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REPÚBLICA E EDUCAÇÃO: AS INICIATIVAS DE GOMES FREIRE PARA A
EDUCAÇÃO PRIMÁRIA EM MARIANA NO INÍCIO DO SÉCULO XX.
CARVALHO, Rosana Areal VIEIRA, Lívia Carolina
Universidade Federal de Ouro Preto
A região dos Inconfidentes compreende, atualmente, mais de uma dezena de
municípiosi que, até a segunda metade do século XX, faziam parte da antiga Vila Rica,
posteriormente Ouro Preto, e Mariana. Essa região tem sido alvo de inúmeros trabalhos
com a temática da mineração, da escravidão e do desenvolvimento das atividades
econômicas, ou seja, a história econômica da região sempre recebeu a atenção
proporcional à sua importância nos períodos áureos da colônia. Mais recentemente, a
produção historiográfica, alicerçada nos objetos e abordagens da história social e
cultural, tem ampliado o leque das pesquisas, tanto no tocante a temas como outros
recortes cronológicos.
No campo da história da educação, as pesquisas ainda são muito recentes, com
destaque apenas para a educação superior, mais especialmente as referências à Escola
de Minas, reflexo também da importância econômica da própria escola com a formação
de engenheiros especializados para as atividades da mineração. Algumas poucas
referências para a educação de cunho religioso – Seminário da Boa Morte, Escola Dom
Viçoso, Colégio Providência e sobre a Escola Normal de Ouro Preto. Mas pouco se
pesquisou no âmbito da instrução pública.
Considerando a importância da instrução pública para o cenário republicano e as
mudanças impostas a essa região com a transferência da capital do estado para Belo
Horizonte, compreender como a educação foi sendo implantada significa também
conhecer a reorganização da sociedade local e a construção de sua história a partir dessa
nova posição que se estabelece com a construção de Belo Horizonte e a reorganização
sócio-política da região. Pode-se dizer um segundo momento de re-ordenamento social
se considerado aquele ocorrido com a decadência da mineração e a transferência do
centro econômico para outras regiões do Estado.
Ainda na perspectiva historiográfica, cabe acrescentar o reconhecimento
alcançado pela história regional nas últimas décadas, capaz de resgatar as vivências do
cotidiano e favorecer a compreensão das relações entre o particular e aquilo que é
identificado como geral e universal. Pode-se estender aqui as atrações exercidas ora pela
história das mentalidades ora pela história cultural, delineando trabalhos que buscam a
compreensão geral e particular, respectivamente.
José Honório Rodrigues (1978) ao comentar sobre história local, afirma que o
detalhamento do desenvolvimento de uma comunidade representa a mais legítima
contribuição para a história de uma nação, pois é preciso que a mesma considere
interesses e atividades de homens comuns, realidades que assegurarão um conhecimento
mais consistente e mais amplo da vida nacional.
Na busca pela reconstrução do cenário da cidade de Mariana do início do século
XX, observar os enlaces entre a política republicana e a educação se fez importante para
fornecer subsídios para a compreensão da cultura escolar local. Parte-se do pressuposto
de que a educação é uma prática social e histórica, que à época foi utilizada também
como instrumento para a disseminação dos ideais republicanos, além de apresentar-se
como uma via para a concretização da almejada democracia. A partir do conceito de
“representações” de Roger Chartier, entende-se que a educação, enquanto prática social,
vincula e veicula representações, crenças, valores. Valores esses fundamentais à
República que, através da escola, buscou formar, nos futuros cidadãos que a
sustentariam, uma nova mentalidade e prática políticas.
A partir das articulações entre os campos político e educacional pode-se também
perceber as relações de poder existentes na sociedade, bem como de que forma
contribuem para a problematização da educação enquanto prática política. Sobre os
domínios das associações entre poder e política, Francisco Falcon (1997) aponta que a
organização do campo da nova história política compartilha da idéia de que existe certa
autonomia do político em relação às questões econômicas e culturais. Supera então o
entendimento do poder como sendo visível apenas na ação do Estado e compreende-o
no domínio das representações sociais e das suas conexões com as práticas sociais.
Como a esfera política interfere na prática social, os estudos de âmbito
educacional não podem desconsiderar tal realidade, sob pena de elaborar compreensões
parciais. Identificar e qualificar as múltiplas interferências a que estão submetidos os
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ambientes escolares permite estabelecer com maior rigor as relações entre as “propostas
e idéias” dos republicanos e suas apropriações nas práticas escolares.
Gomes Henrique Freire de Andrade e as iniciativas em prol da disseminação dos
valores republicanos
Em princípio, este estudo procurou analisar as iniciativas republicanas quanto à
educação primária manifestadas nas ações de um dos mais expressivos de seus
representantes em Mariana no período de (1889-1930), Gomes Henrique Freire de
Andrade. Mas deparou-se com um cenário bastante rico: outras ações foram
desenvolvidas como propaganda republicana, às quais far-se-á referência nesse trabalho,
para ampliar a compreensão do contexto social no qual se insere a escola que é o objeto
central.
Gomes Henrique nasceu em Mariana - MG em 03 de janeiro de 1865, filho de
Antônio Gomes Freire de Andrade e de Maria Augusta Lebet Freire de Andrade. Sua
descendência remonta a Antônio Gomes Freire de Andrade (Conde de Bobadela) que
administrou a Província de Minas Gerais a partir de 1735 até 1763, por parte de pai, que
era filho de Gomes Freire de Andrade - Coronel do Exército (Regimento de Minas) e
Barão de Itabira. Ficou órfão de pai quando criança, permanecendo sobre os cuidados
de sua mãe que, apesar das limitações financeiras, esmerou-se em formar seus dois
filhos – um em Medicina e outro em Direito.
Iniciou seus estudos no Seminário de Mariana, dando continuidade no Liceu
Mineiro de Ouro Preto, cursando as disciplinas necessárias à admissão no curso
superior. Daí seguiu para a Escola de Medicina do Rio de Janeiro, onde defendeu com
louvor a tese sobre “raiva hidrofóbica” e colou grau em 19 de janeiro de 1888, sendo
escolhido como orador da turma na formatura ocorrida em fins de 1887. Curiosamente,
a turma escolheu a Princesa Izabel como patronesse, apesar do orador já ter se postado
ao lado da República que em breve viria.
