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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS GRADUAÇÃO “ LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
O PAPEL DO TERAPEUTA DE FAMÍLIA SISTÊMICO NO TRATAMENTO DO ALCOOLISMO
Rio de Janeiro 2004
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
O PAPEL DO TERAPEUTA DE FAMÍLIA SISTÊMICO NO
TRATAMENTO DO ALCOOLISMO
AUTORA: JÚLIA GABRIELA SANTANA GUGLIOTTA ORIENTADOR: CELSO SANCHES CO-ORIENTADOR: LÚCIA M. T. GRAEL JORGE
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Rio de Janeiro 2004
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS –GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
O PAPEL DO TERAPEUTA DE FAMÍLIA SISTÊMICO NO TRATAMENTO DO ALCOOLISMO
Monografia de conclusão do curso de Pós-graduação em Terapia de Família
Da Universidade Cândido Mendes.
Rio de Janeiro, janeiro de 2004
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AGRADECIMENTOS
Em função da realização desta pesquisa e do trabalho com dependência química, tive a
oportunidade de conhecer muitas pessoas e compartilhar de seus saberes e, em alguns
casos , também da amizade. A essas pessoas ofereço minha gratidão.
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RESUMO Esta pesquisa para conclusão do curso de pós-graduação em Terapia de
Família, foi por mim realizada tendo em vista a experiência que trago no atendimento
com alcoolistas numa instituição pública.
Durante os anos em que venho trabalhando com esta clientela , pude perceber
uma demanda cada vez mais crescente, incluindo-se aí, não somente o alcoolista , mas
também seus parentes e amigos.
Atualmente, o alcoolismo é um grave problema de saúde pública, que por isso
vem envolvendo a cada dia, um número significativo de profissionais que empreendem
esforços para sua compreensão.
Dessa forma, para ampliar o campo de conhecimentos e de técnicas terapêuticas
usadas no tratamento do alcoolismo, foi feita uma pequisa para abordar o papel do
terapeuta de família sistêmico no tratamento do alcoolismo.
Observou-se ser de extrema importância o papel do terapeuta de família
sistêmico, tendo em vista que o tratamento não se encontra direcionado ao alcoolista e ,
sim , a todos os familiares , que também estão envolvidos neste processo , que envolve
segredos e negação de ambas as partes , que precisam ser trabalhados pelo terapeuta ,
para que com a verdade, possa surgir um novo equilíbrio para a família.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada baseia-se num estudo do tema proposto através de
pesquisa bibliográfica de autores da área da dependência química e da terapia de família.
Além desta pesquisa bibliográfica , pude contar também com a experiência de
campo na instituição em que desenvolvo minhas atividades na área de dependência
química, e com os conhecimentos adquiridos neste curso de pós-graduação em terapia de
família.
Esta monografia foi dividida em capítulos que tratam inicialmente do tema do
alcoolismo, passando pelo tema da terapia de família e do papel do terapeuta de família,
onde em seu término são feitas as considerações finais acerca desses papéis
desenvolvidos pelo terapeuta de família sistêmico.
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SUMÁRIO
Introdução-----------------------------------------------------------------07 Capítulo I I.1- Alcoolismo------------------------------------------------------------08 I.2- Perfil do Alcoolista--------------------------------------------------12 Capítulo II II.1- Família---------------------------------------------------------------16 II.2- Famílias Adictivas-------------------------------------------------18 Capítulo III III.1- Terapia de Família- Abordagens Sistêmicas------------------22 III.2- O Papel do Terapeuta de Família Sistêmico------------------25 Capítulo IV IV.1- Considerações Finais--------------------------------------------28 Bibliografia-------------------------------------------------------------30
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INTRODUÇÃO
As drogas em geral , incluindo o álcool, existem e vêm sendo utilizadas na
história
da humanidade desde a antiguidade através de rituais de cura, místicos e ou religiosos,
quando em geral estava sob o controle da coletividade por representar hábitos sociais. A
droga permanece até os dias de hoje como algo ao mesmo tempo lícito e ilícito, tendo
em vista que a política em vigor permite o consumo livre de bebidas alcoólicas e do
tabaco (pequenas restrições), e tenta reprimir o uso das demais drogas.
O trabalho experimental realizado por mim em instituições públicas, revelou
que há uma grande demanda de pacientes que buscam atendimento em dependência
química, sobretudo nos casos de alcoolismo. A clientela que busca atendimento nos
hospitais e demais instituições encontra-se em estado avançado da dependência química
na maior parte das vezes, por falta de informações sobre a doença.
A dependência química é um tema que vem envolvendo a cada dia, um número
significativo de pesquisadores que empreendem esforços para sua compreensão, tendo-
se observado que o tratamento do alcoolismo vai além do atendimento ao alcoolista,
estendendo-se por toda família ou amigos próximos que estejam envolvidos no processo.
Por isso, venho através deste estudo, levantar qual o papel de um terapeuta de
família sistêmico no tratamento do alcoolismo, visto ser este trabalho de grande
importância para esta questão que é um grave problema de saúde pública atualmente no
Brasil.
Este trabalho faz um levantamento bibliográfico através de literatura específica
sobre o alcoolismo e a terapia de família, levando-se em conta também, a minha
experiência como terapeuta e de outros profissionais da área além da participação em
eventos na área.
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CAPÍTULO I
I.1-ALCOOLISMO
Considera-se alcoolismo como doença quando o permanente abuso de bebidas
alcoólicas suscita dependência acompanhada de prejuízos biopsicossociais, detectáveis
por métodos usuais de diagnóstico médico-sociais. Esta dependência pode manifestar-se
pela perda da capacidade de controlar a quantidade de bebida ingerida.
Há uma controvérsia a esse respeito, entretanto, existe certo consenso de que:
1-Alcoolismo é uma doença;
2-O alcoolista pode apresentar prejuízos relacionados com o uso do álcool em todas as
áreas da vida (prejuízos físicos, mentais, morais, profissionais, sociais e outros);
3-O alcoolista perde a capacidade de controlar a quantidade de bebida que ingere, uma
vez que inicie a ingestão (dependência física).
