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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 481 O OCASO DO IMPÉRIO 1 BRASILEIRO: A INSTRUÇÃO NA PROVÍNCIA DA PARAHYBA DO NORTE (1884 A 1889) Antonio Carlos Ferreira Pinheiro 2 Considerações Iniciais Este estudo está inserido no contexto de discussões que vêm sendo desenvolvidas no âmbito do Grupo de Pesquisa História da Educação no Nordeste Oitocentista GHENO. A pesquisa tem como objetivo analisar alguns aspectos relativos à questões educacionais, na Província da Parahyba do Norte, no período de 1884 a 1889, que corresponde aos últimos anos, ou melhor, ao chamado ocaso do regime imperial brasileiro. A periodização foi adotada considerando que no ano de 1884, dois acontecimentos marcaram a história da educação paraibana. O primeiro refere-se à publicação de um novo regulamento geral da instrução e o segundo pelo início de funcionamento da primeira Escola Normal. O último recorte tmporal, ou seja, o ano de 1889, refere-se ao fim, do ponto de vista formal e institucional, do regime monárquico brasileiro. O trabalho foi realizado a partir dos princípios mais gerais concernentes a pesquisa histórica. Para tanto, utilizamos como fontes algumas falas, discursos, relatórios e exposições elaborados pelos presidentes da província da Parahyba do Norte. Alguns relatórios produzidos pelos diretores da instrução da Província também foram consultados. Além das mencionadas fontes consultamos a legislação em vigor, no período em estudo, especialmento os Regualmentos gerais da instrução pública e particular de 1884 e de 1886 e, ainda, um conjunto de documentos manuscritos (ofícios, representações, tabelas, etc.). Boa parte dessa documentação encontra-se no Arquivo Histórico do Estado da Paraíba Waldemar Bispo Duarte, vinculado ao Espaço Cultural FUNESC. A discussão aqui empreendida tomou como referência algumas indicações conceituais propugnadas por Gramsci (1995). Assim, aqui nos apropriamos da ideia de movimento conjuntural e a categoria de relações de forças. Ao mesmo tempo procuramos identificar alguns grupos e sujeitos sociais diretamente envolvidos com as questões instrucionais que 1 Título inspirado na obra de Oliveira Viana, publicada em 1925. 2 Doutor em História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Associado IV, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB. E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 481

O OCASO DO IMPÉRIO1 BRASILEIRO: A INSTRUÇÃO NA PROVÍNCIA DA PARAHYBA DO NORTE (1884 A 1889)

Antonio Carlos Ferreira Pinheiro2

Considerações Iniciais

Este estudo está inserido no contexto de discussões que vêm sendo desenvolvidas no

âmbito do Grupo de Pesquisa História da Educação no Nordeste Oitocentista – GHENO. A

pesquisa tem como objetivo analisar alguns aspectos relativos à questões educacionais, na

Província da Parahyba do Norte, no período de 1884 a 1889, que corresponde aos últimos

anos, ou melhor, ao chamado ocaso do regime imperial brasileiro. A periodização foi adotada

considerando que no ano de 1884, dois acontecimentos marcaram a história da educação

paraibana. O primeiro refere-se à publicação de um novo regulamento geral da instrução e o

segundo pelo início de funcionamento da primeira Escola Normal. O último recorte tmporal,

ou seja, o ano de 1889, refere-se ao fim, do ponto de vista formal e institucional, do regime

monárquico brasileiro.

O trabalho foi realizado a partir dos princípios mais gerais concernentes a pesquisa

histórica. Para tanto, utilizamos como fontes algumas falas, discursos, relatórios e exposições

elaborados pelos presidentes da província da Parahyba do Norte. Alguns relatórios

produzidos pelos diretores da instrução da Província também foram consultados. Além das

mencionadas fontes consultamos a legislação em vigor, no período em estudo, especialmento

os Regualmentos gerais da instrução pública e particular de 1884 e de 1886 e, ainda, um

conjunto de documentos manuscritos (ofícios, representações, tabelas, etc.). Boa parte dessa

documentação encontra-se no Arquivo Histórico do Estado da Paraíba Waldemar Bispo

Duarte, vinculado ao Espaço Cultural – FUNESC.

A discussão aqui empreendida tomou como referência algumas indicações conceituais

propugnadas por Gramsci (1995). Assim, aqui nos apropriamos da ideia de movimento

conjuntural e a categoria de relações de forças. Ao mesmo tempo procuramos identificar

alguns grupos e sujeitos sociais diretamente envolvidos com as questões instrucionais que

1 Título inspirado na obra de Oliveira Viana, publicada em 1925. 2 Doutor em História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Associado IV, vinculado ao

Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB. E-Mail: <[email protected]>.

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influenciaram na tessitura do processo de (re)organização da instrução pública e particular

nos últimos anos da monarquia brasileira, tomando como referência a Província da Parahyba

do Norte.

