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caius_c 1 O Normativismo no Caso dos Exploradores de Cavernas João Alberto Padoveze

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Page 1: O Normativismo no Caso dos Exploradores de Cavernas · às cavernas, inclusive as desportivas, conforme o artigo 5º. Inciso III. d) As expedições científicas são regidas pelo

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O Normativismo

no Caso dos Exploradores de

Cavernas

João Alberto Padoveze

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Resumo do livro 1

O livro discorre sobre o caso de cinco pessoas que ao

entrarem numa caverna foram surpreendidas por um

deslizamento que obstruiu a entrada da mesma. Em virtude

deste acidente, o grupo ficou num ambiente hermético, onde

não havia alimentos suficientes para sobreviverem longo

período. A fim de desobstruir a entrada da caverna e salvar os

exploradores, o governo mandou um grande grupo de resgate,

desta forma, foram gastos elevadas quantias financeiras e,

também, durante a missão dez pessoas morreram em outros

deslizamentos.

Os exploradores estabeleciam comunicação com o

grupo de resgate através de um rádio que eles haviam levado.

Em suas comunicações eles questionaram sobre o perigo de

eles morrerem por inanição, pois no interior da caverna não

havia substância animal ou vegetal que servisse de alimento.

Com o escopo de resolver este problema, no vigésimo dia

depois de ficarem no cárcere da caverna, questionaram um

1 FULLER, Lon L. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre, Fabris, 1976.

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médico que afirmou que havia poucas chances de

sobreviverem até o tempo necessário para a equipe desobstruir

a entrada (mais dez dias). Dentro deste contexto, um dos

integrantes (Roger Whetmore) perguntou para a equipe de

resgate: se eles jogassem a sorte e quem perdesse fosse servido

de alimentação para os demais, se sobreviveriam. A equipe, a

contragosto, respondeu que provavelmente sim. Continuando a

conversa, Whetmore perguntou se havia um juiz que

aconselhasse tal idéia, nenhuma pessoa do grupo de

salvamento mostrou-se disposta a resolver tal assunto.

Desta maneira, eles não estabeleceram mais

comunicação com a equipe e resolveram aplicar tal idéia. No

meio desta “roleta russa”, Whetmore desistiu, mais seus

amigos continuaram e jogaram o dado por ele e ele perdeu e

foi morto.

Após a equipe abrir a entrada, os outros quatro

exploradores foram julgados e condenados à forca em primeira

instância. Eles recorreram e após quatro juízes apreciarem tal

caso, dois foram favoráveis à execução e, de forma antagônica,

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dois à absolvição. Mesmo com esse empate na segunda

instância eles foram condenados à morte.

O primeiro juiz, Foster, foi contrário à condenação e

justificou sua posição argumentando que “se este tribunal

declara que estes homens cometeram um crime, nossa lei será

condenada no tribunal do senso comum” e, também, que a lei

não estava pretendendo realizar justiça. Foster argüíu que não

se poderia aplicar a legislação - direito positivo -, pois estava

frente à um caso que deveria ser aplicado o direito natural,

pois eles não estavam em um “estado de sociedade civil” mas

em um “estado natural”. Ele suplementa sua argumentação

discorrendo que “um dos mais antigos aforismos da sabedoria

jurídica ensina que um homem pode infringir a letra da lei sem

violar a própria lei” e que “a verdade é que a exceção em

favor da legítima defesa não é conciliável com as palavras da

lei, mas somente com seu propósito”.

O segundo juiz, Tatting, defendeu a execução e

argumentou que os exploradores não estavam num estado de

natureza e que, mesmo assim, que lei natural seria essa que

permitiria conferir poderes para semelhante comer seu próprio

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corpo. Ele comenta, ainda, a possibilidade de que os outros

simplesmente conspirassem para causar a morte de Whetmore,

e justificassem que ele estava em condição física mais fraca.

Ou, ainda, que um plano de seleção, baseado numa justificação

diferente daquela adotada, fosse seguido, a título ilustrativo o

critério religioso e sendo os demais ateus e Whetmore o único

que acreditasse na vida após a morte deveria morrer.

O terceiro juiz, Keen, pronunciou que como juiz, ele

jurou aplicar não suas concepções de moralidade, mas o direito

do país e como a lei expõe: “Quem quer que intencionalmente

prive a outrem da vida será punido com a morte”. Desta

maneira, ele foi favorável à condenação. Ele fala ainda que os

juízes não devem legislar, pois esta função não lhes compete,

visto que, eles devem apenas aplicar fielmente a lei escrita e de

interpretá-la de acordo com seu significado. Ele critica, ainda,

o fato de muitos juízes procurarem lacunas afim de

justificarem suas “legislações”.

