o novo humanismo jurídico como alternativa à velha escolástica

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1 Aline Fernanda Garcia de Medeiros Noturno/História 76494 O novo humanismo jurídico como alternativa à velha escolástica Kant certa vez escreveu, em um texto no qual refletia sobre a história da humanidade, que o desenvolvimento humano só pode existir quando o seu agente histórico lida com o mundo e com a sua própria natureza de maneira ativa e não passiva, afirmando ser o motor do desenvolvimento humano justamente o antagonismo à sua natureza e às circunstâncias de sua vida. Seria esta guerra (interior e exterior) constante que permitiria e promoveria o avanço do mundo e da condição humana 1 . De maneira análoga (sem pretender discutir aqui conceitos da filosofia da história), podemos dizer que o pensamento humanista se desenvolveu enquanto antagonista do pensamento e cultura medievais. Surgia, no século XIV, em meio a uma cultura ocidental regida e movida pela religião (cristã) e que determinava como centro da vida humana o sobrenatural, o pensamento humanista que pretendia discutir o valor e a dignidade do ser humano em suas mais diversas manifestações (cultural, política, econômica e etc.). A proposta deste texto é, em primeiro lugar, discutir brevemente acerca do humanismo na filosofia renascentista (já definindo como marco inicial a produção intelectual do poeta Petrarca [1304-1374], por ter sido o primeiro grande nome a repensar a cultura de seu tempo 2 ). Como eixos principais da crítica humanista no pensamento filosófico, trataremos da crítica ao abandono das Belas Letras e ao método escolástico de desenvolver e lidar com o conhecimento, para então verificarmos, através de uma reflexão sobre o modo de articular a justiça deste período, que os questionamentos dos humanistas, em especial de Petrarca, não se limitavam ao âmbito filosófico, mas se estendiam às questões práticas da vida humana, como o Direito e a prática jurídica. 1 Cf. KANT, Immanuel. Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita. 2 ROSA. Elianne M M. Humanismo na Espanha: De Iure gentium pelo pensamento de Francisco de Vitoria. p 35

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Análise realizada para elucidar alguns pontos do processo de secularização do mundo moderno e, consequentemente, da prática jurídica dos séculos XVI e XVII

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Page 1: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

1

Aline Fernanda Garcia de Medeiros – Noturno/História – 76494

O novo humanismo jurídico como alternativa à velha

escolástica

Kant certa vez escreveu, em um texto no qual refletia sobre a história da

humanidade, que o desenvolvimento humano só pode existir quando o seu

agente histórico lida com o mundo e com a sua própria natureza de maneira

ativa e não passiva, afirmando ser o motor do desenvolvimento humano

justamente o antagonismo à sua natureza e às circunstâncias de sua vida.

Seria esta guerra (interior e exterior) constante que permitiria e promoveria o

avanço do mundo e da condição humana1. De maneira análoga (sem pretender

discutir aqui conceitos da filosofia da história), podemos dizer que o

pensamento humanista se desenvolveu enquanto antagonista do pensamento

e cultura medievais. Surgia, no século XIV, em meio a uma cultura ocidental

regida e movida pela religião (cristã) e que determinava como centro da vida

humana o sobrenatural, o pensamento humanista que pretendia discutir o valor

e a dignidade do ser humano em suas mais diversas manifestações (cultural,

política, econômica e etc.). A proposta deste texto é, em primeiro lugar, discutir

brevemente acerca do humanismo na filosofia renascentista (já definindo como

marco inicial a produção intelectual do poeta Petrarca [1304-1374], por ter sido

o primeiro grande nome a repensar a cultura de seu tempo2). Como eixos

principais da crítica humanista no pensamento filosófico, trataremos da crítica

ao abandono das Belas Letras e ao método escolástico de desenvolver e lidar

com o conhecimento, para então verificarmos, através de uma reflexão sobre o

modo de articular a justiça deste período, que os questionamentos dos

humanistas, em especial de Petrarca, não se limitavam ao âmbito filosófico,

mas se estendiam às questões práticas da vida humana, como o Direito e a

prática jurídica.

