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1 O NEGRO TAQUARIENSE: DO ESCRAVISMO AO ABOLICIONISMO Eloísa Franz Lajeado, julho de 2009

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O NEGRO TAQUARIENSE: DO ESCRAVISMO AO ABOLICIONISMO

Eloísa Franz

Lajeado, julho de 2009

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UNIVATES - CENTRO UNIVERSITÁRIO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

O NEGRO TAQUARIENSE: DO ESCRAVISMO AO ABOLICIONISMO

Eloisa Franz

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em História, como exigência parcial para a obtenção do título de Licenciado em História. Orientador: Prof. Dr. Luís Fernando da Silva Laroque.

Lajeado, julho de 2009

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AGRADECIMENTOS

Esta monografia, felizmente, não foi uma empreitada individual. Tive todo tipo

de apoio – acadêmico ou não – de indivíduos que ajudaram a criar condições para

viabilizá-la.

A meus pais, Olécio e Maria Helena, pelas lições de vida e de serenidade que

ajudaram, com certa arte, a enfrentar as angústias e dificuldades que acompanham a

elaboração de uma monografia. A minha querida irmã e amiga Ester que diversas

vezes discutiu aspectos do meu trabalho.

A minha sogra Delmidia e a meu sogro Eli pelo incentivo e carinho que

demonstram para comigo.

Agradeço à coordenadora do curso de História, Maribel Girelli, solícita e

acessível. Aos professores do curso de História do Centro Universitário UNIVATES e,

em especial, a Neli Glarace Machado e ao professor Mateus Dalmáz.

Agradeço ainda aos meus colegas de turma, especialmente a Karen D. Pires e

a Marilda de Oliveira que, além de colegas, mostraram-se grandes amigas ao longo

destes quatro anos.

A meu orientador Luís Fernando da Silva Laroque que orientou este trabalho

desde seu início. Seu rigor intelectual, suas leituras meticulosas e sua amizade

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contribuíram não só para a elaboração deste texto como também para minha própria

formação como historiadora.

E, finalmente, ao meu companheiro, parceiro de pesquisa, primeiro leitor do

trabalho... Isaias!

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“Aos homens e mulheres invisíveis

na sociedade e na história. E para

todos aqueles que acreditam nos

seus sonhos, e que vão à luta!”

(Jean Jacques Rousseau)

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RESUMO

Este estudo aborda a escravidão no Rio Grande do Sul no século XIX. Desse

modo, procuramos analisar a importância do trabalho escravo para o

desenvolvimento da economia rio-grandense. O estudo foi elaborado a partir de

diversas fontes, tendo como elemento metodológico uma vasta bibliografia - que trata

sobre a questão da escravidão tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil - tomada

em conjunto com outras fontes tais como jornais e cartas de alforria. Utilizando-nos

destas fontes, procuramos analisar a supressão do tráfico negreiro e sua estagnação

a partir da elaboração e promulgação de leis que vieram beneficiar os escravos,

perceber o contexto das leis abolicionistas e refletir sobre as ações de liberdades.

PALAVRAS-CHAVE: Negro – Abolicionismo - Rio Grande do Sul.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - População livre e escrava no Rio Grande do Sul .................................26

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre

APERS – Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................................11 1 ESCRAVIDÃO, ATIVIDADES ECONÔMICAS E POVOAMENTO NO RIO

GRANDE DO SUL....................................................................................................21

1.1 Negro: grupo étnico também povoador do Brasil ...............................................21

1.2 O papel do negro no Rio Grande do Sul: atividades e contribuições .................25

1.3 A imigração e a sociedade escravista ................................................................31

1.4 Descontentamentos: estratégias de negociação escrava ..................................36

1.5 O Rio Grande do Sul e a abolição......................................................................40

2 TAQUARI: COLONIZAÇÃO E ESCRAVIDÃO......................................................46

2.1 Primeiras páginas da história de Taquari ...........................................................46

2.2 Escravos em Taquari .........................................................................................49

2.3 Negros e o combate farroupilha em Taquari .....................................................55

2.4 Atividades econômicas em Taquari....................................................................58

2.5 O papel da imprensa na questão abolicionista: jornal O Taquaryense ..............59

3 REVELANDO HISTÓRIAS DE BUSCA DA LIBERDADE .....................................65

3.1 Formas de acesso à alforria em Taquari ............................................................65

3.2 A luta individual na busca da liberdade ..............................................................69

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CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................77

FONTES...................................................................................................................80 ANEXOS ..................................................................................................................87

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INTRODUÇÃO

Quatrocentos anos de escravidão no Brasil deram origem a inúmeros trabalhos

historiográficos que buscaram e buscam compreender as diferentes nuanças do

sistema escravista. A existência da escravidão no Rio Grande de São Pedro já não é

mais um fato deixado de ser discutido na historiografia sul-rio-grandense. Sua

importância já foi demonstrada por uma série de trabalhos, no entanto, alguns temas

relacionados à escravidão no Rio Grande do Sul foram pouco pesquisados.

O presente trabalho discorre sobre a escravidão no Rio Grande do Sul no

século XIX. Por isso, interessa investigar como se deu esse processo, bem como

analisar a importância do trabalho escravo para o desenvolvimento da economia rio-

grandense. Também perceber o contexto das leis abolicionistas no Rio Grande do

Sul, as quais antecederam a Lei Áurea de 1888.

O recorte espacial do estudo pretende abranger a cidade de Taquari. A

delimitação temporal deste trabalho pretende estender-se da década de 1850 até a

década de 1888. Estabelecemos como período inicial os anos de 1850 por ser nesta

década que o sistema escravista começa a mostrar claros sinais de exaustão a partir

da proibição do tráfico transatlântico. Como marco final os anos de 1888 por ter sido a

data na qual ocorreu a abolição da escravatura em âmbito nacional. Ressaltamos, no

entanto, que ao longo do trabalho podemos nos reportar a momentos anteriores ou a

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posteriores desta delimitação visando uma melhor compreensão do tema a ser

analisado.

A escravidão no Rio Grande do Sul configura-se como um longo período

marcado por humilhações, injustiças e exclusão social. Produto da desigualdade e da

impunidade, ela foi, ao longo da história do país, uma grave doença social. Em

relação à escravidão e sua abolição, levantamos como problemática a seguinte

questão: A abolição da escravatura antecipada no Rio Grande do Sul no ano de 1884

tinha por princípio a finalidade de humanizar e sociabilizar as condições dos escravos

em um contexto moral, ou sua intenção era econômica, já que era iminente o fim do

sistema escravista?

Inicialmente uma hipótese foi levantada para responder ao questionamento,

sendo elucidada ao longo do trabalho. A abolição da escravatura no Rio grande do

Sul ocorreu já num contexto histórico de absoluta falta de sustentação do movimento

escravista em todo o país. O fim do sistema escravista não se deu por um surto de

solidariedade e compaixão que se abateu sobre a consciência da humanidade, mas

porque passou de algo extremamente lucrativo para algo extremamente oneroso,

além de ultrapassado e incompatível com o sistema capitalista que, a passos largos,

tornava-se hegemônico no mundo inteiro a partir do século XIX.

O objetivo geral deste estudo é entender de que maneira o escravo rio-

grandense atuou como força de trabalho para o fomento da economia rio-grandense

e os fatores que culminaram com o fim do sistema escravista.

Neste sentido, a partir do foco principal do trabalho, estabelecemos os

seguintes objetivos específicos:

a) Analisar e compreender o processo de escravidão no Rio Grande do Sul, bem

como suas consequências econômicas e sociais;

b) Verificar as formas de resistência escrava no Rio Grande do Sul, no município

de Taquari, e demonstrar a opressão da Camada Senhorial em relação a essas

ações;

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c) Procurar entender o papel desempenhado pela imprensa na chamada questão

abolicionista;

d) Refletir sobre as ações de liberdade, a partir da análise das fontes

documentais e bibliográficas pesquisadas.

A escolha do tema deste trabalho se justifica pela busca de mais informações

acerca da escravidão no Estado e por uma melhor compreensão da dimensão da

escravatura no município citado anteriormente.

Interessa também aqui investigar como se deu esse processo, bem como

analisar a importância do trabalho escravo para o desenvolvimento da economia rio-

grandense. Também perceber o contexto das leis abolicionistas no Rio Grande do

Sul, as quais antecederam a Lei Áurea de 1888.

Ainda, justifica-se o presente Projeto pela crescente discussão das questões

interétnicas, através de medidas como a aprovação da Lei 10.639/200311 que torna

obrigatória a inclusão de História e Cultura Afro-brasileira nos currículos escolares, e

pela necessidade de reforçar pesquisas que possam vir a surgir nesta área. Este

trabalho também se torna importante por enfocar territórios que posteriormente

passaram a pertencer à região do Vale do Taquari.

Como base teórica para a análise e discussão dos dados relativos à temática

que estamos estudando nos utilizamos de autores que tratam de alguns conceitos ou

ideias chaves para que se possa entender a questão do negro na sociedade

escravista. Os conceitos que serão discutidos vêm ao encontro do nosso objetivo

maior que é o de entender o processo escravidão no Rio Grande do Sul, bem como

suas consequências econômicas e sociais. Para isso não poderia deixar de trabalhar

os conceitos etnicidade e identidade.

1 Esta lei, recentemente alterada pela Lei n.11 465 de 10 de março de 2008, torna também obrigatório no currículo oficial da rede de ensino, além da História e Cultura Afro-brasileira, a História e Cultura Indígena.

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Fredrik Barth, no artigo “Grupos étnicos e suas fronteiras”, publicado

inicialmente em 1969, e que também aparece na obra “Teorias da Etnicidade” (1998,

p.187) de Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart, objetiva entender a

constituição dos grupos étnicos e os mecanismos de manutenção de suas fronteiras,

chamando atenção para as características empíricas que as constituem. Segundo

Barth ([1969], 1998, p. 188) o isolamento geográfico não pode ser representado como

um fator decisivo para a existência da diversidade cultural, posto que as fronteiras -

definidas nas situações de interação - persistem apesar do fluxo de pessoas que as

cruzam constantemente e que, portanto, “as distinções de categorias étnicas não

dependem da ausência de mobilidade” para existir.

O principal ponto da análise do autor está nas fronteiras étnicas, que definem a

organização grupal, e não na matéria cultural que ela abrange. Embora reconheça o

aspecto territorial das fronteiras, elas são prioritariamente sociais, e é por seu meio

que se expressa e se validam as diferenças entre os grupos em interação, pois é no

processo de relações interétnicas, e não de isolamento, que as fronteiras são

mantidas (Barth [1969], 1998, p.195).

Outro autor no qual também nos baseamos é Roberto Cardoso de Oliveira. No

trabalho “Identidade, etnia e estrutura social” (1976), destaca, no primeiro capítulo

“Identidade étnica, identificação e manipulação” (p.1-26), questões relacionadas ao

conceito de grupo étnico, para as quais se utiliza de Fredrik Barth.

Segundo Oliveira (1976, p.4), a identidade contém duas dimensões: a

individual e a coletiva. A identidade social (coletiva) surge no processo de

identificação com o outro e envolve a noção do grupo, particularmente grupo social.

Mas, a identidade social não se separa da identidade pessoal, pois esta também, de

algum modo, é reflexo daquela. A identidade pessoal e social é parte, em primeiro

lugar, dos interesses e das definições de cada um em relação aos outros indivíduos.

A identidade étnica é um processo de identificação de grupos em situações de

oposição a outros grupos. Frente a esta constatação, Roberto Cardoso de Oliveira

(1976, p.7) elaborou a noção de identidade contrastiva para embasar as análises que

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têm como centro interpretativo a identidade étnica de um grupo social. As situações

de oposição entre os grupos levam os mesmos a elaborar os seus critérios de

pertencimento e de exclusão, e quando o confronto se estabelece entre um grupo

minoritário e os brancos, temos uma situação de submissão e dominação, de

hierarquia de status. São justamente estas relações que se estabelecem no

convívio/confronto das comunidades negras com a sociedade abrangente.

A obra “Teorias da etnicidade” de Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998), tem por objetivo introduzir uma discussão sobre o conceito de etnicidade na

sociedade francesa. Para tal proposição, os autores recorrem principalmente aos

referenciais teóricos de Fredrik Barth, bem como de outros autores anglossaxões,

para analisar o contexto da conflitiva realidade francesa contemporânea: a

emergência reivindicatória das minorias étnicas.

Poutignat e Streiff-Fernart admitem que a noção de etnicidade tenha sido

forjada em um contexto sociopolítico diverso do francês. Também reconhecem que tal

situação não ocorreu por conta da sociologia americana, mas, de modo geral, pela da

comunidade científica de língua inglesa, que consiste em não reconhecer a existência

de grupos étnicos, mas em colocar como problemática a consubstancialidade de uma

entidade social e de uma cultura pela qual define-se habitualmente o grupo étnico.

