o panorama da cultura no brasil

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O panorama da Cultura no Brasil Clarice de Assis Libânio 1 Antes de passar à discussão sobre a elaboração e gestão dos projetos culturais em si, que são o foco desse trabalho, faz-se necessário municiar os leitores de algumas informações relevantes sobre a cultura no Brasil e em Minas, que colaboram para uma visão mais ampla do mercado cultural e sua dinâmica. Para tanto, serão utilizadas três pesquisas recentemente lançadas em âmbito federal, que merecem destaque por lançar luz sobre uma parte importante da área da cultura. A seguir, cada uma das pesquisas será brevemente relatada. Economia da cultura – oferta, demanda e consumo – IBGE 2006 A pesquisa do IBGE foi publicada ao final de 2006, a partir de demanda do Ministério da Cultura. Utiliza dados já existentes, do ano de 2003, coletados com objetivos não diretamente ligados à área cultural, mas sim às estatísticas e mensurações de ordem econômica. Seu principal objetivo foi organizar e sistematizar informações relacionadas ao setor cultural,democratizando o acesso e contribuindo para a construção de um sistema de informação que possibilite a sua análise como setor produtivo . É importante destacar que não houve pesquisa primária, e que os resultados apresentados são fruto de cruzamentos e análise de dados secundários, através da utilização das seguintes pesquisas já existentes: CEMPRE - Estatísticas do Cadastro Central de Empresas; PIA - Pesquisa Industrial Anual; PAC - Pesquisa Anual de Comércio; PAS - Pesquisa Anual de Serviços; POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares; APU - Estatísticas Econômicas das Administrações Públicas; PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Para maiores detalhes, o documento completo do estudo, com as tabelas e gráficos, pode ser obtido no sítio: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_culturais/2003/. Os resultados são apresentados em quatro grupos de análises: a análise da economia da cultura como setor produtivo, pelo lado da oferta; a análise da cultura pelo lado do consumo das famílias; a análise do ponto de vista da mão-de-obra ocupada e a análise dos gastos públicos em cultura. Do ponto de vista da análise pelo lado da oferta, apresenta a configuração do setor cultural para três segmentos econômicos: indústria, comércio e serviços. Entre outras, analisa a participação das atividades culturais no total das seguintes variáveis: pessoal ocupado, número de empresas, receita, custos, valor adicionado, valor bruto da produção, custo das operações industriais, consumo intermediário, valor da transformação industrial, salário médio, custo do trabalho, taxa de margem de comercialização e taxa de 1 Texto elaborado para a Apostila da Oficina de Elaboração, Captação e Gestão de Projetos Culturais da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais / 2007.

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Clarice de Assis Libânio

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Page 1: O panorama da Cultura no Brasil

O panorama da Cultura no Brasil

Clarice de Assis Libânio1

Antes de passar à discussão sobre a elaboração e gestão dos projetos culturais em si, que

são o foco desse trabalho, faz-se necessário municiar os leitores de algumas informações

relevantes sobre a cultura no Brasil e em Minas, que colaboram para uma visão mais ampla

do mercado cultural e sua dinâmica.

Para tanto, serão utilizadas três pesquisas recentemente lançadas em âmbito federal, que

merecem destaque por lançar luz sobre uma parte importante da área da cultura.

A seguir, cada uma das pesquisas será brevemente relatada.

Economia da cultura – oferta, demanda e consumo – IBGE 2006

A pesquisa do IBGE foi publicada ao final de 2006, a partir de demanda do Ministério

da Cultura. Utiliza dados já existentes, do ano de 2003, coletados com objetivos não

diretamente ligados à área cultural, mas sim às estatísticas e mensurações de ordem

econômica. Seu principal objetivo foi organizar e sistematizar informações relacionadas ao

setor cultural,democratizando o acesso e contribuindo para a construção de um sistema de

informação que possibilite a sua análise como setor produtivo.