Ser dependente do álcool é a mesma coisa que ser dependente de outras drogas.
Mas, a maior incidência e a gravidade dos efeitos tornam o álcool um problema social
bem mais sério. Ingerir álcool em quantidade é algo socialmente aceito em nossa cultura,
daí vem a grande dificuldade de se definir o alcoolismo. Segundo a OMS, alcoolistas são
“aqueles bebedores em excesso cuja dependência do álcool atingiu tal grau que
apresentam sensível perturbação mental ou interferências em sua saúde física e mental,
seus relacionamentos pessoais e suas funções normais , sociais ou econômicas.”
Partindo da investigação feita por vários autores, consideramos o alcoolismo
como doença crônica e progressiva, manifestada pela ingestão repetida de bebidas
alcoólicas com dificuldade de abstenção e perda de controle, causada quando o
indivíduo começa a beber, desencadeando, desta forma, problemas biopsicossociais.
Todo alcoolista apresenta três características básicas , através das quais pode-se
detectar a doença:
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1-Negação da doença: o doente nega que bebe. Quando chega a admitir que bebe,
diminui a quantidade( diz que bebe menos do que realmente bebe);
2-Projeção: sempre tem motivos para beber , sejam de tristezas ou de alegrias.
3-Onipotência: diz que para de beber a hora que quiser.
Enquanto o indivíduo apresentar esses mecanismos está sob o domínio da
doença. O indivíduo, uma vez alcoolista, será sempre um doente. Mesmo estando em
abstinência, deverá manter-se em estado de alerta o resto da vida, evitando, dessa
forma, o primeiro gole, que poderá desencadear uma recaída, vindo a tornar-se
novamente um dependente do álcool.
Sonenreich coloca que “o paciente, mesmo desintoxicado, em ausência de
sintomatologia clínica, continuaria sendo um etilista, enquanto ainda estivesse
fisiologicamente dependente do álcool e sentisse o desejo incontrolável de ingerir
bebidas alcoólicas.”
A partir do momento que o alcoolista passe a depender do álcool e que não
possa decidir o quanto vai beber, passa a ter um vida regida pela dependência, pela
necessidade de continuar bebendo e evitar os sintomas da privação do álcool. Submetido
a esta dependência, passa ter prejuízos nas áreas de sua vida física, fisiológica, familiar ,
social e moral.
Os prejuízos decorrentes pela ingestão de bebidas alcoólicas vão aumentando e
o alcoolista, como defesa, utiliza todos os recursos para que nada se interponha entre ele
e o álcool: ameaça, promete, seduz e mente.
De um modo geral, o alcoolista é inseguro, tímido, geralmente aparecendo
quando está em situação que lhe obrigue a exercer atividade. Como exemplo, podemos
citar o alcoolista frente ao casamento. Muitas vezes, não está preparado para assumir a
responsabilidade de uma família. Ao iniciar sua vida conjugal, bebe mas não cria
problemas. A seguir o alcoolismo se exacerba , pois um dos fatores responsáveis é a
relação com a esposa, na qual espera encontrar ajuda para as suas necessidades
insatisfeitas e de quem pode depender.
O alcoolista passa por situações de angústia e tensões quando sente-se inferior a
nível social, sexual e emocional. Através do álcool, descobre as facilidades e
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dificuldades que a intoxicação lhe oferece para estabelecer contato com os outros, assim
como exerce efeitos desinibidores tanto agressivos quanto sexuais, reduzindo as
sensações desagradáveis, que passam no momento.
A conduta do alcoolista varia de indivíduo para indivíduo. Em alguns casos, o
álcool leva a uma conduta violenta e desequilibrada, enquanto a outros leva a apatia e
alienação.
Sonenreich, ao relatar os aspectos do psiquismo do alcoolista diz que: “a
conduta, o pensamento e os sintomas do alcoolista são dos mais pobres, tanto no
“delirium tremens” quanto nas formas delirantes crônicas , nos distúrbios de
comportamento , na conduta cotidiana. Parece uniformizado e, ao contato do mesmo,
descobrimos muito mais do alcoolismo do que o indivíduo”.
Muitas vezes não deixam transparecer para os estranhos que estão alcoolizados.
Já no ambiente familiar, quando sentem que há um medo da família frente a sua pessoa,
tornam-se cada vez mais oponentes e agressivos, chegando a cenas de quebra-quebra,
agressões físicas ou de colocar todos para fora de casa, argumentando que bebeu porque
lhe incomodam. São nesses conflitos que alguns utilizam-se de instrumentos como
armas de fogo, facas e outros objetos para agredirem a família. Geralmente, a esposa é a
vítima e, raras vezes, utilizam essas armas contra eles próprios.
Todo alcoolista, pela rejeição que sofre da família e do meio, é carente de afeto
e considera-se um injustiçado social. Deseja ser amado , porém nega afeto,
principalmente com o cônjuge e filhos.
O alcoolismo na mulher, pode ser menos aceito socialmente que no homem, é
de mais difícil diagnóstico, uma vez que a mesma bebe inicialmente as escondidas do
marido e filhos.
Segundo Nadvorny , “o alcoolismo não atinge apenas um indivíduo, mas sim
toda a família. O desajuste que provoca no lar, o drástico impacto na formação da
personalidade dos filhos, mostra que nós estamos diante de um indivíduo enfermo, mas
de uma família que adoeceu e é ela em conjunto que deve ser recuperada.”
Os prejuízos causado à sociedade pelo álcool não se limitam só aos acidentes. A
Associação Brasileira de Estudos do Álcool e do Alcoolismo avalia, com base em
pesquisas realizadas em 1982, que a perda econômica nacional provocada pelo consumo
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elevado de bebidas alcoólicas situa-se em torno de 9,5 bilhões de dólares por ano. Aí
entram as faltas ao trabalho, as licenças médicas, as consultas clínicas e psiquiátricas, os
custos de tratamento, as perdas de produtividade, os acidentes de trabalho , o
desemprego.
