o olhar da histÓria cultural e social

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2 O OLHAR DA HISTRIA CULTURAL E SOCIAL: CONCEITOS, MTODOS E CAMPOS TEMTICOS IntroduoEsta segunda unidade da disciplina visa aprofundar o estudo da atual faceta de Clio. Tal face revelar mais detalhes sobre a Histria Social e Cultural. Veremos alguns conceitos, mtodos e campos temticos de modo a requerer o seu lugar como um campo de especialidade da Histria.Optamos em dividir o assunto dessa unidade em trs grades tpicos. A primeira parte versar sobre os Conceitos e delimitaes, cujo objetivo delinear alguns conceitos importantes na rea de Histria Social e Cultural.A segunda parte desse estudo abarcar o item 02 e tem como ttulo A metodologia da Histria Social e Cultural: como fazer Histria?. Esse momento muito importante para voc, estudante de Histria, pois assim conhecer os mtodos utilizados pela Histria para construir a interpretao histrica. Por fim, e no menos importante, o ltimo item dessa unidade versar sobre Campos temticos da Histria Social e Cultural. Nesse item importante delimitar os temas que frequentam essas duas reas de especialidade da Histria. Ressaltamos desde j que existe atualmente grande aproximao entre as duas reas de especialidade da Histria. Reforamos novamente que o significado dessa disciplina para voc, que j est se preocupando em definir o seu projeto de pesquisa, poder contar com ferramentas indispensveis discutidas nessa disciplina. Esclarea todas as suas dvidas com o seu professor formador e com a equipe de tutores desse curso. Tenha certeza que todos ns desejamos contribuir e continuar a ver o seu crescimento. Boa viagem por Clio!Topo2.1 EPISTEMOLOGIA: CONCEITOS E DELIMITAES Nossa viagem agora nos conduziu necessidade de compreenso dos conceitos. Isso posto, bom afirmar que para ser considerada rea de especialidade da Histria, necessrio definir, alm dos objetos, os conceitos e os mtodos (abordagens) com os quais analisaremos a sociedade. Isso chamamos, grosso modo, de epistemologia, que o estudo da cincia, de seus mtodos e princpios luz de um enfoque cientfico.Em nosso dia-a-dia comum ouvirmos de algumas pessoas que elas nos tm no mais alto conceito, ou que voc ganhou pontos com algum e subiu no conceito que ela (e) tem de voc. Certamente voc j ouviu isso, mesmo em novelas ou filmes.Voc pode escolher se relacionar com mais frequencia com as pessoas que voc pensa que o tm em alto conceito, ou seja, aqueles que, num certo ponto de vista, viu em voc mais atributos que permitiram compreend-lo e classific-lo como bom, fazendo uma ideia positiva de voc. Este um exemplo simples que denota um dos usos no senso comum do termo conceito. Na cincia, tal termo utilizado como ferramenta mental que torna possvel o conhecimento por parte do intelecto, bem como a operacionalizao da cincia histrica. Sendo assim, conceitos so referncias, so conjuntos de ferramentas que nos permitem conhecer e analisar uma realidade social por parte de operaes de nosso intelecto. Voc pode estar a se perguntar: qual a funo de um conceito? Ora, se o conceito um conjunto de ferramentas que me permite conhecer, a est a sua importncia: o conhecimento. Utilizamos os conceitos para nos referenciar, conhecer e ir alm, aplicando/criando novos conceitos sempre que a complexidade do social e nossas operaes intelectuais assim exigirem. Na unidade I j falamos dos domnios, das dimenses e objetos de Clio. Interessa-nos nesse momento entender melhor a classificao dentro das reas de Histria Cultural e Histria Social.Sendo assim, optamos em demonstrar uma das delimitaes possveis, abordando as linhas de pesquisa definidas na Unicamp. Ressaltamos que em outras universidades a classificao diferente e, cada universidade, justifica as escolhas de suas linhas de pesquisa. Todavia, essas delimitaes servem para melhor estudar a Histria, que, como j dissemos anteriormente, resultado da fragmentao e abertura da Histria para diversas searas do conhecimento. Vejamos a delimitao da Unicamp:rea de Especialidade: Histria CulturalEsta rea de concentrao investiga a produo do conhecimento histrico em mltiplas temticas. Embora abrigue diferentes abordagens, a Histria Cultural assume alguns pontos fundamentais: considera a cultura como dimenso constitutiva do social, mais do que determinada por este; entende que o historiador constri uma leitura do passado, marcada por sua subjetividade, a partir das interpretaes contidas nos documentos-monumentos; assume a importncia da narratividade na historicizao dos acontecimentos.

1. Sociabilidade e Cultura na Amrica Luso-EspanholaEsta linha de pesquisa dedica-se a reflexes sobre a histria e a historiografia dos imprios coloniais da poca moderna. Em termos metodolgicos, os estudos concentram-se nas representaes e prticas culturais das sociedades das Amricas portuguesa e hispnica, e os trabalhos e pesquisas incidem atualmente sobre temas ligados cartografia e navegao, religio e religiosidade, histria da leitura, e alimentao, alm de temticas que envolvem as especificidades e intercmbios poltico-culturais entre as metrpoles e suas respectivas colnias.Esta linha de pesquisa Docentes da Linha: Leandro Karnal; Leila Mezan Algranti; Paulo Celso Miceli.

2. Gnero, Identidade e Cultura MaterialEsta linha de pesquisa aborda temas e problematiza questes ligadas sexualidade e produo das subjetividades, da expresso artstica e da cultura material. Investiga as formas histricas de manifestao do poder e dos contra-poderes, articulando-as aos conceitos de classe, gnero e etnia. Docentes da Linha: Luzia Margareth Rago; Pedro Paulo Abreu Funari, Jorge Coli (Prof. Convidado), Maria Margaret Lopes (Prof Participante); Andr Leonardo Chevitarese (Prof. Participante).

3. Narrativas e representaesA linha de pesquisa volta-se ao estudo das linguagens, da literatura, das artes, das ideias filosficas e polticas, dos sistemas religiosos como prticas de significao histricas e culturais que tratam da organizao de atividades, instituies e relaes em diferentes momentos histricos. Tem como objetivo central desvendar subjetividades, identidades, modelos literrios, gneros narrativos e retricos, simbolismos e temticas localizadas em espaos e temporalidades diferenciadas.So eixos centrais de pesquisa dos docentes que compem a linha: a) Questes terico-metodolgicas da Histria das Religies e das relaes entre Gnero e Religio; histria dos movimentos religiosos nos sculos XIX e XX no Brasil; Hagiografia e Histria das Igrejas Cristo no Medievo; b) As relaes entre cultura, poltica e sociedade na Amrica hispnica dos sculos XIX e XX, debatendo questes relativas a temas, conceitos e movimentos nos recortes espaciais e cronolgicos definidos; c) A Histria das imagens e da cultura visual como um conjunto de prticas e discursos que constituem formas de experincia dentro de determinadas circunstncias histricas e culturais.Docentes da Linha: Eliane Moura da Silva, Jos Alves de Freitas Neto, Neri de Barros Almeida.

Adaptado do site oficial do Instituto de Cincias Humanas da UNICAMP. Fonte: http://www.ifch.unicamp.br/pos/historia/index.php?texto=linhaspesquisa&menu=menulpesquisa Acesso em 09/07/2009Voc deve ter observado que ao delimitar as linhas de pesquisa, alguns conceitos so tambm aplicveis. Destacaremos aqui alguns, como: sensibilidade, cultura, prtica, representao, gnero, identidades, subjetividades, smbolos, etc. Ao analisar o quadro que compe a Histria Social, voc perceber a interpenetrao do uso dos conceitos nessas reas. Vejamos. rea de Especialidade: Histria SocialEsta rea dedica-se ao estudo das relaes sociais e seus significados para os diversos sujeitos histricos. A nfase das pesquisas recai sobre as prticas dos grupos subalternos, suas relaes horizontais e verticais de confronto e solidariedade, bem como sobre os processos de construo de identidades e diferenas. Interessam tambm aos pesquisadores desta rea as maneiras pelas quais tais grupos foram vistos e representados por intelectuais, autoridades, empresrios e outros agentes com os quais se defrontam em diferentes situaes de sua experincia cotidiana.

