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ANTÔNIO VANDIR DE FREITAS LIMA
O PAPEL DA INTELIGÊNCIA NA
ATUALIDADE
Trabalho final apresentado no Curso de Pós-Graduação
“Lato Sensu” Especialização em Inteligência Estratégica
realizado pela Faculdade Albert Einstein – FALBE como
requisito para obtenção do título de Especialista em
Inteligência Estratégica.
Orientador: Professor-Doutor Marco Antônio dos Santos
Brasília - 2004
Ao Diretor da Polícia do Senado
Federal, Dr. Claylton Zanlorenci, pela colaboração e inspiração
nos temas aqui desenvolvidos e ao mestre coordenador desta
monografia, Dr. Marco Antônio dos Santos pela extrema
lucidez e visão de cientista que tem da área de Inteligência.
Agradeço à minha família pelo apoio e
compreensão durante as horas em que tive de ausentar-me
em função das pesquisas e desenvolvimento deste trabalho.
Também agradeço aos colegas de trabalho, do Serviço de
Inteligência da Polícia do Senado Federal; em especial aos
colegas Robson e Jacinto, pelo companheirismo e pela troca
de idéias e experiências.
“...somente o governante esclarecido empregará os melhores talentos para
fins de Inteligência e , assim, obterá grandes resultados.”
SUN TZU
SUMÁRIO
I - O Legado Histórico 1
II - A Ética da Inteligência 6
III - Inteligência X Investigação Criminal 12
IV - As atuações dos Serviços de Inteligência 15
V - O Papel da Inteligência Atual 26
VI – Conclusão 33
RESUMO
O papel da Inteligência na atualidade está diretamente
relacionado ao seu grau de envolvimento com as instituições democráticas. Todo o
legado histórico da Inteligência no Brasil pesa fortemente sobre os ombros da
organização que dirige e coordena a atividade – a ABIN. A herança recebida do
antigo SNI estigmatizou-a de uma forma quase indelével. Cabe, então, à própria
ABIN buscar os meios de se desvincular dessa imagem negativa que a sociedade
tem dela. È tarefa árdua, difícil, já que todos os dias os meios de comunicação
reprisam cenas de mortes e torturas, atribuídas ao antigo aparelho de repressão da
ditadura militar, com forte apelo sobre a opinião pública. O problema da atividade de
Inteligência configura-se então como um problema de natureza ética. Como ajustar
esse conceito ético para que a atividade possa ter o seu código de conduta, como
qualquer outra classe de trabalhadores tem? Outra questão é a confusão que se faz
entre Inteligência e Investigação Criminal. Algumas vezes de forma intencional, para
suavizar o impacto do estigma da atividade, mostrando-a como de utilidade pública.
Por fim, como estariam agindo os vários serviços de Inteligência hoje, já que há
tanta cobrança e preconceito? Qual seria o papel da Inteligência dentro deste
quadro social que se apresenta? Como ela poderia estruturar-se para tornar-se um
baluarte do Estado Democrático de Direito!
SIGLAS
AI-5 Ato Institucional – nº5
ABI Associação Brasileira de Imprensa
ABIN Agência Brasileira de Inteligência
CEFARH Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Recursos Humanos
CENIMAR Centro de Informações da Marinha
CEP Centro de Estudos de Pessoal do Exército
CIA Agência Central de Inteligência dos EUA
CIE Centro de Informações do Exército
CISA Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica
CREs Comissões de Relações Exteriores
DOI-CODI Destacamento de Operações Internas e Centro de Operações e
Defesa Interna
DSIs Divisões de Segurança e Informações
ESG Escola Superior de Guerra
EsNI Escola Nacional de Informações
FHC Fernando Henrique Cardoso
GSI Gabinete de Segurança Institucional
MST Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PFL Partido da Frente Liberal
PL Partido Liberal
PNI Plano Nacional de Inteligência
PR Presidência da República
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores
RSAS Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos
R.S.I.S.N. Regulamento para a Salvaguarda das Informações que
interessam à Segurança Nacional
SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos
SFICI Serviço Federal de Informações e Contra-Informações
SI Serviços de Inteligência
SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência
SISNI Sistema Nacional de Informações
SNI Serviço Nacional de Informações
SSI Subsecretaria de Inteligência
USP Universidade de São Paulo
WTC Wold Trade Center
INTRODUÇÃO
A atividade de Inteligência no Brasil vive hoje um período de total
desconfiança por parte da sociedade em geral. Tal desconfiança tem a sua origem
no período da Ditadura Militar, que vai da Revolução de 1964 até o início da
redemocratização no ano de 1985. Sob a sombra do antigo Serviço Nacional de
Informações, o mitológico SNI, a atividade de Inteligência defronta-se com um
problema crucial – precisa continuar existindo e cumprindo a sua agenda legal, mas,
ao mesmo tempo, vê-se compelida a recuar por conta do estigma herdado daquele
período ditatorial. Esta situação causa uma crise de identidade nos profissionais de
Inteligência, que já não têm mais definido o seu campo de ação. Sofrem,
diuturnamente, o ataque da imprensa em geral, que os indigita e alcunha de
“araponga”, termo pejorativo inventado pela mídia para achacar e aviltar os agentes
de Inteligência. Qual seria, então, o papel da Inteligência na atualidade, de modo a
não afrontar o Estado Democrático de Direito?
O objetivo deste trabalho seria, primeiro, demonstrar como surgiu o estigma
da atividade de Inteligência; chamada anteriormente de Informações. Depois
demonstrar que este estigma persiste por causa de uma indefinição de uma possível
ética da Inteligência, ou a não-existência de um código de ética (aprovado em lei,
que daria aos operadores a tranqüilidade para desenvolverem as suas ações,
porque seriam ações éticas – dentro do conceito ético da atividade de Inteligência!)
Também discorrer sobre a tentativa de mascarar a atividade (por razões de
preconceito ou ignorância) aproximando os conceitos de Inteligência e Investigação
Criminal. Como se a Inteligência pudesse existir desde que se apresentasse como
uma solução para os problemas que afligem a sociedade; como a criminalidade, a
violência, o narcotráfico etc. O que seria um erro terrível porque a desvirtuaria de
sua real missão. O eufemismo, para mim, soa como uma ofensa...
Premidos por todas estas questões, como estariam agindo os Serviços de
Inteligência? Para efeito didático, chamo de SI – Serviços de Inteligência, todos os
setores que desenvolvem atividades de Inteligência nos órgãos do Governo e que,
em tese, poderiam compor o SISBIN – Sistema Brasileiro de Inteligência. Digo em
tese porque nem todos participam ou querem participar do Sistema. Por várias
razões, mas, sobretudo, por questões de manutenção política do poder. Contudo, os
SI acabam montando uma outra rede, formada segundo afinidades pessoais e
confluência de interesses. Ainda que um órgão venha a participar do SISBIN
dificilmente abandonará a rede informal.
O papel da Inteligência na atualidade seria basicamente o de assessoramento
superior e de defesa do Presidente da República. Para se atingir as outras questões
demandadas pela sociedade, outras Agências deveriam ser criadas; assim como
acontece em alguns países, como é o caso dos Estados Unidos. Para realçar o
papel (e a importância!) da atividade, Inteligência deveria ser considerada exclusiva
do Estado; ou seja, somente ao Estado seria facultado exercer atividades de
Inteligência. Chegaríamos a uma dicotomia entre Inteligência e Informações, sendo
Informações a atividade realizada fora da esfera governamental (ou do Estado).
CAPÍTULO I
O Legado Histórico
Legado e não retrospectiva, para que fique realçada a influência cabal da
história da Inteligência na sua condição atual. A Inteligência brasileira é o que é hoje
devido a este passado histórico. E legado evidencia esta condição de estar
carregando, ou de estar sob a sombra de, o fardo de toda a sua existência e atuação
pregressa.
A história da nossa Inteligência, outrora chamada de Informações, tem muitos
pontos obscuros. É marcada por um secretismo peculiar à própria atividade. A
literatura a respeito é escassa ou, quando encontrada, trata o assunto com certo
distanciamento estratégico. Os exemplos são tirados da atividade de Inteligência de
outros países, como Inglaterra, França, EUA e Rússia, dentro do contexto da
chamada Guerra Fria. O autor tergiversa sobre o assunto, nunca atingindo o objetivo
de se falar da atividade no Brasil. Deixando ao leitor a criatividade e a boa vontade
de fazer analogias (às vezes descabidas) em cima dos exemplos dados como
notórios, públicos, e que, portanto, não põem em risco a segurança das nações
envolvidas. Mas são exemplos anacrônicos, interessantes para historiadores, porém
insuficientes para estudiosos modernos do tema Inteligência. Isto deve-se ao fato de
que este tema foi tabu durante algumas décadas. Desconhecido dos meios
acadêmicos, era desenvolvido apenas por profissionais (analistas) de informações;
que escreviam sob a camisa-de-força de sua própria doutrinação. Atualmente com a
chegada dos cursos de pós-graduação lato senso sobre Inteligência a algumas
faculdades, ainda que com o foco voltado para atividade empresarial, o tema está se
desmistificando. Também com a abertura política e a lei de anistia, jornalistas,
escritores etc. que vivenciaram o período da ditadura militar começam a dar a sua
versão sobre a história recente do nosso país, dando-nos um contraponto àquela
visão unifocal e forçando (de certo modo) a que outros participantes históricos
também se manifestem!
Diante do exposto, vamos propor uma cronologia que nos permita chegar até
os dias atuais:
Notícias Históricas
• 1750 – Ministério das Relações Exteriores – expoente Alexandre
Gusmão;
• 1808 –Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra;
• 1822 – Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros (agora
separada dos Negócios da Guerra) – expoente José Bonifácio de Andrada e Silva.