É importante destacar que não houve pesquisa primária, e que os resultados

apresentados são fruto de cruzamentos e análise de dados secundários, através da utilização

das seguintes pesquisas já existentes: CEMPRE - Estatísticas do Cadastro Central de

Empresas; PIA - Pesquisa Industrial Anual; PAC - Pesquisa Anual de Comércio; PAS -

Pesquisa Anual de Serviços; POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares; APU - Estatísticas

Econômicas das Administrações Públicas; PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios. Para maiores detalhes, o documento completo do estudo, com as tabelas e

gráficos, pode ser obtido no sítio:

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_culturais/2003/.

Os resultados são apresentados em quatro grupos de análises: a análise da

economia da cultura como setor produtivo, pelo lado da oferta; a análise da cultura pelo lado

do consumo das famílias; a análise do ponto de vista da mão-de-obra ocupada e a análise

dos gastos públicos em cultura.

Do ponto de vista da análise pelo lado da oferta, apresenta a configuração do

setor cultural para três segmentos econômicos: indústria, comércio e serviços. Entre outras,

analisa a participação das atividades culturais no total das seguintes variáveis: pessoal

ocupado, número de empresas, receita, custos, valor adicionado, valor bruto da produção,

custo das operações industriais, consumo intermediário, valor da transformação industrial,

salário médio, custo do trabalho, taxa de margem de comercialização e taxa de

1 Texto elaborado para a Apostila da Oficina de Elaboração, Captação e Gestão de Projetos Culturais da

Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais / 2007.

Page 2: O panorama da Cultura no Brasil

investimento.

Os resultados obtidos mostram os seguintes números:

• Foram encontradas 269 074 empresas formalizadas no setor cultural (5,2%

do total do país). Nelas, são ocupadas 1 431 449 pessoas, o que corresponde

a 4,0% dos postos de trabalho brasileiros;

• Desse total, predominam as empresas prestadoras de serviços,

correspondentes a 59% do total. Em segundo lugar vem o comércio (26,5%)

e indústria de transformação de bens culturais, com 14,7%. Os ramos mais

relevantes são a educação, edição e impressão, consultoria em software,

atividades de televisão, banco de dados e conteúdo eletrônico;

• 93% das empresas culturais têm porte micro (até 9 pessoas ocupadas);

• A massa salarial anual gerada nesses empreendimentos é de R$ 17,8 bilhões

em 2003, com média salarial mensal de 5,1 S.M. (contra uma média geral

dos setores de 3,3 S.M.)

No que se refere à análise dos gastos das famílias, viu-se que a média mensal

para a despesa com o grupo cultura para o total Brasil ficou em R$ 115,50, abaixo apenas

dos três principais grupos de despesas (habitação, alimentação e transporte). Ao se excluir o

item telefonia desses valores, a média para o Brasil do grupo cultura ficou em R$ 64,53,

sendo superada, além dos três principais grupos, pelos grupos de assistência à saúde e

vestuário.

Ao se medir o gasto médio das famílias com cultura no Brasil a partir das variáveis

clássicas, foi possível perceber diferenças relevantes. A primeira delas diz respeito ao gasto

das famílias de acordo com suas classes de rendimento e tipo de despesa. Nesse aspecto,

viu-se que o gasto com cultura é diretamente proporcional ao rendimento da família, sendo

que, em média, as famílias com renda acima de R$ 3.000,00 gastam 20 vezes mais com

cultura do que aquelas com rendimentos de até R$ 400,00 mensais.

Em relação aos gastos médios com o grupo cultura segundo sexo da pessoa de

referência no domicílio, não mostram diferenças muito significativas. A despesa média em

Reais com cultura para as famílias cuja pessoa de referência era do sexo masculino foi de R$

117,12, e para as famílias em que a pessoa de referência era do sexo feminino foi de R$

110,96.

Por outro lado, a despesa média com o grupo cultura segundo cor ou raça da pessoa

de referência no domicílio apresenta variação relevante, com média de despesa total de R$

146,66 para branca, R$ 87,19 para preta, e R$ 76,20 para parda.

Também a variável escolaridade é relevante para a composição da despesa média

com o grupo cultura. Os valores da despesa média são crescentes com o nível de

escolaridade da pessoa de referência, sendo de R$ 33,67 para aqueles sem instrução, e de

R$ 391,65 para os com ensino superior.

