambm autora, Maria Cndida Moraes. A partir desse estudo, percebemos a situao crtica em que se encontra a criatividade como fenmeno vital sobrevivncia da sociedade humana em seus processos de evoluo. Reconhecemos a relevante contribuio de todo o arcabouo de conhecimentos construdo at este sculo, contudo, entendemos que seus efeitos sobre a realidade atual, no que concerne expresso dos processos criativos, exigem novos olhares e o acolhimento de novas perspectivas. urgente que tornemos legtimos e coloquemos em prtica todos os benefcios ditos como caractersticas de um perfil criativo em prol do estudo e da aplicao da prpria criatividade. H muito, tantas construes relevantes vm se refletindo, de certo modo, como algo inoperante e nocivo ao progresso de uma rea de estudo que parece se aproximar (se j no chegou) de um processo de estagnao provocado pela falta de oxignio, de vitalidade e de produtividade.

    Temos de reconhecer, entretanto, a ao das minissonatas que, dia a dia, nos permitiram compreender tudo isso e, com elas, nos inspirarmos para provocar a sinergia dos movimentos da orquestra, enriquecendo a travessia para alcanar essa fecunda experincia de imerso nos processos de construo do conhecimento.

  • Nosso profundo reconhecimento ao querido amigo Prof. Clio da Cunha. Grande mestre, sensvel a tudo que se prope a melhorar a educao e que se coloca como mediador de momentos nicos de beleza, concretizando sonhos que justificam uma vida inteira. Sua trajetria testemunha, inspira e ilumina outros caminhantes que desejam ousar seus passos na direo de romper ciclos que se configuram como danosos evoluo da cincia e da educao.

    E, de modo muito especial, reconhecemos o empenho da instituio Universidade Catlica de Braslia (UCB), na pessoa de seu atual reitor, Prof. Dr. Afonso Galvo, em fomentar iniciativas arrojadas que busquem divulgar os frutos e os benefcios da pesquisa cientfica, dando um testemunho visionrio de percepo das emergncias e das demandas fundamentais que competem sua misso, que , antes de tudo, garantir a excelncia na qualidade da educao. Somos gratas pelas suas excelentes contribuies sociedade e educao, e pelo respeito e incentivo nossa construo intelectual, a partir da qual pudemos compartilhar nossas inquietaes acerca dos caminhos atuais da criatividade.

  • SUMRIO

    Apresentao/Prlogo ...................................................................................... 15

    Prefcio ........................................................................................................... 25

    Introduo Do ponto de vista transdisciplinar... .......................................... 31

    CAPTULO 1 Descortinando novos cenrios de expresso da criatividade ... 41

    Contextualizando os caminhos da aprendizagem ............................................. 41Pressupostos dos cenrios para sentipensar ........................................................ 44Autoconhecimento: ferramenta de acesso s construes criativas .................... 48

    Cenrio para sentipensar: A floresta do alheamento ................................... 48Experincia do fluxo: porta de acesso aos processos criativos ............................ 52Eu epistmico: protagonismo pessoal na busca da mudana de paradigma ....... 61Caminhos percorridos na mudana de direo ................................................. 64A expectativa de um novo cenrio para compreender a criatividade ................. 72A emergncia da singularizao: uma reflexo imprescindvel .......................... 74Primeiros sinais de escavao: pistas de (in)convergncias na literatura ............ 77Necessidade de um questionamento construtivo .............................................. 81Pressupostos desse novo cenrio ....................................................................... 85

    A complexidade na criatividade ............................................................... 88A criatividade na complexidade ............................................................... 89Criatividade na perspectiva do olhar transdisciplinar ............................... 93

  • CAPTULO 2 Criatividade: questes conceituais ......................................... 97

    Ponto de partida: um panorama conceitual .....................................................97Imergindo no contexto: o que ou onde est a criatividade? ..........................108Novos caminhos para a criatividade ...............................................................116Inovando princpios, ressignificando interpretaes .......................................118Criatividade: uma nova ordem no cenrio da literatura ..................................121

    A criatividade na dimenso da evoluo dos seres ..................................139A criatividade como evoluo da natureza .............................................142Criatividade presente na subjetividade do ser ........................................144Criatividade transdisciplinar: a teoria do corpo-criante ..........................146

    Problemas na compreenso da criatividade: o enfoque paquidrmico.............149Equvocos de natureza ...........................................................................155Equvocos de enfoque ...........................................................................156Equvocos de fundo...............................................................................160Consequncia dos equvocos de fundo para a cincia .............................160

    Os problemas conceituais e suas implicaes .................................................162Dicotomia pensamento divergente versus pensamento convergente .......162Criatividade e o paradoxo no processo de gerar ideias ............................166Criatividade e imaginao .....................................................................168Criatividade e inovao .........................................................................172

    Viso restrita: um obstculo compreenso da criatividade ...........................174Para construir a imagem preciso quebrar o espelho .............................175Expectativa de romper crenas, mitos e concepes ...............................178Cenrio para sentipensar: O conflito de identidade entre o ser e o vir-a-ser ...178Como reconstituir o paquiderme? .........................................................181

    Caminhando para novas perspectivas ............................................................183Uma viso copernicana da criatividade ..................................................186Uma verso da concepo sistmica da criatividade ...............................192Dez dimenses da complexidade humana encontradas nas pessoas criativas 198 Uma viso potica e interacionista da criatividade .................................202Uma viso interativa e psicossocial da criatividade .................................205Cenrio para sentipensar: Uma histrica verdica....................................205Criatividade paradoxal ..........................................................................214Cenrio para sentipensar: A evoluo humana de R. ...............................214

  • CAPTULO 3 Criatividade: novos fundamentos tericos, epistemolgicos e metodolgicos ........................................221

    A iminncia de uma nova crise paradigmtica? ..............................................221Complexidade e transdisciplinaridade: perspectivas inovadoras para a criatividade .........................................................................................227

    A lgica da complexidade ......................................................................227O princpio sistmico-organizacional ....................................................228O princpio hologramtico ....................................................................229O princpio retroativo ...........................................................................231O princpio recursivo ............................................................................232O princpio da autoeco-organizao ......................................................233O princpio dialgico ............................................................................236O princpio da reintroduo do sujeito cognoscente ..............................237O olhar da transdisciplinaridade ............................................................240Transdisciplinaridade e criatividade .......................................................246Caminhos que nos levam fronteira .....................................................251

    CAPTULO 4. Novos olhares sobre a criatividade no processo pedaggico .....253

    Criatividade de natureza ecossistmica: um novo referencial paradigmtico para a prtica pedaggica ...............................................................................261Abertura para novas perspectivas da criatividade: um processo contnuo, ad infinitum e sempre inacabado....................................................................269

    CAPTULO 5. O incio de uma nova caminhada. Conversando com o leitor ...279

    REFERNCIAS............................................................................................287

    SOBRE AS AUTORAS.................................................................................311

  • 15

    Criatividade em uma perspectiva transdisciplinarRompendo crenas, mitos e concepes

    APRESENTAAO/PROLOGO

    Imagino la presentacin de esta obra Criatividade em uma perspectiva transdisciplinar: rompendo crenas, mitos e concepes, como el hall de entrada a un palacio nuevo, una nueva obra de referencia imprescindible. La presentacin es como la recepcin en la que se da la bienvenida a los lectores y se les invita a compartir algunas claves sobre la obra. Es el espacio de encuentro entre el experto y el autor o autores. La presentacin o prlogo es para mi el escenario de ideas, sentimientos y situaciones contextuales; un espacio privilegiado en el que se invita al lector a conocer algo ms sobre la relacin entre el autor, la obra y la temtica. Por eso tiene algo de energa vital, de saberes implcitos, de emergencias que facilitan una mejor comprensin de la obra.

    Es un honor al tiempo que una responsabilidad, recibir a una Comunidad invisible de lectores en el hall de entrada de este libro sobre Creatividad, una temtica apasionante porque forma parte de cada uno de nosotros como individuos y como sociedad. Digo Comunidad invisible, porque si conociramos un poco ms sobre los lectores, encontraramos rasgos e intereses que les caracterizan. No son lectores de romances, ni aficionados a los diarios deportivos, sino personas bien formadas, profesionales de la educacin y la Psicologa, estudiosas de la creatividad o estudiantes deseosos de conocer e investigar en creatividad. Amigo lector, si t eres uno de los que ahora est leyendo esta presentacin, felictate, porque formas parte de nuestra comunidad invisible de amantes de la creatividad.

  • 16 | Saturnino de la Torre

    Compartimos una conciencia de conocimiento y mejora de la sociedad y la educacin a travs de la creatividad.

    Coherente con lo anterior, me limitar a realizar algunos breves comentarios sobre las autoras, la obra y la temtica, estructura que suelo utilizar en las presentaciones de libros. Es bien sabido que el inters por una obra aumenta si se conoce a su autor o autores. El saber detalles de quien escribe o conocerlo personalmente, acrecienta la comprensin de los significados y se desarrolla un sentido personal del mensaje recibido que impregna nuestra mente. Cuando leemos, interpretamos y reconstruimos en base a conceptos previos. La lectura se hace ms prxima, vvida y rica en matices. Es como si las ideas y las palabras se transformaran en palomas mensajeras de otros niveles de realidad. Este es el sentido de la presentacin: acercarnos a la mente y corazn de las autoras a travs de este pequeo espacio textual.

    Las autoras

    Cuando ojeamos un libro escrito por dos o ms autores imaginamos que pertenecen al mismo nivel acadmico o formativo. En este caso no es as, aunque es un claro ejemplo de vasos comunicantes de saber, sentir y trascender. Siento por ellas un gran respeto y admiracin por su humanismo, conciencia tica, sentido de solidaridad y ayuda, profundidad de pensamiento, fundamentacin de sus ideas, visin trascendente de la vida, importancia de la dimensin emocional, entre otros muchos rasgos compartidos. Aspectos que vertebran esta obra como corrientes de energa subyacente a las palabras.