Logo, teorizar etnicidade não consiste em fundar o pluralismo étnico como um modelo

de organização sociopolítica, mas de examinar as modalidades segundo as quais

uma visão de mundo “étnica” torna-se significativa para os atores.

João José Reis em seu artigo “Nós achamos a tratar da liberdade”: a

resistência negra no Brasil oitocentista (2000, p.243), aponta a expansão do

escravismo ao longo do século XIX, “associada ao incremento da lavoura de

exportação, o crescimento das cidades e ao crescimento das cidades”.

O autor salienta que muitas regiões brasileiras utilizaram, de forma maciça, a

mão-de-obra escrava, porém foi nas lavouras de café onde o trabalho escravo mais

vicejou durante o século XIX, após tentativas malsucedidas de utilização do trabalho

de colonos imigrantes.

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Reis (2000), pontua que as rebeliões ocorridas em todo país nem sempre

previam a destruição do regime escravista ou a liberdade dos escravos nelas

envolvidos. “Muitas visavam apenas corrigir excessos de tirania, diminuir até um limite

tolerável a opressão, reivindicando benefícios – às vezes a reconquista de ganhos

perdidos – ou punindo feitores particularmente cruéis” (Reis, 2000, p.245). O referido

autor destaca que a ação dos escravos rebeldes - mesmo que estes tivessem sido na

maioria das vezes derrotados - se constituiu na força decisiva para a derrocada final

do regime que os oprimia.

Para a execução desta pesquisa monográfica faremos uso de uma vasta

bibliografia que trata sobre a questão da escravidão tanto no Rio Grande do Sul como

no Brasil. Também serão utilizados documentos que se encontram no Arquivo Público

do Estado do Rio Grande do Sul, localizado em Porto Alegre, no Arquivo Histórico da

Cúria Metropolitana de Porto Alegre e também no Acervo do Jornal “O Taquaryense”,

localizado na cidade de Taquari.

No que se refere à produção bibliográfica, um dos primeiros trabalhos a

abordar o escravismo no Rio Grande do Sul foi o livro “Capitalismo e escravidão no

Brasil meridional” do sociólogo Fernando Henrique Cardoso ([1962]1977), o qual

discute os processos de constituição e desagregação da sociedade escravocrata rio-

grandense vistos a partir da situação social que o negro nela assumia. O livro faz um

vasto estudo do sistema escravocrata do sul do país, demonstrando que os limites da

divisão social do trabalho na escravidão geraram um capitalismo incompleto, incapaz

de competir num contexto de concorrência internacional, responsável direto pelo

atraso econômico e social do Brasil. Este trabalho rompe tanto com a visão romântica

que defendia a existência de uma certa harmonia nas relações entre senhor e

escravo quanto com a que enxergava na servidão uma forma de feudalismo.

Dando continuidade a estes trabalhos temos duas obras do historiador Mário

José Maestri. A primeira delas é o livro “Quilombos e quilombolas em terras gaúchas”

(1979). Neste é descrito o escravismo no sul do país, abordando temas tais como: a

expansão mercantil lusitana, a origem do escravo gaúcho, o tráfico escravista na

capitania do Rio Grande de São Pedro. O autor também pontua as fugas como uma

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das principais formas de resistência protagonizadas pelos escravos, além de

descrever os principais quilombos do Estado.

Na obra “O escravo gaúcho: resistência e trabalho” (1984), Mario Maestri

enfatiza a real importância e contribuição do negro para a sociedade sul rio-

grandense. Nesta obra o autor também procura comprovar a centralidade da

atividade charqueadora e os principais aspectos relativos à resistência do elemento

servil.

No livro “Ser escravo no Brasil” (2001), de Kátia de Queirós Mattoso, publicado

em 1982, a autora procura mostrar como, entre senhor e escravo, desenvolvia-se

uma relação de cunho familiar – a família patriarcal. Nesta obra, a instituição familiar

aparece como veículo de promoção social, uma vez que dava lugar a parentelas,

compadrios e solidariedades. Na família patriarcal o senhor só lançava mão dos

castigos no caso de não adaptação do escravo à sua condição. Para a autora, o

conflito não estaria de todo ausente nas relações entre senhores e escravos, porém

teria prevalecido a coexistência pacífica. A historiadora questiona também a

possibilidade do escravo ser totalmente domesticado, psicológica e culturalmente por

seus dominadores, mostrando como os africanos podiam estabelecer relações, laços

e construir outras solidariedades além do parentesco para orientar sua vida.

Verônica A. Martini Monti na obra “O abolicionismo: sua hora decisiva no Rio

Grande do Sul – 1884” (1985) faz um estudo sobre a abolição da escravidão no Rio

Grande do Sul. Em seu trabalho a autora divulga as ideias abolicionistas dando

destaque a seus precursores, à expansão da ideia através dos entusiastas

fundadores do Partenon Literário e da imprensa que assume um papel muito

importante neste período. “[...] para a realização deste trabalho, o estudo através de

jornais é de inestimável valor, pois forma a única fonte de informação existente que

permite reconstituir o fato histórico em si, particularmente se levarmos em conta

considerações da época enfocada” (Monti, 1985, p.18).

Clóvis Moura, no livro “Rebeliões da Senzala” ([1985], 1988), procura estabelecer

a relação entre o desenvolvimento econômico, a luta de classes e o problema da

escravidão. O trabalho pretende mostrar que a escravidão no Brasil não foi encarada

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pelos negros de forma pacífica, ou seja, resignados pela sua condição de povo

escravizado, mas correspondeu a uma luta por parte destes escravos pela sua

libertação.

Manolo Florentino, no estudo “Em Costas Negras: uma história do tráfico de

escravos entre a África e o RJ, séculos XVIII e XIX” (1997), faz uma análise

econômica do tráfico de escravos. Nele o autor retoma a recente discussão sobre a

necessidade de voltar-se para o continente africano no intuito de entender os

processos históricos brasileiros, utilizando-se de diversas fontes documentais como

cartas de alforria, testamentos e até periódicos. O livro possui um recorte cronológico

delimitado, no qual o autor se propõe a analisar o tráfico de escravos do período que

vai de 1790 a 1830. No entanto, apesar da delimitação em questão, o autor destaca

que as relações entre Brasil e África perduraram por mais de três séculos.

Zilá Bernard e Margaret Bakos, no livro “Consciência e trabalho” (1998),

procuram resgatar a participação do negro no processo histórico cultural rio-

grandense enquanto escravo, e sua passagem para o trabalho livre. A obra permite

ainda a leitura do material coligido em jornais, revistas e registros públicos de

diversas épocas.

Silmei de Sant’Ana Petiz, na obra “Buscando a liberdade: as fugas de escravos

da província de São Pedro para além da fronteira” (1815-1851), publicado em 2006,

estuda, a partir de fontes documentais, o mundo dos escravos gaúchos. Como

recorte temporal, o autor escolheu a primeira metade do século XIX e, como espaço

de análise, a região da fronteira. Analisou neste tempo/espaço o comportamento dos

escravos e de seus senhores em relação às fugas e chegou à “conclusão de que tais

ações, dada a sua intensidade e frequência, configuram-se como um testemunho

comprobatório de que o negro não se manteve imponente diante da organização

social escravista que se configurava no período” (Petiz, 2006, p.135).

No artigo “A produção charqueadora e a mão-de-obra servil” (2006), Jorge

Euzébio Assumpção (2006, p.189-195), descreve Pelotas como o principal núcleo do

escravismo gaúcho. Segundo o autor, “Pelotas foi a cidade mais importante do século

XIX, tendo seu progresso se originado nas grandes charqueadas. Essas atividades

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manufatureiras, além de serem geradoras de grande progresso e prosperidade de

Pelotas, foram também responsáveis pela entrada de grande quantidade de

trabalhadores escravizados no extremo sul brasileiro” (Assumpção, 2006, p.19).

Leandro Jorge Daronco, em sua obra “À sombra da Cruz: trabalho e

resistência servil no nordeste do Rio Grande do Sul (1840-1888)” (2006), faz uma

análise sintética da história rio-grandense e em especial de sua metade norte.

Debruçando-se sobre a historiografia da escravidão no Brasil e no Rio Grande do Sul

enfatiza a importância da escravidão na região pertencente ao antigo município de

Cruz Alta, bem como o silêncio da historiografia sobre isto. O autor descreve os

importantes cenários da produção escravizada na região, trazendo dados sobre a

vida, profissões, idade, etc. dos trabalhadores escravizados.

A dissertação de mestrado de Rodrigo de Azevedo Weimer, “Os nomes da

liberdade: experiências de autonomia e práticas de nomeação em um município da

serra rio-grandense nas duas últimas décadas do século XIX” (2007), estuda a última

geração de escravos e suas vivências posteriores a 1888. Nesta obra o autor analisa

de que forma a vida em liberdade foi construída pelos indivíduos oriundos do cativeiro

no município de São Francisco de Paula, região noroeste do Rio Grande do Sul nas

duas últimas décadas do século XIX.

Dentre as fontes documentais pesquisadas apontamos o jornal O Taquaryense

da cidade de Taquari. Este acervo é composto por manchetes, artigos, folhetins,

publicidade e pelas matérias que pesquisamos relacionadas à escravidão, onde é

possível perceber a posição favorável do periódico em relação à abolição da

escravatura.

Por fim, apontamos as cartas de alforrias do município de Taquari que se

encontram no Arquivo Público do Rio Grande do Sul, localizado na cidade de Porto

Alegre. Este acervo é constituído por aproximadamente 18 livros notariais onde estão

arquivados documentos de escrituras de compra e venda, contratos, hipotecas e

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cartas de alforria de escravos. Também pesquisamos os registros de batismos do

município de Taquari que se encontram no acervo do Arquivo Histórico da Cúria

Metropolitana de Porto Alegre localizado na cidade de Porto Alegre.

O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro deles descreve em linhas

gerais a importância do trabalho escravo para a economia rio-grandense. Logo a

seguir trata da legislação sobre a escravidão até sua abolição em âmbito nacional

ocorrida em 13 de maio de 1888.

No segundo capítulo procuramos demonstrar as origens de Taquari, seus

primeiros povoadores, economia e, como enfoque principal, o negro e sua

colaboração dentro de tal contexto.

No terceiro capítulo analisamos as cartas de alforria, instrumento burocrático

que era utilizado pelos senhores para libertarem seus escravos. Demonstramos,

através da análise deste tipo de documento, que uma carta nunca é igual à outra.

Foram classificados três tipos de cartas de alforria: gratuita, onerosa e condicional,

onde claramente foi percebida esta diversidade. Cada carta demonstra, às vezes de

forma clara, às vezes dando margem para dúvidas, as diferenças e semelhanças

existentes no processo de liberdade, refletindo em parte a relação senhor/escravo.

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1 ESCRAVIDÃO, ATIVIDADES ECONÔMICAS E POVOAMENTO NO

RIO GRANDE DO SUL

O negro contribuiu de maneira significativa para a construção do Brasil, bem

como de sua evolução histórica e social. Foi o grande povoador, porém povoou em

situação desfavorável, pois o fez na condição de escravo. A realidade dos escravos

no Brasil revela traços de uma gente sofrida, marcada e condenada que “necessitou

de condições muito especiais para sobreviver e reproduzir o melhor de seus frutos, o

Brasil de hoje” (Mattoso, 2001, p.12). No entanto, ainda na atualidade é difícil precisar

a verdadeira posição do escravo, pois a imagem que temos dele hoje é apenas

aquela que nos é mostrada pelo regime escravista.

1.1 Negro: grupo étnico também povoador do Brasil .

A história do negro confunde-se e identifica-se com a formação da própria

nação brasileira. Sua presença no território brasileiro inicia no século XVI com a

chegada das primeiras levas de escravos trazidos da África. Objeto de tráfico, o negro

passa a ser visto como uma mercadoria, é comprado, vendido e revendido, percorre

circuitos balizados por todo um conjunto de relações, costumes e praxes,

regulamentos e armadilhas.

O tráfico era um negócio, um tipo de empresa com lógica de funcionamento e

estruturação próprios. Manolo Florentino (1997, p.23), explicita que por trás do

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comércio de negros havia uma espécie de organização que de certa maneira estava

relacionada à economia e à sociedade escravista. Neste sentido, entre os séculos

XVI e XIX, 40% dos quase 10 milhões de africanos importados pelas Américas

desembarcaram em portos brasileiros.