Desprovidos dos necessários recursos financeiros, durante o curso atuou como
jornalista. Tal posição favoreceu o contato com o ambiente das agitações republicanas
que assolavam o Rio de Janeiro, influenciando-o, profundamente, no caminho político
seguido desde então. Ainda acadêmico de Medicina, recebeu um convite para ocupar
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uma cadeira de deputado na Assembléia Provincial, que recusou sob justificativa de
reservar suas colaborações para o novo regime.
De volta a Mariana para exercer sua profissão, casou-se com Maria do Carmo
Breyner Freire de Andrade, com a qual teve três filhos. Em paralelo, iniciou sua carreira
política de sucesso, elegendo-se deputado aos 26 anos. Foi um dos signatários da Carta
Constitucional de Minas Gerais de 15 de junho de 1891 e um dos que, em 6 de
dezembro de 1893, apoiaram a candidatura de Bias Fortes para a presidência do Estado
de Minas Gerais. Em 1900, com mais 13 companheiros, fundou o jornal que
inicialmente chamou-se Rio Carmo e que, em 1905, passa a ser intitulado O Germinal.
Num movimento de influência múltipla, de um lado o avanço do Partido
Republicano com o crescimento do número de filiados de um lado; de outro lado e a
eleição de Gomes Freire como vereador da Câmara Municipal de Mariana em 1905,
resultou na sua indicação para o posto de presidente da Câmara e Agente Executivo,
dando início a uma vasta e intensa trajetória política. Elegeu-se Senador em Minas, para
as 5ª, 6ª e 7ª legislaturas (1907 a 1918). Em virtude de sua eleição para Deputado
Federal, 9ª legislatura, renunciou ao restante do mandato de Senador Estadual,
dedicando-se inteiramente à cadeira de Deputado Federal entre os anos de 1915 e 1917.
No desempenho desses cargos políticos e do forte vínculo com João Pinheiro,
então Presidente do Estado, representou Minas Gerais no 3º Congresso da Instrução
Secundária que ocorreu na Bahia, em 1918, defendendo lá as propostas educacionais
republicanas. O relacionamento entre Gomes Freire e João Pinheiro teve origem em
Ouro Preto, ainda capital da Província, onde este montou sua banca de advocacia. Dessa
relação próxima e amiga, credita-se a influência para as futuras iniciativas de Gomes
Freire em torno da implantação de uma educação aos moldes republicanos.
Há que se considerar que Gomes Freire residia e atuava profissionalmente na
região de Mariana e Ouro Preto que, até 1894, era Capital da Província. Certamente,
pode-se atribuir a esse ambiente tão propício as importantes alianças políticas firmadas
então e o forte vínculo com o Partido Republicano Mineiro (PRM).
João Pinheiro da Silva entrou para o PRM com a morte do senador Carlos Vaz
de Melo, em 1904, e foi eleito senador em fevereiro de 1905, passando a participar das
decisões do partido. Sua indicação pelo próprio governador Francisco Sales partiu de
uma medida para evitar que surgisse uma crise em Minas. Na tentativa de conciliar as
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correntes do sul, liderada por Wenceslau Braz, e as do centro minerador, cujo principal
interlocutor era Chrispim Jacques Bias Fortes, João Pinheiro foi eleito em 1906 para a
presidência do Estado e Bueno Brandão para a vice-presidência. Durante seu mandato
como governador, promoveu reformas educacionais afirmando que a educação seria o
“sustentáculo do desenvolvimento econômico que pretendia para Minas”.
Os jornais do período apontavam João Pinheiro como um dos idealizadores das
mudanças educacionais, o Minas Geraes fez referência à postura de João Pinheiro num
texto escrito por Rodolpho Jacob:
“Quanto a obra e educação, de que elle (João Pinheiro) fez também uma parte essencial de seu programma esa deve ser realizada pela reorganização da instrução primária, em bases taes que, assegurando o desenvolvimento moral e intellectual da massa do povo mineiro, a habilitem antes de tudo para uma vida de acção e de trabalho apropriada ao nosso meio (...) De toda essa acção educativa , porem, o que mais avulta e vai ser objecto especial do nosso exame é o grande esforço realizado em prol da instrucção agrícola e primaria do povo mineiro.”ii
A convivência entre os personagens foi, no mínimo, inspiradora para Gomes
Freire que manteve amizade e relações política com João Pinheiro até a morte deste em
outubro de 1908. Os periódicos relataram inúmeras visitas de João Pinheiro à casa de
Gomes Freire, deixando clara a fidelidade política mútua. O texto de O Germinal de 27
de dezembro de 1914, que lançou a candidatura de Gomes Freire para Deputado
Federal, trouxe o trecho que afirmava estar o mesmo “filiado as doutrinas
philosophicos- sociais e as formulas administrativas do imortal João Pinheiro da Silva,
em cuja a fileira sempre militiou com enthusiasmo e lealdade sincera desde as eras
academicas emanado pela identidade de ideais republicanos”
Não só a carreira política mas os atendimentos médicos de Gomes Freire
também obtiveram sucesso e alcançaram repercussão positiva na cidade e na
vizinhança. Ele chegou a ser contratado como médico da “Compania das Minas de
Passagem” de Mariana, propriedade de ingleses, além de atender em consultório
próprio. Seus atendimentos também privilegiavam pessoas sem condições financeiras e
crianças carentes do Grupo Escolar, das quais não eram cobradas as consultas, o que
indica uma postura preocupada com sua função social.
O respeitado médico e político foi professor da Escola de Farmácia de Ouro
Preto por mais de 30 anos, ministrando a disciplina de “Higiene e Microbiologia”. No
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início dos anos 30, Gomes Freire abandonou a politica e passou a residir em Belo
Horizonte, onde faleceu em 1938.
Essa mudança pode ser atribuída a alguns fatores, incluindo os de ordem
política: a Revolução de 30 alterou profundamente o jogo das forças políticas, limitando
o espaço de atuação do grupo liderado por ele. Acrescente-se a isso o apoio da Igreja
Católica, na figura de Dom Helvécio, na derrubada da facção republicana então no
poder.
No círculo de suas amizades pode-se destacar Alphonsus de Guimaraens, que
além de fazer referências a Gomes Freire em algumas de suas poesias, também foi
colaborador em “O Germinal”. Na biografia escrita pelo neto do escritor
(GUIMARAENS FILHO, 1995:200) encontram-se dois capítulos dedicados a esta
amizade, dos quais destaca-se o trecho:
Pode dizer-se que teu grande amigo em Mariana foi o médico Dr.Gomes Freire de Andrade. Letrado, sensível, chefe político, professor, senador, interessado em tua vida, de tocante solicitude. Nos versos humorísticos que viria a escrever em Mariana há dois sonetos que falam do Dr. Gomes, como era familiarmente chamado.