    Olzeni Costa Ribeiro es docente e investigadora de la creatividad. Una maestra no solo de nios sino del pensamiento y construccin cientfica. Una persona con conviccin y persistencia para alcanzar las metas. No en vano removi cielo y tierra para que la distancia y otros inconvenientes no impidieran mi presencia en la presentacin de su tesis de maestra. Cuando tuve acceso a su escrito qued fascinado del manejo de fuentes documentales,

  • Apresentaao/prologo | 17

    pertinencia en las citaciones, coherencia y conduccin del discurso. Nunca antes me haba encontrado con algo semejante en creatividad, a pesar de haber valorado varias decenas de tesis en tribunales de doctorado. No imaginaba que, bajo la sencilla apariencia de una profesora escolar, hubiera tanta capacidad encubierta, tanto potencial humano, tanta sensibilidad aflorando. Se siente el espritu de maestra que intenta por todos los medios llegar al alumno y al lector conjugando rigor en el conocimiento e implicacin emocional. De ah se que utilicen en el texto relatos para sentipensar al inicio de numerosos apartados, poemas intercalados, frases impactantes, imgenes sugerentes, sntesis visuales...Y es que no puede entenderse la creatividad al margen de lo emocional. Comparte los valores, principios y estrategias de su maestra y orientadora, Maria Candida Moraes. Nada es casual. Todo tiene sentido en un plano ms elevado de interconexin entre las personas. No es posible comprender plenamente el sentido de la obra sin atender al compromiso intelectual, emocional y espiritual de las autoras con ese nuevo paradigma emergente que Moraes denomina Pensamiento ecosistmico.

    Maria Candida Moraes es ese ideal de persona a la que muchos aspiramos y que para mi es maestra, compaera de trabajo y amiga. Maestra porque me ha inspirado y guiado en su cosmovisin transdisciplinar, en la toma de conciencia de una educacin transformadora, solidaria, colaborativa, en entender que ciencia y trascendencia no son contrarias sino complementarias. Sus conferencias y escritos rezuman paz y armona interior que dejan marcas creativas. Ella ha inspirado la evolucin del grupo GIAD de la Universidad de Barcelona y con seguridad otros muchos grupos y personas. Ha creado y dirige el grupo ECOTRANSD con importantes proyectos de formacin docente transdisciplinar. Millares de personas pueden considerarla Maestra influidas por sus escritos, aunque muchas no la hayan tratado personalmente ni ella les conozca. Maestro es el que toca el Ser de la persona y la transforma. Es un referente intelectual de nuestra poca por lo que respecta a la construccin ontolgica, epistemolgica y metodolgica de un nuevo paradigma en educacin.

    Compaera de trabajo y amiga porque desde que nos conocimos causalmente en 1998 participando en un Encuentro en Santiago de Chile,

  • 18 | Saturnino de la Torre

    descubr que tenamos alguna misin en comn. Buscaba luz para conjugar pensamiento y emocin y la encontr en ella. Ella despert y acrecent el alma sensible, potica que llevaba dentro un profesor universitario aferrado a los conceptos fros, al rigor acadmico, a la distancia objetiva predicada por el paradigma positivista. Y as floreci y se fundament en sus teoras el sentipensar que haba nacido unos aos antes en la prctica del aula. Hemos participado en numerosos proyectos de investigacin, en escritos conjuntos, en la coordinacin de libros, en la organizacin de Congresos y Foros referidos con el foco puesto en la transdisciplinariedad y en la creatividad. Estos encuentros han permitido conocerla mejor como profesional de la educacin y como amiga. Porque la amistad es una forma sentida de aprendizaje invisible. Porque son los valores compartidos los que cimentan la amistad. Y en este sentido es la coincidencia en valores humanos, sociales, medioambientales y trascendentes los que mantienen esta relacin de amistad con Maria Candida. Ese aprendizaje que lleva al crecimiento interior y a descubrir la propia misin que tenemos. Todos tenemos experiencia de consultas e intercambios de informacin entre amigos y cmo ese cruce confiado de informacin ha influido en nosotros. Como dice C. Cobo (2011, 6) el aprendizaje invisible es una propuesta conceptual que integra diversos enfoques en relacin con un nuevo paradigma de aprendizaje y desarrollo del capital humano. Eso es lo que yo traduzco por crecimiento interior. Por ello Maria Cndida representa tanto en mi vida y con seguridad en todos cuantos lean sus escritos y esta obra en particular.

    La obra

    Depois de uma leitura repousada, atraente e implicativa da obra, emerge uma reflexo desde o fundo do corao, um sentipensar atrado pelo estilo erudito e didtico. Tinha a sensao de estar ante um trabalho excepcional, de madurea, profundeza e domnio da temtica criativa, de criatividade plena e vivenciada, de aporte a cincia. Conforme avanava na leitura se confirmava a sensao de estar ante uma pesquisa bsica sobre a criatividade. Estava indo mais alm de um estudo terico e epistemolgico

  • Apresentaao/prologo | 19

    sobre a criatividade. Estava construindo as bases de uma nova cincia (uma nova ontologia, epistemologia, metodologia e didtica) sobre o fenmeno da criatividade. Uma reflexo-ao que est precisando tanto a criatividade como outros conceitos sobre educao. A obra va a gerar um novo cenrio terico para futuras pesquisas.

    No posible refletir neste espao as mltiplas idias, sugestes, emoes, sonhos que envolvem a conscincia. Imagine o leitor que est ante uma obra mestra de Gaud, no parque Guell. Ele utilizava uma tcnica criativa bem conhecida: o Checlist. Quebrava as rgidas e estticas cermicas e depois re-organizava em uma nova composio mais flexvel e criativa. De esse modo, Olzeni e Maria Candida van construindo um novo Parque Guell reorganizando as teorias, textos e palavras dos autores. O resultado criador uma nova cermica o mosaico, uma obra clave e de referena em criatividade. E uma obra gaudiana dentro da arte e cincia da criatividade.

    Criatividade em uma perspectiva transdisciplinar: rompendo crenas, mitos e concepes, no es un libro ms sobre creatividad. Es una oportunidad para sumergirse en los fundamentos tericos, epistemolgicos y metodolgicos de la creatividad; una radiografa del pensamiento creativo a travs de los diferentes momentos y autores; nuevos escenarios y horizontes en la conceptualizacin y su proyeccin en la prctica pedaggica. Pero este libro no es slo una reflexin fundamentada y terica, sino que incorpora acertadamente elementos estratgicos y emocionales, expresin sin duda de la doble vertiente de sus autoras: fundamentacin cientfica y filosfica junto a recursos didcticos que hacen la lectura ms cercana como los relatos para sentipensar (pensamiento, sentimiento y accin), el lenguaje potico en prosa y verso, ilustraciones cargadas de significado, pensamientos impactantes, sntesis clarificadoras. Porque el mensaje no es otro que abrir nuevos horizontes y perspectivas. Perspectivas abiertas como se afirma en la introduccin Buscamos, ao longo do que aqui se pretendeu como um convite leitura criativa, contribuir com o acesso a possibilidades diferentes do usual, auxiliando no desenvolvimento de conhecimentos novos para o lector.

    Otra de las novedades importantes que encontrar el lector es un espacio de ecologa de saberes en torno a la creatividad. Se recurre a la filosofa,

  • 20 | Saturnino de la Torre

    psicologa, antropologa, matemtica, arte y ciencias en general. Representa un salto cualitativo respecto a los enfoques meramente psicologicistas, mecanicistas o pragmticos de la creatividad. Encontramos citas y referencias de autores que han destacado en todos estos campos desde fsicos como Binnig o Sheldrake, bilogos como Maturana, Neurocientficos como Varela, matemticos como Nicolescu, Pedagogos como Dewey o Freire, psiclogos como Sternberg o Wechsler, socio filsofos como Morin. En fin la obra es un alarde de erudicin, de encaje de un puzzle muy complejo. Y es que la creatividad es como el ojo compuesto de algunos insectos. Posee una infinidad de receptores y mltiples formas de manifestarse, pero no son ojos fragmentados, a pesar de que pueden llegar a tener 6.300 receptores como la abeja, sino que actan como una unidad funcional. Hemos de aceptar, sin embargo, que an falta mucho para que el conocimiento humano sobre cualquier temtica sea abordado con un enfoque complejo.

    Porque la mirada bajo la cual se tejen estos campos, autores y conceptos no es otra que la complejidad y transdisciplinariedad. Esa es la aportacin terica ms importante y sobre la que apenas existen contribuciones rigurosas. Como escriben las autoras inspiradas em Siveres acessar a nveis mais profundos de realidade, na medida em que religamos e acolhemos conhecimentos do passado, dialogamos com os atuais e projetamos os do futuro (p. 280). No interesa tanto la construccin cientfica cuanto su utilizacin e impacto en la educacin. No se trata de investigar para saber sino para cambiar. La obra es por si misma un proceso de investigacin al tiempo que creativo. Y concluyen la obra con una sntesis ontolgica que merece una profunda reflexin: est na natureza da criatividade a essncia do contedo para conhec-la em profundidade, uma vez que, na medida em que alcanarmos sua natureza compreenderemos sua complexidade, pois sua fenomenologia de natureza complexa (p. 285).

    Tres son las teoras que cobran consideracin en el texto, La teora evolucionista de A. de la Herrn, la sistmica de Csikscentmihalyi, la interacin psicosocial y potica de S. de la Torre. Ellos son como los vrtices de energa conceptual que marcan la diferencia del enfoque ecosistmico. Slo son comprensibles desde el pensamiento complejo, abriendo nuevos horizontes respecto en la conceptualizacin de la creatividad. Si queremos

  • Apresentaao/prologo | 21

    seguir avanzando en la comprensin de la naturaleza de la creatividad es preciso salir de estructuras cerradas de la psicologa cognitiva, de las gaiolas epistemolgicas de que nos habla U. DAmbrosio, del pragmatismo propio de los mbitos empresarial, educativo y publicitario. Por ello, los atores referidos y otros dentro del pensamiento complejo y mirada transdisciplinar, son un referente para educadores y estudiosos de la creatividad.

    A transformao de tal nvel que ao re-ler minhas palavras em sua construo sinto-me como si forem psicografadas por alguma entidade desconhecida, como si fosse mediador por adotar um valor que no tinha percebido. Me re-descubro em outra dimenso ao ser colocado perto de Mihaly, Sternberg, Simonton, Morin.