Existência Formal
• 1927 – Conselho de Defesa Nacional - governo Washington Luís – o
Conselho era composto por vários Ministérios, mas a guarda dos arquivos
(documentos, objetos, fotos etc.) sigilosos ficou a cargo do Estado Maior do Exército;
• 1934 – Conselho Superior de Segurança Nacional – governo Getúlio
Vargas;
• 1937 – Conselho de Segurança Nacional – no Estado Novo de Getúlio
Vargas . Em 1942, a Secretaria-Geral ficou subordinada diretamente ao Presidente
da República tornando-se o órgão centralizador de todas as questões emanadas dos
demais órgãos componentes do Conselho;
• 1946 – Decretos-Leis nº 9775 e 9775-A reestruturam a Secretaria-
Geral e prevêem a organização do Serviço Federal de Informações e Contra-
Informações –SFICI; (fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria-o
mundo polarizado entre duas superpotências EUA e URSS);
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• 1955 – Centro de Informações da Marinha – CENIMAR (o do Exército –
CIE – foi criado em 1967 e o da Aeronáutica – CISA- em 1968);
• 1958 – Serviço Federal de Informações e Contra-Informações –
SFICI – somente agora o Serviço passa a existir com a edição do Decreto nº44.489-
A e o Coronel Humberto de Souza Mello foi o seu primeiro Chefe. Este é o
verdadeiro marco histórico do Serviço de Inteligência no Brasil, aqui o órgão ganha
independência e autonomia, ficando vinculado diretamente ao Secretário-Geral.
Também foi criada a Junta Coordenadora de Informações, um colegiado
responsável pela formulação de um Plano Nacional de Informações e por coordenar
as colaborações de todos os órgãos da administração, em todas as suas esferas, ao
SFICI. Os profissionais do SFICI foram formados na ESG-Escola Superior de
Guerra, dentro do conceito (doutrina) de Defesa Nacional e, no contexto mundial
bipolarizado, buscavam a segurança nacional através do patrulhamento ideológico.
O último Chefe do SFICI foi o Tenente-Coronel João Batista de Oliveira Figueiredo
no período de 24 de abril a 13 de junho de 1964(mais tarde o General Figueiredo foi
Presidente da República – 1979/1985!);
• 13 de junho de 1964 – Serviço Nacional de Informações – SNI –
governo Castelo Branco. Após o golpe militar de 31 de março, o Presidente da
República(também por sugestão do General Gobery do Couto e Silva, que viria a ser
o seu primeiro Ministro-Chefe!) achou necessário, diante do novo quadro político-
social que se apresentava, a criação de um serviço de informações com maior
autoridade sobre os escalões governamentais para melhor reunião, análise e fluidez
das informações necessárias às decisões do Estado. Também desejava obter
informações outras, que estivessem fora do contexto da Segurança Nacional;
informações de toda ordem! O SFICI passou a ser uma Agência Regional do SNI
com sede no Rio de Janeiro. Nesta nova fase do Serviço de Informações os
profissionais foram enviados aos Estados Unidos para habilitação em cursos na
escola de Informações da Agência Central de Inteligência – CIA; o que possibilitou,
posteriormente, a criação de cursos de Informações no Centro de Estudos de
Pessoal do Exército –CEP, no ano de 1965. (A influência norte-americana permeia
toda a existência do SNI e prolonga-se até os dias atuais!) Em março de 1967 foi
aprovado o Regulamento para a Salvaguarda de Assuntos Sigilosos – RSAS,
substituindo o Regulamento para Salvaguarda das Informações que interessam à
Segurança Nacional – R.S.I.S.N. , de 1949. Em 1971 foi criada, no âmbito do SNI, a
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Escola Nacional de Informações – EsNI que propiciou, dentre outras coisas, a
criação de uma linguagem comum de inteligência, ou seja, o desenvolvimento de
uma doutrina nacional de inteligência (à época chamada de ‘informações’!) Esta
estrutura(escola) ainda existe na atual ABIN – Agência Brasileira de Inteligência,
guardando as mesmas características e semelhante doutrinação(Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Recursos Humanos – CEFARH). Dois dos ex-
Chefes do SNI chegaram à Presidência da República: General Emílio Garraztazú
Médici e General João Batista de Oliveira Figueiredo!
• 1990 – Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE – governo Fernando
Collor. É neste instante que ocorre a mudança do termo ‘Informações’ para
‘Inteligência’. Afora toda a explicação teórica, ou apesar dela, o que a mudança da
terminologia realmente quer significar é uma nova forma de se encarar o Serviço:
Informações eram prestadas diretamente aos dirigentes maiores, sobretudo ao
Presidente da República, e estes municiados com estas informações tomavam esta
ou aquela decisão; Inteligência é um produto mais elaborado, mais acabado, pronto
para ser consumido por qualquer um (decisor estratégico). Esta mudança,
aparentemente não significativa, propiciou o afastamento do Órgão de inteligência
do Governo Federal, que o tornou um mero órgão consultivo. Com o processo de
impedimento do Presidente Collor, o governo Itamar Franco criou, no âmbito da
SAE, a Subsecretaria de Inteligência – SSI.
• 1995 – O governo Fernando Henrique Cardoso autorizou ao Poder
Executivo a criação da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN. É feito então um
Projeto de Lei instituindo o SISBIN- Sistema Brasileiro de Inteligência e criando a
ABIN. Enquanto o PL estava sendo discutido no Congresso Nacional foi criada a
Secretaria de Inteligência vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência – GSI. Em 1997, foi editado o Decreto nº2.134 regulamentando o artigo
23 da Lei nº8.159, que dispõe sobre a categoria dos documentos públicos sigilosos e
o acesso a eles. Em 1998, o Decreto nº 2.910 estabeleceu normas para a
salvaguarda de documentos, materiais, áreas, comunicações e sistemas de
informação de natureza sigilosa;
• 7 de dezembro de 1999 – Lei nº 9.883/99 cria a ABIN e institui o
SISBIN. A ABIN vincula-se ao GSI-PR, para onde envia a sua produção(para
posterior repasse ao Presidente) e está encarregada de coordenar o Sistema
(SISBIN). A ABIN cumpre a Política Nacional de Inteligência fixada pelo Governo
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Federal e sujeita-se ao controle externo da atividade de inteligência exercido pelo
Congresso Nacional.
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CAPÍTULO II
A Ética da Inteligência
1 – Deontologia da Inteligência
O maior problema de qualquer Serviço de Inteligência é a conciliação do seu
trabalho com os conceitos éticos da sociedade em geral. Falar sobre isto é uma
atitude mista de acinte e denodo. Denodo porque poucos se aventuram por essa
seara, tão espinhosa, e o assunto é quase sempre tratado de forma tangencial; ou
direta e peremptória: somos éticos e pronto! Não restando espaço para mais
nenhuma indagação. Acinte porque o que quer que se diga aqui alguém vai
discordar, alguém vai se melindrar; não é possível tratar deste assunto sem ferir
suscetibilidades! Não obstante, é exatamente este o cerne de todo o problema
porque passa o Serviço de Inteligência atual. Não estou aqui dizendo que falta ética
ao Serviço de Inteligência, em absoluto! Digo que há uma dificuldade, evidente, de
se explicar como é possível investigar sem ser invasivo; acompanhar atividades de
pessoas/grupos/organizações sem ferir direitos individuais e coletivos! E mais, como
fazê-lo sem estar a serviço deste ou daquele partido – como manter-se isento,
trabalhando apenas com vistas à soberania e defesa nacional? Que são conceitos
um tanto quanto abstratos... Qualquer um que estude os prolegômenos da atividade
de inteligência, ou que leia a sua história mais clássica, terá dúvidas quanto a sua
sobrevivência ética na prática.
Qualquer professor universitário sabe da dificuldade de se tratar o tema:
Ética. Cada um, de per si, dará a sua opinião conceitual e, ao final da aula, teremos
tantos conceitos quantos alunos em classe. Cada um tem o seu próprio
entendimento, isto sem contar o vasto cabedal teórico: a ética dos filósofos, a ética
dos sociólogos, a ética de autores específicos como Platão e Espinosa etc. Mas há
um certo senso comum sobre o que seja a ética, que permite que este termo seja
tão amplamente usado na mídia e nas conversas informais. Grosso modo, a ética do
senso comum é maniqueísta – existe um jeito certo e um jeito errado de se fazer
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determinadas coisas, de estar e de agir no mundo; fazer do jeito certo é ser ético.
Porém definir o que é certo e o que é errado nem sempre é tão fácil assim. O que é
certo, aceitável, para uma determinada sociedade pode não ser para outra, ou
mesmo, para esta mesma sociedade em conjunturas históricas diferentes!
Saindo do senso comum, temos a ética das profissões, chamada de
deontologia (do grego ‘deontos’=dever, tratado sobre o que se deve fazer), quase
todas as profissões a possui; indicando uma vontade de se mostrar melhor para a
sociedade. Também indica que há desvios comportamentais em todas as profissões,
fazendo-se mister a criação de um código comum capaz de evitar esses desvios. O
código também servirá como instrumento de punição para aqueles que violarem as
regras. A deontologia traz sempre princípios gerais antes de especificar as práticas
corretas. São princípios humanos, valores universais já consagrados e o respeito às
leis e às instituições.