Como presidente do jornal – Rio Carmo, depois O Germinal, Gomes Freire dele
se utilizou como porta-voz do diretório político do Partido Republicano de Mariana para
defesa da nova forma de governo – a República. O caráter intencional do jornal ficou
explícito, e reafirmado, no exemplar do dia 25 de dezembro de 1901, nos dizeres que
declara ter Rio Carmo:
“nascido para a defeza do povo, há sido a nossa divisa o lemma conhecido semper impendere vero, e sem animosidades, e sem armar aos applausos de quem quer que seja, por nossa vez se só temos applaudido na justa proporção em que se nos permite censurar, quando se az preciso.”
“mas ha, sobretudo, um pensamento politico mais elevado que nos domina é este a defeza intransigente da Republica, a luta pela sua regeneração”.
A estrutura do periódico dividia-se em 4 partes. A primeira parte geralmente
tratava de temas referentes à República. A segunda trazia notícias da cidade, visitas
ilustres, notas de falecimento e cumprimentos aos aniversariantes. As demais se
revezavam entre anúncios, trechos de romances e boletins comerciais. Ainda
encontrava-se em suas páginas: fábulas, poemas, agradecimentos, fofocas (conhecidas
por “gazetilha”), pedidos, cumprimentos, etc. Era, para a época, um veículo de
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circulação de novas idéias e pontos de vista a fim de combater “os inimigos da
República, defendendo na medida de nossas forças o nosso ideal propaganda”.iii
Um estudo mais profundo de O Germinal está sendo desenvolvido, o que
permitirá maior precisão do alcance que o periódico obteve e das idéias e valores que
disseminou.
Já se constatou que o jornal procurou trazer informações da educação local de
forma a promovê-la e associá-la às ações dos republicanos. Essa valorização acontecia
na publicação de matérias sobre a construção de prédios, reformas, visitas ilustres aos
estabelecimentos de ensino, destaque de professores e alunos, parabenização aos alunos
que conseguiam se formar, descrição e valorização das festas escolares e prestação de
contas da Caixa Escolar, bem como a eleição para a sua presidência. Um trecho do
jornal de 28 de fevereiro 1914 confirmava a aprovação da administração da Caixa
Escolar “Gomes Freire”, evidenciando o bom trabalho de seus administradores
(políticos republicanos)
“Realizou-se no dia 22 do corrente em um dos salões do Grupo Escolar <<Dr. Gomes Freire>> a reunião dos membros desta grandiosa instituição beneficente, para eleger a sua nova directoria, que deverá dirigir os seus destinos no período de 1914 a 1915. Nesta reunião foi apresentado pelo Exmo. Sr. Senador Gomes Freire, presidente da Caixa Escolar, minucioso relatório pondo em evidência os optimos e reaes serviços prestados por tão bella instituição a infancia desprovida dos bens da fortuna e que frequentam este acreditado instituto de ensino.”
As matérias de O Germinal não se restringiram somente a notícias sobre o
Grupo Escolar, contemplando também o Colégio Providência, a Escola Normal, o
Ginásio, as Escolas Agrícolas e outros estabelecimentos de ensino de Ouro Preto. No
entanto, a ênfase e pompas eram para as notícias sobre o Grupo Escolar de Mariana, que
aliás apareciam com maior frequência.
Do confronto dos textos de O Germinal com jornais de cunho religioso como O
Cruzeiro e Opinião Municipal, percebe-se a acirrada disputa política implícita nas
iniciativas educacionais da Igreja e dos republicanos para Mariana, principalmente entre
os anos de 1920-1930. Tal disputa se traduzia nos jornais em matérias com tons mais
agressivos. Por exemplo aquelas que trataram da construção do novo prédio do Grupo
Escolar, hoje Escola Estadual Dom Benevides. O jornal O Germinal (republicano),
associava a construção a uma ação do Governo de Mello Viana e executada no de
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Antônio Carlos e acrescentava que “o maior trabalho do arcebispado foi indicar para o
mesmo local e nome. Alem disso estando o velho grupo a desabar, hora-se de construir
forçosamente outro ou privar o ensino de numerosas creanças”iv.
Já os jornais vinculados à arquidiocese de Mariana proferiam que
“Dom Helvécio, o nosso querido arcebispo é incontestavelmente, o expoente máximo do progresso de nossa terra, que já lhe deve serviços de mais alta valia (...) a construção do Novo Grupo Escolar, um dos melhores do Estado e que veiu preencher uma lacuna de ha muito reclamada, por toda população de Mariana, pois, o antigo grupo, alem de imprestavel, estava em emminente perigo e se não fosse a intervenção do grande Arcebispo junto aos poderes do Estado, estariam ate hoje centenas de creanças privadas do benefício da instrucção”v
Essa disputa, muito mais em prol do prestígio político que de fato uma
preocupação com a educação, refletia um movimento maior em Minas Gerais, no qual a
Igreja combateu a laicização do ensino implantado por João Pinheiro. Segundo Simon
Schwartzman, a cidade de Mariana e a força do seu arcebispado comandaram todo o
movimento, que culminou na introdução do ensino do catecismo nas escolas públicas
em todo o estado em 1928. Isso ocorreu durante a gestão de Francisco Campos,
Secretário do Interior do governo Antônio Carlos e principal responsável pelas
tentativas de modernização do sistema educacional em Minas Gerais nos anos 20. Em
Mariana, a intervenção da Arquidiocese ultrapassou os limites da educação e conseguiu,
em 1934, nomear um novo prefeito para a cidade, Dr. Josaphat Macedo. Esse era
contrário ao governo republicano local e recebia o apoio de D. Helvécio.
Outra iniciativa de Gomes Freire foi a criação da Sociedade Musical “União 15
de Novembro”, em 1901, uma clara homenagem à Proclamação da República. A banda
era presença garantida nas datas cívicas, quando percorria a cidade tocando os hinos
patrióticos. Apresentava-se, praticamente, em todas as atividades públicas, fossem elas
políticas, religiosas ou escolares.