    El tema. Expansin social y educativa de la creatividad

    Abre la introduccin con la voz de la creatividad que llama a la puerta de nuestra conciencia dormida. No podemos seguir enseando con mtodos de ayer, a alumnos que ya viven en el maana. La creatividad es el mayor potencial de que dispone el gnero humano para enfrentarse a lo nuevo, para seguir avanzando en la ciencia y la tecnologa sin prdida de valores humanos. Pero es sobre todo a travs de la educacin donde se estimula y acrecienta. Ha de estar presente en todos los ciclos educativos, desde infantil a la universidad, s, pero tambin polinizando las actividades humanas y la vida.

    Porque la creatividad no es una cualidad nicamente individual, sino humana y social por naturaleza misma. Social en su origen, porque es el entorno y la cultura socialmente enriquecida la que hace posible su emergencia. Social en su proceso gracias a la estimulacin, cuidado y reconocimiento del entorno y el campo en el que se genera. De ella se nutre. Social en su manifestacin porque genera cambios no solamente personales sino comunitarios y sociales. La creatividad individualista, que no se comunica, que nace y muere en la persona no existe, por ms que la Psicologa tradicional nos haya trasmitido una creencia personalista debido a que se ha ceido a la persona y al proceso como constructos de creatividad.

  • 22 | Saturnino de la Torre

    Una afirmacin demasiado rupturista con toda una larga tradicin, afirmar el lector. S, lo es; como lo es la falaz descripcin evolutiva del nio siguiendo las teoras de Piaget o cualquier otro psiclogo. La Psicologa no trabaja con el ser biolgico puro, aislado del entorno familiar y sociocultural. Trabaja sobre el nio o sujeto educado, modificado culturalmente, y por tanto sus conclusiones van a venir determinadas por ese entorno o ambiente capaz de influir y modificar la gentica tal como nos muestra B. Lipton y Bareman (2010). No existe una inteligencia, creatividad, conciencia o etapas de desarrollo psicolgico del ser humano puro, sino influidos y marcados por el entorno sociocultural en el que se mueven. Tanto el subconsciente construido en la infancia como la autoconciencia son fruto de interacciones con el medio. Eso es lo que se remarca en la teora de Interaccin sociocultural de que se habla en el texto. La segunda fuente de percepciones reguladoras de la vida son los recuerdos de experiencias grabadas en la mente subconsciente. Estas poderosas percepciones representan la contribucin de la educacin (2010, 68).

    La creatividad comienza a expandirse ms all de las personas. Son sujetos creativos las organizaciones, comunidades, pueblos y culturas. La literatura creciente sobre ciudades creativas abre nuevos horizontes para repensar un concepto anclado durante un siglo en la capacidad mental de la persona. Tambin hablamos de instituciones educativas creativas. La creatividad, desde elparadigma de la complejidad y de la interaccin sociocultural es un potencial que florece alldonde se dan las condiciones y climas apropiados para que afloren ideas y propuestas nuevas para ser compartidas. La creatividad requiere que la cultura corporativa, de un ambiente propicio, de grupos de profesores que compartan ideales educativos. De ah que hable de escuelas y aulas creativas.

    La responsabilidad de una institucineducativa superior no se agota en preparar profesionales, sino que debe sacar lasmejorares potencialidades de cada persona para que encuentre la satisfaccin personal y elbeneficio de la sociedad. Las economas de los pases dependen de las capacidades creativas emergentes de sus ciudadanos y las instituciones formativas. El futuro de nuestra sociedad no depende de las materias primas, de la riqueza almacenada, ni siquiera de la economa, sino de la creatividad de las

  • Apresentaao/prologo | 23

    jvenes generaciones. De ah la importancia de crear un clima adecuado, un humus rico en estmulos y nutrientes de creatividad. Impulsar y reconocer las escuelas creativas es propiciar la creatividad en las nuevas generaciones.

    Imagino lo que est pensando el lector o lectora. Y esto como se consigue? No hay recetas para la creatividad, ni cursos acelerados de aprendizaje. Ttulos como Aprenda creatividad en diez sesiones o curso acelerado para ser creativo es propaganda pococreible. Se pueden ensear tcnicas o mtodos, s; Incluso estrategias para resolver problemas, pero la creatividad no es algo pasajero o una temtica que aprender. Forma parte del modo de ser, pensar, sentir y actuar de personas y colectivos. Implica actitudes, valores y creencias para enfrentar una determinada situacin. Cuando un docente tiene la conviccin de la importancia de la creatividad o la formacin integral, la promueve de mltiples formas.

    Dicho esto como clarificacin inicial, podra sugerir algunos principios y acciones formativas provenientes de mi experiencia en creatividad: a) Utilizar el reconocimiento de forma sistemtica. Reconocer es recrear. b) Identificar, rescatar, desarrollar los potenciales o talentos de los alumnos. Cada ser humano tiene su propio don. c) Fomentar la iniciativa, la originalidad, la autonoma en los aprendizajes y la libre expresin. Crear espacios y proyectos con escasas orientaciones y abundante reconocimiento. d) Promover actitudes, valores, creencias que realcen el autoconocimiento, la autoimagen, la autopercepcin de que con creatividad se superan mejor los obstculos, problemas y adversidades de la vida. e) Empeo, constancia, persistencia en los proyectos iniciados. La idea de que la creatividad es mera espontaneidad es falsa. La creacin requiere preparacin, dominio de un cdigo de expresin, pasin y entrega. Estas propuestas son las herramientas que a mi juicio transforman el aula comn en aula creativa.

    Me he extendido en la presentacin y me disculpo por ello. La pasin por las autoras y el tema me ha hecho perder el sentido de mi misin que no es otra que acercar al lector al contenido del libro. Por suerte no quito espacio ni tiempo a los lectores como suele ocurrir en los presentadores de conferenciantes. Si has tenido la paciencia de leer hasta aqu, realiza la siguiente prueba. Abre el libro por una pgina al azar. Realiza una lectura en diagonal intentando captar lo relevante, dejndote llevar por tu impulso. En

  • 24 | Saturnino de la Torre

    realidad ese impulso no es otro que imgenes de lo ledo en esta presentacin, en particular sobre las autoras. Encontrars que existe sentimiento detrs de las palabras, claridad conceptual, intuicin didctica, reflexin profunda, un discurso que te sugiere horizontes nuevos. Si esto ocurre es que has captado el mensaje subliminal de la obra. Habrs sentido la fuerza vital de la creatividad humana para transformar la educacin y la sociedad. Y es que la creatividad no es un concepto acadmico fro y distante, sino el potencial ms fascinante para transformar y transformarse.

    Amiga Creatividad, eres como arco tensado

    que el ser humano ha lanzadobuscando su identidad.

    T das sentido al pasado,al presente novedad,y otorgas significadoa futuro y sociedad.

    Contigo el hombre ha cambiadoy con l la humanidad.

    Saturnino de la TorreMaestro de algunos y alumno de todos

    Diciembre de 2013

  • 25

    PREFCIO

    Embora, nesta obra, as autoras tenham tido a preocupao de informar que no tm como finalidade questionar as teorias da criatividade, que teriam sido validadas por critrios consistentes, podemos pensar esse texto como uma abertura epistemolgica para uma rea que tem sido perigosamente fossilizada por uma tradio psicomtrica cujos limites tm sido questionados h bastante tempo.

    Criatividade um conceito relativamente recente na cultura ocidental. No aparece nos textos e fragmentos de textos de culturas antigas, nem mesmo entre os gregos. O termo em grego antigo mais utilizado no que concerne criao era poiein, vinculado mais ao fazer. O radical poie forma as palavras poiesis, um substantivo associado ao ato de fazer e poietes, que designa aquele que faz ou o fazedor. Esses termos acabaram por designar tambm o fazer do arteso das palavras ou poeta. O produto desse fazer, a poiesis, tornou-se poesia. O ato de criao, na forma de expresso artstica, aparece no texto platnico e, de modo ainda mais bem desenvolvido, no texto aristotlico como mimesis. Esse conceito, vinculado noo de imitao, mas no sentido de ao por semelhana, fundamentava e explicava a criao de obras de arte. Como o prprio Plato escreve em A Repblica, obras de arte so imitaes da realidade. Correspondem ao mundo ideal, extrapolam o mundo fsico, no contexto do conceito de kalogatias, que articula os conceitos de beleza, verdade e bondade, os quais formam a estrutura arquetpica da esttica grega antiga, e que molda o prprio ideal de homem grego (a mulher no era constitutiva nesse discurso fortemente patriarcal). Em suma, o mundo grego no trabalhava com a noo de criao e sim com a de imitao.

  • 26 | Afonso Galvo

    No mundo ocidental, o conceito de criatividade surge no contexto do desenvolvimento do cristianismo, vinculado ao conceito de criao, que deriva da narrativa bblica no Livro do Gnesis. Na tradio judaico-crist, a criatividade e o ato de criar eram exclusividades divinas. A criao no contexto humano ocorria somente como mediao da expresso de Deus. Em outras palavras, Deus mediava a criao humana, assim como na tradio grega as musas mediavam a inspirao dos deuses. A mediao do sagrado e do divino aparece ainda de modo forte na tradio grega como daemo e na tradio latina como genius.

    O conceito de criatividade desvinculado da noo divina comea a emergir na Renascena, a partir da noo de que certas pessoas notveis o so justamente devido ao seu poder de criar coisas novas e de ver em velhas coisas novos usos e novas roupagens. No entanto, a partir do Iluminismo, com a centralidade da razo, que se desdobra na metanarrativa da modernidade, que o conceito de criatividade como consequncia de uma mente racional e, principalmente, humana, comea a operar com mxima fora. A viso de criatividade que se desenvolve a partir do Iluminismo foca notadamente as artes e torna-se associada ao conceito de imaginao, a qual era particularmente vinculada ao gnio, que apenas poucos possuam e que levava ao desenvolvimento de trabalhos e de aes realmente inovadoras. Estudos mais sistemticos sobre o tema surgiram em meados do sculo 19, com os trabalhos de Francis Galton sobre a inteligncia. Sua viso marcadamente eugnica considerava a criatividade como um aspecto constituinte e caracterstico de pessoas com alta inteligncia.