O Ministério da Saúde reconhece que o alcoolismo é a segunda causa de
internações em hospitais psiquiátricos e é responsável por mais de 40% de todas as
intervenções hospitalares, seja por doenças (produz lesões no cérebro, nervos, pulmões,
coração, estômago, fígado, sangue) seja pelos acidentes que provoca ( estudo realizado
em 1978 sobre causas de acidentes de trabalho mostrou que 1,5 milhão de acidentes
ocorridos naquele ano tiveram como origem o uso excessivo de bebidas alcoólicas ).
Em 1979, segundo levantamento do Ministério da Saúde, nada menos que 9,5
mil brasileiros morreram devido à cirrose hepática e outras doenças do fígado geradas
pelo alcoolismo. Em 1998, no segundo Encontro Internacional do Pâncreas realizado em
São Paulo, foi dito que o Brasil tem uma das maiores incidências de pancreatite crônica
do mundo, sendo que 94% dos casos são causados pelo álcool.
A Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde avalia que a
bebida mata 10% mais que hepatite a vírus, 5,7% mais do que câncer do esôfago e 4,5%
mais do que a leucemia. O mais sério nisso tudo é que essa mortalidade concentra-se em
grupos etários de maior atividade produtiva: entre os 23 e 34 anos e entre os 45 e 54
anos. Por isso, as autoridades sanitárias consideram o alcoolismo como “ um flagelo que
causa assustadora devastação econômica e social”.
Para contornar essa “devastação” nas empresas- avalia-se que 7 a 10% dos
funcionários de companhias privadas e estatais são alcoolistas ou dependentes de outras
drogas- de dois anos para cá as grandes corporações vêm desenvolvendo programas de
recuperação de funcionários dependentes. Especialistas em recursos humanos chegaram
à conclusão que sai mais barato recuperar esses funcionários de que formar novos, pois
são elevados os custos de demissão e admissão de um novo funcionário e seus
treinamentos.
Essa mudança de postura levou os serviços médicos e sociais das empresas ,
que antes aconselhavam a demissão dos empregados alcoolistas, com o apoio da própria
CLT, a desenvolver programas de atendimento a esses empregados e as suas famílias,
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seja encaminhando-os a clínicas especializadas, seja realizando campanhas internas
contra o álcool. A importância desse trabalho é enorme.
Na opinião do Dr. Vicente Antonio de Araújo, do setor de Psiquiatria do
Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e da Associação Brasileira de
Estudos do Álcool e Alcoolismo, “ o lugar mais adequado para identificação precoce do
alcoolismo é o local de trabalho”. Se as empresas se conscientizarem disso, acredita o
médico, muita coisa pode ser feita nesse campo.
I.2-PERFIL DO ALCOOLISTA
Segundo Bergeret(1991) , personalidade, em psicologia, aponta para a noção de
“estrutura”, determinada por um certo número de elementos estáveis e definitivamente
adquiridos pelo homem. Partindo desta idéia, é impossível enquadrar todos os drogaditos
(alcoolistas) numa determinada categoria estrutural, pois não se evidenciou até hoje,
nenhuma estrutura induzindo ou predispondo a dependência de drogas.
São traços comuns às diferentes personalidades drogaditas: as carências
imaginárias; as manifestações comportamentais e as carências identificatórias.
Nas carências imaginárias não há um bom funcionamento imaginário
(atividade verdadeiramente mental e criadora). Este entrave no funcionamento, acarreta
regressões das mentalizações que constituem a riqueza de ser humano em direção a
comportamentos mais desafetivados, o que aproxima essas reações do adulto das
relações comportamentais automáticas banais na criança. Limitam as trocas afetivas com
o mundo exterior e a realidade que ele representa. O indivíduo é incapaz de criar para si
uma antecipação de desejos e prazeres realizáveis nas trocas. O indivíduo concebe o
universo exterior como frustrante e recusando-lhe uma ajuda exterior e mágica, única
que poderia preencher seu vazio interior (o drogadito busca aporte na droga).
Em relação as manifestações comportamentais podemos dizer que toda
regressão das atividades mentais implica automaticamente um deslocamento da energia
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psíquica em direção a manifestações muito mais rudimentares e elementares do registro
comportamental. A exacerbação do funcionamento comportamental (desejo de reagir
com atos , visando compensar as carências afetivas e a não-mobilização do universo
imaginário), traduz uma sujeição do corpo a serviço do comportamento-adição.
Geralmente ocorre projeção, defesa que consiste em situar no exterior as fontes de
dificuldades, considerando-o maldito e contra o qual terá motivos para lutar e
oportunidade para acusa-lo de todos os seus males, inclusive de suas manifestações
comportamentais. Entre os comportamentos mais graves encontrados no drogadito
figuram as condutas suicidas.
Em relação as carências identificatórias , observa-se que a personalidade dos
drogaditos tem as maiores dificuldades para se afirmar diante dos outros e de si próprio,
devido a modelos parentais sólidos, ausentes. Como conseqüências, vêem-se crianças
inclinadas à imitação, mais do que à identificação( incapacidade de integrar qualidades
dos pais, absorve-las em si, confrontar-se com eles, e colocar-se no lugar deles, o que
desemboca numa verdadeira identidade- plano de relacionamento). Essa carência limita
o indivíduo a uma passividade diante das pressões externas- grupo social e seus líderes.
Os ideais pessoais permanecem vagos , inconsistentes, desmedidos, irrealistas. Como
conseqüências há uma ausência das instâncias morais internalizadas, necessárias para o
bom funcionamento relacional. As instâncias morais externas conduzem a revolta,
incapacitando o indivíduo de traçar uma linha original e benéfica para si e para os
outros.
Se existir algum traço estrutural típico de uma personalidade de drogadito está
na falta e na inadequação que produz face à exigência de ter que se aceitar como
limitado. Consumir drogas significa estar à procura de “algo” a mais para preencher uma
falta, que pode ser mais imaginária do que objetiva , mas não deixa de ser uma realidade.