1 Cf. KANT, Immanuel. Ideia de uma historia universal de um ponto de vista cosmopolita.

2 ROSA. Elianne M M. Humanismo na Espanha: De Iure gentium pelo pensamento de

Francisco de Vitoria. p 35

Page 2: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

2

A volta às Belas Letras

Em começos do século XIII, onde até então imperava a cultura latina

clássica (sob o princípio tradicional romano de que “sem sapientia não há

eloquentia”), percebe-se uma mudança gradual na importância que se atribuía

ao estudo das Letras (entenda-se Letras Clássicas, o latim e o grego). A

importância que os textos de Aristóteles passarão a ter, à medida que eram

traduzidos para o latim, fez com que conquistasse grandes espaços nas

Universidades. Espaços estes que antes eram ocupados pelos estudos

clássicos e da grammatica, além de outras artes liberais3. É importante

destacar que isso não significa que o “saber antigo” e o estudo das Letras

foram extintos no século XIII, mas sim amplamente minimizados pela filosofia e

teologia escolásticas.

“Vemos aparecer, então, uma cultura de tipo novo, baseada no mínimo de gramática exigido para o uso corrente de um latim de todo escolar, construída pelo estudo da lógica e da filosofia de Aristóteles e coroada pelo estudo de uma teologia cuja técnica se inspira nessa lógica e nessa filosofia”

4

As Belas Letras praticamente desaparecem da Universidade de Paris,

grande centro produtor do conhecimento e pensamento ocidental, os autores

clássicos não eram mais necessários, umas vez que aprendida a gramática

latina, havia a bíblia e a liturgia para serem lidas quando necessário.5 Etienne

afirma que a profunda mudança, que tributou ao século XIII o abandono aos

estudos clássicos, foi tão simplesmente uma mudança nos métodos de ensino.

A gramática, por influência das regras da lógica, tornou-se uma “ciência

especulativa”, que tentava responder algum ponto duvidoso recorrendo à busca

incessante pelas “causas” (para Aristóteles não são capazes de ensinar

aqueles que desconhecem a causa do que dizem), deixando desta forma de

recorrer à autoridade dos melhores autores latinos6. Esta gramática

especulativa buscava estudar as regras universais, onde as variações

acidentais (precisamente falar e compreender a língua) eram menos

importantes que os aspectos comuns a todas elas. Foi a essa gramática

3 Cf. GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. p 495

4 Idem

5 Idem, p 498

6 Idem, p 499

Page 3: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

3

universal e especulativa que se opuseram os humanistas e nesta conjuntura

que reclamavam a volta do estudo das Belas Letras, perdido no século XIII.

O problema da Escolástica

Da mesma forma que o emprego da lógica aristotélica criou uma

“oposição fatal” ao estudo das Belas Letras, foi ela mesma que transformou a

teologia e a filosofia da eloquentia clássica em teologia e filosofia escolásticas.7

A Escolástica fundamenta-se em um “principio de autoridade”, que

estabelece um corpo de autores canônicos dos quais os mestres escolásticos

sempre deverão lançar mão para construir seus pensamentos. É uma “ciência

do comentário” e de textos canônicos que, como explica d’Assunção Barros:

“[...] variavam conforme as quatro áreas do saber, mas é possível citar aqui um certo fundo comum que todos escolatas costumavam referenciar. Há de saída uma base aristotélica importante, a Ética e a Lógica [...]. A partir deste fundo comum, a Escolástica vive de uma peculiar combinação de textos herdados da herança latina dos primeiros autores cristãos com certo substrato de textos derivados do saber greco-romano e, em alguma medida, também dos muçulmanos.”

8

É, portanto, uma ciência de mestres que abandonaram o estudo das

Belas Letras ao mesmo tempo em que abandonavam a leitura dos autores

clássicos. Esses mestres não eram apenas eclesiásticos, mas também das

ordens mendicantes surgidas no século XII (Dominicanos e Franciscanos).