    Os ltimos cinquenta anos da pesquisa sobre criatividade possibilitaram o crescimento sem precedentes da rea e uma compreenso razoavelmente profunda sobre a personalidade da pessoa criativa, sobre os meios que influenciam ou obstaculizam a realizao de aes criativas e sobre a natureza dos atos criativos. Essa pesquisa, fortemente estruturada na tradio psicomtrica, teve nos trabalhos de Guilford sua posio mais radical. Os testes psicolgicos tanto de criatividade como de inteligncia sofreram uma crtica contundente de Stephen Jay Gould, que descontruiu a tradio psicomtrica em seu trabalho de 1978, The Mismeasure of Men. Nessa obra, Gould argumenta com muita propriedade sobre a pouca confiabilidade dos testes na rea, bem como sobre seu forte enviesamento ideolgico.

  • Prefcio | 27

    No obstante, a reflexo acadmica sobre a rea tem focalizado trs dimenses de modo mais especfico e tem produzido conhecimento sobre criatividade a partir delas. Primeiramente, h a noo de que criatividade seria uma caracterstica de personalidade das pessoas. Aqui, h uma viso que opera em analogia com aquela de inteligncia, no contexto de uma tradio psicomtrica que desenvolve testes variados, os quais servem de base para que se conclua sobre se algum criativo e sobre o grau de criatividade das pessoas. Esse tipo de pesquisa tende a ter uma caracterstica predominantemente nomottica, trabalhando com clusters de indivduos. A preocupao descrever as diferenas individuais entre pessoas criativas e estabelecer as caractersticas fundamentais delas.

    H pesquisadores que focalizam processos criativos e que colocam a pesquisa nos caminhos que levam ao criativa ou criadora, levando em conta principalmente, mas no exclusivamente, os aspectos cognitivos que sustentam a atividade criadora.

    Uma terceira vertente da pesquisa na rea concentra a pesquisa em produtos criativos. Aqui, estudam-se casos de criao em diferentes campos e reas, com o objetivo, entre outros, de se abstrair regras capazes de apontar caminhos para o comportamento criativo mais eficiente e efetivo. De modo particular, tem-se estudado a relao entre inteligncia (conceito ainda mais reificado que o de criatividade) e criatividade, o modo como tipos de personalidade interagem com a produo criativa, a educao para a criatividade e o desenvolvimento de fatores facilitadores da expresso criativa. De um ponto de vista epistemolgico, a criatividade envolve reas muito variadas. H interesses oriundos da economia, da administrao de empresas, da filosofia da cincia, da teologia, entre outros. Todas essas reas, no entanto, tendem a articular seus estudos a partir de procedimentos desenvolvidos principalmente nos diferentes campos da psicologia, que, embaada pela tradio psicomtrica, tem experimentado srias limitaes vinculadas a uma epistemologia endgena.

    Um termo que fundamenta a obra de Ribeiro e Moraes, sentipensar, tambm fundamenta a posio mais contempornea sobre a relao entre emoo e cognio. A ideia do trabalho conjunto do sentimento e da emoo que, em atuao complementar, impactam modos de perceber e interceder

  • 28 | Afonso Galvo

    na realidade, pode representar outro modo de compreender o processo criativo, para alm das amarras j enevoadas dos testes psicolgicos. Trata-se de compreender a criatividade descortinando outras possibilidades em que as emoes possuem papel fundamental.

    O estudo das emoes, tanto no que diz respeito ao que so quanto ao seu papel na constituio do psiquismo humano, bem como ao modo como interferem em tarefas cognitivas e no contexto da aprendizagem humana e da expresso criativa, tem sido historicamente negligenciado. Uma razo para isso a viso de que as emoes interfeririam na racionalidade. Seriam algo a nos lembrar o tempo todo de uma condio animal que ainda reside em ns. At o sculo 20, o estudo das emoes esteve bastante aqum da funo desse construto na vida humana, se compararmos, por exemplo, quantidade de estudos que exploram o conhecimento e a cognio humana.

    Para Plato, as emoes distorcem o modo verdadeiro de se ver as coisas, por entrarem em conflito com a razo. Filsofos como Aristteles, Thomas Aquino e Descartes ofereceram contribuies sobre as emoes, relacionando-a com a cognio e a avaliao, o que foi depois retomado por cognitivistas do sculo 20. Nessa tradio, filosfica, discutiu-se muito sobre se emoes so cognies, se so causadas por cognies, se causam cognies ou se so parte de um processo motivacional aquilo que nos leva a apreender coisas de certa maneira e a agir de acordo com o que apreendemos (Lyons, 1980).

    No final do sculo 19, Darwin, James e Freud, a partir de perspectivas bastante distintas, pesquisaram e publicaram trabalhos mais elaborados sobre as emoes. Darwin (1872), em um dos primeiros estudos srios sobre o tema, comparou a expresso das emoes em humanos e animais e concluiu que pessoas e animais compartilham a expresso de certas emoes fundamentais em seu comportamento. William James (1884), no entanto, desafiou essas concluses, ao afirmar que expresses faciais ou reaes viscerais no so o resultado de sinais neurais ou emocionais anteriores. Pelo contrrio, o sentimento prprio das mudanas corporais enquanto ocorrem que so as emoes, posio compartilhada por Lang (1885) e que ficou conhecida como a teoria James-Lange das emoes. A ideia bsica aqui de que algum evento externo ao indivduo produz

  • Prefcio | 29

    respostas especficas de aproximao ou de repulsa, que emergem juntas com respostas do sistema nervoso autnomo. No entanto, enquanto Lange restringia as reaes corporais ao sistema nervoso autnomo, James considerava as respostas oriundas do organismo como um todo. Porm foi observado depois (Canon, 1929) que o comportamento emocional ainda est presente quando as vsceras so cirrgica ou acidentalmente removidas; que diferentes emoes no so diferenciadas nas reaes viscerais que as acompanham; que as respostas viscerais tendem a ser difusas; que a resposta emocional parece ocorrer mais rapidamente do que a resposta visceral; e que estados emocionais no so criados a partir da produo artificial da resposta visceral. Assim, continuou-se sem saber se experimentamos emoes porque sentimos nosso corpo de certa forma ou se padres neurais especficos respondem a eventos do ambiente e ento descarregam expresses corporais e viscerais. Em outras palavras, como diz Mandler (1984), sentimos luto porque choramos ou choramos porque sentimos luto? Freud seguiu por outro caminho, descortinando gradativamente o potencial patolgico dos transtornos emocionais e enfatizando sua importncia para a constituio do psiquismo.

    Como argumenta Damsio (2000), a partir de trabalhos to interessantes, esperava-se que o estudo das emoes fosse se desenvolver rapidamente no sculo 20. Ao contrrio, o trabalho de Darwin foi negligenciado, a teoria de James colocada de lado, enquanto as teorias de Freud se desenvolveram e se tornaram muito influentes, mas seguindo outro percurso que no o dos laboratrios. Nas neurocincias, a relao entre emoo e crebro foi relegada parte mais primitiva da nossa ancestralidade. Destarte, uma perspectiva evolucionista no estudo do crebro e da mente ficou ausente, e o conceito de homeostasia, que diz respeito a reaes fisiolgicas, em grande parte, automticas, necessrias manuteno dos estados internos de um organismo vivo, foi ignorado, assim como a prpria noo de organismo. Para Damsio, as emoes se estabeleceram no contexto da evoluo humana muito antes do surgimento da conscincia e emergem como resultado de indutores que no reconhecemos conscientemente. Os sentimentos, que so, como veremos a seguir, emoes significadas pela conscincia, produzem efeitos mais duradouros no teatro da mente. Ambos, emoo e conscincia

  • 30 | Afonso Galvo

    parecem relacionadas sobrevivncia do indivduo e esto aliceradas na representao do corpo.

    Surpreendentemente, a criatividade, essa dimenso fundamental da condio humana, por ter sido dominada por uma verso de cincia com pouco apelo ao humano, se desgarrou da experincia do fluxo criativo, outro conceito trabalhado pelas autoras Ribeiro e Moraes nesta obra. A criatividade como experincia humana associada ao conceito de autoeco-organizao (Morin, 2000). Diferentemente da mquina artificial, a mquina humana possui a propriedade da autocorreo, e isso possui uma dimenso epistemolgica. exatamente essa propriedade que faz com que as autoras sugiram um novo caminho de natureza ecossistmica para a rea, que, atravessado pela transdisciplinaridade, leve a novas fronteiras que redescobrem, reinventam e ressignificam nossa humanidade.

    Referncias

    CANON, W. Bodily changes in pain, hunger, fear and rage. New York: Pergamon. 1929.

    DAMSIO, A. O mistrio da conscincia: do corpo e das emoes ao conhecimento de si. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.

    DARWIN, C. The expression of the emotions in man and animals. New York; Oxford: Oxford University Press. p. 1872-1998.

    LANGE, C. G. The emotions. In: DUNLAP, K. (Org.). The emotions. New York: Hafne, 1967. p. 33-90. (Original publicado em 1885).

    LYONS, W. Emotions. Cambridge: Cambridge University Press, 1980.

    MANDLER, G. Mind and body. New Jersey: Hillsdale, 1984.

    Afonso GalvoReitor da Universidade Catlica de Braslia (UCB)

  • 31

    Introduo

    DO PONTO DE VISTA TRANSDISCIPLINAR...

    No podemos seguir enseando con mtodos de ayer a alumnos que ya viven en el maana.

    Saturnino de la Torre (2009)

    As palavras de nosso amigo Saturnino de la Torre (2009) na epgrafe acima expressam de maneira bastante pontual o que estamos propondo como eixo de discusso sobre a criatividade. Sensveis urgente necessidade de mudana, ampliamos o alerta para aplic-lo tanto aos mtodos de ensino, como o faz Torre, quanto aos mtodos adotados na prtica da pesquisa acadmica. Por essa razo, a criatividade ser tratada aqui de modo diferente do usualmente encontrado nos referenciais da rea.

