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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO O PANORAMA ATUAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO À LUZ DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 André Quimello Theago Orientador: Prof. Dr. Claudio do Prado Amaral Ribeirão Preto 2014

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Page 1: O PANORAMA ATUAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO … · 3 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

O PANORAMA ATUAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO À

LUZ DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA ARGUIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54

André Quimello Theago

Orientador: Prof. Dr. Claudio do Prado Amaral

Ribeirão Preto

2014

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ANDRÉ QUIMELLO THEAGO

O PANORAMA ATUAL DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO À

LUZ DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA ARGUIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para a obtenção

do título de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Claudio do Prado Amaral

Ribeirão Preto

2014

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

FICHA CATALOGRÁFICA

Theago, André Quimello

O panorama atual da descriminalização do aborto à luz das alterações

trazidas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. – Ribeirão

Preto, 2014.

74 p.; 30 cm.

Trabalho de conclusão de curso – Faculdade de Direito de Ribeirão Preto

da Universidade de São Paulo

Orientador: Claudio do Prado Amaral

Palavras-chave: aborto, descriminalização, judiciário

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Nome: THEAGO, André Quimello

Título: O panorama atual da descriminalização do aborto à luz das alterações

trazidas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão

Preto da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de bacharel em

Direito.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr.________________________Instituição: ________________________

Julgamento:_____________________Assinatura:________________________

Prof. Dr.________________________Instituição: ________________________

Julgamento:_____________________Assinatura:________________________

Prof. Dr.________________________Instituição: ________________________

Julgamento:_____________________Assinatura:________________________

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RESUMO

O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 conferiu

legalidade à realização de aborto caso constatada a hipótese de anencefalia fetal. No entanto, O

Supremo Tribunal Federal não se pronunciou acerca da autorização de abortamento quando o

feto fosse acometido por outras doenças que inviabilizassem a vida extrauterina. Por esta razão,

surgiu no ordenamento jurídico brasileiro uma lacuna, tratada apenas superficialmente pela

doutrina atual.Comprovada a necessidade de melhor regulamentação sobre o tema, percebe-se

que o Poder Legislativo tem atuado insatisfatoriamente na tutela do direito desta minoria de

mulheres que desejam abortar. Em sua mora, persistem os números de abortos clandestinos,

inseguros, que punem com a morte aquelas que ousam desafiar a lei.Neste panorama, o Poder

Judiciário mostra-se a via adequada para a legalização de tal procedimento, visto estar adstrito

aos preceitos emanados pela Constituição Federal e, desta forma, assegura a tradução para

argumentos com pertinência jurídica dos dogmas religiosos que atentam a laicidade estatal.Por

fim, a proteção irrestrita do embrião humano deve ser questionada, pois além de emperrar

avanços científicos essenciais à sobrevivência humana, ameaça a dignidade da pessoa humana.

Palavras-Chave: aborto, descriminalização, judiciário

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ABSTRACT

The trial of the Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Accusation of

Breach of Fundamental Precept) 54 conferred legality to abortion if verified the hypothesis of

fetal anencephaly. However, the Supremo Tribunal Federal (Brazil’s Supreme Court) did not

rule whether it is permitted to abort if detected that the fetus has other diseases that also make

extrauterine life impossible. For this reason, a gap appeared in Brazilian legal system, only

superficially treated by current doctrine. Once demonstrated the need for better regulation on

the subject, it is also noticeable that the Legislative has acted poorly to protect the rights of this

minority of women who wish to abort. In the delay for changes, the number of illegal and unsafe

abortions grow, punishing with death those who dare to defy the law. In this scenario, the

Judiciary has proven to be the only appropriate way for the legalization of such procedure, since

it is attached to the precepts issued by the Federal Constitution and, thus, ensures that religious

arguments and dogmas are translated into assertives that can be juridically relevant. Finally, the

unrestricted protection of the human embryo must be questioned, since it delays scientific

advances and, sometimes, threatens human dignity.

Keywords: abortion, legalization, judiciary

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………….13

1 INTRODUÇÃO DOUTRINÁRIA……………………………....................14

1.1 Conclusão………………………………………………..................26

2 ANÁLISE DO JULGAMENTO DA ARGUIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 PELO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL...............................................................28

2.1 Principais pontos sobre o julgamento................................................31

2.1.1 Da laicidade estatal.............................................................31

2.1.2 Dos direitos da mulher em contraposição aos direitos do

feto...............................................................................................35

2.1.3 Da Postura Minimalista do Supremo Tribunal Federal.......39

2.1.4 Dos Votos Contrários à Legalização do Aborto do Feto

Anencéfalo..................................................................................48

2.1.5 Da Anencefalia...................................................................53

2.1.6 Conclusão...........................................................................57

3 NECESSIDADE DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO AOS

OLHOS DO AUTOR.........................................................................................58

4 CONCLUSÕES...............................................................................................64

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BIBLIOGRAFIA...............................................................................................68

Referências eletrônicas............................................................................68

Referências bibliográficas.......................................................................73

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar, à luz dos impactos no âmbito jurídico

provenientes do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a

descriminalização do aborto no ordenamento brasileiro.

Objetivava-se primordialmente tratar da necessidade ou não da descriminalização do

aborto, bem como por quais métodos tal abolitio criminis ocorreria. No entanto, restou

impossível ao autor desta monografia quedar-se indiferente por todo o trabalho para chegar a

uma conclusão óbvia. Além disso, em nada acrescentaria ao debate forjar neutralidade quanto

à necessidade premente de descriminalização de tal conduta.

Assim, analisando doutrina e jurisprudência, buscou-se despontar argumentos

favoráveis e estudar àqueles contrários à descriminalização, porém, com enfoque evidente para

a descoberta de linhas de pensamento que fossem ao encontro do posicionamento do autor deste

trabalho.

Foram tratadas também as recentes propostas de alteração legislativa sobre o tema,

mas o enfoque do presente trabalho, sem dúvidas, é a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental 54, visto ser uma fonte extremamente rica sobre o tema aborto.

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO DOUTRINÁRIA

Mister se faz analisar a doutrina para o presente trabalho, a fim de proporcionar

premissas essenciais para a compreensão do debate. Convém ressaltar, de imediato, que não

será dada ênfase ao aborto praticado por terceiro sem consentimento da gestante, já que tal

conduta evidentemente deve permanecer tipificada.

Luiz Regis Prado inicia sua explanação sobre o tema analisando historicamente tal

delito, relatando que, em Roma, a prática de aborto (partus abortio), durante longo lapso

temporal, não era prevista como delito: predominava inicialmente a total indiferença do Direito

em face de tal conduta, já que considerava o feto como parte integrante do organismo materno

e, de conseguinte, deixava a critério da mulher a decisão acerca da conveniência de dar

prosseguimento à sua gravidez:

Em Roma, nos primeiros tempos, não era sancionada a morte dada ao feto. O produto

da concepção, longe de ser vislumbrado como titular do direito à vida, era tido como

parte do corpo da gestante que, a seu turno, poderia dele livremente dispor (partus

antequam edatur mileris pars est vel viscerum). As práticas abortivas eram, portanto,

frequentes.

[...]

Sob o influxo do Cristianismo, robusteceu-se a reprovação endereçada ao aborto. O

direito pretérito foi reformulado pelos imperadores Adriano, Constantino e Teodósio

e o aborto – entendido agora como um delito ao ser humano – foi definitivamente

equiparado ao delito de homicídio.

[...]

O Direito Canônico sustentava a reprovação ao aborto pela perda da alma do

nascituro, que morria sem que fosse batizado. Alguns motivos, todavia, eram capazes

de torná-lo lícito – como a honoris causa, quando ainda inanimado o feto. 1

O doutrinador identifica o cristianismo como responsável pela crescente reprovação à

tal conduta, que foi até mesmo equiparado ao homicídio.

Sobre tal citação, convém ressalvar que nem sempre o aborto foi considerado crime,

nem mesmo pela Igreja Católica, que já permitiu a realização da prática para pôr fim a gestação

da mulher, de modo a preservar sua honra. Tal tema será abordado oportunamente.

1 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 128-153.

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De todo modo, assim prevê o Código Penal brasileiro atualmente:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide

ADPF 54)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de

quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante

fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço,

se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante

sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas

causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da

gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Prado conceitua o crime de aborto à luz da recente decisão do Supremo Tribunal

Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54: utilizando-se da lição de

Romeo Casabona2, afirma que o aborto “consiste em dar morte ao embrião ou feto humanos,

seja no claustro materno, seja provocando sua expulsão prematura. Nesta última hipótese,

exige-se a falta de viabilidade e de maturidade do feto expulso”3.

Trata-se de crime comum, doloso contra a vida, cuja competência para julgamento é

do Tribunal do Júri, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição

Federal. Convém ressaltar, neste ponto, a existência de diversos Projetos de Lei, dentre eles, o

2 ROMEO CASABONA, C. M. Los delitos contra a vida y la integridade personal y los relativos a la manipulación genética. p. 152 e 160. 3 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 133.

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de número 4703/19984, que objetivam enquadrar o aborto como crime hediondo, inserindo-o

no rol previsto no artigo 1º da Lei 8.072/90.

O bem jurídico tutelado pela tipificação de tal conduta é a vida do ser humano

dependente, em formação – embrião ou feto. Prado ressalta, no entanto, que também há a tutela

da vida e da incolumidade física e psíquica da mulher grávida, mas somente se se tratar de

aborto sem o consentimento da gestante:

O direito à vida, constitucionalmente assegurado (artigo 5º, caput, CF), é inviolável,

e todos, sem distinção, são seus titulares. Logo, é evidente que o conceito de vida,

para que possa ser compreendido em sua plenitude, abarca não somente a vida humana

independente, mas também a vida humana dependente (intrauterina).

Assinala-se, de modo geral, que no aborto provocado por terceiro (com ou sem o

consentimento da gestante) tutelam-se também – ao lado da vida humana dependente

(do embrião ou feto) – a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida.

Todavia apenas é possível vislumbrar a liberdade ou a integridade pessoal como bens

jurídicos secundariamente protegidos em se tratando de aborto não consentido (artigo

125, CP) ou qualificado pelo resultado (artigo 127, CP)5.

Realça-se a ironia do trecho transcrito: a incolumidade física e psíquica da mulher

grávida não são bens jurídicos tutelados no autoaborto justamente porque o Estado não respeita

sua vontade, sua liberdade de escolha, sua integridade pessoal e capacidade de

autodeterminação sobre o próprio corpo e futuro, sendo que estes bens jurídicos não são tratados

como secundários pela norma (como afirma o jurista), mas são, na verdade, sopesados

desfavoravelmente.

De todo modo, percebe-se que Prado cuida em distinguir os termos embrião e feto.

Mario Burlacchini ensina, basicamente, que até a oitava semana de gravidez, o óvulo fecundado

é classificado cientificamente como embrião, sendo que, posteriormente, passa a ser chamado

de feto. Ressalta-se, de imediato, que há discussão doutrinária a respeito do marco temporal

que separa as duas fases. O que diferencia ambos os estágios é o desenvolvimento celular, muito

mais intenso no primeiro período, no qual órgãos em tecidos são formados, do que no segundo,

período marcado pelo crescimento e desenvolvimento destes para a vida extrauterina6.

4 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4703/1998. Disponível em <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD21OUT1998.pdf#page=17>. Acesso em 12 de setembro de 2014. 5 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 133-134. 6 BURLACCHINI, Mario. Entrevista: Medicina Fetal, com Dr. Drauzio Varella. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/mulher-2/medicina-fetal/>. Acesso em 21 de agosto de 2014.

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Prado afirma que o momento inicial em que deve ser concedida a proteção jurídica ao

embrião, que não é pessoa, mas também não é coisa, devendo ser-lhe reconhecida uma condição

própria e independente, é quando ocorre a nidação:

Biologicamente, porém, o começo da vida é marcado pela concepção ou fecundação,

ou seja, a partir do momento em que o óvulo feminino e o espermatozoide masculino

se unem. Não obstante, o início da vida humana como limite mínimo de sua proteção

jurídica é fixado pela nidação, isto é, com a implantação do embrião na parede do

útero, quatorze dias após a fecundação. Até então não é possível se falar em gravidez7.

Rogério Greco também adota tal posicionamento:

A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em

que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Contudo, para fins

de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que

diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14

(catorze) dias após a fecundação.

Assim, enquanto não houver a nidação, não haverá possibilidade de proteção a ser

realizada por meio da lei penal. Dessa forma, afastamos de nosso raciocínio inúmeras

discussões relativas ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam consideradas

abortivas, mas que não tem o condão de repercutir juridicamente, pelo fato de não

permitirem, justamente, a implantação do óvulo já fecundado no útero materno.8

Não se simpatiza com a discussão relacionada ao marco inicial da proteção jurídica

concedida ao nascituro. Primeiramente, não há que se falar em início da vida, já que seria

necessário remeter-se aos primórdios dos tempos e o surgimento dos primeiros seres

unicelulares. Já existe vida no processo reprodutivo humano. Assim, o ideal seria tratar do início

do desenvolvimento embrionário humano, que indubitavelmente ocorre após a fecundação do

óvulo pelo espermatozoide. Se se considerar o nascituro como o ser humano não nascido com

expectativas de o vir a fazer, obviamente tais esperanças iniciam-se em tal momento. O

essencial à discussão é a extensão da proteção dada ao óvulo fecundado.

Poder-se-ia contra-argumentar tal posicionamento citando a fertilização artificial (in

vitro), afirmando não haver expectativa de nascimento enquanto os embriões não forem

introduzidos no útero materno. No entanto, tal afirmação só vem corroborar com o

entendimento do autor do presente trabalho de que não se pode conceder proteção

indiscriminada ao óvulo fecundado, haja vista a total dependência para com o corpo materno

que este possui.

7 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 136. 8 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial Volume II. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. 607 páginas. p. 225.

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Ademais, sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, ao julgar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade 3510, no sentido de que deve haver níveis distintos de proteção:

O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso

instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um

autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa,

porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias ‘concepcionista’ ou da

‘personalidade condicional’). E quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ e até

a ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea, está falando de direitos e

garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, entre outros direitos e

garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à

saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A

potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para

acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar

sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o

embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não

existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião

referido na Lei de Biossegurança (in vitro apenas) não é uma vida a caminho de outra

vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras

terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto

de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo

variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da

vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito

comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no

sentido biográfico a que se refere à Constituição." ( ADI 3.510 ,Rel. Min. Ayres Britto,

julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.)

Assim, não é o direito à vida do embrião em si que deve ser sopesado favoravelmente,

mas a vontade da mãe em fazer com que este se desenvolva em seu corpo: se, no caso da

reprodução assistida, somente a mulher pode autorizar a realização de tal procedimento

(introdução do embrião em seu útero), por que não é concedida às mulheres a mesma autonomia

de vontade no processo de reprodução natural, respeitando assim sua decisão de prosseguir com

uma gestação ou não?

Nesta linha de raciocínio, Prado ressalta:

[...] a mera interrupção da gestação, por si só, não implica aborto, dado que o feto

pode ser expulso do ventre materno e sobreviver ou, embora com vida, ser morto por

outra conduta punível (infanticídio ou homicídio). Atualmente, com as modernas

técnicas de reprodução assistida, não é possível sustentar tal relação de causa e efeito

(interrupção da gravidez/destruição do nascituro), pois pode o embrião ser transferido

para outra mulher. Além disso, é bem possível a destruição de um dos embriões ou

feto – na hipótese de gravidez múltipla – sem a interrupção do processo de gestação.

De outro lado, também a expulsão do feto não é imperiosa para a configuração do

aborto. Nos primeiros meses de gravidez, é possível que o embrião seja objeto de um

processo de autólise, que termina com sua reabsorção pelo organismo materno.

Ademais, pode o embrião passar por um processo de calcificação (litopédio) e

permanecer no útero como um corpo anexo. Nesses casos, se exigível a expulsão do

produto da concepção, não haverá aborto punível. Não será bastante também a morte

do feto, se não resultar esta dos atos praticados ou dos meios utilizados para a

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interrupção da gravidez ou da própria imaturidade do feto, que não sobirevive à

expulsão prematura provocada por aqueles atos ou meios.

O aborto consiste, portanto, na morte dada ao nascituro intra uterum ou pela

provocação de sua expulsão. O delito pressupõe, por óbvio, gravidez em curso. É

indispensável a prova de que o ser em gestação se encontrava vivo quando da

intervenção abortiva e de que sua morte foi decorrência precisa da mesma. Assim, a

morte deve ser consequência direta das manobras abortivas realizadas ou da própria

imaturidade do feto para sobreviver, quando sua expulsão for provocada

prematuramente por aquelas manobras9.