1. Histria Social da CulturaEsta linha de pesquisa desenvolve uma reflexo poltica, historiogrfica e metodolgica sobre o universo da cultura centrada nos sujeitos histricos e em sua diversidade, enfocando os confrontos culturais presentes em diferentes espaos e prticas sociais. Trs grandes eixos articulam o conjunto de trabalhos em andamento: um dedica-se a verificar os limites e possibilidades das abordagens apoiadas em critrios tnicos e raciais, enfatizando a experincia de negros, africanos e seus descendentes. Outro volta-se especificamente para os intelectuais, em especial os literatos e folcloristas, que pensaram, tematizaram e investigaram aquilo que definiam como "o popular". O terceiro toma como objeto justamente a abstrao que foi colocada no lugar destes diversos sujeitos, ou seja, "a Nao" ou "o Povo" em suas tradies festivas e coletivas das ruas, procurando mltiplos significados em situaes que a bibliografia elegeu como expresses da identidade brasileira.Docentes da Linha: Robert W. Slenes; Sidney Chalhoub; Silvia Hunold Lara; Luiz Fernando F. Rosa Ribeiro; Maria Clementina Pereira Cunha.

2. Histria Social do TrabalhoEsta linha tem como tema principal o mundo do trabalho, sem que isto signifique uma delimitao rgida dos objetos de pesquisa. Interessam tanto participaes individuais quanto coletivas que, de algum modo, apresentem vnculos histricos com as experincias do trabalho. A linha contempla estudos dos movimentos sociais, dos processos produtivos, da tcnica, das instituies, da cultura, do lazer, da sade, etc., relacionados com a histria dos trabalhadores urbanos e rurais. So tambm objeto de anlise, os diferentes projetos polticos, os movimentos formais e informais, os valores e concepes que informam as relaes de classe.Docentes da Linha: Cludio Henrique de Moraes Batalha; Fernando Teixeira da Silva, Michael McDonald Hall; John Manuel Monteiro, Leonardo Affonso de Miranda Pereira (Prof. Participante); Hector Hernan Bruit Cabrera (Prof. Participante); Beatriz Kushinir (Prof Participante); Marco Aurlio Garcia (Prof. Convidado).

3. Histria Social da fricaEsta linha surge dos estudos relacionados escravido levados a cabo por pesquisadores da Linha de Histria Social da Cultura. Seu interesse primeiro a pesquisa de espaos e contextos informados por identidades, prticas e pensamentos vinculados frica, propondo uma juno entre pesquisadores da rea nos Departamentos de Antropologia e Histria. Um eixo essencial a construo dessas identidades, prticas e pensamentos atravs do espao e do tempo em situaes transnacionais e diaspricas. Docentes na Linha: Robert Wayne Slenes, Luiz Fernando Ferreira da Rosa Ribeiro, Omar Ribeiro Thomaz (Professor participante).

Existem mais duas reas.

Adaptado do site oficial do Instituto de Cincias Humanas da UNICAMP. Fonte: http://www.ifch.unicamp.br/pos/historia/index.php?texto=linhaspesquisa&menu=menulpesquisa Acesso em 09/07/2009Observamos tambm o uso dos conceitos em Histria Social. Podemos destacar do quadro os conceitos de cultura popular, identidade, cotidiano, prtica, diferena e muitos outros subentendidos na descrio.Sabemos que o novo mundo de Clio um universo sem fronteiras e verdades absolutas. Sabemos que ele constitudo de verdades hoje e de inverdades amanh, ou melhor, verdades construdas agora e desconstrudas depois. Todavia, os resultados so os mais prximos do que possa ter acontecido no passado. Optamos em trabalhar alguns conceitos utilizados na histria Social e Cultural, bem como destacando estudos acadmicos que os aplicam. Os prximos itens discutem tais conceitos.

2.1.1 Conceito de RepresentaoO conceito de representao em Histria Cultural foi apropriado pelos historiadores a partir dos estudos antropolgicos. Lembra que j dissemos anteriormente que havia aproximao entre essas cincias? Vamos entender melhor o que esse conceito e analisar um exemplo onde ele aplicado. Representao categoria central de anlise para a Histria Cultural, pois ela quer estudar o passado por meio das representaes criadas para exprimir a viso, os valores e os cdigos utilizados/criados pelos homens e mulheres de uma dada poca. Segundo Roger Chartier (2002), o objetivo da Histria Cultural identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social construda, pensada, dada a ler. Para ele, Mais do que o conceito de mentalidade, ela (representao) permite articular trs modalidades de relao com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho de classificao e de delimitao que produz as configuraes intelectuais mltiplas, atravs das quais a realidade contraditoriamente construda pelos diferentes grupos; seguidamente, as prticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira prpria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posio; por fim, as formas institucionalizadas e objectivadas graas s quase uns (instncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visvel e perpetuada a existncia do grupo, da classe ou da comunidade (p.23).

A problemtica do mundo como representao, moldado atravs das sries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz, segundo Chartier, obrigatoriamente a uma reflexo sobre o modo como uma figurao desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que do a ver e a pensar o real (CHARTIER, 2002, p.23).Esse conceito permite pensar que o passado s chega at ns por meio do que foi representado. O ato de representar lida diretamente com o social, pois essa categoria procura definir o que o real para um dado grupo/indivduo, alm de lidar com o social e o real no sentido de que as representaes surgem de esquemas intelectuais que demarcam e fornecem dados pra compreenso da realidade social. Devemos compreender ainda que tais representaes brotam da tenso entre as representaes individuais e coletivas. Isto nos leva a pensar nas representaes definidoras das identidades sociais, as quais podem ser definidas quando um grupo partilha um referencial comum que lhe permite entender o mundo e a si prprio. As prticas sociais seriam, nesse sentido, os elementos pelos quais os grupos sociais exprimem a sua maneira de ser e estar no mundo. Cabe lembrar que esse conceito recebe crticas como a de Ronaldo Vainfas e Pierre Bourdieu, que afirmam que tal conceito permite dar sentido ao social apenas no terreno das prticas culturais, entendendo os sujeitos sociais como transparentes em suas aes. Em linhas gerais, a ideia de representao trabalha com o regime da plausibilidade e da verossimilhana. Nesse sentido, algo que representado no mimetizado, ou seja, no lidamos com a ideia de cpia do real, mas da verossimilhana que lembra os atributos do objeto representado. Tomemos um exemplo para ilustrar a categoria de anlise representao.

Figura 13: Pintura Tiradentes esquartejado (1893)leo sobre tela de Pedro Amrico 262 x 162 cmFonte: Museu Mariano Procpio, Juiz de Fora MG.

A figura de nosso exemplo uma pintura do final do sculo XIX e representa um episdio que ocorreu em Minas Gerais no sculo XVIII - o enforcamento de Tiradentes. Para aplicarmos o conceito de representao a essa pintura, teramos que entender que: Essa pintura no a realidade, no uma cpia, no um reflexo. uma representao construda por uma dada sociedade; O pintor pode ser visto ou entendido como um filtro cultural (assim como os fotgrafos) que percebeu atributos, configuraes de uma poca passada (sculo XVIII) e a sua prpria poca (XIX) para construir o seu quadro representativo do enforcamento de Tiradentes; Ao observamos a figura, vemos que ela apresenta algo de novo, que recoloca uma ausncia (que o movimento da Inconfidncia e o enforcamento de Tiradentes) tornando-a uma sensvel presena sob o olhar dos homens do sculo XIX. Observamos ainda que h associao, identificao e reconhecimento do que representado nessa figura no apenas com o movimento de Inconfidncia Mineira e o Tiradentes, mas com atributos considerados importantes pela sociedade do sculo XIX. Destacamos, por exemplo, o forte apelo tragdia ocorrida com a de Jesus Cristo. Da entendemos que as representaes so portadoras de simbologismos. Ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram e anunciam (PESAVENTO, 2004, p.41).As representaes no possuem valor por serem verdade, mas o seu valor estabelecido por evocar o real, por representar, ou melhor, por serem verossmeis (semelhante, parece, provvel). Segundo Sandra Jatahy Pesavento, podemos resumir o conceito de representao para a Histria Cultural como sendo um modo de decifrar a realidade do passado por meio das suas representaes, tentando chegar quelas formas discursivas e imagticas, pelas quais os homens expressam a si prprios e o mundo (PESAVENTO, 2004, p.42). Vejamos um exemplo.As personagens Mes-Terra que predominaram na fico angolana antes e a partir desse perodo (1948, Movimento Vamos Descobrir Angola), alm de representarem a mulher negra violada sexualmente pelo colono portugus, tambm simbolizavam a terra angolana (e africana) invadida por ele. Essas mes negras sofredoras eram metforas de uma Angola e uma frica vtimas de um perverso sistema colonial. Assim, os escritores angolanos refletiam atravs da literatura a misria humana e social que o colonialismo impunha aos filhos de frica.A Me-frica simboliza tambm a ancestralidade africana, que pode ser entendida como uma Grande Me mtica, um princpio maternal que permeia a sociedade e a natureza africana, identificado pelo antroplogo ingls Victor Turner (apud FORD, 1999), ou as origens africanas relegadas pelo longo perodo de dominao colonial, havendo, portanto, na configurao do smbolo, a aproximao dos elementos: biolgico, geogrfico, poltico, social, cultural e mtico (SANTOS, 2007, p.41).