O serviço de Inteligência, ao contrário das demais profissões(e este mesmo
serviço evoca para si o direito de ser visto também como uma profissão e não uma
atividade espúria, ilegal!) nunca possuiu um código de ética. Tal fato leva-nos a
pensar sobre a grande dificuldade em se definir a ética desta profissão. É claro que
atuando em um Estado de exceção, com dispositivos legais privativos dos direitos
dos cidadãos como o Ato Institucional nº5, o AI-5, não havia espaço para se pensar
em moral, ética, muito menos em um código de ética. Ainda que, imagino, muitos
dos que estavam atuando acreditavam estar cumprindo um dever de Estado,
portanto calcado em princípios propagados pelo Estado; quais sejam os de
soberania e da defesa nacional; o que , em certa medida, legitimava a ação.
Contudo, até hoje o Serviço de Inteligência (ABIN) não conseguiu compilar o
seu código de ética, muito embora faça referência a ela rotineiramente. O seu site na
internet faz referência a esta gestação do código de ética da ABIN. Mas, quando fala
de ética, muito astutamente deixa-a circunscrita à esfera dos analistas de
informações quando diz que: “A ética da instituição tem o papel de impedir que o
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analista se desvie do seu compromisso com a verdade e seja tomado por dúvidas de
ordem moral no desenvolvimento de suas tarefas.”1
Ótimo, é o que se espera, mas quanto à obtenção (coleta) dos dados até
chegar à mesa do analista, como manter-se ético. Ou ainda, o que pode ser
considerado não-ético neste contexto da busca do chamado ‘dado negado’? Note
que esta mesma atividade investigativa (que é um dos instrumentos da Inteligência)
também é exercida por outras categorias como a dos jornalistas e dos policiais civis,
por exemplo, o que não impediu que tivessem seus respectivos códigos de conduta
ética! Então, por que é que o Serviço de Inteligência tangencia o assunto? Talvez a
resposta seja porque é o único que possui o estigma da atividade – legado da
atuação do antigo SNI.
A ética encontra-se na sociedade de forma estamentada em dois níveis: base
e ápice. Na base temos a parcela maior, a cumpridora: classe trabalhadora e demais
classes sociais, que devem ter a ética no discurso e na ação. No ápice temos a
parcela menor, a decisória: altos escalões do governo e setores abastados, que
devem ter a ética no discurso, mas não necessariamente na ação. È lógico que esta
tese é arbitrária, mas seria válida se não fôssemos acometidos por um cinismo
antropológico ou sociológico! E ela tanto mais será verdadeira, quanto mais nos
aprofundarmos nas questões de Estado, nas concorrências entre Nações. O
discurso ético parece cair por terra quando a questão envolve a manutenção de
Estados Soberanos. Ou, de outra forma, terá que ser inventado um novo conceito
ético que atenda a este embate global, não entre homens ou sociedades, mas entre
países que buscam soberania e independência econômica. O que parece ser um
ente bem mais complexo e ainda pouco explorado; mormente após a Guerra Fria e o
evento da globalização econômica. Com base neste novo conceito ético de Estados
Soberanos é que deveria calcar-se a ética dos Serviços de Inteligência. Não pode
derivar de outras profissões, à guisa de modelo pronto, acabado, sob pena de ver
travadas as suas ações; mas deve assumir o seu verdadeiro papel de Estado.
1 Não entendo como dúvidas morais podem afastar-me da verdade, pois são as dúvidas que conduzem à verdade no método cartesiano, e outros. O dever ético aqui seria o de não deixar que minhas convicções pessoais, ideológicas, influam na análise das informações; ou seja, minhas certezas afetariam bem mais do que as minhas incertezas, sobretudo morais.
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A ética da atividade de inteligência deve ser a da não-traição, a da fidelidade
aos princípios democráticos e constitucionais, mas, sobretudo, o compromisso
nacionalista. Não o chauvinismo piegas e pernicioso, mas o nacionalismo que
ergueu e soergueu grandes nações. O problema ético só deve ser entendido no
sentido de não se usar as informações em proveito próprio ou de grupos ilegais. A
atividade só deixa de ser ética quando pára de servir ao Estado. Mas, o que dizer
quando o próprio Estado é quem abandona a atividade de inteligência? Qual será,
então, a sua destinação ética?
Por último, a fiscalização da ética na atividade de inteligência, (afora aquela
legítima do controle externo do Congresso Nacional, que ainda não se definiu!) deve
ser feita, não pelo cidadão comum nem tampouco por imposição midiática, mas pelo
próprio setor de Segurança Orgânica do órgão a que está vinculada. A ele compete
auferir o comportamento dos agentes; monitorar e controlar as suas ações para que
não enveredem por descaminhos e ilegalidades; mais do que isso, para que não se
vendam, não se tornem espiões duplos, não trafiquem influência e informações.
2 - O Problema do Decisor Estratégico
Paralelo a este problema do dilema ético da Inteligência, existe o problema do
seu principal cliente: o chamado ‘decisor estratégico’. O trabalho da Inteligência está
sempre voltado para um cliente específico, que fará os pedidos de informação e
orientará toda a atividade. A Inteligência não executa, não toma decisões, apenas
cumpre um pedido, segundo um plano pré-estabelecido e seguindo padrões de
atuação pré-determinados. O decisor estratégico será sempre, sob pena de se cair
na ilegalidade, um superior hierárquico. Ilegalidade porque o trabalho da Inteligência
subentende sempre um fim maior (a atividade não pode cuidar de questões
domésticas ou pessoais!)
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O primeiro problema surge quando o decisor estratégico não valoriza o
conhecimento produzido pela Inteligência. Seja negligenciando as ações sugeridas,
seja duvidando da veracidade ou validade da informação. Neste caso, o profissional
de Inteligência é tomado por um sentimento de frustração. Também ocorre de o
decisor fingir valorizar a Inteligência mas mostrar-se completamente alheio na hora
de tomar a decisão. Julga que seus conhecimentos adquiridos e seus contatos são
mais eficientes. Então o sentimento do operador transmuda em revolta. Em geral,
diria que há uma tendência, quase viciosa, da atividade de Inteligência de achar que
sempre tem a melhor solução! Isto é um risco sério para a atividade, pois gera, como
ocorreu na época da Ditadura Militar (também em outros momentos históricos!) um
sentimento de superioridade por parte dos operadores, levando-os a crer que estão
sempre certos, impelindo-os a serem críticos do decisor ou, pior, a quererem
substituí-lo no poder. (No período da Ditadura Militar gerou, por exemplo, intrigas
entre analistas de inteligência e o General-Presidente!)
A referência recorrente à Ditadura Militar tem sua razão de ser. Não é o objeto
deste trabalho fazer uma crítica ou uma leitura histórica do período. Porém, é
inegável que nele nasce o estigma que a atividade de Inteligência hoje carrega
consigo. Estigma este reforçado, todos os dias, pela imprensa em geral (até criou-se
um termo pejorativo: “araponga”, e seu derivado, “arapongagem”. Possivelmente
uma alusão ao pássaro araponga, também conhecido como ferreiro, de canto
estridente, mas de difícil localização na mata!) É um estigma pesado que remete a
ações ilegais e abusivas, como escutas telefônicas, quebras de sigilo de
correspondência, constrangimentos, chantagens, torturas etc.
O operador de Inteligência nunca estará confortável uma vez que sua
profissão seja descoberta pelas pessoas em geral. Atrairá para si a desconfiança e,
com certeza, as pessoas se fecharão a ele. Até mesmo dentro de seu próprio
ambiente de trabalho ele será discriminado e tratado com reserva, ou como delator.
Aqui nasce o segundo problema com o decisor estratégico: desejo de desvincular a
sua imagem da atividade de Inteligência. É um problema complicadíssimo, já que a
Inteligência existe em função da Direção e, portanto, a vinculação é automática! Este
problema está presente em vários níveis na Administração Pública. (Na atividade
privada não há este problema, ou pelos menos está minimizado, porque a
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Inteligência ganha outros contornos eufemísticos, como Grupo de Reações a
Ataques; Grupo de Operações Especiais; Grupo de Marketing Estratégico etc.
mascarando o que é realmente!). É um problema atual, para ser tratado hoje,
devendo ser encarado de frente. Somente será superado quando a atividade estiver
completamente regulamentada e seus objetivos claramente definidos; para que a
sociedade entenda o que é, para que serve e se é realmente importante para a
Segurança Nacional(conceito sempre dúbio, que não define a limitação das ações
do Estado)!
No quadro atual em que se encontra inserido a atividade de Inteligência o
decisor estratégico apresenta-se como um duplo óbice: não entende a atividade e
não quer ver a sua imagem associada a ela. Ou seja, ele teme ser atingido pelo
estigma, levando os operadores ao acanhamento profissional. Claro que esta
situação sofrerá variações em cada instituição, havendo mesmo órgão em que isto
não é sentido com tanta intensidade, mormente em órgão militar; porém, a ação da
mídia reprisando episódios relativos aos chamados “anos de chumbo” impulsiona a
ojeriza e a repulsa que se vinculou à atividade de Inteligência.
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CAPÍTULO III
Inteligência X Investigação Criminal
No Seminário de Inteligência ocorrido no Congresso Nacional, em novembro
de 2002, promovido pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência,
o deputado Aldo Rebelo abriu os painéis falando das muitas formas de Inteligência:
científica, tecnológica, política, militar, cultural e de defesa; e que todas contribuíam
para a construção de um país mais democrático e justo. A atividade de Inteligência é
assim confrontada com outras atividades do país e todas niveladas no mesmo grau
de importância pela simples junção do termo ‘inteligência’. Mas, esta profusão de
‘inteligências’ do Estado democrático não deixa perceber direito o que se quer com a
atividade de Inteligência, propriamente dita.
