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FUJIKAWA, E. S.. O objetivo do milênio 1 e a infância no Brasil: as influências das políticas do governo federal e a linha tênue do desenvolvimento social. C@LEA Revista Cadernos de Aulas do LEA, Ilhéus, n. 3, p. 52 74, nov. 2014. O OBJETIVO DO MILÊNIO 1 E A INFÂNCIA NO BRASIL: AS INFLUÊNCIAS DAS POLÍTICAS DO GOVERNO FEDERAL E A LINHA TÊNUE DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL Eduardo Shigueo Fujikawa * Resumo: O Brasil é considerado um país em desenvolvimento capaz de atingir importantes avanços econômicos e políticos na conjuntura internacional. Contudo, o país ainda sofre com as desigualdades sociais que preocupantemente parecem ter atingido um estado crônico no ambiente interno. Neste contexto, o presente artigo propõe uma reflexão acerca do Objetivo do Milênio 1 (ODM1), de suas metas e das ações e políticas aplicadas em busca de amenização dos efeitos da pobreza e da fome que incidem, sobretudo, nas crianças do país. Verifica-se que, a despeito da consciência da importância de incluir a infância no planejamento e execução de políticas públicas, muitas ações não permeiam uma reestruturação da base como medida definitiva para a erradicação da fome e da pobreza. O artigo propõe uma análise crítica resultante de pesquisa bibliográfica dos diversos relatórios publicados pelo governo brasileiro, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por organizações não governamentais, bem como de artigos e publicações científicas que discorrem sobre o ODM1 e sobre as políticas públicas nacionais relacionadas que exercem influência na realidade das crianças no Brasil. Palavras-chave: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Infância. Políticas Públicas. Abstract: Brazil is optimistically considered a developing country capable of achieving important economic and political improvements in the international scenario. Nevertheless, the country still suffers from social inequalities that seem to have reached a chronic state internally. In this context, this paper presents a reflection about the Millennium Development Goal 1 (MDG1) and its targets and policies addressed to minimize the poverty and hunger effects, especially on children. It's noticed that despite the awareness about the importance of including the infancy dynamics in the planning and implementation strategies of public policies, many of them do not include restructuring measures that can effectively end poverty and hunger. This paper offers a critical analysis based on bibliographic research of several reports published by the Brazilian government, the United Nations (UN) and non- governmental organizations as well as scientific publications about the MDG1 and the national public policies that affect the reality of the Brazilian children. Keywords: Millennium Development Goals. Children. Public Policies. * Bacharel em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais pela Universidade Estadual de Santa Cruz e Mestre em Cooperação e Desenvolvimento Internacional pela Universidade Católica do Coração Sagrado de Milão.

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FUJIKAWA, E. S.. O objetivo do milênio 1 e a infância no Brasil: as influências das políticas do governo federal

e a linha tênue do desenvolvimento social. C@LEA – Revista Cadernos de Aulas do LEA, Ilhéus, n. 3, p. 52 –

74, nov. 2014.

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O OBJETIVO DO MILÊNIO 1 E A INFÂNCIA NO BRASIL: AS INFLUÊNCIAS DAS

POLÍTICAS DO GOVERNO FEDERAL E A LINHA TÊNUE DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Eduardo Shigueo Fujikawa*

Resumo: O Brasil é considerado um país em desenvolvimento capaz de atingir importantes

avanços econômicos e políticos na conjuntura internacional. Contudo, o país ainda sofre com

as desigualdades sociais que preocupantemente parecem ter atingido um estado crônico no

ambiente interno. Neste contexto, o presente artigo propõe uma reflexão acerca do Objetivo

do Milênio 1 (ODM1), de suas metas e das ações e políticas aplicadas em busca de

amenização dos efeitos da pobreza e da fome que incidem, sobretudo, nas crianças do país.

Verifica-se que, a despeito da consciência da importância de incluir a infância no

planejamento e execução de políticas públicas, muitas ações não permeiam uma

reestruturação da base como medida definitiva para a erradicação da fome e da pobreza. O

artigo propõe uma análise crítica resultante de pesquisa bibliográfica dos diversos relatórios

publicados pelo governo brasileiro, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por

organizações não governamentais, bem como de artigos e publicações científicas que

discorrem sobre o ODM1 e sobre as políticas públicas nacionais relacionadas que exercem

influência na realidade das crianças no Brasil.

Palavras-chave: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Infância. Políticas Públicas.

Abstract: Brazil is optimistically considered a developing country capable of achieving

important economic and political improvements in the international scenario. Nevertheless,

the country still suffers from social inequalities that seem to have reached a chronic state

internally. In this context, this paper presents a reflection about the Millennium Development

Goal 1 (MDG1) and its targets and policies addressed to minimize the poverty and hunger

effects, especially on children. It's noticed that despite the awareness about the importance of

including the infancy dynamics in the planning and implementation strategies of public

policies, many of them do not include restructuring measures that can effectively end poverty

and hunger. This paper offers a critical analysis based on bibliographic research of several

reports published by the Brazilian government, the United Nations (UN) and non-

governmental organizations as well as scientific publications about the MDG1 and the

national public policies that affect the reality of the Brazilian children.

Keywords: Millennium Development Goals. Children. Public Policies.

* Bacharel em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais pela Universidade Estadual de

Santa Cruz e Mestre em Cooperação e Desenvolvimento Internacional pela Universidade Católica do Coração

Sagrado de Milão.