Figura 15: Me frica de Suzart.Fonte: http://artsuzart.blogspot.com/2008/12/suzart-o-rei.html Acesso 09/07/2009

Podemos ainda destacar os relevantes exemplos tratados pelo Professor Eduardo Paiva ao analisar as mulheres pintadas por Debret. Para ele, uma leitura mais atenta e atualizada dessas representaes oitocentistas explicita, ento, a importncia da iconografia para as novas geraes de historiadores brasileiros (PAIVA, 2002, p.98).Voc j deve ter percebido que exige-se muito do historiador que quer trabalhar com esse conceito, pois ele precisar ler cdigos e signos de tempos diferentes do seu. Ainda, compreender as maneiras pelas quais elas foram filtradas (pintores, fotgrafos, escritores, etc.) pelos que produziram os indcios com os quais os historiadores trabalharo (as fontes). Todavia, essa concepo vem muito a calhar na aplicao de trabalhos monogrficos que forem produzidos no campo da Histria Cultural.2.1.2 Conceito de ImaginrioOutro conceito importante que precisamos entender o de imaginrio. Abrindo um dicionrio, como o Aurlio, por exemplo, leremos que imaginrio algo ilusrio; fantstico; aquilo que obra da imaginao. Todavia, vamos aprofundar um pouco mais a noo de imaginrio, passando por Bronislaw Baczko e Cornlius Castoriadis, chegando a uma concepo mais aceita na Histria. Para Jacques Le Goff, o imaginrio uma forma de realidade, um regime de representaes que do sentido ao mundo, ou melhor, aquilo que o homem considera como realidade, para Le Goff, seria o prprio imaginrio. Os elementos constitutivos do imaginrio que atravessam os tempos, assinalando as maneiras de pensar e dos homens construrem suas representaes sobre o mundo so denominadas de arqutipos, segundo a tica da antropologia. A Psicologia tambm contribuir para a formulao desse conceito: sob influncia da Jung, a ideia de dinamismo nos arqutipos, que conjugam as formas dadas pelo inconsciente e o retrabalho pelo consciente (PESAVENTO, p.46). Enfim, como esse conceito pode ser entendido? Segundo o historiador Lucian Boia, tanto as permanncias quanto as mudanas e/ou reelaboraes nas construes imaginrias dos arqutipos de cada poca fazem parte do conceito de imaginrio. Para que o historiador consiga acessar os arqutipos, preciso que eles, de alguma maneira, tenham deixado rastro (imagem, escrito, fala) sobre sua existncia para que o historiador possa acess-los. (PESAVENTO, p.46-7) A categoria imaginrio capaz de fornecer subsdios para o estudo da realidade: do vivido e do no-vivido; do desejado, do temido, do desconhecido. Em todas as situaes que pudermos imaginar, temos que ter a certeza de que o sistema imaginrio tem como seu referente o real, ou seja, sempre se refere ao homem e sua maneira de viver, expressar e de sonhar. Vejamos o exemplo do personagem Jeca Tatu.

Figura 16: Jeca Tatuzinho Monteiro Lobato. Fonte: http://devaneioliterario.blogspot.com/2008/09/monteio-lobato-foi-uma-personalidade.html Acesso 09/07/2009

O personagem Jeca Tatu criado em 1918, por Monteiro Lobato, um bom exemplo que facilitar a nossa compreenso do significado do termo imaginrio. Segundo PAIVA, o personagem era distante em tudo do homem dito civilizado: o comportamento e as doenas que sofria em nada eram modernas. A preguia sucumbia o Jeca Tatu. A alegoria era perfeita, o Jeca Tatu era o Brasil atrasado e doente que necessitava, urgentemente, de remdios eficazes. A indolncia e a preguia marcaram a representao do mestio no incio do sculo XX (PAIVA, p.74).

Figura 17: Cena do filme Jeca Tat, de 1959, dirigido por Milton Amaral, com Mazzaropi e Geny Prado.Fonte: http://jenipapo.zip.net/arch2007-08-01_2007-08-31.html Acesso em 09/07/2009

Para promover um aprofundamento da nossa compreenso sobre os arqutipos do imaginrio, vamos novamente lanar mo de exemplos. Considerando que todas as sociedades possuem seus sistemas imaginrios de representao, sistemas de construo de verdades, certezas, mitos e crenas, pensemos o caso dos arqutipos construdos em torno de Tiradentes, mineiro envolvido na Inconfidncia Mineira, do qual j falamos anteriormente.

Figura 18: Pintura Tiradentes esquartejado (1893)leo sobre tela de Pedro Amrico 262 x 162 cm. Museu Mariano Procpio, Juiz de Fora/ MG.

Ao longo do tempo, ns construmos a sua imagem semelhante quela de Jesus Cristo, ou seja, ao arqutipo cristo da crucificao e da dor e vitimizao gerada por esse episdio milenar. Na realidade, a pintura de Pedro Amrico nos remete ao imaginrio cristo por apresentar algumas pistas, tais como: a semelhana do Tiradentes pintado no quadro de Pedro Amrico (construdo) com a imagem de Cristo; relacionamos a dor da crucificao com a dor do enforcamento, por exemplo. Tudo isso nos permitiu fazer algumas dessas aproximaes e entender sobre o que pensavam os homens do sculo XIX (do que o sculo XVIII), assim como aproximar o quadro pintado de Tiradentes e a imagem de Cristo, podemos dizer que so os arqutipos imaginrios. Analisemos ainda uma pintura recente sobre a Inconfidncia Mineira, de 1986.

Figura 19: Pintura de Joo Cmara da Silva, Mural da Inconfidncia mineira de 1981/1986. Acrlico sobre tela, 400x700 cm Panteo da Ptria Tancredo Neves/Braslia. Fonte: http://www.sc.df.gov.br/cgi-sys/suspendedpage.cgi Acesso em 09/07/2009.

Observamos que novos arqutipos foram inseridos, tais como a ideia da liberdade, representada pela lamparina. O corpo de Tiradentes, embora esquartejado, deixa mais ntida a ideia da crucificao e o fato de podermos perceber que em toda a obra perpassam tringulos em sua composio, smbolo do movimento mineiro. 2.1.3 Conceito de circularidade cultural

Figura 20: O queijo e os vermes Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_6BqHXcX6KTc/SISwKQZj-uI/AAAAAAAAANg/6A3IiV-CyQs/s400/P1010911.JPG Acesso em 14/01/2010.