Também não podemos deixar de falar na auto-estima dos alcoolistas, que é o
valor que cada pessoa confere a si mesma, separada e independentemente das
percepções que os demais possuem em relação a ele. O sentimento de auto-estima que
uma pessoa apresenta desenvolve-se a partir das experiências básicas que a esta se
apresentam no seio de sua família de origem. De acordo com Mony Elkaim, as pessoas
com baixo índice de auto-estima mostram-se ansiosas e inseguras em relação a si
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mesmas. Em virtude de não se sentirem seguras em relação a si mesmas e não poderem
apreciar sua própria singularidade, tendem a preocupar-se em demasia com o que os
outros pensam a seu respeito.
O atentar constante às sugestões que partem dos demais com relação ao próprio
valor se constitui num processo exaustivo que estimula a dependência e causa o aumento
da ansiedade. Esta se manifesta por intermédio de diferentes níveis de tensão e
desconforto físico e pelas discrepâncias de comunicação verba e interpessoal
apresentadas pelo indivíduo. Observa-se neste a existência de uma incongruência entre o
que realmente sente e o que comunica, baseado numa percepção e numa expectativa que
lhe são exteriores. O processo natural de inclusão e exclusão, que se observa em todos os
tipos de relação, tende a ser interpretado como rejeição pelas pessoas que apresentam
um baixo nível de auto-estima. Esse sentimento de exclusão , por sua vez, dá origem a
um aumento dos níveis de ansiedade e de incerteza apresentados pela pessoa, o que
provoca dependência e tende a incrementar a incongruência comunicacional.
As pessoas com baixos índices de auto-estima geralmente apresentam também
os oito aspectos do self inadequadamente desenvolvidos e integrados (Mony Elkaim,
1998). Uma vez que esses indivíduos não se encontram voltados para o crescimento e,
de fato, resistem à mudança e tendem para a conformidade, neles o desenvolvimento dos
vários aspectos do self sofre uma limitação. E, de acordo com a orientação sistêmica,
quando uma parte sofre uma limitação, o todo também é atingido por esse fato. Não é de
surpreender , portanto, que a estrutura hierárquica permeie as famílias com baixo índice
de auto-estima. Em tais famílias a conformidade em relação aos papéis e regras
familiares torna-se o meio pelo qual a pessoa virá a definir o self. E, uma vez baixo o
nível de auto-estima, será do outro que a validação do self deverá ser adquirida. A
energia será investida na aquisição do poder e do reconhecimento dentro da família; as
relações passam a se caracterizar por uma base de submissão e domínio. A mudança é
desestimulada, uma vez que representa uma ameaça ao equilíbrio do poder familiar. O
estresse pressiona de tal modo o grupo familiar que se dá um aumento no sentimento de
baixa auto-estima. A comunicação sofre distorções e torna-se incongruente. Surgem
numerosas manifestações de baixos índices de auto-estima, tais como delinqüência,
abuso de crianças, doenças e abuso de substâncias.
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O conceito de auto-estima, em sua teoria , implica que todo o indivíduo é capaz
de amar e nutrir a si mesmo. Ao realizar isso, minimiza sua dependência em relação aos
demais e acentua seu funcionamento autônomo. E ainda mais: é pela via da separação e
da autonomia que um indivíduo torna-se capaz de verdadeiramente vincular-se ao outro.
Reconhecendo e aceitando sua própria competência e sua auto-suficiência, este alcança
sua capacidade de relacionar-se profundamente com o outro sem sentir-se ameaçado de
ser por ele engolfado.
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CAPÍTULO II
II.1- FAMÍLIA
A família que hoje concebemos, não é a mesma de sua origem . Com o passar
dos tempos , de acordo com as questões econômicas e sociais, houveram mudanças
significativas .
Segundo o estudo de Philippe Ariès (1981), houve uma passagem do público ao
privado e o surgimento do sentimento de família. Esse sentimento era desconhecido na
idade média, vindo a surgir nos séculos XV- XVI e se expressando definitivamente no
século XVII devido às mudanças importantes da atitude da família para com a criança.
Na Idade Média, a organização social estava baseada nos ofícios e tudo se dava
nas ruas, no público. Até a criação dos filhos se dava fora, sendo as crianças tratadas
como pequenos adultos e não havia preocupação com a educação e, sim, com o serviço.
As cenas da vida cotidiana constantemente reuniam crianças e adultos ocupados em seus
ofícios. Não havia um sentimento profundo que ligava pais e filhos. Os cômodos da casa
eram indiferenciados e se constituíam nos principais lugares públicos para a
sociabilidade. Nos espaços onde as pessoas se alimentavam, também dormiam,
namoravam, dançavam, trabalhavam e recebiam visitas. Não havia preservação da
criança na vida do adulto e ela participava de tudo. A família era mais uma realidade
moral e social do que sentimental, voltando-se para a transmissão de bens e do nome.
À partir do século XVI, surge a imagem da criança, o retrato de família ligado
a religião, com representações de casamentos, morte, entre outros, marcando o início do
privado. Com a burguesia ( XVI /XVII), surge a valorização do sentimento de família.
Com o Capitalismo, é a criança que vai chamar pelo lado da intimidade, criando a
agregação, onde a continuação da família se dá pelos filhos. A infância torna-se o maior
representante do sentimento de família e ambos conjugam com a religiosidade. O ritual
religioso vem legitimar a união do casal e os rituais acontecem em família.
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No século XVII, houve a acentuação da importância das escolas, que tornou o
instrumento normal da iniciação social- passagem da infância ao estado adulto. Houve a
necessidade de afastar as crianças do meio dos adultos, levando a uma aproximação da
família e das crianças , do sentimento de família e do sentimento da infância. A família
se concentrou em torno da criança, havendo uma intimidade maior entre pais e filhos. Os
progressos do sentimento da família seguem os progressos da vida privada, da
intimidade doméstica.