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1 Os objetivos de desenvolvimento do milênio: considerações iniciais

Em um contexto de grande preocupação internacional resultante de conflitos e de

profundo debate sobre os direitos humanos, a Organização das Nações Unidas (ONU) com o

apoio de 191 nações criou, no dia 8 de setembro de 2000, a Declaração do Milênio. O

documento seria a base de compromissos que definiria os Objetivos de Desenvolvimento do

Milênio (ODM) propostos como uma tentativa de mobilização para convergir o engajamento

mundial na busca por melhores direcionamentos para a humanidade no século XXI (PNUD,

2000). Shetty (2004), em palestra realizada no IV Colóquio Internacional de Direitos

Humanos, ponderou sobre o contexto da concepção dos ODM:

Envergonhados pela magnitude dessa violação aos direitos humanos fundamentais e

perturbados pela potencial reação sobre a segurança global dessa extrema privação

enfrentada pela maioria da população, os líderes mundiais, em setembro de 2000, assumiram um compromisso. Na maior reunião de chefes de Estado da história da

humanidade, subscreveram um documento solene no qual prometiam libertar seus

concidadãos da indignidade e do sofrimento que acompanham a abjeta pobreza. No

momento em que se iniciava um século e um milênio, recapitularam os resultados

das diversas conferências de cúpula das Nações Unidas da década de 90, e

estipularam para si mesmos um período de 15 anos, ou seja, até 2015, para atingir

um conjunto de metas e objetivos mínimos, embora concretos. Esse programa ficou

conhecido como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Neste cenário de preocupações por medidas eficazes para o combate das mazelas

sociais e econômicas a nível global, foram criados os seguintes objetivos: 1) Acabar com a

fome e a miséria; 2) Oferecer educação básica de qualidade para todos; 3) Promover a

igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir a mortalidade infantil; 5)

Melhorar a saúde das gestantes; 6) Combater a AIDS, a malária e outras doenças; 7) Garantir

qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e 8) Estabelecer parcerias para o

desenvolvimento. Apesar de mínimos, como aponta Shetty, os objetivos são pautados por

metas e prazos bem definidos. Foram estabelecidos um total de 22 metas e 48 indicadores

para os objetivos que devem ser cumpridos até 2015.

A importância contextual dos ODM se dá pela abrangência de nações comprometidas

nos esforços de alcance dos objetivos, seja internamente, por meio de ações e estratégias em

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busca de melhorias sociais, políticas, econômicas e ambientais, sobretudo em países em

desenvolvimento, como também em ações voltadas à cooperação internacional, financiamento

técnico e ajuda humanitária liderada por nações desenvolvidas. Apesar dos debates que

permeiam o efetivo comprometimento dos países, os ODM podem ser considerados

importantes diretrizes para o desenvolvimento global sustentável.

1.1 Os objetivos do milênio e o Brasil

O governo brasileiro acompanhou o posicionamento internacional evidenciando sua

preocupação acerca dos objetivos propostos e passou a intensificar suas ações para atingir

padrões de qualidade superiores nos campos da saúde, educação, trabalho e assistência social.

Ficou evidente que a Declaração do Milênio se tornaria parte da construção de políticas

públicas nacionais em caráter permanente. Este comprometimento reflete nos resultados

progressivos alcançados. Já em 2001, um estudo desenvolvido pelo Centro Internacional de

Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) apontara melhora em 69,2% dos indicadores brasileiros. O

comprometimento brasileiro com as diretrizes da Declaração do Milênio ainda é refletido

pelos diversos relatórios de acompanhamento publicados periodicamente, o estabelecimento

de indicadores nacionais específicos relacionados aos ODM e ainda a definição clara das

iniciativas governamentais capazes de promover significativas melhorias em seus indicadores.

Não coincidentemente, o Brasil foi reconhecido como promotor dos ODM e importante ator

na conjuntura da cooperação internacional para os países menos desenvolvidos. Este

posicionamento o fez principal protagonista da América Latina no desenvolvimento de

debates e ações para as temáticas relacionadas aos ODM.

No que tange aos resultados nacionais até o momento, a diversidade das

microrrealidades do país torna a avaliação complexa e multifacetada. O vasto território, as

diferenças culturais e os fatores econômicos são modificadores relevantes nos diversos

estados brasileiros. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)1 é um

1 Em 2012, o PNUD Brasil, o IPEA e a Fundação João Pinheiro adaptaram a metodologia do IDH global para

calcular o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios brasileiros a partir de dados do Censo Demográfico de

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parâmetro mensurável para representar estas diferenças regionais. Enquanto que estados

pertencentes majoritariamente às regiões Sul e Sudeste apresentam os 7 melhores índices com

média de 0.768, os 7 piores indicadores pertencem a estados do norte e nordeste, com média

de 0.649 (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2013). A busca pela redução das

desigualdades sociais e da iniquidade existente no território é, portanto, um grande desafio do

governo brasileiro no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Até 2015, o Brasil provavelmente terá atingido três ODM. Os objetivos são referentes

à erradicação da pobreza e fome (ODM 1), à redução da mortalidade infantil (ODM 4) e à luta

contra o HIV/AIDS, Malária e outras doenças (ODM 6). Estes resultados devem ser

considerados novamente com a ressalva de que a performance do país é substancialmente

heterogênea. Isto é, algumas regiões avançaram consideravelmente enquanto outras não

acompanharam o mesmo desenvolvimento.

No contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no Brasil, o presente

artigo propõe uma reflexão específica sobre o ODM 1 no âmbito da infância brasileira a partir

de uma metodologia de pesquisa descritiva. Verificar-se-á como as ações e políticas públicas

direcionadas para atender as necessidades e metas do referido Objetivo incidem diretamente

na realidade das crianças e respectivas famílias do país. Por questões metodológicas, a fim de

restringir o escopo de análise, as reflexões são apresentadas no contexto da criança definida

como a pessoa até doze anos de idade incompletos segundo o Estatuto da Criança e do

Adolescente.