    Falamos de um tema que, antes de tudo, se revela elemento vital sobrevivncia da humanidade, mais do que em qualquer outro momento histrico. Afinal, a criatividade responsvel pelo progresso da cincia e pela evoluo da educao, porque fomenta o desenvolvimento em todos os aspectos e dimenses. No por acaso, elegemos como finalidade principal desta obra contribuir com as atuais demandas acadmicas e sociais, despertando pesquisadores e educadores para um novo olhar sobre o fenmeno, um olhar que alcance a compreenso mais profunda da natureza e da essncia dele, provocando o leitor para a imerso em nveis mais arrojados de realidade.

    Entretanto, para viabilizar as possibilidades almejadas de imerso, foi preciso trilhar um caminho diferente do comumente adotado. Esse percurso

  • 32 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    deveria permitir desenvolver processos de construo do conhecimento mais conexos realidade dos fenmenos complexos, a fim de compreender a criatividade como sendo, de fato, um fenmeno humano plural, multidimensional e no passvel de restringir-se a definies e tcnicas. Vem de Bhm (2011) a revelao que, segundo ele, apresentada como dura realidade: em determinados processos, os resultados at podem ser atingidos por meio de tcnicas e de frmulas, porm originalidade e criatividade no se incluem nesse critrio.

    Alm disso, mesmo raras e pouco divulgadas, h teorias concebidas luz da viso sistmica sobre as quais fundamentamos a argumentao de que existem novas perspectivas para a criatividade. Perspectivas capazes de instigar a comunidade cientfica, educacional e organizacional a superar crenas, mitos e concepes que tm induzido essas comunidades, ao longo de sculos de pesquisa, ao entrincheiramento e ao ofuscamento do olhar, para vislumbrar a ruptura de um ciclo danoso ao desenvolvimento e expresso dos processos criativos.

    Estamos dando nfase, no por acaso, ao termo compreender, com a proposta de que ele se sobreponha ao de explicar ou de definir a criatividade. Tomando por base o pensamento de Paul (2013, p. 90) e fazendo nossas suas palavras, reportamo-nos ao antigo embate na histria da cincia entre modelos explicativos e compreensivos ou hermenuticos. No caso do que estamos propondo para a criatividade, a compreenso supera a explicao e a definio, sendo que esses dois termos adquirem um sentido correlato entre si. Nas palavras de Paul, explicar significa dobrar para fora [...] tornar claro, desenrolar, desdobrar. Compreender traz a ideia de prender, de apreender conjuntamente, ou seja, com-preender. O diferencial est na atividade mais interiorizada do esprito a que remete o verbo aprender, segundo o autor. Enquanto explicar, em sua acepo literal, pressupe uma dimenso aberta para o exterior (ex-plicar), compreender traz subjacente uma abordagem muito mais qualitativa, relacionada percepo vivida, permitindo outro tipo de comportamento quando algo experimentado pelo sujeito. Fazendo analogia ao que o autor expe, embora ele o exponha no contexto da medicina, tambm

  • Do ponto de vista transdisciplinar... | 33

    questionamos, no contexto da criatividade, os limites do que se pode alcanar por meio da explicao e da definio, ferramentas propostas pelo positivismo: so mesmo necessrias? So suficientes e adequadas para o que precisamos abranger na abordagem e na compreenso da criatividade?

    Assim, como alternativas mais promissoras e que nos ajudam a dar um grande salto, no na definio, mas na compreenso do que se refere investigao e prtica da criatividade, esto a perspectiva sistmica de Mihaly Csikszentmihalyi e a concepo interativa e psicossocial de Saturnino de la Torre, terico que desenvolve tambm estudos com enfoque na adversidade criativa. Ao analis-las luz dos pressupostos da complexidade e da transdisciplinaridade, adotados, aqui, como fundamentos tericos, epistemolgicos e metodolgicos de suporte nossa argumentao, descobrimos importantes pontos de convergncia e paradoxos em relao s definies que predominam na literatura clssica sobre a criatividade. Foi possvel verificar que h elementos associados a um conjunto de definies, cujas caractersticas apontam para uma determinada tendncia paradigmtica, tendncia essa sugestiva de aparente estagnao da rea, por restringir-se a um arcabouo conceitual idntico e pouco varivel. A isso, chamamos de repertrio.

    Embasamo-nos, portanto, para essas afirmaes, na premissa de que as teorias clssicas esto circunscritas a um repertrio idntico que demarca um conjunto de definies encontradas na literatura. Para explicar o conceito de repertrio, a partir do qual nos baseamos como sendo o mais adequado a esse contexto, recorremos teoria da informao, porm em sua nova concepo, quando passou a reconhecer o significado e o sentido da informao como o espao da criao, da inovao (Alvares; Arajo Jnior, 2010, p. 14). De acordo com essa teoria, repertrio se define como um tipo de vocabulrio, de estoque de signos conhecidos e utilizados por um indivduo (p. 16), os quais, se forem absolutamente idnticos, no que alcanam o receptor, no conseguiro alterar comportamento deste. Isso ocorre porque a informao ideal requer o mximo de novidade e de originalidade. Explicamos que comportamento aqui concebido como o que resulta de um desempenho, como a capacidade de se expressar na imprevisibilidade, lugar em que as

  • 34 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    emergncias exercem papel fundamental, sobretudo se estivermos tratando dos melhores cenrios para a manifestao do potencial criativo.

    Entretanto, se o contrrio ocorrer, ou seja, a presena do efeito da entropia1 na informao transmitida, as possibilidades de esse repertrio exercer impacto positivo sobre sua finalidade, que, nesse caso, permitir a compreenso adequada da criatividade, se amplia consideravelmente. Nessa perspectiva, quanto maior a taxa de novidade de um repertrio, maior sua eficincia informativa e maior a mudana de comportamento que provoca. A consequncia desse repertrio idntico, principalmente para as pesquisas na rea, desenvolver uma espcie de ideologia de natureza endgena, endgama e castradora, viso que, por rejeitar a contradio, segue inspirando as mesmas estratgias, os mesmos procedimentos didticos e de pesquisa, e termina por levar aos mesmos resultados, acarretando prejuzos ao desenvolvimento e restringindo as possibilidades de inovao. A tendncia endogenia e endogamia costuma ser fatal para uma rea de estudo, especialmente a da criatividade. Podemos considerar isso, inclusive, como um prenncio de decadncia, provocada pelo risco de entrincheiramento.

    Razo para tanto observamos no visvel excesso de tentativas para definir e encontrar a tcnica que possibilitar a um indivduo se tornar criativo. Na prtica da pesquisa, por exemplo, parece que os estudos partem de um lugar comum, e seus resultados retornam ao lugar de origem. No difcil concluir que o nmero existente de teorias, conceitos, definies e tcnicas que asseguram desenvolver a criatividade pouco tem contribudo para sua melhor compreenso. Com relao a essa questo, compendiando o teor da discusso disposta nas pginas deste livro, nossa defesa focaliza a viso de que os processos criativos so potencializados nas emergncias; de que a criatividade no se enquadra em definies ou tcnicas; e de que isso ocorre por ser a criatividade um fenmeno de natureza complexa e transdisciplinar. Ento:

    1 Entropia a medida da desordem que pode ser utilizada para avaliar uma estrutura e que se estende estrutura da informao (Rifkin, 2000). O termo insere essa questo na perspectiva da complexidade, na medida em que se relaciona como as estruturas dos sistemas caticos, da desordem, para possibilitar a compreenso da informao de modo mais conexo prpria estrutura do ser humano.

  • Do ponto de vista transdisciplinar... | 35

    Como possvel tentar compreender e desenvolver um fenme-no como esse, enquadrando a natureza humana que tambm complexa e transdisciplinar, e, portanto, sujeita ao imprevisto e ao inesperado, decorrentes de processos autoeco-organizadores emer-gentes e transcendentes em um conjunto de medidas, caractersticas e tcnicas?

    Mais ainda: como partir dessa caracterizao e dos resultados adqui-ridos de medidas, para determinar quem pode ou no ser criativo e com que tcnica deve desenvolver algo presente em sua prpria natureza, seja em menor ou maior grau?

    No conjecturamos outro caminho seno o de provocar o estranhamento [ostraniene] da viso at ento concebida sobre a criatividade. Justificamos a opo: esse conceito existe como oposio viso de Aleksander Potebnia (1835-1891), para o qual se explica o desconhecido pelo conhecido (Kothe, 1980). Porm, posicionando-nos como aquiescentes ao pensamento de Chklovski (1978, p. 82), expoente do formalismo russo, trazemos o contrrio, ou seja, que o reconhecimento ofusca a abertura aos processos de singularizao. Em outras palavras, e falando do lugar da arte, aquilo que j se tornou no interessa. Esse o efeito especial do estranhamento que precisamos provocar no estudo de fenmenos como a criatividade. Assim como requerido enquanto finalidade da arte, preciso que se transponha para a criatividade a sensao de um fenmeno que deve ser abordado como viso e no como reconhecimento. Somente assim se tornar possvel resgatar-lhe o carter de singularizao, prprio dos objetos complexos.

    Esse ato de percepo, para Kothe (1980), que faz sentir o devir do objeto. Paradoxalmente, a viso do devir associada singularizao ajuda na ruptura com a viso fragmentada, de definies isoladas, por exemplo. A singularizao, na perspectiva do estranhamento, rejeita o automatismo e, em consequncia, evita que a fora do hbito torne automticas nossas aes e percepes. Quando Chklovski (1978) afirma que na literatura, na maioria das vezes, as imagens vm como ofuscamento de algo conhecido e que esse efeito refora a impresso, termina, de certo modo, por sinalizar

  • 36 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    para uma das possibilidades de entendermos o porqu da aparente facilidade de se multiplicarem exponencialmente as definies de criatividade. O reconhecimento de imediato provocado pela captura da forma de um objeto ocorre mesmo sem a necessidade de uma observao mais atenta e apurada. O objeto se acha diante de ns, sabemo-lo, mas no vemos, afirma Chklovski (1978, p. 44-45). Por isso, a necessidade do estranhamento: o conceito de criatividade parece ter sofrido um processo de naturalizao pela ausncia desse algo extraordinrio, singular, e ser difcil encontrar essa singularidade nesse clima ideolgico provocado pelo processo de endogenia que se observa em torno da literatura da rea.