O quarto e último juiz, Handy, foi contrário à

condenação dos exploradores de cavernas e defende sua

posição dizendo que o povo está bem governado quando seus

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governantes compreendem os sentimentos e concepções do

povo. No que concerne a este caso, as pessoas, que foram

consultadas por pesquisas de opinião, foram, em sua maioria,

favoráveis à absolvição dos exploradores, desta forma, não

haveria motivos para a condenação. Ele reforça sua tese

dizendo que certamente nenhuma pessoa leiga pensaria que,

absolvendo estes homens, os juízes estariam desvirtuando a lei

mais do que os seus predecessores o fizeram quando criaram a

excludente da legítima defesa.

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Base da argumentação da defesa

Após vislumbrar os acontecimentos e as argumentações

dos juízes, tem-se o mesmo entendimento dos que são

favoráveis à absolvição dos demais exploradores. Para se

chegar a esta conclusão pode existir dois caminhos que

dependeria da legislação que deveria ser utilizada para julgar

tal caso.

A primeira hipótese é a da legislação não contemplar

de forma típica tal fato. Destarte, o juiz não teria uma norma

que pudesse fazer o processo de subsunção, ou seja, ele estaria

diante de uma "lacuna da lei". Em tal caso o juiz deveria

resolver a controvérsia aplicando o direito natural, pois o

direito positivo não destrói, mas sim recobre, ou submerge o

direito natural; se, portanto, há um “buraco” no direito

positivo, através deste deve aflorar o direito natural. Em

síntese, se o juiz percebesse que estava diante de uma lacuna,

deveria tentar “tapar esse buraco da lei”, através dos princípios

gerais do direito. O juiz um grande estudioso do direito,

dotado de discernimento, não pode ficar restrito a uma

legislação que não contemplasse tal fato sob pena de confundir

exploradores de cavernas com caetés.

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A segunda possibilidade é da norma prescrever tal

situação. Isto ocorre com a legislação brasileira, na qual o

atual Código Penal discorre no art. 23, I - “Não há crime

quando o agente pratica o fato em estado de necessidade”- e

também no art. 24 - “Considera-se em estado de necessidade

quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não

provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,

direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias,

não era razoável exigir-se.”

Segundo Julio Fabbrini Mirabete, “O estado de

necessidade pressupõe um conflito entre titulares de interesses

lícitos, legítimos, em que um pode perecer licitamente para

que o outro sobreviva. Exemplos clássicos de estado de

necessidade são o furto famélico, a antropofagia no caso de

pessoas perdidas, a destruição de mercadorias de uma

embarcação ou aeronave para salvar tripulante e passageiros,

a morte de um animal que ataca o agente sem interferência

alguma do seu dono etc. Não podendo o Estado acudir aquele

que está em perigo, nem devendo tomar partido a priori de

qualquer dos titulares dos bens em conflito, concede o direito

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de que se ofenda bem alheio para salvar direito próprio ou de

terceiro ante um fato irremediável”.

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Contestação à sentença de J.

Foster

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Razões dos embargos

A r. sentença baseia-se em duas premissas:

a) “Lei da natureza” ou direito natural. Funda-se este

entendimento na preposição de que o nosso direito

positivo pressupõe a possibilidade da coexistência

dos homens em sociedade. Surgindo a situação que

torne a coexistência impossível a partir de então a

condição de que se encontra subjacente a todos os

nossos precedentes e disposições legisladas

cessaram de existir. Desaparecendo essa condição a

coercibilidade de nosso direito positivo desaparece

com ela. A própria distância geográfica, no caso da

caverna, impõe a criação de novas regras, visto que

o Direito conhecido como tal, não tem como estar

entre os exploradores. Logo, eles têm que se valer

de novas formas de conduta para a sua situação.

b) A interpretação das leis deve ser feita à luz dos

fatos. Matar é totalmente contra a lei, mas existe o

excludente da legítima defesa ou de situações de

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necessidade extrema. O bom senso deve imperar

face às normas. A aplicação da lei pura e simples

torna-se algo contra o próprio Direito. Um homem

pode infringir a letra da lei sem violar a própria lei.

O fato social, quando analisado corretamente,

sobrepõe-se à interpretação fria da lei. Se as leis

foram feitas para reger a conduta dos homens e

supondo que nem todas as situações estão previstas

por ela, admite-se que existam situações onde o

fato social tem maior relevância e que ele não deve

ser visto através de uma ótica simplista e fria e ater-

se à leitura fria da lei. A lei deve ser interpretada de

acordo com os fatos. O próprio Direito somente

existe em função de um espaço e tempo. Ele se

transforma e evolui à medida que a própria

sociedade se transforma. O Direito adapta-se aos

novos fatos da sociedade e os novos fatos da

sociedade enquadram-se nesse Direito. Se o Direito

não é uma estrutura rígida e imutável, então ele

pode ser interpretado à luz de novos fatos.