2 Objetivo de desenvolvimento do milênio 1 - erradicação da fome e pobreza extrema

Segundo o último Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio

(2010), o Brasil não somente atingiu o objetivo internacional em 2002 como também

ultrapassou novas metas nacionais em 2008. Entretanto, afirmar que o objetivo foi atingido

2010. O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda e é

acompanhado por mais de 180 indicadores socioeconômicos, que dão suporte à análise e ampliam a compreensão dos fenômenos e dinâmicas voltados ao desenvolvimento municipal. O IDHM e os indicadores de

suporte ficam reunidos no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013.

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com plenitude é bastante impróprio, já que as realidades internas são bastante variáveis e

incondizente com a boa performance nacional como um todo.

Ao realizar um cruzamento de dados do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) e do Observatório de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis),

organização não governamental reconhecida pelo trabalho de acompanhamento dos ODM, é

possível verificar esta parcialidade no êxito do objetivo. Apontam os dados que, apesar de o

Brasil já ter atingido o objetivo geral de erradicação da fome e da miséria, 14 estados não

terão reduzido à metade o número de pessoas abaixo da linha da pobreza até 2015. Em outras

palavras, desempenhos superiores verificados, sobretudo, nas Regiões Sul e Sudeste

influenciam, de forma considerável, a média geral, mascarando os maus resultados de outros

estados para os referidos indicadores.

Estas desigualdades se manifestam para além do contexto econômico regional. Elas

permeiam uma realidade complexa dos aspectos socioculturais históricos do país. O Relatório

intitulado Um Brasil para as Crianças – A Sociedade Brasileira e os Objetivos do Milênio

para a Infância e a Adolescência (2004) discorre sobre este contexto:

A iniquidade brasileira não está apenas associada às questões de renda ou das

gerações. Ela se manifesta nas diferenças que se identificam nos mais variados

espaços e dimensões. Os indicadores apontam iniquidades associadas à raça/etnia

dos indivíduos; em função da região que as pessoas moram; do seu sexo; e do grau

de escolaridade da mãe. Isso para não se falar das iniquidades decorrentes de alguma

deficiência ou de outra característica que afaste essas pessoas daquilo que a maioria

considera a “normalidade”. Ela se apresenta entre meninos e meninas; entre negros,

indígenas e brancos; entre o norte e o sul; ou entre o rural e o urbano. (REDE DE

MONITORAMENTO AMIGA DA CRIANÇA. 2004, p.23-24).

As desigualdades sociais e a materialização da pobreza socioeconômica de

determinada comunidade são fatores de extrema influência nas famílias. Estes problemas

sociais incidem com mais violência ainda na vida das crianças. A UNIFEM e UNICEF

atentam para este problema:

A pobreza no país também tem cor. [...] entre as crianças negras, a pobreza é quase

duas vezes maior que entre as brancas e, entre as indígenas, a iniquidade é ainda

maior. Portanto, obter um efetivo impacto na erradicação da pobreza e da fome no

país requer necessariamente a adoção de políticas para reduzi-la desde a pequena

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infância, em especial negra e indígena. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES

UNIDAS. Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 2005, p.2).

Esta situação é agravada pelo fato de que boa parte do progresso não atinge as

populações mais pobres, aquelas que deveriam ser o alvo desse esforço (UM BRASIL PARA

CRIANÇAS, 2004, p.24). Este, sem dúvida, é o maior desafio do poder público e da

sociedade civil do país. As diferenças socioeconômicas no país levaram, inclusive, a

Associação de Anemia Calciforme de São Paulo a propor às Nações Unidas o nono ODM

nomeado Objetivo de Desenvolvimento do Milênio sem Racismo, ressaltando a necessidade de

atenção especial para as questões raciais como representativas e diretamente proporcionais ao

quadro de pobreza no país.

3 Efeitos da pobreza e fome nas crianças brasileiras

A meta 1 estabelecida para o ODM 1 na Declaração do Milênio reafirma o

compromisso dos países em reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção de pessoas

cuja renda é menor que 1,25 dólar por dia. O foco em políticas neoliberais dos anos 90, a

estabilização monetária entre 1993 e 1995 e alguns programas federais implementados, como

o Bolsa Família, contribuíram consideravelmente para o êxito desta meta no Brasil.

Weissheimer salienta este processo ao afirmar que:

Além do impacto de programas sociais como o Bolsa Família, o aumento do salário

mínimo é apontado como um fator responsável pelo aumento dos níveis de

consumo, especialmente de alimentos, e pela elevação da expectativa positiva

quanto ao futuro do país. Especificamente em relação ao Bolsa Família, as pesquisas

indicam o impacto do programa na melhoria da nutrição infantil e também, de modo

mais indireto, na redução do trabalho infantil. (WEISSHEIMER, 2000, p.81-82).

Ao analisar este contexto baseado nas metas estabelecidas para o ODM1, este

desenvolvimento deve ser relativizado. Não obstante tenha-se diagnosticado, segundo o

Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio publicado pelo Instituto de

Economia Aplicada (IPEA) em 2010, que apenas 01 em cada 20 brasileiros era pobre em

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2008, sua concentração em áreas mais vulneráveis da região norte e nordeste é bastante

representativa. Além disso, a inexistência de dados referentes às populações rurais de alguns

estados também corrobora para uma percepção melhorada da situação do país como um todo.

Famílias de baixa renda são mais suscetíveis a sofrer com as debilidades do sistema

público de saúde e educação e possuem dificuldade na provisão de uma alimentação saudável

para o desenvolvimento da criança. As condições nutricionais na infância pautadas por estas

variantes são extremamente importantes por se tratar de um período de desenvolvimento

biopsicossocial. O gráfico abaixo representa o percentual das crianças com peso abaixo do

ideal entre 0 e 4 anos no Brasil conforme os quintis da renda familiar entre 1996 e

2006:

Fonte: Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio. IPEA, 2010.