    Abre-se, aqui, um parntese para esclarecer que a finalidade do debate que propomos no questionar os critrios consistentes de validao de teorias clssicas de uma rea, formuladas sobre bases slidas e de importncia singular para que geraes de pesquisas posteriores, em qualquer tempo histrico, possam se embasar. Ratificamos o reconhecimento da grande contribuio dessas teorias para a construo da trajetria da criatividade como rea de estudo. Portanto, o estranhamento est sendo considerado em sua acepo benfica para a cincia. Para levar o leitor a compreender esse enfoque, resgatamos o conceito formulado, no sculo 20, criado para expressar o movimento das vanguardas. Denominado de esttica do estranhamento, esse movimento pretendeu chocar a classe burguesa, com estratgias semelhantes de uma guerrilha cultural.2 O confronto se traduzia na divulgao de obras produzidas com os materiais mais incomuns e desagradveis e na apresentao de performances consideradas desafiadoras e aviltantes, com o intuito de provocar impacto (Melo, 2003). O ncleo do conceito trabalhado nesse movimento consiste em tornar o estranhamento um antdoto eficaz contra o tdio cultural cotidiano, segundo Melo.

    Aprofundando um pouco essa discusso, pedimos emprestado o conceito de estranhamento da arte literria, pelo grau de convergncia que permite estabelecer com tudo o que queremos expressar acerca da

    2 Guerrilha cultural uma expresso que identifica o movimento de pessoas que se unem para provocar o senso comum, como um meio de fazer e divulgar a cultura. Propositalmente, o termo guerrilha remete fora militar, porm as armas so ideias, conhecimentos e muita criatividade, consideradas to poderosas como as armas de guerra, se bem utilizadas (Melo, 2003).

  • Do ponto de vista transdisciplinar... | 37

    criatividade na perspectiva de romper crenas, mitos e concepes. Somente novas tendncias paradigmticas podem levar quebra de simetria na estrutura de um repertrio que se estabeleceu na literatura vigente. Para tanto, buscamos em Chklovski (1978) uma possibilidade de transpor, para esse contexto, o efeito criado pela obra de arte literria: provocar um distanciamento crtico do comum, para acessar uma dimenso nova somente visvel pelo olhar esttico e artstico. Essa ruptura chama-se estranhamento.

    A coerncia da concepo de Chklovski (1978) para o que desejamos expressar, se aplica na medida em que constitui uma forma singular de ver e de apreender a realidade e tudo que a organiza. Esse modo de enxergar tem a fora de desafiar e de transformar as ideias preconcebidas e, por isso, poderia romper com o repertrio que se instalou na literatura da criatividade e que o tornou incuo pela repetio. A repetio, por sua vez, o aproximou de algo em torno do automatismo da compreenso. Como antdoto a esse efeito nocivo abertura da viso, Chklovski recomenda que se realize um processo de desautomatizao. Esse mesmo processo proposto por Mukarovsky como efeito de des-alienao (Kothe, 1980). Uma alternativa vivel nesse caso consiste em descobrir o elemento extraordinrio (Schwartz, 1982, p. 101) e, segundo as palavras de Hohlfeldt (1981, p. 108), criar um impacto de tal modo no leitor da criatividade que o leve a descobrir aquilo que, embora frente de seus olhos, at ento no reparara.

    possvel, com tudo isso, justificarmos essa sensao de inrcia e de desestmulo que parece contagiar as pesquisas nessa rea? Ora, inrcia e desestmulo so efeitos potencialmente prejudiciais ao desenvolvimento e manifestao dos processos criativos na prtica da pesquisa e na prtica pedaggica e, nessas circunstncias, podem provocar a perda de vigor e produtividade que, por sua vez, so efeitos potencialmente benficos para se imprimir o progresso cincia.

    Entendemos estar diante de uma boa razo para nos arvorarmos na tentativa de provocar o leitor para se aliar ao desafio de abrir novos horizontes para a criatividade. Como resultado, consideramos a possibilidade de propor um novo cenrio, constitudo de fundamentos e estratgias diferentes das usuais, vislumbrando a criao de um ambiente favorvel expresso e polinizao da criatividade nos processos educativos, bem como nos

  • 38 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    ambientes acadmicos e profissionais. Alternativa ao cenrio exposto, s foi possvel apreendermos investindo em uma linha de discusso identificada como perspectiva dialgica e transdisciplinar, elegendo-a como a mais propcia para almejar o objeto extraordinrio, rompendo ou, minimamente, ressignificando o ciclo que est posto para que ele possa se renovar.

    Propomos aqui, portanto, como o elemento extraordinrio, uma leitura criativa da criatividade, transitando por outras perspectivas tericas e paradigmticas. Trata-se de uma obra que se prope ruptura com o horizonte de expectativas h muito reconhecido pela configurao habitual que se estampa diante de qualquer iniciativa de compreenso acerca desse fenmeno. Buscamos, ao longo do que aqui se pretende como um convite leitura criativa, contribuir com o acesso a possibilidades diferentes do usual, auxiliando no desenvolvimento de conhecimentos novos para o leitor. Para isso, nos acompanhem nessa fecunda travessia pelo mundo da cincia e da arte, dispondo-se a discutir o fenmeno da criatividade em parceria filosfica, epistemolgica, literria e potica com outras reas que atuam na estimulao do sentir-pensar-realizar e, consequentemente, nos ajudam a enxergar o horizonte do lado de fora da janela.

    Chegar a esse lugar exigiu transpor, especialmente, a barreira do que as normas tradicionais de estrutura textual nos impem convencionalmente. Queremos dizer que talvez voc no se depare diante de um texto cientfico comum para tratar de um tema como a criatividade, mesmo que esse tratamento tenha se dado no plano cientfico conforme ocorreu, de fato. Esse recurso foi necessrio para tentarmos alcanar um modo peculiar de tratar um tema singular. Trilhamos esse caminho tecendo um texto aberto, sem fronteiras definidas, conduzido por uma linguagem antes de tudo inclusiva, a qual nos permitiu trazer ao cenrio da discusso sobre a criatividade diferentes estilos na abordagem de questes emergentes. Porm, para abrir as janelas que poderiam dar acesso a esse novo horizonte, foi necessrio transcender a fronteira das reas que se tomam por constitudas da cincia e da histria e trazer ao cenrio de Morin e Moraes personalidades como Galileu Galilei, Coprnico, Ptolomeu, Plato, Herclito, Sartre, Nietzsche, Caeiro, Pessoa, Freud, Galeano, Janus, on, Mrio Quintana e tambm Capra, Binnig, Bhm, De Masi, Dewey, Paulo Freire, Rubem

  • Do ponto de vista transdisciplinar... | 39

    Alves, Mitjns, De Bono, Sternberg, Najmanovich, Nicolescu, Novaes, Wechsler, Piaget, Strauss, Tillich, Torrance, Torre, Weill, Maturana, alm da contribuio de diferentes reas do conhecimento como a arte, a literatura, a matemtica, a psicologia e a psicanlise.

    Este livro se apresenta, por fim, como o resultado de um estudo, cuja estrutura textual foi comparada, por Saturnino de la Torre, obra mestra de Gaud, no Parque Guell. Enquanto Gaud, para transformar a montanha numa obra de arte, quebrava as rgidas e estticas cermicas e depois as reorganizava em uma composio mais flexvel e criativa, o texto com o qual se deparou expressava o resultado criador no de uma nova cermica, ou mosaico, seno de uma composio muito mais grandiosa, espetacular e criativa. uma obra gaudiana dentro da arte e cincia da criatividade (Saturnino de la Torre, 2011). As palavras desse renomado e eminente cientista na rea da criatividade traduzem, de forma potica, a descrio supracitada.

  • 41

    Captulo 1

    DESCORTINANDO NOVOS CENRIOS DE EXPRESSO DA CRIATIVIDADE

    Fazer uma experincia com algo significa que algo nos acontece, nos alcana; que se apodera de ns, que nos tomba e nos transforma. [...] Podemos ser assim transformados por tais experincias, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo.

    Martin Heidegger (2003)

    Contextualizando os caminhos da aprendizagem

    Retomando o sentido da discusso iniciada no tpico anterior, acerca da necessidade de se buscar a singularizao como um recurso para provocarmos o estranhamento, a estrutura tecida nesse texto de abertura do primeiro captulo representa um espao de autoconhecimento.

    A singularizao est sendo tratada aqui em dois sentidos. O primeiro, por constituir uma maneira de afastar a percepo do automatismo, segundo a viso de Chklovski (1978). O segundo, associado expresso singularizao de identidades, segundo a viso de Souza e Diehl (2011), no sentido de

  • 42 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    permitir ao indivduo a compreenso de si como sujeito. Transpondo para o contexto do problema da criatividade, isso significa singularizar a percepo desse construto como uma possibilidade de reconstruir e de ressignificar problematizaes que auxiliem a entender como ela se constitui e se relaciona com os modos como vem sendo abordada no campo conceitual no qual est inserida.

    Dissemos no tpico anterior que no o caminho mais favorvel explicar o desconhecido pelo conhecido (Kothe, 1980), e que o reconhecimento ofusca a abertura aos processos de singularizao. Conhecer, na perspectiva de descortinar novos cenrios para a criatividade, implica certo nvel de abertura e de interao interpessoal no s com esse objeto do conhecimento, mas com a realidade que est em seu entorno. Requer a abertura de janelas que, muitas vezes, fechadas, se tornam obstculos para a compreenso desse objeto e da realidade na qual ele se situa. Transcender concepes consolidadas requer um processo gradativo de tomada de conscincia e posterior processo de deciso, que somente ser possvel pela via do autoconhecimento. preciso conhecer-se como sujeito para assumir a condio de quebrar fronteiras e permitir-se ousar na buscar do conhecimento de um fenmeno sob uma perspectiva diferente da usual. Sobretudo, porque autoconhecer-se significa compreender que no somos seres estticos, mas estamos em processo contnuo de mudana (Batalloso, 2013). Por essa razo, a dinmica da prpria vida nos exige mudana tambm de foco na apreenso do sentido e do significado dos fenmenos.