O Grupo Escolar de Mariana e o cenário educacional
i Acaiaca, Barão de Cocais, Catas Altas, Conselheiro Lafaiete, Diogo de Vasconcelos, Itabirito, Mariana, Ponte Nova, Ouro Branco, Ouro Preto, Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo.ii Minas Geraes (órgão official dos poderes do estado), Belo Horizonte, 10 de agosto de 1907. iii Rio do Carmo, Mariana, 3 de Janeiro de 1902.iv O Germinal, Mariana, 27 de fevereiro de 1934.v O Cruzeiro, Mariana, 2 de agosto de 1930.
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Do cenário nacional da educação durante o período estudado, destaca-se que a
Constituição de 1881 ao se omitir sobre a educação remete aos Estados a
responsabilidade com a mesma. Em 1891, quando foi votada a Constituição, a
República iniciou medidas que interferiram diretamente na educação, pois, delegava aos
estados a função de promovê-la e extinguiu, dentre outros ministérios, o da Instrução
Pública, Correios e Telégrafos. No lugar surgiu o Ministério da Justiça e Negócios
Interiores que tinha uma Diretoria Geral da Instrução Pública. Tais medidas propiciaram
a descentralização da educação, principalmente a primária, o que resultou em uma
escola que não conseguiu conter o crescimento do analfabetismo. Jorge Nagle (1974)
organizou um balanço da educação na Primeira República que serve de referência para
estudos sobre o período (1889-1930)e aponta que em 1900 era de 75% a porcentagem
de analfabetos no anuário estatístico do Brasil.
Com o advento da República, a educação tornou-se uma necessidade
principalmente porque passou a ser vista como uma via de civilização capaz de formar o
cidadão para a democracia. A Reforma Benjamim Constant, em 1890, e, em menor
medida, a Constituição de 1891 apresentavam uma preocupação em estimular o ensino
primário, secundário e superior. Propunham a laicização do ensino e a sua gratuidade no
sentido de promover uma mudança na educação do país. A luta dos republicanos para a
educação trazia como lema sua “democratização”, os ares da modernidade e remetia ao
progresso almejado para a nação.
A atenção voltada para a educação popular no fim do Império e início da
República refletia os movimentos dos Estados Unidos e da Europa que buscavam
organizar os sistemas de ensino. Tem-se que considerar também a industrialização que
cresceu no século XX e exigiu trabalhadores com um mínimo de escolarização. A força
de trabalho precisava se enquadrar nas novas tarefas de um sistema econômico-social
em mudança. Além disso, pesava o fato de se desejar a inclusão da população na
participação política, para o qual a instrução cumpria o papel de preparar o povo para a
cidadania, bem como a formação de uma mentalidade cívica e um compromisso com a
nação. Toda essa inquietação quanto ao ensino refletiu em muito debate sobre o assunto:
“o período em estudo foi fértil: estudantes e intelectuais, formal e informalmente,
discutiam a educação. Aconteceram debates sobre o assunto e campanhas públicas
foram organizadas.”vi
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Das reformas para o ensino em Minas Gerais, destaca-se que a (re)organização
da educação primária passou por grande mudança com a Reforma João Pinheiro, em
1906, que instituiu o modelo dos Grupos Escolares. Esse modelo sintetizava as
demandas de racionalização social, escolar e o espaço privilegiado para a implantação e
consolidação da modernidade pedagógica. Simbolizava progresso, mudanças, além de
favorecer em alto grau a disciplinarização do trabalho do professor e do aluno. Abria
espaço para uma real intervenção do Estado, através dos conteúdos, horários, práticas
pedagógicas e disciplinares que atingiam todo o universo escolar público estadual.
Opunha-se ao modelo das escolas isoladas, rompendo com o passado imperial de uma
educação não sistemática, fragmentada, dispersa e elitista. Inspirado na experiência
paulista, a partir de 1906, tem-se uma explosão de autorização de funcionamento dos
grupos escolares em todo estado, revelando um grande interesse na expansão escolar,
firmando parcerias entre o poder municipal e o poder estadual, fortalecendo os laços
políticos entre os grupos republicanos.
O Regulamento de 1906 dispôs sobre uma ampla proposta educacional da qual
se fez mensageiro: o ensino em geral e o ensino primário particular; classificação,
organização e administração das escolas públicas primárias; quanto ao prédio,
mobiliário e material escolar; sobre o corpo docente e seus deveres; matrícula,
freqüência, suspensão e restabelecimento do ensino; regime escolar, exames, prêmios e
férias; escolas normais; inspeção escolar; sobre os aspectos disciplinares relativos aos
alunos e professores, incluindo a tabela de vencimentos dos professores.
Com a Reforma do ensino primário em Minas Gerais e o Regulamento de 1906
as escolas isoladas foram desaparecendo e seus agentes: alunos e professores, em certa
proporção, foram se reencontrando nos grupos. Segundo Luciano Mendes Faria Filho
(2000), o período de 1906-1918 foi um “momento” do processo de racionalização e
urbanização brasileira, e assim, foram os grupos escolares e seus diretores, professores,
inspetores, que em interlocução com outros agentes sociais ativamente participaram da
construção em Minas Gerais de uma nova (ou primeira) cultura escolar.
Em Mariana, o Grupo Escolar foi criado em 06 de junho de 1909, pelo Decreto
n.2572. Cabe destacar que só no período de janeiro a maio de 1909 já haviam sido
criados 16 grupos escolares no Estado. Provavelmente muitos nas mesmas condições
vi CARVALHO (2004, 33).
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que o de Mariana: sem prédio próprio. Em agosto do mesmo ano, tomou posse o
primeiro diretor José Ignácio de Sousa e os primeiros professores.
O cargo de diretor do Grupo Escolar seria ocupado por um professor efetivo, de
acordo com o Regulamento de 1906. O Regulamento de 1911, complementar àquele,
além de estabelecer, com clareza, quem poderia ocupar o cargo, acrescentava que são
funcionários de confiança do governo. Eram nomeados livremente pelo Presidente do
Estado, sendo preferidos os professores normalistas e “os cidadãos notáveis por serviços
prestados à instrução”vii. Os deveres e atribuições do diretor estavam explicitados no art.
73 do Regulamento de 1911. Dentre esses, vários mencionam a função inspetora que
também deveria exercer o diretor, seja no âmbito do ensino, da disciplina, das condições
físicas do prédio, da higiene e saúde dos alunos, da freqüência de professores e alunos,
seja quanto à aplicação do programa e o cumprimento do horário.
