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Departamento de Educação O paradigma da mente corporificada na explicação da cognição humana. Aluno: Guilherme da Silva Candido Orientador: Ralph Ings Bannell Introdução A necessidade de mapear a nova ciência da mente e suas vertentes, para melhor entender as opções sendo desenvolvidas hoje em dia na literatura filosófica e nas ciências cognitivas, é importante para pensar a teoria e prática educativas. Por esse motivo, essa pesquisa propõe fazer um mapeamento inicial das ciências cognitivas contemporâneas e como podem nos ajudar a compreender a experiência educacional. No pensamento ocidental, especificamente o moderno, o foco na análise do entendimento tradicionalmente é voltado à cognição visto como algo separado do corpo, das emoções e do ambiente. No entanto, recentemente houve uma apreciação maior do papel do corpo e das emoções no entendimento e nas capacidades cognitivas. Além disso, teorias atuais enfatizam o acoplamento do organismo com seu ambiente para explicar capacidades cognitivas. É nessa abordagem geral que essa pesquisa se situa. A pergunta de partida da pesquisa é: quais novas teorias da cognição estão sendo desenvolvidas nas ciências cognitivas e como elas podem impactar nossa compreensão da experiência educacional? A pesquisa procura compreender o papel do cérebro, do corpo e do ambiente como base da cognição – desfazendo a dicotomia corpo/mente e adotando uma concepção corporificada da mente. A maioria das teorias que envolvem o estudo da cognição na infância levam em consideração a linguagem e cultura, bem como, mais recentemente, o cérebro, na chamada neuropedagogia. No entanto, embora esteja presente, é claro, a importância do corpo no processo de entender o mundo é ainda pouco estudado na educação. Essa pesquisa pretende focar na base corporal da cognição, com ênfase na educação da criança pequena. Nas últimas décadas, várias teorias começaram a considerar a ação do corpo, no seu acoplamento com o meio físico e cultural, como sendo central na explicação das capacidades cognitivas do ser humano. Isso levou à abordagem conhecida como enativa ( enactive), que, junto com outras – tais como a teoria embutida, a teoria incorporada e a teoria estendida - fazem parte do que está sendo chamada a Nova Ciência da Mente (Rowlands, 2010) [2]. Essa abordagem vem sendo desenvolvida na segunda metade do século XX e no início do século atual, embora suas raízes poderiam ser identificadas em pensadores nas tradições do pragmatismo americano (William James e John Dewey) e da fenomenologia (Merleau-Ponty), no início do século XX. Essas abordagens permitem aprofundar na compreensão do papel do biológico na cognição humana, mas sem desconsiderar o meio no qual o sujeito está inserido, inclusive a linguagem. Metodologia Na pesquisa filosófica, que é teórica por natureza, a questão de método a ser adotado exige um tratamento diferente daquele numa investigação empírica. Basicamente, o procedimento

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Departamento de Educação

O paradigma da mente corporificada na explicação da cognição humana.

Aluno: Guilherme da Silva CandidoOrientador: Ralph Ings Bannell

Introdução

A necessidade de mapear a nova ciência da mente e suas vertentes, para melhor entender asopções sendo desenvolvidas hoje em dia na literatura filosófica e nas ciências cognitivas, éimportante para pensar a teoria e prática educativas. Por esse motivo, essa pesquisa propõe fazer ummapeamento inicial das ciências cognitivas contemporâneas e como podem nos ajudar acompreender a experiência educacional.

No pensamento ocidental, especificamente o moderno, o foco na análise do entendimentotradicionalmente é voltado à cognição visto como algo separado do corpo, das emoções e doambiente. No entanto, recentemente houve uma apreciação maior do papel do corpo e das emoçõesno entendimento e nas capacidades cognitivas. Além disso, teorias atuais enfatizam o acoplamentodo organismo com seu ambiente para explicar capacidades cognitivas. É nessa abordagem geral queessa pesquisa se situa. A pergunta de partida da pesquisa é: quais novas teorias da cognição estãosendo desenvolvidas nas ciências cognitivas e como elas podem impactar nossa compreensão daexperiência educacional? A pesquisa procura compreender o papel do cérebro, do corpo e doambiente como base da cognição – desfazendo a dicotomia corpo/mente e adotando uma concepçãocorporificada da mente. A maioria das teorias que envolvem o estudo da cognição na infância levamem consideração a linguagem e cultura, bem como, mais recentemente, o cérebro, na chamadaneuropedagogia. No entanto, embora esteja presente, é claro, a importância do corpo no processo deentender o mundo é ainda pouco estudado na educação.