È comum em seminários e painéis sobre o tema Inteligência tratar-se apenas
de questões policiais, como exposições de redes de integração policial
informacional, mapas de incidência de crimes, experiências regionais de centros de
integração de órgãos policiais(civis/militares) etc. Ou seja, não se tratando, nem de
longe, do escopo principal: a atividade de Inteligência. Assim, tudo o que é referido
no encontro nada mais é, para a Inteligência, do que informes ou dados! São
instrumentos da Inteligência, ficando claro que os painelistas têm em mente que
prestam contribuições à atividade policial, pura e simplesmente – imaginando que
falando de algum elemento da Investigação (porque também não falam diretamente
de Investigação) estão falando de Inteligência. Como foi referido no capítulo anterior,
os decisores não entendem a atividade de Inteligência e/ou não querem se vincular
a ela. Para tanto, buscam o subterfúgio de transmutar o seu significado, tomando a
Investigação Criminal (ou policial) como sinônimo de Inteligência.
Não podemos depreender, contudo, de que esteja havendo má-fé por parte
dos profissionais (a maioria deles bons especialistas em suas áreas de atuação),
mas, sim, que os verdadeiros especialistas em Inteligência não estão sendo cotados
para as grandes discussões nacionais sobre o tema. Também pode ser (não temos
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elementos seguros para atestá-lo) que seja algo adredemente planejado com a
intenção de incutir nas pessoas a idéia de que se pode aceitar a Inteligência quando
esta se presta a uma finalidade bastante plausível, como é a do combate à
criminalidade. É claro que ela pode auxiliar neste intento, como de fato tem auxiliado
e é interessante para a sociedade que ela o faça. O que não pode é levar ao
Congresso Nacional uma noção falsa de Inteligência, pois o Congresso tem a
missão legal de fiscalizá-la!
Inteligência é produção de conhecimento para auxiliar a decisão. È quase
como uma assessoria administrativa. Ela não é uma instância executora. Levanta
dados, informes, produz um conhecimento e pára. Alguém, em nível mais elevado
de hierarquia, tomará, ou não, determinada decisão ou ação. Ela possui um ciclo
próprio: demanda – planejamento – reunião – coleta – busca – análise – avaliação –
produção – difusão – feedback. Não estamos seguindo aqui nenhum autor em
especial; cada um apresentará variações deste ciclo, que pode ser entendido,
grosso modo, como: demanda – o decisor quer saber algo; busca – a Inteligência vai
atrás da informação; produção – a Inteligência transforma a informação em
conhecimento e feedback – o decisor diz se o conhecimento é suficiente para a sua
decisão ou se necessita de um maior aprofundamento ou mesmo de
redirecionamento.
Investigação é levantamento de indícios e provas que levem ao
esclarecimento de um fato delituoso. Tem a sua atuação restrita a um único evento
criminal (ou a mais de um evento se houverem crimes relacionados!) Independe de
uma vontade do administrador, pois está voltada para um fato consumado sobre o
qual é (o administrador) totalmente impotente! Poderíamos propor um ciclo para a
Investigação2: delito – a autoridade sabe de algo; levantamento – os investigadores
buscam indícios, provas, testemunhos; análise – a autoridade avalia quais
levantamentos são pertinentes ao caso; captura – os investigadores prendem os
suspeitos ou infratores e produção – a autoridade produz peça acusatória.
Enquanto o ciclo da Inteligência é linear, o ciclo da Investigação pode sofrer variação
de etapas; podendo, por exemplo, a captura ocorrer em qualquer das fases.
2 Assim como ocorre com a Inteligência, também é muito escassa a literatura sobre Investigação.
13
Como se pode ver, a Inteligência visa antecipar-se ao fato, agindo sobre
elementos que possam conter o futuro. Já a Investigação surge após o fato, agindo
sobre elementos que possam dizer o passado.
Na atividade de Inteligência há clara distinção entre o trabalho do Decisor e o
trabalho do Operador de Inteligência. O Decisor tem uma posição inteiramente
passiva durante o processo. Na Investigação, Autoridade Policial e Agentes
precisam estar constantemente em interação. A Autoridade é totalmente ativa
durante todo o processo. Não é raro que a própria Autoridade participe de todas as
fases!
A Inteligência contém a Investigação. Quase sempre a Inteligência utiliza-se
de técnicas operacionais próprias da Investigação; como disfarce, vigilância,
interceptação, escuta, gravação, fotografia etc. Isto contribui para a confusão entre
os conceitos, levando as pessoas a pensarem que são a mesma coisa. Então, como
é que se pode falar em Inteligência Criminal ou Inteligência Policial, já que os
conceitos não são cambiantes? Isto ocorre porque, por falta de esclarecimento e
pelo uso continuado, os conceitos vão se cristalizando nas mentes das pessoas. E,
até mesmo, dos especialistas mais bem intencionados! Mas, uma vez que eles
existem e são usados, deveríamos colocá-los em seu devido lugar. Assim,
Inteligência Criminal ou Policial deve ser toda a ação pró-ativa da Polícia. Todo o
trabalho que ela desenvolve, ou que deveria desenvolver, no sentido de antecipar-se
ao delito para que possa impedi-lo. Infelizmente, o que ocorre na realidade é que o
mesmo Agente pró-ativo vira ativo e reativo. Quer dizer, não consegue apenas
trabalhar como operador de Inteligência, tornando-se , invariavelmente, Investigador
(inclusive participando da captura!)
Em tese, não se pode afirmar que a Investigação contém a Inteligência,
porque Inteligência é fim e Investigação é meio. Inteligência Criminal é espécie do
gênero Inteligência. A Inteligência , vista desta forma teórica, conceitual, servirá para
quase todo o tipo de atividade humana; enquanto que a Investigação tem a sua área
de atuação restrita a apuração de irregularidades.
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CAPÍTULO IV
As atuações dos Serviços de Inteligência
1 – Contextualização e Métodos
Após a extinção do SNI – Serviço Nacional de Informações - no Governo
Collor, em 1990, iniciou-se um período de paralisação e desprestígio da atividade de
Inteligência no Brasil. O Governo anterior, do Presidente Sarney, já havia começado
a diminuir o leque de atuação do Serviço, quando o general Ivan Mendes voltou a
atividade para a segurança externa; mas a ação de Collor foi decisiva para que a
Inteligência fosse atirada ao limbo histórico do qual até hoje tenta sair. Fim do status
de Ministro atribuído ao Chefe do SNI, proibição de acompanhar qualquer atividade
estudantil, sindical, trabalhista etc e transformação em Secretaria de Assuntos
Estratégicos foram algumas das ações que contribuíram para a fase de perda de
identidade porque passaram os profissionais de Inteligência. O período de abertura,
chamado de distensão, iniciado no Governo Geisel(chamada de “lenta, gradual e
progressiva”) e continuada no Governo do general Figueiredo, levou a revanchismos
e atitudes desesperadas de alguns profissionais que não aceitavam as mudanças
propostas. (O próprio general assumia posturas contraditórias; aumentando as
verbas destinadas ao SNI ao tempo em que postulava o ‘abrandamento’ gradual do
regime!) Também, após a Guerrilha do Araguaia, não havia mais a definição clara de
um inimigo interno, assim , os que resistiam à idéia de transformação do regime,
tentavam criar fatos que justificassem a continuidade – atentados na OAB, na ABI e
no Riocentro, são exemplos dessas ações, que se destinavam à imputação de
autoria a grupos subversivos; já desmobilizados e aniquilados.3
A idéia do Presidente Collor era transformar o SNI em um órgão de
planejamento estratégico, afastando-o totalmente da atividade de inteligência. O fato 3 O deputado federal Alberto Fraga discursou da tribuna da Câmara, em 2004, engrandecendo o feito dos militares de conseguirem acabar totalmente com a ameaça comunista, combatendo os guerrilheiros, principalmente no episódio do Araguaia. Era a resposta do deputado a uma série de reportagens publicadas no Correio Brazileinse , em outubro de 2004, que tratavam da morte do jornalista Wladimir Herzog.
15
de o Presidente Collor ter sofrido um processo de impedimento (único na história do
país) não impediu que a atividade de Inteligência sofresse a purgação histórica. Ao
contrário, o seu sucessor, Presidente Itamar Franco, deu tratamento semelhante ao
órgão, com a diferença de ter criado, dentro de seu quadro, uma Subsecretaria de
Inteligência (talvez, tenha sido convencido da necessidade de um órgão de
Inteligência atuando sob aspectos além do mero planejamento, contudo a SI
continuou a não ter acesso direto à Presidência da República – o decisor estratégico
não quer ter a sua imagem associada à Inteligência!)
Esses governantes do período pós-ditatorial não sabiam o que fazer do órgão
de Inteligência. Temiam (como ainda temem) a opinião pública, a pressão da mídia e
de grupos articulados da sociedade. Prova disso é a demora na aprovação de uma
Lei de criação e regulamentação da atividade (Lei que criou a ABIN). Também, a
própria Inteligência tem grande parcela de culpa, pois: 1)não acreditou nas
transformações que estavam em curso no país, preferindo ‘sabotar’ o processo com
estratégias e ações que, até hoje, servem de ‘munição’ para aqueles que são contra
a atividade; 2)não se preparou, minimamente, para as mudanças, não reformulou a
atividade, continuando com as mesmas táticas de atuação próprias de um Estado de
Exceção; 3)não definiu uma doutrina de Inteligência moderna capaz de dizer para a
sociedade quais os objetivos de um órgão de Inteligência e que necessidade o país
tem dele; 4)não formou pensadores capazes de uma visão crítica sobre a própria
atividade, intelectuais aptos a teorizarem sobre Inteligência de forma desapaixonada
e não-doutrinária; que estariam hoje fazendo o contrapeso aos ataques sofridos com
sua ‘autoridade acadêmica’ no assunto.
