o papel da comunicaÇÃo interna na mediaÇÃo das relaÇÕes interpessoais nas organizaÇÕes

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O PAPEL DA COMUNICAÇÃO INTERNA NA MEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS ORGANIZAÇÕES Évelim Wroblewski 1 RESUMO A sociedade em rede de Castells se faz presente em nosso dia a dia, transformando nossos relacionamentos pessoais em relacionamentos virtuais, relegando a segundo plano a essência do ser humano, a interação. Diante desta nova perspectiva que se configura, este artigo analisa os impactos causados pelas tecnologias da comunicação e informação nos relacionamentos interpessoais dentro das organizações, bem como o papel da comunicação interna como agente transformador dessas relações. Palavras-chave: comunicação interna, relações interpessoais, organizações. RESUMEN La sociedad en red de Castells se hace presente en nuestro cotidiano, transformando nuestras relaciones personales en relaciones virtuales, relegando a según plan la esencia de los seres humanos, la interacción. Delante de esta nueva perspectiva que se presenta, esto artículo hace una análisis de los impactos causados por las tecnologías de la comunicación y de la información en las relaciones 1 Évelim Wroblewski, Mestranda em Direção de Comunicação Corporativa, Universidade de Barcelona, [email protected].

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Page 1: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO INTERNA NA MEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS ORGANIZAÇÕES

O PAPEL DA COMUNICAÇÃO INTERNA NA MEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES

INTERPESSOAIS NAS ORGANIZAÇÕES

Évelim Wroblewski1

RESUMO

A sociedade em rede de Castells se faz presente em nosso dia a dia, transformando nossos relacionamentos pessoais em relacionamentos virtuais, relegando a segundo plano a essência do ser humano, a interação. Diante desta nova perspectiva que se configura, este artigo analisa os impactos causados pelas tecnologias da comunicação e informação nos relacionamentos interpessoais dentro das organizações, bem como o papel da comunicação interna como agente transformador dessas relações.

Palavras-chave: comunicação interna, relações interpessoais, organizações.

RESUMEN

La sociedad en red de Castells se hace presente en nuestro cotidiano, transformando nuestras relaciones personales en relaciones virtuales, relegando a según plan la esencia de los seres humanos, la interacción. Delante de esta nueva perspectiva que se presenta, esto artículo hace una análisis de los impactos causados por las tecnologías de la comunicación y de la información en las relaciones interpersonales en las organizaciones, así como el papel de la comunicación interna como agente transformador de estas relaciones.

Palabras-llave: comunicación interna, relaciones interpersonales, organizaciones.

1 Évelim Wroblewski, Mestranda em Direção de Comunicação Corporativa, Universidade de Barcelona, [email protected].

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INTRODUÇÃO

A propagação das tecnologias da informação e da comunicação vem possibilitando a

interligação entre pessoas, grupos e organizações, transformando a sociedade em uma rede de

relacionamentos que cresce progressivamente. Essa rede de relacionamentos, caracterizada

pela mediação tecnológica, está, entretanto, cada vez mais desprovida de sentimentos e

emoções, provocando um desconhecimento generalizado das relações humanas e suas

subjetividades.

Neste novo cenário que se configura, percebemos a emergência em nos voltarmos para

as necessidades subjetivas das pessoas que, diante de um mercado altamente competitivo e

movido pela utilização de ferramentas tecnológicas e digitais, vem relegando à margem de

nossas preocupações o contato humano.

Por isso, premente deve ser a discussão sobre os impactos da utilização de tecnologias

sobre seus usuários, ou seja, os trabalhadores. Quais os reflexos do uso sistêmico de

tecnologias nas relações interpessoais nas organizações? Como a Comunicação

Organizacional, representada nesta situação por sua ferramenta de comunicação com os

públicos internos – a Comunicação Interna – pode levar a um equilíbrio entre relacionamentos

virtuais e pessoais?

1 ORGANIZAÇÃO, CULTURA E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

1.1 Organização

Desde o início da civilização os agrupamentos humanos são formados a partir da

necessidade intrínseca de promover o bem-estar dos indivíduos próximos, seja por meio de

ações de cunho social, econômico ou ideológico. Esta reunião de indivíduos por um objetivo

em comum requer que os membros do grupo possuam certas afinidades, como as mesmas

crenças e valores, favorecendo assim que todos trabalhem em prol do objetivo final, comum a

todos.