Breves considerações sobre os aspectos políticos e sociais

A década de 1880, na Parahyba do Norte e no Brasil, foi marcada pelo grande avanço

das forças políticas representadas pelos liberais que receberam apoio, principalmente, nos

centros urbanos. O partido conservador já vinha perdendo definitivamente a unidade e

antigos chefes políticos (coronéis) formavam grupos compondo-se com os liberais.

Paralelamente e articuladamente surgiram agremiações que se posicionaram contrarias ao

regime escravocrata, como por exemplo a fundação naquele ano da Sociedade Brasileira

contra a Escravidão. Três anos depois, isto é, em 1883, foi criada a Confederação

Abolicionista. Em algumas províncias como as do Ceará e do Amazonas foi decretada a

extinção da escravidão, em 1884. No ano seguinte foi publicada a Lei Saraiva-Cotegipe, mais

conhecida como Lei Sexagenária. Em 1887, a Igreja Católica manifestou-se oficialmente a

favor da abolição. (MENDES JR., RONCARI, MARANHÃO, 1991).

Na Parahyba Norte, segundo Mello (2011, p. 132), na medida em que o século XIX

chegava ao seu fim, o número de escravos diminuía. Assim, em 1884 existiam 19.778

escravizados, na mencionada Província. Quatro anos depois, isto é, em 1888, existiam 9.400

e em 1889 existiam 8.000 escravizados. Essa diminuição é imputada pela historiografia em

virtude do crescimento do tráfico interprovincial, uma vez que em 1850 ocorreu a proibição

do comércio internacional (Brasil/Portugal/África) de escravos. Vale ressaltarmos que por

conta dessa restrição comercial o cativo no Brasil passou a ser extremamente valorizado e,

portanto, muito rentável no mercado interno. Esse aspecto, inclusive, é apontado pela

historiografia como uma das razões que propiciou a preservação e o alargamento ainda por

muitos anos do regime escravocrata. (GALLIZA, 1979 apud MELLO, 2011, p. 138).

Em movimento contrário, assim como nas demais províncias, na Parahyba do Norte

também cresceu o movimento abolicionista. Em Mamanguape, por exemplo,

acadêmicos de Direito como Castro Pinto conjugavam Abolição e República enquanto que na capital e Campina Grande o movimento emancipacionista crescia pela Imprensa. Na cidade da Parahyba, sociedades filantrópicas e clubes lítero-recreativos batiam-se pela Abolição. O caso mais expressivo verificou-se em Areia, onde sob a liderança do latinista Manuel da Silva, inspirador da Emancipadora Areiense, párocos, proprietários mais esclarecidos e Imprensa perfizeram frente única, mediante a qual o abolicionismo consumou-se a três de maio de 1888, dez dias antes da Lei Áurea. (MELLO, 2011, p. 133).

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Concomitantemente, do ponto de vista político-institucional, os anos que se sucederam,

até a queda do regime monárquico, foram formados vários gabinetes pelo Imperador.

Todavia, estes gabinetes não conseguiram se estabelecer de forma duradoura revelando o

processo de declínio político do regime imperial manifesta pela instabilidade política e social.

Foi, portanto, naquele contexto que os administradores públicos paraibanos continuaram a

organizar, ajustar e controlar o funcionamento da instrução pública e particular, tanto no

nível secundário quanto no primário. Para tanto, no final do ano de 1883 foi autorizado pelo

presidente da Província da Parahyba do Norte que procedesse uma reforma da instrução.3

Assim sendo, no ano seguinte foi publicado, em 30 de julho, o Regulamento Nº 30 de 1884.

Do ponto de vista formal e de sua estrutura, o mesmo é constituído por 25 capítulos que

abrigam 261 artigos. Vale, no entanto, ressaltarmos que o mencionado Regulamento teve

vida efêmera, uma vez que dois anos depois foi publicado para a sua substituição, um novo

regulamento, o de nº 36, em 26 de julho de 1886.4 Este por sua vez apesar de apresentar uma

estrutura semalhante ao anterior é mais sucinto, constituído-se de 14 capítulos e 151 artigos.

Segundo Miranda (2012, p. 73), “o Regulamento de nº 30 de 1884, abrangia a instrução

primária, secundária e a escola normal, diferente do Regulamento de nº 36 de 1886 que

voltou seu texto, exclusivamente, para o ensino primário.”

Podemos afirmar que os dois regulamentos são extremamente minuciosos procurando

“disciplinar” praticamente todos os aspectos relacionados as questões educacionais e

escolares na Província paraibana. Nesse sentido, possibilitam alimentar, ou melhor, fornecer

informações para uma infinidade de discussões, a depender das problematizações

formulados pelos pesquisadores que atuam no campo da história da educação. Aqui não

pretendemos esgotar toda as suas potencialidades informativas, mas nos determos tão

somente, conforme mencionamos anteriormente, em apontar aspectos relacionados ao

processo de (re)organização da instrução pública e particular, destacando a criação da

primeira escola normal, das alterações que foram processadas no âmbito do Liceu

Parahybano e sobre a distribuição de escolas primárias (cadeiras isoladas), inclusive

noturnas.