Essa pesquisa pretende focar na base corporal da cognição, com ênfase na educação dacriança pequena. Nas últimas décadas, várias teorias começaram a considerar a ação do corpo, noseu acoplamento com o meio físico e cultural, como sendo central na explicação das capacidadescognitivas do ser humano. Isso levou à abordagem conhecida como enativa (enactive), que, juntocom outras – tais como a teoria embutida, a teoria incorporada e a teoria estendida - fazem parte doque está sendo chamada a Nova Ciência da Mente (Rowlands, 2010) [2]. Essa abordagem vemsendo desenvolvida na segunda metade do século XX e no início do século atual, embora suasraízes poderiam ser identificadas em pensadores nas tradições do pragmatismo americano (WilliamJames e John Dewey) e da fenomenologia (Merleau-Ponty), no início do século XX. Essasabordagens permitem aprofundar na compreensão do papel do biológico na cognição humana, massem desconsiderar o meio no qual o sujeito está inserido, inclusive a linguagem.

Metodologia

Na pesquisa filosófica, que é teórica por natureza, a questão de método a ser adotado exigeum tratamento diferente daquele numa investigação empírica. Basicamente, o procedimento

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adotado é o de análise e interpretação de textos filosóficos e científicos, visando a reconstruçãoracional e crítica dos argumentos dos autores. Esse processo exige a análise dos textos, identificaçãode conceitos e argumentos e, portanto, uma interpretação e problematização dos argumentos dosautores em pauta. A interpretação, nesse contexto, é feita através de levantamento de problemas,inconsistências, incoerência e evidência empírica contrária, além de outros elementos, para, combase na reflexão pessoal, reelaborar os argumentos num outro texto, que tem como característicacentral uma discussão crítica das perspectivas, conceitos, posições e argumentos adotados pelosinterlocutores escolhidos (Severino, 2000) [3]. Esse método de trabalho oferece a possibilidade dedesenvolver novos conceitos, análises e teses, a partir da apropriação crítica do trabalho de outros.

Objetivos

O objetivo principal do projeto é uma exploração das concepções da cognição desenvolvidasna filosofia e nas ciências cognitivas nas últimas décadas que dão prioridade às abordagens enativa,embutida, incorporada e estendida da mente, bem como suas implicações para a educação. Paraatingir esse objetivo, optamos por investigar a concepção da cognição desenvolvida por AndyClark, filósofo e cientista cognitivo inglês, bem como outras teorias da cognição e compará-las,para melhor entender o terreno conceitual e teórico em torna da questão da mente e cogniçãohumana. Depois, vamos refletir sobre as implicações dessas concepções de cognição para apedagogia.

Discussões

Inicialmente o relatório explorará questões que envolvem o ponto em que as ciências cognitivas se baseiam e para responder essa primeira elucidação remeto-me ao pequeno texto de Pedro Henrique Passos Carné no texto [4]A RELAÇÃO ENTRE A FILOSOFIA DA MENTE E AS CIÊNCIAS COGNITIVAS(2008) no qual ele explora sucinta e objetivamente a temática:

“A ciência cognitiva é o estudo interdisciplinar da mente e da inteligência, englobando filosofia, psicologia, inteligência artificial, neurociência, lingüística e

antropologia” (p. IX) . Esta afirmação de [5]Paul Thagard, acerca do caráter plural das ciências cognitivas, inaugura o prefácio de seu livro introdutório ao estudo das

mesmas, bem como orienta a edição da MIT Encyclopedia of Cognitive Sciences, em nada introdutória, efetuada por Robert Wilson e Frank Keil. A pergunta que

orientaria determinada pluralidade, constituindo-se como a interseção de todos estes conjuntos disciplinares, se dirigiria, por sua vez, à funcionalidade da mente humana.