    Parafraseando Morin, precisamos desenvolver a conscincia do des-conhecimento do conhecimento, ou seja, a conscincia da impossibilidade de alcanar a totalidade. Para Morin (1986, p. 20), o progresso dos conhecimentos constitui, ao mesmo tempo, um grande progresso do desconhecimento. Sua crtica se impe sobre nossa percepo fragmentada, em consequncia da qual dispomos as informaes de forma estanque. Esse modo de agir, por sua vez, impossibilita o conhecimento do conhecimento, porque nosso pensamento o fragmenta em campos no comunicantes. Esse efeito, que potencialmente prejudicial ao autoconhecimento, entendemos que seja provocado pelo automatismo, o qual resulta da

  • Descortinando novos cenrios de expresso da criatividade | 43

    ausncia de singularizao. Autoconhecimento antes de tudo um princpio da inteligncia (Krishnamurti, 1976) e, como tal, estimula e potencializa os processos de conhecimento do mundo e da realidade.

    Assim, para abordar o problema da criatividade, buscamos uma estrutura inspirada no estilo literrio do poeta Eduardo Galeano, cuja obra As palavras andantes (1994) traz um recurso do qual nos apropriamos por entender ser pertinente dinmica adotada para falar da necessidade de abertura de horizontes. O conceito de janela, tambm adotado por Trres (2005, p. 1), remete-nos ao movimento de abertura da mente e do pensamento, no sentido de que no busca uma resposta simplesmente, mas se traduz como uma janela conceitual, atravs da qual ns percebemos e interpretamos o mundo, tanto para compreend-lo como para transform-lo [...] como uma espcie de lente cultural.

    Entendemos que falar da criatividade exige, de antemo, um voo mais ousado e coerente com um contexto que envolve tambm a complexidade e a transdisciplinaridade. Para compor esse cenrio atendendo aos aspectos tericos, epistemolgicos e metodolgicos que envolvem a abordagem do fenmeno, integramos os recursos do cenrio para o sentipensar idealizado por Moraes e Torre (2004), os quais sugerem a criao de um contexto de construo do conhecimento no qual devemos integrar razo e emoo.

    A composio desse cenrio exige recursos diferenciados, tendo como princpio o desenho de um ambiente de vivncia pautado pelo encanto e pelo amor, valores gerados no contexto de aceitao do outro em seu legtimo outro (Moraes; Torre, 2004). A pertinncia quanto ao uso do processo sentipensar em espaos de conhecimento e aprendizagem tambm resgata os pilares propostos pela Unesco, os quais, entre outros aspectos, inclui a criatividade. Trata-se de um recurso que se coloca em conexo com estratgias transdisciplinares e que, por sua vez, favorece a escuta sensvel (Moraes, 2008), atitude propcia expresso da criatividade. Na perspectiva de Barbier (2002), a escuta sensvel se realiza como um movimento sinrgico na direo do outro, promovendo a reciprocidade e o entrelaamento entre ao-pensamento, emoo-desejos-afetos, elementos que Moraes prope como expresso da totalidade humana.

  • 44 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    Desse modo, o cenrio da discusso foi composto de recursos como poesias, histrias, breves dilogos. Afinal, cincia e arte so estilos igualmente legtimos de manifestao do conhecimento. Se as mltiplas maneiras de perceber a realidade no inclurem a subjetividade, a razo e a emoo em parceria epistemolgica, a realizao e a utopia, tudo resultar inevitavelmente incompleto. Ao negar a subjetividade, negamos tambm a realidade (Mariotti, 2007). Essa viso remete ao impacto das mltiplas linguagens na aquisio de novas ferramentas de aprendizagem, na medida em que, pela abrangncia de recursos a que nos expe, permite desenvolver uma leitura reflexiva e crtica da realidade, refinando e transcendendo a viso que adquirimos do senso comum. Ao expandirmos as possibilidades de linguagem, alcanando sua multiplicidade, estamos expandindo tambm as possibilidades de comunicao com o mundo em diferentes perspectivas do olhar, o que favorece, sobremaneira, os processos de manifestao do conhecimento.

    Pressupostos dos cenrios para sentipensar

    Rigor sem sensibilidade vazio, sensibilidade sem rigor insignificante.

    Searle (2000)

    O termo sentipensar nasceu de um neologismo criado por Moraes e Torre (2004), cujo processo de justaposio denota o acoplamento entre sentimento/emoo e pensamento/razo, elementos que passam a atuar juntos, impactando os modos de perceber e de interpretar a realidade e suas implicaes no mbito cognitivo e emocional/afetivo. Assim sendo, a trade sentir-pensar-agir representa dimenses integradas que, por sua tessitura multidimensional, revelam a complexidade humana, influenciando, especialmente, os processos de conhecimento e de aprendizagem. Desse

  • Descortinando novos cenrios de expresso da criatividade | 45

    modo, educar para sentipensar j pressupe a escuta do sentimento e a abertura do corao.

    Em sua acepo literal, os autores definem sentipensar como um processo mediante o qual se colocam para trabalhar conjuntamente o sentimento e o pensamento, a emoo e a razo, evidenciando, assim, o quanto nossas estruturas cognitivas so irrigadas pelos nossos componentes emocionais, pelos nossos sentimentos e crenas (Moraes; Torre, 2004, p. 63). Trata-se de um processo que busca, antes de tudo, resgatar a dimenso emocional como fator preponderante nos processos e ambientes de construo do conhecimento, porm numa perspectiva diferente do modo convencional de conceber as implicaes emocionais na aprendizagem. Nesse sentido, a emoo no se restringe ideia de sentimentalismo, mas age como um elemento que, assim como o sentimento, se torna propulsor da ao. Maturana e Varela (1997) expem esses trs elementos como integrantes de nossa corporeidade, agindo na capacidade de autopoiese.1

    Entre os dois termos sentir e pensar se estabelece uma relao dialgica criada pelas prprias crenas, mitos, paradigmas, os quais so construdos e armazenados em nosso imaginrio, como consequncia de uma herana positivista inscrita em nosso pensamento, ao longo do processo histrico de evoluo do conhecimento. No entanto, por evocar uma relao que se insere no mbito da prpria lgica da complexidade, essa relao contribui e nos aproxima favoravelmente do cenrio para sentipensar. Transitar em um espao dialgico para discutir um fenmeno (criar) que se constitui um paradoxo entre a cincia (pensar) e a arte (sentir) implica, sobretudo, impregnar esse cenrio de recursos multissensoriais e poticos, estratgia que pretendemos desenvolver em nosso texto.

    Os pressupostos do cenrio para sentipensar sugerem uma nova viso para a educao e para a convivncia humana nos ambientes de aprendizagem.

    1 Autopoiese significa autoproduo de si e concebida por Maturana e Varela (2001), criadores do conceito, como o centro da dinmica constitutiva dos seres vivos, uma vez que os seres vivos so sistemas que se autoproduzem de modo ininterrupto. Pela capacidade de recompor suas prprias partes quando desgastadas, os seres so considerados simultaneamente produtores e produtos de si mesmos.

  • 46 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    Um cenrio para sentipensar

    Uma mesa remendada, velhas letrinhas mveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado: a oficina de Jos Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil. O ar cheira a tinta, cheira a madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas, esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recm-impressas, secam dependuradas no arame de um varal. Com sua cara talhada em madeira, Borges me olha sem dizer nada. Em plena era da televiso, Borges continua sendo um artista da antiga tradio do cordel. Em minsculos folhetos, conta causos e lendas: ele escreve os versos, talha as pranchas, imprime as gravuras, carrega os folhetos nos ombros e os oferece nas feiras, de povoado em povoado, cantando em ladainhas as faanhas das pessoas e dos fantasmas. Eu vim sua oficina para convid-lo a trabalhar comigo. Explico meu projeto: imagens dele, suas artes da gravura, e palavras minhas. Ele se cala. Eu falo e falo, explicando. Ele, nada. E assim continuamos, at que de repente percebo: minhas palavras no tm msica. Estou soprando em flauta rachada [...]. E ento deixo de explicar; e conto. Conto para ele as histrias de espantos e encantos que quero escrever, vozes que recolhi nos caminhos e sonhos meus, de tanto andar acordado, realidades deliradas, delrios realizados, palavras andantes que encontrei ou fui por elas encontrado. Conto a ele os contos. E este livro nasce (Galeano, 1994).

    O texto desse cenrio parte da obra de Galeano. Seu contedo traduz de forma simplesmente criativa, porm, bastante peculiar, o conto de um projeto do prprio autor, que desaguou em sua obra As palavras andantes, quando diz e este livro nasce. Apropriamo-nos de sua estrutura para dar forma inquietao das autoras por desvelar o problema da criatividade e torn-lo evidente. Essa inquietao, depois de um longo processo de estudos, discusses e reflexes, tambm desaguou numa realizao: e este livro nasceu! Portanto, estamos aqui para convid-lo(a) a mergulhar conosco, partilhando desse desafio, para que no sopremos em flauta rachada, e as ideias que se fizerem relevantes possam alar voos por inmeras mentes que tiverem acesso a estes escritos e ousarem desfrutar da autonomia de reconstru-los de incontveis maneiras.

    Relatamos aqui uma histria que envolve arte e cincia, na expectativa de que, interconectadas e em sinergia, auxiliem a desvelar um fenmeno que

  • Descortinando novos cenrios de expresso da criatividade | 47

    segue inquieto nessa busca intensa de sentido. Tambm se incorporaram a essa busca vozes recolhidas no caminho, alm de sonhos, delrios realizados. Essas vozes se transformaram em imagens dele [...] palavras minhas, mas a estrutura inspirada nele, porque minhas palavras no tm msica (Galeano, 1994).

    No tem msica, mas tem alma, porque o modo como escolhemos as palavras a serem ditas ou escritas est imbricado em nossas experincias, o que nos d o conforto de no escrever de um lugar neutro, de um lugar comum, mas do lugar de uma vida. Nessa experincia de escrita, de algum modo buscamos nos encontrar e nos autoconhecer, ao mesmo tempo que nos revelamos por dentro. Larrosa (1996) explica que narrar-se por meio da palavra uma forma de perceber a si prprio, ou seja, a percepo dessa relao consigo mesmo se revela nas narrativas que construmos. Afinal, como diz Galeano, e, em guarani, significa palavra e palavra tambm significa alma, portanto, quem no se revela pela palavra trai a alma e, se partilhamos nossa palavra, tambm partilhamos nossa alma.