3 Cf. Lei Provincial nº 761 de 7 de dezembro de 1883. O documento original encontra-se na Caixa 65-B/1883, do Arquivo Histórico do Estado da Paraíba Waldemar Bispo Duarte, vinculado ao Espaço Cultural – FUNESC e foi transcrito pelos componentes do GHENO.

4 Cf. Pinheiro; Cury (2004).

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Alunos e professores mais uma vez sob a mira do poder provincial: Os Regulamentos de 1884 e 1886

Como já afirmamos em trabalho anterior (PINHEIRO, 2008a), a estruturação e o

controle do poder provincial sobre a instrução pública e particular começou a se efetivar

desde meados dos anos de 1830, caracterizando-se, todavia, mais no plano superestrutural.

Esse aparato normativo foi sucessivamente ratificado em todos os outros regulamentos e leis

que foram publicados posteriormente.5 Vale ainda ressaltarmos que o controle sobre a

instrução também era exercido pelo poder imperial central, como por exemplo pelo

Ministério dos Negócios que solicitava aos presidentes das províncias informações sobre o

estado do ensino primário e secundário.

Pinheiro (2006), desenvolveu uma discussão acerca do controle social (moral) e

pedagógico sobre os professores a partir da publicação de regulamentos, leis e normas.

Segundo o mencionado autor esse processo começou a ser realizado de forma mais

sistemática a partir do final da década de 1840, quando da publicação do Regulamento de

1849.6 Entretanto, é interessante destacarmos que nos dois Regulamentos aqui em discussão,

encontramos um acréscimo referente a possibilidade do poder provincial punir, inclusive

com o “encerramento definitivo” de estabelecimentos escolares particulares, caso houvesse a

denúncia de que os professores estavam ensinando “doutrinas contrárias às leis do país.”7

Ora, lendo essa normatização, a contrapelo, podemos problematizar, por exemplo, que

os professores possivelmente tenham em algum momento discutido em sala de aula as

questões relacionadas ao regime imperial escravocrata, inclusive, em defesa da libertação dos

escravos. Fazemos essas possíveis inferências considerando o contexto (conjuntura) sócio-

político, cultural e econômico, conforme mencionamos anteriormente, na qual as duas

últimas décadas do regime imperial brasileiro cresceram os movimentos e organizações pelo

fim do escravismo, isto é, o movimento emancipacionista que logo em seguida tornou-se

abolicionista, ou seja, os seus simpatizantes passaram a exigir o fim do regime escravocrata.

Segundo Maestri (2001, p. 145),

A partir de 1879, diversas sociedade antiescravistas foram fundadas no Brasil, destacando-se a sociedade abolicionista cearense Perserverança e Porvir, que confluiria, em 1880 na importante Sociedade Cearense Libertadora. Havia algum tempo se percebia acrescente divisão do Império em províncias escravistas e não-escravistas. Temendo que tal oposição levasse a um rompimento total do pacto escravista nacional e da abolição do

5Cf. estudos de Pinheiro, (2007, 2008b, 2009, 2010, 2016). 6Cf. o de 15 janeiro de 1849 e o 20 de janeiro do mesmo ano. 7Cf. Artigo 173 do Regulamento nº 30 de 1884 e Artigo 91º do Regulamento nº 36 de 26 de junho de 1886.

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cativeiro, os deputados provinciais cafeicultores votaram leis regionais que coibiam o tráfico interprovincial de escravos.

No que concerne ao alunado, para além de todas as normas disciplinares que a eles

eram dirigidas8, verificamos que nos dois Regulamentos há uma clara definição de

responsabilidade quanto ao apoio que o poder provincial deveria dar ao alunado pertencentes

aos segmentos sociais populares, frequentadores das escola públicas, ou seja, “o material

escolar [deveria ser] fornecido por conta da província” e distribuído “gratuita e annualmente

aos alumnos pobres trazlados e livros devidamente aprovados.”9 (negrito nosso).

Essa indicação sobre o fornecimento aos alunos de material escolar por parte do poder

provincial, possivelmente deve ter relação com as discussões que estavam sendo

empreendidas sobre a obrigatoriedade do ensino, ou seja, fornecer os materiais escolares

para os alunos pobres poderia indiretamente favorecer a efetivação de tal obrigatoriedade.

Especificamente sobre essa questão, Pinheiro (2013, p. 178) chamou a atenção que em 1887 a

discussão foi retomada uma vez que a diretoria da instrução opinou por sua adoção, como

meio para “[...] triumphar das repugnancias dos immediatos interessados na matricula e

frequencia das aulas, taes que se veem pela estatistica dos professores.” (PARAHYBA DO

NORTE, Provincia da, Relatorio..., 1887, p. 48).