Por tomar tal posicionamento, Prado considera como o limite mínimo temporal para a

caracterização do aborto a nidação do embrião, que ocorre cerca de catorze dias após a

concepção. Afirma, em apoio a essa assertiva, que algumas pílulas anticoncepcionais

(anovulatórios orais), bem como os Dispositivos Intrauterinos (DIU) atuam após a fecundação

(concepção), obstando assim a implantação do embrião na cavidade uterina, mas mesmo assim

não são considerados abortivos, já que seu uso é legalizado. Relata, no entanto, que “se por

aborto se entende a interrupção da gravidez e esta se inicia com a concepção, tais métodos

anticoncepcionais seriam abortivos.10

De fato, existem diversas notícias em sítios eletrônicos religiosos instruindo os fiéis a

não utilizarem tais métodos contraceptivos por serem abortivos11. Para o autor deste trabalho,

no entanto, é vantajoso que tais mecanismos sejam assim considerados, pois, se existem

atualmente métodos abortivos amplamente utilizados, tem-se então prova de que a prática é

socialmente aceita.

Ademais, caso se adote tal teoria, consequentemente estar-se-ia dizendo que existe a

possibilidade de realização de aborto legalmente em até catorze dias após a fecundação. Como

não há previsão expressa de tal cláusula excludente de ilicitude, e mesmo embora esta teoria

seja de fato favorável aos interesses das mulheres, mostra-se extremamente frágil, suscetível ao

entendimento do órgão ministerial/julgador, que pode divergir.

9 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. 2013. Revista dos Tribunais 1020 paginas. p. 135-136. 10 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 136. 11 FARIAS. Carolina. Durante visita do papa, igreja distribuirá "manual" que trata pílula e DIU como aborto. UOL Notícias. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2013. Disponível em <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/17/durante-visita-do-papa-igreja-distribuira-manual-que-trata-pilula-e-diu-como-aborto.htm>. Acesso em 28 de agosto de 2014.

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Por último, Prado classifica o aborto em sete espécies, a saber: autoaborto e aborto

consentido, aborto provocado por terceiro, aborto qualificado pelo resultado, aborto necessário,

aborto sentimental, aborto eugenésico e aborto econômico.

Autoaborto e aborto consentido, figuras previstas no artigo 124 do Código Penal,

referem-se, respectivamente, a provocação do aborto pela própria mulher grávida e dar

consentimento para que outrem lhe provoque o aborto. Ressalta-se, no entanto, que aquele que

auxiliar a mulher na prática de tal ato responderá pelo crime previsto no artigo 126, sendo

inadmissível a coautoria para as hipóteses previstas no referido artigo (sujeito ativo somente

pode ser a mãe). Prado afirma:

Faz-se oportuno consignar a seguinte distinção: se o partícipe induz, instiga ou auxilia

a própria gestante a realizar o aborto em si mesma ou a consentir que outrem o faça,

responde pela participação no delito do artigo 124; porém, se concorre de qualquer

modo para a provocação do aborto por terceira pessoa, responde como partícipe do

crime do artigo 126 do Código Penal.

Discorda-se em parte do alegado. Se terceiro instigar ou induzir gestante a praticar

autoaborto ou a consentir que com ela realize-se tal procedimento, responderá, de fato, como

partícipe. No entanto, se auxiliar fisicamente tais práticas (e não apenas intelectualmente),

enquadrar-se-á na hipótese do artigo 126 do Código Penal (ainda que como partícipe).

O aborto provocado por terceiro, figura prevista nos artigos 126 e 125 do Código

Penal, pode ocorrer, respectivamente, com o consentimento da gestante e sem este (figura que

deve permanecer tipificada, cuja pena em abstrato prevista é maior). O Código penal ainda

prevê que o consentimento, para ser válido, deve ser proferido por gestante maior de 14 anos,

não portadora de insanidade mental (o Código utiliza-se da expressão “alienada ou debil

mental” que, aos olhos do autor deste trabalho, é inadequada, em razão da carga pejorativa e

falta de tecnicidade), e que não tenha vícios (não seja obtido mediante fraude, grave ameaça ou

violência).

É extremamente curioso o Código Penal dar validade ao consentimento da gestante

maior de 14 anos e menor de 18 anos para fins de enquadramento em uma figura penal, já que

esta seria plenamente incapaz entre 14 e 16 anos e relativamente capaz entre 16 e 18 anos.

Tal dispositivo alarma para questão problemática: seria necessário o consentimento

dos pais e representantes para que fosse realizado o aborto em relativamente incapaz ou

plenamente incapaz?

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21

Aos olhos do autor desta presente tese de láurea, é evidente que o consentimento, para

ser válido, deve ser expressado por mulher absolutamente capaz. Caso seja absoluta ou

relativamente incapaz, imprescindível haver suprimento por seus representantes legais. De todo

modo, tal ponto será tratado adiante.

A figura do aborto qualificado está prevista no artigo 127 do Código Penal, que dispõe

que as penas cominadas nos artigos 125 e 126 são aumentadas de um terço se, em consequência

do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza

grave, e duplicadas se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Prado explica que o resultado mais grave é imputado ao agente a título de culpa. Se

houver dolo, seja direto ou eventual, haverá concurso formal de delitos – aborto e lesão corporal

ou homicídio consumados. Por este motivo, não se aplica tal causa de aumento se a lesão

corporal grave produzida é consequência normal da intervenção abortiva realizada: “é preciso

que a lesão seja extraordinária (v.g., peritonite, septicemia, gangrena do útero etc.)”12.

Ao tratar das excludentes de ilicitude do artigo 128, Prado ensina que o Código Penal

brasileiro adota o sistema das indicações, afirmando-se tratar de um esquema de regra-exceção:

a regra é a punição do aborto; a exceção, permitir tal prática em determinadas hipóteses. O

doutrinador constata:

As indicações geralmente aceitas pelas diversas legislações são as seguintes: a

terapêutica (se como consequência da gravidez existe um grave perigo para a vida ou

a saúde da mãe); a sentimental, ética ou criminológica (se a gravidez é resultado de

um delito de natureza sexual ou da aplicação de uma técnica de reprodução assistida

não consentida pela mulher); a eugenésica (se há riscos comprovados de que o feto

nasça com graves anomalias físicas ou psíquicas); e a econômico-social (quando

razões dessa natureza, tais como a prole numerosa, a escassez de recursos financeiros,

motivem a opção pelo aborto).13

Na legislação penal pátria, tão somente são previstas as indicações terapêutica (ou

necessária) e sentimental.

Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini realçam, ainda, a espécie de aborto

conhecida como honoris causa, na qual a gestante recorreria à tal procedimento para preservar

12 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 143-144. 13 PRADO. Luiz Regis. op cit. p. 145.

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sua honra (por diversos fatores, por exemplo, seja por ser jovem demais e ainda não estar

casada, seja para ocultar traição, etc.)14.

Quanto à primeira indicação, isto é, no caso do aborto ser necessário para salvar a vida

da gestante, Mirabete e Fabrini entendem tratar-se de estado de necessidade. Por este motivo,

mesmo embora a lei preveja apenas a figura do médico como capaz de realizar o aborto, seria

cabível alegar tal causa excludente de ilicitude para inocentar o autor do procedimento que o

realizasse em razão da urgência, para salvar a vida da mulher.15

O termo “eugenésico” utilizado por Prado para classificar o aborto em casos de riscos

comprovados de que o feto nasça com graves anomalias físicas ou psíquicas é criticável. Na

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, tal termo foi descartado pelos

ministros, conforme será tratado adiante, em razão de sua carga política, que remete ao

melhoramento do patrimônio genético de grupos humanos (purificação de raça).

Sobre esta indicação, Prado leciona:

Em princípio, (o aborto eugenésico) trata-se de causa de exclusão da culpabilidade,

pela inexigibilidade de conduta diversa. Demais disso, argumenta-se que não se pode

exigir que a mãe dedique sua própria vida a cuidar de alguém portador de graves

anomalias.

Assinala-se, portanto, que o fundamento dessa indicação reside na inexigibilidade de

outro comportamento da mãe. E o limite dessa não exigibilidade “reconhecida pelo

Direito é imposto por critérios objetivos, concretizados na determinação do grau de

presunção do prognóstico e na gravidade das anomalias (...) unicamente a partir desses

limites a mãe está em condições de beneficiar-se legalmente da indicação ou não, uma

vez valoradas suas forças emotivas e morais assim como sua situação econômica e

social para assumir ou não as consequências de ter o filho; isto é, de decidir de acordo

com sua subjetividade”16.17

Além de afirmar que a prática deve ser realizada por médico, em estabelecimento

hospitalar, com consentimento expresso da gestante ou de seu representante legal, o doutrinador

ressalta que deve haver presunção de que o feto nascerá com graves enfermidades físicas ou

psíquicas, que presumam a ocorrência de vida despojada de qualquer qualidade.

Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci:

14 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal II. 30ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2013. 542 páginas. p. 67. 15 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. op. cit. p. 65. 16 ROMEO CASABONA, C. M. Del gen al Derecho. p. 288 17 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 148.

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Algumas decisões têm autorizado abortos de fetos que tenham graves anomalias,

inviabilizando, segundo a medicina atual, a sua vida futura livre de cuidados e

amparos contínuos. Cremos ser razoável a invocação da tese de ser inexigível à mulher

carregar por meses um ser que, logo ao nascer, perecerá. Mas não se pode dar margem

a abusos, estendendo o conceito de anomalia para abranger fetos que irão constituir

seres humanos defeituosos ou até monstruosos. Afinal, nessa situação, o direito não

autoriza o aborto. Lamentavelmente, tem-se observado que nem todas as decisões

autorizadoras do aborto ligam-se ao feto plenamente inviável.18

Por ser construção doutrinária e jurisprudencial, percebe-se inexistir critérios

específicos para identificar tal causa de exclusão da culpabilidade na realização de abortos

eugenésicos. Neste ponto, critica-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental,

que poderia ter tratado do tema, ao invés de manter-se restrita ao tema do aborto do feto

anencéfalo. De fato, adianta-se, tal ação constitucional apenas declarou a atipicidade do aborto

de fetos portadores de tal anomalia, não havendo que se falar em descriminalização.

Para o autor do presente trabalho, parece palpável distinguir doenças que causem

inviabilidade da vida extrauterina: basta que o feto apresente sobrevida extremamente curta

(horas, dias, meses), e que sua condição seja incurável pelas técnicas médicas atuais. Como

exemplo de tais doenças, pode-se citar Thomaz Rafael Gollop:

Há de se considerar que outras anomalias fetais graves e incuráveis são de diagnóstico

simples e 100% seguro, muitas vezes apenas com o recurso amplamente acessível da

ultrassonografia. Lembramos que o Sistema Único de Saúde (SUS, 2010) realizou

2.500.000 ultrassonografias na assistência pré-natal no Brasil, apenas em 201019. A

agenesia renal bilateral é outro exemplo destas anomalias incuráveis, cuja ocorrência

se dá por um defeito no broto uretérico ou no blastema metanéfrico. O recém-nascido

não apresenta formação de urina e morre em horas após o nascimento por falência

respiratória causada por hipoplasia dos pulmões20. A hipoplasia pulmonar é

caracterizada pela redução do número de células pulmonares, espaço aéreo e alvéolos.

A urina fetal é essencial para a formação do líquido amniótico e este último para o

desenvolvimento dos pulmões fetais. Assim o feto com agenesia renal bilateral além

da ausência dos rins não apresenta pulmões funcionais e, portanto sua sobrevivência

é impossível21.

A Pentalogia de Cantrell é caracterizada por defeitos do pericárdio (membrana que

reveste o coração), esterno, diafragma e parede abdominal, junto com ectopia do

coração (coração fora do tórax). A anormalidade geralmente ocorre devido a defeito

embriológico ao redor do 14-18 dias pós concepção, quando há falha na migração

ventromedial das estruturas mesodérmicas. Muitas variantes desta síndrome têm sido

descritas e outras partes do feto como a face e o crânio também podem ser afetadas22.

A bizarra coleção de anormalidades deve sugerir nestes casos o diagnóstico precoce23.

18 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral, Parte Especial. 3ª edição. 2007, Revista dos Tribunais. 1071 páginas. p. 629. 19 França, A – Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia. Conselho Federal de Medicina, Brasília - setembro de 2010 (comunicação pessoal). 20 Potter,EL. Bilateral absence of ureters and kidneys. Obstet Gynecol 1965, 25:3-12. 21 Hooper SB, Harding R. Fetal lung liquid: A major determinant of the growth and functional development of the fetal lung. Clin Exper Pharmacol Physiol 1995, 22: 235-247. 22 Zimmer EZ, Bronshtein M. Fetal midline disruption syndromes. Prenat Diagn 1996, 16:65-69 23 Abu-Yousef MM, Wray AB, Williamson RA, Bonsib SM. Antenatal diagnosis of variant Pentalogy of Cantrell. J Ultrasound Med 1987, 6: 535-538.

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A mais aberrante anomalia é a ectopia do coração que fica localizado fora da cavidade

torácica. Esta é uma anomalia extremamente grave evoluindo para o óbito. Seu

diagnóstico seguro é facilmente realizado por ultrassonografia exclusivamente em

período precoce da gravidez.

A Displasia Tanatofórica é uma doença uniformemente letal, daí sua denominação. É

a displasia esquelética letal mais frequente em fetos e neonatos. Esta anomalia é

caracterizada pelo encurtamento extremo dos membros, tórax estreitado, crânio longo

com fronte proeminente. Ocorre em 0,24-0,69/10.000 nascimentos24. A Displasia

Tanatofórica está associada a ossificação anormal e uma parte dos afetados apresenta

um crânio em forma de trevo de 4 folhas. O diagnóstico seguro desta patologia pode

ser feito através da ultrassonografia no segundo trimestre da gestação.

A Hipofosfatasia é caracterizada pela desmineralização dos ossos e baixas doses de

fosfatase alcalina no soro fetal e outros tecidos. A forma neonatal (também conhecida

como congênita ou letal) está assoaciada à morte neonatal precoce ou óbito fetal

intrauterino. Todos os diagnósticos podem ser realizados pela ultrassonografia25.

A Síndrome de Patau ou trissomia do cromossomo 13, cujos afetados possuem 47

cromossomos ao invés de 46 e três cópias do cromossomo 13 no lugar de duas, é uma

anomalia com múltiplas malformações fetais e um péssimo prognóstico. As alterações

estruturais incluem holoprosencefalia (um manto cortical com ventrículo cerebral

único por clivagem incompleta do cérebro), defeitos faciais maiores, cardiopatias,

cistos renais, deficiência da parede abdominal anterior, polidactilia e higroma cístico.

As malformações faciais fetais podem ser severas incluindo desde fendas

lábiopalatinas severas uni ou bilaterais até ciclopia com probóside (uma única

cavidade orbitária no centro da face). Este último sinal associado aos demais acima

descritos permite ao ultrassonografista fazer a hipótese de diagnóstico de trissomia

13. Mais de 90% destes fetos são portadores de cardiopatias. A polidactilia de mãos e

pés é frequente e auxilia no diagnóstico além de ser facilmente detectada à

ultrassonografia no segundo trimestre da gravidez. O diagnóstico definitivo desta

síndrome é realizado pelo estudo cromossômico das células fetais através da amostra

de vilo corial ou da amniocentese26. A severidade das malformações fetais determina

que esta afecção seja quase sempre letal ao nascimento e em poucos casos permita

sobrevida de semanas27.

Se apenas definir se existe ou não “viabilidade vital” do feto já é atividade cheia de

controversas, ainda mais problemático é discutir se a vida do ser em formação será digna: trata-

se do direito de não nascer (doente, ou de somente nascer se saudável for). Tal direito, também

conhecido em países de common law como wrongful birth, e que pode ser causa legal para que

pais processem médicos que falharam em alertá-los sobre doenças congênitas severas de sua

prole, somente é tutelável se legalizado o aborto, no entanto: caso contrário, o Estado preserva

a vida indistintamente, mesmo que esta seja torturante.