É possível inferir que parte das famílias que compõem os quintis inferiores são ou

incapazes de prover o consumo diário de calorias e proteínas recomendados a seus membros,

ou oferecem alimentação inapropriada. Apesar de constatada a existência da desnutrição,

sobretudo nas famílias mais pobres, tem-se verificado substancial redução da proporção de

crianças desnutridas com um decréscimo de 9,2%, em 1996, para 3,7%, em 2006, no primeiro

quintil. Este progresso pode ser explicado pelas políticas nacionais de saúde e fortalecimento

das instituições no sistema nas últimas duas décadas.

A despeito da comprovada existência de fome no território brasileiro, é importante

ressaltar que os números são relativamente baixos se analisados no contexto geral do país. O

indicador referente à predominância de crianças subnutridas abaixo de cinco anos de idade

comprova esta constatação. Os dados demonstram que é baixo o risco de crianças deste grupo

consumirem quantidades insuficientes das porções recomendadas de calorias conforme o

9,2

3,7

5,5

2,3 2,5

1,22

0,5

1,61,2

0

2

4

6

8

10

quintil inferior segundo quintil quintil médio quarto quintil quintil superior

Gráfico 1 - Percentual de crianças com menos de 5 anos com peso abaixo do ideal por

quintil da renda familiar no Brasil entre 1996 e 2006

1996

2006

*Não inclusas zonas rurais dos Estados da Região Norte. PNDS, Ministério da Saúde, 2006.

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gráfico abaixo. O indicador considera como referência a taxa de crescimento de crianças

consideradas saudáveis e nutridas de acordo com a Organização Mundial de Saúde:

Fonte: Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio. IPEA, 2010.

Verifica-se, portanto, que o percentual de crianças abaixo do peso ou desnutridas é

relativamente pequeno em uma macroanálise. Assim, é possível afirmar que as crianças

brasileiras estão mais suscetíveis a uma dieta irregular e desbalanceada, em alguns casos,

excessivamente calórica. Outros possíveis problemas agravantes são a exposição a condições

sanitárias impróprias, a precariedade do aleitamento materno e a desinformação no contexto

familiar.

Ressalta-se que apesar da notável tendência temporal de diminuição dos índices de

desnutrição infantil, ela ainda atinge os grupos vulneráveis que sofrem para acessar programas

nutricionais educacionais que lhes propiciem conhecimento de práticas alimentares saudáveis.

Ademais, verifica-se uma necessidade permanente de incluir todo o núcleo familiar na

educação alimentar por meio de oferta de informações e instruções acerca dos cuidados

nutricionais e sanitários adequados para toda a família, com especial atenção às necessidades

peculiares da criança.

Gráfico 2 - Proporção de crianças com menos de 5 anos abaixo do peso no Brasil* entre 1996 e 2006

1996

95,8%

4,2%

2006

98,2%

1,8%

*Não inclusas zonas rurais dos Estados da Região Norte. PNDS, Ministério da Saúde, 2006.

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4 Políticas públicas e ações governamentais em prol do ODM 1 no contexto da infância

brasileira

O último Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio publicado

em 2010 apresenta um conjunto de ações e programas do governo federal desenvolvidos no

território, compatíveis com as propostas dos ODM que, direta ou indiretamente, afetam a

criança brasileira. Ao longo dos 2 mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram

estabelecidas as seguintes ações: a Estratégia Fome Zero, o Bolsa Família, o Programa

Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

(PETI) e o Programa Nacional contra a Violência Sexual de Crianças e Adolescentes.

Ressalta-se que, após o mandato do presidente Lula, algumas das ações foram finalizadas ou

reestruturadas para cumprir papel semelhante em prol dos ODM no mandato da presidente

Dilma Roussef, a partir de 2010, como a implementação do Plano Brasil sem Miséria e Brasil

Carinhoso.

4.1 A importância do Bolsa Família para a geração de renda e o viés do assistencialismo

A associação do Programa Bolsa Família aos Objetivos de Desenvolvimento do

Milênio contribuiu para que o país ganhasse visibilidade notória no cenário internacional. O

Programa, inclusive, é citado com destaque no Relatório das Nações Unidas Children and the

Millennium Development Goals em 2007. A iniciativa é considerada modelo para países em

desenvolvimento que recorrem a programas de transferência de renda na busca de condições

mais igualitárias de acesso a serviços básicos e consumo.

Ainda que o Bolsa Família seja destinado à família como um todo, ele é bastante

influente na realidade das crianças tanto por suas condicionalidades quanto pelos efeitos de

sua aplicação. As condicionalidades impostas para o recebimento dos benefícios acaba por

incentivar as famílias a regularizar a situação de seus filhos nos sistemas de educação, saúde e

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assistência social. Ressalta-se que todas as condicionalidades do programa envolvem a

infância e a juventude2.

Dados demonstram que o programa logrou êxito em termos de aumento da renda

familiar, além de estimular a matrícula e a assiduidade escolar de crianças e adolescentes.

Contudo, é importante relativizar o progresso real e as lacunas camufladas neste suposto

desenvolvimento.