Previa, ainda, que seria muito mais fácil executá-la na capital e em cidades mais

desenvolvidas, como Mamanguape e Areia onde prevalecia um espírito mais adiantado e

“costumes mais brandos e accessiveis aos beneficios da civilisação” , que também

dispunham de “agentes de bôa vontade”, os quais, “sem onus para o thesouro”, poderiam

realizar o arrolamento da população escolar. A mesma diretoria considerava, porém, que,

sem “sindicatos” (ou seja, “representações”) e sem sanção penal, a execução de tal

obrigatoriedade por toda a extensão da Província seria inexequível. (PARAHYBA DO

NORTE, Provincia da, Relatorio..., 1887, p. 48).

A (re)organização escolar na Província da Parahyba do Norte no ocaso do Império

O governo provincial paraibano para além das escolas primárias mistas já existentes,

definiu em 1884, a possibilidade de criação de escolas noturnas. A consecução dessa

“modalidade”10 de escola já era defendida por muitos intelectuais e por alguns

8Sobre as normas disciplinares destinadas aos professores e alunos consultar o estudo realizado por Miranda (2012).

9Artigos 3º e 4º dos mencionados Regulamentos de 1884 e de 1886. 10Termo atual para falarmos do passado, uma vez que não encontramos a sua utilização na documentação

consultada.

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administradores públicos, desde os anos de 1860. Entre os primeiros aqui destacamos o

estudo realizado por Tavares Bastos (1996), denominado A Província. Nessa obra o

mencionado intelectual apontou para a necessidade de as províncias aplicarem uma “taxa

escolar” que deveria ser destinada à instrução primária dos adultos, bem como para a

“formação de bibliothecas populares, e divulgação de livros de leitura”, além dos “cursos

nocturnos para adultos” (p. 244 e 246). Entretanto, particularmente na Parahyba do Norte,

temos a informação que somente na década seguinte, isto é, em 1870 é que foi publicada a lei

de nº 400 de 19 de dezembro na qual rezava no seu artigo 1º que ficava o “presidente da

província autorizado a designar um professor de instrução primária do sexo masculino dos

existentes nesta capital para lecionar das seis as dez horas da noite.”11 Catorze anos depois,

isto é, em 1884, o Regulamento de nº 30 ressaltava que essas escolas deveriam ser “regidas,

mediante uma gratificação razoável, por algum dos professores públicos da localidade

designado pelo presidente da Província sob a indicação da diretoria geral da instrução

pública.”

Sobre o funcionamento da escola primária, independentemente de sua “modalidade” 12

(mista ou noturna) ou divisão (1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe) ficou previsto que cada escola poderia

elaborar os seus regimentos internos, além de regular “os exercícios escolares, a forma de

exames, a distribuição de tempo e de matérias do ensino e o mais que convir ao regime

econômico das mesmas.”13

Em 1886, a Província da Parahyba do Norte estabeleceu que os distritos escolares

seguiriam as mesmas delimitações geográficas destinadas às Comarcas. Assim cada distrito

escolar teria um inspetor que nomearia um ou mais comissários. Caberia aos inspetores

escolares

reunir em seus respectivos distritos, ao menos uma vez anualmente, os professores e professoras de instrução primária a fim de conferenciarem sobre os assuntos que mais [interessassem] o desenvolvimento das escolas e aperfeiçoamento dos métodos de ensino. Do resultado dessas conferências darão conta em relatório ao Diretor da Instrução Primária.14

Infelizmente, até o momento não encontramos nenhum desses relatórios e nem a

informação se de fato essas reuniões ocorreram.

11 Cf. Pinheiro; Cury (2004). 12 1ª Classe eram as escolas localizadas na capital; 2ª Classe eram as escolas localizadas em outras cidades; 3ª ou

4ª Classes eram as escolas localizadas nas vilas classificadas conforme determinação do presidente da Província. 13 Cf. Artigo 6º dos Regulamentos de 1884 e de 1886. 14Artigo 109º da Resolução do Governo Provincial de 31 de março de 1886.

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A mais significativa ação do poder provincial paraibano acerca da organização escolar

pública e particular, no ocaso do regime imperial foi a criação do Conselho Ensino Provincial,

em 1884 e que foi mantido no Regulamento de 1886, contudo acrescido do termo ‘superior’,

ou seja, passando a ser denominado Conselho Superior do Ensino Provincial.