Page 3: O panorama da Cultura no Brasil

A análise dos gastos da administração pública foi feita a partir da distribuição

dos gastos públicos em cultura e seu padrão de alocação, identificando o percentual de

recursos destinados à compra de bens e serviços, aos investimentos ou às transferências.

Para realizar essa análise, utilizou-se os dados das despesas orçamentárias dos governos

(federal, estadual e municipal) no ano de 2003 com a administração, operação e suporte dos

órgãos encarregados pela difusão da cultura, preservação do patrimônio histórico e os de

promoção das artes.

Os resultados obtidos mostram que no ano de 2003 gastou-se na cultura cerca de

R$ 2,3 bilhões nas três esferas de governo, com maior concentração na esfera municipal

(55%), seguida dos Estados (32,4%) e do Governo Federal (12,6%). Numa análise

consolidada dos gastos públicos, vê-se que a cultura representa apenas 0,2% do total, sendo

que nos estados esta participação é de 0,4% e nos municípios de 1,0%. Ademais, esse valor

fica ainda mais restrito quando se avalia que as três esferas de governo reservam a maior

parte de seus recursos para gastos com pessoal e com outras despesas de custeio, que

totalizam R$ 1,9 bilhão, ou seja, aproximadamente 86% do total dos dispêndios públicos

culturais.

Por fim, a análise socioeconômica da cultura, do ponto de vista da mão-de-obra,

foi feita a partir da PNAD de 2004, e estimou que haja cerca de 3,7 milhões de pessoas

ocupadas com 10 anos ou mais de idade em atividades relacionadas à cultura (4,5% das

pessoas ocupadas no país).

Quanto ao perfil desse pessoal, há ligeiro predomínio do gênero masculino (cerca de

52,1% do total) comparativamente ao feminino. Em relação à faixa etária, há maior

participação percentual da faixa etária de 25 a 49 anos de idade (cerca de 56%), de forma

equivalente ao que ocorre com os ocupados em geral. No entanto, dentre os ocupados na

cultura, é maior a participação dos mais jovens (cerca de 30% contra 24% do total, na faixa

de 10 a 24 anos).

Destaca-se ainda que nas atividades culturais prevalece um nível de escolaridade

mais elevado que o do mercado de trabalho em geral, com predomínio dos ocupados com 11

anos ou mais de estudo, enquanto que para o total de todas as ocupações a maior

participação é observada nos ocupados com menos de oito anos de estudo. A pesquisa

destaca que a própria natureza das atividades relacionadas à cultura requer maior

qualificação e instrução, como é o caso dos jornais, bibliotecas, museus, entre outras

atividades.

Quanto à formalização do trabalho principal, vê-se que a parcela de participação do

trabalhador por conta própria entre as pessoas ocupadas, vinculadas ao setor cultural, é

substancialmente superior à observada para a população total ocupada.

Avaliação da política cultural brasileira – IPEA 2007

O estudo lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, em

cooperação com o Ministério da Cultura, teve como objetivos fornecer subsídios para a

Page 4: O panorama da Cultura no Brasil

formulação e a avaliação das políticas públicas de cultura no Brasil, com foco no período

compreendido entre 2002 e 2006, que coincide com os quatro anos do primeiro governo

Lula. Entre outras, traz informações sobre os aspectos materiais da política cultural, através

de temas como: gastos públicos, mercado de trabalho da área, gastos das famílias com

práticas e bens culturais, e a distribuição de equipamentos e recursos no território nacional.

De grande fôlego e conteúdo, não será possível nessa apostila relatar todos os

resultados e análises do trabalho. Entretanto, serão destacados alguns aspectos, relatados

no Caderno 2 e no Caderno 3 do referido estudo, para fins de conhecimento dos gestores

culturais no estado de Minas Gerais. Para maiores detalhes, ver o estudo completo,

disponível em http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/cardenosdepoliticas/cadvol2.pdf.