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Contestação à defesa de Foster, J

Alguns fatos podem dizer que os exploradores da

caverna não se encontravam no dito “estado natural”. A

primeira premissa aventada por ele não pode ser usada como

fonte de defesa.

a) Nas palavras de Foster, J “se os trágicos

acontecimentos desse caso tivessem tido lugar a

uma milha de nossos limites territoriais....” , “a

premissa segundo a qual os homens devem

coexistir em um grupo encontra-se, portanto, à base

do principio territorial...”, “estavam tão distantes de

nossa ordem jurídica como s estivessem a mil

milhas alem de nossas fronteiras...”, “mesmo em

um sentido físico, sua prisão subterrânea estava

separada dos nossos tribunais...”, não tem

fundamento visto que esse também é um território

da União e sujeitos, portanto, às suas leis.

b) A Constituição Federal, art. 20º. Inc X, diz que são

bens da União “as cavidades naturais subterrâneas e

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os sítios arqueológicos e pré-históricos”. Somente

esse artigo da constituição já confere ao Direito o

seu poder de atuar sobre o local onde os

exploradores se encontravam.

c) O Decreto no. 99556, de 1º. De Outubro de 1990,

dispõe sobre a proteção das cavidades naturais

subterrâneas existentes em todo território nacional e

dá ao Estado o poder de gerir as atividades relativas

às cavernas, inclusive as desportivas, conforme o

artigo 5º. Inciso III.

d) As expedições científicas são regidas pelo Decreto

65057 de 26 de agosto de 1969 e todas as

expedições espeleológicas têm que ser coordenadas

pela Sociedade Brasileira de Espeleologia ou

entidades a ela ligadas.

e) Nas palavras de Foster, “o que estes homens

fizeram realizou-se em cumprimento de um

contrato aceito por todos....”, “o princípio

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fundamental do direito deve ser encontrado na

noção de contrato ou convênio...”.

f) Sua comunicação com o mundo exterior pressupõe

que eles ainda faziam parte da sociedade cujas

regras infringiram. Mesmo que tivessem realizado

um contrato social entre si, indicativo da formação

de uma sociedade, ele não teria efeito visto que o

contrato estaria em subsunção às leis que regem a

sociedade. Todo e qualquer contrato tem validade

quando está de acordo com as normas superiores a

ele.

g) A necessidade dos exploradores de que alguma

autoridade, juiz ou padre, pudesse ajuizar sua

pretensão de ação indica que os mesmos estavam

mentalmente ligados às instituições oficiais que

regem e criam as normas para o bom convívio dos

homens, independente do local onde se

encontravam. Considerando que estavam de acordo

com as normas sobre as quais comumente viviam é

de supor que teriam que seguir seus preceitos.

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h) O fato de estarem temporariamente desligados

fisicamente da sociedade não lhes dá o direito de

agirem por conta própria ou de criarem uma nova

sociedade a partir de elementos temporários sabidos

de antemão. Findo a problema e resgatados, os

homens estariam sujeitos novamente às normas da

sociedade. A partir do momento em que estivessem

fisicamente religados à sociedade teriam que dar

conta de seus atos praticados fora dela. A

coercibilidade da lei existe enquanto se permanece

debaixo dela.

i) A sociedade criada por eles e seu contrato social

teriam valor apenas se eles decidissem permanecer

para sempre dentro dela. Não se pode criar

sociedades ou contratos temporários com fito de

usufruir alguma prerrogativa e usar esse argumento

a seu favor quando se está ligado a uma sociedade

permanente. Ninguém pode se beneficiar da própria

torpeza.

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j) O Direito Natural somente existe quando amparado

no Direito Positivo. Ora se o Direito Natural

somente existe nessa condição, então é lógico supor

que o Direito Natural é o próprio Direito Positivo.

O Direito Natural somente tem sentido quando

estabelecido por lei. Sem esse amparo, ele somente

existe virtualmente e, portanto não deve ser

aplicado no mundo real.

k) Existindo uma Sociedade Natural, onde se supõe

que exista um Direito Natural, é de acreditar que

esse Direito Natural está amparado em um Contrato

Social, também natural, onde todos aqueles que

dele fazem parte se beneficiam. Se ao entrarem na

caverna os exploradores já viviam de acordo com

esse Contrato Social, é de supor que o manteriam,

independente das condições em que se

encontrassem. Em face de uma nova situação não é

razoável supor que simplesmente se esqueça todas

as normas em que se viveu e adotem imediatamente

outras que são favoráveis a apenas alguns

membros. Um Contrato Social implica em crença

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sobre o que cada um deve ter em direitos e deveres.

A quebra desse Contrato implica em destruição das

crenças sobre as quais se baseiam a confiança

necessária para uma convivência social.

l) Partindo desse princípio e daquele que diz que uma

norma somente tem validade quando apoiada em

outra anterior e superior a ela, é de supor que a

formação de uma nova sociedade dentro da caverna

devesse ter suas leis regidas pelos princípios

primordiais que determinaram o Contrato Social

sobre o qual viviam. A criação de novas normas

totalmente contrárias àquelas sob as quais os

exploradores viviam indica que existiu uma ruptura

nesse Contrato Social e que a não aceitação do Sr.