No século XVIII, a família começou a manter a sociedade à distância,
confinando-a a um espaço limitado. A organização da casa assegurava a independência
dos cômodos. Houve uma separação da vida mundana , da profissional e da privada.
Com isso, a intimidade foi preenchida por uma família reduzida aos pais e às crianças.
As questões de saúde e higiene ocupam lugar importante. Saúde e educação seriam as
duas principais preocupações dos pais. Esse grupo de pais e filhos, estranhos ao resto da
sociedade, é o grupo da família moderna, onde a preocupação com a igualdade entre
filhos é uma das marcas características. A típica família moderna, formada pelo homem
provedor financeiro, pela mãe dona de casa e pelos filhos solteiros vivendo sob o mesmo
teto, foi também profundamente marcada pela dicotomia entre papéis públicos e
privados atribuídos segundo o gênero, instituindo uma divisão sexual do trabalho.
Constituiu-se ,então, um mundo feminino centrado na privacidade do lar , e um mundo
masculino voltado para o espaço público.
O padrão atual familiar continua com a predominância da família nuclear
burguesa, apesar de algumas modificações e adaptações. A estrutura familiar que associa
amor e autoridade ainda prevalece, com a rígida divisão dos papéis sexuais e a repressão
à sexualidade. Atualmente, traz conflitos instalados em seu interior , que , em geral, são
desencadeados pelas gerações mais novas.
Segundo Goldenberg e Goldenberg (1991), “ Uma família é um sistema social
natural, com propriedades próprias, que desenvolveu um conjunto de regras, sendo
repleto de papéis nomeados e designados para seus membros; tem uma estrutura de
poder organizada , com formas de comunicação desenvolvidas de maneira aberta ou
intrincada e, que elabora formas de negociar e resolver problemas de maneira que várias
tarefas sejam desempenhadas efetivamente.”
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II.2- FAMÍLIAS ADICTIVAS
A negação é uma das características importantes que o terapeuta deve avaliar
nas famílias adictivas.
Existem múltiplos níveis da negação em famílias adictivas como as mentiras,
segredos e o silêncio. A natureza complexa do segredo em uma família adictiva está na
verdade, no núcleo do problema. O comportamento disfuncional, tal como beber ou
consumir drogas, mais cedo ou mais tarde pode tornar-se absolutamente manifesto. O
segredo mais bem- mantido, entretanto é o acobertamento do significado e da
conseqüência deste comportamento. O fracasso para designar o problema como sendo
um problema- resumindo, a sua negação- tem os mesmos efeitos sobre a guarda de
segredos: o bloqueio de evidências que evitam que uma pessoa possua informações , as
revele ou faça uso delas. È neste meio misterioso que o sistema familiar adictivo
paralisa-se, ocorrendo, então, uma incapacidade para compartilhar ou fazer uso do
segredo que todos conhecem.
Na família adictiva, a negação como uma forma de comportamento mantenedor
do segredo opera em muitos níveis. Em seu núcleo, a negação inicia-se na forma de uma
mentira: “não, eu não bebo”, “só tomei uns golinhos” etc.
Em alguns casos, o fato do uso de álcool ou de drogas é reconhecido, mas sua
natureza problemática é negada. Ao final, a mentira vai da criação de uma distorção
interacional da realidade à criação de uma distorção interna da realidade: “ meu beber
não é um problema. Não vou perder meu emprego porque bebo, mas porque meu chefe
me detesta.”
Eventualmente, a pessoa engajada no processo de negação começa a realmente
acreditar nas mentiras que conta aos outros. A mentira básica – “ o que estou fazendo
não tem as conseqüências que parece ter” – eventualmente leva a formas mais profundas
de guarda de segredos. O indivíduo começa a contar mentiras para encobrir outras
mentiras. O bebedor pode esconder casos extraconjugais, outras formas de
comportamento sexual, comportamentos ilegais etc. À medida que as mentiras e os
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segredos aprofundam-se, ocorre o mesmo com a distorção do afeto. O nível mais
profundo e complexo da manutenção de segredos na família adictiva manifesta-se como
silêncio- ausência de todas as formas de comunicação direta sobre os sentimentos. A
manutenção de segredos demanda, em última análise , uma retirada da emoção do
contexto relacional. Aquele que guarda o segredo está “desaparecido em ação”, ou seja,
sua presença física na família dá a impressão de que sua presença emocional foi
totalmente retirada ou completamente distorcida pela má representação, defensividade
ou extrema reatividade que tem a função de proteger o segredo (Imber- Black, 1994).
A mentira cria segredos, o silêncio mantém segredos e a guarda de segredos
alimenta a negação. A negação está no núcleo de qualquer discussão sobre o processo
adictivo.
O conceito de negação faz parte do programa de 12 passos dos Alcoólicos
Anônimos e Al-Anon. A comunidade para o tratamento do alcoolismo tem endossado e
adotado a negação em geral, tanto como uma característica comportamental do
alcoólico, quanto como um indicador de diagnóstico do alcoolismo. A afirmação “ Ele
ainda está em negação” transmite uma clara mensagem a todos os que falam a
linguagem da adicção. Isto significa: “ Ele ainda está mantendo seu problema em
segredo de si mesmo e, portanto, o primeiro estágio da cura está sendo bloqueado”. A
negação é geralmente definida como um mecanismo de defesa, que pode ser tanto
adaptativa quanto patológica.
Nace ( 1987), apresenta as defesas adjuntas que apóiam ou aumentam a
negação: racionalização, projeção, minimização, evitamento e adiamento. Ele sustenta
que o processo de negação deve ser compreendido como tendo quatro características
importantes: é amplamente inconsciente e, neste sentido, difere das mentiras ou do
engodo deliberado, protege a opção por beber , que é experienciada como uma
necessidade de vida ou morte, evita que um senso frágil de self seja sobrepujado pela
realidade, além de proteger igualmente o ego do senso sobrepujante de impotência e
desespero.