Escravos de diversas origens e lugares se misturavam nos navios negreiros e

desembarcavam nos principais portos brasileiros. Aqui, esses africanos recebiam

novas designações que revelavam a sua origem e eram classificados em grupos

étnicos.

De acordo com Arthur Ramos (1942, p.32), na África, existiriam grupos étnicos

distintos, com organizações sociais e culturas próprias. Segundo Fredrik Barth (1998,

p.194), os grupos étnicos são formas de organização social, em que o traço

fundamental é a característica da auto atribuição ou a atribuição por outros a uma

categoria étnica.

A maioria dos negros que vieram para o Brasil pertenceriam aos seguintes

grupos populacionais: Bantu (angolas, congos e moçambiques); Sudanes (yorubas,

ewes, daomeianos e fanti-ashanti); Islamizados (haussás, tapas, mandigas e fulahs).

Manolo Florentino (1997, p.42), afirma que durante o século XIX o Brasil como um

todo não desfrutava somente da expansão econômica. O crescimento das

importações de africanos fez com que a partir da metade da década de 1820 o país

sofresse pressões por parte da Inglaterra pela abolição do tráfico atlântico.

A Independência do Brasil em 1822 fez com que as pressões inglesas contra o

tráfico aumentassem. Por parte do governo brasileiro havia a necessidade de obter o

reconhecimento internacional.

Percebendo o dilema da nova nação, George Canning, secretário do Exterior britânico, instruiu seus subordinados a não reconhecerem nenhum dos países do Novo Mundo que estivessem envolvidos no tráfico de africanos. E, realmente, nas negociações entre brasileiros e ingleses para o reconhecimento, iniciadas ainda em 1822, assistiu-se à Inglaterra condicionar a legitimação internacional do novo país à abolição do tráfico (Florentino, 1997, p.430).

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Inúmeras leis referentes ao fim do tráfico surgem ao longo do século XIX.

Conforme Florentino (1997, p.43), foi assinado em 23 de novembro de 1826, um

tratado antitráfico. Por este tratado ficava estabelecido que, no fim de três anos

contados a partir da ratificação do documento pelo governo inglês, o tráfico passava a

ser ilegal, sendo a partir de então considerado como ato de pirataria tanto pelo

governo brasileiro como pelas autoridades britânicas. Neste sentido, o autor também

afirma que através do Tratado de 1827, o prazo por ele estipulado e o próprio fim do

tráfico em início de 1830 teriam sido mero pretexto da classe escravista brasileira

para enganar o governo britânico (Florentino, 1997, p.44). Porém, os dados mostram

que os compradores de escravos africanos acreditavam no fim próximo do comércio

atlântico, e esta crença se refletiu na compra desenfreada de africanos entre os anos

de 1826 e 1830.

Segundo Manolo Florentino (1997, p.44), entre o ano de 1831 e 1850 o tráfico

brasileiro transoceânico torna-se clandestino e finalmente torna-se ilegal com o

embargo ministerial que Eusébio de Queirós Coutinho Mattoso da Câmara assina em

28 de setembro de 1850. A Lei de Euzébio de Queiroz, de 1850, feita por

conservadores, efetivamente proibiu o tráfico negreiro, porém protegeu a escravidão,

facilitando ao senhor fugir das responsabilidades de participação no comércio, além

de garantir-lhe a posse dos escravos introduzidos ilegalmente no passado. Esta lei

acabou marcando profundamente os destinos da escravidão, pois com tal medida a

população negra deixou de entrar em território brasileiro, iniciando assim, a crise do

sistema escravista.

Segundo a historiadora Kátia Mattoso (2001, p.176), tímidos esforços para

alforriar certas categorias de escravos surgiram nessa época, dentre elas a Lei do

Ventre Livre, no 2040. Esta lei promulgada no dia 28 de setembro de 1871, pela

princesa Isabel, na ausência de seu pai D. Pedro II, concedia a liberdade a todas as

crianças nascidas no país, de mãe escrava. Entretanto, esta lei era acompanhada por

cláusulas restritivas questionáveis, pois estipulava que o menor deveria permanecer

sob a autoridade do senhor e de sua mãe até os oito anos de idade.

Quando atinge esta idade, o senhor, proprietário da mãe escrava, tem duas opções: receber do Estado uma indenização de 600 000 réis ou exercer o

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direito de utilizar os serviços do menor até que complete 21 anos. No primeiro caso, o menor passa ao governo, que, em geral, o coloca numa instituição de caridade, que o fará trabalhar até aos 21 anos. [...] é uma nova forma de escravidão, pois a lei não determina o número de horas de trabalho, o regime sanitário ou a alimentação a serem dados ao jovem “escravo livre”, que fica inteiramente à mercê do senhor. Numa sociedade em que o indivíduo de pele escura é imediatamente identificado como “escravo”, sua vida em nada difere da que sofre a massa de escravos. E sua sorte não é mais feliz se é metido numa instituição de caridade, quando o senhor opta pela indenização. De fato, neste caso ele é cruelmente separado de sua mãe e de sua comunidade para tornar-se um anônimo, afastado por uma administração protetora mas impessoal, que também o explorará, à sua maneira, obrigando-o a trabalhar (Mattoso, 2001, p. 177).

Apesar de propor mudanças moderadas, o debate no país sobre essa lei

lançou região contra região. O Rio Grande do Sul foi a única província do extremo sul

que se posicionou contra sua aprovação. Isso se devia, segundo Robert Conrad

(1975, p.59), à grande e valiosa concentração de escravos, que cá representavam

mais de vinte e um por cento da população total da Província.

Em 1871, o Rio Grande do Sul fazia parte do grupo das quatro províncias,

apontadas, nesse ano, na Assembléia Geral, por não terem ainda votado verbas

especiais para a alforria dos escravos, o que só ocorreu em 1877. Mas, ainda, a Lei

do Ventre Livre no Rio Grande do Sul foi aplicada de maneira a atender aos

interesses do Estado.

Em 1880, o Presidente do Rio Grande do Sul enviou uma circular à Câmara de

Vereadores de Porto Alegre, solicitando o uso de muita diplomacia para que os

senhores optassem, nos termos da Lei, pelos serviços de seus escravos. Ele queria

evitar que os senhores libertassem os filhos de escravos com a idade de oito anos,

pleiteando, a seguir, uma indenização do governo de 600$000. A administração

imperial tinha interesse em que o escravo fosse mantido pelo senhor até os 21 anos,

ficando automaticamente livre com essa idade.

A Lei, na maioria de suas cláusulas, se pautava mais na teoria do que na

prática, e mais uma vez os escravos se viam na situação de cativo e sem muito a

reivindicar. A Lei do Ventre Livre provocou muitas discussões, contudo, considera-se

que este foi um pequeno passo para as futuras conquistas inerentes à abolição dos

escravos.

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Conforme Mattoso (2001, p.179), em face às pressões de outros países para

libertar os negros cativos, o Brasil, além de aprovar a Lei do Ventre Livre, promulga

também no dia 28 de setembro de 1885 uma outra lei, conhecida como “Lei dos

sexagenários”. Esta emancipava todos os adultos com mais de 60 anos e

determinava que o escravo devesse indenizar seu senhor e, caso não pudesse pagar

a quantia exigida pelo senhor, ficava combinado que os escravos entre 30 e 62 anos

deveriam trabalhar mais três anos, e os demais até 65 anos.

Com isso, observa-se que ainda nesse período não se tinha uma política

realmente voltada para os reais direitos dos escravos, uma vez que tanto a Lei do

Ventre Livre como a do Sexagenário não asseguraram em si os direitos dos cativos.

1.2 O papel do negro no Rio Grande do Sul: atividad es e contribuições

No Rio Grande do Sul o negro esteve presente desde a primeira metade do

século XVI, e como escravo atuou nas estâncias e posteriormente nas charqueadas e

áreas urbanas.

Os dados estatísticos apresentados na Tabela 1, apesar das lacunas e

possíveis imprecisões, são sugestivos da dimensão e importância do braço negro na

Província de São Pedro ao longo do século XIX, mesmo após a proibição definitiva do

comércio internacional de escravos, em 1850.

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Tabela 1 – População livre e escrava no Rio Grande do Sul

Ano População Total População Escrava Participação Relativa

1814 70.656 20.611 29% 1846 - 30.841 - 1858 282.547 70.880 25% 1859 - 73.749 - 1860 309.476 76.109 24% 1861 344.227 77.588 22% 1862 276.446 75.721 27% 1863 392.725 77.419 19% 1872 434.813 67.791 15% 1874 462.542 98.450 21% 1881 - 81.169 - 1883 700.000 62.138 8% 1884 - 60.000 - 1885 - 22.709 - 1887 944.616 8.430 0,8%

Fonte: Bakos, 1982, p.18.

Segundo Paulo Afonso Zarth (2006, p.192), o negro participou nos diversos

setores da sociedade rio-grandense. O papel secundário que lhe era atribuído no

trabalho das estâncias vem sendo questionado. Fontes e inventários post-mortem

mostram que a presença do escravo nas atividades rurais era maior do que se

poderia imaginar, pois as informações inconclusas que se tinham eram baseadas em

depoimentos de viajantes e cronistas que percorreram o território no século XIX.

Na época da transferência do Senado da Câmara para Porto Alegre em 1773, já se comprova, através de arrolamentos e inventários efetuados na Província, que as sesmarias abrigam escravos e, à proporção que se amplia a esfera da vida rural com a abertura e a multiplicação das estâncias, o negro passa a ser considerado elemento indispensável para o desenvolvimento das atividades agrícolas e pastoris (Cesar, 1985, p.30).

Fábio Kühn (2002), ao fazer uma análise dos róis de confessados, constata

que a população de Viamão no ano de 1778 era composta por 40,5% de cativos de

origem africana. Sobre isto informa:

Este elevado percentual de escravos em Viamão torna-se ainda mais impactante na medida em que compararmos este número com outras regiões do Brasil [...] somente em Minas Gerais e no Piauí encontramos

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percentuais de população escrava superiores ao encontrado em Viamão, que suplantava em termos relativos aquelas regiões tipicamente vinculadas à economia de plantation, como o Rio de Janeiro ou a Bahia (Kuhn, 2002, p.54).

Conforme Helen Osório (2006, p.159), o censo de 1784 mostra que os

colonizadores lavradores tinham rebanhos com cerca de sessenta e uma cabeças de

gado e os que se dedicavam “mais à lavoura do que à criação” possuíam cento e

quatro. Cerca de 73% das estâncias rio-grandenses que continham entre cento e uma

e mil reses possuíam em média sete escravos onde parte se dedicava às atividades

produtivas e outra aos serviços domésticos.

Dos proprietários das estâncias que possuíam até mil cabeças de gado vacum

apenas 5% não possuíam nenhum cativo. Por outro lado, cerca de 16% não eram

proprietários das terras que cultivavam e criavam seus animais. Predominava nessas

estâncias a criação de gado vacum, asnos e mulas. A criação de ovelhas era

praticada por uma pequena parcela destes produtores.

Os proprietários das estâncias que possuíam mais de mil cabeças de gado

vacum e representavam 27% tinham cerca de vinte e dois escravos, e eram

proprietários das terras de sua fazenda. Nessas estâncias a criação de animais era

mais diversificada, criavam-se além do gado vacum, ovelhas, asnos e mulas.

No Rio Grande do Sul, a atividade criatória foi dominante. Porém, ao lado das fazendas dedicadas ao pastoreio, haviam propriedades voltadas para a agricultura mercantil. Nelas, o negro aparecia em destaque. Muitas fazendas dedicavam-se igualmente à criação e à agricultura mercantis. O negro, neste contexto, era quase sempre ocupado no trato da terra. As fazendas de criação – principalmente as mais ricas – comportavam tarefas que quase constituíam “privilégio” da classe servil. Era difícil uma propriedade não possuir sua plantação de subsistência. O beneficiamento dos cereais plantados, a pequena produção de charque para o consumo, o abastecimento da estância em água e lenha, o trabalho doméstico na “casa-grande” eram algumas das atividades em que podíamos encontrar o negro escravizado labutando, muitas vezes, duramente. As tradicionais cercas de pedras – cujas inúmeras ruínas subsistem ainda aos anos – eram também pesada e infindável tarefa servil (Maestri, 1984 , p.42).

Paulo Afonso Zarth (2006, p.194), classifica os escravos, no que se refere às

atividades de uma estância, em três categorias básicas: roceiros, campeiros e

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domésticos. Os roceiros eram lavradores encarregados do abastecimento de

produtos agrícolas para a estância. Os campeiros eram encarregados do trabalho

pastoril. Em relação aos escravos domésticos, predominavam as mulheres que

cuidavam dos serviços rotineiros ligados à casa do senhor. Assim sendo, as

atribuições dos escravos eram organizadas de acordo com as habilidades individuais.