As principais conclusões constantes do Caderno 2 apontam para três questões

básicas, a saber: 1. Grande parte do que se faz no Brasil em termos de políticas culturais é

feito pela iniciativa privada, extra-estatal; 2. A administração das políticas culturais no Brasil

revela uma articulação precária entre os governos de nível federal, estaduais e municipais; e

3. As políticas culturais têm carências de recursos financeiros e de gestão, o que limita a as

ações e projetos públicos, nas diversas esferas.

De acordo com os dados do estudo, vem havendo crescimento na execução

orçamentária do Ministério da Cultura, ainda que algumas oscilações se apresentem ao longo

do tempo. A tabela a seguir traz números da execução orçamentária das instituições

federais, para o período 1996-2005.

Entretanto, apesar desse crescimento, não tem sido registrado aumento da

democratização do acesso aos bens culturais e financiamento público, pelo menos não na

mesma medida.

Page 5: O panorama da Cultura no Brasil

Em relação à Lei Rouanet, por exemplo, em 2003 foram apresentados 4.855

projetos, com o valor total de R$ 3,394 bilhões, dos quais foram aprovados 3.875 (79%), no

valor de R$ 1, 784 bilhões (53%). É importante destacar que apenas 330 dos 5.560

municípios brasileiros tiveram projetos aprovados, com concentração nas capitais e na região

Sudeste.

Do total de projetos apresentados, 3.053 (64%) são da região Sudeste, sendo 1.104

(23,5%) do estado do Rio de Janeiro e 1.478 (30,9%) de São Paulo. Os vinte municípios que

concentraram a maior parte da demanda ao MinC apresentaram, juntos, 3.860 projetos

(79,7%) e 87,1% dos valores aprovados, com destaque para São Paulo, que apresentou

1.140 projetos (23,5%) e aprovou 941 (24,3%). Em síntese, São Paulo e Rio de Janeiro

demandaram sozinhos 56% dos recursos totais do incentivo federal à cultura.

Apesar de serem muitos os projetos que chegam ao Ministério da Cultura, revelando

grande demanda, não necessariamente há concretização do financiamento, pois apenas 20 a

30% deles conseguem captar recursos no mercado.

Além da concentração dos recursos de incentivo fiscal, outro aspecto levantado pela

pesquisa diz respeito à concentração dos equipamentos de cultura em algumas regiões do

país. O que se percebe é uma grande carência dos municípios do interior em termos da

presença de equipamentos de cultura e lazer, destacando-se, nesse quesito, a importância

das bibliotecas como equipamento.

Os números mostram que as bibliotecas estão presentes em 78% dos municípios, ao

passo que apenas 42,8% deles possuem livrarias; 49,2% têm lojas de discos; e 64,1% têm

videolocadoras. É reduzido o número de municípios nos quais se verifica a presença de

equipamentos culturais tradicionais como teatro (18,7%), museus (17,2%), cinema (7%) e

orquestras (5,5%). Já as bandas de música estão presentes em 43,7% dos municípios,

provavelmente em virtude das políticas de apoio às bandas de música adotadas pelo

Governo na década de 1990. Em resumo, o estudo afirma que a presença de equipamentos

culturais é baixíssima e baixa em 36% dos municípios brasileiros.

No Caderno 3, o estudo traz dados com perfil semelhante aos já apresentados pela

pesquisa do IBGE, sobre o emprego no setor cultural e os gastos das famílias com cultura,

apesar de contemplar maior número de análises e detalhamento sobre o tema. Traz também

alguns comentários sobre os investimentos públicos em cultura e notas sobre o Sistema

Nacional de Cultura e as políticas e programas federais de fomento.

Em relação aos gastos das famílias, o estudo do IPEA agrega a informação de que os

dispêndios culturais das famílias em 2002 atingiram R$ 31,9 bilhões, o que representa

aproximadamente 3% do total de gastos das famílias e 2,4% do PIB brasileiro.

Dentro desse total, destacaram-se as depesas com bens culturais relacionados a

práticas domiciliares, já que praticamente 85% dos gastos com cultura se referem às

práticas realizadas dentro do domicílio, em itens como televisão, vídeo, música e leitura.