Este conceito outra categoria importantssima para a Histria e relaciona-se com o de cultura popular. Para Ginzburg, o conceito de cultura popular um conjunto de atitudes, crenas, cdigos de comportamento prprios das classes subalternas num certo perodo histrico (VAINFAS, 1997, p.151). Na realidade, para esse historiador no h uma viso de imposio de uma classe dominante sobre uma subalterna, mas sim a valorizao da cultura popular por oposio cultura letrada ou oficial das classes dominantes. Tambm, a cultura popular para Ginzburg (1989) se define por se relacionar com a cultura dominante e dela filtrar aspectos da vida social de acordo com os valores e condies de vida da classe popular. obvio supor que o inverso tambm ocorre, ou seja, a cultura dominante tambm filtra, a seu modo, aspectos da cultura popular. A esse trnsito Ginzburg chamou de circularidade cultural.O livro de Ginzburg que trata desse conceito O queijo e os vermes (1987), em que ele analisa a trajetria de um moleiro (Domenico Scandella, conhecido como Mennocchio), advindo das classes subalternas e condenado pelo Santo Ofcio (a Inquisio) a morrer na fogueira por suas heresias Igreja. Sobre o personagem deste livro vale a pena conhecer um pouco mais. Mennocchio era um moleiro respeitado na comunidade, era autodidata e alfabetizado (lia o Alcoro e Deccameron). No processo inquisitorial, inicialmente declarou-se moleiro, carpinteiro, marceneiro e, com o desenrolar do processo, afirmava ser filsofo, astrlogo e profeta. As crticas de Menocchio Igreja Catlica eram as seguintes: a virgindade de Maria foi forjada, assim como a Criao do mundo por Deus, a crucificao de Jesus, os Evangelhos, a adorao de imagens, o inferno e diversos outros pontos base dos dogmas catlicos. Criticava o poder dos ricos e da Igreja, grandes proprietrios de terra e igualmente exploradores da populao. Em 1584, foi condenado e retirado do convvio com os camponeses. Ele ainda gozava de privilgios entre os camponeses e continuava a pregar as suas ideias, o que gerou um segundo julgamento (1598), tortura e definitivamente a sua morte na fogueira. Este livro de Ginzburg o exemplo clssico de circularidade cultural. Vale ainda ressaltar que atualmente os historiadores vm tomando conscincia de que as categorias cultura popular e cultura erudita so dinmicas, mutantes e forjadas por mediaes, tendo caractersticas prprias em cada contexto histrico especfico, no fazendo sentido manter a separao entre os populares e a elite, pois os valores e crenas circulam e so apropriados por esses segmentos sua maneira. 2.1.4 Conceito de sensibilidade e alteridade A explicao histrica da Histria cultural vale-se de conceitos como os de sensibilidade e alteridade. Grosso modo, as sensibilidades lidam com o subjetivo, o emocional, as percepes e os sentidos dos indivduos. Considerando que os homens aprendem a traduzir o mundo em razo e sentimentos, estes tambm precisam ser estudados pela Histria Cultural, pois (...) as sensibilidades seriam as formas pelas quais indivduos e grupos se do a perceber, comparecendo como um reduto de traduo da realidade por meio das emoes e dos sentidos. Nessa medida, as sensibilidades no s comparecem no cerne do processo de representao do mundo, como correspondem, para o historiador da cultura, quele objeto e capturar o passado, prpria energia da vida (PESAVENTO, 2004, p.57).

Cabe ao historiador encontrar a forma como essas sensibilidades se deixam apreender, pois toda experincia sensvel do mundo partilhada se d a conhecer por vestgios verificveis pelo historiador. Exemplos claros do que seriam essas sensibilidades na Histria seriam ritos e imagens que expressam sonhos e medos. Estas sensibilidades podem se referir a algo que no possua existncia comprovada, entretanto ressaltamos que as sensibilidades so pensadas exatamente nesse lugar do sensvel, na realidade do sentimento. Desta maneira, podemos acessar o mundo do indivduo, das subjetividades e das trajetrias de vida.

Figura 21: Livro Histria do medo no OcidenteFonte: http://www.travessa.com.br/HISTORIA_DO_MEDO_NO_OCIDENTE_1300_1800_UMA_CIDADE_SITIADA/ artigo/d6c54e2b-f01d-46fa-b4b2-25bb2cf39f97 Acesso em 10/09/2009.

Tomemos o exemplo do livro a Histria do Medo no Ocidente. O objeto de estudo desse livro de Jean Delimeau o medo. Ele trabalhar com os pesadelos mais ntimos do ser humano no perodo do sculo XIV ao XVIII: o mar, os monstros, as trevas, a peste, a fome, a bruxaria, entre outros. Trilhando essa mesma perspectiva, no livro O pecado e o medo, desse mesmo autor, observamos uma viagem pelas sensibilidades do homem. Em palestra realizada no Brasil, esse historiador francs da Histria das Mentalidades fala do medo e do pecado na histria ocidental. Outro conceito importante para a Histria Cultural o de alteridade. A verso dicionarizada do termo nos diz: qualidade do que outro. No sentido do que o outro, podemos pensar que os grupos sociais que construram representaes do mundo diferentes - em cdigos e valores s representaes prprias do meu grupo, o estabeleceram de diferentes maneiras. Cabe ao historiador da cultura perceber e analisar como a diferena foi representada pelos grupos homens. Franois Hartog, citado por Pesavento (2004), afirma que este outro no tempo, esta alteridade a ser construda pelo discurso ser percebida por operaes mentais que lidam com a comparao e a analogia, com a diferena e a inverso. Se assim, destacamos ento queO que importa acentuar que essa diferena, alm de ser produzida historicamente no plano das condies sociais de existncia, tambm construda, forjada na percepo de quem v e enuncia o outro, descrito e avaliado pelo discurso, figurado e representado por imagens. H uma produo imaginria deste ouro, que afirma a alteridade e a diferena, no tempo e no espao. (PESAVENTO, 2004, p.60).Podemos compreender melhor esse conceito se nos transportarmos ao tempo em que os viajantes europeus, sedentos por saber mais sobre os povos exticos das terras recm conhecidas, passaram a representar, por meio de textos e figuras, os modos de vida que viram.O exemplo mais comum o do alemo Hans Staden, que provavelmente esteve aprisionado entre os ndios tupinambs no sculo XVI e publicou para o mundo informaes sobre os costumes dos indgenas.

Figura 22: Desenho de Jean de Lery a partir de relatos do viajante alemo Hans Staden no sculo XVI. A figura demonstra o ritual de canibalismo provavelmente praticado pelos indgenas tupinambs.Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cannibals.23232.jpg Acesso em 09/07/2009

Interessa-nos destacar aqui para vocs que a Europa enxergou o ritual da antropofagia como horrendo, coisas de um povo atrasado e tantos outros atributos pejorativos. Quando pensamos no conceito de alteridade, essas opinies caem por terra. Apesar disso, essa figura representa um determinado modo de ver o novo mundo pelos olhos europeus, num dado momento de sua histria. Considerando que o outro (o indgena) foi visto de uma dada maneira pelo viajante, necessariamente precisamos utilizar o conceito de alteridade para no cairmos em armadilhas interpretativas. Vejamos que o viajante que demonstrou medo e covardia no foi devorado no ritual antropofgico, como podemos perceber na FIG. 22. Qual teria sido o motivo? Exatamente porque demonstrou medo e sua carne no seria digna de ser devorada por um valente Tupinamb. O ritual de antropofagia no se justifica pela fome orgnica, mas sim por expressar um ritual onde os indgenas se apropriam da fora e da coragem do ser que ser devorado. Nesse sentido, precisamos parar para refletir sobre o significado das expresses culturais dos diferentes entre ns. Agindo dessa maneira, perceberemos a complexidade da sociedade que estudamos. Todo historiador que se preza no utiliza sua mundiviso para interpretar a viso do outro. Desta maneira, a produo de identidade sempre dada com relao a uma alteridade com a qual se estabelece a relao.

Figura 23: A foto expressa a desigualdade em nosso pas. Fonte:http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/visit.php?cid=17&lid=3718 Acesso em 09/07/2009

Figura 24: Muro de escola primria em Ashkelon, cidade na costa de Israel, pichado com imagem do lder nazista Adolf Hitler e uma sustica. A imagem foi coberta posteriormente pelas autoridades israelenses, que investigam a autoria da pichao ofensiva. (Foto: AP Photo/Tsafrir Abayov). Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/capa/foto/0,,11681537,00.jpg Acesso em 09/07/2009

2.1.5 Conceito de Cotidiano muito comum utilizarmos o termo cotidiano frequentemente em nosso dia-a-dia. A Histria tambm se preocupa com esse termo a ponto de entend-lo como uma categoria de anlise. Todavia, devemos ter em mente que cotidiano tambm um conceito da Histria. Conceito complexo que se relaciona com a vida como um todo: indstria, indumentria, capitalismo, gestos repetidos, transformao de algo inovador em hbito, costume. Para Mary Del Priore (1997, p. 274), a histria do cotidiano a histria dos pequenos prazeres, dos detalhes quase invisveis, dos dramas abafados, do banal, do insignificante, das coisas deixadas de lado. Entretanto, a aparente miudeza esconde a imensido e a complexidade da vida. Assim, cotidiano tambm aquilo que se repete, rotineiramente, e que quase imperceptvel.