José Ignácio foi o “cidadão notável” que dividiu com Gomes Freire, patrono do
grupo, a tarefa da fundação do Grupo Escolar, sendo diretor de 1909 a 1917. Nesse
período atuou também como vereador da Câmara, além de organizar o periódico São
Domingos e o diretório do Partido Republicano do distrito de São Domingos.
Natural de Coqueiral, Minas Gerais, formou-se na Escola de Farmácia de Ouro
Preto, em 1898. Fixou residência em Mariana em virtude de dois casamentos com
mulheres de famílias locais; permanecendo até o final dos anos 10 do século XX,
quando se deslocou para a região do Triângulo Mineiro. Mudou-se, em 1918, para
Ituiutaba e, depois, Uberlândia, onde faleceu. Nos anos vividos em Uberlândia,
continuou ligado à política e à educação – desenvolvendo atividades em
estabelecimentos públicos, incluindo o magistério.
Sua trajetória e a efetiva participação política indicam que a direção do grupo
encontrou em José Ignácio um defensor dos novos métodos de ensino, aos moldes
republicanos, e uma pessoa que cumpria à risca as determinações legais que lhe
competiam como diretor.
Gomes Freire, além de patrono do Grupo Escolar (que recebeu seu nome entre
1914 e 1931), participou diretamente da fundação aprovando, junto à Câmara Municipal
de Mariana, na presença de José Ignácio, as resoluções que possibilitaram seu
funcionamento
vii MINAS GERAIS. Regulamento a que se refere o Dec.n. 3.191 de 9 de junho de 1911, Título II, Cap. VIII, Art. 70.
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“Snr. Vereador Pe Santos Faria, apresentou por sua vez, uma indicação a Câmara, e que foi igualmente aprovado, autorizando o Sr. Dr. Agente Executivo a fazer a aquisição de uma casa, nesta cidade, para ser oferecida ao governo do Estado, destinada a um grupo escolar, feitas as necessárias adaptações, pela verba de obras públicas, de outras verbas de orçamento vigiente.”viii
Os primeiros professores a ocuparem seus cargos no Grupo Escolar o fizeram
em 09 de agosto:
a “normalista D. Albertina Guedes, removida da cadeira do sexo feminino do
districto de Cattas Altas da Noruega, município de Queluzix”;
a normalista Ercilia Joannita Ferreira de Mesquita;
“a professora D. Francisca de Paula Xavier de Abreu, removida da 2a. cadeira do
sexo feminino desta cidade para o referido grupo”;
“a professora D. Francisca Dias Bicalho, removida da primeira cadeira do sexo
masculino desta cidade para o referido grupo”;
“a professora D. Leontina de Godoy, removida da 2a. do sexo masculino desta
cidade para o referido grupo”;
“o professor José Claudino dos Santos, removido da 4a. cadeira do sexo
masculino desta cidade”;
a normalista D. Leonidia de Castro Queiroz;
“D. Augusta Queiroz de Almeida, removida da primeira cadeira mista desta
cidade para o referido grupo.”x
O único professor do sexo masculino, José Pedro Claudino dos Santos, atuava,
na mesma época, como secretário da Câmara Municipal de Mariana e estave vinculado
ao Partido Republicano de Mariana. Além dos requisitos necessários para ministrar a
educação primária no Grupo Escolar, atendia aos interesses dos republicanos quanto ao
trabalho a ser desenvolvido pelo professor frente aos propósitos assinalados para a
educação, reunidos na formação do cidadão brasileiro. O trabalho docente não poderia
ocorrer ao gosto do professor ou da professora, e sim se constituir num trabalho
planejado e comum a todos os docentes, conforme prescrito no Regulamento.
O corpo docente era responsável pela condução de 8 turmas, duas para cada uma
das séries do curso primário, cumprindo com o art.21 do Regulamento de 1906 que
viii Ata da Segunda sessão ordinária da Câmara Municipal de Mariana, no dia 5 de janeiro de 1908. ix Atualmente Conselheiro Lafayette.x Cf. Livro Termo de Posse, pp.1, 2 e 3.
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determinava “que todo curso primário seja ministrado a cada sexo separadamente.”xi
Cumprindo o Regulamento de 1911, do governo Bueno Brandão, tem-se um
relatório sobre as atividades do Grupo em 1911, assinado por José Ignácio e remetido a
Delfim Moreira da Costa Ribeiro – Secretário dos Negócios do Interior. Nele, pode-se
observar os elogios feitos pelo diretor às iniciativas republicanas nacionais para o
ensino, assim como o modelo “Grupo Escolar”. Associava o magistério a uma vocação
e, até o momento, a pesquisa indica que os conceitos que nortearam a prática
pedagógica do diretor e do corpo docente não destoam dos resultados já apresentados
por outros pesquisadores, o que indica certa eficácia por parte das ações reguladoras e
fiscalizadoras que objetivavam a homogeneização das ações educativas.
Identifica-se a importância dada à educação na construção de “cidadãos dignos”
bem como a valorização da escola pública em detrimento das suas iniciativas
particulares (o que reafirma que tais posições estão imbuídas dos ideais republicanos).
Esse relatório também confirma as projeções para o corpo discente, formado por
352 matrículas em janeiro, finalizando o ano com uma freqüência de 239 alunos. O
abandono da vida escolar apresentava taxas significativas, partindo de um número de
matrículas bastante elevado na 1ª série, comparando-se com a entrada nas demais séries.
Há que se considerar a justificativa do diretor para a queda na freqüência durante o ano
de 1911: “A freqüência foi prejudicada com sarampo e coqueluche, principalmente nos
primeiros anos, ainda assim foi superior ao que exige o regulamento.”xii
Havia no Grupo, como consta no relatório, um “campo prático de agricultura”
que tinha o fim de ensinar os meninos a amar a terra e o trabalho e romper “com
preconceitos mal entendidos de muitos, para os quais o trabalho é humilhante”.xiii Esta
justificativa utilizada pelo diretor denotava uma valorização do trabalho, rompendo a
concepção que vincula trabalho a escravidão.
Tal postura refletia, como já apontado por outras pesquisas sobre escolas
primárias em Minas Gerais no início do século XX, mais um dos objetivos definidos
pelo Estado para a educação. O de fazer com que a instrução primária valorizasse o
trabalho que representava uma possibilidade de progresso.
xi MINAS GERAIS. Regulamento da instrução primária e normal, aprovado Decreto 1960, de 16 de dezembro de 1906.xii Arquivo Público Mineiro, SI 3407.xiii Relatório do Grupo Escolar de Mariana de 1911.