Aprendiam, ensinavam e aplicavam, por meio da Escolástica, a retórica e a

lógica, capacidades fundamentais para convencer pessoas através da

pregação. 9

O método escolástico possui alguns pontos essenciais, dos quais

destacamos a “precisão vocabular” e a “dialética”. Era um método que

pretendia esgotar todas as possibilidades de solução do problema através de

suas referências canônicas armazenadas. Principiava-se pela leitura do

comentário (letio), comentário este que gera discussão, onde levantam-se os

problemas que ele (o comentário) pode suscitar, desenvolvendo assim a

7 Idem, p 503

8 BARROS, José D. A escolástica em seu contexto histórico. p 232 e 233

9 Idem, p 233

Page 4: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

4

questio. Quando a própria questio se torna objeto de discussão, estudantes e

mestres iniciam a disputatio.10

Uma das críticas humanistas aos escolásticos está justamente no fato

de que esses mestres armazenavam na memória os mais variados

pensamentos de outros autores e assim, baseados no conhecimento alheio,

construíam sua argumentação e solucionavam seus problemas. Um método

que exigiria excessiva erudição, mas que ao fim e ao cabo não transformava o

mestre ou o aluno em sua essência. É como se o acúmulo do conhecimento

alheio produzisse certa incapacidade de desenvolver um raciocínio autêntico e,

assim, se constituía em conhecimento inútil.

Francesco Petrarca foi um poeta e pensador que manifestou profunda

desaprovação ao método escolástico de produção de conhecimento e, assim,

um dos primeiros grandes críticos à cultura de seu tempo. Através de suas

obras, muitas vezes agressivas, questionou a incapacidade dos mestres

escolásticos de escrever pois pouco se importavam com o estudo das Letras,

mas sim se tornavam mestres nas técnicas dialéticas e retóricas, com o intuito

único de vencer discussões (disputatio) e não de chegar à verdade. Em uma

carta a Tomás de Mesina (Contra os velhos dialéticos - I,7), Petrarca teria

respondido a uma ameaça recebida por um dialético que prometera escrever

contra seus estudos afirmando ser impossível isso acontecer, pois o dialético

não desceria ao campo da escrita, simplesmente por não saber fazê-lo:

“Não lutam com a pena estes que são implacáveis com a língua falada seja porque há neles vergonha do estilo, seja porque desse modo eles confessariam sua ignorância: não querem mostrar a frivolidade das coisas com as quais estão armados e por isso segundo o costume dos Partas, praticam uma espécie de combate que tem por estratégia fugir e ir lançando palavras ao ar como se aos ventos arremessassem lanças.”

11

Com críticas de certa forma agressivas, continua:

“Com eles, como acima disse, é temerário lutar conforme sua maneira, visto que tiram seu máximo prazer da luta, cujo propósito é não encontrar o verdadeiro mas tão somente combater. [...] se a virtude se a verdade persegues, evita essa raça de homens.”

12

10

Idem, p 234 11

Citação retirada de texto fornecido pelo professor 12

Idem

Page 5: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

5

E ainda contra os mestres dialéticos, em outra carta (Da invenção e do

Engenho - I,8), fala sobre o acúmulo de conhecimento alheio como forma de

ostentação do saber não de produção do seu próprio:

“Erijamos como fim mais honrado de nossos estudos, não a glória vã, proveniente do juízo do vulgo, produzida pelas argúcias de uma discussão cheia de vento, mas sim a produção da verdade e da virtude. Creia em mim, é lícito conhecer alguma coisa sem altercações barulhentas; o barulho não torna alguém mais douto, mas sim o estudo. Na verdade, por conseguinte, se não nos propomos o parecer de preferência ao ser, não tanto agradará o aplauso da multidão insana quanto a verdade em silêncio [...]”

13

Petrarca, além de ter sido o responsável por resgatar o estudo de

autores clássicos importantes (como Cícero), influenciou também, através do

humanismo, o mundo jurídico. Entre 1320 e 1326 iniciou o estudo superior em

direito, mas tais estudos não o agradaram muito e nunca se envolveu na

prática legal, e declarou:

“No porque no me gustara la majestad del derecho, que indudablemente es grande y está saturada de esa antigüedad romana de la que soy admirador, sino porque la maldad de los hombres lo pliega a uso pérfido. Y así me disgustó aprender lo que no habría podido usar honestamente; por otro lado, con honestidad habría sido casi imposible, y el comportamiento recto habría sido imputado a impericia”

14

A Praxis Jurídica no século XV

Longe de poder afirmar alguma homogeneidade na prática jurídica

ocidental como um todo, proponho analisar brevemente a prática jurídica

indiana (praticada em territórios hispano-americanos a partir dos

descobrimentos e estabelecimentos coloniais). Mesmo partindo de um caso

particular e peculiar como a prática na América Hispânica, estaremos aqui

falando inevitavelmente de processos, tradições, administração e organização

originárias da Península Ibérica e, portanto, diretamente relacionada com suas

raízes medievais e influências humanistas. Me parece, ainda, ser oportuno

tratar da Península Ibérica por ser um espaço onde as ideias humanistas não

tiveram grande facilidade de se infiltrar devido à resistência espanhola à

novidade suspeita, vinda arrastada com os ventos da França inimiga e do

13

Idem 14

PETRARCA. em SIENA, Primo. Francesco Petrarca: entre el Renascimiento y la Modernidad.