A estrutura defensiva do adicto funciona no sentido de ajuda-lo a evitar
encontros humanos íntimos, bem como o contato íntimo com seus próprios sentimentos.
Compreendendo o poder protetor do sistema de negação, é importante que o terapeuta
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fique alerta contra uma “destruição” prematura deste, pois, este tem a finalidade de ser
um adesivo que mantém coeso um sistema abalado de auto-estima. E é a tática através
da qual a ansiedade, de outro modo esmagadora, pode ser contida.
Sob esta perspectiva, a guarda de segredos ou a negação do adicto pode ser
vista não tanto como um comportamento deliberado, mas como um comportamento
funcional, um mecanismo protetor empregado em face de temores maciços de ruptura
em resposta às pressões da realidade. Os efeitos fisiológicos do álcool sobre a memória
tendem a reforçar a negação. Os blackouts, a “recordação eufórica” e lapsos de memória
relacionados a intoxicação crônica podem ajudar no processo de “esquecimento” e,
portanto , manter o segredo.
A partir desta perspectiva, torna-se igualmente claro que a negação
correspondente que surge dentro do sistema familiar é motivada pela necessidade da
família de manter-se a si mesma em face de temores cada vez mais profundos de
“desmoronar”. A guarda de segredos gera maior guarda de segredos e a negação também
opera ao nível das mentiras, segredos e silêncio para os outros membros da família. Por
exemplo: “Não, meu marido não bebe” ou “isto não é um problema”. Mais
insidiosamente, o funcionamento inadequado do alcoólico é visto com uma
desconsideração “benigna” e outros na família simplesmente fazem mais para esconder
seu impacto. Quando a realidade do uso de álcool ou as drogas é reconhecido, o casal
ou os filhos negam ou racionalizam que isto tenha um impacto ou significado para os
outros na família.
Eventualmente, os membros da família adotam seus próprios comportamentos
secretos, escondendo garrafas, dinheiro,etc. Quando seus temores do alcoolismo são
confirmados, entretanto, eles podem manter as evidências para si mesmos e sofrer
sozinhos, sem revelar a ninguém o segredo que descobriram.
A manutenção desses segredos alimenta a negação: o que está escondido não
existe realmente e não precisa ser discutido. Os membros da família, juntamente com o
adicto, começam a crer em suas próprias mentiras. A adicção torna-se um segredo que
todos mantêm de si mesmos e dos outros. A comunicação e a interação familiar
assumem uma qualidade distorcida. A tensão resultante tem como conseqüência maior
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consumo de bebida, de drogas ou de comportamento compulsivo por parte de outros
membros da família.
Concluindo , o silêncio impera na vida familiar. O segredo emocional entre e
dentro dos membros da família torna-se a norma. Todos os membros da família
retraem-se emocionalmente uns dos outros. No processo, as capacidades para a mútua
satisfação das necessidades e para o crescimento têm seu desenvolvimento paralisado.
A famíla oscila entre extremos de profundo silêncio e falta de engajamento e períodos de
extrema reatividade que mascaram a emoção autêntica. Uma emoção é expressada como
algo mais : a raiva torna-se uma profunda necessidade de controlar, a dependência torna-
se vergonha. Os sentimentos reais permanecem escondidos e não-manifestados.
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CAPÍTULO III
III.1-TERAPIA DE FAMÍLIA :ABORDAGENS SISTÊMICAS
O campo da terapia de família pode ser dividido, de uma maneira geral , em
abordagens sistêmicas e abordagens psicanalíticas. Neste estudo falaremos apenas das
abordagens sistêmicas.
A terapia familiar evoluiu a partir de uma multiplicidade de influências tendo
recebido contribuições de diferentes áreas do conhecimento. No final da primeira
metade do século , após publicação em 1948 por Norbert Wiener do livro Cybernetics,
várias ciências começam a enfatizar os sistemas homeostáticos com processos de
retroalimentação (feedback) que tornam os sistemas autocorretivos. Assim
desenvolvimentos teóricos da biologia, da sociologia, da antropologia, da informática,
da teoria geral dos sistemas, influenciam significativamente as primeiras formulações da
teoria e da técnica do trabalho terapêutico com famílias.
Podemos destacar várias teorias de autores que colaboraram para o surgimento
da terapia familiar. Um importante precursor foi Adler , que enfatizou na sua teoria do
desenvolvimento da personalidade, a importância dos papéis sociais e das relações entre
estes papéis na etiologia da patologia. Influenciado pelas teorias de Adler, Sullivan
coloca que a doença mental tem origem nas relações interpessoais perturbadas e que um
entendimento mais completo do indivíduo só pode ser alcançado no contexto de sua
família e de seus grupos sociais. Paralelamente a este estudo, Frieda Fromm-Reichman
estuda a relação mãe-filho como possível fonte de patologia e formula o conceito de mãe
esquizofreno-gênica. No final da segunda guerra, surge o movimento das comunidades
terapêuticas, proposto por Maxwell-Jones, para a reformulação da assistência
psiquiátrica. A idéia fundamental é que a melhora do quadro clínico do paciente vai
ocorrer na medida em que ansiedades e conflitos surgidos nas relações entre os membros
da comunidade hospitalar possam ser trabalhados. Em seguida, Pichon-Rivière inclui a
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família na sua compreensão da doença mental e desenvolve a noção de “porta-voz”
como depositário da patologia que é de toda a família. Todos estes movimentos,
formulações teóricas e novas compreensões da patologia propiciam o surgimento dos
primeiros estudos no campo da terapia familiar propriamente dita.
Os Estados Unidos , que estão agora na terceira geração de terapeutas
familiares, reclamam para si o pensamento sistêmico no trabalho clínico com famílias. A
partir da teoria geral dos sistemas e da teoria da comunicação surgiram várias escolas de
terapia familiar e vários institutos e centros de atendimento e de formação foram criados.