Nas estâncias os escravos eram responsáveis pelas atividades pastoris. No

entanto, muitos historiadores afirmam que estes estabelecimentos supostamente

funcionavam apenas com mão-de-obra livre.

Um estancieiro qualquer certamente gostaria de poder contratar trabalhadores livres que fossem produtivos e se contentassem com salários baixos. Mas esse trabalhador não existia no mercado. O mercado oferecia o escravo; assim era necessário comprar não apenas o trabalho, mas também o próprio trabalhador. E o estancieiro deveria desembolsar um bom dinheiro e levar para casa uma mercadoria arriscada, que poderia fugir, morrer, adoecer, ser ineficiente para o trabalho ou, ainda, rebelar-se contra o comprador (Zarth, 2006, p.195).

Para o historiador Mário Maestri (1984, p.44), as possibilidades das atividades

criatórias despertaram o interesse desde muito cedo dos primeiros súditos

portugueses que visitaram o Sul. No século XVII, quando os rebanhos do gado

selvagem se espalharam neste território, consolidou-se esta potencialidade. No

entanto, o transporte do gado vivo apresentava limites devido às precárias condições

de transporte na época e acabava impossibilitando que esta mercadoria chegasse

aos mercados do centro do país.

A salgação foi a saída encontrada para o problema. Ela permitia que a carne animal alcançasse – a baixo custo – pontos extremos da Colônia e o exterior. A prática charqueadora foi essencial para o desenvolvimento da fazenda de criação – tanto no século XVIII como no XIX (Maestri, 1984, p.44).

Fernando Henrique Cardoso em seu livro “Capitalismo e escravidão no Brasil

Meridional” (1977, p.70), afirma que antes do advento das charqueadas abatia-se o

gado apenas para o aproveitamento do couro. A salga e subsequente secagem das

carnes existiam somente para o uso das estâncias.

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Com o estabelecimento das charqueadas no Rio Grande do Sul em fins do

século XVIII e principalmente no século XIX, o trabalho escravo tornou-se

fundamental para a economia da Província. Ao longo de mais de cem anos esta

atividade apoiou-se “sobre as costas e o suor do homem negro escravizado. O que o

coloca como um dos pilares da sociedade gaúcha” (Maestri, 1984, p.44). Sobre isto o

estudo de Verônica Monti destaca:

Se desde o início já era necessário o concurso do negro, maior ainda se torna com o desenvolvimento das grandes charqueadas, após 1780, estabelecidas em vastas áreas do Rio Grande do Sul, especialmente em Pelotas, no vale do Jacuí, São Jerônimo, Triunfo e etc. (Monti, 1985, p.42).

Conforme Maestri (1984, p.45-46), a produção da carne seca era realizada

principalmente pela mão-de-obra escrava, porque o homem livre negava-se a se

empregar nas charqueadas. Devido às péssimas condições de trabalho, o trabalho

compulsório – a escravidão – era a única solução para obter-se trabalhadores.

Segundo Ester J. B. Gutierrez (2006, p.253), os escravos mais comuns na

produção do charque eram os carneadores seguidos pelos serventes e salgadores.

Após, vinham os descarneadores, os graxeiros, os sebeiros, os chimangos, os

charqueadores, os aprendizes e os tripeiros.

As condições de vida e atividades nas charqueadas eram terríveis. O trabalho

era pesado, estafante, sem horários determinados e em condições brutais. Torturas

eram frequentes, o medo e a dor subjugaram os escravos.

[...] a produção charqueadora exigia dos escravos jornadas de 16 ou mais horas. Muitas vezes, sob o incentivo do “bacalhau” do feitor e pequenos goles de aguardente, o negro literalmente desfalecia de cansaço e sono sem afastar-se de suas tarefas. Era então transportado para o barracão pulguento dos enfermos eufemisticamente chamado de “hospital”. Lá podia dormir e recompor-se, até que o feitor viesse acabar com a sua “malandrice” (Maestri, 1984, p.46).

Conforme Maestri (1984, p.46-47), as primeiras charqueadas possuíam

instalações muito simples e rudimentares. No entanto, em Pelotas encontravam-se, já

nesta época, empresas extremamente organizadas e bem aparelhadas. Pouco se

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perdia dos animais. O charque, couros, graxa, sebo, guampas, cinzas, etc. eram

exportados através do porto de Rio Grande para outros pontos do Brasil e até mesmo

do exterior. Devido a sua localização privilegiada em relação aos rebanhos, ao porto

de Rio Grande e às vias fluviais, Pelotas consolidou-se como o grande centro

charqueador gaúcho.

O núcleo charqueador pelotense foi um dos espaços de consolidação do sistema escravista no Rio Grande do Sul, palco da exploração violenta do trabalho servil. Nesse lugar, de um pouco menos de 30 Km2, nos dias mais quentes do ano, perto de dois mil trabalhadores africanos e afro-descendentes, envoltos pelo sangue e pelo sal, manufaturavam uma média de 1.200 animais por dia (Gutierrez, 2006, p. 256).

Segundo Jorge Euzébio Assumpção (2006, p.190), Pelotas, no século XIX, foi

a cidade mais importante do Rio Grande do Sul, tendo seu progresso se originado

nas charqueadas. As atividades manufatureiras, além de trazerem progresso e

prosperidade a Pelotas, foram responsáveis pela entrada em grande quantidade de

trabalhadores escravizados no extremo sul do Brasil.

Para Assumpção (2006, p.198), os escravocratas pelotenses preferiam o

escravo homem, talvez em razão das pesadas tarefas realizadas. No entanto, a mão-

de-obra feminina, apesar de ter sido utilizada em escala menor, não foi descartada. O

autor afirma ainda que os senhores tinham preocupação em conservar um elevado

plantel, o que obrigava os mesmos a manter um aparato repressivo para controlar a

escravaria, utilizando para isso a coerção física e psicológica. Sobre isto temos:

O controle era estabelecido pela disciplina imposta pelos capatazes, através da repressão. Consideravam que essa era a única maneira de amenizar a ameaça que representavam os cativos. Outro motivo que agravava as péssimas condições de vida dos africanos e de seus descendentes escravos era a sazonalidade da produção. Os senhores, em tempo de matança, tentavam retirar o máximo de rendimento. Tal regime levava os negros à exaustão. Após o término da safra, intensificavam a produção em outros setores dos estabelecimentos, a exemplo das olarias, campos de criar, fábricas de sabão, velas e etc. (Assumpção, 2006, p. 199).

De acordo com Zilá Bernard e Margarete Bakos (1998, p.58), o escravo negro

esteve presente também no meio urbano, sua força de trabalho não se destinava

apenas aos serviços domésticos, mas a muitas outras atividades básicas, nas vilas e

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cidades gaúchas, desde os seus primórdios. Mário Maestri ao tratar dos escravos

urbanos destaca:

Os escravos ocupavam-se nos mais variados misteres. Muitos eram “escravos de ganho”: vendiam serviços e mercadorias a terceiros e, com o “ganho”, arcavam com seus gastos e pagavam uma renda fixa ao senhor. Nesta categoria, tínhamos os estivadores, os carregadores, os vendedores, as escravas prostitutas, os remadores, etc. Nas casas mais pobres, trabalhavam um ou dois escravos domésticos; nas mais ricas um batalhão. Eram os porteiros, os cocheiros, as cozinheiras, as passadeiras, os pajens, etc. [...] trabalhavam nas rudimentares manufaturas, nas obras públicas, como jardineiros, cultivadores, sapateiros, ferreiros e em mil outras atividades (Maestri, 1984, p.49-50).

No entender do referido autor o escravo urbano podia ser considerado um

verdadeiro privilegiado se comparado com o escravo rural, pois a vida na cidade era

geralmente menos pesada que a jornada de um escravo empregado nas

charqueadas ou plantações.

1.3 A imigração e a sociedade escravista

Os primeiros imigrantes que vieram para o Brasil foram os açorianos, vindos

em 1620, radicando-se inicialmente no Vale Amazônico, região norte do país.

O documento régio que permitiu a vinda dos açorianos para o sul do Brasil

apareceu como uma graça dada pelo rei diante do pedido dos açorianos para

deixarem a ilha dos Açores, super povoada, onde grande parte da população vivia em

penúria. Havia também nesta época, por parte da Corte portuguesa, o desejo de criar

uma classe agrícola inexistente no Brasil, tendo em vista que as terras haviam sido

concedidas até este momento através do sistema de sesmaria.

Conforme Danilo Lazzarotto (1986), no ano de 1747 em nome de EL Rei,

publicou-se nos Açores um edital conclamando casais para se estabelecerem no

Brasil. “Não tendo o homem mais de 40 anos e a mulher mais de 30 anos de idade”

(Lazzarotto, 1986, p.37).

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As condições oferecidas aos açorianos para migrarem para o Brasil eram

favoráveis, pois os mesmos receberam, como incentivo, agasalhos, ajuda de custo e

subsistência.

A cada casal se assinava um quarto de légua em quadro, e logo que estivessem os novos colonos estabelecidos, se lhes davam duas vacas, e uma égua tirada das reais estâncias, cabendo ainda a cada lugar em comum quatro touros e dois cavalos. No tempo oportuno se distribuíram sementes, armas e ferramentas: uma espingarda, uma foice roçadoura (Lazzarotto, 1986, p.38).

De 1748 a 1752 vieram para Santa Catarina aproximadamente seis mil

açorianos e, em1750, foi assinado o Tratado de Madri. Gomes Freire de Andrade

providenciou para que parte destes casais açorianos viesse a povoar o Rio Grande

do Sul e ocupar os Sete Povos que os índios Guaranis deveriam abandonar.

Segundo Lazarotto (1986) não se sabe ao certo quantos açorianos foram

encaminhados para o Rio Grande do Sul, no entanto vinte e cinco anos depois havia,

apenas em áreas puramente açorianas, 10.503 almas, ou seja, 55% da população.

No entanto, a Guerra Guaranítica no sul do país transtornou os planos de

Gomes Freire de Andrade. Isto é, os açorianos recém-chegados viram-se

completamente abandonados ao longo da rota Rio Grande-Missões.

Durante mais de vinte anos, na sua maior parte, andaram eles à matroca, abrigados em choças, gemendo sua desdita, numa condição muito pior que a dos índios imigrados para o domínio português. Sem terras, nem subsídios, nem animais, nem sementes, e instrumentos agrários. Nalguns deles irrompeu a revolta, diz-nos a crônica, sem descer a pormenores, um protesto veemente contra tantas promessas e esperanças defraudadas. Os que tiveram melhor sorte ainda foram os instalados, logo no início, nas imediações do Rio Grande, não o bastante os azares da guerra (Lazzarottto, 1986, p.38).

Logo no início da colonização os açorianos que haviam sido assentados em

Rio Pardo, passados alguns anos, foram considerados intrusos e despejados pelo

senhor da sesmaria em que haviam plantado as suas tendas.

No ano de 1764, foi inaugurado em Taquari o Primeiro Núcleo regular,

segundo a letra das prescrições régias. Em 1771, sob o governo do presidente José

Marcelino, foi despachado para aquele povoado o capitão de engenheiros Alexandre

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José Montanha, incumbido de marcar os lotes, regularizando as datas, a fim de se

evitar as lamentáveis ocorrências de Rio Pardo. Após um ano, em 12 de julho de

1772, foi também determinada a demarcação dos lotes na estância de Inácio

Francisco, futura Porto Alegre, conferindo um oitavo de léguas quadrado como título

legítimo a cada casal.

Os açorianos que chegaram ao Rio Grande do Sul eram destinados à

agricultura. O trigo foi a principal cultura praticada e a que mais prosperou. No ano de

1771 foram colhidos sete mil alqueires e aproximadamente 400 mil no ano de 1816.

No entanto, em pouco tempo as prósperas lavouras de trigo foram destruídas pela

ferrugem e já no ano de 1823 não havia mais trigo nem em semente.

Conforme Zarth (2006, p.38), ocorreu de forma muito lenta, apesar da

supressão do tráfico atlântico, a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre. A

imigração de grandes contingentes de europeus tem relação direta com a formação

do trabalho livre no Brasil. Inicialmente estes imigrantes vieram para o país para

substituir os escravos nas lavouras de café do sudeste.

Segundo Jorge Luiz da Cunha (2006, p.279), a imigração alemã representou

no Rio Grande do Sul um importante processo “tanto no que diz respeito ao

desenvolvimento e composição étnica da população, especialmente do sul do país,

quanto à transformação social, através da difusão de novas relações de trabalho e de

mercado que influenciaram as práticas tradicionais no campo e nas cidades”.