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A essa estrutura podemos chamar “organização”, definida por Kunsch (2003, p. 25)

como “as mais diversas modalidades de agrupamentos de pessoas que se associam

intencionalmente para trabalhar, desempenhar funções e atingir objetivos comuns, com vistas

em satisfazer alguma necessidade da sociedade” e por Berlo (2003, p. 142) como

“consequências da necessidade que o homem tem de relacionar seu comportamento com o

comportamento dos outros, a fim de realizar seus objetivos”.

Por sua natureza relacional, é a comunicação fator preponderante na formação das

organizações, já que, responsável pela interação entre indivíduos, ela se torna o cerne de

qualquer empreendimento que envolva agrupamentos de pessoas. Como tecido resultante

deste relacionamento, encontramos a cultura organizacional, expressão das significações

construídas ao longo do tempo, as quais regem, mesmo que subjetivamente, as condutas de

todos os envolvidos no contexto organizacional.

Diante disso, sabedores do conceito de organização e dos fatores que a influenciam e

por ela são influenciados – pessoas, relacionamentos e cultura organizacional – faz-se

necessário então definir tais tópicos e qual sua interdependência.

1.2 Cultura e Cultura Organizacional

Sendo o resultado de construções sociais, psicológicas e antropológicas, a cultura

provém da interação entre os membros de uma sociedade, do relacionamento do

comportamento de um com o comportamento dos demais e da concordância de todos sobre

aspectos que influenciam na vida do grupo. Mais do que o reflexo de ações aprendidas, a

cultura é a expressão de um povo, sua marca no tempo.

Por se tratar de um conhecimento consolidado ao longo do tempo, a cultura pressupõe

uma forte afinidade entre as partes, uma ligação que vai muito além do repasse de histórias.

Ela é a essência de um povo, um acordo formalizado e corroborado por todos que conviveram

e convivem nela. Esse acordo é travado por meio da linguagem, na construção de significados

que são partilhados pelos membros do grupo, pois, como afirma Marchiori, “(...) a cultura é

construída, mantida e reproduzida pelas pessoas, pois são elas – e não um autônomo processo

de socialização, ritos, práticas sociais – que criam significados e entendimentos.” (2006b, p.

79).

Como numa sociedade tribal, nas organizações, os valores e as regras são repassados

por aqueles que já internalizaram tais preceitos, formalizando a continuidade dos mitos e

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tradições que se fundiram à imagem da organização. A partir de então, a cultura

organizacional passa a ser constantemente moldada e remoldada por aqueles que a integram,

ou seja, as pessoas que nela trabalham. Assim,

“cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas.” (SCHEIN, apud FLEURY, 1989, p. 20).

Como fruto da interação humana existente na organização, a cultura organizacional

pressupõe um elo entre as pessoas que a integram: a comunicação. É através da comunicação,

da criação de significados comuns, que as pessoas interagem, moldam, criam e recriam as

normas nas organizações; é por intermédio dela que a interação, a integração e a confluência

de ideias se torna possível, por isso, “(...) dificilmente culturas são planejadas ou presumíveis,

elas são produtos naturais da interação social e têm na comunicação sua formação.”

(MARCHIORI, 2006b, p. 83)

1.3 Comunicação e Comunicação Organizacional

Mais do que uma ferramenta de troca de informações, a comunicação é o meio que

possibilita ao ser humano viver em comunidade, aprender e repassar conhecimento ao longo

da história. A transmissão de conhecimento não depende apenas do ato de comunicar, leva em

consideração o contexto em que as pessoas estão inseridas, os códigos partilhados por todos, a

disposição de quem repassa e de quem recebe a comunicação, bem como o canal pelo qual a

comunicação é repassada.