O Bolsa Família é constantemente criticado pelo alto grau de dependência gerado em

seus beneficiários e por seu viés assistencialista. Alayon (1995, p.48), em uma abordagem

radical, define o assistencialismo como uma das atividades sociais que historicamente as

classes dominantes implementaram para reduzir minimamente a miséria que geram e para

perpetuar o sistema de exploração. Evidentemente o conceito de Alayon não pode ser

considerado integralmente apropriado no atual cenário. Sua obra, escrita nos anos 80, foi

emoldurada por um contexto peculiar. Entretanto, ainda que radical, não se pode negar que o

conceito de Alayon ainda é aplicável em certo grau para algumas políticas governamentais

nos dias atuais. O dicionário Aulete (2014) define o assistencialismo como o conceito e a

prática de organizar e prestar assistência a membros ou camadas mais carentes de uma

sociedade, ao invés de atuar para a eliminação das causas de sua carência. Esta definição

reflete a necessidade de oferecer subsídios mínimos para que a população mais pobre possa

suprir suas necessidades mais básicas sem, entretanto, oferecer condições definitivas para que

elas efetivamente saiam da condição de pobreza.

Apesar do tom negativo que leva o conceito do assistencialismo, este demonstra-se

importante e necessário desde que associado a ações que gerem empoderamento. Neste

contexto, a proposta do Programa Bolsa Família é relevante no combate à miséria, permitindo

que a transferência de renda ofereça suporte emergencial às pessoas mais pobres. Entretanto, a

dependência dos recursos transferidos é vista como o principal viés da política. Setti (2013)

2 Conforme portal do Ministério do Desenvolvimento e Combate a Fome as condicionalidades do programa são:

acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. As

mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes

(lactantes), devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê; todas as crianças e

adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados e com frequência escolar mensal mínima

de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%; crianças e adolescentes com até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (Peti), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do

Peti e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal.

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salienta que 45% das famílias cadastradas em 2003 continuam no BF e que o tema remete às

chamadas “portas de saída” do programa: educação, treinamento, para que as pessoas

possam ascender socialmente pelo esforço e qualificação próprios.

Fica evidente que embora existam beneficiários que deixaram voluntariamente o

programa após adquirir independência dos recursos advindos do programa, muitos são os

casos de favorecidos com condições socioeconômicas incondizentes com a proposta que

seguem recebendo o benefício continuamente. Esta situação se dá pela dificuldade de controle

dos beneficiários cadastrados, já que a estrutura de acompanhamento e monitoramento do

programa é bastante deficitária, carente de investimentos estruturais e de recursos humanos

especializados.

No que se refere à infância, o programa contribuiu para a melhoria de suas condições

em proporções relativas. Não há dúvidas de que as crianças estão frequentando mais a escola

e que suas famílias possuem mais condições de oferecer subsídios para que elas recebam

educação, moradia e alimentação. Contudo, isto não infere que elas estejam acessando

serviços básicos de qualidade. Ao focalizar as ações na mera transferência de recursos

financeiros para que as famílias tenham poder de compra e consequentemente maior acesso ao

consumo de produtos e serviços, o governo pouco contribui para que os serviços públicos de

base sejam aperfeiçoados. Neste contexto Ávila (2008, p.10) salienta:

[...] apesar da queda expressiva da desigualdade de distribuição de renda, entendida

como aumento da renda dos mais pobres, verificada no Brasil nos últimos anos, essa

queda não se converte, necessariamente, em melhoria nas outras dimensões da

pobreza, tais como acesso a bens públicos (assistência, saúde, creche, mercado de

trabalho, geração de renda, acesso aos direitos sociais, à proteção social), capital

social e humano, autonomia e participação. É necessário um investimento em políticas públicas diferenciadas que considerem os demais condicionantes de vida,

caso contrário será difícil enfrentar de maneira mais estrutural a extrema

desigualdade de distribuição de renda e de acessos.

Assim, cabe refletir se o fato de ir à escola, por exemplo, proporciona à criança efetivo

conhecimento para que se desenvolvam suas habilidades biopsicossociais em um contexto

onde são verificadas condições estruturais fragilizadas do sistema da educação pública. Além

disso, é primordial que a população tenha o devido acompanhamento na gestão dos recursos

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recebidos pelos programas assistencialistas, para que não se torne refém de um sistema de

subsistência imposto pelo próprio Estado.

4.2 Os programas de segurança alimentar e nutricional no combate à fome

O governo brasileiro, ao longo da história, criou diversos programas alimentares que

foram importantes para a redução da vulnerabilidade social no que tange a segurança

alimentar. No âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a estratégia Fome Zero

do governo federal foi uma das principais propostas para a erradicação da fome. Lançado em

2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa tinha como objetivo

efetivar o direito humano ao acesso ao alimento, além de promover a segurança alimentar e o

suporte nutricional adequado em favor da inclusão social e do direito à cidadania das pessoas

mais vulneráveis à fome.

Apesar do apelo e da positiva aceitação popular, o programa também sofreu

questionamentos. O principal deles foi quanto à percepção subjetiva do significado real da

fome no contexto nacional para a avaliação das políticas que melhor se adequassem às suas

microrrealidades. Frei Betto, consultor da presidência e da mobilização social do programa

Fome Zero, uma vez afirmou, em entrevista, que a fome no Brasil é gorda diferentemente da

fome na África que é magra (ARANDA, 2013). Baseado em sua experiência durante sua

consultoria ao Programa Fome Zero entre 2003 e 2004, ele descreve:

Não encontrava, pelo interior, crianças esquálidas, magérrimas, como as fotos que

vemos da África. E, sim, crianças barrigudas, cheias de vermes, com distúrbios

glandulares, devido à falta de nutrientes essenciais. Assim, há crianças e adultos

obesos e famintos, pois comem apenas um ou dois alimentos, como mandioca, o que

caracteriza desnutrição (IDEM).

As críticas ao programa residem no tratamento da materialização da fome no país

como algo percebido em alguns países africanos. Em outras palavras, uma abordagem

incompatível com a realidade brasileira. Não há dúvidas de que a fome ainda é uma realidade

presente no pais, entretanto, existe um contexto peculiar em que qualquer comparação deve

ser feita com ressalvas.