Afinal, tal como expressa o professor da University of Waterloo, “o principal objetivo da ciência cognitiva é explicar como as pessoas chegam a seus diferentes

tipos de pensamento. Não apenas descrever os diferentes tipos de resolução e aprendizado de problemas, mas também explicar como a mente realiza estas

operações” (p. 15). (CARNÉ, 2008)

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E sua relação com a filosofia:

A filosofia é que reflete e sistematiza a ou as atitudes de base que constituem o únicolaço social no interior da área”. Isto significa que a existência de uma

hipótese central nas ciências cognitivas seria uma atribuição filosófica à mesma, fatoque transformaria o agrupamento de disciplinas em um projeto epistemológico

profundamente determinado e orientado. Enquanto os mais diversos cientistas se encontrariam imersos em debates profundamente controversos acerca das melhores

descrições (melhores modelos) para as mais diversas operações mentais, o filósofo se constituiria como “o árbitro que disciplina, regula e finalmente julga estes

confrontos”(Ibidem)

Outro ponto de destaque que serviu para uma melhor ambientação do projeto foi acompreensão dos principais referenciais e conceitos. As revisões literárias que se limitaram a umperíodo que vai de Descartes à Andy Clark.

Como marco inicial das questões relativas a mente, convencionalmente a temática éremetida a Descartes, todavia, considera-se a obra inaugural que marca a Filosofia da Mente o livro[6]The Concept of Mind, de Gilbert Ryle (1949). Nesta obra, Ryle se dedica exaustivamente àdestruição do que ele intitula como “o dogma do fantasma na máquina”, termo que denota a“doutrina oficial sobre o fenômeno mental” oriunda da tradição filosófica (mais especificamente deDescartes), para fazer com que se desenvolva uma verdadeira teoria acerca do fenômeno mental.

Tendo como principal referência o livro Mindware.An introduction to the philosophy ofcognitive Science(2001) de Andy Clark o presente relatório se baseará nessa literatura específicapara apontar as questões suscitadas na decorrência da pesquisa. Os assuntos abordados limitar-se-ãoas modelos internalistas e externalistas no âmbito da filosofia da mente. Teorias internalistasprivilegiam aspectos internos ao indivíduo para explicar a mente, especialmente o cérebro, enquantoteorias externalistas dão ênfase no que é externo ao indivíduo, tais como artefatos culturais,ambiente físico, iniciando um apontamento para os conceitos abordados no paradigma mente

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corporificada (embodied mind), perpassando pelas principais teorias que de certo modo procuramexplicar a mente e a cognição a partir da união entre o cérebro, o corpo e o ambiente, por meio doparadigma da embodied mind, que dá ênfase nas concepções enativa (enactive), corporificada(embodied), embutida (embedded) e estendida (extended) da mente.

Modelos internalistas

Dualismo

Perspectiva que dimensiona o ser humano em 2 instâncias, uma física (o corpo) e outra nãofísica (mente), todavia a questão que é posta é: Como ocorre a relação entre esses entes haja vistaque nossos pensamentos, crenças, desejos (elementos imatérias), se relacionam com elementosmatérias como o ambiente em que estamos inseridos?

Para responder a indagação inerente ao modelo defendido, Clark apresenta as 3 maioresvertentes do Dualismo, a saber: o Paralelismo, o Epifenomenalismo e o Interacionismo

1. Paralelismo – Para essa vertente, os processos mentais e os processos corporais ocorrem emparalelo, isto é, não se influenciam. A premissa básica é que esses processos foram criadosem plena harmonia, por Deus ou por qualquer outra força reguladora

2. Epifenomenalismo – No quesito processos mentais e físicos os epifenomenalistas mantémde certo modo esses dois aspectos isolados, porém, para essa vertente os processos físicosinfluenciam os mentais, mas os mentais não exercem nenhuma influência sobre a dimensãofísica. A resposta que esse ramo do dualismo apresenta para as questões que envolvem assensações que sentimos de controle dos nossos movimentos é que essa sensação é umailusão.

3. Interacionismo – Tal ramo dualista pode ser considerado o mais famoso e tem comorepresentante o francês René Descartes. O modelo cartesiano concebe duas dimensõesdistintas o corpo e a mente e preconiza as influências mútuas desses elementos. Para omodelo de Descartes essa influência é mediada pela glândula pineal. Clark destaca nesseponto que a influência de aspectos físicos em características compreendidas de acordo comoesse ramo como um aspecto não-físicos, podem ser empiricamente demonstradas, como porexemplo a influência de drogas como o ecstasy nas emoções, entretanto as implicações não-físicas na dimensão física não podem ser empiricamente demonstradas.