Figura 25Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_TpwGmavnUcI/SiRpNVI ESUI/AAAAAAAAAdw/XHjzB_nTl84/s400/mucamas.jpg Acesso em 09/07/2009

Caso voc queira desenvolver o seu estudo de monografia utilizando o cotidiano como conceito, dever se questionar sobre os aspectos mais comuns e rotineiros da vida das pessoas, tais como as prticas e rituais que caracterizam o dia-a-dia das pessoas comuns. So temas interessantes para investigao aqueles que interrogam sobre como os indivduos viviam, namoravam, noivavam e casavam, moravam, se divertiam, eram educados, nasciam e morriam. Observe a figura e discuta no ambiente web virtualmontes as caractersticas observadas na imagem que caracterizam o cotidiano.

Figura 26: Foto do Acervo PortinariFonte: http://www.edhorizonte.com.br/arquivos/imagem_109.jpg Acesso em 09/07/2009

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2.2 METODOLOGIA DA HISTORIA SOCIAL E CULTURAL: COMO FAZER HISTRIA?

Os termos como e estratgia facilitam o nosso entendimento sobre o fazer histria no trabalho do historiador. Desde Lucien Febvre os historiadores buscaram questionar e entender o documento histrico com o olhar de guia. Cuidadosamente as mensagens contidas num documento so decodificadas, interpretadas, questionadas e esmiuadas. Esse trabalho requer do historiador perspiccia, elaborao de perguntas e problemas que possam realmente conhecer a experincia, a representao social e cultural de uma dada sociedade. 2.2.1 Paradigma indicirio, mtodo de montagem e descrio densaA estratgia de fazer Histria na Histria Social e Cultural tem apresentado aproximaes, todavia mais comum Histria Cultural o uso de pelo menos trs mtodos de fazer histria: o primeiro deles baseado em Carlo Ginzburg, que o representante do mtodo denominado paradigma indicirio. O segundo mtodo do qual nos ocuparemos ser o da montagem, e seu principal representante Walter Benjamin. E por fim entenderemos tambm um mtodo de descrio densa, muito difundindo entre os antroplogos e seu maior representante Clifford Geertz. QUADRO 3: MTODOS UTILIZADOS EM HISTRIAPARADIGMA INDICIRIOMTODO DE MONTAGEMMTODO DE DESCRIO DENSA

Principal representante: Carlo GinzburgPrincipal representante: Walter BenjaminPrincipal representante: Clifford Geertz

Nesse mtodo o historiador comparado a um detetive, considerando que o mesmo precisa decifrar enigmas e dar a ver um enredo ou segredo. O que o move so as suspeitas e as pistas que vai encontrando no processo da pesquisa. preciso ir alm do que dito, do visto e do representado. O olhar volta-se para os detalhes e as nuances. Como mdico, o historiador busca os sintomas para compreender os sentidos. Como crtico de arte, o historiador perscruta alm do primeiro plano que visto e busca os detalhes para analis-los em relao ao conjunto.Para Benjamin preciso percorrer os traos e registros do passado para realizar com estes uma construo, ou melhor, um quebra-cabea que produzir algum sentido, pois que as peas desse quebra-cabea iro se articular compondo e justapondo, cruzando-se em todas as combinaes possveis, de modo a revelar analogias e relaes de significado. Ou ento se combinam por contraste, a expor oposio ou discrepncias. Diante de tudo isso, algo ser revelado, conexes sero desnudadas, explicaes se oferecem para a leitura do passado. este o mtodo da grelha ou de cruzamentos.Este mtodo foi apropriado da Antropologia. Deve-se descrever a realidade observada em seus mnimos detalhes e correlao de significados possveis, explorando as fontes em seu significado mais profundo. Utilizando esse mtodo no iremos apenas descrever densamente o objeto, mas aprofundar a anlise do mesmo, explorando todas as possibilidades interpretativas que ele oferece, o que poder ser dado por meio de um intenso cruzamento com outros elementos observveis no contexto ou fora dele. Assim, de acordo com esse mtodo, pode-se dizer que a histria seria uma fico controlada.

Fonte: Adaptado de PESAVENTO, Sandra Jathay. Histria e Histria Cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2004, p. 63-66. No basta descrevermos os mtodos. preciso aprofundar um pouco mais. Vale lembrar os detalhes a que Ginzburg se refere. Vejamos: preciso no se basear, como normalmente se faz, em caractersticas mais vistosas, portanto mais facilmente imitveis (...) Pelo contrrio, necessrio examinar os pormenores mais negligenciveis, e menos influenciados pelas caractersticas da escola a que o pintor pertencia: os lbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mos e dos ps. Dessa maneira, Morelli descobriu, e escrupulosamente catalogou, a forma de orelha prpria de Botticelli, a de Cosme Tura e assim por diante: traos presentes nos originais, mas no nas cpias (GINZBURG, 1989, p.144).

Assim, a proposta que o Historiador haja tendo em vista a observao dos detalhes aparentemente sem importncia em detrimento do que visvel. O mtodo do paradigma indicirio chama a ateno exatamente sobre as regras mudas, aquelas que no so ditas nem formalizadas, mas que atuam e influenciam normalmente a vida cotidiana. Outro mtodo que destacamos no quadro foi o de montagem. Walter Benjamin, citado por PESAVENTO (2004), nos adverte que para dar algum significado montagem feita atravs dos cruzamentos dos cacos da histria preciso montar, combinar, compor, cruzar e revelar o detalhe. Desta maneira, a Histria usa o mtodo em tela para dar relevncia ao secundrio, visando atingir os sentidos partilhados pelos homens e mulheres que vivenciaram outro tempo (p.64-5). O procedimento do historiador deve ser o de deslocar do texto ao extratexto, ou seja: analisar profundamente a fonte (chamada de texto, mas podendo ser imagens, indcios, cacos) e compreend-la num contexto, exigindo do historiador erudio, bagagem de leitura e conhecimento (extratexto usado no sentido do que se relaciona com o texto, mas externo a ele).Por fim, destacamos tambm o mtodo de descrio densa, cujo representante o antroplogo Clifford Geertz. Segundo a interpretao do mtodo de descrio densa apresentado por Pesavento (2004), a Histria pode ser uma fico controlada, pois:1 Indcios: o documento se converte em prova na argumentao do historiador e a partir de tais provas que se encaminha a demonstrao explicativa da Histria;2 Comprovao: a Histria se presta testagem, comprovao, o leitor pode fazer o caminho do historiador ao confirmar as coisas num arquivo e a seguir as suas dedues;3 Extratexto: esse recurso permite estabelecer analogias, contrastar, superpor e estabelecer nexos a partir da bagagem que o historiador possui para definir estratgias, realizar cruzamentos para compor a sua anlise.Frederik Barth, antroplogo, questiona o mtodo de Geertz e deixa uma grande contribuio para os historiadores pensarem o uso da descrio densa em seus trabalhos. Inicialmente, ele nos adverte que temos que cuidar para no construirmos anlises em colchas de retalhos. Ou seja, anlises parciais da sociedade sem dar conta de sua real complexidade, pois para ele o objeto no pode ser fragmentado. Ainda, segundo Barth, a anlise de uma sociedade devia contar com o uso da sociologia do conhecimento em seu sentido mais amplo, de modo que evidencie as tradies e suas partes so construdas ao estudarmos os processos que as geram. Por fim, ele adverte ainda que a cultura jamais deve ser pensada como homognea, mas sim no todo, pois alguns valores, crenas e modos de ver podem ser compartilhados por uns e por outros no. Neste sentido, o que no compartilhado tambm expresso de uma cultura (BARTH, 2000).2.2.2 Histria demogrfica, mtodo quantitativo e metodologia de Histria oralAlm dos trs mtodos ditos at aqui, podemos destacar para a rea de Histria Social pelo menos trs importantes estratgias de fazer histria, a saber: a Histria Quantitativa, a Histria Serial e a Histria Oral. QUADRO 4: HISTRIA DEMOGRFICA E MTODO QUANTITATIVOHISTRIA DEMOGRFICA MTODO QUANTITATIVO

A demografia histrica deu caracterstica inusitada Histria de famlia. O mtodo de reconstituio de famlias a partir de registros paroquiais (Louis Henry) e a anlise de composio das unidades domsticas (Peter Laslett) trouxeram as massas para a histria, pois trabalhavam com dados agregados, mas tenderam a retirar-lhes a face humana. Surgiu na dcada de 1950. Essa tendncia de analisar as fontes histricas buscando sua insero, classificao e anlise histrica a partir de fontes eleitorais, fiscais, demogrficas, cartoriais e judiciais (contratos de casamentos, testamentos e inventrios) fez proliferar os estudos sobre estratificao socioprofissional, estratgias matrimoniais, alianas sociais, mobilidade geogrfica e social.