Em primeiro lugar nesse quadro vêm as despesas com audiovisual, que foram da

ordem de R$ 13 bilhões (41,2%), com maior investimento na compra de equipamentos

Page 6: O panorama da Cultura no Brasil

(televisão e vídeo caseiro), aluguel ou compra de filmes em DVD ou VHS, e pagamento de

TV a cabo.

As despesas relacionadas à leitura (livros e imprensa) estão em segundo lugar,

representando 15,6% do total dos gastos das famílias. Nesse escopo, os dispêndios com

periódicos (jornais, revistas etc.) representam 68,8%.

Em terceiro lugar estão as despesas com produtos da indústria fonográfica, que

correspondem a cerca de 14,6% dos dispêndios culturais totais. Os dispêndios relacionados à

indústria fonográfica atingem R$ 4,9 bilhões, dos quais 73,4% se referem a gastos com

equipamentos e 26,6% a gastos com os conteúdos (CD, disco vinil, fitas, etc.).

É importante destacar que as despesas fora de casa representam cerca de 17,8% do

total de gastos das famílias, com predomínio, nesse montante, das práticas de lazer

relacionadas a atividades artísticas, desde aquelas de cunho mais cultural (teatro, shows,

circo, cinema, museus, etc.), que representam 10,5%, até as de divertimento (lazer, zôo,

discoteca, etc.), que somam 7,3% dos dispêndios culturais.

Da mesma forma que a pesquisa do IBGE, o estudo do IPEA frisou a importância das

características sócio-econômicas das famílias no condicionamento das práticas e das

despesas culturais. Além do perfil de renda, variáveis como a escolaridade e as

características da pessoa de referência (etnia e gênero) são fundamentais para se explicar o

comportamento e o consumo cultural das famílias brasileiras.

Financiamento à cultura nos municípios mineiros – FJP 2007

O estudo da Fundação João Pinheiro, publicado em maio de 2007, teve como foco os

investimentos públicos em cultura, com o objetivo de subsidiar a reflexão sobre as políticas

de financiamento à cultura nos municípios mineiros. Para tanto, usou duas fontes de dados:

do ponto de vista quantitativo, analisou os gastos públicos em cultura dos municípios de

Minas Gerais com população superior a 50 mil habitantes, para o período 2002-2003. Por

outro lado, do ponto de vista qualitativo, aplicou questionários junto a esses municípios, que

são um total de 62 no Estado, para conhecer sua estrutura, aparato institucional, legislações

municipais de incentivo fiscal e outros mecanismos existentes para apoio ao setor. Esses

dados, mais recentes, são relativos ao ano de 2005.

Para ter acesso ao documento completo, com todas as suas análises e tabelas, ver

http://www.fjp.mg.gov.br/produtos/cehc/RELATORIO_FJP.pdf.

No que se refere aos gastos dos municípios per capita com cultura, a pesquisa mostrou que

em Minas o investimento era menor, comparativamente com o Brasil. Em 2003, a média

nacional de gastos em cultura, nos municípios, era de R$ 6,89 por pessoa, número esse que

ficou na casa dos R$ 5,85 para o Estado. A tabela a seguir traz o detalhamento desses dados

por município, considerando aqueles com mais de 50 mil habitantes.

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No período 2002 - 2003, os municípios mineiros destinaram, em média, R$ 101,2

milhões e R$ 108,6 milhões de suas receitas, respectivamente, para aplicação no setor

cultural, o que correspondeu a 0,93% e 0,92% do total de seus gastos orçamentários no

dois anos. O estudo mostrou que foram os municípios de pequeno (até 20 mil habitantes) e

médio (de 20 mil a 50 mil habitantes) portes os que dedicaram, no orçamento, maior espaço

para os gastos com cultura, comparativamente aos de maior porte. Assim, apurou-se que os

municípios com até 50 mil habitantes foram responsáveis por 40,2% do total dos gastos

orçamentários municipais e por 46,2% do total dos gastos com cultura no estado.

A Tabela a seguir traz o detalhamento dos gastos orçamentários e gastos totais em

cultura nos 62 municípios do Estado com mais de 50 mil habitantes.