Funcionalismo

O funcionalismo é a ideia de que os estados mentais são conceitualmente redutíveis aestados funcionais. O funcionalismo teve na sua origem na ideia de estados computacionais queconsistem em determinados inputs que são manipulados de formas específicas e produzem outputsespecíficos. Se considerarmos que os estados mentais podem ser assim definidos, então podecompreender-se que um estado mental, embora tenha necessariamente um qualquer suporte físico, éindependente do tipo de suporte onde é implementado. A ideia era de que tal como o mesmoprograma ou software pode ser implementado em sistemas operativos ou hardware diferente, da

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mesma forma um estado mental pode ser entendido como podendo ser implementado em suportesdiferentes. No modelo computacionalista os estados mentais eram vistos apenas como manipulaçãode informação e eram definidos nesse sentido.

Entretanto, de acordo com [7]Sara Bizarro no artigo Filosofia da Mente(2012):

Há muitas objecções ao funcionalismo computacionalista, mas a mais conhecida é a do Quarto Chinês, proposta por Searle. John Searle propôs a experiência de

pensamento conhecida como o argumento do Quarto Chinês . A experiência consistenuma situação na qual imaginamos um sujeito que apenas fala inglês fechado num

quarto com um manual sofisticado que relaciona certos caracteres chineses com outros caracteres chineses. O indivíduo pratica a manipulação destes símbolos,

seguindo regras propostas num grande manual. Passado algum tempo ele é capaz de responder a mensagens enviadas pelos seus guardas chineses com tal eficácia que

eles não conseguem descobrir se ele é ou não Chinês. A pergunta crucial nesta situação é a seguinte: o indivíduo fechado naquele quarto sabe ou não falar Chinês?

A resposta óbvia parece ser: não. Ele apenas manipula símbolos encontrados num manual e não tem qualquer ideia do que está a dizer, logo, compreender uma língua

não pode ser apenas uma simples manipulação de símbolos. O Quarto Chinês de Searle foi tradicionalmente considerado como um argumento contra o funcionalismo

computacional, como não dizemos que o indivíduo fala Chinês existe uma diferença essencial nos estados mentais de um indivíduo que apenas manipula símbolos e num

indivíduo que fala uma língua. O funcionalismo não é necessariamente

computacional.(2012)

Paradigma Simbólico

A abordagem simbólica pressupõe uma complexificação das informações pois, nesseparadigma todos os níveis de cognição podem ser traduzidos em elementos mais complexos e assimpor diante.

O paradigma simbólico postula estados mentais representacionais que se dão num nível simbólico e abstrato, bem como a existência de uma base de representação

formal e lógica fundamental que descreve todos os objetos primitivos, as relações e as ações que compõem o mundo real [8](FODOR e PYLYSHYN, 1988). Assim, o

conhecimento pode ser representado por regras lógicas e símbolos, e o comportamento inteligente advém da execução dessas regras e da manipulação

desses símbolos [9](TORSUN, 1995). Fodor e Pylyshyn (1988) acrescentam, ainda, que a informação é representada por feixes de símbolos, que são produzidos em

seqüência, de acordo com as instruções de um programa computacional simbólico. Dessa forma, todo o processamento das informações é feito em série. [10](MOTA,

ZIMMER,2005)

A Inteligência Artificial (IA) surgiu no bojo desse paradigma cognitivo na década de50, com o desenvolvimento da ciência da computação [11](HAYKIN, 1994, p. 3-5;

TORSUN, 1995). Teóricos da IA postulavam que qualquer pensamento inteligente pode ter sua raiz nas computações de sistemas simbólico-físicos [12](CLARK, 19

89).No modelo simbólico, o processamento de informação consiste essencialmente

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na transformação de símbolos de acordo com regras, que, na Inteligência Artificial, estariam estabelecidas num programa computacional [13](NEWELL,

ROSENBLOOM e LAIRD, 1998, p. 96). Nesse paradigma, há uma grande preocupação com a descrição do processo de representação, visto como uma

manipulação de símbolos feita no nível semântico. Assim, a ênfase é dada aos processos mentais – softwares– sem preocupação alguma com a relação desses com

a estrutura onde ocorrem: o cérebro – ou hardware. Esse paradigma está em consonância com a posição racionalista, ou platônico-cartesiana, segundo a qual a

realidade mental é distinta da realidade física [14](DAMASIO, 2000). Essa visão dualista estabelece sua opção pela mente e pelo tratamento formal do símbolo,

deixando o cérebro de lado. Ao privilegiar a mente, centrando seus estudos sobre a cognição em representações mentais abstratas, o paradigma simbólico prioriza a

construção de modelos de estruturas cognitivas de armazenamento e organização de conhecimento semelhantes a arquivos de um computador, como os esquemas e os

frames [15](MINSKY, 1981). A principal teoria do paradigma simbólico é a do processamento da informação, que compreende a cognição como a operação

coordenada de vários processos mentais que se realizam em um sistema de memória multicomponencial [16](ASHCRAFT,1994). (ibidem)