Principais representantes: Louis Henry e Peter Laslett.Principal Representante: Ernest Labrousse

Fonte: Adaptado de CASTRO, Hebe. Histria Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domnios da Histria: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p.45-60. Voc deve estar se perguntando como feito um trabalho na rea de Histria Demogrfica. Antes de destacarmos um exemplo para voc, saiba que a originalidade da demografia reside no fato de no ter estatsticas e as fontes utilizadas pelos historiadores no possuir objetivos puramente demogrficos. Ana Volpi Scott e Dario Scott no artigo Cruzamento Nominativo de Fontes afirmam que Na metodologia desenvolvida por Amorim que, como a de Henry, era feita manualmente, partia do levantamento dos nascimentos/ batizados. Para cada assento deste tipo era aberta uma ficha com os nomes respectivos da criana, dos pais. Com o levantamento subseqente, todos os batizados atribudos quele casal eram anotados na ficha respectiva. Diferentemente de Henry, Amorim usava fichas brancas, no pautadas, e as informaes eram coletadas com canetas de cores diversas que indicariam de onde o dado era proveniente (azul batizado/ verde-casamento/ vermelho-bito). O ganho de tempo era grande, uma vez que para cada ficha aberta era necessrio acrescentar apenas as informaes sobre os nascimentos consecutivos atribudos quela famlia. Ao final do levantamento dos batizados/nascimentos, a ficha de famlia estaria completa, uma vez que teriam sido identificados todos os indivduos. A seguir passaria para o cruzamento com os assentos dos casamentos com a informao organizada a partir dos batismos, com todas as informaes na cor verde. Se, eventualmente, um casal identificado nos atos de casamento, que no havia aparecido nos batizados, abre-se uma nova ficha de famlia, com os dados grafados com caneta verde. A terceira fase o cruzamento possvel com os bitos, dada a situao comum dos registros de bito no que se refere deficiente identificao do defunto. A passagem da reconstituio manual para a informatizao da reconstituio de parquias no mudou a essncia do mtodo, nem quando ela se realizava no ambiente DOS, nem hoje, quando ela se realiza atravs do Sistema de Reconstituio de Parquias (SPR), em ambiente visual (2006, p. 6).

Agora que voc leu atentamente o modo pelo qual podemos reconstituir os dados a respeito das famlias que atuaram no passado, o historiador passa a compreender as suas interrelaes, a sua atuao e o contexto em que viveram. Temas como a histria da famlia, da criana e da mulher, a anlise das estruturas do parentesco, da sociabilidade, do patrimnio familiar, da composio da fora de trabalho com nfase na mo-de-obra escrava e da imigrao so dominantes nos estudos de Histria demogrfica no Brasil. Entretanto, vale destacar que os mtodos quantitativo e demogrfico em Histria Social tm encontrado algumas dificuldades. Tais dificuldades podem ser observadas ao identificar as informaes quantificveis de pocas passadas, podendo levar a anlises pouco confiveis. Todavia, muitos estudos no Brasil tm sido relevantes e as questes que se colocam geralmente so As motivaes culturais ou econmicas para o casamento tardio, o acesso a mtodos anticoncepcionais nas sociedades pr-industriais, as discusses em se considerar o ciclo da vida familiar e as relaes de parentesco no entendimento dos significados das unidades domsticas, as relaes entre famlia e sexualidade e os diferentes enfoques tericos e metodolgicos que se desenvolveram a partir dessas questes (CASTRO, 1997, p.50).

Destacamos ainda que a metodologia da Histria Oral tem produzido grande avano na interpretao dos problemas levantados pela Histria Social e Cultural. A Histria Oral entendida como metodologia no possui objeto de pesquisa, interdisciplinar, uma ferramenta para conhecer a sociedade. Pode ser utilizada como mtodo e como tcnica de pesquisa qualitativa. Como tcnica, a Histria Oral subjacente a outras metodologias que a utilizam como um recurso a mais. J como mtodo, que o nosso interesse nesse estudo, os oralistas centram sua ateno nos critrios de elaborao do projeto, de recolha das entrevistas, no processo de passagem do oral para o escrito e nos resultados afinados com o sentido das entrevistas. Para ser considerada mtodo, a histria oral como expresso das entrevistas precisa ser ressaltada como o nervo da pesquisa e sobre elas que os resultados so efetivados (MEIHY, 1998, p. 20).

Quantas vezes voc j no ouviu histrias e casos que teve vontade de escrever sobre eles? Casos como aqueles que explicam a fundao de uma cidade ou as escolhas polticas num dado lugar. Encontramos muitos memorialistas em diversas cidades do norte de Minas que registram casos semelhantes. Todavia, os historiadores vm desenvolvendo o mtodo da histria oral que requer alguns procedimentos indispensveis sua utilizao. Vejamos. Voc acredita que quem sai por a entrevistando as pessoas est fazendo Historia oral? Caso sua resposta seja positiva, voc se enganou. O simples fato de entrevistar algum no lhe d o direito de afirmar que faz Histria oral. Todavia, o entrevistador, o entrevistado e a aparelhagem de gravao so fundamentais para realizar Histria oral. Tambm, ela possui tempos prprios, por exemplo: o tempo de escrita do projeto, o tempo da gravao e da confeco do documento escrito (transcrio) e o tempo da anlise e sistematizao da interpretao dada pelo historiador. Vejamos a definio dada pelo CPDOC:A histria oral uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituies, modos de vida ou outros aspectos da histria contempornea. Comeou a ser utilizada nos anos 1950, aps a inveno do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no Mxico, e desde ento difundiu-se bastante. Ganhou tambm cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercmbio entre os que a praticam: historiadores, antroplogos, cientistas polticos, socilogos, pedagogos, tericos da literatura, psiclogos e outros.

Figura 27: Gravao de entrevista Fonte:http://www.muhm.org.br/userfiles/image/fotos/noticias/jan08/webDSC00027.JPG Acesso em 09/07/2009

Alm disso, exige-se do historiador o posicionamento tico ao proceder a uma entrevista, o respeito pelo o que o entrevistado/testemunho lhe diz e a garantia de sua opinio por meio da carta de cesso de direitos. A Histria oral permite dar voz aos vencidos, a entender melhor a posio dos vencedores e, alm desses, reconhecer a posio dos silenciados. Nesse sentido, aconselhvel estudar as tramas sociais de modo a tom-la como mais abrangente.No Brasil, o programa pioneiro de Histria oral aquele desenvolvido pelo Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea (CPDOC) desde 1973. Corresponde s escolas de Cincias Sociais e Histria da Fundao Getlio Vargas. O CPDOC tem como objetivoabrigar conjuntos documentais relevantes para a histria recente do pas, desenvolver pesquisas histricas e promover cursos de graduao e ps-graduao. Os conjuntos documentais doados ao CPDOC, que podem ser conhecidos no Guia de Arquivos, constituem, atualmente, o mais importante acervo de arquivos pessoais de homens pblicos do pas, integrado por aproximadamente 200 fundos, totalizando cerca de 1,8 milho de documentos. (CPDOC. Histrico. http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/index.htm) Acesso em 09/07/2009