Page 6: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

6

mundo protestante “de fora”. Assim, a permanência de uma administração

herdeira da teologia escolástica era mais provável, resistente e evidente.

Em uma realidade em que a própria noção de justiça nos é estranha15, a

prática nos tribunais era claramente herdeira da prática escolástica tratada um

pouco antes. Os juristas, em suas mais diversas práticas (advogados,

jurisconsultos, juízes), eram letrados e profundos conhecedores das leis

(romanas, comuns, reais e provinciais), além de conhecer a teologia e as

doutrinas dos autores canônicos. Tais doutrinas canônicas eram, como com os

mestres escolásticos, comumente comentários de outras obras (comentários

que supriam as lacunas que as glosas já não podiam preencher, por não darem

conta de realidades tão diferentes no espaço de no tempo de quando foram

escritos os originais. Esses comentários são reflexo da liberdade que possuíam

os doutos e letrados de interpretar as fontes do direito, prática que foi se

desenvolvendo junto às necessidades surgidas. A realidade americana é

elucidativa: como utilizar apenas doutrinas do direito espanhol e romano diante

de circunstâncias novas como as do Novo Mundo?), até mesmo comentários

de comentários, promovendo assim grande distanciamento das doutrinas

originais. E era a partir de todo este repertório teórico que advogados

defendiam suas partes nos tribunais, que jurisconsultos teciam suas

orientações e, principalmente, a partir do qual os juízes emitiam suas

sentenças. Diante da incerteza jurídica, fundada no arbítrio do juiz e não em

um código que regesse todas as questões civis daquela sociedade, as

argumentações partiam de acúmulo de doutrinas e estavam, assim como na

escolástica, baseados no “princípio da autoridade” da doutrina alheia. Apesar

da novidade que o Novo Mundo trazia à prática jurídica e à própria produção da

literatura jurídica, é impensável um direito indiano sem vínculos profundos com

as doutrinas canônicas europeias baseadas no direito romano, no direito

comum e no direito real.

15

Até a consolidação de uma “justiça de leis”, após a codificação, a própria noção de justiça era diferente: em lugar dos “direitos iguais para todos” estamos em um período em que praticar a justiça nada mais é do que possuir “a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”, ou ainda, uma “justiça de homens”.

Page 7: O Novo Humanismo Jurídico Como Alternativa à Velha Escolástica

7

A jurisprudência europeia dos séculos XV e XVI

Mos italicus

Denomina-se assim por ter se difundido primeiramente da Itália, tal

modo de articulação da justiça iniciou-se com a prática dos comentários das

doutrinas jurídicas (Corpus Iuris), doutrinas estas que faziam parte da realidade

europeia desde fins do século XIII. Com a impossibilidade de adequar tais

doutrinas a realidades distintas, os comentaristas (ou pós glosadores)

passaram a ocupar um lugar de destaque. Juristas criticavam os resultados

obtidos pelos glosadores de então e reivindicavam maior liberdade na

racionalização os textos romanos:

“De este modo hubo que amoldar la normativa justinianea a los novos tiempos, para ello la glosa se mostraba ineficaz y fue así como comenzó lá práctica de los comentários que permitiam no solo la interpretación de las diferentes doctrinas jurídicas, sino tambien el avance de las mismas”

16

Mos italicus tardio

O mos italicus tardio desenvolveu-se em um momento em que o mos

italicus parecia ter estagnado, recebendo críticas por apegar-se demais às

tradições das grandes figuras (como na prática da dialética escolástica) e,

consequentemente, não se renovando. Adquiriu algumas características

particulares como: a preponderância da prática forense sobre a docente;

distanciamento gradual das fontes do direito romano e canônico; grande

importância do “argumento de autoridade” e; recorrer à “opinião comum”.17

É assim que, finalmente, podemos falar do humanismo jurídico.