Assim, na versão de 1884 era composto pelos seguintes membros:

Do Diretor Geral da instrução pública, De dois professores da escola normal, De três cidadãos que retenham distinguido nas letras ou no magistério, De um dos professores de instrução primária da capital.15

Já no Regulamento de 1886 o mencionado Conselho Superior ficou assim constituído:

Do Diretor do Liceu Paraibano, Do Diretor Geral da instrução primária, Do Diretor do Externato Normal, De um professor do Liceu Paraibano eleito pela congregação, De um professor primário da capital e nomeado pelo presidente da província e De duas pessoas de distinção, estranhas ao magistério público, também nomeadas pelo presidente da província.16

O que podemos de imediato perceber é que no Regulamento de 1884, não havia

nenhum representante do Liceu Parahybano, em virtude do interstício em que a mencionada

instituição secundária havia sido extinta pela lei de número 761 de 7 de dezembro de 1883 e

“convertido” em escolar normal pelo mesmo Regulamento de 1884. Assim, o Conselho

contava com dois professores da Escola Normal. No Regulamento de 1886 a composição se

inverteu passando a dispor de dois representantes do Liceu e apenas um, ou seja, do Diretor

do Externato (Escola) Normal.

Consideramos que a composição do mencionado Conselho, acompanhou, portanto, as

correlações de forças que se estabeleceram entre aqueles que defendiam maior poder e

inserção social da Escola Normal e aqueles que lutavam pela manutenção de status quo do

Liceu Parahybano.

Aqui fica um pouco difícil de estabelecermos claramente quem defendia o que? Eram os

liberais que defendiam maior poder da escola normal e, de outro lado, os conservadores a

manutenção de hegemonia no ensino secundário promovido pelo Liceu Paraibano? Para

tanto, teríamos que esmiuçar melhor as teias de relações de poder entre essas duas

agremiações políticas, isso sem contar com a interferência do Partido Progressista e dos

republicanos que passaram a ganhar maior espaço político desde os anos de 1870. O que

15Cf. Artigo 198 do Regulamento nº 30 de 1884. 16Artigo 109º da Resolução do Governo Provincial de 31 de março de 1886.

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sabemos até o momento é que os corpos docentes dessas duas instituições abrigavam

professores vinculados tanto ao Partido Liberal quanto vinculados ao Partido Conservador e

que alguns dos seus professores atuavam nas duas instituições.

Independentemente desses movimentos conjunturais o que nos importa aqui realçar é

que talvez tenha sido a constituição desse Conselho um dos aspectos que bem representa os

fortes ventos republicanos que conduziram às grandes mudanças políticas e institucionais

que vivenciou o Brasil naquele significativo momento histórico. Foram os últimos suspiros,

ou melhor, o ocaso do regime monárquico.

Aqui, não é inoportuno lembrarmos que o regime republicano tinha como base

filosófica para a sua constituição a representatividade política e em menor grau social. Nesse

sentido, indiscutivelmente a formação de um conselho superior para a instrução abriu, se não

de forma tão significativa do ponto de vista cultural, mas com certeza como forte elemento

simbólico de participação social para a elaboração de políticas voltadas para a instrução

pública e particular, haja vista, a possibilidade de ser constituído por “duas pessoas de

distinção, estranhas ao magistério público.” Aspecto esse que nos parece inédito na história

política e educacional paraibana. Entretanto, para melhor entendermos os meandros

políticos e culturais e a seu real significado para a melhoria da educação na Parahyba do

Norte e de resto para todo o Brasil se constitui uma questão que precisa ser melhor

averiguada pelos historiadores da educação.

As instituições secundárias e primárias

No que concerne ao ensino secundário público na Província paraibana duas

instituições, pelo menos do ponto de vista historiográfico, se destacam: O Liceu Provincial

(depois Parahybano) e o Externato (Escola) Normal. Frisamos do “ponto de vista

historiográfico”, uma vez que temos conhecimento da existência de várias outras instituições

de ensino secundário particulares confessionais e não confessionais, existentes na Parahyba

do Norte oitocentista, mas que ainda não foram devidamente estudadas, constituindo-se,

portanto, possíveis objetos de pesquisa no campo da história da educação paraibana e mais

particularmente na perspectiva da história das instituições educacionais e/ou escolares. (Ver

Quadro 1). Nesse sentido, aqui nos detemos, mais uma vez às instituições acima

mencionadas.

Como já mencionado nos estudos realizados por Pinheiro (2011), Ferronato (2014) e

Miranda (2017) o Liceu Provincial a partir da publicação da Resolução nº 288 de 11 de

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novembro de 1885 foi restaurado “sob a denominação de Liceu Paraibano o antigo liceu desta

província [que fora] suprimido pelo regulamento nº de 30 de julho de 1884.”17 (Ver figura 1).

Figura 1 – Hoje denominamos os prédios pertencentes inicialmente aos jesuítas de “Conjunto Jesuítico”. Realizei esta montagem a partir de duas fotos publicadas nas seguintes obras:

Leitão (2000, p. 362) e Ribeiro (1994, p. 3). As duas fotografias são, muito provavelmente, da década de 1910.