24 Camera G, Mastriacovo P. Birth prevalence of skeletal dysplasias in the Italian multicentric monitoring system for birth defects. In Skeletal dysplasias (eds CJ Papadatos and CS Batsocas) pp 441-449 New York. Alan R. Liss, 1982. 25 Kousseff BG, Mulliver RA. Prenatal diagnosis of second trimester skeletal dysplasias: a prospective analysis in a high risk population. J Ultrasound Med 1983, 2: 99-107. 26 Lehman CD, Nyberg DA, WinterIII Tc, Kapur RP, Resta RG, Luthy DA. Trisomy 13 syndrome: prenatal US findings in a review of 33 cases. Radiology 1995, 194:217-222. 27 GOLLOP, Thomaz Rafael. Anomalias Fetais Graves ou Incuráveis. Disponível em: <http://abortoemdebate.com.br/arquivos/ReformaCodigoPenal_AnexoII.pdf>. Acesso em 8 de setembro de 2014.

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Como exemplo destas possíveis doenças, tem-se a epidermólise bolhosa distrófica, que

ficou popularmente conhecida após o documentário The Boy Whose Skill Fell Off (O Garoto

Cuja Pele Caiu28), que registra o sofrimento de Jonny Kennedy e de seus familiares em razão

de sua severa doença de pele, que lhe causava bolhas na pele e membranas mucosas quando

pressionada, ainda que o mais levemente possível.

Percebe-se, assim, a necessidade da melhor regulamentação do tema, seja legislativa,

seja jurisprudencialmente. Ademais, convém ressalvar que, mesmo embora exista a

possibilidade de absolvição dos réus (gestante e médicos envolvidos) no caso do aborto

eugenésico, não se pode esquecer do caráter estigmatizante do Processo Penal, que por si só já

causa constrangimento social.

De todo modo, é reconfortante perceber que alguns doutrinadores ressaltam o

movimento descriminalizador de tais condutas. Prado ensina:

Na atualidade, o aborto provocado é incriminado em grande parte das legislações. Não

obstante, disseminam-se vozes que se elevam contra essa tipificação. Embora vários

os argumentos expendidos, calha-se a síntese: a) o feto é parte da mulher e esta pode

dispor do produto da concepção; b) a vida do feto não é um bem jurídico individual,

mas um interesse da sociedade a ser protegido em alguns casos; c) a pena não logra

evitar as práticas abortivas; d) o aborto é uma lei de exceção endereçada às classes

sociais mais pobres; e) é necessário proteger a vida e a saúde das numerosas mulheres

que recorrem ao aborto clandestino.

Em que pesem as razões invocadas a favor da descriminalização do aborto, - que aliás,

ensejam discussão alheia às considerações dogmáticas aqui preferencialmente

enfocadas -, este encontra previsão expressa no Código Penal brasileiro (1940) e na

maioria das legislações penais contemporâneas.29

Neste sentido, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, complementam:

Apontam-se várias razões para a liberação do aborto: um país que não pode manter

seus filhos não tem o direito de exigir seu nascimento; a ameaça penal é ineficaz

porque o aborto raramente é punido; a proibição leva a mulher a entregar-se a

profissionais inescrupulosos; a mulher tem o direito de dispor do próprio corpo, etc.

Atualmente, grande número de países não mais incrimina o aborto quando provocado

até o terceiro ou quarto mês de gravidez (Suécia, Dinamarca, Finlândia, França,

Alemanha, Áustria, Hungria, Japão, Estados Unidos, etc.30

28 COLLERTON, Patrick via Youtube. The Boy Whose Skin Fell Off – Documentary. Reino Unido, 2004. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=z80nLOPJaZU>. Acesso em 09/09/2014. 29 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 131. 30 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal II. 30ª Edição, 2013. Editora Atlas. 542 páginas. p. 59

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Rogério Greco, por sua vez, mostra-se evidentemente à favor da criminalização do

aborto, citando em sua obra diversos trechos bíblicos:

Um dos argumentos principais daqueles que pretendem suprimir a incriminação do

aborto é justamente o fato de que, embora proibido pela lei penal, sua realização é

frequente e constante e, o que é pior, em clínicas clandestinas que colocam em risco

também a vida da gestante.

Por outro lado, há os defensores da vida, principalmente a dor ser que está em

formação. Quando a gestante engravida, uma nova vida começa a crescer em seu

útero.

No livro de Jeremias, constante do Antigo Testamento, percebemos pela Palavra de

Deus, que Ele já nos conhecia antes mesmo de haver a fecundação do óvulo materno,

pelo espermatozoide do homem. Quando o Senhor constituiu Jeremias como profeta,

Ele o tinha feito antes mesmo do seu nascimento. Na verdade, antes mesmo que se

tivesse formado no ventre materno. Vejamos, literalmente, o que diz esta passagem

no livro de Jeremias, Capítulo 1, versículos 5 e 6: “Antes que eu te formasse no ventre

materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constitui

profeta às nações”.

Isso significa que, embora não saibamos, Deus tem um propósito na vida de cada um

de nós, razão pela qual, a não ser por situações excepcionais, não podemos tirar a vida

de um semelhante, não importando o seu tamanho.

Ainda o livro de Salmos, no Capítulo 139, o salmista Davi, no versículo 16, diz: “Os

teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os

meus dias, cada um deles escrito e determinado quando nem um deles havia ainda”.31

O que se observa é a indissociável carga religiosa que fundamenta o discurso daqueles

favoráveis a criminalização de tal prática. Desse modo, não se faz possível adotar tais

argumentos para regulamentar a conduta de toda a população, já que, caso contrário,

desrespeitar-se-ia as demais crenças e a opinião individual da (ainda que) minoria dos

brasileiros.

1.1 Conclusão

Pela análise da doutrina, denota-se que a existência de lacunas pertinentes ao tema

aborto na legislação atual, principalmente em decorrência da recente decisão do Supremo

Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que autorizou

31 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial Volume II. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. 607 páginas p. 222.

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o abortamento de fetos anencefálicos e, ao tomar este posicionamento, abriu margem para que

fossem discutidos outros casos em que o aborto também não seria punível. De fato, existem

diversas outras doenças, conforme relatado, que são tão graves quanto a anencefalia, e

inviabilizam a vida extrauterina da mesma maneira. Aos olhos do autor desta monografia, é

evidente que, em tais casos, o aborto deve ser autorizado.

No entanto, por não haver regulamentação expressa sobre o assunto, não é possível às

mulheres tomar tal decisão com convicção de que agem dentro da legalidade, e recorrer ao

judiciário para obter a devida autorização também não se mostra uma alternativa viável. Prova

disto é que a mora em decidir acerca da possibilidade de abortar no caso da gravidez do feto

anencefálico, com o consequente parto, ocasionou a propositura da Ação de Descumprimento

de Preceito Fundamental 54.

Não há que se esquecer que o crime de aborto é classificado como doloso contra a

vida, cuja competência para julgamento é do Tribunal do Juri, nos termos do artigo 5º, inciso

XXXVIII, alínea “d” da Constituição Federal. Não há dúvidas, portanto, de que mesmo que

aquelas mulheres que realizem abortos em razão de doenças graves de seu feto (que

inviabilizem a vida extrauterina) venham a ser absolvidas posteriormente na ação penal,

indubitavelmente sofrerão em razão do estigma que o Processo Penal, por si só, inflige aos

indivíduos.

Percebe-se, assim, a premente necessidade de que o Poder Judiciário, através de seus

mecanismos de controle de constitucionalidade concentrado, adote um posicionamento

definitivo acerca da discussão ora realçada.

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CAPÍTULO 2: ANÁLISE DO JULGAMENTO DA ARGUIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54 PELO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Convém ressaltar, antecipadamente, que as posições individuais tomadas por cada

ministro do Supremo Tribunal Federal não representam um entendimento único da Suprema

Corte. Vale dizer, não é possível extrair uma vertente ideológica a ser seguida pelos demais

julgadores em instâncias inferiores apenas pela análise dos votos proferidos. Isto se deve pela

própria organização do Poder Judiciário, que confere ao seus julgadores ampla liberdade para

fundamentar suas decisões, vide o Princípio do Livre Convencimento (ainda que) Motivado do

Juiz. Assim, nos órgãos colegiados, a decorrência de tal mandamento é verificada pela

independência de cada julgador em fundamentar seu voto segundo suas próprias convicções.

Consequência disto verificável na prática é que apenas o dispositivo (ou decisum) das

sentenças ou acórdãos transitam em julgado. Assim, se o entendimento não for sumulado, seja

de forma vinculante ou não, não é possível extrair de um julgado um mandamento de uma

Corte: cabe apenas apontar o entendimento dos diversos ministros que compuseram o

julgamento.

Por este motivo, não se analisará cada voto individualmente, mas apenas os

argumentos pertinentes ao debate, a fim de se evitar repetições. Feita, embora aparentemente

óbvia, mas importante observação acerca do valor da motivação das decisões judiciais, analisar-

se-á o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento 54.

Em suma, o plenário da corte superior, por maioria, julgou procedente o pedido

formulado em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada, pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, a fim de declarar a

inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto

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anencefálico seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal,

prevalecendo, assim, o voto do Ministro Relator Marco Aurélio Mendes de Farias Mello32.

O objeto da referida arguição delimitou-se no reconhecimento do direito da gestante

de submeter-se a antecipação terapêutica de parto na hipótese de gravidez de feto anencefálico,

previamente diagnosticada por profissional habilitado, sem estar compelida a apresentar

autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado. Desse modo, e é

importante frisar, não fora postulada a proclamação de inconstitucionalidade abstrata dos tipos

penais em comento, o que os retiraria do sistema jurídico.

Assim, o pleito colimaria tão somente que os referidos enunciados fossem

interpretados conforme a Constituição. Dessa maneira, é despropositado veicular que o

Supremo examinara a descriminalização do aborto, já que fora empregada até mesmo outra

terminologia, qual seja, a desenvolvida pela especialista Débora Diniz, que distingue aborto e

antecipação terapêutica de parto33. Nos dizeres da autora:

A antecipação terapêutica de parto é um procedimento médico que antecipa o parto,

uma vez diagnosticada a inviabilidade fetal. As razões para a antecipação do parto

devem ser entendidas em um sentido terapêutico amplo que inclui desde o bem-estar

psicológico, a estabilidade afetiva dos futuros pais, a coesão familiar, até a integridade

física da mulher grávida. A antecipação terapêutica do parto não é um mero

subterfúgio para autorizar o aborto voluntário no Brasil e este argumento deve ser

definitivamente abandonado do cenário das discussões sobre o assunto. O que se

pretende autorizar é simplesmente a realização antecipada do parto de fetos inviáveis

34.

Portanto, a antecipação terapêutica do parto seria termo específico utilizado apenas

para os casos de inviabilidade fetal, isto é, nos casos em que o feto não possuísse expectativa

de vida extra uterina. Tal medida objetiva desvincular o estigma social e religioso trazido pela

palavra aborto35.

32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em 13 de agosto de 2014. 33 DINIZ, Debora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. Brasília: Letras Livres, 2004. 149 páginas. p. 79-80. 34 DINIZ, Debora. op. cit. 35 CARVALHO, Teresa Robichez de. A antecipação terapêutica de parto na hipótese de anencefalia fetal: estudo de casos do Instituto Fernandes Figueira e a interpretação constitucional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Supremo Tribunal Federal. 2006. Dissertação de Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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Nesse contexto, também foram afastadas as expressões “aborto eugênico”,

“eugenésico” ou “antecipação eugênica da gestação”, em razão do indiscutível viés ideológico

e político impregnado na palavra eugenia, termo criado em 1883, por Francis Galton36, que

denota o “conjunto dos métodos que visam melhorar o patrimônio genético de grupos

humanos”.37 Tal expressão demonstra-se evidentemente inadequada, já que o feto anencefálico

sobreviverá apenas para que lhe seja declarada a morte, obviamente não alcançará a fase

reprodutiva e, portanto, não perpetuará os genes que herdou.

Conforme ressaltado, a doutrina ainda emprega o termo eugenésico para tratar do

aborto motivado por doenças e anomalias fetais, independentemente de sua gravidade,

considerando tal motivação uma causa excludente de culpabilidade pela inexigibilidade de

conduta diversa, justificando que não seria obrigável determinar que um indivíduo cuide por

toda sua vida do ser vivo que nasceria enfermo. Aos olhos do autor desta monografia, esta

terminologia deveria ser revista.

De todo modo, o confronto da lide, por sua vez, resume-se, basicamente, entre, de um

lado, os interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro, os de parte

da sociedade que supostamente desejava “proteger todos os que a integrariam,

independentemente da condição física ou viabilidade de sobrevivência”38.

Já o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a

autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente,

os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, em específico, que a tipificação penal da

interrupção da gravidez de feto anencefálico não se coadunaria com a Constituição,

notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana,

o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde.

36 GALTON, Francis. Inquiries into Human Faculty and its Development. First Edition, Macmillan, 1883 Second Edition, Dent & Dutton (Everyman), 1907. Disponível em: <http://galton.org/books/human-faculty/>. Acesso em 13 de agosto de 2014. 37 PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa. "eugenia". Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/eugenia> Acesso em 13 de agosto de 2014. 38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em 13 de agosto de 2014.

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31

Exposto este breve resumo, resta evidente não ser possível tratar sobre o tema sem

expandi-lo. Objetivando nortear a discussão, passar-se-á a esmiúça dos principais pontos do

acórdão para melhor estudá-lo.

2.1 Principais pontos sobre o julgamento

2.1.1. Da Laicidade do Estado

O ministro relator Marco Aurélio frisa que a laicidade estatal não deve ser confundida

com laicismo. Natália Gomes da Silva Machado assim ensina:

Por laicidade, pode-se entender, em síntese, um Estado desvinculado de uma religião

oficial e com liberdade de manifestação religiosa. Trata-se de um fenômeno político,

e não religioso, tendo em vista que se refere ao Estado. Este terá de ser neutro e

imparcial. Neutro porque deve permitir manifestações religiosas, e imparcial porque

deve tratar com igualdade as diferentes religiões.

[...]

A política estatal em um estado laico certamente não pode ser dirigida para o fim de

satisfazer os padrões éticos definidos por segmentos religiosos, contudo, estes, bem

como segmentos não-religiosos da sociedade, possuem o direito de exercer sua

cidadania, pronunciando-se acerca das políticas públicas. Se vivemos em um Estado

democrático de Direito, a tentativa de um grupo social, religioso ou não, de influenciar

as políticas do governo, não constitui por si, só uma afronta à laicidade estatal. O

Estado pode adotar uma política que foi orientada por grupos de pressão religiosos,

no entanto, o critério norteador de sua adoção não será religioso, mas sim voltado para

o melhor interesse público.

[...]

O laicismo separa de forma total o bem comum social do sobrenatural, ou seja, separa

a ordem das coisas divinas das coisas terrenas. Trata-se de uma ruptura ineficaz, visto

que não influenciará nas convicções individuais dos seres, e agressiva, na medida em

que nega um direito de manifestação religiosa pelo indivíduo que lhe é intrínseca [...].

A manifestação religiosa é um direito fundamental sem o qual torna impossível o

pleno desenvolvimento da dignidade do ser humano. O laicismo é uma ideologia

totalitária e pautada em uma verdade absoluta na qual só se permite expressões

dotadas de um critério racional. Na verdade, é uma pseudo-religião que impõe aos

cidadãos uma ideologia arbitrária e, além de negar-lhes direitos fundamentais,

inerentes à própria pessoa humana, fere o princípio da igualdade, outro direito

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fundamental, na medida em que desrespeita os cidadãos que possuem valores

religiosos privilegiando aqueles que são adeptos da ideologia laicista39

.

Mesmo embora tenha um posicionamento contrário ao laicismo, a autora define ambos

os conceitos de forma simples: enquanto laicidade refere-se à característica de um Estado que

se desvincula de uma religião oficial, comprometendo-se a tratar todas as religiões dos povos

de sua nação de maneira igualitária, permitindo sua livre manifestação (que pode influenciar a

atuação estatal), laicismo compreenderia o Estado que repudia qualquer argumento ou fator não

lógico-científico para tomada de decisões. Ambos buscam o bem comum, divergindo apenas

quanto ao aproveitamento de argumentos religiosos nesta busca.

Segundo o relator, a laicidade estatal revela-se um princípio que atua de modo dúplice:

a um só tempo, salvaguarda as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva

estatal nas respectivas questões internas e protege o Estado de influências indevidas

provenientes de dogmas, de modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e

democrático e qualquer doutrina de fé, inclusive majoritária40.

Desse modo, concluiu Marco Aurélio que a garantia do Estado secular da liberdade de

culto não denotaria que as religiões pudessem guiar o tratamento estatal dispensado a outros

direitos fundamentais, tais como os direitos à autodeterminação, à saúde física e mental, à

privacidade, à liberdade de expressão, à liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo

da reprodução. Logo, a questão do aborto não poderia ser examinada sob os influxos de

orientações morais religiosas, apesar de a oitiva de entidades ligadas a profissão de fé não ter

sido em vão. Isso porque, em uma democracia, não seria legítimo excluir qualquer ator do

âmbito de definição do sentido da Constituição. Todavia, para se tornarem aceitáveis no debate

jurídico, os a deveriam ser devidamente “traduzidos” em termos de razões públicas, ou seja,

expostos de forma que a adesão a eles independesse de qualquer crença41.