Whetmore dessas novas regras indica que o mesmo

tinha plena consciência de que os demais membros

queriam adotar uma sociedade que apenas

favorecessem alguns. Ora, uma sociedade que

favorece alguns se revela como totalitária. Sendo

totalitária, uma sociedade não pode se beneficiar do

Direito Natural, que tem em todos os seus artigos a

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premissa máxima da Justiça. Se essa sociedade não

pode se beneficiar do Direito Natural, então os seus

membros, logicamente, também não podem dele se

valer.

Quanto à interpretação das leis de acordo com os fatos,

existem argumentos desfavoráveis a isso, tais como:

a) Pode se dizer que se trata de algo obscuro e que pode

dar margens mais a erros do que acertos. Deixar para

um só juiz determinar aquilo que é válido ou não, é

fazer com que todas as leis percam seus efeitos. As

leis foram criadas para dar uma base de convivência

pacifica aos componentes da sociedade. Se formos

levar em consideração todos os eventos particulares e

determinar a aplicação de acordo com eles, não

existiria necessidade de leis. A lei seria determinada

simplesmente pelo juiz que julga o caso.

b) Deixando a critério do juiz determinar ou não a

aplicação da lei, com certeza existirá a prerrogativa

suprema deste em ditar a própria lei. Ao juiz cabe

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julgar e não estabelecer leis. Seu objetivo é fazer com

que elas sejam cumpridas.

c) A citação de legítima defesa como argumento válido

para um assassinato funciona como uma atenuante de

pena e não como uma forma de se eximir do rigor da

lei. O ato de matar continua sendo contrário às leis e

não existem excludentes para isso, mas apenas

atenuantes.

d) Dizer que a aplicação pura e simples das leis é algo

que atenta contra o próprio Direito é dizer que

nenhuma das regras definidas seria válida. Não

existiria Direito se não existissem normas. As normas

definem aquilo que não se deve fazer para que

possamos ter um mínimo de convivência pacífica em

sociedade. Para que criar normas se elas podem ter

aplicações diferentes de acordo com as

particularidades de cada caso?

e) Toda norma é geral e abstrata. Sua constituição

estabelece um princípio aplicável a diversos casos.

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Por generalizar, a lei é aplicável a todos e estabelece

o princípio da igualdade; de que todos são iguais

perante a lei. Se traduzirmos as normas para cada

caso individual, o conceito de igualdade perante a lei

deixa de existir. Inexistindo o poder de nos

igualarmos perante a lei, a própria lei perde o sentido

de regular as atividades humanas, sendo mais certo

definir cada caso por um árbitro e não por um juiz.

Recorrer ao arbitramento pressupõe decisão única,

com base em diferentes versões pessoais do direito e

sem direito à recorrência ou defesa. Existindo

arbitramento inexiste a necessidade de norma

regulamentar, ou seja, inexiste a necessidade de lei.

Inexistindo leis, inexiste o Direito.

f) Disse Mário Guimarães: “Deverá o juiz obedecer à

lei, ainda que dela discorde, ainda que lhe pareça

injusta. É um constrangimento que o princípio da

divisão dos poderes impõe ao aplicador. Seria o

império da desordem se cada qual pudesse, a seu

arbítrio, suspender a execução da norma votada pelos

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representantes da nação.” (“O Juiz e a Função

Jurisdicional”, Forense, 1ª edição, pág. 330).

g) O Código Penal Brasileiro define no art.23, I –“Não

há crime quando o agente pratica o fato em estado de

necessidade” e no art. 24 – “Considera-se em estado

de necessidade quem pratica o fato para salvar de

perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem

podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio,

cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável

exigir-se.” O uso desse argumento comprova que o

Direito Natural não existe, visto que sua menção no

Direito Penal já o transforma em Direito Positivo.

h) No entanto, para uso desse argumento tem que se

definir se realmente o fato ocorreu em “estado de

necessidade”. Existem relatos de pessoas que

sobreviveram durante longos períodos sem a ingestão

de comida, superando os trinta e três dias esperados

para sua libertação da caverna. O limite para o ser

humano sem a necessária reposição de energias

através da comida pode ser bastante extenso.

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i) O Sr. Whetmore desistiu do acordo, pois havia

refletido e decidido esperar outra semana antes de

adotar tão terrível e odioso expediente. Em 1981, o

ativista irlandês do IRA, Bobby Sands morreu após

65 dias sem comer, em greve de fome na prisão de

Maze, na Irlanda, o que nos induz a pensar que os

limites são bastante extensos quando se trata de

permanecer longos períodos sem comer. No caso dos

exploradores, o Sr. Whetmore foi morto no vigésimo

terceiro dia, o que configura que ainda não tinham

chegado ao limite da resistência física e que ainda

teriam alguns dias antes de tomarem uma decisão tão

infortunada.

j) Existindo a necessidade de antropofagia entre os

exploradores da caverna, deveria existir a suposição

de que a própria natureza se encarregaria de eliminar

o elemento mais fraco do grupo e que não haveria a

necessidade da prática do assassinato. Se todos

estavam em condições saudáveis para discutir o

assunto e para praticar o ato é de supor que ainda

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estariam em condições físicas para aguardar que o

elemento mais fraco sucumbisse. A antropofagia

seria um elemento apenas de sobrevivência.