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“Em Minas Gerais, como em outras regiões brasileiras, a educação e a instrução primária eram vistas como uma das mais poderosas armas no combate às supostas conseqüências maléficas deixadas pelo Império e pelo trabalho escravo: a apatia do povo frente à vida pública (e à respublica de uma maneira geral), a aversão ao trabalho manual, dentre outros.”xiv
As festas escolares, comuns nos grupos, eram práticas que perseguiam o ideal de
uma nação civilizada, no qual a escola teria o papel de cultivar a memória da pátria e ao
mesmo tempo promovê-la. Uma educação nacional não era possível sem amor
patriótico e, nessa perspectiva, é através de cultos à pátria que as “memórias” são
geradas. As celebrações nos grupos escolares eram, portanto, muito mais que um
momento de confraternização, um momento privilegiado para a disseminação de valores
e conhecimentos.
As festas eram comemoradas na sociedade republicana, mas organizadas de
acordo com um ritual específico da escola. Rosa Fátima de Souza (1998) destaca que a
escola primária republicana, corporificou símbolos, valores, pedagogia moral e cívica,
principalmente, com a instauração de ritos, espetáculos e celebrações. A escola passou a
celebrar a “liturgia política da República; além de divulgar a ação republicana.”
O Grupo Escolar de Mariana seguiu à risca as prescrições para a realização das
festas escolares. As principais datas cívicas comemoradas eram: 21 de Abril
consagrando o mártir da República – Tiradentes; 7 de setembro, em comemoração a
Independência do Brasil; 15 de novembro, em comemoração à Proclamação da
República e 19 de novembro em comemoração à Bandeira Nacional.
“21 DE ABRIL- A gloriosa data que relembra os percursores da nossa independência, resumidos no grande martir Joaquim José da Silva Xavier- o Tiradentes-, teve aqui a mais significativa consagração com a expressiva festa, promovida pela diretoria, corpo docente e alunos do grupo escolar <<Dr. Gomes Freire>>.”xv
“Festa da Bandeira- realizou-se no dia 19 do corrente com toda solenidade no grupo Escolar <<Dr. Gomes Freire>>, a festa comemorativa da instituição da bandeira nacional. Com a presença do diretor, corpo docente, alunos do estabelecimento e de numerosos assistentes foi hasteado ao meio dia, na fachada do edifício, o pavilhão nacional.”xvi
Vários eram os motivos que justificavam as festas escolares: as datas cívicas
eram as mais importantes, sejam de referência nacional ou local. Ao longo do século xiv FARIA FILHO (2000, 27)xv O Germinal, 17 de abril de 1915.xvi O Germinal, 29 de novembro de 1915.
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outras datas comemorativas como o Dia da Árvore, o Dia do Índio, etc. foram incluídas.
Na verdade, independente do motivo, a festa se tornava cívica com a presença da Banda
“União 15 de Novembro” e os hinos patrióticos executados, além do discurso de praxe.
A Câmara Municipal fornecia recursos para a realização das festas, que assim
como em outros Grupos Escolares, constituíam-se num verdadeiro “palco” para os
republicanos, principalmente porque contavam com a presença de autoridades civis e
eclesiásticas e de boa parte da população.
“Festa Escolar- Realizou-se domingo, 8 do corrente, a festa escolar para distribuição de diplomas aos alunos que concluíram o curso em 1913. Já estando na prensa a nossa folha, no próximo numero daremos detalhada notícia desses festejos e do brilhantismo de que se revisitaram.”xvii
A festa de encerramento do ano letivo, coincidindo com os exames finais e a
premiação dos alunos eram um ponto alto, ansiosamente esperada por todos, muito
especialmente pelos alunos que seriam premiados e seus familiares. Era importante
também para as autoridades escolares, pois, tais festas anunciavam a toda a comunidade
marianense os proveitosos resultados do Grupo Escolar.
“Ótima foi a impressão recebida por todos os assistentes da festa escolar, realizada a 8 do corrente no Paço Municipal de Mariana, com a presença das altas autoridades civis e eclesiásticas, da arquidiocese, municipalidade, magistério e foro.”xviii
As atividades da Caixa Escolar também significavam festas, fosse a eleição dos
seus administradores, fossem as atividades voltadas para obtenção de recursos.
Invariavelmente, as autoridades discursavam.
Algumas festas ocorriam no âmbito interno da escola, de menor pompa e que
não estavam vinculadas a dias de feriado. Mesmo assim eram divulgadas no jornal, ou
seja, a sociedade não participava, mas sabia quando elas eram realizadas; O Germinal
estava tão atrelado ao Grupo no propósito de divulgá-lo que simples acontecimentos
relacionados ao mesmo eram estampados no jornal de forma a expor seus bons
resultados, sobretudo nos primeiro anos do Grupo Escolar
“Jantar intimo- No dia 5 do corrente o inteligente aluno do 4 ano do grupo escolar, Manoel Thomaz Teixeira de Souza, querendo dar uma prova de intima amizade aos colegas, que com ele terminaram o curso primário naquele instituto de ensino, os fez reunir em casa de seu progenitor, Sr. Farm. José Ignácio, oferecendo-lhes um jantar
xvii O Germinal, 09 de março de 1914.xviii O Germinal, 20 de março de 1914.
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intimo. Acudindo ao gentil convite, ali compareceram os seus professores D. Francisca Xavier de Abreu, José P. Claudino e seus colegas de turma, Caldas, Cícero Queiroz, José Novaes, José Amorim e Durval Tito da Silva.”xix
A Caixa Escolar, instituição de existência obrigatória no Grupo Escolar de
acordo com o Regulamento de 1911, chamava-se “Dr. Gomes Freire”. O Relatório de
1911 relata o ato de sua inauguração: “Em comemoração a data da festa à bandeira foi
criada neste grupo, a caixa escolar, que será inaugurada logo que aprovados os seus
estatutos.”xx
Era constantemente citada nos periódicos, com especial destaque para sua ação
beneficente, conforme prescrição legal e regimental, garantindo a permanência na
escola das crianças pobres. Sua primeira administração, e que se prolongou por alguns
anos, teve como presidente o próprio Gomes Henrique Freire de Andrade e como
secretário, José Ignácio de Sousa. Com essa farta publicidade dada à Caixa Escolar no
jornal O Germinal pode-se intuir que tratava-se, também, de um instrumento de
propaganda dos republicanos que, através desse “marketing”, firmava sua credibilidade
entre a população.