    A descrio desse cenrio tem por finalidade integrar os processos de construo do conhecimento ao que nos inspira Francisco Varela. No se pode perder de vista a noo de que tudo que se ensina e que se aprende est pautado por uma relao de afeto com o objeto desse ensino e dessa aprendizagem. Por essa razo, o modo de organizar essa estrutura didtica denominado de caminhos da aprendizagem (Varela, 2000). Essa expresso foi cunhada por Francisco Varela, que a aplica em substituio a transmisso de conhecimento, expresso comumente usada e que passa a se chamar acoplamento ativo e participativo. Essa expresso abrange a trade professor-aluno-ambiente e rompe com a ideia de restringir o conhecimento pura aquisio de informao, que, equivocadamente, se concebe como sendo transmitida pela via da comunicao. Nesse contexto, Varela passa a tratar a informao como uma emergncia de sentido que se produz de modo ativo, recursivo e retroativamente, no interior dessa trade. Assim, transcende a viso de reas delimitadas de conhecimento, to comum em nossos ambientes disciplinares, para conceb-las como caminhos da aprendizagem (Ojeda, 2001), ambiente que favorece as condies de se desenvolverem, de forma espontnea e autntica, os processos criativos.

  • 48 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    Autoconhecimento: ferramenta de acesso s construes criativas

    Quem eventualmente, poeta no , cria o qu? Se algum no tem mesmo nada para criar, pode talvez criar a si mesmo.

    C. G. JUNG (1875-1961)

    Cenrio para sentipensar: A floresta do alheamento

    Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, modo de eu viver, diz-me que muito cedo ainda. Sinto-me febril de longe. Peso-me no sei por qu. Num torpor lcido, pesadamente incorpreo, estagno, entre um sono e a viglia, num sonho que uma sombra de sonhar. Minha ateno boia entre dois mundos e v cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um cu; e estas profundezas interpenetram-me, misturam-se, e eu no sei onde estou nem o que sonho [...] Uma grande angstia inerte manuseia-me a alma por dentro, e incerta, altera-me como a brisa aos perfis das copas [...]. Sou toda confuso quieta [...]. Com uma lentido confusa acalmo. Entorpeo-me [...]. Boio no ar, entre velar e dormir, e uma outra espcie de realidade surge, e eu, em meio dela [...]. Coexistem na minha ateno algemada as duas realidades, como dois fumos que se misturam. Que ntida de outra e de ela essa trmula paisagem transparente!

    E quem esta mulher que comigo veste de observada essa floresta alheia? Para que que tenho um momento de mo perguntar? Eu nem sei quer-lo saber... A alcova vaga um vidro escuro atravs do qual, consciente dele, vejo essa paisagem... e essa paisagem conheo-a h muito, e h muito que com essa mulher que desconheo erro, outra realidade, atravs da irrealidade dela. Sinto em mim sculos de conhecer aquelas rvores, e aquelas flores e aquelas vias em desvios e aquele ser meu que ali vagueia, antigo e ostensivo ao meu olhar [...]. De vez em quando pela floresta onde de longe me vejo e sinto, um vento lento varre um fumo [...]. Sonho e perco-me, duplo de ser eu e essa mulher... Um grande cansao um fogo negro que me consome... Uma grande nsia passiva a vida que me estreita... felicidade baa... O eterno estar no bifurcar dos caminhos!

    Eu sonho e por detrs da minha ateno sonha comigo algum. E talvez eu no seja seno um sonho desse Algum que no existe. [...] As rvores!

  • Descortinando novos cenrios de expresso da criatividade | 49

    As flores! O esconder-se copado dos caminhos! [...] nosso sonho de viver ia adiante de ns, alado, e ns tnhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado nas almas sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presena apoiada de um brao contra a ateno entregue do outro brao que o sentia. nossa vida no tinha dentro. ramos fora e outros. Desconhecamo-nos, como se houvssemos aparecido s nossas almas depois de uma viagem atravs de sonhos. [...] Fora daquelas rvores prximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes ltimos no horizonte haveria alguma cousa de real, de merecedor do olhar aberto que se d s cousas que existem? [...] Se pudssemos ser ruidosos ao ponto de nos imaginarmos rindo, riramos sem dvida de nos imaginarmos vivos [...] Fujamos a sermos ns. [...] Foge diante dela, como um nevoeiro que se esfolha, nossa ideia do mundo real, e eu possuo-me outra vez no meu sonho errante, que esta floresta misteriosa esquadra (Fernando Pessoa, 1980; 2005).

    A chamada ao texto dramtico de Fernando Pessoa pretende materializar o dilema na deciso de assumir-se no controle, ao tratar de uma relao criativa entre sujeito e objeto de aprendizagem. So esses os momentos nos quais nos deparamos com uma situao de angstia epistemolgica provocada pela sensao de distanciamento da essncia ontolgica num espao de construo cujo processo exige de antemo esse protagonismo do ser requerendo como ao, sua natureza autopoitica. Remete sensao de ausncia que vai ao encontro das palavras de Fernando Pessoa.

    Quanto se poderia ousar na tentativa de superar paradigmas, sem tornar visvel uma identidade prpria? O que significaria uma expresso criativa solitria num contexto de nadificao do prprio criador?

    Curiosamente, ativar esse processo de reflexo termina por provocar a estranha sensao de chegarmos ao nada, nos deparando com nossa ilimitada limitao. Esse questionamento da ausncia momentnea do eu reforado por Sartre (2002), quando concebe o indivduo como um ser-no-mundo que, embora sua formao se inicie indefinida e, por isso, viva nessa busca insacivel de sentido, age diante disso no de forma esttica, mas em movimento de constante evoluo, incorporando cada experincia como um elemento essencial sua edificao. Sartre avalia, no entanto, que o mistrio subjacente sensao do nada, responsvel por despertar um

  • 50 | Olzeni Costa Ribeiro e Maria Cndida Moraes

    misto de temor e desesperana, ao mesmo tempo o que nos impulsiona na busca das possibilidades de enfrent-lo. Na verdade, Sartre, embora considerado por muitos como um pensador negativo e pessimista, representa o existencialismo, e para o bem ou para o mal afirma que a existncia precede a essncia. Assim, termina por argumentar em favor da ontologia como uma necessidade de que o ser se mostre, a priori, em sua natureza, em seu legtimo eu, portanto, no pode ser concebido de fora, como um elemento inativo, entorpecido.

    O encontro com o monlogo de Fernando Pessoa materializa essa concepo pelo modo como sugere a existncia de uma suposta personagem, apresentada pelo eu lrico. Como se surgisse do nada, em alguns momentos da trama ela emerge como se fosse o espectro de uma pessoa humana que vem tomando forma quase invisvel e passa a configurar-se a partir de um processo de simbiose que vai aos poucos se instalando.

    No entanto, essa personagem pode se conformar em inmeras formas e aspectos por no trazer em si uma identidade instituda. Por meio das afirmaes, tessituras textuais, suposies, questionamentos, constataes, citaes, ela vai deixando de se mostrar, ao mesmo tempo em que, implicitamente, permite transparecer sua existncia. Assim, no se permite caracterizar, uma vez que se revela apenas sutilmente por meio do texto. O que pouco se consegue caracterizar aquele que se diz sujeito por meio de sua extrema subjetividade.

    Ler Fernando Pessoa, nesse contexto, no remete a reflexo somente para o locus da esttica por se tratar de um texto potico. A inteno fazer referncia ao seu perfil humanista e filosfico visando enfatizar, sobretudo, sua devotada busca pelo eu, na perspectiva de encontrar sua presena num espao em que, mesmo diante da conscincia da ausncia de si, no lhe ser permitido se mostrar por inteiro. No se trata de um eu esttico, mas ilimitado e que se auto-organiza constantemente, podendo se revelar a partir das mais diferentes caractersticas. Um eu que se assemelha primeira pessoa que, geralmente, tende a se esconder nos textos escritos e, que, embora travestido por diversas configuraes, se esconde na impessoalidade da terceira pessoa.

  • Descortinando novos cenrios de expresso da criatividade | 51

    Nessa perspectiva, termina por se impor limitaes sobre a expresso dos processos criativos desde sua prpria essncia, para colocar em evidncia outros condicionantes. Assim, com receio da opinio dos outros, a pessoa levada a expor, de modo parcimonioso, os elementos que constituem sua prpria identidade, escondendo-se por trs dos blocos sustentados culturalmente, como diz Bhm (2011, p. xviii), ao se referir aos impedimentos expresso da criatividade na proporo em que ela deveria existir. Esses elementos passam pela sua trajetria de vida, seus anseios, suas dvidas, suas questes interiores, suas provveis certezas. Talvez aqui nos deparemos com uma das primeiras razes para que estudos e didticas aplicadas ao desenvolvimento da criatividade reduzam sua fora de mudana da realidade sobre a qual se direcionaram seus benefcios.

    Antes de alcanar o tempo e a experincia necessrios, em que lhe ser permitido adotar um estilo prprio de criar, o potencial para essa criao se torna, no interior do indivduo, esse eu lrico contado por Fernando Pessoa, o qual vai se construindo e no se mostrando a partir dos inmeros encontros com seu objeto de criao. Curiosamente, esse eu segue dando nfase aos verbos no pretrito imperfeito e no infinitivo, quem sabe, um recurso para dar leveza a essa ausncia sentida, na ideia de que nada absoluto, perfeito, mas que tudo pode ser um vir a ser: nenhum de ns tem nome ou existncia plausvel; se pudssemos ser ruidosos ao ponto de nos imaginarmos rindo, riramos sem dvida de nos imaginarmos vivos (Pessoa, 1980, p. 110).

    perceptvel nos crculos de debates que uma nova vertente da cincia parece apontar para a reintroduo do sujeito cognoscente nos processos de construo do conhecimento. Essa uma perspectiva favorvel expresso dos processos criativos. No entanto, esse sujei