39 MACHADO, Natália Gomes da Silva. Princípio da Laicidade. 2010. Dissertação de Pós Graduação em Direito. Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. 29 p. p. 5-8. 40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em 13 de agosto de 2014. 41 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 15 de setembro de 2014. p. 43

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33

Tais argumentos trazem extremo alívio, haja vista atualmente a laicidade estatal estar

ameaçada42, não somente nas esferas legislativa e executiva, mas também na judiciária. Tal

fenômeno é perceptível tanto em aspectos relativamente menos danosos à sociedade, como, por

exemplo, na presença de crucifixos em escolas, fóruns e diversos outros ambientes públicos,

nas celebrações de cultos religiosos em esferas públicas, nas expressões “sob a proteção de

Deus” no preâmbulo da Constituição e “Deus seja louvado” nas cédulas da moeda nacional,

como em situações extremamente preocupantes, como no não reconhecimento da umbanda e

do candomblé como religiões por decisão judicial (vide Ação Civil Pública 0004747-

33.2014.4.02.5101 - 2014.51.01.004747-2, que esteve em curso perante a 17ª Vara Federal do

Rio de Janeiro43), na criação de projetos de Lei impregnados de valores religiosos

potencialmente nocivos a direitos e garantias constitucionais, (vide Projeto de Lei 478/07,

popularmente conhecido como Estatuto do Nascituro, ainda pendente de aprovação44), seja na

participação política crescente de grupos religiosos em todo o cenário nacional45.

Relacionando tal argumento ao objeto do presente trabalho, isto é, a descriminalização

do aborto, é possível afirmar que dogmas religiosos somente podem interferir na esfera

individual de convencimento de cada indivíduo.

No cenário político atual, discutir religião e aborto é essencial, haja vista existir

atualmente a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida - Contra o Aborto46, que conta com

192 deputados federais e 13 senadores signatários, sendo que grande parte de seus integrantes

possuem crenças religiosas como norteadoras de seu posicionamento político47, o que justifica

a importância do tópico em questão. Tratar-se-á, no entanto, apenas do posicionamento da

42 ZYLBERSZTAJN, Joana. O Princípio da Laicidade na Constituição Federal de 1988. 2012. Dissertação de Doutorado. Universidade de São Paulo. 43 PÉROLAS JURÍDICAS. Sentença não reconhece candomblé e umbanda como religiões: em sentença, Juiz federal do TRF-2 negou pedido do Ministério Público Federal para que o Google fosse obrigado a retirar 15 vídeos ofensivos às duas crenças do ar. Disponível em: <http://www.perolasjuridicas.com/wp-content/uploads/2014/05/decisao-da-17-Vara-Federal-do-RJ.pdf?644fae>. Acesso em 16 de agosto de 2014. 44 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 478/07. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=345103>. Acesso em 16 de agosto de 2014. 45 COUTINHO, Mateus. Evangélicos projetam aumento de 30% da bancada na eleição do ano que vem. O Estado de S. Paulo. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,evangelicos-projetam-aumento-de-30-da-bancada-na-eleicao-do-ano-que-vem-imp-,1112414>. Acesso em 16 de agosto de 2014. 46 BRASIL. Câmara dos deputados. Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida - Contra o Aborto. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/deputado/Frente_Parlamentar/384.asp>. Acesso em 15 de setembro de 2014. 47 PEREIRA. Leonardo. Confira a lista atualizada da bancada evangélica em Brasília. Disponível em <http://noticias.gospelprime.com.br/confira-a-lista-atualizada-da-bancada-evangelica-em-brasilia/>. Acesso em 17 de agosto de 2014.

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religião católica, majoritária no Brasil48 e com efetiva influência política, cujo posicionamento

é compartilhado semelhantemente pelos evangélicos.

Segundo Kelli Cristina Ribeiro49, a doutrina católica nem sempre foi contrária à prática

abortiva. Basicamente, seu posicionamento depende da teoria adotada em relação ao momento

aquisitivo da alma pelo ser humano.

Maria Tereza Verardo e Maria Junicete de Souza50 explicam que no século IV, São

Basílio considerava que a alma era infundida no novo ser no momento da fecundação. Esta

teoria, denominada animação imediata, proibia o aborto em qualquer fase, já que a alma passava

a pertencer ao novo ser no preciso momento do encontro do óvulo com o espermatozoide.

No século VI, com o Código de Justiniano, passou-se a considerar que o momento da

infusão da alma só ocorreria quando o feto adquirisse forma humana. O que significaria que,

enquanto a alma não estivesse infundida no novo ser, o aborto não era proibido.

O Concílio de Trento (1545-1563) passou a adotar a teoria de que o movimento era

uma expressão da alma. Isto é, o feto passaria a ter alma no instante em que a mulher sentisse

os primeiros movimentos em seu ventre, doutrina que ficou conhecida como a da animação

mediata.

Com Pio IX, a teoria da animação imediata foi restabelecida, e esta é a posição atual

da Igreja. As pessoas que fizerem aborto, seja qual for o motivo, serão punidas com a

excomunhão.

Conforme se observa, nem sempre a igreja foi contrária ao aborto. Patrícia Toledo

ensina que:

[...] Segundo Nunes51, mesmo a crença na concepção imutável da Igreja Católica

quanto à defesa incondicional da vida pode encobrir uma história, que na realidade, é

cheia de controvérsias. De fato, nos primeiros séculos do cristianismo, a fim de

proteger a monogamia, o aborto era permitido quando era fruto de adultério. A

48 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo Demográfico 2010: Religião – Amostra. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=ap&tema=censodemog2010_relig>. Acesso em 18 de agosto de 2014. 49 RIBEIRO, Kelli Cristina. A posição de algumas religiões e questões polêmicas acerca do aborto. Dissertação de graduação em Direito. Universidade do Vale do Itajaí. 89 páginas. p 44 50 VERARDO. Maria Tereza. SOUZA, Maria Jucinete de. Aborto - Interrupção Voluntária da Gravidez. Disponível em <http://www.mulheres.org.br/documentos/aborto.pdf>. Acesso em 17 de agosto de 2014. p 5. 51 NUNES, Maria José R. Aborto, maternidade e a dignidade da vida das mulheres. In: CAVALCANTE, Alcilene e XAVIER, Dulce. Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006, p. 23-40.

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afirmação do casamento monogâmico era mais importante como fundamento social

do que a proteção da vida. A própria discussão teológica da época não mantinha um

consenso sobre o momento em que o feto passaria a ser uma pessoa. Até o século XIX

pensou-se que a interrupção da gestação no início da gravidez não seria pecaminoso,

não atentaria contra a vida de uma pessoa52.

O posicionamento religioso poderia, no entanto, ser traduzido para o debate jurídico

como qual seria o marco inicial da vida humana. No entanto, o autor deste trabalho entende tal

discussão não ser pertinente ao trabalho em pauta, pois conceitua o nascituro como um ser

humano em expectativa de nascer e, por esta razão, é indubitável que esta expectativa tenha

início com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. O debate deve, portanto, focar a

possibilidade de interrupção do desenvolvimento de um óvulo fecundado e o desperdício destes

gametas.

Percebe-se, portanto, que argumentos religiosos devem ser respeitados, mas seu grau

de influência necessita ser restrito, pois baseiam-se em valores espirituais que têm pertinência

exclusivamente no âmbito interno de motivação dos indivíduos, sendo inviável auferir-lhes

relevância jurídica, sob pena de ferir a laicidade estatal.

2.1.2 Dos direitos da mulher em contraposição aos direitos do feto

No que pertine aos direitos da mulher em contraposição aos do feto anencéfalo, aduziu

o ministro relator, de início, que toda gravidez acarretaria riscos à mãe. No entanto, constatou

que estes seriam maiores à gestante portadora de feto anencéfalo do que os verificados em

52 TOLEDO, Patrícia. O Aborto e a Política do Corpo. Disponível em: <http://www.ufscar.br/cis/wp-content/uploads/O-Aborto-e-a-Pol%C3%ADtica-do-Corpo_Patricia-Toledo.pdf>. Acesso em 19 de setembro de 2014. p. 2.

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gravidez comum. O autor desta tese de láurea acredita, ainda, que tal risco seja totalmente

desnecessário, visto a inexistência de chances de sobrevivência do feto53.

Além disso, o ministro Marco Aurélio afirmou ser incontroverso que impor a

continuidade da gravidez de feto anencéfalo poderia conduzir a gestante a quadro psíquico

devastador, haja vista que predominariam, na maioria das vezes, sentimentos mórbidos de dor,

angústia, impotência, luto e desespero, tendo em conta a certeza do óbito, alegando até mesmo

ser possível classificar como tortura o ato estatal de compeli-las a prosseguir na gestação de

feto portador da anomalia, porquanto a colocaria em espécie de cárcere privado de seu próprio

corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade54.

Tal argumento, de vertente feminista, é evidentemente um dos mais fortes na luta pela

descriminalização do aborto, e pode ser utilizado não somente no caso dos fetos anencéfalos,

mas também em qualquer gravidez. Obrigar um ser humano a prosseguir a gestação de um ser

indesejado em seu próprio corpo é, aos olhos do autor desta monografia, inconcebível, sendo

tal pensamento facilmente relacionável à ficção científica, alienígenas e filmes de terror.

É importante ressaltar que o amor maternal incondicional é uma construção histórico-

social. Nos dizeres de Patrícia Toledo:

No que se refere aos papéis estipulados para as mulheres como inerente à sua natureza,

apresenta-se a maternidade. No entanto, a relação mãe e filho, assim como outras

formas de comportamento, estão em constantes mudanças que se adaptam aos valores

políticos e econômicos de determinada época.

De acordo com Badinter (1985) apud Moura e Araujo (2004)55, o amor materno, não

deve ser visto como uma qualidade essencial da mulher, mas como uma construção

histórico-social. Durante a Idade Média e na Antiguidade o conceito de maternidade

era desvalorizado devido à autoridade e poder paternal, já que o homem era superior

tanto à mulher quanto à criança. A relação da mãe com o filho era apenas de

reprodução e não cabia a ela os cuidados na infância, mesmo a amamentação. As

crianças nem sequer ficavam muito tempo com a família burguesa, sendo enviadas

para um instrutor a fim de aprender as tarefas dos adultos. Os sentimentos de ternura

e valorização da criança são de certa forma recente. O amor materno,

convencionalmente descrito como “instintivo” e “natural” foi reforçado por discursos

filosófico, médico e político a partir do século XVIII.

Devido o declínio populacional que enfrentava a Europa e a necessidade da nova

classe social (burguesia), que através do liberalismo discursava sobre a igualdade e a

liberdade individual proporcionou uma nova posição para a maternidade e a educação

53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 661. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo661.htm>. Acesso em 13 de agosto de 2014. p. 5. 54 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 15 de setembro de 2014. p. 70-78. 55 MOURA, Solange M. S.; ARAÚJO, Maria de Fátima. A maternidade na história e a história dos cuidados maternos. Psicologia: ciência e profissão, v. 24 nº1 Brasília mar. 2004.

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das crianças. A nova ordem econômica contou ainda com o auxílio da medicina e suas

novas práticas que promoveram mudanças de hábitos e a higienização. Surgia nesta

época a noção de vida privada e o casamento “por amor”, já que aquele feito por

contrato não garantia os ideais liberais. Os cuidados da criança deveriam passar a ser

função essencialmente da mãe. (MOURA E ARAUJO, 2004)56.

O culto à Maria, proclamada imaculada pela Igreja, a define como a única pessoa a

ter concebido sem pecado, reafirmando o modelo cristão de mulher submissa, pura,

virgem e mãe. Acentua-se então, o papel da mulher com relação à maternidade, e

define o não desejo de gerar ou cuidar de um filho como um comportamento anormal,

e o aborto como exercício de crueldade. (NUNES, 2006)57.

[...]

A maternidade é vista como parte de um processo biológico que capacita as mulheres

a gerarem filhos. Porém, os seres humanos são capazes de controlar suas vidas

reprodutivas, ou seja, pensar, refletir e decidir. Neste aspecto, trazer à vida outro

indivíduo é um ato completamente diferente para os humanos do que para qualquer

outro animal. Nunes (2006) diz que o desejo de conceber novas vidas é um ato

plenamente humano. Dessa forma, seguir com uma gravidez não pode ser apenas uma

aceitação de um resultado biológico, mas o desejo de amar essa nova pessoa. (grifos

do autor) 58

.

A autora relaciona a moral cristã e a concepção hodierna de amor maternal, afirmando

não se tratar de um sentimento instintivo, natural, mas sim um valor construído através de

discursos filosóficos, médicos e políticos. Não se pretende com estas afirmações descontruir tal

valor social, mas simplesmente apontar que nem todas as mulheres possuem interesse em ter

filhos. Assim, uma gravidez indesejada não deve ser vista como algo tolerável, que todas as

mulheres desejariam eventualmente em suas vidas, que se trata apenas de uma situação

temporal inoportuna (não era apenas o momento ideal). Portanto, obrigá-las a prosseguir na

gestação a colocariam em cárcere privado de seu próprio corpo. Não há que se contra-

argumentar indignamente aqui que a mulher “assumiu os riscos de engravidar ao relacionar-se

sexualmente”, “não tomou as devidas precauções” e falácias do gênero: primeiro porque

hipoteticamente pode-se imaginar a falha dos métodos contraceptivos por razões alheias à sua

vontade (adulteração do lote do remédio anticoncepcional do qual ela se utilizava59, por

exemplo); segundo, porque o desrespeito à sua vontade persistiria da mesma forma.

Ademais, se se considerar como violência todo ato ou conduta baseada no gênero que

cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública,

56 MOURA, Solange M. S.; ARAÚJO, op. cit. 57 NUNES, Maria José R. Aborto, maternidade e a dignidade da vida das mulheres. In: CAVALCANTE, Alcilene e XAVIER, Dulce (Orgs.). Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006, p. 23-40. 58 TOLEDO, Patrícia. O Aborto e a Política do Corpo. Disponível em: <http://www.ufscar.br/cis/wp-content/uploads/O-Aborto-e-a-Pol%C3%ADtica-do-Corpo_Patricia-Toledo.pdf>. Acesso em 15 de setembro de 2014. p. 1-3. 59 PINHO, Márcio. Folha de São Paulo. São Paulo barra a venda de lotes de anticoncepcional. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0911200701.htm>. Acesso em 15 de setembro de 2014.

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como na esfera privada, nos termos do artigo 1 da Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher60, não há me melhorar maneira de exemplificá-

la senão citando uma gravidez indesejada: basta considerar as alterações corporais, a pressão

social, os abortos clandestinos, etc.

Nestes termos, conclui o ministro relator, não se coadunaria com o princípio da

proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, de modo a privilegiar aquele que,

no caso da anencefalia, não deteria sequer expectativa de vida fora do útero e aniquilar-se, em

contrapartida, os direitos da mulher ao lhe impingir sacrifício desarrazoado61. Tal entendimento

se coaduna com o expressado pelo ministro Luiz Fux, que afirma que o bem jurídico em

eminência seria exatamente a saúde física e mental da mulher, confrontada em face da

desproporcionalidade da criminalização do aborto levado a efeito por gestante de feto

anencefálico.62

Para Fux, “O prosseguimento da gravidez gera na mulher um grave abalo psicológico,

e, portanto, impedir a sua interrupção da gravidez equivale a uma tortura, vedada pela Carta

Magna” (art. 5º, III).63

Mesmo embora ambos os ministros tenham analisado especificamente a gravidez de

feto portador de anencefalia para tecer tais comentários, para o autor desta obra é perfeitamente

possível estender tais argumentos para quaisquer casos de gravidez indesejada,

independentemente da viabilidade do feto: obrigar a mulher a prosseguir com uma gestação

indesejada seria impingir-lhe sacrifício desarrazoado, não somente pelas alterações corporais

intrínsecas a tal processo, mas também pelas mudanças em todo seu modo de vida e planos para

o futuro.