Os autores das abordagens sistêmicas conceituam sistemas interacionais como
dois ou mais comunicantes no processo de definição da natureza de suas relações. O
sistema familiar é visto como um circuito de feedback negativo, constantemente
regulado, na medida em que tende a preservar seus padrões estabelecidos de interação,
buscando sempre um equilíbrio , que é mantido pelas regras de interação familiar.
Quando por algum motivo, estas regras são quebradas, entram em ação metarregras para
restabelecer o equilíbrio perdido. A terapia desenvolvida a partir deste enfoque enfatiza
a mudança no sistema familiar sobretudo pela reorganização da comunicação entre os
membros da família. O passado é abandonado como questão central pois o foco de
atenção é o modo comunicacional no momento atual. A unidade terapêutica se desloca
de duas pessoas para três ou mais à medida em que a família é concebida como tendo
uma organização e uma estrutura.
Os terapeutas sistêmicos se abstêm de fazer interpretações na medida em que
assumem que novas experiências- no sentido de um novo comportamento que provoque
modificações no sistema familiar- é que geram mudanças. Neste sentido são usadas
prescrições nas sessões terapêuticas para mudar padrões de comunicação , e prescrições,
fora das sessões, com a preocupação de encorajar uma gama mais ampla de
comportamentos comunicacionais no grupo familiar. Há uma certa concentração no
problema presente mas este não é considerado apenas como um sintoma. O
comportamento sintomático é visto como uma resposta necessária e apropriada ao
comportamento comunicativo que o provocou.
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A partir do enfoque sistêmico, várias escolas de terapia familiar se
desenvolveram. Pode-se citar dentre elas a escola estratégica, a estrutural, a de Milão e,
mais recentemente , a escola construtivista.
A premissa fundamental da terapia estratégica , apresentada por Weakland et al
(1974) , é que os vários tipos de problemas trazidos pelos pacientes aos terapeutas só
persistem se forem mantidos pelo comportamento atual do paciente e das pessoas que
com ele interagem. Se o comportamento que mantém o problema for eliminado, o
problema desaparecerá, qualquer que seja sua natureza ou etiologia. A função do
terapeuta é formular claramente o sintoma apresentado pelo paciente e planejar uma
intervenção para mudar o referido sintoma, levando em conta a situação social do
paciente.
A terapia estrutural de família é definida por Minuchin (1974) como sendo uma
terapia de ação para modificar o presente e não para explicar ou interpretar o passado. O
objetivo da intervenção do terapeuta é o sistema familiar ao qual ele se une, utilizando-
se a si mesmo para transforma-lo. Mudando a posição dos membros da família no
sistema, o terapeuta modifica as exigências subjetivas de cada membro. A função do
terapeuta de família é ajudar o paciente identificado e a família, facilitando a
transformação do sistema familiar.
Um princípio fundamental para o grupo de Milão é a conotação positiva. A
primeira função da conotação positiva de todos os comportamentos observados no grupo
familiar é a de facilitar aos terapeutas o acesso ao modelo sistêmico. Quando se
qualificam de positivos os comportamentos sintomáticos, motivados pela tendência
homeostática, o que de fato se conota positivamente é a tendência homeostática do
sistema e não as pessoas. Os terapeutas vão até o ponto de prescrever essa tendência.
A escola construtivista surge no final da década de 70, utilizando conceitos da
cibernética de segunda ordem e de sua aplicação aos sistemas sociais. Considera-se que
a evolução de um sistema ocorre através da combinação de acaso e história em que, a
cada patamar, surgem novas instabilidades que geram novas ordens e assim
sucessivamente. Nesta perspectiva em que os sistemas vivos são considerados como
hipercomplexos e indeterminados , a instabilidade e a crise ganham um novo sentido no
sistema familiar. A crise não é mais um risco mas parte do processo de mudança, assim
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como o sintoma. Assim os terapeutas de família da escola construtivista passam a
considerar a autonomia do sistema familiar partindo do estudo dos sistemas auto-
organizados, da cibernética de segunda ordem, e dos sistemas autopoiéticos postulados
por Humberto Maturana( 1990). Neste enfoque ocorre uma ruptura entre o sistema
familiar / observado e o terapeuta observador. O sistema surge como construção de seus
participantes. O terapeuta estará interessado não mais no comportamento a ser
modificado mas no processo de construção da realidade da família e nos significados
gerados no sistema. A ênfase é deslocada do que é introduzido no sistema pelo terapeuta
para aquilo que o sistema permite a ele selecionar e compreender. Assim como o grupo
de Milão , outros terapeutas estratégicos incluíram posteriormente nas suas postulações
o modo de pensar construtivista
III.2-O PAPEL DO TERAPEUTA DE FAMÍLIA SISTÊMICO
De acordo com Virgínia Satir (1972) no livro Panorama da terapias familiares
de Mony Elkaim, nas famílias, a homeostase (tendência natural aos organismos vivos na
busca de um equilíbrio dinâmico), se revela pelo comportamento complementar de seus
membros e nos padrões repetitivos, circulares e previsíveis de sua comunicação. Seja o
que for que venha a ocorrer em um relacionamento, não se tratará de algo fortuito nem
simplesmente de uma questão de causa e efeito; representará sempre uma tentativa
lógica e compreensível de manutenção do nível de sobrevivência e do equilíbrio do
sistema familiar.
As famílias criam vários modos de se adaptar e de se ajustar, com a finalidade
de manter a homeostase. Durante os períodos de transição, os ajustes instituídos para
essa manutenção podem, na verdade, produzir um comportamento disfuncional. Ao
invés de restaurar a homeostase, tal comportamento de fato contribui para desequilibrar
ainda mais o sistema familiar. Quando isso acontece o sintoma revela o estresse que a
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família está suportando e representa as tentativas feitas pela família para corrigir o
desequilíbrio que existe tanto em seus membros como no sistema familiar.
A perspectiva sistêmica traz à pauta os princípios de auto-organização inerentes
aos organismos. Aplicados aos seres humanos, esses princípios mostram a família como
um organismo ou sistema em si. A chave para compreender o sistema reside no
reconhecimento de que os padrões habituais são muito mais importantes do que o tema
ao redor do qual são ativados. É importante dar mais atenção ao processo , ou à maneira
como ocorre e é mantido esse padrão, do que ao enfoque sobre o conteúdo que este
possa apresentar.