Da mesma maneira como condenava o distanciamento dos autores

clássicos, o humanismo jurídico fazia em relação ao distanciamento das fontes

do direito. Os humanistas abominavam o sistema legal criado por Roma e,

assim, criaram um novo objeto de estudo. Sobre as críticas que recebiam,

relacionadas na citação abaixo, podemos perceber que são muito próximas às

direcionadas aos dialéticos pouco versados nas Letras clássicas:

“La reprobación de los humanistas al método de los cultivadores del mos italicus tardio vino de autores tan reputados como Petrarca, Boccaccio, Maffeo Vegio, Lorenzo Valla, Erasmo, o Juan Luis Vives.

16

TALAVÁN, Miguel. Un universo de opiniones: la literatura jurídica indiana. p 192 17

Idem, p 193

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8

Básicamente estos y otros autores les reprochaban uma falta de cultura filológica, lo que les impedia ler y comprender adecuadamente los escritos jurídicos griegos y romanos, base de sus obras; así como uma carência de cultura histórica que les limitaba a la hora de dar uma correcta interpretación a las fuentes que manejaban; del mismo modo enjuiciaban su alejamiento de las fuentes legales primigenias para caer en el comentário de las obras de los comentaristas; y su estilo a la hora de escribir que era calificado de poco desenvuelto, pesado e ininteligible a cusa del mal uso de la lengua latina y de la costumbre de acumular em excesso citas de autores.”

18

Os humanistas propunham, desta forma, o retorno às fontes,

aprimoramento de seus estudos baseados nos novos métodos filológicos e

uma volta ao conhecimento profundo da cultura clássica. A tentativa de

harmonizar a jurisprudência do mos italicus e as propostas humanistas deu

origem ao mos gallicus (chamado assim por ter se enraizado primeiramente

em França)19

Como dito anteriormente, o humanismo jurídico não penetrou tão

fortemente nas Índias como em outros lugares, devido à resistência ibérica a

receber as novas ideias de um mundo em um claro processo de transformação.

Entretanto teve sim seus representantes humanistas, apesar de pouco

estudados. Mas para além de algo que não cabe a essa reflexão, quis com o

texto apresentado mostrar o quando a prática escolástica e, posteriormente o

humanismo, penetraram não apenas por entre os corredores e salas de aula

das universidades, nas reflexões e tratados filosóficos, mas também teve seu

papel importante em questões práticas da vida do homem medieval e moderno,

possuindo profunda influência na forma como lidavam com o próprio conceito

de justiça e abrindo caminho para uma nova maneira de praticá-la. O

pensamento humanista foi o responsável por uma posterior mudança da

“justiça de homens”, tão característica do mos italicus e presente por muito

tempo nos tribunais ibéricos e indianos, para uma “justiça de leis”, muito

característica do mos gallicus e realidade alguns séculos depois. Petrarca,

assim como crítico ao modo de produzir o conhecimento de seu tempo, foi

crítico desta prática jurídica que se fundamentava e se apropriava de doutrinas

e leis, em sua avaliação, mal interpretadas por uma incapacidade própria de

18

Idem, p 195 19

Idem, p 196

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9

seus contemporâneos, herdeira de pouca preparação erudita (cultura e letras

clássicas), sendo assim, herdeira do abandono das Belas Letras que

condenavam também a atividade dos seus “inimigos” dialéticos.

Referências Bibliográficas

BARROS, José D. A escolástica em seu contexto histórico. Fragmentos de

Cultura. v. 22, nº 3, p 231-239, jul/set 2012.

GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

KANT, Immanuel. Ideia de uma historia universal de um ponto de vista

cosmopolita. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

ROSA. Elianne M M. Humanismo na Espanha: De Iure gentium pelo

pensamento de Francisco de Vitoria. Dissertação (mestrado em Filosofia do

direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2009. 174 f. São Paulo,

2012.

SIENA, Primo. Francesco Petrarca: entre el Renascimiento y la Modernidad.

Revista Arbil. nº 86. Disponível em http://revista-arbil.es/(86)prim.htm , acesso

em 21/07/14

TALAVÁN, Miguel. Un universo de opiniones: la literatura jurídica indiana.

Madrid: Gráficas Loureiro, 2003.