Acrescentar a ela o elemento do assassinato seria

incorrer em grave falta moral e legal.

k) § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem

tinha o dever legal de enfrentar o perigo. Embora os

exploradores não tivessem o dever legal de enfrentar

perigo, é de pressupor que sua atividade lhes

conferisse riscos sabidos de antemão. Se os riscos

eram conhecidos, é de supor que estivessem

preparados para enfrentá-los, na forma de uma

preparação física e mental. Existindo uma preparação

mental para adversidades, é de supor que eles

devessem estar conformes e de pensamento

preparado para enfrentar os possíveis acidentes.

Estando com sua psicologia intacta, é de supor que

não deveriam tomar atitudes que contrariassem o

bom senso, como a que tomaram. Enfrentar pressões

e saber lidar com elas faz parte intrínseca da pessoa

que arrisca sua vida em atividades perigosas.

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l) A portaria 89 de agosto de 2001, do IBAMA, dispõe

sobre em seu art. 1º sobre a criação de um Cadastro

Nacional de Instrutores e Condutores de Mergulho

em cavernas, que regulamenta a atividade de

mergulho e estabelece níveis mínimos de treinamento

de mergulhadores nas cavidades naturais

subterrâneas inundadas ou parcialmente alagadas no

território nacional. Essa preocupação do Ibama em

dotar profissionais com um mínimo de treinamento

para suas expedições esclarece sobre a periculosidade

das mesmas e da preocupação do Estado com a

integridade física dos exploradores.

m) As companhias de seguro, geralmente, colocam em

suas cláusulas a obrigatoriedade de não participação

em alguns esportes considerados perigosos e de alto

risco. Não costumam pagar prêmios para quem

habitualmente se arrisca em esportes radicais porque

reconhecem que a estatística está contra a integridade

física de quem os pratica.

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n) As empresas que promovem esportes radicais, alem

de serem qualificadas para isso, costumam exigir dos

participantes um contrato no qual os mesmos as

eximem de responsabilidades de danos que possam

ocorrer com a prática desses esportes.

o) Em uma expedição que confere perigo, é de supor

que exista um planejamento adequado para enfrentar

as adversidades. Existindo um planejamento, deveria

estar incluído nesse a necessária preparação para

permanecer durante longos períodos dentro de um

ambiente sujeito a acidentes naturais. Sua conduta

prova que, alem do próprio crime em si, ainda

cometeram o crime da negligência por não se

prepararem da melhor forma possível para exercer

uma atividade perigosa e voluntária. Seu próprio

amadorismo foi sua própria perdição.

p) O antigo conceito grego de que “um deve se

sacrificar para que outros sobrevivam” e transmitido

pelo cristianismo até nós, está por demais arraigado

em nossa mente para que possamos perguntar se a

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vítima pensa dessa mesma maneira. Para os que

sobrevivem pode parecer lógico mas para aquele que

está prestes a ser sacrificado em prol de outros é um

pensamento desconexo. Para o Sr. Whetmore,

escolhido na forma da sorte e contra sua a sua própria

vontade visto que renegou o contrato antes da

escolha, deveria existir a pergunta “Por que eu?”

antes de sua morte criminosa. O que o Sr. Whetmore

devia tanto aos outros para que sua vida servisse de

bem para a sobrevivência deles? O que conferia aos

outros, alem da sorte lançada, o Direito de tirar uma

vida em proveito da própria? Se analisarmos pelo

aspecto moral podemos também concluir que o

egoísmo lançou suas bases nas mentes dos

sobreviventes para que eles pudessem tirar

conclusões apressadas de que tinham mais direito à

vida do que a vítima.

q) Supondo que o prazo se estendesse por muito mais

tempo que o arrazoado pela equipe de resgate, é de

supor que os elementos da dita sociedade teriam que

se valer novamente do assassinato para a manutenção

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da vida de alguns de seus membros. A pergunta é se

aqueles que praticaram o assassinato para

sobreviverem estariam dispostos, em sã consciência e

baseados na forma como estabeleceram sua

provisória sociedade, a se sacrificarem ou serem

sacrificados para que os demais sobrevivessem. Suas

normas ainda valeriam para uma segunda vez e para

todos os membros do grupo? Seu Contrato Social

ainda prevaleceria se o tempo exigido para seu

resgate fosse tão prolongado a ponto de existir

espaço para o salvamento de apenas um de seus

membros? Todos os demais concordariam em morrer

para que apenas um se salvasse? Uma sociedade que

se baseia no assassinato de seus membros pode ser

considerada como uma sociedade baseada na Justiça

e portanto considerada como detentora de um Direito

Natural?

r) Se os exploradores achassem um tesouro é

pressuposto que o dividiriam igualmente entre si. Se

eles tivessem descoberto algo na caverna que lhes

dessem fama e fortuna, é de supor que, sendo

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associados, dividiriam igualmente a boa sorte.