Para Davis e Newstrom

“comunicação é a transferência de informação e compreensão de uma pessoa para outra. É uma forma de atingir os outros com ideias, fatos, pensamentos, sentimentos e valores. Ela é uma ponte de sentido entre as pessoas, de tal forma que elas podem compartilhar aquilo que sentem e sabem. Utilizando esta ponte, uma pessoa pode cruzar com segurança o rio de mal-entendidos que muitas vezes as separa”. (1996, apud Kunsch, 2003, p. 161).

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Essa troca de experiências e de ideias promovida pela comunicação é que viabiliza a

existência das organizações, pois é a partir da interação que se descobrem afinidades e

objetivos em comum, formando-se grupos que visam a um mesmo fim.

No âmbito organizacional, quando tratamos do ato de comunicar, costumamos nomeá-

lo Comunicação Organizacional, Empresarial ou Corporativa. Entretanto, por entendermos

que o termo Comunicação Organizacional possui maior abrangência quando se trata do mix de

comunicação voltado para os stakeholders das organizações, este será o termo utilizado ao

longo deste trabalho, pois, como afirma Kunsch,

“fenômeno inerente aos agrupamentos de pessoas que integram uma organização ou a ela se liga, a Comunicação Organizacional configura as diferentes modalidades comunicacionais que permeiam sua atividade. Compreende, dessa forma, a Comunicação Institucional, a Comunicação Mercadológica, a Comunicação Interna e a Comunicação Administrativa”. (2003, p. 149).

Por Comunicação Institucional, entende-se a comunicação voltada para o lado público

das organizações, ou seja, sua imagem e identidade. Comunicação Mercadológica, como o

próprio nome sugere, é a comunicação de marketing, voltada para a promoção da empresa e

de seus produtos. A Comunicação Administrativa constitui-se da comunicação viabilizada

pelos documentos internos da organização, com o objetivo de fazer com que os processos

administrativos transcorram sem muitos ruídos nas informações. Por fim, a Comunicação

Interna é a ferramenta de Comunicação Organizacional responsável pela comunicação entre

os interlocutores internos da organização, ou seja, os funcionários. É ela que alimenta a

comunicação formal e informal nas organizações, que “humaniza as relações entre

indivíduos” (MARCHIORI, 2006b, p. 218).

O caráter multidisciplinar conferido à Comunicação Organizacional depreende-se da

função conciliadora entre todas as atividades de comunicação desempenhadas por uma

organização e seus diversos setores, por isso a segmentação da comunicação em áreas

específicas – institucional, mercadológica, administrativa e interna – se justifica apenas para

fins de conceituação, uma vez que, como afirma Bueno (2003, p. 4-5), as atividades de

comunicação estão umbilicalmente interligadas, caminhando para o que podemos chamar de

comunicação integrada.

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2 COMUNICAÇÃO INTERNA E MEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

NAS ORGANIZAÇÕES

A Comunicação Interna pode ser compreendida como um conjunto de estratégias da

Comunicação Organizacional destinadas ao público interno das organizações, tendo suas

especificidades demarcadas pelas características dos públicos a que se destina, ou seja, ela

está diretamente relacionada à cultura organizacional e também às políticas gerenciais de cada

organização, bem como aos aspectos subjetivos das pessoas que a ela se ligam. É ela a

responsável pela manutenção dos relacionamentos interpessoais dentro das organizações, pois

suas atribuições perpassam pela promoção da interação social entre os atores organizacionais,

além de fomentar um ambiente agradável e de troca de conhecimentos. Nesse sentido,

“A qualidade da comunicação interna passa pela disposição da direção em abrir as informações; pela autenticidade, usando-se a verdade como princípio; pela implantação de uma gestão participativa, capaz de propiciar oportunidade para mudanças culturais necessárias; pela utilização de novas tecnologias; e por um gerenciamento feito por pessoas especializadas e competentes, que ensejem efetivamente uma comunicação simétrica de duas mãos em benefício da organização e de seus colaboradores.” (KUNSCH, 1997b, p. 130).

Depreendemos da afirmação de Kunsch que, para que haja uma comunicação efetiva e

de mão dupla, a qual considere o feedback uma peça importante para o desenvolvimento da

organização, é necessário que a gestão da organização esteja voltada para o elemento humano

e sua valorização.