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No que se refere à segurança alimentar relacionada à infância, o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE) apresenta-se como principal iniciativa dirigente de políticas

neste âmbito. O principal foco das ações é centralizado no desenvolvimento do aluno, na

melhoria de seu rendimento escolar, no fomento a práticas de alimentação consciente e na

provisão de alimentação durante o período escolar.

Apesar de algumas melhorias identificadas a partir da execução do PNAE e outras

ações globais3, é pertinente uma avaliação quanto a aplicabilidade para que sejam adequadas

a uma realidade contemporânea. O PNAE foi implementado em 1955 em um contexto

completamente diferente da conjuntura atual e grande parte de suas premissas são mantidas

desde o começo do programa, ainda que se tenha expandido e transversalizado suas ações4.

Para este novo desenho, faz-se necessário um estudo profundo da nova realidade do país para

que as particularidades de cada contexto sejam consideradas na elaboração de políticas

efetivas condizentes com as necessidades da população local. O Sistema Nacional de Nutrição

e Segurança Alimentar, responsável pelo monitoramento do programa, ainda carece de

mecanismos sólidos de coordenação e articulação para realizar este acompanhamento.

Outro problema dos programas alimentares reside no fato de que eles não foram

efetivos na inclusão das famílias como foco principal em um processo de reeducação

alimentar. As ações deveriam ser direcionadas não somente à criança, mas também a seus

familiares, uma vez que são eles os responsáveis por escolher aquilo que é consumido em

ambiente doméstico, considerando todas as etapas, desde a aquisição, a preparação e

finalmente o consumo do alimento. Este processo deve ser acompanhado por instituições e

profissionais que vão além de especialistas de nutrição. Ademais, as ações de capacitação e

profissionalização devem ser implementadas paralelamente para efetivação do

empoderamento das famílias na geração de renda, acarretando, por conseguinte, a melhoria da

alimentação da família. Além disso, como mencionado anteriormente, o Brasil encontra-se em

3 Como a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com a Rede de Equipamentos Públicos e

Serviços de Alimentação e Nutrição e o Programa de Alimentação do Trabalhador. 4 Em 2009, a sanção da Lei nº 11.947, de 16 de junho, trouxe novos avanços para o PNAE, como a extensão do

Programa para toda a rede pública de educação básica, inclusive aos alunos participantes do Programa Mais

Educação, e de jovens e adultos, e a garantia de que, no mínimo, 30% dos repasses do FNDE sejam investidos na aquisição de produtos da agricultura familiar. Outra mudança importante foi a inclusão do atendimento, em

2013, para os alunos que frequentam o Atendimento Educacional Especializado para os da Educação de Jovens e

Adultos semipresencial e para aqueles matriculados em escolas de tempo integral. (FNDE, 2014).

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fase de declínio das taxas de desnutrição e em aumento no número de crianças com sobrepeso

ou obesas, fato intimamente ligado a uma inadequada cultura alimentar como pontuou Frei

Betto5. Esta realidade atual deve ser pauta para a concepção de novas estratégias e políticas

sociais relacionadas à segurança alimentar.

4.3 A luta contra a exploração do trabalho infantil

A Constituição Brasileira de 1988 consente ao jovem acima de dezesseis anos a

atividade laboral, exceto em condições que lhe ofereçam perigo em local insalubre e/ou em

turnos noturnos. A Constituição também permite que jovens acima de catorze anos trabalhem

na condição legal de aprendiz. Apesar do aparato legal, são recorrentes cenas de trabalho

infantil no comércio e na construção civil nos centros urbanos. Nas zonas rurais, as crianças

comumente exercem trabalhos nas lavouras como parte integrante da geração de renda

familiar. Ambos os cenários são profundamente prejudiciais para o desenvolvimento infantil e

são ocasiões para outras violações de direitos e oferecem riscos para o desenvolvimento

físico, psíquico e sociocomunitário da criança.

Algumas medidas foram tomadas a fim de minimizar estes problemas, como a criação

de instituições especializadas, programas de geração de renda, bolsas escolares,

estabelecimento de período escolar integral em parte das escolas públicas e transferência de

renda para assistência a famílias mais pobres, buscando encorajar o combate do trabalho

infantil no próprio núcleo familiar. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é

parte destes esforços. Ele compreende uma série de ações que visam à retirada de crianças

com menos de quatorze anos inseridas no mercado de trabalho informal, buscando o

fortalecimento dos vínculos familiares e das relações sociais destas crianças. Estes objetivos

são almejados por meio de atividades realizadas nos Centros de Referência da Assistência

Social (CRAS) e nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

Uma vez configurado trabalho infantil, a criança deve compulsoriamente participar das

atividades socioeducativas promovidas por estes Centros.

5 p.12.

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Apesar da importância do programa, algumas deficiências são verificadas quanto à sua

implementação. No relatório Análise Situacional do Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil, realizado pela Gerência do Programa e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância

(2004, p. 43-44), são apontadas algumas limitações do programa, como:

[...] a dificuldade no atendimento para as crianças e adolescentes inseridos em determinados tipos de atividades consideradas como piores formas, como as

atividades ilícitas [...]; a inexistência de uma proposta estratégica adequada para a

promoção da inclusão social das famílias, garantindo sua participação nas atividades

socioeducativas e no desenvolvimento de ações geradoras de renda [...]; a

vinculação da bolsa à criança, reforçando a concepção da criança como provedora

do lar; a limitada participação qualificada de outros atores do Sistema de Garantia

de Direitos,como os Conselhos [...] assim como de representantes de empregadores

e empregados.