Modelos como o de Chomsky(apreensão da linguagem) e o de David Marr(visão) podemser enquadrados nessa perspectiva, pois pressupõem que a quantidade de informações disponíveisno ambiente não são suficientes para explicar esses fenômenos, sendo assim a necessidade decomplexificação de informação para que a visão e a linguagem se traduzam como eles percebem.

Paradigma Conexionista

O conexionismo, parti da premissa de que o processamento cognitivo está intimamenteligado à maneira como os neurônios se interconectam no cérebro. Dessa forma, processoscognitivos como a memória e a aprendizagem são estudados levando em conta sua base física e omeio ambiente onde se situa o sistema em que eles ocorrem.

De acordo com [17]Shanks (1993), a idéia central do conexionismo está no processamento de informação do cérebro, que se dá através de redes neuroniais – cujas células nervosas, os neurônios, comunicam-se umas com as outras através da transmissão de impulsos elétricos. Um princípio básico do conexionismo é que a maioria das redes neuroniais do cérebro, senão todas, passa por mudanças sutis que ocorrem nas sinapses entre os neurônios. (Mota, Zimmer, 2005)

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Nessa etapa apresentarei as teorias Externalistas e uma necessária explicação de que aselucidações apresentadas aqui demonstram a tese mais forte(most radical interpretation), isto é, acompreensão que de fato rompe com a primazia do cérebro sobre o corpo e o ambiente.

Modelos externalistas

Mente Corporificada - The Mind Embodied

Mark Rowlands no livro The New Science of the Mind : From Extended Mind to EmbodiedPhenomenology(2010) limita a concepção de mente para assim apresentar uma definição com umviés materialista:

There is a persistent tendency in most of us to think of the mind as something that lies behind and holds together our various mental states and processes; to think of it

as something to which all those states and processes belong. If we think of the mind in this way, then cognitive science — in both Cartesian and non-Cartesian forms —

is not a science of the mind but of mental processes. Of course, if we think of the mind as nothing more than a network of mental states and processes, things are

different. On this, what is often known as the Humean view of the mind — for Hume might have held a view similar to it — cognitive science would indeed be a

science of the mind. 1 However, in the absence of any consensus on whether or not the mind is in this sense Humean, I shall continue to regard the new science of the

mind as, fundamentally, a science of mental states and processes. Therefore, what I am going to call the thesis of the embodied mind is more accurately rendered the

thesis of embodied mental processes. This is a bit of a mouthful, so I shall continue talking of the thesis of the embodied mind; but it should be understood that it is a

thesis concerning mental processes and not the mind as this is perhaps commonly understood. (Rowlands,2010)

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Essa concepção de mente como processos mentais é fundamental para a abordagemdefendida de que os processos mentais não ocorrem apenas no cérebro, mas a estão encorporados,de acordo com essa perspectiva o corpo com o cérebro constituem os processos cognitivos.[18]Shapiro(2004) e [19]Damasio(1994), tem defendido a tese de que, pelo menos, algunsprocessos mentais ocorrem de combinação cérebro e corpo, de forma constitutiva. Shapiro(2004)salienta:

psychological processes are incomplete without the body ’ s contributions. Vision forhuman beings is a process that includes features of the human body. . . . Perceptual

processes include and depend on bodily structures. This means that a description of various perceptual capacities cannot maintain body-neutrality and it also means that

an organism with a non-human body will have non-human visual and auditory psychologies. (SHAPIRO,2004 p.190)

Reforçando ainda mais a concepção da mente incorporada(embodied), pode se pensar emalguns apontamentos que Shapiro(2004) fez, de que a ‘’visão humana requer um corpohumano’’(tradução pessoal), sendo assim o corpo não é só dependente para que o ser humano vejaou ouça, entretanto, ele compõe com o cérebro como o ser humano vê e ouve.