O foco no desenvolvimento humano pode se dar de várias formas, entretanto, a

Comunicação Interna é o meio pelo qual se pode dar maior ênfase a esse aspecto dentro das

organizações, uma vez que ela é a propagadora das atividades sociais que são realizadas neste

ambiente, assim como se constitui no elemento que molda a cultura da organização.

É preciso ressaltar ainda que a comunicação nas organizações não ocorre apenas pelas

vias formais – reuniões, memorandos, intranet, etc. – ela também ocorre por vias informais,

ou seja, aquelas que não são estabelecidas pela organização. A comunicação informal, aquela

praticada fora das vias consideradas lícitas pela organização, é também de extrema

importância para que se construa um ambiente de verdadeira interação entre as pessoas. Além

de promover um ambiente saudável e de criação de valor para os funcionários, as

organizações devem perceber que estes podem e devem ser informados a respeito da atividade

da organização, bem como de seus objetivos e metas financeiras e mercadológicas. Dessa

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forma, cientes da visão da empresa e qual seu papel para alcançar as metas estipuladas, os

trabalhadores sentir-se-ão parte do todo e criarão mutuamente um sentimento de

responsabilidade para com a organização e seus colegas, promovendo uma comunicação

verdadeiramente transparente e democrática. Entretanto, tal prática não se concretiza na

maioria das organizações, nas quais a Comunicação Interna é vista como uma despesa a ser

cortada. Com o foco voltado para o mercado, as organizações investem muito na comunicação

externa visando atrair o público consumidor e esquecem-se do público número um, aquele

que, “em princípio, [são] os maiores interessados no sucesso da organização, pois projetam

nela suas expectativas de crescimento pessoal e profissional.” (BUENO, 2005, p. 32)

Havendo estímulo para que as pessoas interajam, a comunicação com certeza fluirá de

maneira clara e segura. Entretanto, esse aspecto da comunicação – a interação entre os

envolvidos – depende também dos fluxos de comunicação exercidos pela organização. Neste

âmbito, as tecnologias da informação e da comunicação exercem grande influência, pois são

elas que atualmente intermedeiam as comunicações interpessoais. É por meio delas que nos

comunicamos com nossos clientes, amigos, colegas de trabalho e familiares.

Indispensável se faz, então, discutir sobre como essas tecnologias influenciam nossas

vidas dentro das organizações e como a Comunicação Interna, como instrumento de mediação

dos relacionamentos interpessoais, pode contribuir para que nossos relacionamentos não se

tornem estritamente virtuais. Sobre esse tema, discorreremos a seguir.

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3 ORGANIZAÇÃO VIRTUAL E COMUNICAÇÃO INTERNA – A CONSTRUÇÃO

DE UM NOVO CENÁRIO

A grande transformação sofrida pelos trabalhadores durante a Revolução Industrial

não se deu somente no exercício do trabalho, mas sim, e principalmente, na nova forma de

relacionamento que se desenvolveu entre eles, passando de uma economia familiar para uma

relação profissional, de patrão e empregado, contudo sem alterar os moldes da hierarquia,

onde o centro de poder continuava na figura do chefe, assim como o poder de decisão sobre a

atividade industrial em si.

Somente em meados da década de 1950 é que os três principais alicerces das

organizações passaram a ser discutidos por estudiosos – gestão de pessoas, cultura

organizacional e comunicação – contribuindo assim para a compreensão na nova revolução

que se configurava: a Revolução Informacional.

Por Revolução Informacional podemos compreender o conjunto de instrumentos –

informática, automação, telecomunicações, etc. – que possibilitam a armazenagem e a difusão

de uma grande massa de informações a públicos anteriormente excluídos da sociedade

intelectual (LOJKINE, 2002, p. 15).

Para Castells (1999), o termo informacional está estreitamente ligado à formação e à

disseminação de conhecimento. Sendo o conhecimento o elemento chave da nova realidade

que se configura e as tecnologias da comunicação e da informação os meios pelos quais esse

conhecimento se dissemina, torna-se válido considerar que, nas palavras de Srour (2005), a

Revolução Informacional é também Digital, uma vez que essas tecnologias “é que têm

dominado o mercado”. Para o autor, a Revolução Digital se mostra como uma terceira

Revolução Tecnológica, na qual a informatização dos processos delineia uma nova realidade

para os indivíduos, a do trabalho mental.