Em 1954, Joan Jackson descreveu a evolução de fases na família em resposta ao
beber abusivo. O trabalho de Jackson foi o primeiro a reconhecer que o comportamento
de outros membros da família, em face da “crise” do alcoolismo, tem uma função
adaptativa. Especificamente, suas fases detalham a evolução da guarda de segredos e
negação e suas contrapartes defensivas: minimização, evitamento, super-
responsabilidade e retraimento emocional. Em seu paradigma, a negação e o evitamento
constituem as primeiras fases da adaptação. A interação conjugal torna-se tensa como
um resultado do beber e, gradualmente, a maioria dos outros problemas são evitados ou
negados. A medida que a família luta para manter o problema em segredo, ocorre o
aumento do isolamento social. A auto-estima na família é corroída, e uma atmosfera
crescente de vergonha e medo contribui para um maior silêncio. Eventualmente ,
tentativas para controlar o problema são abandonadas, e o cônjuge e os filhos
reorganizam-se como uma unidade, da qual o alcoolista é excluído. O cônjuge ou um ou
mais filhos assumem uma responsabilidade funcional quase total. O problema jamais é
discutido, ou é reconhecido apenas entre certas díades na família, com o resultado da
formação de intensos triângulos, abalando ainda mais a estabilidade familiar. Da mesma
forma que o silêncio influencia o alcoolista, também priva a família de informações que
lhe permitiria assumir uma ação. A família ajusta-se a uma crise prolongada em vez de
enfrentar a crise real da mudança.
Com esse breve panorama, podemos ver a importância do terapeuta de família
no tratamento do alcoolismo, que passou por uma revisão radical nos últimos anos. Até
pouco tempo, era comum os profissionais manterem algumas atitudes disfuncionais em
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relação ao alcoolista, destacando-se crenças de que eles eram sociopatas, irresponsáveis,
etc. Os profissionais também ignoravam com firmeza a existência do alcoolismo e se
focalizavam em outra sintomatologia. Com isso, pode-se observar a negação que havia
nos profissionais. O mau diagnóstico, fracasso para buscar com cuidado a adicção em
todas as famílias e para suspeitar quanto a sua existência até ser explicitamente
descartada, a arrogância terapêutica , também são exemplos de negação terapêutica.
Os terapeutas de família devem se comprometer com a franqueza quando lidam
com o problema da adicção, encorajando seus clientes a confrontarem diretamente suas
próprias suspeitas , tratando-se assim o segredo e a negação. È importante examinar o
modo como os diferentes modelos de terapia e de prática clínica auxiliam a manter o
segredo e a minimizar o impacto da adicção dentro da família.
De acordo com Michael Elkin(1984), “quando lidamos com famílias alcoólicas
é importante compreender que elas estão sofrendo de uma condição que não apenas é
perigosa ao seu próprio bem-estar físico e emocional, mas ao de outros. Elas estão
ensinando às suas crianças padrões que podem ser assimilados pelas gerações seguintes.
È importante que o terapeuta sinta-se responsável para intervir, quer busquem ajuda ou
não um ou todos os membros da família.”
O posicionamento do terapeuta deve ser direto, afirmando que a família parece
ter um problema com abuso de álcool e que isto precisa ser abordado antes que
quaisquer outros problemas familiares possam melhorar. Essencialmente, o terapeuta
tem o papel de assumir responsabilidade pela exposição da mentira ou por trazer um
segredo a luz e pelo trabalho com a resistência que inevitavelmente ocorrerá. Com isso,
o terapeuta tem como objetivo tornar acessíveis informações que permitirão à família
assumir uma ação diferente.
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CAPÍTULO IV
IV.1-CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estilo de vida do alcoolista é baseado em mentiras, segredos e silêncios . O
álcool alivia a dor, e o segredo da negação é uma adaptação que protege o processo de
alívio da dor e isola ainda mais o indivíduo e seus familiares da vergonha e do medo.
Os terapeutas familiares , desde o início do movimento, sentem-se intrigados
com a noção de segredo familiar. Muitos destes terapeutas , têm apresentado a tendência
a ver os segredos familiares como manobras de manutenção da homeostasia ou
manobras defensivas e, na pior das hipóteses como fenômenos negativos ou destrutivos.
Os segredos têm sido vistos como conspiratórios, em geral surgindo e sendo reforçados
por experiências que amparam respostas tais como vergonha , culpa, humilhação e
medo. São vistos como ligando a família e particularmente os membros que manifestam
sintomas, de modos rígidos e disfuncionais, como mantendo contradições e
determinados interesses de poder, restringindo a informação, e cortando o acesso a um
conhecimento e mudança necessária.
O segredo familiar como o ritual familiar rígido, tem sido visto como mal-
adaptativo, como um agente de destruição que deve ser exposto ou cujo poder deve ser
dissipado.
Por tudo isso, vemos que o segredo familiar representa um desafio importante
para o terapeuta familiar. O papel do terapeuta de família têm ido desde expor o
“segredo” até localizar os intrincados padrões de relacionamento na complexidade do
segredo familiar.
Enquanto se avança na terapia para se romper a negação e os segredos , é
importante lembrar que a negação está lá por uma razão. A capacidade humana para a
manutenção de segredos deve ser respeitada, compreendendo-se que por trás, existem
realidades dolorosas. Uma vez que o terapeuta de família sentir compaixão pela
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vergonha e pela ansiedade que a negação protege, torna-se mais efetivo para a cura ao
substituir o segredo pela verdade.
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BIBLIOGRAFIA
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Médicas,1991
ELKAIM, M. Panorama das terapias familiares, vol 2, São Paulo: Summus, 1998.
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MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas,
1982.
RAMOS, SÉRGIO DE PAULA. Alcoolismo Hoje.Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
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