Mente Estendida - Extended Mind

Abordagem que preconiza a relação da cognição além dos limites do corpo[20](Clark,Chalmers,1998) sendo assim abrindo margem para a cognição na combinação com elementosexternos ao organismo humano, como, por exemplo, um diário ou até mesmo com tecnologiasdigitais como celulares, computadores e afins.

Clark apresenta um quadro no qual apresenta um elemento fundamental para a cognição,elemento esse que com a memória permitem a realização de uma das etapas do processo cognitivoThe Standing Beliefs (Box 9.1).

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A partir dessas crenças o argumento central da abordagem da mente estendida serádesenvolvida e para isso Clark propõe o experimento mental de Otto e Inga a saber:

The fictional characters Otto and Inga are both travelling to a museum

simultaneously. Otto has Alzheimer's disease, and has written all of his directions down in a notebook to serve the function of his memory. Inga is able to recall the

internal directions within her memory. In a traditional sense, Inga can be thought to have had a belief as to the location of the museum before consulting her memory. In

the same manner, Otto can be said to have held a belief of the location of the museum before consulting his notebook. The argument is that the only difference

existing in these two cases is that Inga's memory is being internally processed by thebrain, while Otto's memory is being served by the notebook. In other words, Otto's

mind has been extended to include the notebook as the source of his memory. The notebook qualifies as such because it is constantly and immediately accessible to

Otto, and it is automatically endorsed by him. (Clark,Chalmers,1998)

A partir desse experimento uma indagação emana corroborando a ideia da teoria, qual é adificuldade de conceber a cognição como algo além dos limites do corpo haja vista que para odesafio mental tanto Inga quanto Otto independente da memória orgânica ou não se utilizaram dascrenças para filtrar as informações, sendo assim da mesma forma que uma memória orgânicaconstitui o processo cognitivo, memórias não-orgânicas também se enquadram nesse quesito. Clarke Chalmers também criam alguns quesitos para que os modelos não-orgânicos

Que o recurso esteja disponível de forma confiável e normalmente chamado. (Otto sempre carrega o caderno e não responde que ele "não sabe" até depois que ele tenha

consultado). 2. Que qualquer informação assim recuperada seja mais ou menos automaticamente endossada. Normalmente não deve estar sujeito a escrutínio crítico

(ao contrário das opiniões de outras pessoas, por exemplo). Considerou-se tão confiável quanto algo recuperado claramente da memória biológica. Quando

solicitado. ponto no passado, e de fato existe como conseqüência deste endosso. 3. Que a informação contida no recurso deve ser facilmente acessível como e 4. Que a

informação no caderno foi conscientemente endossada em algum ponto no passado ede fato existe como conseqüência deste endosso.(Clark, Chalmers, 1998)

Cognição Embutida - Embedded Cognition

O modelo da mente imbutida dentre as principais abordagens que procuram explicar é o quepossuí uma tese que não rompe claramente com uma abordagem cartesiana(internalista), podendoser compreendida com até certo ponto similar ao modelo da mente estendida. De acordo com estatese alguns processos cognitivos dependem do ambiente, pois só funcionam em conjunto. A grandediferença entre essa abordagem e as demais é que nesse modelo a cognição, envolve o ambiente

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ocorre de forma dependente, e não constitutiva, dizer que um processo cognitivo é impulsionadopelo ambiente não implica que o processo seja constituído ambientalmente ([21]Adams, Aizawa

2001, 2010; [22]Rupert 2004).

Abordagem Enativa - Enactive approach

Clark limita claramente sua compreensão sobre a abordagem enativa as eluicidações de AlvaNöe modelo que compreende a cognição como o resultado da relação da ação corpo com oambiente, modelo bastante inspirado na abordagem ecológica de James Gibson [23](EcologicalApproach to Visual Perception, 1979). Nessa abordagem a cognição se envolve o movimentocorporal, o espaço(as superfícies) e o conhecimento sensório-motor [24](Noë, 2004).