Estando implícito que deveriam dividir entre si a boa

sorte, está implícito que também deveriam dividir os

percalços, as atribulações, as vicissitudes e a má sorte

também. Uma sociedade que usa alguns de seus

elementos para benefício de outros não é uma

sociedade que existe de conformidade com os ideais

de fraternidade e igualdade. Não sendo uma

sociedade baseada nesses princípios supõe que se

trata de uma sociedade totalitária, onde alguns se

beneficiam de outros sem a devida retribuição.

s) Durante o breve período em que estiveram na

caverna e que alguns consideram que existiu uma

sociedade provisória formada pelos exploradores

para sua sobrevivência, essa sociedade baseou-se em

princípios totalmente contrários aos da própria

democracia e portanto ao próprio Direito que a rege.

Alem dos crimes de negligência por seu despreparo

para sua expedição, ao egoísmo latente em seus

membros sacrificando um membro do grupo em

proveito dos outros, ainda, os acusados cometeram o

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crime de formarem um Estado Totalitário Provisório

que contrariou todos os princípios sobre os quais eles

se formaram como pessoas.

t) Criando um Estado Totalitário Provisório, os

membros da sociedade espeleológica afrontaram

diretamente o caput do Art. 1º. da Constituição que

determina como pétrea a cláusula onde se afirma que

o país é um Estado Democrático de Direito. Alem do

crime em si, do crime de negligência e da afronta

contra alguns princípios morais, os acusados ainda

ousaram subverter a ordem social expressa em

nossas leis.

u) As palavras de Foster, J “o que se pode dizer do

suposto valor da vida humana na situação em que os

réus e seu companheiro Whetmore foram

colhidos...”, não condiz com a realidade. Se a vida

humana não tem valor em alguma circunstância, é de

supor que podemos determinar outras circunstâncias

em que ela tenha valor nenhum. Ela não tendo valor

em várias circunstâncias, então, ela não teria nenhum

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valor e todos poderiam se dar o Direito de tirá-la, de

acordo com as circunstâncias que julgassem

adequadas a esse fato. Se essa premissa fosse uma

lei, estabeleceria bases para todos pudessem cometer

esse crime. Essas palavras contrariam frontalmente

até o Direito Natural, onde o direito à vida é

considerado como universal.

v) Ocorreu um homicídio doloso qualificado uma vez

que os acusados usaram de meio cruel e que

impossibilitou a defesa da vítima. Agiram com

premeditação e intenção de matar. Não se pode dar a

eles a benesse de que estariam emocionalmente

abalados visto que praticaram seu ato de forma fria e

calculista. Isso quer dizer, em suma, que estavam

conscientes e aptos para perceber e analisar a

gravidade de sua conduta.

w) O art. 1º., Inciso I, da Lei 8072, de 25 de julho de

1990, com a nova redação da Lei no. 8930 de 06 de

setembro de 1994, diz que são considerados crimes

hediondos todos aqueles que são praticados por

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grupos de extermínio, ainda que cometido por um só

agente, e homicídio qualificado. Tolhido em sua

defesa física e inferior em número, é de supor que

não existiu nenhuma possibilidade de defesa do Sr.

Whetmore contra seus algozes. Ao ato do assassinato

podemos acrescentar o gravame de ter sido praticado

de forma hedionda e, portanto, sujeito às penas dessa

lei.

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Comentários

A linha de defesa adotada por Foster, J foi baseada no

Jusnaturalismo, cujo conceito essencial é o reconhecimento de

que o Direito encontra seu fundamento e justificação em certas

exigências elementares da natureza humana. Sua existência é

determinada por um sentimento inerente de justiça e percepção

quase intuitiva dos valores ético-jurídicos. Nessa corrente de

pensamento o Direito seria um objeto natural e portanto sujeito

ao Princípio da Causalidade. O Direito seria inviolável e acima

do Direito Positivo.

Chama-se Jusnaturalismo a corrente de pensamento

que reúne todas as idéias que surgiram ao longo da história em

torno do Direito Natural, desde a Grécia Clássica até os dias

atuais.

Direito Natural

Para ser “natural” o Jusnaturalismo se baseia na

natureza para sua afirmação. No entanto, a natureza é aética e

amoral. Não se pode dizer que exista algo comparativo nela

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que possa nos dizer como devemos agir em uma sociedade tão

complexa como a nossa e que difere totalmente das sociedades

de outros animais. Tentar utilizar exemplos naturais para reger

o nosso comportamento é uma discrepância lógica visto que a

natureza não pode nos oferecer nenhuma norma de conduta.