Sua renda provinha de doações, arrecadações e gratificações perdidas pelos
funcionários e professores da instituição e por verbas públicas da Câmara Municipal:
“(...) Foi apresentado pelo Sr. José Godoy uma autorização para fazer o pagamento de
200$000, pelas verbas exercícios [findos], a caixa escolar Dr. Gomes Freire conforme
requerimento do Tesoureiro, apresentado na sessão anterior. Foi aprovado.”xxi
As despesas constantes nos balancetes indicavam seu raio de ação: auxílio
pecuniário, aquisição de remédios, material escolar e uniforme para os alunos pobres.
A fiscalização escolar foi rigorosa para que o Grupo Escolar funcionasse como
previsto. Para tal contou com muitos agentes fiscalizadores. Aos diretores, segundo o
Regulamento de 1906, competia fiscalizar e disciplinar os alunos, professores e todos os
funcionários que servissem sobre sua direção, solicitando ao inspetor escolar as
providências necessárias. Constituíam-se numa fonte de informação e de
esclarecimentos à disposição do governo.
Para auxiliá-los nos trabalhos de inspeção tinha-se a figura do inspetor escolar –
no âmbito municipal e estadual. Trabalhando em conjunto – diretor e inspetor escolar, xix O Germinal, 13 de dezembro de 1914.xx Arquivo Público Mineiro, SI 3407.xxi Ata sessão ordinária da Câmara Municipal de Mariana, 06 de junho de 1919.
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buscavam garantir uma formação comum, reproduzindo a racionalidade e o mesmo
padrão de trabalho pedagógico em todos os grupos escolares.
Segundo o Art. 183. do Regulamento de 1906, a inspeção do ensino “destina-se
a conhecer as causas que influem sobre a instrução do povo, mediante a observação
atenta das escolas, da sociedade e do território do Estado e a favorecer o seu progresso,
agindo sobre o professor, o meio social e as autoridades”. Os inspetores escolares
municipais e distritais eram agentes gratuitos e de confiança do governo, nomeados pelo
Presidente do Estado.
Aos inspetores escolares municipais competia: observar o cumprimento das leis
e regulamentos da instrução pública; identificar, verificar e confirmar as necessidades
materiais das escolas; informar as licenças e remoções dos professores; apresentar
medidas convenientes à melhoria do ensino local; certificar a freqüência dos
professores, boletins e mapas escolares; fiscalizar os exames e promoções de alunos.
Aos inspetores distritais cabem, nos respectivos distritos e no que lhes forem aplicáveis,
as mesmas atribuições e deveres conferidos no Regulamento aos inspetores municipais.
Existiam ainda os inspetores técnicos que visitavam com freqüência as escolas
que lhes eram designadas, a fim de acompanhar de perto as atividades desenvolvidas.
Observavam além das matrículas e desempenho de professores, as condições higiênicas
do prédio remetendo ao governo minuciosas descrições das escolas. O interessante
desse cargo são as disposições do Regulamento que atentam para a preocupação em se
criar medidas que garantam a freqüência dos alunos e a boa imagem da instituição junto
à sociedade:
§16o. Enviar, finalmente, no fim de cada quinzena, ao Secretário do Interior, um relatório sintético da inspeção que tiver feito, o qual será publicado no jornal oficial, a juízo daquela autoridade;Este relatório consignará também:I. O itinerário seguido pelo fiscal e as povoações encontradas em seu trajeto, a população e condições das mesmas quanto ao desenvolvimento do ensino;II. A descrição dos prédios escolares e se são estaduais, municipais e particulares; dimensões de seus cômodos e se sua situação facilita a freqüência dos meninos da localidade;III. O conceito em que os professores são tidos pelos pais de família e outras pessoas gradas do lugar.xxii
xxii MINAS GERAIS. Regulamento da instrução primária e normal, de 16 de dezembro de 1906.
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As ações fiscalizadoras refletiram diretamente no cotidiano escolar do Grupo.
No relatório escrito pelo diretor em 1911, sob a supervisão do inspetor Francisco
Leocádio Araújo, José Ignácio elogiou as professoras que cumpriram as normas
emanadas pela diretoria; com destaque para aquelas que cumpriam otimamente seus
deveres. Em contrapartida, denunciou as professoras que não souberam conduzir seus
trabalhos conforme o esperado:
A professora D. Leonydia de Castro Queiroz, consentiu que sua classe se mantivesse, durante o ano em permanente algazarra e qualquer ordem ou observação da diretoria ou mesmo do Inspetor era, por ela, discutida, dentro e fora do estabelecimento, em termos grosseiros como sucedeu no dia 30 de novembro em que o Sr. Inspetor determinou houvesse encerramento das aulas embora quinta-feira.
A professora Albertina Guedes teve igual procedimento de sua colega Leonydia e é além de tudo muito violenta e descortês para com os colegas, diretor e alunos, aos quais trata com pouco carinho antipatizando-se, de vez em quando com determinado aluno a ponto de ser necessário a intervenção da diretoria. E nos dias dos exames manteve-se inconvenientemente irritada, sendo a causa de seu procedimento o fato de ter sido, no 4o. ano, aprovada simplesmente uma sua protegida. Lamento que essas duas professoras procedam assim ultimamente, porque são competentes e inteligentes nas quais depositei muita esperança.xxiii
Coincidentemente, elogiava os alunos, exceto os do 3º. e 4º. anos, dirigidos pelas
professoras supra referidas. Citava, inclusive, o nome dos alunos, além das penalidades
impostas aos mesmos pelos artigos regulamentares.
Onde chegamos e para onde vamos
As ações de Gomes Henrique Freire de Andrade, em Mariana, nas primeiras
décadas do século XX, com a contribuição de José Ignácio nos limites do Grupo
Escolar, no mínimo, despertaram as atenções para o fato de que o âmbito da educação
estava permeado pela política e que, possivelmente, a própria criação do Grupo teria
sido uma dentre as tantas outras iniciativas para a consolidação do regime republicano.