Após a sua recriação ou “desconvertido” o Liceu passou a ser dirigido por um Reitor18 e

não mais por um diretor. Assim o Reitor passou a se entender diretamente com o Presidente

da Província, estando, por conseguinte, hierarquicamente no mesmo nível de poder do

Diretor Geral da Instrução Pública. Passou, ainda, a exercer todas as atribuições, que pelos

regulamentos anteriores pertenciam ao diretor geral da instrução, ou seja, no que concernia

ao gerenciamento ensino secundário público e particular.19 Esses procedimentos

administrativos, para nós evidenciam mais uma vez a importância política e social daquele

que viesse a dirigir o Liceu Parahybano além da significação cultural que essa instituição

detinha na Parahyba do Norte, conforme as minuciosas análises realizadas por Menezes

(1983), Ferronato (2014) e Miranda (2017).

Naquele mesmo ano, ou seja, em 1884, finalmente, foi criado o Externato (Escola)

Normal da Parahyba do Norte, entretanto a sua instalação somente ocorreu solenemente em

07 de abril de 1885 e teve seu regulamento publicado em 14 de janeiro de 1886.20

17 Cf. também a Resolução nº 288 de 11 de novembro de 1885 explicita no seu § 1º Artigo 1º: “Funcionara independente da escola normal, sob a direção de um Reitor e será exclusivamente destinado ao ensino das matérias que constituem a instrução secundária” (PINHEIRO; CURY, 2004).

18 Cf. Resolução nº 288 de 11 de novembro de 1885. 19 Cf. § 2º do Artigo 1º da Resolução nº 288 de 11 de novembro de 1885. 20 Sobre essa instituição consultar o estudo realizado por Araújo (2010).

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Figura 2 – Primeira Escola Normal da Paraíba (inaugurada em 1885). Foto: Bruna Maria Morais de Paiva, 2005.

Figura 3 – Detalhe da foto anterior. Placa afixada na Fachada do prédio, informando que sua pedra fundamental foi assentada em 1874. Foto: Bruna Maria Morais de Paiva, 2005.

Quando aqui utilizamos o advérbio “finalmente” implica em dizer que antes da sua

criação definitiva ocorreram diversas tentativas que foram empreendidas por diversos

administradores do poder público provincial com o objetivo de formar/qualificar e/ou

profissionalizar o professorado. As formas adotadas foram múltiplas, desde a criação da

cadeira de ensino normal ou da cadeira de pedagogia no interior do Liceu Paraibano até a sua

criação como um Externato Normal independente e autônomo do ponto de vista

institucional. Tais empreendimentos políticos revelavam que a tradicional prática do

professor em se formar a partir do autodidatismo (erudição) ou quando ocorriam as

preparações que antecediam a realização de concursos públicos não mais atendiam as

demandas sociais e econômicas da Nação que se encontrava em processo de constituição.

(ARAÚJO, 2010). O “simples”, mas, relativamente raro21 domínio da leitura e escrita além

21Lembremos o Brasil e a Província da Parahyba do Norte apresentavam altíssimos índices de analfabetismo.

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das operações matemáticas mais elementares22, tornaram-se cada vez mais “insuficientes”

para o exercício do ensino formal e escolar. Era necessária uma compressão mais qualificada

em torno da relação ensino-aprendizagem, ou seja, os ventos filosóficos e pedagógicos

advindos, especialmente da Europa pelas publicações realizadas por João Amós Coménio,

Jean-Jacques Rousseau, Marquês de Condorcet,Johann Friedrich Herbart e Herbert

Spencer, entre outros, chegavam ao Brasil e a Parahyba do Norte. Não podemos nos esquecer

que em 1886 foi publicada no Brasil a obra Primeiras Lições de Coisas23, manual de ensino

elementar para o uso de pais e professores de Norman Alisson Calkins, em língua portuguesa,

que fora traduzida por Ruy Barbosa. Lembremos, também, que já em 1882/1883 encontrava-

se em tramitação na Câmara dos Deputados do Império a Reforma do Ensino Primário e as

várias instituições complementares da instrução pública. Trata-se, portanto, do Parecer e

projeto da Comissão de Instrução Pública que foi composta por Ruy Barbosa, Thomaz do

Bomfim Espínola24 e Ulysses Machado Pereira Vianna.25

As obras produzidas pelos mencionados intelectuais e educadores, além de tantos

outros, forneciam as necessárias orientações didáticas que passaram a ter um papel mais

significativo no processo de sistematizar, organizar, hierarquizando o saber escolar.

Outro aspecto que garantiria a importância desse processo formativo realizado no

Externato (Escola) Normal, refere-se ao fato de que a partir de 1886, “as professoras tituladas

pelo externato normal [estariam] dispensadas das provas do concurso; e enquanto houver

pessoas nestas condições não [poderiam] outras [serem] nomeadas, nem mesmo

interinamente.”26

22No Artigo 1º do Regulamento nº 30 de 1884 constam as seguintes matérias que deveriam constar no ensino primário: “leitura e escripta, elementos de gramática portugueza, principios e arithmética, sistema legal de pesos e medidas, noções de história e geographia do Brazil, noções de história sagrada, trabalho de agulhas e prendas domésticas nas escolas do sexo feminino.” Tal normatização se repete no Regulamento nº 36 de 1886.