Conforme Fábio Kuhn (2002, p.90-91), a colonização alemã no Rio Grande do

Sul ocorreu em três etapas. A primeira ocorreu de 1824 a 1845 e ficou conhecida

como a fase de subsistência. Esta fase foi marcada por uma série de dificuldades

como a necessidade do pagamento da dívida colonial, conflitos com os índios que

habitavam o território e conflitos militares. A vinda de imigrantes germânicos acabou

sendo agravada no ano de 1830, pois a lei orçamentária do Império suspendeu os

recursos para a imigração e acabou levando à suspensão da vinda dos alemães para

o Brasil até 1846.

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Inicialmente, conforme Kuhn (2002, p.91), a localização dos primeiros colonos

alemães se concentrou na região de São Leopoldo, que, na época, abrangia uma

vasta área até o chamado Campo dos Bugres (região da atual cidade de Caxias do

Sul), incluindo, ainda, as regiões de Montenegro e Taquara.

No entanto, não desapareceu a ideia de que era necessário promover a

imigração para desenvolver as regiões remotas do país e precaver a economia do

Estado diante da inevitável crise a ser provocada, cedo ou tarde, pela suspensão

definitiva do tráfico de escravos.

Kuhn (2002, p.91) afirma que a segunda etapa da imigração alemã ocorreu de

1845 a 1870 e ficou conhecida como fase da expansão do comércio, “já que, com a

produção de excedentes agrícolas, tiveram início as trocas comerciais, surgindo a

figura do comerciante de origem alemã, que passou a acumular riquezas da produção

colonial”. Neste período, além dos vales dos Sinos e do Caí, as regiões dos vales do

Taquari e Rio Pardo também foram ocupadas.

Uma terceira etapa inicia a partir de 1870, com o advento da industrialização

que teve origem devido à acumulação de capital feita pelos comerciantes que

passaram a investir no setor industrial.

Fábio Kuhn (2002, p.94), afirma que a comunidade de imigrantes alemães não

era formada apenas por elites bem sucedidas, no século XIX. A maioria dos

imigrantes era de colonos agricultores subordinados a uma série de dificuldades, tais

como a precariedade técnica, que levava a métodos de cultivo não muito produtivos,

gerando pouca renda para os colonos e o fracionamento por herança dos lotes

coloniais. Como a terra era pouca e as famílias numerosas, foi necessária a

ocupação do planalto a partir do final do século e a formação de novas colônias. Os

colonos que permaneciam na região antiga estavam sujeitos ainda à ação

monopolizadora dos comerciantes, o que acabava acarretando na diminuição de

rendimentos para os colonos.

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A importação de escravos já era proibida neste período e, não permitida a

existência de crianças escravas, a escravidão encontrava-se ameaçada de extinção,

por falta de cativos. Sendo assim, uma nova onda migratória de imigrantes italianos

começou a entrar no país a partir de 1870/1875.

Inicialmente estes imigrantes deslocaram-se para as fazendas de café de São

Paulo, para suprir a escassez de mão-de-obra nas lavouras cafeeiras por causa do

desaparecimento da escravidão. No Rio Grande do Sul entre os anos de 1875 e

1914, cerca 84 mil imigrantes italianos chegaram à província.

Para assentar os imigrantes italianos, o governo destinou 32 léguas de terras “devolutas” (de propriedade do governo) na região da encosta da Serra, uma das últimas áreas que restavam para a colonização. Os italianos foram estabelecidos em uma região ainda agreste e de difícil acesso, tomando posse das terras que ainda não haviam sido ocupadas nem pelos portugueses, nem pelos alemães (Kuhn, 2002, p. 96).

Além de terem sido contemplados com terras situadas em locais menos

favorecidos, os italianos acabaram recebendo lotes menores que os alemães, e

tiveram que pagar por elas.

Os colonos italianos instalaram-se inicialmente no meio das matas virgens e

começaram praticamente do zero, desde a derrubada do mato até a abertura dos

primeiros caminhos. Um dos primeiros cultivos, além do milho e do trigo, foi o da

videira (uva) para produção do vinho. “[...] a venda do vinho forneceu os primeiros

capitais a serem investidos nas pequenas oficinas, que mais tarde se tornaram

indústrias” (Kuhn, 2002, p.97).

Imigrantes eram proibidos por lei de ter escravos, porque na pequena

propriedade só podia ser empregado o braço livre. Mas existem registros de cativos

pertencentes a pessoas de origem germânica. O Livro de Notas nº 36 do cartório de

Taquari registra a escritura de venda do cativo preto de nome Manuel, nascido no Rio

Grande do Sul em 1853, que Adão Zimmermann vendeu a Jacó Arnt em 31 de março

de 1881 por um conto de réis. Além dos 80 mil réis de imposto, pagou uma fortuna

pelo escravo, tendo em vista que, dois anos depois, em 24 de maio de 1883,

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começou a abolição da escravatura. Pelo que consta, ao morrer, o cativo foi

sepultado ao lado de seu senhor (veja ANEXO A).

Outro exemplo que revela a posse de escravos por parte de imigrantes

alemães é a escritura de venda feita por Jacob Ruschel a Israel J. Conceição e a D.

Maria Antonia Conceição Cardoso:

Escriptura de venda de um escravo de nome Adão que faz Jacob Ruschel a Israel J. Conceição e D. Maria Antonia da Conceição Cardoso pela quantia de um conto de réis na forma abaixo: Saibam quantos esta escriptura de venda virem que sendo no ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta, aos dez dias do mês de abril, nesta Villa de Taquary, em meu cartório compareceram Jacob Ruschel, este morador da Comarca S. João de Montenegro e Israel J. Conceição e D. Maria Antonia da Conceição Cardoso morradores deste districto [...] para a compra do escravo Adão de 20 annos, solteiro, de côr preta, matriculado nesta Villa a 13 de julho de 1872 com o numero 1044 de ordem da matricula [...] (ESCRITURA de 10/04/1880).

Muitos registros desapareceram. Uma resolução do Ministério da Fazenda

ordenou a destruição dos arquivos de documentos que comprovassem a existência

da escravidão. O objetivo da determinação do governo republicano, datada de 14 de

dezembro de 1890, era impedir processos de indenização. Mais que papéis

históricos, perdeu-se um pedaço do passado, guardado apenas na memória dos que

já se foram.

1.4 Descontentamentos: estratégias de negociação es crava

Frente à situação opressora do cativeiro os negros elaboraram uma gama

ampla de formas de resistência na busca de influenciar no destino de suas vidas.

Muitas delas buscavam romper com as amarras do sistema e construir outra

realidade, que foi frequentemente almejada através da formação de quilombos, da

fuga e da organização de insurreições.

O Rio Grande do Sul foi uma sociedade onde o escravismo desempenhou

importante papel, e seu território serviu também para inúmeras formas de resistência

escrava. Conforme Sheila de Castro Faria (1998, p.290), o fato de seres humanos

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terem sido objeto de negócios e relacionados lado a lado com gado e produções,

produziu nas mentes da época e de pesquisadores tradicionais a imagem do escravo

como uma “coisa”, passiva frente à dominação (violenta ou paternalista) dos

senhores, só deixando de ser percebida desta maneira quando lutasse de forma clara

contra a instituição escravista.

A resistência ao trabalho foi, entre as formas de oposição do escravo – fuga, justiçamento, quilombos, etc. – a que mais profundamente determinou a sociedade escravista. Nenhuma ação senhoril conseguiu pôr fim ao profundo desamor do cativo às tarefas produtivas (Maestri, 1984, p. 63).

Há algum tempo, historiadores têm se preocupado em rever o conceito de

resistência. Segundo Maria Helena Machado (1987, p.9), a própria historiografia

construiu o conceito de resistência, baseado em formas extremas de negação ao

sistema, insurreições, assassinatos, formação de quilombo, etc. Mas, o que agora ela

tem procurado demonstrar é que o conceito de resistência é bem mais complexo do

que isso. O resistir esteve presente no interior do próprio sistema escravista.

Resistir também pode significar barganhar, negociar, assim como definiram

João José Reis e Eduardo Silva em seu estudo “Negociação e conflito: A resistência

negra no Brasil escravista” (1989, p.19). Esses autores, citando Genovese, definem

bem o que entendem por resistência escrava. Segundo eles: “acomodação em si

mesma, transpirava espírito crítico, disfarçava ações subversivas e frequentemente

confundia-se com seu aparente oposto, a resistência” (Reis e Silva, 1989, p.78).

É que, para esses historiadores, assim como para Maria Helena Machado, o

resistir não tinha de ser necessariamente manifesto por atos violentos. “Em geral as

atitudes extremas como fugas, crimes, suicídios só entravam em cena quando a

negociação falhava ou não acontecia por intransigência senhorial ou impaciência

escrava” (Machado, 1987, p.19).

Para João José Reis e Flávio Gomes, embora muitos fossem os atos escravos

que pressupunham resistência ao sistema escravista, a fuga era a forma mais comum

de resistência à escravidão (1996, p. 9). Talvez porque o escravo só precisasse

contar consigo mesmo, ao contrário das revoltas, difíceis de organizar e facilmente

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descobertas, ou mesmo porque, ao contrário do suicídio, que representava não só a

extinção do sofrimento como também o fim da vida, a fuga trazia em si várias

possibilidades. Dentre elas é possível apontar uma vida livre, o encontro com

parentes, ou livrar-se de um senhor cruel.

Conforme cita Maestri (1979, p.85), uma das formas mais características de

resistência ao escravismo no Rio Grande do Sul foi a fuga. O destino mais procurado,

na maioria das vezes, pelos escravos fujões, era as serras e matas para aquilombar-

se. Tratando sobre esta questão no nordeste e centro do país, Kátia Mattoso na obra

“Ser escravo no Brasil”, enfatiza:

[...] a própria instabilidade do regime escravista, do trabalho organizado sem qualquer fantasia, da severidade rígida, das injustiças e maltratos. Representam uma solução a todos os problemas de inadaptação do escravo aturdido entre a comunidade branca e o grupo negro (Mattoso, 2001, p.158).

Jorge Daronco, em sua obra “À sombra da Cruz : trabalho e resistência servil

no noroeste do Rio Grande do Sul” (2006), classifica as fugas de trabalhadores

escravizados em “fugas rompimento” ou “definitivas” e “fugas temporárias” ou

“reivindicativas”. As primeiras, mais raras, objetivariam a ruptura total dos laços

escravistas e procurariam, portanto, afastar-se o máximo possível das mãos dos

escravizadores. Nesses casos, os fujões embrenhariam-se nos matos, escapariam

para regiões distantes, procurariam as fronteiras.

As fugas-negociação, mais comuns, constituiriam-se, ao contrário, de

ausências temporárias que comportariam, desde o início, uma decisão de retorno à

escravidão. O cativo fugiria e se esconderia em regiões próximas aos locais de

escravização com o objetivo precípuo de pressionar o escravizador, pela ausência, a

conceder melhores condições de existência, “na escravidão”.

No Brasil estes esconderijos foram chamados de “quilombos” ou “mocambos”,

na América Espanhola, “palenques”, nas Antilhas Francesas o fenômeno recebeu o

nome de “maronage” e na América Inglesa de “marroon communities” (Reis, 2000,

p.54). Os quilombos às vezes conseguiram congregar populações cujos números se

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contavam em milhares, o que demonstra sua capacidade de sobreviver por longos

períodos. O famoso Quilombo dos Palmares chegou a contar com uma população

estimada, talvez exageradamente, em 20.000 habitantes e resistiu por quase cem

anos a várias expedições militares de portugueses e holandeses.

A existência de quilombos representou uma grande ameaça à estabilidade do

sistema escravista. Nessas comunidades, homens e mulheres trabalharam a terra e

montaram estruturas novas de parentesco. Ali, africanos de diferentes grupos étnicos

forjaram novos laços de solidariedade social, cultural e religiosa. Tudo indica que não

viviam em nenhum paraíso perdido, pois para sobreviverem às ameaças externas e

manterem a coesão interna, os fugitivos algumas vezes tiveram de estabelecer

rígidas normas e hierarquias sociais. Chegaram mesmo a ensaiar formas domésticas

de escravidão entre eles. Contudo, da perspectiva da classe senhorial e seus

governos, a existência dessas sociedades escondidas simbolizavam uma alternativa

à qual os escravos como um todo poderiam aspirar.

O quilombo era mais que uma simples tática de luta, era uma sociedade

econômica, social e política organizada, à margem da sociedade escravista. Exercia

domínio sobre um determinado território e possuía uma economia bastante complexa.