O relatório aponta ainda algumas dificuldades relacionadas ao controle social pouco

efetivo, os problemas estruturais que enfrenta a gestão do programa e a insuficiência de

recursos para execução plena do projeto (IDEM).

Embora o PETI tenha contribuído para o envolvimento das crianças em atividades

socioeducativas estimulando-as à participação escolar, o programa apresenta lacunas no que

se refere ao processo educativo e a geração de renda. O Fundo das Nações Unidas para a

Infância (2004, p.33) aponta ainda, no relatório de Análise Situacional do Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil, uma proporção considerável de crianças que oficialmente

participam do programa, mas que continuam trabalhando como fonte complementar da renda

familiar, considerando a incapacidade de geração de renda suficiente para as necessidades

básicas da família. Por isso, apesar da significância do programa, é primordial a inclusão de

estratégias educativas que envolvam um processo de conscientização e suporte às famílias e

atores sociais relevantes, como empregadores e instituições públicas e privadas, na

formulação e gestão de uma estratégia multilateralizada que proteja as crianças do trabalho

infantil com a adoção de estratégias para o controle social das violações de direitos da criança

e do adolescente.

A articulação com o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República (SDH/PR) para o recebimento de denúncias do gênero é um importante

instrumento de comunicação entre a sociedade civil e as instituições de proteção. Segundo a

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SDH/PR, o serviço criado em 2003 realizou mais de 3 milhões de atendimentos até 2013 e,

sem dúvida, tornou-se um canal facilitador para encaminhamentos institucionais de

mobilização e averiguação de denúncias da sociedade civil. Infelizmente, o grande fluxo de

denúncias relativas a variadas formas de violações de direitos humanos pelo Disque 100

resulta em uma complexa tarefa de acompanhamento dos casos. Em teoria, os operadores dos

call centers deveriam ter um conhecimento abrangente e ao mesmo tempo específico para

identificar o tipo de violação, as instituições responsáveis para acompanhamento do caso,

além de fornecer informações precisas e esclarecedoras ao denunciante. Por esta

complexidade, as criticas ao Disque 100 residem na necessidade de capacitação, treinamento

e articulação devido à grande abrangência temática atendida pelo serviço.

5 Participação do poder público e da sociedade civil: a educação como solução definitiva

na luta contra as desigualdades

O contexto do ODM1 permite afirmar que é bastante evidente que as necessidades

primordiais residem na diminuição das desigualdades regionais e locais do território.

Delimitar o êxito conclusivo das metas respectivas ao ODM1 é o mesmo que afirmar que a

pobreza e a fome estão completamente erradicadas no país. Uma vez verificado que a

disparidade social e a iniquidade são problemas centrais para o êxito integral do ODM 1,

parte-se para a busca de soluções que amenizem e eventualmente, de fato, erradiquem estes

problemas.

Neste sentido, é inegável a importância de políticas assistencialistas que propiciem um

mínimo de dignidade à família brasileira de baixa renda. Contudo, deve-se tomar esta

circunstância como medida efêmera, transitória e insuficiente para solucionar os problemas da

pobreza e fome no país. É primordial a adoção de uma abordagem reestruturante que atinja o

foco do problema em sua base. Assim, a educação surge como sustentação e ponto de partida

para esta reconstrução baseada, sobretudo, na priorização da educação na infância e juventude

do país como parte da solução definitiva para a pobreza e a fome no Brasil.

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Campos e Campos (2008, p. 244) salientam a importância da educação infanto-juvenil

como uma ferramenta eficaz no combate à pobreza. As referidas autoras citam a Declaração

de Lima6 para contextualização:

[...] é possível obter avanços muito importantes no combate à pobreza e à pobreza

extrema se nós assegurarmos que as crianças tenham o melhor começo possível de

vida durante os primeiros anos, que recebam atenção na saúde, estimulação precoce

adequada, educação de boa qualidade, e que os adolescentes tenham oportunidades

amplas de exercer seus direitos e de se converter em pessoas responsáveis. Em

outras palavras, garantindo os direitos humanos desde a primeira infância e criando

oportunidades do desenvolvimento integral.

Desta forma, verifica-se a necessidade de focalização nas relações causais dos

problemas que geram a pobreza e a fome, devendo necessariamente passar por uma reflexão

acerca da realidade do sistema educacional atual. A educação de qualidade permite a

formação de cidadãos conscientes, capacitados e protagonistas na formulação e execução de

políticas que gerem benefícios coletivos. Ela também é importante no processo de

transformação social já que possibilita aos indivíduos maiores possibilidades de

profissionalização, propiciando acesso a recursos econômicos. Neste sentido, Schwartzman

(2006, p. 10) afirma que:

Entre as políticas sociais, a educação ocupa posição especial, não só de acordo com

as teorias de capital humano, que atribuem à educação um papel fundamental para o

desenvolvimento econômico, como também pela constatação mais recente, e muito

bem documentada para o Brasil, de que as desigualdades educacionais são o

principal correlato das desigualdades de renda, oportunidades e condições de vida.

Dada a importância da educação para o desenvolvimento socioeconômico, a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), lançou

em 2010 uma exposição internacional chamada Education Counts (Educação Conta) que

evidenciou a importância da educação como fator chave para o êxito no alcance dos Objetivos

de Desenvolvimento do Milênio. Tratando-se do ODM 1, o relatório aponta que para cada ano

6 Os Chefes de Estado e de Governo dos países ibero-americanos, reunidos na XI Reunião realizada na cidade de Lima, em Novembro de 2001, ao subscrever a Declaração, renovam o compromisso com os valores e os

princípios que os identificam, reafirmam o desejo de fortalecer o fórum de convergência política, e concluem um

conjunto de mandatos concretos (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS IBERO-AMERICANOS, 2001).