Da extinção do SNI em 1990 no Governo Collor até a criação da ABIN em
1999 no Governo FHC, a atividade de Inteligência viveu o pior período de toda a sua
história. Perdeu status, perdeu posição, profissionais foram desmobilizados, uns
tantos demitidos, outros foram para órgãos diversos do Executivo e os que ficaram
perderam totalmente o referencial – não sabiam mais, literalmente, o que fazer;
mesmo porque não havia ninguém que o dissesse! Em 1995 o presidente Fernando
Henrique Cardoso editou a medida provisória que reestruturava a organização da
Presidência da República e que, dentre outras coisas, autorizava ao Poder
Executivo a criação da ABIN. O general Fernando Cardoso, ex-Chefe do CIE, ficou
16
responsável pela elaboração e implantação do novo órgão de Inteligência. O
deputado federal Jacques Wagner, do PT da Bahia, apresentou Projeto de Lei
dispondo sobre o assunto (outros PL já haviam sido apresentados, como o do
deputado federal José Dirceu, em 1991, e o PL do deputado José Fortunati, em
1992. Interessante notar o envolvimento de parlamentares de esquerda, em sua
maioria do Partido dos Trabalhadores, na discussão sobre a atividade de Inteligência
no país. Há, sem dúvida, o risco desse envolvimento servir para revanchismo –
muito embora não pareça ser esta a motivação dos parlamentares – devido ao
engajamento desses parlamentares nos grupos subversivos que combatiam a
Ditadura Militar; alguns identificados como guerrilheiros, tendo participado de
confrontos armados. Apesar disso, ou por causa disso, políticos como José Dirceu e
José Genoíno demonstram um grande conhecimento do assunto!) Em 1996, o
general Fernando Cardoso foi substituído pelo general Alberto Cardoso na condução
desse processo de implementação. O general Alberto Cardoso declarou que a ABIN
deveria tratar da segurança interna do Estado, tais como o narcotráfico, contrabando
de armas etc. É esta visão distorcida da Inteligência que predomina hoje, levando à
confusão entre Inteligência e Investigação Criminal e atrapalhando os debates sobre
o tema (o atual Chefe da ABIN, Mauro Marcelo Lima e Silva, é um delegado da
Polícia Civil paulista!) É claro que a Inteligência pode auxiliar aos órgãos policiais no
combate a estes e tantos outros delitos, o que não se pode é achar que a
Inteligência deve prestar-se apenas a este intento; o que a transformaria meramente
em apêndice da estrutura policial! Esta postura, que não é exclusividade nem
invenção do general Alberto Cardoso, é a forma que se achou de apresentar uma
Inteligência mais palatável para a sociedade, se foi válida em algum momento deve-
se agora ser preterida em benefício do real entendimento do que seja a atividade.
Em 1997, foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.651 de
autoria do Poder Executivo, que acabou com a discussão em torno dos outros PL
existentes. Foi nesta fase que se definiu o ingresso na carreira de Inteligência por
meio de concurso público, tornando o Brasil em o único país do mundo a adotar tal
medida (proposta de emenda da deputada Dalila Figueiredo, do PSDB, e do
deputado Abelardo Lupion, do PFL). Após discussão e aprovação pelas duas Casas
do Congresso, o Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou , em 7 de
dezembro de 1999, a Lei nº 9.883 que , finalmente, criava o SISBIN e regulamentava
a criação da ABIN.
17
Toda esta contextualização histórica é necessária para que se tenha noção
de como surgiu o estigma que envolve a atividade de Inteligência. É com base neste
estigma, e sob o peso do legado histórico, que a atividade atua hoje. Observe-se
que foi preciso quase dez anos de discussões, debates e proposições para que se
conseguisse aprovar uma Lei estruturante da atividade (esse interstício solapou
internamente o órgão de Inteligência, causando grande descontentamento nos
profissionais da atividade). Apesar disso tudo, chegou-se a uma Lei que não
esclarece os objetivos da atividade, não deu tranqüilidade ao cidadão, não
conseguiu demonstrar claramente a sua imperiosa necessidade de existência: entes
como “interesse nacional”, “soberania do Estado”, “segurança nacional” são
completamente herméticos, em nada contribuindo para a compreensão sobre a
verdadeira finalidade de um órgão de Inteligência. Em grande medida, são
responsáveis por esta carga de preconceito e cobrança que se tem sobre a atividade
e seus profissionais; porque mantém viva a suspeita de que o Estado tenta esconder
alguma atividade ilícita. Do contrário, alguém poderia explicar, por exemplo, quais
seriam os “princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado”
referidos no Parágrafo único do Artigo 3º da Lei 9.883? Poderíamos depreender do
texto legal que existe uma ética de Estado? Ou uma ética de segurança do Estado?
E se a segurança do Estado estiver seriamente ameaçada, quais serão os limites
éticos? E, ainda mais importante, o que é “segurança do Estado”?
O grande e inegável avanço da legislação que trata da Inteligência é o que
determina o controle externo da atividade; muito embora, na prática tal controle
pareça não existir. O controle deve ser feito por Comissão Mista do Congresso
Nacional composta pelos líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados
e no Senado Federal e pelos presidentes das comissões de Relações Exteriores e
Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; com a
presidência da Comissão de Controle exercida, alternadamente, pelos presidentes
das CREs.
Outro avanço da legislação é o dispositivo constitucional do habeas data,
incisos LXXII e LXXIII do art. 5º - CF, que assegura o direito ao conhecimento e/ou
ratificação de informações pessoais junto a órgãos públicos. No começo causou
furor diante da possibilidade de se vir a conhecer informações sigilosas em poder do
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Serviço de Inteligência, mas depois pôde-se ver que era apenas mais uma dessas
leis feitas para não funcionarem; ao órgão de Inteligência foi facultado o direito de
decidir qual informação poderia ser revelada, em razão da legislação que assegura o
sigilo dos dados – Decreto n º 2.134 de janeiro de 1997, que prevê classificação dos
documentos e duração do sigilo (30 anos para os ultra-secretos, 20 anos para os
secretos, 10 anos para os confidenciais e 5 para os reservados, podendo ser
renovadas por igual período.)
A atividade de Inteligência, diante de tudo isso, vem tendo muita dificuldade
em desenvolver a sua tarefa, enfrentando, a um só tempo, o ataque da imprensa e a
desconfiança das autoridades públicas. Não obstante, a atividade continua existindo,
de uma forma bem mais tímida e acanhada do que antes, mas ainda tenta
sobreviver ao quadro político-social que não a compreende. As técnicas utilizadas
são as mesmas técnicas de tempos atrás, quer em tempos de guerra real, quer no
período da chamada Guerra Fria. Não mudaram porque o ser humano não mudou.
Continua sujeito às mesmas influências que levaram a criação destas técnicas; ou
seja, o homem é corruptível e falho. Baseado nesta possibilidade de cometer erros
do ser humano é que se criaram as técnicas de levantamento de dados típicas da
atividade de Inteligência. Ira, cobiça, inveja, ganância, ambição, desvios de conduta,
fraquezas, ideologias etc. são matérias-primas para se iniciar uma estratégia de
Inteligência. Isto porque os conceitos foram forjados em contextos bélicos. Na
página da ABIN há referência ao livro “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, coqueluche da
atualidade, comprovando que a doutrina de Inteligência foi gerada dentro de uma
visão de guerra.
Vejamos agora alguns métodos de atuação dos Serviços de Inteligência no
Brasil, que visam ao levantamento de dados e informações:
1-Busca em fontes abertas. O primeiro passo de um Serviço de Inteligência ao
receber determinada ordem é proceder pesquisa em seus próprios arquivos, que
pode incluir o conhecimento próprio da formação do Analista de Inteligência. Se isso
não for suficiente para suprir a demanda, deverá buscar as fontes abertas – jornais,
revistas, internet, artigos científicos, relatórios etc. Atualmente os SI têm se utilizado
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muito desses recursos devido a vários fatores: a- inexistência de risco para o
operador, seja físico ou de imagem; b- grande facilidade de acesso; c- a internet
tornou-se uma poderosa fonte de pesquisa, propiciando o acesso rápido a uma
gama infinda de informações e d- baixo custo operacional. Muitos Serviços de
Inteligência estão trabalhando quase que exclusivamente pesquisando em fontes
abertas!
2-Busca do dado negado. Se a pesquisa em fontes abertas não for suficiente (e
quase nunca deverá ser, do contrário não se justificaria a existência de um Serviço
de Inteligência!) o operador partirá em busca do chamado dado negado. O dado
negado estará sempre protegido, seja por força corporativa, seja por sigilo da
pessoa que detém a informação. Neste instante a atividade de Inteligência passa a
ser arriscada (tanto mais quanto maior for o valor do dado e o grau de proteção a
que estiver sujeito!) Outro risco da atividade é aquele já referido no capítulo 2: o
limite tênue entre o que é legal e o que é ilegal, entre o ético e o não-ético. Para se
obter o dado negado vários expedientes podem ser feitos:
2.1- Recrutamento – o recrutamento é a forma que os serviços secretos usam para
fazer com que outras pessoas, não pertencentes à Organização, trabalhem como
espião. Aliás, o verdadeiro espião é, não o operador de Inteligência, mas alguém
recrutado. Para recrutar o SI busca conhecer primeiro quem são as pessoas que
têm, ou que poderiam ter acesso ao dado, depois disso, é feito todo um
levantamento de informações sobre a pessoa (ou pessoas) onde serão levantadas
as suas fraquezas, tendências, ideologias, virtudes, vaidades, defeitos,
necessidades etc. para que se defina qual instrumento de convencimento será
utilizado para recrutá-lo. O operador se pergunta o que motiva essa pessoa e a
resposta pode ser dinheiro, sexo, posição social, droga etc. Com base nisso vai
elaborar a sua estratégia, oferecendo à pessoa o que ela deseja, criando um vínculo
com ela; às vezes até uma dependência (por exemplo, o operador começa a suprir o
recrutado com uma quantia de dinheiro até que ele passe a necessitar dela!) Outra
forma seria por meio de chantagem ameaçando revelar situação que seria
prejudicial àquela pessoa (a existência de um caso extraconjugal, por exemplo). O
ideal é que o recrutado nem fique sabendo da atividade e passe a colaborar com o
SI sem saber que o está fazendo. Mas, também, ele pode colaborar
20
espontaneamente, por ideologia, por exemplo. Concluído o levantamento da pessoa-
alvo vem a fase de aproximação quando o controlador avaliará se a pessoa tem ou
não condições de ser recrutado e o grau de confiança das informações prestadas. O
recrutamento deve terminar tão logo seja satisfeita a necessidade de conhecer do
operador da Inteligência. Os SI em geral não têm condição de fazer recrutamento,
porque necessitariam de utilizar uma verba considerável da qual não poderiam
prestar conta.