Constrói-se assim um novo panorama organizacional, baseado na utilização de

tecnologias que visam a suprir a dinâmica flexível que a economia globalizada exige. Tanto a

execução de tarefas quanto o ato de criar, modelar e reestruturar processos agora perpassa,

indiscutivelmente, pelas tecnologias da informação e da comunicação, levando as

organizações à virtualização tanto do trabalho quanto dos relacionamentos.

A virtualização das organizações é a utilização desenfreada de tecnologias da

informação e da comunicação, entre outras, que, além de auxiliar as pessoas a executarem

suas atividades no ambiente de trabalho, relegam, por sua natureza digital, os relacionamentos

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interpessoais a segundo plano, tornando os indivíduos seres reclusos num mundo considerado

globalizado.

Castells (1999) afirma que a informação é a matéria-prima deste novo cenário

econômico e social que se configura, tendo como efeito a modelagem de nossa existência

individual e coletiva pelas tecnologias da informação. E complementa: enquanto a tecnologia

da informação caminha para uma rede global de comunidades virtuais, a tendência social e

política vai em direção da construção de identidades primárias e da busca por significado e

espiritualidade. (CASTELLS, 1999). Essa busca por significação encontra raízes no

desmoronamento do sentimento de segurança que se tinha ao tratar da figura do Estado e de

outras instituições que hoje se encontram à mercê do abandono, como a religião e a família.

Em lugar das instituições consideradas de apoio à espiritualidade e à subjetividade do

indivíduo, as organizações tornaram-se o alicerce de que as pessoas precisavam para edificar

suas crenças e expectativas.

Cada vez mais harmonizado com o ambiente virtual e a desnecessidade de se deslocar

para estabelecer contato com outra pessoa, o indivíduo organizacional vem se tornando um

ser recluso, mantenedor de relações superficiais, as quais, mediadas pelas tecnologias da

informação e da comunicação, concorrem com a natureza humana que, primordialmente,

esteve enraizada na interação entre indivíduos.

“O ciberespaço proporciona uma conectividade e uma vivência coletiva sem precedentes, porém desprovida de aprendizado afetivo, emocional e de percepção do outro. Em um mesmo momento em que as TI’s tendem a diminuir as barreiras comunicacionais dentro do ambiente organizacional, podemos encontrar um outro tipo de barreira que é justamente aquela do não conhecimento do outro, o não saber perceber e o não saber interpretar seus gestos, expressões e emoções”. (SANCHEZ, 2006, p. 188).

Depreendemos, dessa forma, que estamos conectados à coletividade e, ao mesmo

tempo, isolados do afeto e do contato humano. Apegamo-nos a aparências construídas,

motivadas pela agilidade da informação e colocamos à margem de nossas atenções o que

temos de mais importante: o relacionamento com o próximo. A interação pessoal deixou de

ser o elemento básico do convívio humano, tornando os indivíduos, mais uma vez, um

apêndice das máquinas.

O processo comunicacional se volta para os modelos clássicos das teorias da

comunicação, em que o contexto no qual os indivíduos em interação estão imersos não é

considerado, formalizando então a comunicação como mero processo de transmissão de

dados. Sabedores de que estes modelos há muito já não se aplicam, como então estabelecer

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um equilíbrio entre o lado humano e o tecnológico das organizações, a fim de que ambos

caminhem lado a lado na busca pelo desenvolvimento e pela obtenção de resultados?

Por meio de uma Comunicação Interna clara e objetiva, sem entraves para o

relacionamento interpessoal, é possível resgatar o convívio entre as pessoas, a troca de ideias

e experiências, sem que se descarte o uso das ferramentas tecnológicas que estão a nosso

dispor.

3.1 O papel da comunicação interna na construção de um novo cenário organizacional

“(...) a Comunicação Interna tem uma função importante no sentido de fazer circular as informações novas, promover a interação entre os vários segmentos da organização e, sobretudo, capacitar os funcionários para os novos desafios.” (BUENO, 2005, p. 33).