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É importante realçar também que a pesquisa indicou haver concentração dos gastos

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públicos em cultura no estado de Minas Gerais, uma vez que cerca de 70% dos gastos em

cultura se encontram concentrados em apenas dez municípios, sendo que a capital, Belo

Horizonte, responde por 30% dos gastos realizados pelo grupo de 62 municípios da amostra

e por cerca de 17% do total do estado. Em segundo lugar vem Juiz de Fora, com 6% do

grupo e cerca de 3% do total do estado, como pode ser visto na tabela a seguir.

Outro aspecto levantado diz respeito aos agentes responsáveis pela realização do

gasto municipal em cultura, onde se percebeu que cerca de 96% do gasto são realizados

diretamente pela administração municipal.

A pesquisa apontou que cerca de 91% do total de gastos em cultura, em 2002, e

92%, em 2003, foram destinados para a cobertura de despesas correntes, enquanto as

despesas de capital, predominantemente de investimentos, responderam por cerca de 9% e

8%, respectivamente, nestes dois anos.

Realçou-se também a importância do mecanismo da Lei Robin Hood para o

financiamento dos gastos em cultura dos municípios de Minas Gerais. Esse importante

mecanismo de apoio e indução foi promulgado em 28 de dezembro de 1995 e atualizado pela

Lei 13 803, de 27 de dezembro de 2000.

A lei definiu novos critérios de distribuição do ICMS aos municípios mineiros, através

do Índice do ICMS Cultural. Esse índice é calculado de acordo com critérios estabelecidos

Page 12: O panorama da Cultura no Brasil

pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), e dá

pontuação aos municípios que comprovarem a existência de Núcleo Histórico (NH), Conjunto

Paisagístico (CP), Bens Imóveis (BI), Bens Móveis (BM), planejamento da Política Municipal

de Proteção ao Patrimônio Cultural (PCL), atuação e investimentos realizados na preservação

de seus bens culturais, incluindo atividades de educação patrimonial.

De acordo com os dados apresentados, vê-se que a receita de ICMS Cultural é

responsável, em média, por cerca de 20% do total das receitas no financiamento à cultura

dos municípios mineiros. Por outro lado, nos municípios acima de 50 mil habitantes essa

contribuição é mais reduzida, respondendo por apenas 4,4% de seus gastos totais em 2002

e por 6,1% em 2003. Tais números indicam que são os municípios de menor porte os que

mais se beneficiam do ICMS Cultural.

Analisou-se também os municípios selecionados de acordo com sua estruturação

institucional para atuação na área da cultura. Foi possível apurar que 37% do total de

municípios amostrados (23 municípios) contam com estrutura institucional específica para o

setor. Dentre esses, o maior percentual (22,6%) refere-se àqueles que instituíram fundações

municipais de cultura. Os demais (nove) possuem secretarias municipais de cultura. Por

outro lado, é alto o percentual de municípios que não apresenta uma estrutura institucional

específica para a cultura. Nessa categoria encontram-se 39 municípios, 63% do total, que

associam a gestão da cultura com outras áreas sociais, principalmente educação, patrimônio,

esporte, lazer e turismo.

Nesse sentido, é fundamental destacar que aqueles municípios que criaram

fundações ou secretarias de cultura tendem a orientar um percentual maior de recursos do

gasto total do município para o setor cultural (acima de 1%), ao passo que os menores

gastos per capita em cultura (até R$ 1,00) concentram-se em municípios que não contam

com órgãos específicos para a cultura.

No que se refere às formas de participação, a pesquisa apurou 21 conselhos relacionados à

área cultural em Minas, o que representa cerca de 34% dos municípios com mais de 50 mil

habitantes. Já os conselhos municipais de patrimônio cultural foram encontrados em 90,3%

dos municípios pesquisados (56).

O questionário levantou também informações sobre as prioridades de política cultural

das gestões municipais, onde cada município indicou as áreas prioritárias de suas ações

públicas de cultura.

Os resultados mostram que a maior ênfase se deu nas ações e programas que

valorizam a cultura popular e local, diretriz citada por 61,3% dos municípios. Os programas e

as ações implementados nessa área abrangem o resgate dos fazeres e das tradições

identificados com a identidade e as memórias locais e suas raízes históricas. Ademais,

abrangem o cadastro e apoio ao artista local e o incentivo a festas populares, grupos e

manifestações folclóricas.