2.2 - Acompanhamento de atividades – quando não é possível recrutar alguém, o SI
então opta pela infiltração de um agente dentro do organismo cuja atividade deseja
acompanhar. Esta infiltração pode ser temporária, permanecendo apenas enquanto
durar o evento a ser acompanhado. È o caso de comícios, assembléias, seminários,
reuniões etc. Geralmente deliberações, calendários e agendas de atividades é o que
se busca conseguir com este acompanhamento a fim de se antecipar uma ação. Ou
a infiltração pode ser duradoura, permanecendo dias, meses ou anos dentro da
organização. Neste caso o agente infiltrado desenvolverá uma atividade normal,
como a dos outros membros da organização, perfeitamente integrado ao grupo para
que possa permanecer incógnito. Infiltrar um agente dentro de uma organização ou
de um grupo por um tempo longo tem implicações legais e operacionais difíceis de
resolver. Implicação legal porque o agente infiltrado pode ser levado a cometer
crimes para que o seu disfarce não seja descoberto, principalmente, é óbvio, se ele
estiver infiltrado em uma organização ou grupo criminoso. Não há consenso entre
nossos juristas sobre como tratar estes casos em que os fins justificariam os meios;
mas, invariavelmente o agente infiltrado será tratado como criminoso. A implicação
operacional está relacionada ao fato de ser bastante difícil resgatar o agente que já
ficou infiltrado durante muito tempo. Isto porque ele vai criando vínculos, como é
natural a qualquer ser humano, e também a sua saída abrupta do grupo pode levar a
desconfiança e por em risco a sua vida. Os SI praticam largamente a primeira forma
de infiltração, principalmente acompanhando eventos que são públicos. Porém, a
infiltração duradoura pelas razões já descritas estaria praticamente em desuso, pelo
menos em nosso país.4
4 O diretor da CIA, Porter Goss, estaria preparando uma ação de espionagem mais agressiva utilizando agentes disfarçados para se infiltrar em grupos terroristas na Coréia do Norte e no Irã, segundo informou o portal de notícias Terra, em 18/11/2004 (www.terra.com.br)
21
2.3 - Levantamento de pessoas – faz parte da atividade de Inteligência o
acompanhamento de pessoas suspeitas de estarem praticando alguma atividade
ilegal e/ou de espionagem. Várias técnicas podem ser utilizadas, como fotografia;
vigilância (que pode ser a pé, motorizada ou eletrônica); interceptações e entrevista.
Estas técnicas também podem ser utilizadas para outras finalidades, ou seja,
voltadas para o levantamento de dados e não da própria pessoa-alvo; ou, ainda, as
duas coisas, concomitantemente. A confecção de relatórios de pessoas ou de
dossiês deve seguir critérios rígidos de sigilo e ter a sua finalidade e justificativa bem
definida. Porque foi esta prática que levou a criação do habeas data e que tanto
maculou a imagem do serviço de Inteligência, quando se praticava o ‘fichamento’ de
perseguidos políticos, inimigos do Estado (como muitos destes que foram ‘fichados’
ocupam hoje cargos públicos de relevância, a prática acabou parecendo absurda!)
Os SI também estão vendo com reserva esta prática, porque ser pego com uma
simples fotografia pode levar o Serviço a todo tipo de suspeição. Porém, os SI não
podem prescindir desta prática, principalmente quando têm que levantar provas.
2.4 - Escutas telefônicas e de ambientes – com o advento do telefone celular a
escuta telefônica tornou-se uma das principais, senão a principal, fonte de
informações para os SI. Por ser mais fácil de se interceptar e também porque a
grande maioria das comunicações entre as pessoas está sendo por meio de
aparelhos móveis (celular). Apesar da agudeza desta afirmação, não podemos
perder de vista nunca que a escuta telefônica é CRIME, assim como a escuta de
ambientes. A Lei prevê exceção e é com base nesta previsão legal que se deve agir.
Alguns estudiosos do tema chegam a propor uma distinção entre interceptação e
escuta; sendo a escuta feita quando eu mesmo gravo a minha ligação ou autorizo
uma terceira pessoa a gravar e a interceptação ocorreria quando um terceiro
elemento grava (intercepta) uma comunicação sem o conhecimento dos
comunicantes. Segundo esses mesmos estudiosos só haveria crime na
interceptação! A verdade é que a jurisprudência sobre o assunto ainda está sendo
formada e temos entendimentos contrários de diversos magistrados.
2.5 -– Entrevista – é a técnica que consiste em se obter o dado sem que a pessoa
perceba o que se quer e qual a finalidade. Ou seja, a entrevista visa a criar uma
empatia entre os comunicantes e um envolvimento de tal forma que o entrevistador
22
conduza a conversa no sentido de extrair o dado sem levantar suspeição. Também
chamada de engenharia social, ou “elicitation”, é usada por vários outros
profissionais que precisam ouvir pessoas, tomar depoimentos etc. Não existe
atividade de Inteligência sem o uso da técnica de entrevista, tendo em vista que o
ser humano é a maior fonte de informações.
2.6 - Equipamentos eletrônicos – a ciência eletrônica avançou muito nos últimos
anos e com ele houve um incremento dos equipamentos de espionagem. Qualquer
pessoa pode comprar equipamentos simples ou sofisticados – pela internet, nas
feiras de produtos importados – a indústria da espionagem é muito atuante em
vários países; junto com os equipamentos de varredura é um setor em franca
expansão. Há um grande interesse dos SI estatais em conhecer a gama de
equipamentos que são apresentados nas feiras e eventos expositivos. Porém, há
uma grande limitação de ordem econômica e uma dificuldade em se justificar esta
compra, restando apenas aos órgãos mais estratégicos a oportunidade de aquisição.
Em verdade, o interesse maior dos SI é na compra de equipamentos de varredura,
como boroscópio e analisadores de espectro. Isto porque são responsáveis por
tornarem seguros os ambientes onde ocorrem as reuniões estratégicas em suas
empresas, bem como os gabinetes de seus dirigentes. O que se pode dizer, sem
sombra de dúvida, é que há um descompasso imenso entre as empresas privadas
(em especial as grandes empresas) e as empresas públicas no que diz respeito a
aparelhamento para espionagem e detecção. Se há um mercado em expansão e, ao
mesmo tempo, dificuldade na compra pelas empresas públicas, então, este mercado
está voltado quase que inteiramente para a iniciativa privada.
2 - As Redes
Em 1958, ao ser criado o Serviço Federal de Informações e Contra-
Informações – SFICI – também foi criada a Junta Coordenadora de Informações, um
colegiado responsável por coordenar as colaborações de todos os órgãos da
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administração, em todas as suas esferas, ao SFICI5. Em 1964, na criação do Serviço
Nacional de Inteligência - SNI – foi criado o Sistema Nacional de Informações –
SISNI. Em 1999, ao se criar a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN – também
criou-se o Sistema Brasileiro de Inteligência –SISBIN. Como se pode ver nesses três
momentos históricos, a atividade de Inteligência sempre esteve preocupada em
construir uma rede de atuação, funcionando sob um controle central.
A rede mais bem montada (ao menos que se tem notícia!) foi a do SNI,
porque envolvia vários órgãos militares (superiores e inferiores), bem como a
estrutura civil de vários órgãos e ministérios; além das instituições policiais dos
vários Estados. Decreto de 1967 transformou as Seções de Segurança Nacional
existentes em cada Ministério civil em Divisões de Segurança e Informações – DSIs ,
o que significava que tais Divisões estariam sob o controle e a fiscalização do SNI.
Também o Exército tinha os Destacamentos de Operações Internas e Centros de
Operações e Defesa Interna, que ficaram conhecidos (e temidos) sob a sigla DOI-
CODI. Marinha e Aeronáutica também tinham seus serviços secretos atuando na
rede do SNI. O SNI conseguiu lançar mão de toda uma estrutura de Estado, em
todas as suas esferas, exercendo controle sobre vários órgãos, criando uma rede
que nem de longe o SISBIN logrou alcançar. O grande trunfo do SNI, a razão desse
sucesso, foi sem dúvida, de natureza estratégica: o governo militar polarizou a
questão política e de segurança, dividindo a nação em dois grandes grupos –
capitalistas e comunistas. Os capitalistas eram bons e amigos da Revolução e os
comunistas eram maus e inimigos da Nação. A partir daí, ou você está na rede,
porque é bom e probo, e deve contribuir denunciando os inimigos; ou você pertence
ao grupo dos subversivos, comunistas, maus que devem ser combatidos. Então, a
rede montada pelo SNI ia além do SISNI, envolvendo até mesmo a iniciativa privada.