23“Foi publicada pela primeira vez no ano de 1861, nos Estados Unidos e traduzida/adaptada para a língua portuguesa, em 1886. Tão logo foi lançada já era indicada e aprovada pela Congregação da Escola Normal e Conselho Superior do Ensino da Bahia, pelo Conselho de Instrução do Rio de Janeiro, na época capital da República e pela província de São Paulo, que adquiriu 500 exemplares para distribuição pelas escolas. A partir daí disseminou-se país afora, sendo recomendada até cerca de 1920, como guia para o preparo das lições pelos/as alunos/as das Escolas Normais de todo o país.” (AURAS, 2004, p. 4).

24 Sobre esse intelectual, geógrafo e parlamentar ver o estudo realizado por Vilar (2017). 25 Cf. Publicação completa, em 4 volumes, realizada pela Fundação Casa Rui Barbosa. Edição Comemorativa do 1º

Centenário dos Pareceres Apresentados na Câmara do Império em 1882. 26 Cf. § Único do Artigo 2º da Resolução do Governo Provincial de 31 de março de 1886. (PINHEIRO; CURY,

2004).

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QUADRO 1

ALGUMAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES PÚBLICAS E PARTICUALRES QUE AINDA FUNCIONAVAM NA DÉCADA DE 188027 NA

PROVÍNCIA DA PARAHYBA DO NORTE

NOME LOCALIZAÇÃO ANO DE

FUNDAÇÃO OBSERVAÇÕES

Lyceu Parahybano Cidade da Parahiba 1836

Colégio Padre Rolim Cajazeiras 1843

Colégio do professor Demétrio Toledo

Pilar 1860

Colégio Doutor Brandão São João do Cariri 1860

Colégio de Joaquim Silva Areia 1865 Funcionou até 1882, quando o seu diretor mudou-se para a

capital.

Casa de Caridade de Santa Fé Santa Fé 1866 Criada pelo Pe. Ibiapina.

Colégio Sant’Anna

Cidade da Parahiba.

Funcionou, inicialmente, na Rua Nova (atual Gal. Osório) e passou

no ano seguinte, ou seja, 1882 para a Rua Direita, nº 82 (atual

Duque de Caxias).

1881, (OBS: ainda funcionava em

1885)

Sob a direção de Anna Cândida Carneiro da Cunha Cesar.

Casa de Caridade da Vila de Cabaceiras

Cabaceiras 1881

Não se trata do ano de fundação, mas a indicação de uma

professora responsável em “ensinar internamente as

matérias de instrução primária”.

Colégio Parahybano Cidade da Parahiba 1882

O colégio pertencia ao professor Joaquim Silva que o re-fundou na capital após ter saído da cidade de

Areia.

Externato Normal Cidade da Parahiba 1884 a 1893

Colégio 15 de Agosto Cidade da Parahiba 1885 a 1891 Fundado pelo bacharel português

Manoel Fortunato do Couto e Aguiar.

Colégio São José 1885

Dirigido pelo aposentado Francisco de Assis e Silva.

OBS: Não sabemos ainda se é uma instituição distinta daquela

que mencionamos acima (Campina Grande – 1878) ou

trata-se da mesma.

Escola de Aprendizes Marinheiros Cidade da Parahiba 1885 Em 10 de outubro, no Convento

de Santo Antonio.

Fonte: Levantamento elaborado pelo autor deste trabalho a partir da leitura de vários documentos. Vale ressaltar que as informações não são precisas, requerendo, portanto, estudos mais cuidadosos sobre as instituições elencadas. É importante também salientar que possivelmente outras escolas foram criadas, mas ainda não identificadas. Sobre as escolas particulares consultar o estudo realizado por Pinheiro (2012).

27 Algumas instituições escolares e educacionais tiveram vida efêmera, tais como: Escola particular do Capitão José Pereira Dourado (1851 a 1856, Cidade da Parahyba); Colégio Nossa Senhora das Neves (para meninas) (1858 a 1861, Cidade da Parahyba); Colégio de Aprendizes Artífices (1865 a 1874, Cidade da Parahyba); Colégio Nossa Senhora do Carmo, para meninas (1865 a 1875, Campina Grande); Colégio São José (1878 - 1879(?), Campina Grande).

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Quanto ao nível primário, a Província da Parahyba do Norte dispunha, em 1884, de 83

cadeiras isoladas públicas, das quais 44 para meninos e 39 para meninas, totalizando 2.971

matriculados. Já no ano de 1889, comparativamente ao de 1884, verificamos que ocorreu

uma diminuição das matrículas, que ficou em torno de 2.284, distribuídas nas 79 cadeiras

isoladas em funcionamento, ou seja, 667 alunos/as, quase 1/4 deixaram de frequentar a

escola. (PINHEIRO, 2002).