Estende-se o rol trazido por Fux, já que o nascituro atualmente é protegido em

detrimento da dignidade da mulher como pessoa humana, de sua liberdade no campo sexual, de

60 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm>. Acesso em 19 de agosto de 2014. 61 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Voto do Ministro Relator Marco Aurélio Mendes de Faria Mello. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf>. Acesso em 24 de agosto de 2014. p. 78. 62 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Voto do Ministro Luiz Fux. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF54LF.pdf>. Acesso em 24 de agosto de 2014. p. 7 63 FUX, Luis. op cit.

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sua autonomia, de sua saúde, de sua privacidade e de sua integridade física, psicológica e moral,

valores estes todos assegurados constitucionalmente, vide artigos 1º, inciso III, 5º, caput e

incisos II, III e X, e artigo 6º, caput.

Aos olhos do autor deste trabalho, sopesar o direito de células em desenvolvimento

em detrimento dos direitos de um indivíduo plenamente formado é inconcebível.

2.1.3 Da Postura Minimalista do Supremo Tribunal Federal

O Ministro Luiz Fux defendeu em seu voto a necessidade de que o Supremo Tribunal

Federal adotasse uma postura minimalista no presente caso. De fato, julgou-se apenas a hipótese

de aborto do feto anencéfalo. Em suas palavras:

[...]Mas, com relação a nós magistrados, a existência desse dissenso moral

significativo nos impõe, assim como já adotamos em outros hard cases (como a

Marcha da Maconha e a legitimação da união homoafetiva), uma postura minimalista

do Poder Judiciário, adstrita à questão da criminalização do aborto de feto

anencefálico.

Seria, no meu modo de ver, extremamente prematuro que o Supremo Tribunal Federal

buscasse solucionar, como se legislador fosse, todas as premissas de um intenso

debate que apenas se inicia na nossa sociedade, fruto do pluralismo que lhe

caracteriza. Aliás, fazendo justiça mais uma vez, o Ministro Marco Aurélio, no seu

exauriente voto, citou casos de conjuração de qualquer pensamento de eugenia ou de

aborto eugênico, mencionando inúmeras doenças gravíssimas que poderiam levar a

uma estratégia de seletividade pessoal do ser humano. Então, este caso é um caso

típico em que se exige do Judiciário uma "passividade virtuosa", na célebre expressão

de Alexander Bickel no famoso estudo The Least Dangerous Branch e, também, na

expressão utilizada por Cass Sustein sobre o minimalismo na Suprema Corte

Americana. O professor Cass Sustein, nessa publicação de Harvard, em tradução livre,

preconiza que nesses casos - em que, diferentemente da Suprema Corte Americana,

nós não podemos pronunciar o non liquet, ainda que haja o desacordo moral na

sociedade - nós somos obrigados a dar uma palavra final. A trilha minimalista faz

muito sentido quando o tribunal está lidando com a questão constitucional de alta

complexidade, sobre a qual muitas pessoas possuem sentimentos profundos e sobre a

qual a nação está dividida, em termos morais ou outros quaisquer. O tribunal e os

tribunais, portanto, tentam economizar no desacordo moral mediante a recusa em

adotar os compromissos morais profundamente assumidos por outras pessoas, quando

desnecessários para decidir o caso. Por essa razão, estou adotando essa postura de

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contenção judicial à hipótese de criminalização da mulher que realiza a antecipação

terapêutica do parto em razão da anencefalia do feto.64 (grifos do autor).

De fato, à luz do artigo 2º do Código Penal, o ideal seria que a abolitio criminis

ocorresse através de novatio legis, isto é, que lei posterior revogasse os artigos que tipificam

determinada conduta, conforme se extrai de sua interpretação literal: “Ninguém pode ser punido

por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os

efeitos penais da sentença condenatória”. No entanto, para a discussão em pauta, tal

possibilidade é improvável.

Atualmente, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Vida - Contra o Aborto conta

com 192 (cento e noventa e dois) deputados federais e 13 (treze) senadores. Isto representa

37,42% (trinta e sete inteiros e quarenta e dois centésimos por cento) do total de 513 (quinhentos

e treze) deputados federais e 16,04% (dezesseis inteiros e 4 centésimos por cento) do total de

81 (oitenta e um) senadores. Resta evidente a dificuldade em qualquer alteração favorável à

descriminalização no âmbito legislativo.

Assim, ao assumir uma “postura mínima”, o Poder Judiciário, ao invés de assegurar a

separação dos poderes e a não extrapolação de sua competência está, na verdade, deixando de

regulamentar o direito de uma minoria.

Os fatos precisam ser encarados: apenas aproximadamente metade da população é

mulher, já que a própria natureza encarrega de manter tal proporção65, o que restringe a

demanda por tal procedimento. Como se não bastasse, a população brasileira em geral é

religiosa e dotada de espiritualidade acurada, e a maioria das religiões professadas mostra-se

contrária a realização da prática abortiva (não se afirmará pela inexistência destas que preguem

o contrário, pois não se estudará neste presente trabalho todas as diversas crenças brasileiras:

sabe-se, no entanto, que o catolicismo, o protestantismo, o espiritismo, a umbanda e o

64 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Voto do Ministro Luiz Fux. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF54LF.pdf>. Acesso em 4 de setembro de 2014. p. 3-4. 65 GONÇALVES, Carolina. Em dez anos, população de mulheres superou a de homens em 4 milhões no Brasil. UOL Notícias. Rio de Janeiro, 29 de abril de 2011. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/04/29/em-dez-anos-populacao-feminina-superou-a-masculina-em-4-milhoes.htm>. Acesso em 8 de setembro de 2014.

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candomblé66 são contrários, em decorrência da proteção da vida intrínseca a tais cultos). Assim,

evidente que a maioria da população manifestar-se-ia contrariamente à legalização do aborto,

como demonstram diversas pesquisas realizadas67 (o que resultaria em um plebiscito com

resultado negativo).

No entanto, a necessidade da realização de um aborto surge fatidicamente,

especialmente quando o feto é portador de alguma enfermidade. Tendo em vista à omissão do

Legislativo, não há outro poder a se recorrer além do Judiciário. Como já foi constatado a

impossibilidade de julgar pela via individual caso a caso a possibilidade de aborto, em razão da

mora do judiciário e o prazo improrrogável de menos de nove meses para julgar cada ação, resta

evidente a necessidade de controlar concentradamente a constitucionalidade da prática abortiva.

Mesmo embora restrinja-se seguramente ao tema do feto do aborto anencéfalo, assim

como a maioria de seus colegas, a ministra Carmen Lúcia, ao citar o professor Daniel Sarmento,

destaca o crescimento e a importância do Poder Judiciário, afirmando que nos últimos anos

assistimos a uma verdadeira “judicialização” da política e das relações sociais: a Justiça passou

a ocupar-se dos grandes conflitos políticos e morais que dividem a nação, atuando como árbitro

final, decidindo questões tormentosas e delicadas, que vão dos direitos das minorias no processo

legislativo até os debates sobre aborto e pesquisa em células-tronco68.

Frisa-se: não há a quem recorrer para tratar do direito das minorias senão o Poder

Judiciário, que respeita à Constituição Federal e não se subjuga à aprovação eleitoral.

Como prova do que se alega, pode-se citar o Estatuto do Nascituro, Projeto de Lei

478/2007, de autoria dos deputados Luís Bassuma e Miguel Martini, que está em trâmite perante

a Câmara dos Deputados e que já teve aprovado seu substitutivo, de autoria da deputada

Solange Almeida, pela Comissão de Seguridade Social e Família e pela Comissão de Finanças

e Tributação, pendente apenas de aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça e de

Cidadania (CCJC) para, em seguida, ser apresentado e votado em plenário.

66 ARAÚJO, Adriano de. Conversando acerca do aborto e as religiões. Ribeirão Preto Online, Ribeirão Preto. Disponível em: <http://www.ribeiraopretoonline.com.br/lista-materias.php?id=428>. Acesso 8 de setembro de 2014. 67 BRAMATTIE, Daniel. TOLEDO, José Roberto de. Ibope: Quase 80% são contra legalizar maconha e aborto. Estadão Política. 4 de setembro de 2014. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ibope-quase-80-sao-contra-legalizar-maconha-e-aborto,1554665>. Acesso em 8 de setembro de 2014. 68 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 180.

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O Estatuto objetiva, basicamente: ampliar o conceito (bem como a proteção) dada ao

nascituro, para incluir neste o embrião, ainda que concebido in vitro, mesmo que ainda não

transferido para o útero materno que o gestará, protegendo, portanto, os embriões excedentários

(art. 2º e parágrafo único69). Partindo desta premissa, pretende conferir ao nascituro (e ao

embrião, ainda que congelado) plena proteção jurídica dada à pessoa humana (artigo 3º e

parágrafos), reconhecendo, desde a concepção, todos os direitos, em especial o direito à vida, à

saúde, ao desenvolvimento e à integridade física e os demais direitos da personalidade previstos

nos artigos 11 a 21 do Código Civil vigente, sendo que apenas os direitos patrimoniais ficam

condicionados resolutivamente ao nascimento com vida do embrião70.

As consequências de tais alterações são graves e diversificadas: desde problemas de

identificação do nascituro até controvérsias relativas à representação civil e à parentalidade dos

embriões gerados exclusivamente com material fecundante de doadores e aos desdobramentos

referentes às relações de parentesco, ordem sucessória, além da pretensa possibilidade de

exercício dos direitos da personalidade por parte do nascituro, entre tantas outros.

A Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do

Estado do Rio de Janeiro, em parecer sobre o referido projeto, aponta que este busca estender

a proteção jurídica conferida atualmente para o nascituro ao embrião (mesmo que ainda fora de

gestação), igualando-a. Consequência imediata desta alteração seria a ilegalidade das pesquisas

realizadas com células-tronco embrionárias, o que resultaria em verdadeiro retrocesso ao

desenvolvimento científico71. Não seria possível outra interpretação do artigo 5º do Estatuto:

“Nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou

omissão, aos seus direitos”72.

No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar improcedente a Ação Direta

de Inconstitucionalidade 3.510, já considerou constitucional a pesquisa com células-tronco

69 BRASIL. Projeto de Lei nº 478, de 2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/747985.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. 70 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção do Estado do Rio de Janeiro acerca (da Inconstitucionalidade) do Projeto de Lei nº 478/2007, do seu substitutivo e dos seus apensos. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/141632471/Parecer-Estatuto-do-Nascituro-Comissao-de-Bioetica-e-Biodireito-da-OAB-RJ-2011>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 1-3. 71 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. Op cit. 72 BRASIL. Projeto de Lei nº 478, de 2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/747985.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014.

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embrionárias, bem como manifestou seu posicionamento referente à distinta proteção jurídica

que deve ser conferida ao feto, ao embrião e à pessoa humana, respectivamente, afirmando que

“o embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico

a que se refere à Constituição” ( ADI 3.510 ,Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008,

Plenário,DJE de 28-5-2010.).

Os mais problemáticos artigos deste Estatuto, pertinentes a esta tese de láurea, são os

artigos 9º e seguintes:

Art. 9º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o de

qualquer direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, de deficiência física

ou mental.

Art. 10. O nascituro terá à sua disposição os meios terapêuticos e profiláticos

disponíveis e proporcionais para prevenir, curar ou minimizar deficiências ou

patologia.

Art. 11. O diagnóstico pré-natal é orientado para respeitar e salvaguardar o

desenvolvimento, a saúde e a integridade do nascituro.

§ 1º O diagnostico pré–natal deve ser precedido de consentimento informado da

gestante.

§ 2º É vedado o emprego de métodos para diagnóstico pré-natal que causem à mãe ou

ao nascituro, riscos desproporcionais ou desnecessários.

Art. 12. É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de

ato cometido por qualquer de seus genitores.

Art. 13. O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes

direitos:

I – direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe;

II – direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe assim o deseje.

§ 1º Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável

por pensão alimentícia nos termos da lei.

§ 2º Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos

suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da

criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e

responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for

da vontade da mãe73.

A Comissão supracitada resumiu a opinião do autor desta monografia em seu parecer:

o Projeto de Lei 478/2007 busca reduzir a mulher a mero receptáculo ou veículo da vida por

nascer, desempenhando papel de mera “incubadora”74.

Com as alterações propostas, as excludentes de ilicitude previstas no artigo 128

deixariam de existir: não seria possível abortar o feto portador de doenças graves (como a

anencefalia, por exemplo, em total dissonância ao julgado na Arguição de Descumprimento de

73 BRASIL. Projeto de Lei nº 478, de 2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/747985.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014 74 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção do Estado do Rio de Janeiro acerca (da Inconstitucionalidade) do Projeto de Lei nº 478/2007, do seu substitutivo e dos seus apensos. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/141632471/Parecer-Estatuto-do-Nascituro-Comissao-de-Bioetica-e-Biodireito-da-OAB-RJ-2011>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 10.

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Preceito Fundamental 54), nem mesmo se a gravidez fosse resultante de estupro. Mesmo

embora não trate explicitamente dos casos em que a gravidez gere risco à saúde e à vida da

mãe, a Comissão da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Rio de Janeiro afirma que o

projeto “pretende impor compulsoriamente a maternidade em caso de risco de vida e à saúde

das mulheres”75.

Apensado a este projeto, encontram-se os Projetos de Lei 489/2007, de autoria do

deputado Odair Cunha, e que também dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e outras

providências; o Projeto de Lei 1763/2007, de autoria do deputado Jusmari Oliveira, que dispõe

sobre a assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro; e o Projeto de Lei

3748/2008, de autoria da deputada Sueli Vidigal, que trata sobre a autorização do Poder

Executivo de conceder pensão à mãe que mantenha a criança nascida de gravidez decorrente de

estupro.

O Projeto de Lei 487/2007 é obviamente inconstitucional, no entanto, reforça a

pertinência do presente trabalho. Os membros do Poder Legislativo, no desempenho de suas

atribuições, assegurados pelas abundantes prerrogativas constitucionalmente elencadas, como

parte indissociável da sociedade a qual servem e pertencem, refletem em seu trabalho os

diversos valores que carregam. Atualmente, grupos religiosos têm conquistado representação

política cada vez maior, o que interfere significativamente na tutela dos direitos e interesses das

minorias, ameaça a laicidade estatal e coloca em risco garantias fundamentais hodiernamente

asseguradas pelo ordenamento jurídico.

Assim, conclui-se que o Poder Legislativo é uma via improvável para a

descriminalização do aborto, restando apenas o Poder Judiciário para resolver os grandes

conflitos políticos e morais que dividem a nação, atuando como árbitro final, decidindo

questões tormentosas e delicadas como o aborto, de modo a considerar os interesses das

minorias.

75 Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Estado do Rio de Janeiro. Op. cit. p. 10.

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Convém ressaltar que qualquer generalização é problemática. Nem todos os

parlamentares são contrários à descriminalização do aborto. Prova disto é o projeto de reforma

do Código Penal Brasileiro76 que está em tramitação no Senado Federal77.

Segundo relata Jennifer Mendes Lemos, fora aprovada pelo Senado Federal a

formação de uma Comissão de Juristas para a elaboração de um Anteprojeto de Código Penal

em 10 de agosto de 2011, para qual fora nomeado como Presidente o Ministro do Superior

Tribunal de Justiça e como Relator Geral decidiu-se logo em sua primeira reunião, datada de

18 de outubro de 2011, o Procurador Regional da República da Terceira Região Luiz Carlos

dos Santos Gonçalves78.

A referida Comissão foi subdividida em três, uma responsável pela parte geral do

Código Penal, outra responsável por sua parte especial e a última, pela legislação penal

extravagante. Durante o processo legislativo, cada subcomissão apresentou suas propostas em

reuniões conjuntas, o que permitiu a realização de acréscimos e supressões aos textos aprovados

por todos os membros das distintas subcomissões.

A reforma objetivava uma releitura do Código Penal, a partir das novas perspectivas

surgidas após a outorga da atual Constituição Federal e em virtude da dinamicidade dos fatos

sociais. Foi destacado o problema da grande quantidade de leis esparsas tratando da matéria

penal, que foram criadas justamente na tentativa de acompanhar às mudanças sociais, cada vez

mais céleres. Em suma, a Comissão comprometeu-se à: modernizar o Código Penal; unificar a

legislação penal esparsa; analisar a compatibilidade dos tipos penais atualmente existentes com

a Constituição de 1988, promovendo a descriminalização e a tipificação de condutas, quando

necessário; analisar a proporcionalidade das penas dos crimes atualmente tipificados, a partir

de sua gravidade relativa e, por fim buscar formas alternativas, não prisionais, de sanção penal.