Em segundo lugar, citada por 48,4% dos municípios, surgem as políticas de resgate,

preservação e proteção do patrimônio histórico e cultural, com ações de revitalização de

Page 13: O panorama da Cultura no Brasil

núcleo histórico; restauração de espaços culturais, imagens religiosas e bens tombados,

monitoramento do patrimônio cultural por meio de inventários, laudos técnicos e dossiês;

inventário do patrimônio ambiental urbano; revitalização de espaços públicos e ações de

tombamento.

Em terceiro lugar, citada por 26 dos municípios, vem a área de fomento a eventos,

que tradicionalmente era a mais importante na maior parte dos municípios de médio e

pequeno porte.

Por fim, apurou-se que cerca de 51,6% dos municípios pesquisados (32 municípios)

tem lei de incentivo fiscal à cultura. Na prática, o mecanismo de renúncia fiscal está em

funcionamento em 14 municípios, ou seja, em 44% dos que declararam possuir legislação de

incentivo fiscal à cultura.

Quanto aos fundos, a pesquisa mostrou que 19 (30,6%), entre os 62 maiores

municípios mineiros utilizam essa ferramenta, mas na prática está em funcionamento

somente em oito deles.

A existência de leis de incentivo e fundos municipais de financiamento à cultura são muito

importantes para a descentralização da produção cultural, principalmente quando se

constata que a concentração do financiamento ainda é uma realidade, tanto em âmbito

federal quanto estadual.

Dados do Ministério da Cultura apontam que em 2001 cerca de 84% dos recursos captados

por projetos culturais beneficiaram as grandes capitais brasileiras, Rio de Janeiro e São

Paulo, ao passo que no período 2003 – 2005 essa concentração dos recursos na região

Sudeste caiu para 77,5%, patamar ainda alto de concentração.

O desempenho da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais segue o mesmo

padrão concentrador, tanto do ponto de vista espacial, beneficiando a região central do

estado (que respondeu, no período 1998-2002, por 78,5% dos projetos apresentados,

79,6% dos aprovados e 75,6% dos incentivados), quanto do ponto de vista das áreas

artísticas, com benefício daquelas que se caracterizam por maior visibilidade do mercado

(artes cênicas e música). Nesse contexto, a capital estadual, Belo Horizonte, que “concentrou

cerca de 70% dos projetos incentivados e 73,6% dos recursos captados por intermédio da lei

Estadual de Incentivo à Cultura no período 1998–2001.” (FJP, p. 22)

Page 14: O panorama da Cultura no Brasil

Notas sobre o Sistema Nacional de Cultura

Clarice de Assis Libânio2

A política cultural no Brasil, com seu atual formato de institucionalização, teve suas bases

lançadas em meados da década de 1980, com a criação do Ministério da Cultura e da Lei

Sarney, em primeiro momento, e Lei Rouanet, já nos anos de 1990.

Após quase 20 anos dessas mudanças, iniciou-se, a partir de 2003, um processo de

reestruturação do papel do Estado e da política cultural no país, capitaneado pelo Ministério

da Cultura, que culminou na implantação do Sistema Nacional de Cultura.

De acordo com Botelho:

“(...) o Ministério da Cultura incentivou intensa mobilização nacional em torno de

conferências municipais, estaduais, culminando com a nacional em novembro de 2005, para

dar substância ao Sistema Nacional de Cultura, que, se estabelecido e não sofrer solução de

continuidade em próximas gestões, organizará a articulação entre os entes da federação e a

sociedade civil. Neste Sistema, o diálogo e a negociação permanente entre as instâncias

municipal, estadual e federal deverão constituir não só a novidade desse mecanismo, bem

como permitirão a otimização de recursos humanos e materiais no desenvolvimento da vida

cultural brasileira. Ou seja, dentre outras ações e programas importantes que foram

iniciados (e que não cabe aqui arrolar), o Ministério da Cultura vem investindo em ações

estruturantes que nos permitem esperar uma melhoria significativa de espaços de gestão

intergovernamental e de co-gestão com os movimentos culturais. “(BOTELHO, 2005, p. 45)

Em sua conceituação então, o Sistema Nacional de Cultura – SNC – constitui-se de “um

processo de articulação, gestão e de promoção conjunta de políticas, tendo como objetivo

geral formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes,

pactuadas entre os entes da federação e sociedade civil, promovendo o desenvolvimento

social com pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”.