O campo da ética pertence exclusivamente ao homem,

visto que a natureza tem outros valores que não nos servem.

Também não podemos julgar a natureza segundo nossos

princípios pois ela tem suas próprias regras e normas. Nossa

ética e moral também não servem para natureza.

Jusnaturalismo seria mais uma carta de boas intenções

do que uma corrente de Direito propriamente dito. Seu uso

limita-se às grandes noções de Direito e serve como freio para

um Normalismo contrário ao que se entende por Justiça. Se

partimos de um ponto de vista racional-científico, não-

metafísico, e reconhecermos que há muitos ideais de justiça

diferentes uns dos outros e contraditórios entre si, nenhum dos

quais exclui a possibilidade de outro, então nos será lícito

conferir uma validade relativa aos valores de justiça

constituídos através destes ideais. Tendo uma validade

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relativa, seu uso não pode se estender a todos. Não podendo se

estender a todos, o preceito contraria frontalmente o conceito

de lei que tem em um dos seus pressupostos a necessária

generalidade.

Acreditando que o ideal de Justiça é metafísico, então

podemos supor que seus preceitos não encontram uma

validade nas ações humanas diárias e que seu sentido somente

existe quando nos deparamos com as grandes equações do

Direito. Existe a necessidade da crença na Justiça em sua

forma ideal, no entanto, no momento em que ela é positivada,

ela se atrela às necessidades sociais de um grupo e deixa

naturalmente de ser um ideal para ser apenas uma norma, que

procura reger a convivência dessa sociedade. Ao se estabelecer

o ideal de Justiça como uma norma, ela perde a eficácia do

ideal e se torna um produto de seu próprio meio e deixa

portanto de ser um ideal.

Segundo Kelsen, a ciência jurídica representa uma

interpretação normativa dos fatos: "Descreve as normas

jurídicas produzidas através de atos de conduta humana e que

hão de ser aplicadas e observadas também por atos de conduta

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e, consequentemente, descreve as relações constituídas,

através dessas normas, entre os fatos por elas determinados".

A diferença conceitual entre proposições jurídicas da ciência,

que são os juízos hipotéticos que enunciam que, de acordo

com o ordenamento, sob certas circunstâncias ali previstas,

devem ocorrer certas conseqüências também previstas por este

ordenamento e normas jurídicas, que não são juízos acerca de

uma realidade externa, mas sim mandamentos que encerram

comandos, permissões e atribuições de poder ou de

competência. O conceito jurídico que se tenta aplicar com o

Jusnaturalismo é apenas uma proposição jurídica e não a

norma em si. Não sendo norma não pode ser aplicada.

Também existe o gravame de que as culturas diferem

entre si. Uma sociedade é completamente diferente da outra e

regida por normas distintas que cabem a ela exclusivamente.

Querer adotar padrões para todas elas é determinar que um só

pensamento é correto. Se um só pensamento é correto, então o

Direito se solidificaria e prenderia as sociedades a padrões que

poderiam prejudicar a própria sociedade. Pantha rei – tudo flui

e o Direito deve fluir também e ser usado como norma de

conduta a cada novo instante evolutivo de uma sociedade.

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Para o jurista chileno Eduardo Novoa Monreal, as

características do Jusnaturalismo são :

1) Universalidade (comum a todos os povos);

2) Perpetuidade (válido para todas as épocas);

3) Imutabilidade (da mesma forma que a natureza

humana, o direito natural não se modifica);

4) Indispensabilidade (é um direito irrenunciável);

5) Indelebilidade (no sentido que não podem os direito

naturais ser esquecidos pelo coração e consciência dos

homens);

6) Unidade (porque é igual para todos os homens);

7) Obrigatoriedade (deve ser obedecido por todos os

homens);

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8) Necessidade (nenhuma sociedade pode viver sem o

direito natural);

9) Validez (seus princípios são válidos e podem ser

impostos aos homens em qualquer situação em que se

encontrem).

Contestação às características descritas por Eduardo

Novoa Monreal

Universalidade

Não existe universalidade de direito entre culturas

distintas. A formação de cada povo determina seus usos e

costumes, que determinam suas leis que são base do próprio

Direito. Querer impor a todos os povos um pensamento único

é privá-los de um bem mais precioso que é a liberdade de

pensamento e ação.

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Perpetuidade

O próprio Direito é mutável e seus conceitos estão

limitados a um espaço e tempo. Querer que ele se estenda pela

eternidade é criar obstáculos à sua própria evolução. Em cada

época ou período histórico existe a necessidade de

redirecionamento do comportamento dos cidadãos face à

situação em que se encontra. Perturbações políticas e sociais

exigem um determinado tratamento pela lei para que não se

perca a unidade do povo. Por outro lado, em épocas de paz as

leis têm que ser adaptadas para que o usufruto da convivência

social seja maior.