Com relação as escolas particulares, até o momento não encontramos informações mais

precisas sobre a quantidade delas em funcionamento e muito menos ainda em relação ao

número de alunos matriculados. O que encontramos até o momento refere-se ao

funcionamento da Escola particular de ensino primário, para meninas, de D. Joanna

Miquelina da Silva Lima, criada em 1879, na cidade de Areia. A Escola particular de ensino

primário para meninas de D. Rosa Adelaide Julia Henrique, criada em 1883 e funcionando

na cidade da Parahyba, além da aula particular do professor João Licínio Velloso, criada em

1864 e que também funcionou no salão do andar térreo do Convento do Carmo, na cidade da

Parahyba.

Considerações finais

Findou o regime monárquico tendo produzido uma elevada gama de regulamentações e

normatizações acerca da instrução pública e particular. Foi possivelmente o maior acervo

cultural, ou legado educacional deixado pelo século XIX, (SAVIANI, 2006), além das próprias

instituições escolares primárias e secundárias que foram criadas, no sentido de engendrar o

processo de construção da Nação brasileira.

A grande quantidade de leis e regulamentos, no entanto, não conseguiram produzir ao

mesmo tempo a superação dos elevados índices de analfabetismo que abatiam o Brasil,

deixando-o sempre em posição de atraso em relação ao chamado mundo civilizado, ou seja,

em relação a alguns países europeus e aos Estados Unidos. Essa questão era também

percebida pelos próprios agentes educacionais e intelectuais pertencentes ao seu tempo. O

descontentamento de muitos e o pessimismo de alguns fazia com que os próprios

administradores públicos questionassem a sua eficácia para a melhoria, de fato, da qualidade

da instrução na Parahyba do Norte e de resto de todo o Brasil. Em uma das últimas

avaliações produzidas, antes da implementação do regime republicano, ou melhor, no ocaso

do regime imperial, essa questão ficou evidenciada na fala do presidente da província

durante a abertura da Assembleia Provincial, em 1887. Acompanhemos:

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entendo que não devemos nos lançar a novas reformas, salvo alguns retoques, que a experiência apontar como necessárias às tendências do meio social em que vivemos e às solicitações da prática; porquanto uma instituição que se reforma a pequenos espaços como se há feito com a instrucção da província desacredita-se, torna vacilante os direitos que se propões garantir, põe em desespero as obrigações creadas pela mobilidade de seu cumprimento e raras vezes não interpreta a ostentação da vaidade. Respeito a ultima como producto de maior critério. (PARAHYBA DO NORTE, 1887, p. 44).

Nesse sentido, todo o aparato legal contribuiu muito precariamente no sentido de

implementar mudanças culturais e políticas que superassem, ou pelo menos minimizassem,

os perversos efeitos de uma estrutura político-social extremamente hierarquizada, assentada

no escravismo, no latifúndio e no modelo agroexportador. Ao mesmo tempo não podemos

desconsiderar que todo o aparato normativo e regulamental, sofreu constantes interferências

das disputas de poder lideradas pelos partidos Liberal, Conservador e Republicano.

No âmbito das questões instrucionais permanceu, pelo menos até 1888, em pauta a

exigência formal dos alunos serem “livres” para frequentarem a escola pública, mesmo que

algumas ações específicas de “resistência” ou de quebra da “legalidade formal” tenham

possibilitado a alguns sujeitos escravizados, homens libertos, além dos pobres de qualquer

matriz etnica-racial a acessarem a escolarização.28

No ocaso do império esteve também em pauta a necessidade de se implementar um

capitalismo moderno, capaz de desenvolver “trabalho útil [que] exige a in-corporação de

conhecimentos – literalmente, ‘tornar corpo’, ou seja, tornar-se reflexo automático, como são

as reações corporais, as capacidades ou disposições que o aprendizado de qualquer

conhecimento útil presupõe.” (SOUZA, 2016, p. 79 – 80, itálico do autor). É, portanto, nessa

perspctiva que podemos compreender as tentativas de regulamentação das escolas noturnas

para todos aqueles que tivessem idade acima de 15 anos. Vale por fim, também, ressaltar que

foi por meio dos Regualmentos de 1884 e de 1886 que se deram as orientações

administrativas e pedagógicas, oferecendo novos alentos sócio-culturais e políticos ao Lyceu

Parahybano, ao mesmo tempo em que depositaram positivas expectativas no Externato

(Escola) Normal, no sentido de contribuir com o processo de nova conformação do

professorado.

Todas as mudanças conjunturais, aqui neste estudo apontadas, deram continuidade ao

projeto de Nação assentado nos princípios civilizatórios inspirados no modelo europeu, ou

mais precisamente, português e francês. Com o fim da escravidão e a instauração do regime

28 Cf. Importante estudo realizado por Barros (2017).

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republicano esperanças novas foram tecidas visando à melhoria das condições sociais e

culturais do povo brasileiro. Mas o que e como de fato se processaram? Essa é uma outra

longa e complicada história...

Referências e Fontes

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