Voc j leu uma entrevista? Voc sabia que as entrevistas so tomadas como fontes para a Histria? Esses documentos nos permitem entender a maneira pela qual os indivduos vivenciaram e interpretaram as mais diversas situaes e modos de vida de um grupo social. Para o CPDOC (2009), o entendimento que isso torna o estudo da histria mais concreto e prximo, facilitando a apreenso do passado pelas geraes futuras e a compreenso das experincias vividas por outros.Vale destacar para vocs que a Histria Oral vem ganhando espao em diversas universidades que atualmente possuem seus Ncleos de Histria oral. Para exemplificar, visite o Ncleo da Universidade Federal Fluminense denominado LABHOI (Laboratrio de Histria Oral e Imagem), criado em 1982. Neste espao voc encontrar diversos artigos, projetos desenvolvidos e trabalhos acadmicos desenvolvidos pelos estudantes e professores dessa instituio. Acesse: http://www.historia.uff.br/labhoi/node/29 Topo2.3 CAMPOS TEMTICAS DA HISTRIA SOCIAL E CULTURAL 2.3.1 Campos da Histria SocialAtualmente, as correntes historiogrficas na rea de histria social e cultural compem um quadro cada vem mais imbricado. A partir da crise dos paradigmas, questo tratada na primeira unidade, nos ltimos vinte anos, ou seja, desde os anos 1980, a Histria Social tem se aproximado da Histria Cultural. Isso levou a uma concepo de Histria vista por baixo, cunhada por Thompson, abandonando definitivamente interpretaes de heris e grandes homens como sujeitos da histria. O povo, as massas, os que no possuem voz, as mulheres, os negros, os homossexuais, os trabalhadores de fbricas, as lavadeiras, etc. Para melhor compreendermos esse enfoque da Histria Social, Thompson, citado por Jim Sharpe (1992), ao estudar a classe trabalhadora inglesa afirmava que desejava estudar o pobre descalo, o agricultor ultrapassado, o tecelo do tear manual obsoleto que teve as suas atividades e habilidades tornadas moribundas no mundo hoje, mas que vivenciaram momentos de extrema perturbao social e ns no (p.42). Alm do estudo de Thompson, a obra de Karl Marx, cujo objeto principal foi a anlise da sociedade capitalista industrial, colocou em questo a experincia e a cultura no centro das anlises sobre a ao social. Essa postura levou a repensar o universo das fontes a serem utilizadas na Histria Social. Ora, se mudamos o nosso objeto, tambm as fontes para responder s perguntas/problemas sobre esse objeto tambm devem mudar. Os mitos, os rituais (a partir da aproximao com a antropologia) passaram a ser objetos da histria social. Tambm a metodologia da Histria Oral tem ganhado fora e muitos debates a esse respeito tm se estabelecido em todas as universidades brasileiras. Tambm, a perspectiva de estudo da Histria atravs da micro-histria uma proposio que tem permitido enxergar a histria a partir de um ponto de partida para um movimento mais amplo em direo generalizao (CASTRO, 1997, p.53). Feitas essas consideraes, podemos falar de pelo menos trs grandes correntes temticas da Histria Social, notadamente no Brasil. Vejamos: No Brasil, desde os anos 1930 j identificamos os trabalhos de Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala, 1934), Srgio Buarque de Holanda (Razes do Brasil, 1936) e Caio Prado Jnior (Formao do Brasil Contemporneo, 1942). Os anos 1950 e 1960, sob influncia dos Annales, fez surgir no Brasil estudos como os de Canabrava (O desenvolvimento da cultura do algodo na provncia de So Paulo, 1955), Emlia Viotti da Costa (Escravido nas reas cafeeiras, 1962), Maria Yeda Linhares (As listas Eleitorais no Rio de Janeiro do sculo XIX, 1974), Maria Luiza Marclio (A vila de So Paulo 1750 a 1850, 1968). Na dcada de 1960, a Escola Sociolgica da USP, em torno de Florestan Fernandes teve desenvolvimento de trabalhos de Histria Social na Sociologia. Ocuparam-se estudos sobre o negro e a escravido, como tambm sobre o movimento operrio. Destacamos o estudo de Florestan Fernandes (A integrao do negro na sociedade de classes, 1965) e Jos Albertino Rodrigues (Sindicato e desenvolvimento no Brasil, 1968).Os anos 1970 e 1980 fortaleceram a produo brasileira e o historiador foi ganhando mais campo, mantendo um dilogo com os socilogos. A Histria Social pode, na viso de Hebe Castro, ser dividida em trs grandes correntes temticas, a saber: Histria Social da FamliaEssa corrente da Histria Social sofreu influncia da demografia histrica, da explorao de temas histricos pelos socilogos e da aproximao da Antropologia. Com o passar do tempo, os estudos em Histria Social priorizaram no mais a questo da demografia e as sries de dados analisveis, mas sim os arranjos familiares e as estratgias adotadas pelos grupos sociais. Desta forma, essa corrente da Histria pode ser tematizada em: Histria da Mulher, Histria da Sexualidade, Histria da Vida Privada, entre outros

Figura 28: Livro Na Senzala uma florFonte: http://www.comciencia.br/resenhas/negros/img/senzala.jpg. Acesso em 14/01/2010

Destacaremos exemplos de histria das mulheres e da famlia escrava para que voc possa entender melhor os resultados dos estudos dos historiadores que se debruam sobre algumas temticas da Histria Social.

Figura: 29: Livro Histria das Mulheres no Brasil Fonte: http://www.editoracontexto.com.br/produtos/historia-mulheres_gde.jpgAcesso em 14/01/2010

O Professor Joo Jos Reis afirma que Na Senzala uma flor, de Robert Slenes, um livro que no ttulo traz a ideia principal ao referir-se imagem usada por um viajante estrangeiro no Brasil, Charles Ribeyrolles, para quem no haveria "uma flor" na senzala - no haveria amor, famlia, "nem esperanas nem recordaes" entre escravos brasileiros. Slenes encontrou esta flor em seu estudo sobre a famlia escrava ao combater a viso vigente at bem pouco tempo de que os escravos so sexualmente promscuos, no tendo um mnimo de vida familiar normal. O livro Histria das Mulheres no Brasil, organizado por Mary Del Priore, contm diversos artigos sobre as conquistas femininas ao longo da Histria Brasileira. Nesse estudo voc ver que mitos caram no cho, como o fato de acreditarem na mulher subjugada ao homem, na viso da mulher segregada unicamente ao espao familiar, entre outros. No fundo, o que podemos destacar a questo feminina como objeto de estudo pela Histria. Histria Social do Trabalho A experincia de vida urbana no Brasil gerou muitos trabalhos que geralmente no so inseridos na corrente temtica que denominamos Histria Social do Trabalho. As tenses vivenciadas pelo processo de modernizao de nossa sociedade sero abordadas tendo como eixo comum os estudos sobre o movimento operrio e a concepo de marginalidade social. A partir desse substrato, podemos reunir aqui trabalhos sobre as identidades sociais, o controle social, a cidadania e subcidadania, as questes no entorno da urbanizao e da vida cotidiana. Sidney Chalhoub desenvolveu um estudo sobre o Rio de Janeiro e a demolio de seus cortios e as polmicas em torno das doenas transmitidas nessa poca, como a febre amarela e as resistncias em torno da vacina contra a varola. um belo ensaio de Histria Social e para saber um pouco mais, acesse uma resenha feita por Magali Gouveia Engel. http://www.historia.uff.br/tempo/resenhas/res2-2.pdf .

Figura: 30: Livro A cidade Febril Fonte: http://publifolha.folha.com.br/catalogo/images/cover-146604-600.jpg Acesso em 09/07/2009

Podemos ainda identificar estudos que seguiram de uma temtica colocada nos anos 60, os quais podemos citar, os estudos dos movimentos sindicais e a relao com Estado, o controle nas fbricas e fora dele. Por exemplo, vejamos o estudo de Maria Auxiliadora Guzzo Decca A vida fora das fbricas: cotidiano operrio em So Paulo de 1920 a 1934.

Figura 31: Livro A vida fora das fbricas Fonte: http://sindicalismo.pessoal.bridge.com.br/DECA,%20Maria%20A%20G.htm Acesso em 09/07/2009