Não obstante, não significa que tudo corria às mil maravilhas, que não se tinha
problemas. Até hoje os defensores do SNI acusam os órgãos militares de terem
cometidos os excessos e que o SNI não tinha a função de polícia-política do
Regime. Alguns militares graduados afirmam que havia uma certa independência
nos escalões mais inferiores da rede, que agiam sem dar conhecimento aos
5 Pouco se sabe sobre a atuação do SFICI, aliás, a memória política do Brasil vai se apagando e se tornando cada vez mais nebulosa à medida que retrocede no tempo. Documentos secretos remontam à Guerra do Paraguai, em 1864. Talvez, por isso, haja esta cobrança de se abrir arquivos secretos e desnudar a história. Mas, os atores, em sua maioria, ainda estão em cena e isso pode reabrir feridas e reativar conflitos, que se supunha apaziguados.
24
superiores hierárquicos. Apesar de tudo isso, a rede funcionava muito bem e o
sucesso deveu-se ao fato de seguirem a mesma ideologia de Estado e de terem a
mesma doutrinação.
As redes de Inteligência atuais são muito mais complexas e dinâmicas,
porque não se tem mais a definição de um ideal comum ou de um inimigo comum.
Pode-se mesmo falar que este inimigo comum seriam as organizações criminosas,
ou a criminalidade em geral; o tráfico de entorpecentes, de armas etc. Mas, isto não
é verdadeiro, não se tem uma rede de Inteligência trabalhando em torno destes
temas (que são de apelo popular imediato, por isso são usados tão constantemente
em discursos para se justificar a Inteligência!). Ao contrário, o que temos é
competição, corrupção, tráfico de influências etc. È sabido que existe o SISBIN, no
âmbito da ABIN, e que estaria se estruturando para fazer funcionar a rede. Mas,
dentro de um regime democrático, qual ministério ou órgão da administração federal
aceitará ter dentro de sua estrutura organizacional um setor de Inteligência ligado a
um órgão externo, gerenciado de fora e enviando informações? (O deputado federal
José Genuíno criticou o SISBIN afirmando que o Congresso Nacional não teria como
fiscalizar a rede e que seus componentes não estariam sujeitos ao PNI – Plano
Nacional de Inteligência.)
As redes que funcionam são as informais. Existem por iniciativa de pessoas
que entendem a necessidade de integração entre os SI. Também são locais, não
têm o alcance nacional porque a informalidade não permite uma estruturação maior.
São pequenos grupos que se articulam sem regularidade e de acordo com suas
necessidades momentâneas de conhecimento. Tais redes, embora funcionais e
ágeis (porque prescindem da burocracia!) não são capazes de resolver grandes
temas e, portanto, servem apenas para o interesse setorial deste ou daquele órgão,
não tendo um sentido de utilidade maior para a Nação (este é o papel da ABIN!)
Para que a rede de Inteligência funcione é necessário que todos tenham o
mesmo ideal, que compreendam bem este ideal, que não seja politizada a ação, que
se diga com clareza qual é a função da Defesa Nacional, que se esclareça o que é
Segurança Nacional. Isso só será possível com mais debates, com grupos de
estudo, com envolvimento do meio acadêmico gerando teses, e do meio parlamentar
criando proposições.
25
CAPÍTULO V
O Papel da Inteligência Atual
A filósofa Marilena Chauí6 fez crítica a um movimento, segundo ela,
engendrado na Universidade de São Paulo – USP de contrapropaganda ao governo
Lula. Este movimento, preconceituoso, estaria baseado na estratégia de ‘afirmação
de minha auto-excelência pela desqualificação do outro’. A idéia seria de se levar a
crer que tudo está muito ruim por culpa da incapacidade do governo e apresentar-se
como solução. Pior ainda, estaria tentando fazer acreditar que o governo do PT
levou o país a um quadro político pró-revolução, nos moldes de 1964(o que ela acha
um absurdo!). Não sei se a filósofa tem razão, mas a verdade é que o noticiário não
pára de divulgar informações sobre o período ditatorial, trazendo sempre à tona
histórias de perseguidos políticos. Em contrapartida, os militares, por meio de suas
associações, divulgam em sites na internet suas opiniões e protestos. É em meio a
este caldo político que surge a necessidade de se reavaliar o papel da Inteligência.
Com o fim da chamada Guerra Fria e o fenômeno da globalização houve um
desvio de Inteligência de Estado para Inteligência empresarial. Muitos profissionais
de Inteligência nos EUA estavam se aposentando e foram contratados por grandes
empresas para desenvolverem atividades de espionagem empresarial (ou
tecnológico/industrial) e também de prepará-las quanto ao ataque de outras
empresas. No Brasil, profissionais egressos do Serviço de Inteligência montaram
empresas que fornecem cursos e serviços na área de Inteligência, alcunhada de
Inteligência Corporativa, Estratégica ou Empresarial. Em nosso país a classe
empresarial assume uma postura de quase ingenuidade diante do mercado
competitivo internacional (globalizado) e ainda não entendeu a necessidade de
desenvolvimento de um setor estratégico.
6 Revista Cult, outubro de 2004.
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Com o atentado terrorista às torres gêmeas do WTC os EUA estão
reformulando a Doutrina de Segurança Nacional (ou o seu equivalente) para
endurecer as leis e as ações dentro do Estado, a fim de garantir a soberania e a
hegemonia do Estado Norte-Americano. Este ato pôs na pauta de todas as nações
aliadas a questão do terrorismo como a prioridade das ações dos serviços de
Inteligência. Mesmo porque, acusa-se o serviço de Inteligência de ter falhado não
prevendo, ou não divulgando a tempo, a ameaça que estava por se lançar. No
Brasil, não há ação ou ataque terroristas; ou, ao menos, não se tem a definição do
que seja terrorismo (talvez, se tentarmos uma definição de terrorismo acabaremos
por identificar neste ou naquele grupo embriões de organizações terroristas!)
A grande problemática que se estabeleceu no nosso país foi o choque entre
Estado e cidadão e o serviço secreto colocado como instrumento do Estado. Mas, o
choque entre Estado e cidadão não é invenção do SNI e nem de nenhum outro
órgão de Inteligência. Ele surge quando surge o Estado. (Assim como surgem outras
questões, todas também de difícil solução: o choque entre o privado e o público e o
pretenso direito do cidadão de não obedecer determinadas leis consideradas por ele
como injustas!) Então, seria possível compatibilizar a existência de um órgão de
Inteligência dentro de um Estado Democrático? A resposta é sim, porque é este o
sentido do contrato social de Rosseau no qual nos baseamos, que prevê o
monopólio da violência do Estado. O Estado deve agir em nome de um ente maior
do que um cidadão em particular, e mesmo em detrimento dele. Este ente maior é a
própria continuidade do Estado e a sua sobrevivência como Nação.
Inteligência é poder. A Inteligência existe sempre em função de um poder
estatal. Como este poder é exercido por um ou vários partidos políticos é inevitável a
associação da atividade de Inteligência com a política partidária. A Inteligência deve
ter bem nítida a sua missão para que não desvirtue a sua ação. (Pelo grau de
desconhecimento que se tem da atividade de Inteligência hoje, pode-se dizer que
Inteligência é uma agremiação com poucos sócios e alguns iniciados, que se
reúnem esporadicamente para decidir que não devem decidir nada.)
Inteligência, segundo conceituação moderna, é a atividade que visa à
obtenção, análise e disseminação de informações sobre fatos e situações de
imediata ou potencial influência sobre o processo decisório do Governo e para a
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defesa da sociedade e do Estado. E a Contra-inteligência é a atividade que objetiva
a neutralizar a Inteligência adversa. Partindo desta conceituação, vamos propor
algumas medidas para a melhoria da atividade de Inteligência no Brasil e, em
seguida, discorrer sobre o seu papel na sociedade atual.
Medidas:
• Valorização dos militares. O Estado investiu muito na formação e
treinamento de militares para a área de Inteligência, com ênfase nas
questões nacionais. O acúmulo de conhecimento destes profissionais
não deve ser desprezado por conta de um revanchismo que já devia
ter caducado. A longa tradição e o sentimento nacionalista deve ser
melhor interpretado por nossos dirigentes e entendidos como benéficos
à Nação. E, depois, foram eles quem criou a Inteligência no Brasil e
grandes especialistas esperam ansiosos para contribuir com o país.
Deve-se pensar no retorno da mão-de-obra ociosa, no
reaproveitamento e no reengajamento.
• Dicotomizar Inteligência e Informações. Como medida para tentar
resgatar a imagem da atividade de Inteligência, deve-se voltar a usar o
termo Informações (ou outro correlato), ficando destinado
exclusivamente para o setor privado. Com a paulatina adoção da
atividade de Inteligência pelo setor privado (por meio de cursos,
assessorias, serviços e formação de pessoal) torna-se necessário a
dicotomia: Inteligência – atividade exclusiva de Estado. Somente o
Estado pode fazer Inteligência. Informações – toda a estrutura fora do
Estado que aventurar-se na atividade deve, por força legal, adotar o
termo Informações.
• Inteligência como atividade privativa do Estado. Como já foi referido no
texto anterior, a Inteligência passaria a ser exclusiva do Estado, sendo
vedada a qualquer outra entidade não-estatal a prática da atividade.
• Criação de algumas agências especializadas. A exemplo do que ocorre
em outros países, como nos EUA, algumas agências poderiam ser
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criadas, além da ABIN. Como uma para cuidar da Contra-Inteligência,
por exemplo. Questões que foram levantadas como sendo de
responsabilidade da ABIN (terrorismo, narcotráfico, seqüestros etc.)
poderiam suscitar a formação de outras agências, já que o grau de
aprofundamento em determinados temas não comporta a estrutura de
uma única agência. Tal medida valorizaria a atividade, traria mais
empregos e não afastaria a Inteligência de sua missão principal – o
assessoramento governamental.