Responsável pela disseminação de conhecimento e informação, a Comunicação

Interna, mais do que manter os funcionários informados a respeito de suas atividades e

resultados, tem por objetivo preparar estes para as constantes mudanças exigidas pelo

mercado. Essas mudanças são fruto de uma dinâmica flexível e veloz, provocada pelos

constantes avanços tecnológicos e também pela competitividade acirrada que hoje as

organizações vivem.

Como a matéria-prima deste novo cenário é a informação, importante se faz, então,

disseminar entre os trabalhadores a relevância da utilização das tecnologias da informação e

da comunicação, mas, também, do contato interpessoal com os demais colegas. A junção

destes dois fatores – criatividade humana e tecnologia – pode ser iniciado com encontros

presenciais para discutir o avanço tecnológico e os impactos causados nas organizações, pois,

assim, os próprios envolvidos poderão levantar suas dificuldades perante as novas ferramentas

disponíveis para o desenvolvimento de seu trabalho. Com essa ação, não só a comunicação

formal, mas também a informal – aquela que ocorre por vias não padronizadas pela

organização – será estimulada, tornando o ambiente mais agradável e próximo ao cotidiano

das pessoas. Além disso, estimulada a comunicação e a troca de experiências, o aprendizado

se torna mais fácil, levando a organização a estabelecer uma cultura de aprendizagem mútua.

Construindo uma relação de troca, a organização, como fator desencadeador de

oportunidades para os trabalhadores, deve considerar as necessidades subjetivas destes –

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expectativas, anseios, medos, etc –, alimentando-os com informações e feedbacks periódicos

sobre o desempenho de suas atividades. Esta é também uma tarefa da Comunicação Interna

que, como promotora dos relacionamentos interpessoais, deve fornecer subsídios para que os

trabalhadores estejam cientes de suas atribuições e resultados dentro da organização. Tais

subsídios devem estar intrínsecos na cultura da organização, mas também devem ser

lembrados constantemente por meio de uma Comunicação Interna que privilegie as demandas

não só da organização como também de seus funcionários. Dessa forma, é possível

desenvolver ferramentas ligadas à comunicação que auxiliem os trabalhadores em seus

empreendimentos tanto profissionais quanto pessoais.

Para tornar essas premissas realidade, há que se trabalhar a Comunicação Interna

como “atividade-meio” da interação pessoal, ou seja, trazer à tona sua natureza de construtora

das relações interpessoais nas organizações. Nessa perspectiva, podemos considerar como

meios para a superação desse desafio a promoção de “(...) espaços de interação democráticos,

verdadeiramente participativos, onde a divergência com responsabilidade seja estimulada.”

(BUENO, 2005, p. 24). Esses espaços não necessitam ser somente físicos, como salas de

reunião ou afins, podem também assumir o caráter tecnológico das salas de “bate-papo” ou as

conferências via mensagens instantâneas, contanto que promovam efetivamente o

relacionamento entre as pessoas, não havendo uso exclusivo de uma ou de outra ferramenta,

uma vez que “(...) a comunicação envolve uma interdependência física, isto é, fonte e receptor

são conceitos diádicos, cada qual exige o outro pela própria definição, cada qual precisa do

outro para a própria existência” (Berlo, 2003, p. 134).

A facilidade promovida pelas tecnologias da informação e da comunicação estão

estreitamente ligadas à Internet que, ao possibilitar o contato com pessoas, organizações,

conteúdos, informações, conhecimento, etc., constrói uma rede de relacionamentos que se

multiplica a cada instante, formando assim a sociedade em rede de Castells.

Para Torquato (2004), as ferramentas internas de comunicação devem passar por uma

reformulação, ajustando o conteúdo das mesmas às expectativas dos trabalhadores. Para ele, a

Comunicação Interna deve contemplar assuntos que digam respeito ao cotidiano das pessoas

que fazem parte da organização, como motivação, orientação profissional, educação,

associativismo, entretenimento, etc. O autor ainda considera que as atividades voltadas ao

contato humano devem ser melhor difundidas, visando, assim, a uma conscientização maior

sobre a importância de se conhecer uns aos outros. Essas atividades, segundo Torquato

(2004), perpassam por campanhas para mudança de padrões culturais, de prevenção de

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acidentes, de integração entre departamentos, de competitividade, de aperfeiçoamento

profissional e de criatividade.