Imutabilidade

Acreditar que algo exista de forma igual dentro de

padrões diferentes é acreditar que nada se modifica. Se nada

modifica, nada evolui. O Direito Romano atendeu de forma

adequada enquanto vigorou. Hoje em dia, exceto pelo valor

histórico, quase nada representa, mesmo que algumas noções

dele ainda permaneçam em nossa Constituição. As leis

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acompanham o desenvolvimento social e devem normatizar

cada período e se adaptar aos novos.

Indispensabilidade

Essa não é uma característica exclusiva do

Jusnaturalismo pois muitos dos nossos Direitos são

irrenunciáveis e intransferíveis.

Indelebilidade

A forma escrita existe para que possamos guardar

registros visto que a memória humana pode ser de curta

duração ou com tendências a distorcer fatos. A noção pessoal

de Direito varia de acordo com nossas predisposições ou de

acordo com aquilo que vivenciamos. Deixar a cargo da mente

humana um instrumento que rege a sociedade é querer que

esse mesmo instrumento seja deturpado por situações que

podem danificar a integridade daquilo que conhecemos por

Direito.

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Unidade

No próprio conceito de leis, embora se afirme que

todos os homens são iguais perante a lei, existe uma regra

onde se diz que devemos tratar os desiguais com desigualdade

para que eles possam se tornar iguais. Alguns grupos de

pessoas têm que ter algum favorecimento dentro da própria

devido à sua capacidade ou incapacidade. O Estatuto do Idoso

dá mais direitos para aqueles que atingiram essa etapa da vida

do que os mais jovens teriam.

Obrigatoriedade

O Direito é um conjunto de direitos e deveres. Já existe

uma irrenunciabilidade quando se trata de direitos; quando se

trata de deveres existe uma obrigatoriedade no cumprimento

deles em todas as leis. Todo Direito tem suas normas cogentes.

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Necessidade

É de supor que grande parte das sociedades nunca se

ateve aos conceitos do Jusnaturalismo e nem por isso deixaram

de existir ou prosperar.

Validez

A partir do momento em que se torna obrigatório o uso

do Jusnaturalismo como Direito para todos os povos, ele passa

a ser ditatorial e deixa de ser natural. A imposição do Direito

Natural a todos os povos afronta uma de suas diretrizes que é

resguardar a liberdade de todos.

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Modelo de petição

Excelentíssimo (a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) do Tribunal

da Vara Criminal

Ref.: Autos do processo Newgarth versus Exploradores de

Cavernas, da Suprema Corte de Newgarth.

Os procuradores abaixo assinados vêm à honrada

presença de Vossa Excelência, interpor o presente

EMBARGO em relação ao voto do Meritíssimo Juiz Dr.

Foster, J proferido nos referidos autos, pelas razões de Direito

a seguir asseveradas

Resumo dos fatos

Cinco membros de uma sociedade espeleológica

ficaram presos em uma caverna devido a um acidente natural

que os impediu de saírem dela por si próprios.

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Durante o processo de resgate, incitados pela fome, os

exploradores decidiram de comum acordo matar um membro

para que outros pudessem sobreviver, visto que estavam a 23

dias presos na caverna e somente existia a possibilidade dela

saírem em um prazo estipulado em 10 dias, de acordo com a

equipe que removia os entulhos.

Decidiram que seria a sorte que comandaria o processo

que sacrificaria alguém. Antes da tomada da sorte, o Sr. Roger

Whetmore decidiu que não faria mais parte do pacto e que

deveriam não concluí-lo. Os demais membros reagiram contra

e tiraram a sorte contra a vontade do Sr. Roger Whetmore. O

escolhido para sacrifício foi o próprio Sr. Roger Whetmore e

seu corpo foi usado como comida pelos demais membros da

sociedade.

Com comunicadores, os exploradores tentaram, antes

do fato, obter algum parecer legal ou justificativa espiritual

daqueles que estavam fora da caverna. Não obtendo resposta,

eles silenciaram seus comunicadores e consumaram o fato.

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Depois de 32 dias eles foram resgatados, processados e

condenados à forca. Quatro juízes deram seu parecer a respeito

da sentença promulgada contra eles.

Em razão disto, requeremos:

1. Que seja desconsiderado o voto

do juiz Foster, J prolatado em segunda instância neste

caso;

2. Seja mantida a condenação dos

réus pelo crime de homicídio, com o gravame de ter sido

praticado de forma cruel, sem possibilidades de defesa da

vítima e por um grupo que pode ser classificado como de

extermínio, o que o configura como hediondo;

3. Que os réus respondam também

pelo crime de negligência, por praticarem atividades

reconhecidamente perigosas sem a necessária provisão de

cuidados adequados a ela;

Nestes termos,

Pede deferimento.

Cidade, data

Procuradores