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escolar adicional, a renda individual cresce até 10%, o PIB 0,37% e 171 milhões de pessoas

poderiam sair da pobreza se os países de baixa renda completassem a alfabetização na escola.

O processo de reestruturação não é papel individual do poder público e este talvez seja

um dos grandes problemas na concepção e implementação das ações referentes aos ODM.

Siqueira (2012) enfatiza a necessidade da participação conjunta na elaboração e execução de

estratégias para a erradicação da pobreza:

O desenho da nova agenda global na luta pela erradicação da pobreza em suas

diferentes formas, incluindo o acesso universal à educação gratuita e de qualidade,

precisa ser discutida e firmada a partir de ampla consulta, diálogo e participação da

sociedade civil. Os vários fóruns de discussão que têm surgido colaboram para o

enriquecimento e democratização dos processos e tomada de decisões oficiais, uma vez que as metas globais caracterizam um desafio que não se limita exclusivamente

aos chefes de Governo, mas sim a um conjunto de atores que envolvem

essencialmente a sociedade civil[...]

Desta forma, a participação multilateral representativa dos mais variados atores é

extremamente importante para o planejamento e execução de ações integradas e ao mesmo

tempo independentes de modo a atender as particularidades do país a nível nacional e

regional. Esta participação já é uma realidade no país, mas ainda carece de articulação. O

Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV), na publicação 50 Jeitos Brasileiros de

Mudar o Mundo: o Brasil rumo aos objetivos de desenvolvimento do milênio, de 2007,

distingue boas práticas desenvolvidas por ONGs e prefeituras em benefício dos ODM em

todo o país. Na publicação, foram reconhecidas diversas ações que envolvem, por exemplo,

agroecologia, atividades artísticas e culturais para crianças em vulnerabilidade social,

profissionalização, dentre outros. Tratando-se do poder público local, a criação das

Estratégias da Gestão Municipal para a Redução da Pobreza proposta pela Confederação

Nacional dos Municípios também é importante para sensibilização do papel das prefeituras na

conquista dos Objetivos do Milênio. Estas ações possuem grande impacto, pois são

concebidas a partir da identificação de problemas contextuais localizados e, por isso, são

importantes transformadores de microrrealidades. Acredita-se que a redução das

desigualdades possa ser possibilitada a partir da execução destas ações, do compartilhamento

de boas práticas e do desenvolvimento de ações conjuntas em todos os níveis de gestão.

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6 Considerações Finais

A compreensão do contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no Brasil

revela uma realidade particular repleta de entrelinhas. As reflexões partem da concepção dos

objetivos em uma macrorrealidade internacional, por vezes, incondizente com as dinâmicas

percebidas em ambiente nacional. A aplicabilidade de ações em resposta aos problemas

verificados mundialmente devem ser averiguadas de modo a adequar-se às problemáticas

peculiares inerentes às diversidades verificadas no vasto e diversificado território brasileiro.

Tratando-se especificamente do ODM 1, deve-se creditar o alcance das metas estabelecidas

com as ressalvas de não completude por conta das desigualdades sociais no Brasil.

As ações do governo federal compatíveis com as propostas do referido objetivo, como

o Fome Zero e o Bolsa Família, foram importantes para incremento da renda familiar e

aumento do poder de compra da população mais pobre. Os programas de segurança alimentar

nas escolas também contribuíram para o aumento da assiduidade escolar de crianças da rede

pública de educação e para a educação alimentar infantil. Contudo, ressalta-se a necessidade

de incluir a família de forma mais significativa neste processo. Salienta-se, ainda, que os

referidos programas carecem de um efetivo acompanhamento de seus beneficiários para que

se conheçam suas necessidades e potencialidades. No que tange a transferência de recursos

financeiros, devem ser criados mecanismos que permitam o suporte institucional na gestão do

capital por parte dos beneficiários para que tais recursos sejam um meio de sair do quadro de

pobreza ao invés de torná-los cada vez mais dependentes dos programas assistencialistas.

Paralelamente a esta prática, requer-se maior atenção para ações que propiciem o

empoderamento social, isto é, ações educativas que promovam a independência econômica da

população, fortalecida por noções de cidadania e participação sociopolítica como sujeitos de

direitos.

Concomitante às políticas circunstanciais, é fundamental a reestruturação dos pilares

da sociedade brasileira. Neste contexto, a educação apresenta-se como uma das principais

soluções, motora de efetivação de cidadania e capaz de promover o êxodo da população que

atualmente vive em extrema pobreza. A educação encontra-se na linha tênue problema-

solução do país. Tratando-se da infância no Brasil, a criança, como pessoa em

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desenvolvimento, requer educação básica de qualidade para que ela se torne um adulto

transformador social e multiplicador de valores de cidadania. A vivência em um sistema de

educação fragilizado, contrariamente, a tornará mais vulnerável às mazelas da marginalização.

Para além das políticas governamentais específicas, verifica-se uma necessidade

prioritária de investimentos estruturais de atendimento e fomento da participação familiar no

desenvolvimento infantil para que as políticas públicas sejam efetivas como responsabilidade

de atores multilaterais pertencentes ao poder público e à sociedade civil.

Finalmente, cabe a reflexão das ações que serão tomadas após 2015, ao final do prazo

dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Reitera-se a importância dos ODM que, sem

dúvida, propiciaram grandes debates sobre o curso da humanidade no mundo global. Muitas

discussões já são fomentadas a partir das lições aprendidas, como a campanha Beyond 2015 e

O Mundo que Queremos 2015. Nesta continuação, é imprescindível uma participação mais

efetiva de representantes da gestão pública local e da sociedade civil para que as ações

possam ser concebidas a partir de um diagnóstico preciso dos problemas geradores das

desigualdades sociais particulares a cada nação.

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