76 LEMOS, Jennifer Mendes. A descriminalização do aborto na proposta de reforma do Código Penal. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27412/a-descriminalizacao-do-aborto-na-proposta-de-reforma-do-codigo-penal#ixzz3CtVxuwKE>. Acesso em 10 de setembro de 2014. 77 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado, nº 236 de 2012. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404>. Acesso em 10 de setembro de 2014. 78 LEMOS, Jennifer Mendes. op. cit.

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O anteprojeto foi transformado no Projeto de Lei do Senado nº 236 de 2012, autoria

de José Sarney e, mesmo embora ainda esteja sujeito à mudanças significativas, propõe a

seguinte inovação ao artigo 128 do Código Penal:

Art. 128. Não há crime de aborto:

I – se houver risco à vida ou à saúde da gestante;

II – se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego

nãoconsentido de técnica de reprodução assistida;

III – se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis

anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois

médicos; ou

IV – se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando o

médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de

arcar com a maternidade.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I deste

artigo, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou, quando menor,

incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de

seu companheiro.79

Tal projeto, ao invés de descriminalizar a prática do aborto (e, de certa forma,

minimizar polêmicas), acrescenta duas novas causas excludentes de ilicitude àquelas já

previstas atualmente no Código Penal: pela nova redação, não seriam puníveis os abortos

realizados em razão de comprovada anencefalia fetal ou quando este padecesse de doenças

graves, incuráveis anomalias que inviabilizassem a vida extrauterina, bem como por vontade

da gestante, até a décima segunda semana, quando o médico ou psicólogo constatar que a

mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

Como já foi dito no presente trabalho, é problemático arrolar quais doenças graves e

anomalias incuráveis poderiam dar causa à realização de aborto, excluída a ilicitude da conduta

nos termos da indicação prevista na alínea III. Porém, já que a alínea IV traz a hipótese de

realização de aborto, até a décima segunda semana, se a gestante assim manifestasse sua

vontade, eventuais controvérsias poderiam ser minimizadas.

O autor do presente trabalho vê com maus olhos a expressão “quando o médico ou

psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a

maternidade”. Sabe-se que entrevistas com peritos e psicólogos podem ser desgastantes e em

nada contributivas para a tutela dos direitos dos cidadãos. Exemplo disto é o exame

criminológico, atualmente empregado em dissonância com o preceituado pela Lei de Execução

79 BRASIL. Senado Federal. Quadro comparativo do Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012 (projeto do novo Código Penal). Disponível em <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=114750&tp=1>. Acesso em 10 de setembro de 2014.

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Penal, já que determinado pelos magistrados para analisar se o sentenciado que preenche o

requisito objetivo necessário à progressão de regime ou à concessão do Livramento Condicional

também preenche o requisito subjetivo, isto é, tem bom comportamento carcerário e está apto

à ressocialização. Nestes exames, em conversas extremamente curtas, psicólogos e assistentes

sociais concluem pela negativa de concessão dos benefícios mencionados caso o réu não

confesse o crime, não se mostre arrependido ou tenha problemas familiares, o que é absurdo, já

que nem mesmo em juízo existe tal obrigação ou são analisados tais aspectos.

Receia, assim, que se torne necessário às gestantes que optam em abortar

desempenhar certo papel nestas entrevistas, mentindo para obter a autorização que necessitam.

Para o autor desta monografia, as razões que levam uma mulher a abortar devem ser respeitadas

independentemente de quais sejam, e devem permanecer no âmbito interno de sua

subjetividade.

No entanto, seria deveras interessante que as mulheres que realizem o procedimento

abortivo tenham acompanhamento psicológico (facultativo, obviamente) antes, durante e após

o processo, de modo que este não seja traumático, mas sim digno, seguro e humanizado.

De todo modo, é extremamente positiva a proposta do Projeto de Lei ora em comento,

que ainda faz questão de tratar sobre a validade do consentimento da gestante incapaz em seu

parágrafo único: impossibilitada de consentir, deve-se recolher o consentimento de seu

representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro. Tem-se, assim, uma possível solução

para a incongruência da legislação já apontada neste presente trabalho.

Convém ressaltar que as alterações propostas estão em consonância com o parecer do

Conselho Federal de Medicina, emitido em março de 2013, que se prostrou favorável à

interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação, se por vontade da gestante. Tal

documento foi solicitado pelo próprio Senado Federal, que inclusive realçou o problema social

do aborto clandestino como uma das principais causas de mortalidade materna, e defendeu a

autonomia da mulher para determinar seu corpo e seu futuro. Roberto Luiz d’Avila, presidente

do Conselho, ensina que este limite faz-se necessário para assegurar a saúde da gestante, bem

como em razão do desenvolvimento do sistema nervoso central do feto80.

80 Conselho Federal de Medicina. CFM esclarece posição a favor da autonomia da mulher no caso de interrupção da gestação. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23663:cfm-esclarece-posicao-a-

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Porém, mesmo embora exista atividade legislativa favorável à legalização do aborto,

o autor do presente trabalho nota tratar-se de um projeto de reforma do Código Penal e de toda

a legislação penal esparsa. Consequência lógica de tamanha pretensão é que tal projeto pode

levar muitos anos para ser sancionado, já que não se trata de uma mudança especificamente

relacionada ao tema do aborto. Como se não bastasse, ainda está sujeito à emendas, sanções,

vetos, etc. Conforme já dito, a probabilidade de que a descriminalização ocorra pela via

legislativa é baixa, em razão da morosidade intrínseca a complexidade do tema e ao processo

legislativo.

2.1.4 Dos Votos Contrários à Legalização do Aborto do Feto Anencéfalo

Os ministros Enrique Ricardo Lewandowski e Antônio Cézar Peluso votaram

contrariamente à procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54.

Ricardo Lewandowski inicia sua argumentação utilizando-se de posicionamento

semelhante ao expressado pelo Ministro Luiz Fux acerca do papel mínimo ideal a ser adotado

pelo Supremo Tribunal Federal, já que, como Corte Constitucional (e à semelhança das demais

Cortes Constitucionais), a Última Instância do Poder Judiciário brasileiro só poderia exercer o

papel de legislador negativo, ou seja, só teria competência para extirpar do ordenamento

jurídico as normas incompatíveis com o texto magno. Ressalta que tal competência deve ser

exercida com extrema parcimônia.81

Lewandowski argumenta sabiamente que a conclusão óbvia de uma decisão judicial

isentando de sanção aborto de fetos portadores de anencefalia pelo Supremo Tribunal Federal,

poderia ser fundamento jurídico para absolver a interrupção da gestação de inúmeros outros

favor-da-autonomia-da-mulher-no-caso-de-interrupcao-da-gestacao&catid=3>. Acesso em 10 de setembro de 2014. 81 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 245.

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embriões que sofrem ou venham a sofrer outras doenças congênitas, genéticas ou adquiridas,

as quais, de algum modo, “levem ao encurtamento de sua vida”82, ressaltando de maneira

calorosa a importância do Processo Legislativo para o alcance dos interesses sociais e para

adequação das leis aos interesses sociais.

Mesmo embora a expressão utilizada (“levem ao encurtamento de sua vida”) tenha

sido problemática, não há que se negar que a melhor maneira de tratar sobre temas controversos

seria por lei, até mesmo porque o código penal prevê que a descriminalização desta maneira

ocorra. No entanto, conforme amplamente discorrido, recorrer ao Poder Legislativo para tutelar

direitos de minorias, tendo em vista a forte carga religiosa de seus membros, mostra-se inviável.

Discorda-se, porém, da inadequação do Judiciário para sanar a discussão ora em pauta:

o Supremo Tribunal Federal, através do controle de constitucionalidade concentrado, pode

analisar a validade os dispositivos previstos nos artigos 124 e seguintes, à luz dos preceitos

constitucionais. Critica-se tal órgão por não já tê-lo feito na Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental 54, já que totalmente pertinente ao caso e, conforme apontado pelo

Ministro Lewandoski, indissociável a anencefalia de doenças cuja gravidade seja semelhante,

motivo que o levou a votar pela improcedência da ação. Por adotar uma postura mínima em

julgar apenas o que fora pleiteado, ainda restaram problemas e lacunas sobre a legalidade da

prática abortiva, conforme dito incansavelmente.

Percebe-se, assim, que seu voto contrário foi fundamentado na inadequação da via

judiciária para resolver conflitos sociais, morais e éticos como o aborto, por exemplo. Porém,

conforme explanado pelo autor desta obra, trata-se de um direito de uma minoria em total

desvantagem: as pesquisas demonstram que a maior parte da população é contra, o Poder

Legislativo possui uma Frente Parlamentar à Favor da Vida Contra o Aborto que conta com

parcela significativa de seus membros, criando projetos de lei para excluir até mesmo as

hipóteses excludentes de ilicitude previstas no artigo 128 do Código Penal. Para o autor desta

monografia, somente discutindo-se a constitucionalidade do aborto, à luz de valores

constitucionais como a dignidade da mulher como pessoa humana, de sua liberdade no campo

sexual, de sua autonomia, de sua saúde, de sua privacidade e de sua integridade física,

psicológica e moral, conforme artigos 1º, inciso III, 5º, caput e incisos II, III e X, e artigo 6º,

caput, todos da Constituição Federal, seria possível obter a abolitio criminis.

82 op. cit. p. 247

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O voto do Ministro Antônio Cezar Peluso foi o mais singular em sua opinião. Iniciou

seu voto alegando que a vida humana não constitui criação artificial da ciência jurídica, mas

trata-se de realidade pré-jurídica da qual o Direito se apropria para efeito de valorações

normativas fundamentais. Por este motivo, não seria lícito ao ordenamento subalterno, a seu

respeito, mediante a técnica de ficção, negar-lhe a realidade autônoma, perceptível fora do

mundo jurídico. Em palavras mais diretas, afirma não ser possível atribuir ao ser humano a

qualificação jurídico-normativa de ser vivo apenas quando seja capaz de pleno

desenvolvimento orgânico e social, de consistência e interação. Conclui, assim, que todos os

fetos anencéfalos (a menos que já estejam mortos), são dotados de vida, e só morrem porque

assim são83.

Partindo desta premissa, Peluso refuta a tese de que o aborto pressuponha uma

potencialidade de vida fora do útero, afirmando que para restar configurado tal crime, basta a

eliminação da vida, abstraída toda especulação quanto a sua viabilidade futura ou extrauterina.

Por esta razão, considera o aborto provocado de feto anencefálico como crime tipificado nos

artigos 124 e seguintes do Código Penal, não havendo que se falar em resguardo à autonomia

de vontade, quando esta se “preordena ao indisfarçável cometimento de um crime” danoso à

vida ou à incolumidade física alheia, transpondo, portanto, a esfera da autonomia e da liberdade

individuais84.

Conclui, ainda:

É que, nessa postura dogmática, ao feto, reduzido, no fim das contas, à

condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada, de

nenhum ângulo, a menor consideração ética ou jurídica, nem reconhecido grau algum

da dignidade jurídica e ética que lhe vem da incontestável ascendência e natureza

humanas. Essa forma odiosa de discriminação, que a tanto equivale, nas suas

consequências, a formulação criticada, em nada difere do racismo, do sexismo e do

chamado especismo. Todos esses casos retratam a absurda defesa e absolvição do uso

injusto da superioridade de alguns (em regra, brancos de estirpe ariana, homens e seres

humanos) sobre outros (negros, judeus, mulheres e animais, respectivamente). No

caso do extermínio do anencéfalo, encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso

superior que, detentor de toda a força, inflige a pena de morte ao incapaz de pressentir

a agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa. Mas o simples e decisivo fato de o

anencéfalo ter vida e pertencer à imprevisível espécie humana garante-lhe, em nossa

ordem jurídica, apesar da deficiência ou mutilação - apresentada, para induzir horror

e atrair adesão irrefletida à proposta de extermínio, sob as vestes de monstruosidade -

, que lhe não rouba a inata dignidade humana, nem o transforma em coisa ou objeto

83 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 378 84 op. cit. p. 383-384.

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material desvalioso ao juízo do Direito e da Constituição da República.85 (grifos do

autor).

Peluso ainda aponta em seu voto que não há que se sopesar diferentemente a vida do

infante com a de outra pessoa: aquela não vale menos que esta, já que o direito a vida não seria

suscetível de graduações axiológicas. Para ilustrar seu raciocínio, o ministro exemplifica que o

enfermo em estado terminal, independentemente de sua idade, portador de doença incurável,

também sofre e causa sofrimento a seus familiares e amigos, mas nem por isso pode ser

executado, nem é lícito atualmente receber auxílio para dar cabo à própria vida, já que tal prática

seria enquadrada no artigo 122 do Código Penal (crime de auxílio ao suicídio). Analogamente,

interromper a gravidez do feto anencéfalo em razão de sua ínfima possibilidade de sobrevida,

ou em seu curto período, seria insustentável à luz da ordem constitucional, que garante valor

supremo à vida humana.

O voto do ministro Cézar Peluso baseia-se em uma tecnicalidade: o feto anencéfalo

tem vida e, por este motivo, deve gozar de proteção jurídica. De imediato, discorda-se acerca

da impossibilidade de sopesar a vida humana em seus diferentes estágios: prova disso é a

hipótese excludente de ilicitude prevista no primeiro inciso do artigo 128 do Código Penal que

autoriza a interrupção da gravidez caso esta traga riscos para a vida da gestante.

A diferença clara entre o feto anencéfalo e o paciente terminal é a dependência física

com outro organismo vivo já plenamente desenvolvido (no caso, a mãe) que aquele possui para

sobreviver, tendo em vista ainda não existirem métodos artificiais substitutivos ao processo de

desenvolvimento intrauterino. Qual razão lógica poderia ser invocada para defender o desgaste

físico e psíquico da mulher e obrigá-la a nutrir um organismo fadado a morrer logo após seu

nascimento, gestando morte em seu próprio ventre?

Em verdade, o Ministro Peluso fundamenta sua argumentação no fato de que o Estado

brasileiro atual protege indistintamente e indiscriminadamente à vida humana. No entanto, para

o autor do presente trabalho, é essencial a mudança desta mentalidade. Não se pode esquecer o

fim primordial de qualquer processo reprodutivo que é a formação de um novo ser da mesma

espécie.

85 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 384.

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De fato, com o avanço da medicina e do conhecimento científico, surgem novas

questões a serem tratadas e reguladas pelo direito. As novas discussões no campo da bioética

trazem assuntos à ordem jurídica como o direito de não nascer (wrongful birth), o direito à uma

morte digna (eutanásia e ortotanásia), a utilização de células-tronco embrionárias para fins

medicinais, entre tantos outros. Em todos estes, é necessário tratar da proteção conferida à vida

humana e, mesmo embora seja indubitável a necessidade de regulamentação jurídica, a proteção

indistinta do que é vivo em nada contribui para a evolução da humanidade.

Caso se pense nos gametas reprodutivos humanos separados, estes já carregam

potencialidade para formar um novo ser humano. No entanto, conferir-lhes proteção jurídica

semelhante (ou idêntica, utilizando-se da argumentação trazida por Peluso) à de um indivíduo

plenamente desenvolvido parece absurdo, até mesmo porque, em regra geral, a maioria das

células reprodutivas humanas será descartada: se se considerar a média brasileira de filhos como

entre um ou dois por casal, chega-se à conclusão óbvia de que pouquíssimas destas células

realmente atingirão os fins para os quais se destinam.

Porém, quando um espermatozoide masculino fecunda um óvulo feminino, não se

julga tão absurdo conferir à apenas duas células que se fundem proteção idêntica àquela

atribuída a um ser humano plenamente desenvolvido (vide não somente seu voto, mas também

o Estatuto do Nascituro). De fato, há vida no zigoto formado, bem como existe a esperança de

que este venha a desenvolver-se e a formar mais um exemplar da espécie humana. No entanto,

é óbvio para o autor desta monografia tratar-se de duas situações distintas, sendo a

dissemelhança mais gritante a incapacidade de auto sobrevivência do embrião.

Além disso, ao votar pela proteção indistinta da vida humana, o ministro trata com

demasiada frieza o sofrimento humano trazido pela fatídica gravidez de um feto portador de

anencefalia, amplamente relatada em diversos casos ao longo da Arguição: aos olhos do autor

deste trabalho, mesmo embora exista a certeza de que todos os seres vivos morrerão, há também

a incerteza do momento em que seu término ocorrerá. No caso do feto anencéfalo, não há

expectativa de vida extrauterina (sem o auxílio da medicina e da tecnologia humana). Não há

prognóstico, tratamento, eventuais pesquisas para sanar tamanha deficiência. Eis aqui a grande

diferença entre a eutanásia e a interrupção terapêutica do parto: o feto depende do organismo

materno para sobreviver, e não é justo obrigar uma mulher a gestar a morte dentro de seu ventre,

mesmo que as células do feto possuam vida.