Nesse estudo, a autora estuda o redimensionamento e a racionalizao das condies do trabalho urbano, os agentes sociais que buscaram definir um padro de vida para os operrios, objetivando reordenar o projeto de dominao burguesa na cidade de So Paulo. Entretanto, ressalta a autora que apesar das investidas da burguesia, o operariado construir um modo prprio de se relacionar com essa sociedade e seus reveses. Histria Social do Brasil Colonial e da EscravidoTendo em vista questes sobre a Afro-Amrica, a reduo da escala, o referencial comum que busca na experincia e na cultura, os historiadores brasileiros tm desenvolvido consistentemente uma histria do Brasil Colonial e da Escravido. Essa consistncia pode ser observada nos trabalhos sobre essa temtica, que partem da Histria das Mentalidades (Braudel e Le Goff) ou da Histria Social Inglesa (Thompson).Destacaremos para voc alguns livros com breve comentrio para que voc possa se informar e, futuramente, adquirir para a leitura:QUADRO 5: COMENTRIO DE LIVROSO Diabo e a Terra de Santa Cruz , de Laura de Mello e Souza (Ed. Cia das Letras) - Aproxima-se e ao mesmo tempo distancia-se do livro de Srgio Buarque de Holanda, "Viso do Paraso". Fundamental para o conhecimento da religiosidade popular e das chamadas prticas de feitiaria no Brasil colonial.Vises da Liberdade , de Sidney Chalhoub (Ed. Companhia das Letras) - a corte da perspectiva do escravo. Mostra como ele construiu a derrocada da escravido no dia-a-dia, avanando suas prprias vises de liberdade, finamente elucidadas pelo historiador. Anlise de classe com classe.Homens Livres na Ordem Escravocrata , de Maria Sylvia de Carvalho Franco (Ed. Unesp) - Monografia clssica, concentrada na regio do Vale do Paraba (SP), explorando temas importantes como a violncia no meio rural e as relaes de compadrio.Em Costas Negras , de Manolo Florentino (Ed. Companhia das Letras) - Lana uma nova interpretao da sociedade colonial, enfatizando a acumulao gerada pelo trfico de escravos, a partir do Rio de Janeiro, e a formao de um poderoso setor social representado pelos traficantes.Rebelio Escrava no Brasil , de Joo Jos Reis (Ed. Companhia das Letras) - Monografia por um especialista na histria social dos escravos, versando sobre o levante dos mals, movimento de escravos islmicos, que ocorreu em Salvador, em 1835.Rebelio Escrava no Brasil (1986), de Joo Jos Reis (Companhia das Letras) -Notvel espelho de quo complexas eram as relaes entre os escravos, no cativeiro e em meio s tentativas de super-lo. Importante resgate da fora que o Isl negro teve entre ns.Bahia, Sculo 19, de Ktia M. de Queirs Mattoso (Ed. Nova Fronteira) - o Imprio visto da periferia, nesta radiografia bem documentada da provncia baiana. Geografia, demografia, economia, famlia, escravido, riqueza, pobreza, governo, religio - esforo exemplar em direo inalcanvel histria totalizante.Fonte: http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/livros/guia.htm Acesso em 09/07/2009

2.3.2 Campos da Histria CulturalPara falarmos de campos temticos em Histria Cultural vamos estabelecer aqui alguns caminhos, pois sabemos que esse campo muito vasto. Sendo assim, Ronaldo Vainfas (1997) esclarece inicialmente trs pensadores que determinaram caminhos na Histria Cultural. Vejamos.1. Prtica de Histria Cultural segundo o italiano Carlo Ginzburg. Influencia em seu conceito de circularidade cultural presentes em seus estudos tericos ou sobre religiosidade, feitiaria e heresia na Europa. 2. Prtica de Histria Cultural segundo o francs Roger Chartier. Trabalha os conceitos de representao e apropriao expostos em seus estudos sobre leitura e leitores na Frana.3. Prtica de Histria Cultural segundo o ingls E. P. Thompson. Trata de movimentos sociais na Inglaterra e o cotidiano das classes populares do sculo XVIII.Os conceitos trabalhados por esses autores j foram falados nessa unidade II, como voc j notou. Apenas reafirmamos esses caminhos aqui para voc ir relacionando a prtica da Histria Cultural e da Social, ir percebendo suas aproximaes. As correntes da Histria Cultural nos levam a compreender seus campos temticos. A Histria Cultural, herdeira da Nova Histria, s teve influncia no Brasil a partir dos anos 1980, promovendo uma releitura de textos como os de Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala, 1933) e Srgio Buarque de Holanda (Razes do Brasil, 1936; Viso do Paraso, 1956). No pense que a razo para esse atraso aqui no Brasil se deve ao fato de sermos de 3 mundo. Ora, voc se lembra que vivamos sob a gide do governo militar e que a universidade foi um reduto de resistncia a esse regime? As leituras que se fazia em sua maioria eram leituras marxistas, que serviram bem crtica quele regime. Somente aps os anos 1980 que diversas tradues da Nova Histria foram feitas e os cursos de ps-graduao no Brasil, exceo da USP, ganhavam corpo, tendo uma produo que ainda caminhava rumo ao que temos hoje. A trilogia novas abordagens, novos objetos e novos problemas s foi traduzida no Brasil em 1976. Antes de falarmos das nossas experincias em Histria Cultural, vamos retomar a uma classificao feita pela historiadora Sandra Jatahy Pesavento (2004, p.69-98), que esclarecer as correntes e os campos da Histria Cultural. Vejamos as correntes da Histria Cultural:1. Corrente que compreende a Histria como uma narrativa que constri uma representao sobre o passado.2. Corrente que compreende a Histria a partir da micro-histria que explora intensivamente o detalhe e valoriza o emprico.3. Corrente que compreende a Histria a partir do retorno da Histria Poltica endossando pressupostos da Histria Cultural para reler o poltico, tais como representao, imaginrio e produo e recepo do discurso.Essas correntes se expressam em campos temticos, que por sua vez so o mote desse item de estudo. Sendo assim, podemos falar dos seguintes temas em Histria Cultural:Tema Histria e Cidades: aqui a cidade pensada como objeto de reflexo, e no apenas como um lugar ou palco onde as coisas ocorrem. As representaes que ocorrem sobre e na cidade so objetos dos quais se ocupa o estudo dos historiadores culturais, assim como o imaginrio urbano. Tema da Histria e Literatura: a histria ao se aproximar da literatura abre o debate sobre a noo de verdade e fico, pois afirma atuar com o verossmil, com as representaes; entretanto, acredita-se que a Histria pode at ser fico, mas controlada pelo mtodo e pelas fontes. Fora esse debate, o historiador utiliza a literatura como uma fonte, como um trao do passado que chega ao historiador atravs das representaes que chegam at ele pelas construes literrias, sintonia fina com os medos, os desejos, os valores que guiaram o homem e a mulher atravs da construo literria. O tempo da escrita literria que conta para o historiador, ou seja, o autor e sua poca.Tema Histria e Imagens: as imagens so mltiplas (pintura, desenho, fotografia, escultura, croqui, etc.) e constituem ricos cacos, traos, vestgios que aproximam o historiador de uma dada poca; ou melhor, as imagens se referem a um real, mas no esse real, pois que no mimeses. A imagem possui cdigos ou smbolos ou cones de um tempo que remetem ao significado de uma poca. A imagem e a literatura so registros de uma poca, mas tambm o que importa para o historiador no a temporalidade de seu contedo, mas o testemunho de poca.Tema Histria e Identidades: a identidade uma construo simblica de sentido que trabalha com a concepo de pertencimento. A identidade tem a ver com coeso social e permite a identificao da parte com o todo, o que importante considerar no a constatao da diferena (...) maneira pela qual se constri pelo imaginrio a diferena (PESAVENTO, p.90). As identidades so mltiplas e so fices criativas que situam o indivduo no espao, no tempo, no social, mesmo no mundo (p.91). Tema Histria do Tempo Presente: nessa perspectiva o historiador contemporneo aos acontecimentos os quais toma como objeto para dirigir seus questionamentos. A histria ainda est em curso e o historiador j se dispe a estud-la utilizando as ferramentas da Histria Cultural. H que se falar da posio de alguns historiadores que pensam que a histria no deve se ocupar do tempo presente, pois ele precisa se distanciar temporalmente de seu objeto para dele falar. Tema Histria e Memria: a capacidade humana da rememorao comporta mediaes. O indivduo que rememora um dado ocorrido h algum tempo no mais aquele que viveu esse dado momento, pois ao rememorar, ele amadureceu, modificou, reelaborou, refletiu, revisou esse dado para ento pronunciar a respeito dele. A memria individual se mescla com uma memria social. To importante quanto a lembrana o esquecimento, pois revela medos, desejos, escolhas feitas individualmente ou por grupos sociais. A memria no Histria, mas algo que pode ser estudado pelo historiador e por meio das representaes, imaginrios e outros, podemos aproximar do real com o compromisso da busca da verdade. TopoREFERNCIASBACELLAR, Carlos de Almeida Prado, SCOTT, Ana Silvia Volpi e BASSANEZI, Maria Silvia Casagrande Beozzo. Quarenta anos de demografia histrica. In: Revista Brasileira de Estudos Populacionais, So Paulo, v.22, n.2, p.339*350, jan/dez 2005.BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variaes antropolgicas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.CARDOSO, Ciro Flamarion & BRIGNOLI, Hctor Perez. Os mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1983.CASTRO, Hebe. Histria Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domnios da Histria: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p.45-60. DEL PRIORE, Mary. 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