Dessa forma, articula governos – federal, estaduais e municipais – e sociedade civil

organizada – através de conselhos, conferências e fóruns – para a promoção de políticas e

ações culturais integradas.

De acordo com o estudo da Fundação João Pinheiro, antes apresentado, vê-se que o

processo de criação de conselhos é ainda incipiente. Em Minas Gerais, o levantamento de

dados nos municípios selecionados [62 municípios com população acima de 50 mil

habitantes] apurou a existência de 21 conselhos relacionados à área cultural.

A tabela a seguir traz, de acordo com o estudo do IPEA, o grau de institucionalização do SNC

em 2005.

2 Texto elaborado para a Apostila da Oficina de Elaboração, Captação e Gestão de Projetos Culturais da

Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais / 2007.

Page 15: O panorama da Cultura no Brasil

Em linhas gerais, os principais objetivos específicos do Sistema Nacional de Cultura são:

• estabelecer parcerias entre os setores público e privado nas áreas de gestão e de

promoção da cultura;

• promover o intercâmbio entre os entes federados para a formação, capacitação e

circulação de bens e serviços culturais;

• estabelecer um processo democrático de participação na gestão das políticas e dos

investimentos públicos na área cultural;

• implementar políticas públicas que viabilizem a cooperação técnica entre os entes

federados na área cultural;

• articular e implementar políticas públicas que promovam a interação da cultura com as

demais áreas sociais, destacando seu papel estratégico no processo de desenvolvimento

social;

• promover agendas e oportunidades de interlocução e a interação entre as áreas de

criação, preservação, difusão e os segmentos da chamada indústria cultural.

Cada um dos participantes do sistema tem suas atribuições e papel, cabendo ao

Governo Federal, através do Ministério da Cultura: criar as condições de natureza legal,

administrativa, participativa e orçamentária para implantação do Sistema Nacional de

Cultura – SNC; coordenar e desenvolver o SNC; implantar o Conselho Nacional de Política

Cultural; realizar a primeira Conferência Nacional de Cultura; apoiar a realização das

primeiras conferências estaduais, municipais e distrital de Cultura; manter em atividade o

PRONAC; implantar e coordenar o Sistema Nacional de Informações Culturais; aprimorar e

fortalecer os mecanismos de financiamento da cultura, no âmbito da União; compartilhar

recursos para a execução de programas, projetos e ações culturais, no âmbito do SNC;

acompanhar a execução de programas e projetos culturais, no âmbito do SNC; fomentar a

integração/consorciamento de Estados e Municípios para a promoção de metas culturais.

Page 16: O panorama da Cultura no Brasil

Quanto aos municípios, compete: criar condições de natureza legal, administrativa,

participativa e orçamentária para sua integração ao SNC; integrar-se ao SNC; consolidar o

Plano Municipal de Cultura; criar e implantar, ou manter e assegurar o funcionamento do

conselho municipal de política cultural; criar e implantar, ou manter e assegurar o Fundo

Municipal de Cultura; realizar a conferência municipal de cultura, previamente à primeira

conferência nacional; apoiar a realização das conferências nacional e estaduais de Cultura;

compartilhar recursos para a execução de ações, programas e projetos culturais no âmbito

do SNC; compartilhar informações junto ao Sistema Nacional de Informações Culturais

disponibilizado pela União; implantar e regulamentar as normas específicas locais dos

sistemas setoriais de cultura; cumprir as metas e prazos definidos no planejamento

estratégico do SNC;

Como resultados, espera-se uma efetiva articulação nacional, intersetorial, para o

desenvolvimento da cultura no país, com o Sistema Nacional de Cultura implantado e em

funcionamento em todos os estados da federação e municípios brasileiros.