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Felizmente, seu voto não se fundamenta em dogmas religiosos, o que em muito agrada

o autor deste trabalho. Mesmo que embutidos em seu discurso, sua linha de raciocínio

permaneceu eminentemente jurídica. Assim, na opinião do autor desta obra, a via judiciária é

ainda a mais adequada, até mesmo porque os argumentos apresentados são racionalmente

rebatíveis. No entanto, evidentemente é impossível para o autor concordar com as afirmações

tecidas pelo Ministro Peluso, já que, aos olhos do autor desta monografia, proteger

indistintamente a vida do feto anencéfalo é prender-se a tecnicalidades, ignorando a própria

realidade de que o feto só tem vida em razão da mãe.

2.1.5 Da Anencefalia

O argumento decisivo dos votos procedentes da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental foi, sem dúvidas, a gravidade da anencefalia fetal, que indubitavelmente

ocasionará em óbito do feto em 100% dos casos, sendo que, em 50% dos casos, a morte se dá

no período intrauterino86.

Thomaz Rafael Gollop aponta que, no Brasil, a anencefalia só ficou popularmente

conhecida em razão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Nos demais

países onde a legislação contempla a hipótese de interrupção da gravidez em razão de graves

anomalias fetais, não foi dado enfoque à tal doença. Desse modo, quaisquer malformações que

inviabilizem a vida extrauterina ficariam abarcadas pela legalidade87. A Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental é, portanto, criticável neste aspecto: o Supremo

Tribunal Federal deveria ter analisado a matéria amplamente, não ficando restrito ao objeto da

86 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 14. 87 GOLLOP, Thomaz Rafael. Anomalias Fetais Graves ou Incuráveis. Disponível em: <http://abortoemdebate.com.br/arquivos/ReformaCodigoPenal_AnexoII.pdf>. Acesso em 8 de setembro de 2014.

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referida ação constitucional justamente porque existem diversas outras doenças tão graves

quanto a anencefalia que ainda padecem de regulamentação ou orientação jurisprudencial.

Quanto a enfermidade em si, Gollop explica que a anencefalia constitui grave

malformação fetal resultante da falha de fechamento do tubo neural, cursando com ausência de

cérebro, calota craniana e couro cabeludo, e ocorre entre o 24º e 26º dia após a fecundação88.

Gollop ainda afirma que um pequeno percentual desses fetos anencefálicos apresenta

batimentos cardíacos e movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por

algumas horas e, em raras situações, por alguns dias.

De fato, existiu discussão acerca da gravidade da doença, bem como de seu

diagnóstico. O Ministro Cezar Peluso, um dos dois ministros que votaram pela improcedência

da ação, ressalta em seu voto que, enquanto os favoráveis à descriminalização do aborto

apontavam a certeza do diagnóstico da anencefalia, os grupos que condenavam a prática

temperaram que a anencefalia não seria algo certo e determinado, mas um conceito fluido,

contínuo, que vai da forma mais grave (a própria anencefalia) a formas menos graves

(meroanencefalia), e que a ciência médica não seria capaz de distingui-las precisamente, através

das técnicas atuais. Em sua linha argumentativa, afirma ser este um dado científico que não

pode ser retrucado89.

No entanto, esqueceu-se Peluso de analisar a letalidade das diversas más formações

cerebrais existentes. Novamente, conforme já dito, existem diversas outras doenças que

inviabilizam a vida extrauterina, e a restrição do objeto da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental à anencefalia cerebral mostra-se insuficiente, já que confere tratamento

jurídico diferenciado a hipóteses semelhantes.

Quanto a letalidade, Peluso afirma que a medicina atual não pode nunca prognosticar

o tempo de sobrevida do anencéfalo90, o que reforça sua linha argumentativa previamente

analisada de preservação da vida do feto, já que a morte é uma certeza universal à todos os seres

88 Cheschier N. ACOG Commitee on Practice Bulletins-Obstetrics. ACOG practice bulletin. Neural Tube Defects.Number 44, July 2003. Int J. Gynaecol Obstet. 2003 Oct. 83(1): 123-133. 89 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 23-26. 90 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 401.

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vivos e, assim, a vida deve ser respeitada independentemente de sua duração. Novamente, o

discurso do ministro carece de sensibilidade: a sobrevida do feto anencéfalo é possível somente

através das técnicas médicas atuais. Aos olhos do autor deste trabalho, não há sentido prolongar

a expectativa de vida do feto anencéfalo apenas para provar que o organismo portador de

anencefalia pode ser mantido vivo às custas da ciência médica, postergando o sofrimento

inevitável à mãe e à família. Tal tratamento só é tolerável para fins de transplante de órgãos,

nos casos em que diagnosticada a morte cerebral e houver o consentimento prévio do paciente,

que se declarou como doador de órgãos, ou de seus familiares.

De todo modo, a maioria dos ministros votaram pela atipicidade do fato, já que a

anencefalia é incompatível com a vida extrauterina. Não faz sentido esperar o desenvolvimento

e nascimento do feto anencéfalo dentro do útero materno, uma vez diagnosticada a doença,

estendendo o sofrimento da mãe e das famílias.

O Ministro Marco Aurélio, citando Thomaz Rafael Gollop, ressalta que o anencéfalo,

tal qual o morto cerebral, não tem atividade cortical, sendo possível considera-lo um morto

cerebral (natimorto)91. Conclui, assim, que a anencefalia configura doença congênita letal, já

que não há possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior:

Citando Cláudia Wernek, o ministro afasta a hipótese de se considerar o aborto nestas

circunstâncias eugênico, já que, em razão da total ausência de expectativa de vida fora do útero,

a anencefalia não pode ser considerada deficiência e, portanto, não cabe questionar se existe

negação do direito à vida ou discriminação92.

Marco Aurélio ainda afasta a hipótese de se considerar a manutenção da gravidez para

fins de doação de órgãos do feto anencéfalo, já que não se pode tratar a mulher como

instrumento para geração de órgãos e posterior doação: ela é um fim em si mesma. Ressalta-se,

nenhum indivíduo é obrigado doar sangue, medula óssea ou quaisquer órgãos, mesmo que tais

atitudes possam salvar vidas93.

Conclui seu raciocínio afirmando que:

91 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 44. 92 Op. cit. p. 49. 93 Op. cit. p. 52

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Os tempos atuais, realço, requerem empatia, aceitação, humanidade e solidariedade

para com essas mulheres. Pelo que ouvimos ou lemos nos depoimentos prestados na

audiência pública, somente aquela que vive tamanha situação de angústia é capaz de

mensurar o sofrimento a que se submete. Atuar com sapiência e justiça, calcados na

Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e

religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente,

sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a

inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de

feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do

Código Penal brasileiro.

Carmen Lúcia compartilha desta sensibilidade defendida por Marco Aurélio,

argumentando que a impossibilidade de abortar constada a anencefalia importa risco à saúde da

gestante, não somente físico, nem somente àquele inerente à qualquer gravidez, mas mental,

visto a tortura psicológica e moral que o dever da gestação de um feto anencefálico impõe a

uma mulher:

A ameaça ao direito à saúde dá-se pela obrigatoriedade de uma mulher manter-se

grávida, mesmo contra sua vontade, após o diagnóstico da inviabilidade fetal. A

maioria absoluta das mulheres opta pela interrupção da gestação após a certeza da

anencefalia no feto. O dever da gestação constitui um ato de tortura do Estado contra

elas, em que a gravidez passa a ser uma experiência angustiante de luto prolongado.

A passagem da glorificação feminina pela gravidez para o luto materno é

continuamente traduzido no 'dilema berço-caixão' descrito por essas mulheres

[...]

Em um ordenamento jurídico laico e plural, não importa se há origem para essa

injustiça ou se ela é imputada à loteria da natureza. Em qualquer uma dessas

explicações, não há agente causador da injustiça de uma mulher gestar um feto

anencefálico: natureza e acaso se confundem. Mas há, sim, mecanismos sociais de

proteção ou de abandono desta mulher. Proibi-la de interromper a gestação, forçando-

a a manter-se grávida de um feto fadado à morte iminente, exigir que ela converta o

sofrimento involuntário em uma experiência mística de sublimação de si e do luto

pelo futuro filho, são tarefas que não cabem a um representante do Estado.94

Percebe-se que tais argumentos podem ser utilizados para fundamentar a

descriminalização de quaisquer outras doenças que causem a inviabilidade fetal: inexistentes a

possibilidade de tratamento, não há que se falar em prorrogação do sofrimento materno, cujo

organismo sustenta a vida do feto enfermo de maneira semelhante aos aparelhos que mantém

pacientes terminais em sobrevida. Entende-se ser possível utilizar tais argumentos até mesmo

para defender a descriminalização do aborto em quaisquer hipóteses, já que realçam a

necessidade de melhor se proteger a mulher, sua dignidade e sua autonomia.

94 BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/acordao-ADPF-54.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014. p. 189.

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2.1.6 Conclusão

Conclui-se, diante do exposto, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição

de Descumprimento de Preceito Fundamental, levantou diversos argumentos que podem ser

utilizados para se defender a descriminalização do aborto, não somente na hipótese de

constatada a anencefalia fetal, mas também independentemente de quaisquer anomalias fetais,

ressalvada a opinião médica quanto a viabilidade do procedimento.

Percebe-se, também, que o órgão é um mecanismo viável de solução de grandes

controvérsias, já que considera o direito das minorias à luz dos preceitos elencados na

Constituição Federal. Mesmo que a laicidade estatal esteja atualmente ameaçada (se é que já

esteve ou estará eventualmente fora de risco), sente-se que a influência dos diversos dogmas

religiosos são ponderados adequadamente, isto é, mesmo embora sejam levados em

consideração, devem ser traduzidos em argumentos pertinentes à ordem jurídica.

Mesmo embora tenham sido analisados dois projetos de lei, a saber, o Estatuto do

Nascituro e o de Reforma do Código Penal, o intuito do autor desta tese de láurea foi demonstrar

a atual improbabilidade de alterações legislativas sobre o assunto aborto. O primeiro deles

restou ser evidentemente inconstitucional, enquanto o segundo deles, em razão de sua pretensão

elevada, pode demorar muitos anos para ser aprovado.

Assim, não há que se falar em postura mínima do judiciário, especialmente frente a

questões de premente necessidade, que envolvam a saúde e a vida de milhares de pessoas. Na

opinião do autor deste trabalho, não há conflito de competências neste caso entre Judiciário e

Legislativo, senão negativo (caso o Judiciário adote tal postura minimalista), já que este

provavelmente não proporcionará as devidas mudanças e aquele declara-se incompetente.

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CAPÍTULO 3 – NECESSIDADE DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO

ABORTO AOS OLHOS DO AUTOR

Primeiramente, convém ressaltar que a descriminalização não importa incentivar a

prática anteriormente tipificada, mas simplesmente a abstenção da aplicação da ultima ratio

estatal para punir o indivíduo que se comportar da maneira anteriormente prevista como delito.

Desse modo, defender a descriminalização do aborto possibilita às mulheres que optaram em

realiza-lo ter acesso a procedimentos médicos seguros e eficazes, resguardando a cada uma

delas o direito de autodeterminar-se. Por esta razão, os motivos que levam uma mulher a abortar

não têm relevância para este estudo, já que, independentemente de quais sejam, dizem respeito

apenas ao indivíduo, em sua singularidade.

Feita esta consideração, inicia-se o debate apontando sua importância: o aborto

inseguro é um problema de saúde pública: segundo dados fornecidos pelo Ministério da Saúde,

1.054.242 abortos foram induzidos em 2005, sendo evidente sua demanda, que o faz ocupar o

papel de uma das principais causas de mortalidade materna (variando entre a quinta e a terceira

posição nesta classificação infausta)95. Tal número ainda é utilizado para se estimar o número

de abortos realizados anualmente, haja vista a dificuldade de obtenção de dados fidedignos (por

motivos óbvios: vergonha, criminalização, desrespeito pelos funcionários de saúde, etc.).

Inegável, portanto, a relevância temática do presente trabalho.

Jennifer Mendes Lemos ressalta que o aborto entre a classe alta resta impune (assim

como tantas outras condutas), já que seus membros podem simplesmente deslocar-se para

países onde tal prática já esteja legalizada, tendo acesso a tratamento médico de qualidade.

Logo, somente as mulheres de classe média e baixa correm riscos de vida caso desejem

interromper uma gravidez, pois não terão alternativa a não ser buscar meios clandestinos de

95 BRASIL. Ministério da Saúde. 20 anos de pesquisas sobre o aborto no Brasil. 2009, Brasília-DF. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livreto.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014.

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realiza-lo96. Por esta razão, afirma-se que o aborto no Brasil é um problema de saúde, e não

criminal.

Lemos ainda pontua que o crime de aborto é difícil de ser provado, pois, assim como

todo delito que deixa vestígios, exige-se o exame de corpo de delito, e a perícia médica necessita

provar tanto a pré-existência de gravidez, de modo a embasar justa causa para propositura da

ação penal, como o fato de que o aborto ocorreu de forma criminosa, o que é extremamente

temeroso, já que existem diversas causas naturais que também ocasionam a perda do feto. Por

estas razões, Lemos, ao citar o entendimento da Sociedade Brasileira de Bioética, realça que a

tipificação da conduta de aborto e a prisão de mulheres que realizam tal procedimento não é

medida adequada para proteger o feto, pois, além de não inibir a sua ocorrência, estigmatiza e

torna as mulheres de baixa renda mais vulneráveis, já que tais mulheres serão as únicas

submetidas ao sistema repressivo penal, e a prática de abortos clandestinos pode acarretar sérios

problemas à sua saúde, sendo uma das principais causas de mortalidade materna, conforme já

mencionado97.

Ainda tratando de dados estatísticos, estima-se que existam mais de sete bilhões de

pessoas no mundo98. Além disso, a humanidade, em razão da má gestão e abuso dos recursos

naturais (renováveis e não renováveis), tem alterado catastroficamente o planeta Terra,

deteriorando o meio ambiente de maneira mais acelerada do que este pode se regenerar99 (vide

aquecimento global). Pois bem: em um planeta superpopulado, qual a necessidade de obrigar

um ser humano a procriar?

Diversas religiões compreendem a procriação como um dos sentidos da vida. A

mulher, encarregada de gestar o embrião, só alcançaria a plenitude de sua existência quando se

tornasse mãe. Na sociedade patriarcal, a mulher desempenha, de fato, apenas este papel (além

96 LEMOS, Jennifer Mendes. A descriminalização do aborto na proposta de reforma do Código Penal. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27412/a-descriminalizacao-do-aborto-na-proposta-de-reforma-do-codigo-penal#ixzz3CtVxuwKE>. Acesso em 10 de setembro de 2014. 97 Nota da Diretoria da SBB sobre a Descriminalização do Aborto no Projeto de Lei do Novo Código Penal. Disponível em < http://www.sbbioetica.org.br/noticia/nota-da-diretoria-da-sbb-sobre-a-descriminalizacao-do-aborto-no-projeto-de-lei-do-novo-codigo-penal/>. Acesso em 14 de setembro de 2014. 98 Organizações das Nações Unidas. ONU: dos 7 bilhões de habitantes do mundo, 6 bi têm celulares, mas 2,5 bi não têm banheiros. 22 de março de 2013. Disponível em: <http://www.onu.org.br/onu-dos-7-bilhoes-de-habitantes-do-mundo-6-bi-tem-celulares-mas-25-bi-nao-tem-banheiros/>. Acesso em 9 de setembro de 2014. 99 Global Footprint Network. August 19th is Earth Overshoot Day: The date our Ecological Footprint exceeds our planet’s annual budget. Disponível em <http://www.footprintnetwork.org/images/article_uploads/EarthOvershootDay_2014_PR_General.pdf>. Acesso em 9 de setembro de 2014.

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de governanta de sua residência). A esterilidade era encarada como um castigo divino,

causadora de muito sofrimento e indutora de diversos e caros tratamentos.

Mesmo embora diversas mulheres ainda vivam tal realidade, e sem desmerecer a dor

daqueles que possuem enfermidades que causem problemas de fertilidade, o panorama atual é

diversificado: as mulheres ganham espaço no mercado de trabalho e as atividades por elas

desempenhadas multiplicam-se exponencialmente. Muitas adiam a gravidez para quando

estiverem financeiramente e profissionalmente estabilizadas, mas ainda são raras aquelas que

optam em não ter filhos, haja vista a incrustação de tais valores.