Tratando ainda sobre os quilombos temos:

O quilombo foi, incontestavelmente, a unidade básica de resistência do escravo. Pequeno ou grande, ou de vida precária, em qualquer região onde existia a escravidão, lá se encontrava ele como elemento de desgaste do regime servil. O fenômeno não era atomizado, circunscrito a determinada área geográfica, como a dizer que somente em determinados locais, por circunstâncias mitológicas favoráveis, ele podia afirmar-se. O quilombo aparecia onde quer que a escravidão surgisse. Não era simples manifestação tópica. Muitas vezes surpreende pela capacidade de organização, pela resistência que oferece; destruído parcialmente dezenas de vezes e novamente aparecendo em outros locais, plantando sua roça, construindo suas casas, reorganizando a sua vida social e estabelecendo novos sistemas de defesa. O quilombo não foi, portanto um fenômeno esporádico. Constituía-se em fato normal da sociedade escravista (Moura, 1988, p. 103).

De acordo com João José Reis (2000, p.243), em suma as revoltas escravas

na forma de fugas, suicídios, ou violência contra seus senhores e feitores, de forma

organizada ou não, não previam a destruição do regime escravocrata ou a liberdade

imediata dos escravos, visavam apenas corrigir excessos de tirania, diminuir a

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opressão dos senhores a ponto de, ao menos, o escravo ter relativa dignidade. As

reivindicações eram pontuais, visando por vezes, a reconquista de ganhos perdidos,

ou punir feitores particularmente fiéis, ou simplesmente buscar nos quilombos a

liberdade tão desejada.

Daí o cuidado e dedicação com que os grupos dominantes reprimiram estes

focos rebeldes. Se a criação de quilombos teve um sabor ambíguo de rebeldia, as

rebeliões escravas constituíram a mais direta e inequívoca forma de resistência

coletiva. Quando o escravo conspirava uma revolta, ele certamente não esperava

qualquer compromisso ou acordo com a classe senhorial.

Conforme Manolo Florentino e José Roberto Góes (1997), uma das formas

encontradas pelos senhores para dificultar a organização de rebeliões era a entrada

constante de novos africanos de diferentes origens étnicas, pelo tráfico, o que teria

provocado muito mais a dissensão do que a unidade entre eles. As rivalidades

históricas entre os diversos povos africanos, ainda em suas terras de origem, teriam

impedido que, com facilidade, pudessem criar solidariedades que resultassem na

formação de uma comunidade ou na organização mais efetiva contra os senhores,

ainda que vivendo todos sob as mesmas condições de cativeiro, pois “as diferenças

culturais poderiam permanecer apesar do contato inter-étnico” (Barth, 1998, p.188).

Conforme Florentino e Góes (1977):

[...] é provável até que o cativeiro muito contribuísse para exasperar as diferenças que os constituíam, em mais de um sentido. Por que não? A escravidão, afinal, não devia ser um meio muito propício ao acalanto de sentimentos mais tolerantes. A verdade é que um plantel não era, em princípio, a tradução de um nós. Reunião forçada e penosa de singularidades e de dessemelhanças, é como melhor se poderia caracterizá-lo (Florentino e Góes, 1997, p. 35).

1.5 O Rio Grande do Sul e a abolição

O Rio Grande do Sul foi uma das primeiras províncias onde encontraram eco

as ideias de libertação do escravo negro. A campanha abolicionista não encontrou

neste estado as mesmas resistências ocorridas em outras províncias. Isto ocorreu

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devido ao próprio sistema de produção, que não se encontrava sustentado apenas no

braço escravo, como ocorria em outras partes do país.

Na década de 1880, as próprias classes dominantes começaram a sentir a

necessidade da abolição. Tanto o Partido Conservador quanto o Liberal tinham

posição definida frente ao problema da abolição.

Rodrigo Weimer, em sua dissertação de mestrado “Os nomes da liberdade:

experiências de autonomia e práticas de nomeação em um município da serra rio-

grandense nas duas últimas décadas do século XIX” (2007, p.76), ao analisar alguns

relatórios de presidentes provinciais percebeu que havia certa expectativa e medo por

parte das elites políticas em relação à liberdade dos escravos. O Partido Conservador

era o único no Rio Grande do Sul que não mantinha nenhum grau de

comprometimento com campanha abolicionista. Pelo contrário, era comum os

conservadores mostrarem-se descontentes com os partidos monárquicos e a gradual

aprovação de leis abolicionistas sob o regime de Pedro II.

Rodrigo de Azambuja Vilanova, Presidente da Província, mantinha uma

postura conservadora em relação ao regime escravista. O discurso acintosamente escravista impressiona, mas não surpreende. Vilanova compartilhava a opinião de tantas outras elites: quer no interior do Brasil, quer em outros países, os dominantes se arrogavam a prerrogativa de decidir quem poderia e como deveria exercer a liberdade (Weimer, 2007, p. 77).

Ainda conforme Weimer (2007), o Presidente da Província do Rio Grande do

Sul, Rodrigo Vilanova, através da religião procurava justificar a escravidão:

A liberdade não tem a virtude de dar-lhe qualidades que Deus negou-lhe ou

que a sua degradação nativa não lhe permitiu adquirir: deixar, portanto, o liberto entregue a seu livre arbítrio, às perigosas seduções de uma liberdade para que não estava preparado e aos estímulos de suas paixões, tanto mais desordenadas quanto até a pouco estiveram abafadas por força de sua condição, (Relatório de 1888, apud Weimer, 2007, p.79).

A historiadora Verônica Monti (1985) ressalta que cabe ao interior as honras da

iniciativa do movimento abolicionista no Rio Grande do Sul. Sem desmerecer o papel

impulsionador e também decisivo desempenhado pela capital no ano de 1884, “que,

indiscutivelmente, incendiou de entusiasmo a todos os cidadãos de bons sentimentos,

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espalhando exemplo e transformando, pelas próprias condições, no principal fator de

quase total emancipação dos escravos na Província nesse memorável ano” (Monti,

1985, p.121).

Às vésperas da abolição no Rio Grande do Sul, grande número de senhores

concedeu liberdade a dezenas de escravos, sob a condição de que continuassem a

trabalhar gratuitamente durante sete anos: maneira legal de prolongar a escravidão.

Conforme Perdigão Malheiro (1976, p.82), na sociedade escravista brasileira,

desde os primórdios, a alforria foi utilizada pelos senhores de escravos luso-

brasileiros como um meio de controle social sobre seus escravos para evitar a

indisciplina, fugas e rebeliões, ou como um mecanismo econômico para livrá-los do

ônus de sustentar escravos velhos ou doentes.

É importante ressaltar segundo Verônica Monti (1985, p.62), que o processo de

conceder alforrias no Rio grande do Sul foi bem diverso de uma “benemérita cruzada

humanitária levada a cabo pela elite cultural da Província”.

Sandra Pesavento (1985, p. 45), afirma que o princípio adotado pela abolição

antecipada no Rio Grande do Sul, em 1884, foi o da liberdade sob a cláusula de

prestação de serviços, o que implicava na permanência do ex-escravo com seu

antigo senhor, podendo este dispor de sua força de trabalho pelo prazo de no mínimo

sete anos, para uso de acordo com suas necessidades e repassando o custo de sua

manutenção para o próprio liberto, agora chamado de contratado.

Segundo Weimer (2007, p.82), na década de 1880 intensificou-se a

concessão de cartas de alforria no Rio Grande do Sul, como uma estratégia senhoril

para adiantar-se ao Estado e assim manter tais dividendos de gratidão nas mãos dos

senhores.

No entanto, a carta de alforria era um ato comercial, raramente um gesto de

generosidade. Nem sempre o escravo era declarado livre imediatamente, e sua

emancipação poderia se dar sob condições extremamente variadas que retardavam

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muito o pleno gozo da liberdade. A alforria podia ser concedida ao escravo pelo

senhor a título oneroso ou gracioso onde escravo era libertado imediatamente e

dando a este o prestígio de sua conquista.

Outro tipo de alforria que impôs delongas e restrições, e que era muito

frequente, era a alforria outorgada “gratuitamente”. Gratuidade da qual o senhor se

vangloriava, porém que mal podia esconder o preço elevado que na realidade o

escravo deveria lhe pagar por sua libertação. Esta estratégia utilizada pela classe

senhorial em diversas regiões teve como princípio a garantia da obediência e da

lealdade do escravo ao seu senhor. Normalmente as condições estipuladas

envolviam a continuação do trabalho do cativo para com o seu senhor até sua morte

ou a seus herdeiros por um determinado prazo.

O tratamento dispensado ao escravo alforriado era o mesmo que a qualquer

outro, uma vez que, obrigado a continuar no cativeiro, desempenhava os mesmos

tipos de serviços e rotinas. Além disso, o escravo alforriado ainda corria o risco de

perder sua liberdade, caso fosse considerado ingrato com seu antigo senhor ou se

não cumprisse as condições estipuladas, conforme nos atesta Kátia Mattoso.

A Província do Rio Grande do Sul juntamente com as províncias do Ceará e

Amazonas foram precursoras da abolição nacional, antecipando-se à Lei Áurea.

Tratando sobre esta questão, Verônica Monti, na obra “O abolicionismo: sua hora

decisiva no Rio Grande do Sul – 1884”, enfatiza:

Está provado que o gérmen do abolicionismo andava latente desde há muito tempo aqui, mas é no ano de 1883 que particularmente vai se caracterizar como o do início de uma nova fase, esta então decisiva, na arrancada pró-libertação do elemento negro, situação esta resultante de um novo posicionamento sócio-político e econômico na estrutura da época. Prepara, assim, o terreno para os sucessos que vão celebrar o ano de 1884 como o decisivo no Estado em favor da redenção do elemento negro, pois foi nesse ano que toda a Província se inflamou como num incêndio coletivo, rompendo aqui, praticamente, as cadeias da escravidão (Monti, 1985, p.164)

O movimento gaúcho, entretanto, ao contrário do ocorrido nas províncias do

Norte, deixava tranquilos os escravocratas, pois respeitava o direito de propriedade,

libertando o escravo, porém, mantendo o trabalho servil por prazos variáveis de um

até cinco anos. O resultado maléfico dessas iniciativas foi que o liberto retornava,

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após as festas abolicionistas nas quais fora libertado, ao trabalho compulsório e à sua

condição de sofrimento, enquanto que o senhor, se tinha alforriado muitos escravos,

além da fama de generoso, recebia um título de nobreza ou uma condecoração do

Império.

De fato, a procura pelos títulos foi, nesse período muito grande, uma vez que o

Ministério do Império havia comunicado a todas as presidências de província que as

libertações de escravos eram um serviço relevante ao Estado e à humanidade,

merecendo ser recompensadas. Foi até criado um esquema para evitar abusos e

facilitar a concessão de títulos e condecorações.

A interrupção do escravismo no Rio Grande do Sul assegurava através da lei o

status ao negro de trabalhador livre, no entanto não lhes assegurava a permanência

no posto de trabalho. Em muitas situações, os negros foram substituídos em seus

postos de trabalho por emigrantes e imigrantes. No caso das charqueadas rio-

grandenses os negros foram forçados a trabalhar de dois a quatro anos, depois de

libertos, sem receber salários, por força de um artigo previsto na Lei Rio Branco. O

sistema tirava o trabalho do negro e procurava negar-lhe a sua condição de

trabalhador assalariado, através de expedientes previstos em lei.

Os negros rio-grandenses enfrentaram muitas dificuldades para adquirir uma

nova identidade além da que já possuíam: a de ex-escravos. Tiveram também de

enfrentar os diversos estereótipos construídos pela sociedade brasileira.

Segundo Kátia Mattoso (2001), no dia 13 de maio de 1888, através da Lei n. 3

353, a Princesa Isabel, em nome de sua majestade o Imperador D. Pedro II, declara

extinta e escravidão no Brasil. A abolição da escravatura ocorre numa época em que

o sistema escravista mostra sinais claros de exaustão, “liberta as classes produtoras

do país de um sistema de trabalho ultrapassado, tornado pouco rentável” (Mattoso,

2001, p.238). A importância da Lei Áurea não esteve no número de libertados, mas

por formalizar o fim de uma instituição que até então fora definidora das relações

sociais no Brasil.

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Apesar dos rigores do sistema, os escravos tinham cumprido a sua missão, uma grande missão. Haviam criado riquezas no cultivo da terra, na exploração das minas, transformando, fabricando, vendendo seus produtos. Quem dá seu suor, sua força, sua vida, sua amizade, sua ternura sente-se ligado à obra acabada. Sobretudo quando ela foi moldada na lealdade, na dignidade, na altivez e no espírito inventivo, como ocorreu geralmente. E poucos foram, finalmente, os escravos que conseguiram comprar por si mesmos a liberdade: nessa perspectiva, a “lei áurea” surgiu como arquétipo de milhares de cartas de alforria até então outorgadas, essas cartas depreciadas, que impunham tantas restrições, tantas condições à libertação, que mais pareciam atos de chantagem à liberdade do que verdadeiros instrumentos de emancipação. A liberdade total e incondicional, oferecida de graça a 13 de maio de 1888, parece querer inaugurar uma nova era (Mattoso, 2001, p.239).