Afirmar que as relações entre política e educação compõem o cenário da escola
brasileira não é nenhuma novidade, e para a República essa relação foi imprescindível.
xxiii Relatório do Grupo Escolar de Mariana de 1911.
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O cenário político da cidade no início do século XX, tem nos despertado o
interesse em identificar as teias de relacionamentos do Partido Republicano e de que
maneira as iniciativas como a criação do jornal, da banda e do Grupo Escolar
contribuíram para que o modelo republicano conseguisse aprovação na cidade.
Ainda fazendo alusão à República, identificamos um cinema “15 de Novembro”;
a tipografia “O Germinal”, que prestava outros serviços além da impressão do jornal; e
um clube recreativo e literário “Cláudio Manoel da Costa”, que funcionava no prédio do
Grupo Escolar e tinha como bibliotecário José Ignácio de Sousa. Dessas iniciativas,
depreende-se a existência de um grupo consolidado de republicanos, unidos em
diferentes frentes, com o mesmo objetivo: a divulgação e consolidação dos valores
republicanos.
A dificuldade que temos encontrado é, sobretudo, a falta de uma história sobre
Mariana já sistematizada para o período. Pesa ainda os limites não só pela exígua
preservação como também pela própria produção do documento. O fato é que os
documentos com fins burocráticos são os mais guardados. No acervo documental do
Grupo Escolar identificamos, por exemplo, um maior número de livros que diz respeito
à freqüência de professores e funcionários e pouquíssimos de atas de reuniões. Restrita
também é a documentação relativa ao cotidiano da escola – diários escolares, projetos,
trabalhos escolares, avaliações, etc.
Na tentativa de reconstruir o cotidiano escolar, os pesquisadores da atualidade
estão buscando novas fontes capazes de auxiliar no estudo do objeto. Estudos que
procuram remontar a realidade escolar encontraram, e encontram, novas questões e
respostas em correspondências escolares, cadernos de professores e alunos, livros de
ponto, relatórios escolares, etc.
Nessa perspectiva, estamos utilizando a imprensa para buscar respostas às
questões do âmbito educacional, à medida que nos auxilia a entender qual concepção de
educação circulava na sociedade e como ela era abordada pelos meios de comunicação.
No entanto, ressaltamos o cuidado em se utilizar a imprensa como fonte, pois sua
linguagem é produzida por quem a domina, ou seja, não é neutra. O estudo da imprensa
de Mariana para o período da Primeira República tem sido um bom exercício de
reflexão para nos colocar próximos das questões que se disseminavam acerca dos
acontecimentos, traduzindo os mais diferentes agentes sociais.
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Na busca por respostas, nossa pesquisa tem transitado pelos acervos da Escola
Estadual Dom Benevides: Termo de Posse, Inventário Geral, Livro de Atas de exame e
visitas e demais documentos produzidos durante o período em que José Ignácio foi
diretor; e no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana (AEAM), o acervo de
jornais. Dentre estes, destaca-se o periódico “O Germinal”, editado por Gomes
Henrique Freire de Andrade. No arquivo da Escola de Farmácia da UFOP, destacam-se
os documentos escolares dos quais podemos extrair algo sobre o exercício docente de
Gomes Freire e a condição discente de José Ignácio de Sousa. No Arquivo Histórico da
Câmara Municipal de Mariana (AHCMM), as atas da Câmara têm propiciado a
formulação do quadro político da época, recordando ser Gomes Henrique Freire de
Andrade presidente deste órgão durante os primeiros vinte anos do século XX.
No Arquivo Público Mineiro (APM), temos lançado mão de vários documentos
que auxiliam na composição do cenário educacional local e específico do Grupo Escolar
de Mariana: correspondências entre a Diretoria de Ensino e o Grupo Escolar; relatórios
de inspetores escolares; relatórios de visita; registros de títulos e licenças; atos do
presidente e secretário; legislação educacional; periódicos.
Especial atenção para os documentos escolares de outras instituições existentes:
por exemplo, do Liceu de Ouro Preto, no qual estudou Gomes Freire, cursando as
disciplinas que lhe deram o acesso ao curso superior. Como os estudos secundários
davam ingresso aos estudos superiores, trabalhamos com a possibilidade de que José
Ignácio tenha cursado o secundário também em Ouro Preto, então capital da Província
de Minas Gerais.
Com base nessas fontes foram desenvolvidas as primeiras pesquisas em torno da
história e do contexto da instalação do Grupo Escolar. Desse cenário mais amplo, outras
tantas questões e temas vêm norteando outros trabalhos, uns temáticos outros
biográficos, como esse que ora apresentamos, destacando a pessoa de Gomes Henrique
Freire de Andrade e outro, com resultados parciais, sobre o primeiro diretor José
Ignácio de Sousa. No campo temático, perpassando esses dois, temos as relações entre
educação e política, que também sugerem muitos desdobramentos. Em andamento,
temos dois trabalhos mais específicos: sobre a Caixa Escolar e sobre o jornal, O
Germinal.
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O trabalho sobre a Caixa Escolar objetiva verificar, nessa instituição, os traços
republicanos de uma escola para o povo. Inicia-se por identificar a legislação que
estabelece a existência obrigatória da mesma em cada unidade escolar e desenrola-se
com o funcionamento da Caixa Escolar “Gomes Freire” do Grupo Escolar de Mariana.
Desse trabalho também será possível apreender algo mais sobre as origens sociais do
corpo docente.
Sobre o jornal, a pesquisa procura encontrar, inicialmente, elementos que
justifiquem a mudança do nome de Rio Carmo – uma clara alusão ao curso d`água em
torno do qual surgiram as primeiras edificações que deram origem à cidade de Mariana
para O Germinal. Que relações teria esse nome com a realidade local? Seria Emile Zola
o autor preferido de Gomes Freire?
Seria uma homenagem ao autor, cuja história de vida aponta para algumas
semelhanças com a vida de? Ambos eram órfãos de paie foram educados pela mãe, com
muitas dificuldades financeiras. Como também a semelhança no tocante ao engajamento
político, característica sempre presente na vida do escritor. Cabe também recordar que a
mãe de Gomes Freire era de descendência francesa.
Ou seria alguma alusão quanto à vida dos mineiros do carvão e os mineiros das
minas de Mariana? Ou seria uma influência da amizade com Alphonsus Guimarães?
Teria nosso médico político inclinações literárias? Ou a escolha do nome O Germinal
denota uma posição política mais à esquerda do que os republicanos da época?
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