Não querer gerar descendentes ainda hoje não é uma opinião naturalmente respeitada,

até mesmo crível. Para o autor da presente obra, há problema nesta incredulidade social: as

mulheres são intrinsecamente ligadas à maternidade, indissociáveis à esta, como se fosse um

dever ser mãe.

A taxa de fecundidade - número médio de filhos que uma mulher teria dentro do seu

período fértil - também é um fator interessante à ser analisado nesta discussão. Entre os anos

2000 e 2010, a média brasileira caiu para 1,9 filhos por mulher100.

Além disso, não é tipificado pela sociedade atual não desejar engravidar (e

consequentemente desperdiçar gametas), mesmo embora diversas religiões considerem pecado

usar métodos contraceptivos, como a camisinha. Mesmo embora constate-se o óbvio, convém

sublinhar que lícitos, portanto, são os métodos contraceptivos.

Por fim, também é importante considerar que o aborto é um fenômeno natural, que

pode acontecer espontaneamente, sendo múltiplas as suas causas.

Partindo destes pressupostos, o autor deste trabalho entende que a maioria das células

reprodutivas de um indivíduo da espécie humana, tanto masculinas quanto femininas, serão

desperdiçadas, já que em média apenas uma ou duas destas gerarão um novo espécime. A regra

geral, portanto, é o desperdício de gametas.

100 G1. Taxa de fecundidade no Brasil cai e é menor entre mais jovens e instruídas. Média de filhos por mulher no país chegou a 1,9 em 2010, segundo Censo. Mulheres sem instrução e com ensino fundamental incompleto têm 3 filhos. São Paulo, 17/10/2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/10/taxa-de-fecundidade-e-menor-entre-mais-jovens-e-instruidas-diz-ibge.html>. Acesso em 10 de setembro de 2014.

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Pois bem: se é lícito desperdiçar gametas anteriormente à fecundação do óvulo pelo

espermatozoide humano, por que não o é seu descarte posterior?

Neste ponto, deve-se relembrar a discussão já apontada acerca do caráter abortivo de

diversos métodos anticoncepcionais, como a pílula de contracepção de emergência (do dia

seguinte) e o Dispositivo Intrauterino (DIU). Se se considerá-los abortivos, percebe-se a

existência de tratamento jurídico diferenciado para situações semelhantes, visto que

socialmente aceitos.

Mister se faz adotar postura feminista neste ponto: trata-se o embrião como

indispensável à sobrevivência da espécie humana, imperdível, como se o espermatozoide

santificasse o óvulo, mesmo embora em regra ambos seriam simplesmente descartados.

Muito pelo contrário: o mundo atualmente está superpopulado, os recursos naturais

estão sendo depredados e a espécie humana não se encontra em risco de extinção

(diferentemente de diversas espécies animais e vegetais). Com estas informações, é possível

afirmar que o controle de natalidade voluntário mostra-se um mecanismo de preservação das

futuras gerações, sendo louvável a posição adotadas por aqueles que não desejam ter uma prole,

de maneira semelhante como a adoção é por muitos considerada. Independentemente do

impacto econômico presumível em razão da inversão da pirâmide populacional, é lógico

afirmar que, nas mesmas circunstâncias, um número menor de indivíduos consome menos

recursos que um número maior.

Alguns doutrinadores, conforme apontado, consideram a nidação como marco inicial

para que seja possível a prática delitiva. No entanto, conforme já dito, não se pode concordar

com tal doutrina (nem é a favor desta discussão), pois estar-se-ia afirmando existir uma

indicação tácita de excludente de ilicitude até a segunda semana de gestação. Mesmo embora

seja difícil a prova e a consequente condenação em tais casos, não há que se duvidar da

possibilidademde persecução penal, o que por si só já é degradante. Ademais, se não há

discussão acerca do marco inicial da gravidez (tem-se um consenso de que inicia a partir da

fecundação), não faz sentido discutir o marco inicial para que se considere possível a prática

abortiva.

Conforme dito, tem-se que considerar a extensão da proteção dada ao embrião, que

não deve ser igualável àquela conferida a um indivíduo humano. Convém relembrar que, nas

hipóteses de fertilização in vitro, diversos embriões são preparados artificialmente, sendo que

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nem todos são aproveitados, assim como alguns destes falham no processo de nidação, sendo

descartados naturalmente. Objetivando proteger os embriões não utilizados (que são

congelados), os bancos de reprodução assistida de todo o país armazenaram-nos por anos101,

até que o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 2.013/2013, que autorizou e

regulamentou o desfazimento destes embriões, inclusive sua doação para fins de pesquisa, que

a Lei de Biossegurança (Lei no 11.105/05), em seu artigo 5º, inciso II, já autorizava, desde que

os embriões estivessem congelados há três anos para uso em pesquisas sobre células- tronco,

estendendo o prazo para cinco anos. Tal prazo é estipulado em razão da viabilidade de utilização

destes embriões para fins de fertilização artificial, já que o decorrer do tempo diminui as

chances de sucesso de tratamento e os riscos.

Conclui-se pelo fato relatado que a proteção indistinta conferida às células

reprodutivas e aos embriões humanos é inviável. Ao julgar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade 3.510, o Supremo Tribunal Federal, já posicionou-se acerca da

constitucionalidade da realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, reconhecendo

que o progresso da ciência e da humanidade só é atrapalhado pela regulamentação retrógrada.

No entanto, evidentemente, não há que se falar em ausência de regras. Nesse aspecto,

convém redizer que o Conselho Federal de Medicina já se posicionou a favor da legalização do

aborto até a décima segunda semana de gestação, quando o feto atinge um certo nível de

desenvolvimento do sistema nervoso central. É evidente que haja a necessidade de se impor um

limite temporal para a realização de tal procedimento, tanto para assegurar a saúde da gestante

e o sucesso do tratamento, como para evitar a tortura de um organismo em formação.

Sobre a capacidade do feto sentir dor, existem diversos posicionamentos: uns apontam

que são incapazes102, outros afirmam que ele passa a sentir dor a partir da 24ª semana103, por

exemplo. De todo modo, cabe a medicina definir tais questões, e não ao direito.

101 MARCHIORI, Rafael. Resolução define o destino de 108 mil embriões congelados. Gazeta do Povo. 19 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1373860&tit=Resolucao-define-o-destino-de-108-mil-embrioes-congelados>. Acesso em 14/09/2014. 102 BBC Brasil. Fetos 'não sentem dor', diz especialista britânico. Brasília, 14 de abril de 2006. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/04/060414_fetosemdor.shtml>. Acesso em 14/09/2014. 103 VEJA. Feto humano não sente dor antes de 24 semanas. 25 de junho de 2010. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/saude/feto-humano-nao-sente-dor-antes-de-24-semanas>. Acesso em 14/09/2014.

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Além disso, a criação de um filho é uma importante decisão que, em tese, deveria ser

planejada. O planejamento familiar pode fornecer oportunidade para que um novo ser humano

venha a desenvolver-se plenamente, não se tratando aqui somente do desenvolvimento corporal,

mas também intelectual.

Célebre é a frase que diz que a cura do câncer pode estar presa na mente de uma pessoa

sem educação (autoria desconhecida). De fato, o Estado, no plano ideal, deveria cuidar para

fornecer todo o aparato necessário para o desenvolvimento de seus integrantes, de modo a

alcançar o bem comum, sendo secundária a responsabilidade da família. No entanto, na

realidade, é esta quem cuida primordialmente e principalmente do desenvolvimento dos

indivíduos, em todos os planos (alimentar, cultural, intelectual, etc.).

Assim, a família, como célula mater do Estado, tem papel importantíssimo no

desenvolvimento de um indivíduo, sendo que não ter total controle sobre sua capacidade

reprodutiva pode prejudicar irremediavelmente tanto o desenvolvimento da mulher, haja vista

os sacrifícios e abdicações que terá que fazer para cuidar de sua prole, como a criança que venha

a nascer, em razão de possível instabilidade gerada dentro da família por sua chegada.

De fato, com os mecanismos anticoncepcionais, a mulher foi empoderada

significativamente, podendo impedir que engravide sem abster-se de relações sexuais. Porém,

sabe-se da falibilidade destes mecanismos. Assim, justifica-se a necessidade do acesso a todos

os mecanismos contraceptivos, inclusive os abortivos, de modo que este empoderamento seja

completo.

Um dos argumentos que o autor desta tese de láurea não consegue rebater (e

provavelmente o mais importante deles) é o de que cada combinação entre óvulo e

espermatozoide é única, e a prática abortiva poderia vir a impedir o nascimento de um indivíduo

que traria um bem à humanidade inigualável, como, por exemplo, descobrir a cura do câncer.

Suaviza-se este argumento contra-argumentando com o alegado anteriormente: sem condições

ideais, tal indivíduo não alcançaria seu pleno desenvolvimento, e seu brilhantismo e

singularidade também poderiam ser desperdiçados.

Mesmo que não trouxesse nenhum bem maior, sua singularidade estaria perdida.

Contra este argumento, não há debate. No entanto, a discussão é possível quanto à aplicação da

Ultima Ratio estatal para punir as mulheres que realizam tal procedimento, e o autor deste

trabalho posiciona-se a favor de sua não aplicação.

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CAPÍTULO 4: CONCLUSÕES

O presente trabalho objetivava demonstrar a pré-existência de argumentos jurídicos

necessários à descriminalização do aborto, haja vista terem estes sido utilizados para

fundamentar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54.

Ao analisar a doutrina, percebeu-se a precária regulamentação sobre o tema: como

visto, o Código Penal confere validade ao consentimento da gestante maior de catorze anos para

tipificar a conduta prevista em seu artigo 126, o que, por si só, exclama por melhor tratamento.

Além disto, analisando-se brevemente o Direito Romano, esclareceu-se que nem

sempre a conduta abortiva fora considerado crime, tendo o cristianismo papel principal como

motivador de seu repúdio104. Aprofundando-se ao tema, restou explicado que o dogma cristão

é baseado na teoria da animação imediata da alma, que prega seu surgimento a partir da

fecundação do óvulo. Desse modo, argumentos religiosos devem ser analisados com deveras

parcimônia, visto fundamentarem-se em um mistério. Para o autor desta monografia, a

manutenção da tipificação do crime de aborto em razão de ensinamentos proferidos por esta ou

aquela religião é inviável, haja vista o Princípio da Laicidade Estatal105.

Tal argumento somente se fortifica quando o feto padece de doenças graves. Com o

julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e o abarcamento pela

legalidade da realização do aborto se constatada a anencefalia cerebral, em razão da atipicidade

da conduta, surge uma lacuna: a possibilidade de realização da prática em casos semelhantes,

isto é, quando o feto portar doenças e anomalias que também inviabilizem a vida extrauterina.

De fato, este foi um dos principais pontos criticáveis: para o autor deste trabalho, era

imprescindível que o Supremo Tribunal Federal não restringisse o objeto do litígio, haja vista

a indissociável existência de diversas outras enfermidades tão graves quanto a anencefalia.

Pode-se afirmar que a não ampliação dos efeitos de sua decisão importa conferir tratamento

104 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 11ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1020 páginas. p. 128-153. 105 VERARDO. Maria Tereza. SOUZA, Maria Jucinete de. Aborto - Interrupção Voluntária da Gravidez. Disponível em <http://www.mulheres.org.br/documentos/aborto.pdf>. Acesso em 17 de agosto de 2014. p 5.

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jurídico diferenciado à situações semelhantes. A omissão do Judiciário, in casu, pode ocasionar

a persecução penal de milhares de mulheres. Não convém amenizar tal falha relembrando existir

a possibilidade de absolvição nestes casos, já que cabível a aplicação da excludente de

culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa: o processo penal, per se, é

estigmatizante. Conforme dito, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54

está rica em argumentos descriminalizadores, que poderiam fundamentar a ampliação do objeto

da ação. Reitera-se, a anencefalia e demais doenças graves incompatíveis com a vida humana

constituem objeto indivisível aos olhos deste autor.

Portanto, critica-se a posição minimalista do Poder Judiciário. Primeiramente, por ser

o tema extremamente polêmico e existir controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, conforme

constatado, sendo gritante a necessidade de unificação de entendimento. Segundo porque, aos

olhos do autor desta tese de láurea, não é provável que ocorra qualquer alteração legislativa

(quiçá favorável) à descriminalização do aborto (ou extensão do rol das indicações de exclusão

de ilicitude previstas no artigo 128 do Código Penal). Prova disto são os diversos projetos de

Lei que objetivam agravar a legislação vigente sobre o tema, como o Estatuto do Nascituro, que

pretende excluir quaisquer hipóteses lícitas de aborto.

Mesmo embora existam Projetos de Lei favoráveis à descriminalização (como o

projeto de reforma do Código Penal), é provável que tais alterações sejam vetadas, tanto pelos

próprios membros do Congresso Nacional, quanto pelo Presidente da República. Isto se deve

pois, conforme constatado pelo autor deste trabalho, a laicidade do Estado brasileiro encontra-

se ameaçada na atualidade (se é que houve efetiva cisão entre Estado e Religião em 1891,

quando a Constituição Republicana elencou primordialmente este princípio, ou se será

efetivamente respeitada no futuro), e este fenômeno é perceptível tanto na esfera legislativa,

quanto na executiva e judiciária. Exemplo e prova do que se alega é o grande número de líderes

religiosos no Parlamento, que são eleitos por seus seguidores, a formação de bancadas religiosas

com grande número de integrantes, a existência de decisões judiciais que desrespeitaram

crenças africanas como a umbanda e o candomblé, não as considerando religião, entre tantos

outros.

Na esfera executiva, ressalta-se que as eleições do presente ano (2014) podem

determinar um enfraquecimento ainda maior de tal princípio constitucional. Convém declarar

que temas polêmicos como o aborto e a legalização do casamento civil igualitário, em razão de

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sua íntima e conflituosa relação com dogmas religiosos, foram utilizados pelos políticos para

barganhar votos106.

Convém dizer, por último, baseando-se nas pesquisas que apontam ser a maioria da

população brasileira contra a descriminalização do aborto, que consultas populares (Plebiscito)

acerca do tema também não resultariam em mudança alguma.

Assim, entende-se que a maneira mais viável para que ocorra a descriminalização do

aborto, no cenário atual, é o controle de constitucionalidade concentrado pelo Supremo Tribunal

Federal em razão da violação da dignidade da mulher como pessoa humana, de sua liberdade

no campo sexual, de sua autonomia, de sua saúde, de sua privacidade e de sua integridade física,

psicológica e moral, já que todos estes valores são assegurados constitucionalmente, vide

artigos 1º, inciso III, 5º, caput e incisos II, III e X, e artigo 6º, caput.

Além disto, diversos argumentos evidentemente favoráveis à descriminalização do

aborto já foram utilizados pelo próprio Supremo Tribunal Federal: ao ponderar adequadamente

dogmas religiosos, ao afirmar que obrigar a mulher a prosseguir com a gravidez (de fetos

anencéfalos, mas que, para o autor desta tese de láurea, seria extensível a todos os casos) seria

equiparável à tortura, encarcerando-a em seu próprio corpo, ao apontar a necessidade de

humanização do tratamento conferido às mulheres, que muitas vezes são ponderadas

desfavoravelmente a células em desenvolvimento, entre tantos outros argumentos, a última

instância do Judiciário brasileiro faísca esperança de mudanças favoráveis à descriminalização.

Enfim, buscou-se, com o presente trabalho, acrescentar diversos argumentos ao já

conhecido discurso feminista de que a mulher deve ter domínio sobre seu próprio corpo, sendo

cabível somente a ela decidir se deseja gerar um ser vivo em seu ventre ou não, e sua escolha

deve ser respeitada. Que fique claro, concorda-se com tal posicionamento e, de fato, não

consegue imaginar outra hipótese em que um indivíduo seja obrigado a permitir o

desenvolvimento de outro ser vivo às custas de seu próprio organismo, apenas objetivou

enriquecer o debate. Assim, baseando-se no fato de que a repulsa ao aborto é proveniente de

dogmas religiosos, o mundo está superpopulado e a humanidade está ameaçando o futuro das

gerações que ainda estão por vir em razão da degradação ambiental, não se vê ilicitude em

desejar não procriar. Aos seus olhos, não há diferença entre a mulher que retira os ovários, ou

106 VEJA. Marina muda capítulo sobre casamento gay de programa. 30 de agosto de 2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/marina-tira-capitulo-sobre-casamento-gay-do-programa-de-governo. Acesso em 15/09/2014>.

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realiza a laqueadura, por exemplo, daquela que deseja passar por um procedimento abortivo.

Tratam-se de medidas anticoncepcionais, e todas deveriam ser legalizadas.

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