As you move with respect to the cube, you learn how its aspect changes as you

move — that is, you encounter its visual potential. To encounter its visual potential is thus to encounter its actual shape. When you experience an object as cubical

merely on the basis of its aspect, you do so because you bring to bear, in this experience, your sensorimotor knowledge of the relation between changes in cube

aspects and movement. To experience the fi gure as a cube, on the basis of how it looks, is to understand how its look changes as you move. (Noë2004, 77)

Para essa abordagem a percepção é ressignificada, a concepção tradicional de que apenasprocessamos estímulos externos(quer ser já pela visão ou pelo tato), não se aplica a esse modelo,pois a cognição aqui é compreendida pela constituição da ação corporal(movimento) com oambiente. Mais uma vez tendo como um referencial teórico o conceito de Affordances (Gibson,1979), que em linhas gerais pode ser compreendido como as possibilidades que um organismopossuí e suas formas de percepção são limitas ou potencializadas, pela sua forma, mobilidade,elasticidade entre outras características corporais.

Conclusões

De forma geral o estudo teórico permitiu um mapeamento que pode ser explorado

teoricamente a partir de duas dimensões quando exploramos as nuances da filosofia da mente.

Abordagens internalistas e abordagens externalistas. Teorias internalistas privilegiam aspectos

internos ao indivíduo para explicar a mente, especialmente o cérebro, enquanto teorias externalistas

dão ênfase no que é externo ao indivíduo, tais como artefatos culturais, ambiente físico etc.

No livro Mindware: an introduction to the philosophy of cognitive science Andy Clark [1]

propõe a compreensão a partir do retrospecto das teorias mais notórias e inicia um apontamento

para os conceitos abordados no paradigma mente corporificada (embodied mind), perpassando pelas

principais teorias que de certo modo procuram explicar a mente e a cognição a partir da união entre

o cérebro, o corpo e o ambiente, por meio do paradigma da embodied mind, que dá ênfase nas

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concepções enativa (enactive), corporificada (embodied), embutida (embedded) e estendida

(extended) da mente.

O projeto se manteve apenas no âmbito do mapeamento teórico, motivando assim o

surgimento de uma nova proposta, a saber, compreender melhor a abordagem enativa, para assim

correlaciona-la com as implicações educacionais. No momento estou examinando percepção partir

dessa perspectiva e no futuro pretendo ampliar a investigação para incluir questões sobre

representações. As implicações dessa investigação para a educação da criança pequena, também

serão incluídos na próxima etapa da pesquisa

Referências

[1]Clark, A. Mindware.An introduction to the philosophy of cognitive Science. 2na. Edition. Oxford: Oxford University Press, 2014.

[2]Rowlands, M. The New Science of the Mind. From Extended Mind to Embodied Phenomenology. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2010.

[3]Severino, A.J. Metodologia do Trabalho Científico. 21ª. Edição. Sâo Paulo: Cortez, 2000.

[4]CARNÉ, Pedro Henrique Passos. A relação entre a filosofia da mente e as ciências cognitivas.(2008)

[5] THAGARD, Paul. Mente. Introdução à Ciência Cognitiva. Trad. Maria Rita Hofmeister. Porto Alegre, Editora Artes Médicas, 1998.

[6] RYLE, G.: The Concept of Mind. New York: Barnes & Noble, 1949. [7] BIZARRO, Sara. Filosofia da Mente, 2012

[8]FODOR, J.; PYLYSHYN, Z. Connectionism and cognitive architecture: a critical analysis. Cognition, v. 28, p. 3-71, 1988.

[9] TORSUN, I. S. Foundations of intelligent knowledge-based systems. London: Academic Press, 1995. 402p.

[10] MOTA; ZIMMER, Mailce ;Márcia Cristina . Cognição e aprendizagem de L2: o que nos diz a pesquisa nos paradigmas simbólico e conexionista in: Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 5, n. 2, 2005

[11]HAYKIN, S. Neural networks. Ontario: Macmillan College, 1994.

[12]CLARK, A. Microcognition: philosophy, cognitive science and parallel distributed processing. Oxford: Blackwell, 1989.

[13] NEWELL, A.; ROSENBLOOM, P. S.; LAIRD, J. E. Symbolic architectures for cognition. In: POSNER, M. (Ed.). Foundations of cognitive science. Cambridge, MA: MIT, 1998. p. 436-459.

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[14]DAMASIO, A. The feeling of what happens: body and emotion in the making of consciousness.New York: Harcourt, 2000.

[15] MINSKY, M. A framework for representing knowledge. In: HAUGELAND, J. (Ed.). Mind Design. Cambridge, MA.: MIT., 1981.p. 332-356.

[16] ASHCRAFT, M. H. Human memory and cognition. New York: Harper Collins, 1994.

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