Observamos ao longo deste capítulo que o escravismo foi por muitos anos o

alicerce da produção e prosperidade no Rio Grande do Sul. Sua importância

econômica evolveu praticamente todas as atividades produtivas, tendo seu auge nas

charqueadas e plantações de trigo, em fins do século XVIII e começo do século XIX.

O declínio do sistema escravista ocorreu já num contexto histórico de absoluta

falta de sustentação do movimento escravista em todo o país, porque passou de algo

extremamente lucrativo para algo extremamente oneroso, além de ultrapassado e

incompatível com o sistema capitalista que, a passos largos, tornava-se hegemônico

no mundo inteiro a partir do século XIX. Por isso, só a partir da segunda metade do

século XIX - e após muita pressão externa, em especial da Inglaterra - o Brasil

começa a dar os primeiros passos reais em direção ao fim do regime, sendo que

apenas nas décadas de 1870 e 1880 que o país como um todo parece despertar para

o engajamento pela abolição.

Destacamos ainda que leis promulgadas ao longo do século XIX trouxeram

significativos resultados na medida em que condenaram a escravidão a desaparecer

gradualmente e levaram os proprietários de escravos a pensar em soluções

alternativas para o problema de mão-de-obra. Com a promulgação da Lei Áurea

acaba uma triste prática da história brasileira, onde a escravidão é substituída pelo

trabalho “livre” e, mesmo mal remunerado, o negro não estava mais preso por

documentos e sujeito a ser perseguido até a morte.

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2 TAQUARI: COLONIZAÇÃO E ESCRAVIDÃO

2.1 Primeiras páginas da história de Taquari

Estendendo-se ao longo do rio Taquari, o município de Taquari é um dos mais

antigos do Rio Grande do Sul. No ano de 1760 inicia a povoação e colonização das

terras à margem esquerda do rio Taquari, com a chegada de quatorze casais

açorianos vindos das Ilhas dos Açores. Dos quatorze casais de açorianos que vieram,

somente sete casais permaneceram e se radicaram no local, sendo, portanto,

considerados o primeiro grupo étnico, não indígena ocupante deste território.

Octávio Augusto de Faria admite, em seu estudo “Monografia do município de

Taquari” (1981), que a região taquariense fora povoada antes da chegada dos

primeiros casais açorianos por população indígena:

[...] representada no município de Taquari pelos índios Patos, nação poderosa que outr’ora habitava perto das costas da lagoa que deles tomou o nome. Quanto aos primeiros povoadores ocidentais, teremos a dizer que, antes que aqui aportassem os casais açorianos, já o elemento branco era conhecido, pelos contínuos movimentos dos infatigáveis bandeirantes paulistas, conservando-se no município os nomes de dois deles, que nele se domiciliaram: Luiz Vicente e Serafanfa. No ano de 1760, vieram os primeiros casais açorianos, dos quais derivam, em sua maior parte, os brancos do município. Mais tarde e muito depois, penetrou o elemento estrangeiro, predominando o alemão. Quanto à raça preta, são inegáveis os serviços que há prestado, concorrendo com as suas qualidades efetivas para o aperfeiçoamento do tipo brasileiro em geral (Faria, 1981, p. 71-72).

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Em 1764 era criada a Vila de São José de Taquari, sendo elevada à categoria

de freguesia em 20 de outubro de 1764, tornando-se assim, a 4ª freguesia do Rio

Grande do Sul.

Conforme Cristiano Luís Chistilliano, na obra “Estranhos em seu próprio chão:

o processo de apropriações e expropriações de terras na Província de São Pedro do

Rio Grande do Sul (O vale do Taquari no período de 1840-1889)” (2004), a fundação

da Vila de São José de Taquari é propiciada pela política do Governador da Capitania

do Rio Grande de São Pedro, Coronel José Custódio de Sá Faria. Sobre isto informa:

Ao longo da década de 1760 as concessões de terras foram intensificadas devido a invasão do Rio Grande pelas tropas de D. Pedro Cevallos. A Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul encontrava-se dividida neste período por 4 divisões administrativas, que possuíam quartéis: Rio Grande, Viamão, Santo Antônio da Patrulha e Rio Pardo. A povoação de São José de Taquari foi estabelecida em um local estratégico, sendo construída na margem esquerda do então Rio Tebiquari e tinha sua vila estabelecida numa pequena elevação junto a margem do Rio, na qual só havia o acesso via fluvial naquele momento. Nessa Vila também foi fundado um quartel, pois sua localização permitia o controle da navegação sobre o Rio Tebiquari (Chistilliano, 2004, p.24).

Em carta remetida no ano de 1768, a Antônio Rubim de Moura Tavares (Vice-

Rei do Brasil), José Custódio de Sá e Faria, o qual se encontra na Enciclopédia dos

Municípios Brasileiros – Municípios do Rio Grande do sul (1959), organizado por

Jurandir Pires Ferreira, temos o seguinte:

[...] Foi o Senhor Conde da Cunha servido ordenar-me arrumar eu as famílias que das ilhas havia Sua Magestade mandado conduzir a este continente para o povoarem as quais se acharam dispersas sem lhes haverem cumprido as promessas que Sua Majestade lhes fez, quando os mandou dar de suas terras, e que eu os arrumar em pomarias as porções de terreno preciso para lhes enteirar as suas datas. Logo que cheguei a este governo procurei dar cumprimento a esta importante ordem, seguindo em tudo as de Sua Majestade que se acham nesta providoria a respeito das mesmas famílias, e, com efeito, fundei a 1ª povoação junto ao passo do Rio Tebiquary, em situação que achei própria para as utilidades e lavouras dos mesmos povoadores, e lhe fiz com toda regularidade em ruas, casas e praça, e querendo dar princípio à igreja só pude conseguir tirar as madeiras para ela do mato, porém não tive meio para meter mãos à obra [..] (Ferreira, 1959, p.340).

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Esse documento é de fundamental importância para os estudos das origens da

cidade de Taquari. Os casais eram provenientes da Ilha dos Açores, e realmente

tinham chegado ao Rio Grande do Sul com grandes e justificadas esperanças, em

virtude do Trono Português.

Segundo Riograndino da Costa e Silva (1971, p.285), no dia 25 de setembro

de 1770, o governador da Capitania do Rio Grande de São Pedro, Coronel José

Marcelino de Figueiredo, ordena ao Capitão da Infantaria Alexandre José Montanha,

na condição de engenheiro, que venha até os campos de Taquari. O objetivo deste

despacho era para medir, repartir e entregar aos casais açorianos que ali já se

achavam quatro léguas e meia de terra, deixando meia légua para o logradouro da

povoação de São José de Taquari.

Durante mais de três meses trabalhou o Capitão Montanha no desempenho da missão que lhe confiara o Governador da Capitania e realizou, assim, um levantamento completo da nova povoação. No plano que estabeleceu para a divisão das datas de terras pelos casais já instalados na localidade, traçou, por assim dizer, aquêle oficial de engenheiros a primeira planta do município de Taquari, deixando nela consignadas algumas indicações preciosas a respeito dos mais antigos habitantes da terra taquariense. O Capitão Alexandre José Montanha desenhou, com efeito, um mapa do terreno destinado a acomodar os casais que deviam formar a povoação de São José de Taquari (Silva, 1971, p.97).

Após um ano, o Capitão da Infantaria Alexandre José Montanha completa os

trabalhos de demarcação e divisão das datas dos casais que formaram a Vila de São

José de Taquari e executa a primeira planta do Município de Taquari.

Neste contexto, sesmarias foram concedidas em grande quantidade dentro da

área abrangida pela freguesia de Taquari. Neste sentido, Francisco da Silva ganha

uma légua e meia de comprimento por uma de largura, por concessão de Marcelino

Figueiredo em 1780.

O Tenente Francisco da Silva foi, portanto, muito provavelmente, o primeiro povoador da gleba taquariense, o primeiro morador que verdadeiramente se fixou na região junto ao Passo do Rio Taquari. É o que comprovam as concessões de suas sesmarias e antigos documentos existentes no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro (Silva, 1971, p.89-90).

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Conforme Jurandir Pires Ferreira (1959), José da Silva Lima, em 1798, ganha

duas léguas de frente por uma de fundo, junto ao arroio Castelhano, por concessão

do Conde Resende. João Inácio Teixeira recebe, em 1800, 3.900 braças de frente por

uma légua e meia de fundo por concessão do mesmo Conde Resende. João da Silva

Ribeiro Lima teria solicitado sesmaria na Freguesia de São José de Taquari, pedido

que foi atendido “não só por ser alferes e súdito leal, como por não possuir terras,

mas sim escravos, e desejar fazê-los trabalhar” (Ferreira, 1959, p. 340).

2.2. Escravos em Taquari.

Em Taquari, a presença da população negra remonta à posse das primeiras

sesmarias e datas. Na condição de grupo étnico forçado, os escravos chegaram

acompanhando seus senhores para o trabalho na agricultura e na extração de

madeira.

Taquari desfrutava no início do século XIX um lugar de destaque na economia

rio-grandense em função de sua produção de trigo. O trigo foi, no período, uma

atividade característica das regiões de colonização açoriana e constituiu-se como a

segunda atividade econômica mais importante naquele momento.

Conforme Cristiano Christilliano (2004, p.41), a produção tritícola, inicialmente

localizada nas proximidades da Lagoa dos Patos em áreas de campo,

gradativamente foi sendo abandonada por seus lavradores quando estes migraram

para áreas mais produtivas da Bacia do rio Jacuí e do Vale do Taquari, especialmente

para a Vila de Taquari. Sendo altamente lucrativa no primeiro quartel do século XIX, a

lavoura tritícola permitiu a introdução de um grande número de escravos na região.

Entre 1780 e 1814 a porcentagem do número de escravos presentes em Taquari, em relação ao seu número total na São Pedro do Rio Grande do Sul naquele período permaneceu acima de 7%. Este número, comparado à pequena extensão que o Vale do Taquari ocupa nesta última unidade, além do grande emprego de escravos nas charqueadas, a atividade tradicional da mesma, o percentual apresentado de escravos presentes no Vale do Taquari mostra o seu espaço na economia do Rio Grande do Sul naquele período. O trigo, além de outras atividades em menor intensidade, garantiu

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uma inestimável fonte de lucros para a região, e a notoriedade da mesma no plano econômico da Capitania. (Christilliano, 2004, p.42).

A partir da citação referida é possível perceber que Taquari foi um ponto de

significativa inserção de escravos, principalmente no fim do século XVIII e primeiro

quartel do século XIX, deixando evidente o labor cativo crescente junto à

prosperidade econômica da região.

Segundo Octávio Augusto (1981), o arrolamento da população de Taquari, em

1814, aponta 433 escravos, o equivalente a 25% da população.

Em 9 de agosto de 1814 acontece um fato que chama a atenção, pois, de

acordo com Ferreira (1959), Manuel Francisco recebe terras medindo 100 braças de

frente por meia légua de fundo na Freguesia de Taquari por concessão de Dom Diogo

de Souza. “O que potencializa essa doação a Manuel Francisco é o fato de o mesmo

ser um preto forro” (Ferreira, 1959, p.342).

A posse ou a propriedade de um pedaço de terra foi possível para alguns

forros ainda durante a vigência do escravismo. O acesso à terra, para os escravos,

era possível quando estes eram beneficiados com bens nos testamentos de seus

antigos senhores.

Roseli dos Santos, em seu trabalho “Terras e Liberdade: uma recompensa pela

escravidão? – Barbacena (1850-1888)”, publicado em 2005, faz uma análise de

testamentos de proprietários da cidade de Barbacena que faziam referência à

libertação e respectivamente doações a seus escravos entre os anos de 1850 e 1888.

[...] dona Rita Francisca de Jesus, libertava em seu testamento os escravos Venâncio, pardo, Manoel pardo, filho de Joaquim pardo, Luciana parda, Francisco, Cesário e Valeriano pardos, filhos da dita e a mais dois escravos de nação João e Domingos, deixando a cada um destes últimos um alqueire de terra. Para os demais escravos libertados – classificados como pardos – deixava todos os pertences, inclusive terras, para serem divididos em igualdade. Todos os escravos citados, inclusive Joaquim, dividiram entre si, além dos pertences da casa, 01 casa de açúcar, 01 casa de engenho, 01 moinho e monjolo, 40 alqueires de terras de arrozal e 70 alqueires de terra, 01 pasto e horta, 01 roça de milho, 09 bois de carga, 33 porcos, 04 carneiros

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e 05 capados, repartidos na quantia de 974$405 réis em bens para cada beneficiado (Santos, 2005, p.25).