• Controle de conteúdos. Definida a diferenciação entre Inteligência e
Informações, o próximo passo seria o órgão oficial de Inteligência
exercer controle sobre o que está sendo ensinado no setor privado.
Parece uma atitude autoritária, porém se estamos determinando que
Inteligência é atividade exclusiva de Estado, ela deve zelar para que
informações e técnicas estratégicas não cheguem à iniciativa privada,
para que não alcancem a mão de bandidos e de infratores.
• Contratação de pessoal. Como somos o único país do mundo a realizar
concurso público para ingresso na atividade de Inteligência, devemos
rever esta prática. Não podemos supor que somos os únicos certos e
todo o resto do mundo errado. A contratação deve ser feita segundo
critérios de recrutadores da própria Agência, que agiriam como olheiros
dentro das Universidades e órgãos de excelência, como Ministérios e
Tribunais, mas não somente aí. Seriam os ‘headhunters’ da atividade
de Inteligência, assim como os contratadores de grandes empresas
que vão ao encalço de grandes cabeças especializadas.
• Plano Nacional de Inteligência. Feita a distinção sobre o que é
Inteligência (distinta de outras atividades fora do Estado), o Estado
deve definir o Plano Nacional de Inteligência, para que ele possa
coordenar o trabalho de todos os órgãos do sistema de Inteligência –
SISBIN. O PNI deve ser feito com ampla participação de vários setores
organizados da sociedade, com debates, seminários e estudos em
várias instâncias até se chegar a um plano que vá ao encontro dos
anseios da sociedade para que ela diga que o entende e aceita. È
imperioso que o PNI exista para que a Inteligência possa desassociar-
29
se da influência política, agindo conforme este condutor, independente
do partido que está no Poder.
• Agências com Diretor Administrativo. Cada Agência de Inteligência
teria um Diretor Administrativo do quadro de pessoal, não indicado pelo
governo. Tal medida visa a garantir a continuidade da atividade
independente da vontade do governo. Definido o PNI, a instância
decisória caberia a um órgão da Presidência da República, mas a
atividade propriamente dita estaria preservada.
• Por fim, criação de uma nova Doutrina de Inteligência e Código de
Ética. Esta é a tarefa mais difícil entre todas as que foram propostas.
Mas, se o mundo mudou, se o regime mudou, se as relações entre as
pessoas está diferente, se as ameaças aos países ocidentais são de
outra matiz; então a Doutrina de Inteligência tem que mudar. Também
a criação de um Código de Ética da Inteligência vai demonstrar para a
sociedade a vontade de errar menos, ou de não errar e, mais ainda,
deixará claro o que é esse erro. Assim como existe o código de ética
do médico, do funcionário público, do advogado etc. o Código de Ética
da Inteligência vai dar feição de profissional ao operador de
Inteligência; contribuindo para apagar um pouco, ou um muito, do
estigma que carrega.
Papel da Inteligência.
Definida como atividade exclusiva de Estado, a Inteligência tem vários papéis,
todos relacionados ao Estado. Mas, apesar de não poder politizar sua ação, o papel
primordial da Inteligência é a defesa do Presidente da República. A Inteligência
trabalha para o Estado, mas o Estado não funciona automaticamente, sem uma
condução humana, e o Presidente da República é o principal responsável por esta
condução; logo, precisa ser protegido. Do contrário, a República corre perigo e, com
ela, o Estado Democrático de Direito. Além da defesa, e não menos importante do
que ela, a Inteligência precisa ser o primeiro órgão de assessoria presidencial. Deve
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estar, estrategicamente, acima de todos os outros. Não acima no sentido
hierárquico, mas no grau de importância para a tomada de decisão. Desta forma, o
presidente despacharia diuturnamente com a Inteligência e, sempre que
necessitasse de tomar uma decisão, ouviria, também, as suas observações. A
Inteligência por intermédio de suas Agências estaria conduzindo estudos e
levantamentos sobre várias áreas importantes do país e municiando o presidente de
conhecimentos estratégicos.
Segundo alguns autores, o SNI teria se especializado na função policial e
repressiva. Teria confundido a noção de Inteligência com a noção de Segurança,
sendo que a Segurança não seria seu papel e sim dos órgãos especializados,
policiais (hoje criticam o fato dos agentes de Inteligência solicitarem o porte de arma,
demonstrando que ainda não conhecem a atividade, desconhecendo seus riscos!)
Quanto mais fechado for o regime político, mais a inteligência se volta para a
segurança interna. A correta compreensão do nosso momento político, tem que
levar a Inteligência ao relaxamento normal quanto à segurança interna.
De qualquer forma é papel da Inteligência desmistificar essa visão (não se
pode esperar que alguém de fora da atividade o faça, muito embora, não se deva
desprezar qualquer ajuda neste sentido). Deve então sinalizar para o oposto agora:
não usando os sistemas de órgãos armados, das forças armadas. Deve ter
autonomia de ação, até mesmo usando armas, sempre para defesa própria, nunca
para a repressão.
A competição entre as Nações aumenta o risco para o capital interno do
Brasil, isto porque países como os EUA adotam medidas de proteção para as suas
empresas. As empresas nacionais, em contrapartida, deveriam entrar no âmbito da
segurança nacional. E seria papel da Inteligência trabalhar junto a elas protegendo-
as e ensinado a se protegerem contra ataques de espionagem, sabotagem etc.
Como o terrorismo entrou na agenda dos grandes países é dever da
Inteligência se antecipar e começar a estudar o terrorismo internacional. Não temos
tradição em atividades terrorista em nosso país, mas isso não é garantia para que tal
situação perdure no tempo.
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O maior dilema da Inteligência atualmente é a questão da segurança interna
do país. Poder-se-ia dizer que o papel da Inteligência é inteiramente voltado para
fora, para a segurança externa, ficando a segurança interna por conta da Polícia
Federal. Mas, a questão não é tão simples assim. Questões externas, como
espionagem, têm repercussão e atuação interna no país, ficando difícil fazer esta
divisão didática da atividade. È recomendável, neste momento histórico, que a
Inteligência mantenha um distanciamento estratégico dos movimentos sociais, mas
é impossível para ela ficar indiferente. A segurança interna é papel sim da
Inteligência – grupos separatistas, seitas religiosas, infiltrações visando à construção
de nações independentes etc. são questões que podem trazer risco ao país.
Movimentos como o do MST, que pela proximidade com o governo atual virou
politicamente incorreto criticar, devem ser acompanhados sim pelo órgão de
Inteligência. Não estou falando aqui de coloração política nem de partidarismo, estou
focando apenas o modus operandi do movimento, que traz táticas de guerrilha e
ações violentas, como invasões de prédios públicos e fazendas. Se isso não for
suficiente para suscitar um acompanhamento por parte de um órgão de Inteligência,
então nós não precisamos dele!
O grande desafio da atividade de Inteligência atual é provar que tem razão.
Provar que o perigo é real, demonstrar as ameaças, não ficar só no discurso
ideológico vazio, como Dom Quixote lutando contra moinhos de vento. Dizer
realmente a que veio, para que existe, sem medo.
O principal papel da Inteligência hoje é provar que tem um papel
imprescindível dentro da estrutura de Estado.
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CAPÍTULO VI
Conclusão
A atividade de Inteligência em nosso país deverá se transformar em um órgão
de excelência do Estado, a partir do momento que a sociedade tomar consciência de
sua brutal importância para a manutenção da Soberania Nacional. Essa
conscientização só vai existir quando a própria Inteligência começar a demonstrar a
sua importância. Ela deve fazer o contraponto do que já foi, sinalizando pelos
moldes democráticos de que é algo diferente. È ela quem deve dizer isso! Deve
desassociar-se das imagens estigmatizadas do passado e isso só será possível se
conseguir passar a limpo a sua história. Agindo com secretismo, escondendo-se e
negando-se a autocrítica só conseguirá o distanciamento e a incompreensão da
sociedade. Ela deve fazer a mea culpa, para que acreditem na sua honestidade de
intenções. Em contrapartida, a sociedade deve desarmar o espírito para dar chance
a estes profissionais de se reerguerem com dignidade.
O Congresso Nacional e as Universidades devem ser motivados a discutirem
bem mais a atividade de Inteligência. Precisamos de intelectuais voltados para esta
área para que se crie uma mentalidade a partir das cadeiras universitárias e também
para que teorias surjam no meio acadêmico proporcionando uma visão moderna de
Inteligência. A partir destas teorizações acadêmicas e seguindo os preceitos da
Democracia a Agência poderá criar uma nova Doutrina de Inteligência (que deve
estar aberta às transformações e influências da sociedade, para que a doutrina não
vire dogma e o dogma não transmude em camisa de força da sociedade).
O Congresso Nacional deve esforçar-se para entender melhor o que é
Inteligência. Não é admissível querer controlar a atividade sob a ótica da ignorância
e do preconceito. Deve promover debates sérios, seminários com a participação de
operadores de Inteligência experimentados e exigir estudos técnicos por parte da
Consultoria Legislativa das Casas.
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Na nova ordem mundial que se configura, com as redes terroristas
ameaçando a segurança de Estados Soberanos e a rede de espionagem promovida
por empresas transnacionais; além das disputas entre países concorrentes, é
temerário que se esteja negligenciando o órgão de Inteligência. Se algum dia formos
atingidos por qualquer destas ameaças (ou por outras que por ventura possam vir a
existir), nos arrependeremos amargamente do tratamento que ora estamos dando à
atividade de Inteligência.
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BIBLIOGRAFIA
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