Mudanças como as propostas por Torquato (2004) afetam diretamente a cultura da

organização, por isso o autor considera que esta deva ser uma das atividades trabalhadas pela

Comunicação Interna. O maior impacto dessas mudanças recai sobre o relacionamento

humano que, mesmo dentro das organizações, influencia e é influenciado pelos valores que

cada funcionário tem como seus fora do ambiente de trabalho, tornando assim o contato com

o outro algo de extrema importância para que se edifiquem valores semelhantes dentro da

organização. Esta última depende da construção de significados partilhados por todos que a

integram para que sua cultura seja consolidada. Dessa forma, a compreensão mútua deve se

fazer presente em todas as relações estabelecidas, sejam elas interpessoais ou virtuais.

Trabalhamos, vivemos, conversamos e trocamos experiências por meio da

comunicação, por isso,

“Comunicação e relacionamento são dois conceitos interdependentes. Necessitamos e precisamos nos relacionar com nossos familiares, amigos, parceiros de trabalho, clientes e, principalmente, com nós mesmos. É através das relações humanas que emergem a consciência, o conhecimento, a sabedoria, a linguagem e todas as formas mais elaboradas do uso da criatividade e da produção humanas(...). Tudo isso é resultado da transformação incessante que se produz no contato do homem com seu eu, com os outros e com o mundo.” (Matos, 2006, p. 116).

Além do contato consigo próprio, com os outros e com o mundo, como afirma Matos

(2006), relacionamo-nos com a tecnologia, com as ferramentas provindas dela; logo, na

construção de um novo cenário organizacional, em que as pessoas tenham mais uma vez lugar

de destaque, precisamos aliar esses adventos tecnológicos à nossa natureza primordial, o

relacionamento face a face.

Travamos assim um embate entre os benefícios adquiridos com as inovações

tecnológicas – principalmente as de informação e comunicação – e a necessidade primordial

do ser humano que é a interação. Intrínseco em nós está a imprescindibilidade do contato com

o outro, do falar, do ouvir, de nos envolvermos com nossos semelhantes, por isso o papel da

comunicação se faz tão importante neste novo cenário que se desenha, cheio de desafios

perante uma sociedade basicamente tecnológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 13: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO INTERNA NA MEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS ORGANIZAÇÕES

Chegamos à conclusão de que no cerne das organizações está a interação pessoal, a

natureza relacional do ser humano, e que este é o caminho para revalorizarmos o elemento

humano como um ser biopsicossocial, que possui suas subjetividades e que estas devem ser

consideradas no ambiente organizacional, para que se estabeleça um novo cenário para as

organizações e seus integrantes.

Compreendemos que não podemos nos abster do contato com as tecnologias que

surgem a cada dia, pois se assim fosse, condenaríamos as organizações, bem como toda a

sociedade, a um retrocesso evolutivo sem precedentes.

Chegamos ao desenho de novas expectativas para os atores organizacionais por meio

de políticas de Comunicação Interna que propiciem tanto o contato humano quanto a

utilização de ferramentas tecnológicas no ambiente das organizações, concluindo, então, que é

preciso estabelecermos uma linha, mesmo que tênue, que separe nossas expectativas pessoais

e profissionais da dependência do uso de ferramentas que foram criadas para auxiliar na

obtenção de nossos desejos e que estabeleça um limite para que não nos tornemos seres

isolados devido à demanda mercadológica a que estamos submetidos.

Entretanto, percebemos que o assunto apresentado não se esgota, devendo ser

trabalhado mais profunda e amplamente, pois a interação humana é algo ainda misterioso para

todos nós. A complexidade dos relacionamentos interpessoais e o impacto que estes sofrem

diante dos avanços tecnológicos sem precedentes são fatores que devem ser melhor

trabalhados nas organizações, uma vez que estas são constituídas por pessoas, as quais, por

sua vez, são dotadas de subjetividades.

Page 14: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO INTERNA NA MEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS ORGANIZAÇÕES

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