Conforme Octávio de Faria (1981, p.114), Manuel Alves dos Reis Louzada

tinha três fazendas em Taquari: a da Pedreira, a do Pinhal e a da Conceição. Mais de

cem escravos trabalhavam em dois engenhos de serra, um moinho e nas lavouras.

Antes de falecer, em 1862, aos 72 anos, Louzada distribuiu sua fortuna aos pobres -

50 viúvas e 40 órfãos. Alforriou 23 escravos, dando-lhes lotes de terra para morar.

João José Reis, em seu estudo “O cotidiano da morte no Brasil oitocentista”

(1998, p.102-104), ressalta que as concepções e valores do século XIX são diferentes

das de nosso tempo, tanto na maneira de ver a vida como na morte. A morte nos

oitocentos era o tema de maior preocupação entre as pessoas daquele período,

podendo representar o momento de ordenação econômica, onde todas as dívidas

deveriam ser liquidadas ou o momento de reparação moral, onde era necessário

fazer justiça aos que ficavam, pois assim, estariam redimidos para enfrentar a justiça

divina.

Vemos assim algumas formas do escravo ter a posse de bens, seja por meio

de doação por parte do senhor perante a morte iminente e o ajuste de contas com a

justiça divina ou como uma negociata para manter os escravos trabalhando até a

morte do senhor. Até posse de arma de fogo era permitida em alguns casos, o que

demonstrava uma certa confiança do senhor em seu escravo. Como exemplo,

citamos o caso ocorrido em 12 de novembro de 1829, onde o escravo João

Moçambique matou com um tiro o capataz Manuel José de Almeida, na casa de

alambique da Fazenda de São Gabriel2, na freguesia de Taquari. Interrogado, alegou

que tinha uma arma de fogo, dada por seu senhor, para se defender dos indígenas. É

de se supor que José Inácio tinha confiança em seu escravo para lhe dar uma arma.

Pode este ter sido encarregado da defesa contra investidas indígenas Kaingang,

estes considerados perigosos devido a seus ataques guerreiros no Vale do Taquari.

2 A Fazenda São Gabriel de propriedade de João Xavier de Azambuja, localizava-se a

margem direita do rio Taquari e corresponde nos dias atuais ao município de Cruzeiro do Sul.

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Com arma de fogo e poder de defesa João Moçambique tinha certa força e

respeito entre os seus, o que talvez o capataz Manuel José de Almeida não

suportasse. Em menos de um ano, a Junta da Justiça condenou João Moçambique a

galés perpétuas, 600 açoites em dias intercalados e 50 mil-réis de multa

(PROCESSO-crime nº 305/maço 12).

Conforme José Alfredo Schierholt (2002, p.26), raros documentos fazem

menção à fuga de escravos em Taquari. Um dos poucos conhecidos tem o objetivo

de assegurar que Taquari tivesse homens para destruir quilombos. Em 12 de outubro

de 1850, a Câmara de Vereadores enviou o ofício nº 39 ao governo provincial. Dados

deste documento apresentados por Schierholt apontam o seguinte:

“isentos de serviço da Guarda Nacional os capitães-de-mato e suas competentes praças, alegava que havia crescido o número de escravatura empregada na lavoura, carecendo só por isso solicitar das autoridades criar meios de prevenção a qualquer sinistro acontecimento: a prevenção pela segurança reclama a dispensa de onze homens, inclusive o capitão-de-mato da Guarda Nacional Móvel. A eles cabia a tarefa de destruir quilombos e ajuntamentos que parecessem perigosos” (Schierholt, 2002, p.26).

Havia por parte dos senhores um medo, o qual os levava a buscar diversas

alternativas de repressão a fugas, e revoltas de escravos. A situação acima nos

remete a uma destas situações, nas quais homens eram incumbidos de encontrar e

destruir os grupamentos que se formassem por escravos fujões.

Cristiano Luís Christillino (2004) contempla em seu estudo a insurreição

escrava ocorrida na Vila de Taquari em novembro de 1864.

Apesar de ter sido rapidamente controlada, a mesma causou um grande impacto na referida Vila. Os escravos planejavam, após uma reunião num baile, nos arredores da povoação, invadirem a mesma, atacando as 4 repartições municipais de poder - Guarda Nacional, Polícia, Câmara de Vereadores e Justiça - nas pessoas de seus chefes, o que garantiria a obtenção de munições e a desarticulação destas instituições de repressão e políticas. Os escravos planejavam fugir ao Uruguai, mas antes disso teriam que assassinar aqueles e outros que interferissem em tal plano. O impacto deste fato naquela povoação foi enorme, e a ameaça de uma insurreição escrava provocou o recrudescimento da repressão contra estes e a população marginal como um todo, especialmente os ex-escravos (Christilliano, 2004, p.121).

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Rebeliões negras ocorreram praticamente em todas as províncias brasileiras

durante todo tempo que durou a escravidão. Alguns fatores, porém, contribuíram para

o seu maior ou menor sucesso, sua maior ou menor insistência.

A produção historiográfica por muitos anos insistiu em ressaltar que a

escravidão frequentemente impunha limitações à organização social e cultural dos

cativos. Conforme Stuart B. Schwartz (1995, p.310), “apesar das restrições

existentes, os escravos procuravam criar estratégias sociais que lhes garantissem

redes de solidariedade. Sem dúvida o batismo representava um momento importante

na construção destas relações”.

Apesar de todas as limitações e obstáculos impostos pelo sistema escravista,

os cativos procuravam criar formas sociais e culturais que lhes proporcionassem

consolo e apoio naquele mundo hostil. O batismo é um exemplo de como os escravos

conseguiam criar formas sociais de parentesco, apesar de todas as dificuldades. O

sistema de compadrio representava uma forma de ampliação da família, conforme

segue:

[...] seguramente a família estendia-se muito além dos limites de qualquer unidade residencial, pois a relação de compadrio gerada pelo batismo criava um ‘parentesco espiritual’ entre os afilhados e seus padrinhos, bem como entre os padrinhos e seus pais que passavam a tratar-se por compadre ou comadre. Os padrinhos eram considerados como pais substitutos de seus afilhados, e assim, frequentemente os escravos procuravam ‘pessoas de consideração para apadrinharem seus filhos [...]’ (Schwartz,1995, p.130-131).

Para os senhores o batismo cristão simbolizaria o apagar dos antigos laços de

origem de seus escravos, no entanto, este também poderia ser utilizado,

contrariamente, para reforçar laços com outros africanos – o que remetia a

lembranças e alianças anteriores a nova escravidão. Mantendo o que foi posível de

sua cultura original, emborra certamente com muitos ressignificados.

Sendo assim, conforme Oliveira (1976, p.105), existem explicações para as

mudanças ou ressignificações. Isso porque, a identidade étnica esta estruturada em

um sistema de relações regido por uma ideologia e supõe um código de categorias

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destinado a orientar o desenvolvimento dessas relações. A ideologia utilizada para a

manutenção de um sistema etnocêntrico caracteriza-se por uma tentativa do grupo

dominante – o homem branco – em homogeneizar a sociedade segundo seus

próprios valores no estabelecimento de uma hierarquia cultural, étnico-racial ou na

afirmação de uma identidade étnica e cultural única para todos. Sua ideologia

promove representações simbólicas sobre sua cultura e da valorização de tudo o que

se refere à etnia branca e, logo na constituição de uma identidade positiva para esse

grupo étnico e na desvalorização do que se refere às etnias afro-descendentes.

A partir de dados extraídos de registros paroquiais de batismo da Paróquia São

José de Taquari, que se encontram no Arquivo da Cúria Metropolitana em Porto

Alegre, percebemos que nas relações de compadrio era levada em consideração a

condição social dos padrinhos. Sobre isto Schwartz (1995) ressalta que os cativos

poderiam usar o compadrio escolhendo pessoas que lhes poderiam proporcionar

alguma vantagem. Este é o caso de Joanna que foi batizada na Igreja Matriz São

José de Taquari no dia 02/09/1874, conforme segue:

Joanna. Aos dois dias de setembro de mil oitocentos e setenta e quatro, nesta Matris de São José de Taquary, baptizei solenemente Joanna, parda, nacida no dia descrito do mesmo ano de mil oitocentos e setenta e quatro, filha natural de Eva, preta, crioula, escrava de Francisco Leontino: Foram padrinhos, Francisco Borges do Espírito Santos, Rosa, preta, liberta. Faço constar este assentamento. Vigário Manuel Joaquim Tostes (REGISTRO, 02/09/1874). AHCMPA

Assim, os interesses materiais poderiam valer mais do que laços afetivos. A

escolha por padrinhos livres poderia ser mais vantajosa do que a por padrinhos

escravos - já que pessoas livres tinham maiores chances de proporcionar algum tipo

de benefício a um cativo do que outro escravo - ou representar mais uma forma de

resistência à condição cativa, pois o padrinho livre poderia representar uma porta de

acesso do afiliado escravo à liberdade.

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2.3 Negros e o combate farroupilha em Taquari.

Demarcada como uma das mais extensas rebeliões deflagradas no Brasil, a

Revolução Farroupilha contou com uma série de fatores responsáveis por esse

conflito que desafiou as autoridades imperiais.

A partir de 1821 o governo central passou a impor a cobrança de taxas

pesadas sobre os produtos rio-grandenses como charque, erva-mate, couros, sebo,

graxa, etc. No início da década de 30, o governo aliou a cobrança de uma taxa

extorsiva sobre o charque gaúcho a incentivos para a importação do charque do

Prata. Ao mesmo tempo aumentou a taxa de importação do sal, insumo básico para a

fabricação do produto. Além do mais, se as tropas que lutavam nas guerras eram

gaúchas, seus comandantes vinham do centro do país. Tudo isso causou grande

revolta na elite rio-grandense.

Desde seu início, a luta dos farroupilhas contou com a importante participação

de negros e mulatos. De acordo com Moacyr Flores (2004, p.49), “eram recrutados

solteiros entre 18 e 35 anos brancos, pardos, índios e pretos libertos. O branco

recrutado podia eximir-se de serviço militar desde que oferecesse em seu lugar um

escravo com carta de alforria”.

A participação dos negros na revolução farroupilha foi proeminente e decisiva,

sendo vista por eles como um caminho para a conquista da sua liberdade. É

importante destacar que os líderes farroupilhas - seja pelas exigências da luta militar,

seja pelas particularidades da escravidão no Rio grande do Sul - não hesitaram em

alçar em armas e incorporar nos seus exércitos os escravos que libertavam,

diferentemente de outras revoltas da mesma época Brasil afora onde as elites não

tiveram a coragem de fazê-lo. Mas, ao mesmo tempo, os líderes farrapos, por suas

limitações de classe, não foram capazes de dar o passo seguinte, ou seja, a total

abolição da escravidão.

Em 1831, antes de eclodir a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, a

freguesia de São José de Taquari passava a fazer parte do município de Bom Jesus

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do Triunfo. Desenvolvia-se, neste período, o povoado, cresciam as ruas e o número

de casas aumentava. No entanto, sobre a Vila de São José de Taquari iria também

abater-se o conflito farroupilha.

De 1835 a 1845 a Revolução Farroupilha constituiu o centro de tôda a vida rio-grandense, e nela brilharia, em primeiro plano, na constelação de Centauros, David Canabarro, nascido em Taquari a 22 de agosto de 1795 (Ferreira, 1959, p.344).

David José Martins, o consagrado David Canabarro, é considerado por alguns

historiadores um dos importantes heróis da Revolução Farroupilha que eclodiu entre

1835 e 1845 no Rio Grande do Sul.

Taquari foi sede de uma batalha. Em 27 de abril de 1840, por exemplo, as

forças do Império sofreram a perda do importante brigadeiro Bonifácio Isás Calderón.

Isto aconteceu quando David Canabarro guiou os farrapos sobre o Arroio dos

Pinheiros, dando a impressão de fuga, para em seguida surpreender as forças do

Império com um ataque.

De acordo com Octávio Augusto Faria (1981), em três de maio de 1840,

Taquari foi palco do combate entre o exército imperial, a mando de Manuel Jorge

Rodrigues, e a força dissidente de Bento Gonçalves. “Apesar de sanguinolenta ação,

a vitória ficou indecisa, tocando ambas as forças seus respectivos hinos como

vencedoras e retirando-se depois de terem queimado os mortos” (Faria, 1981, p.179).

O jornal “O Taquaryense”, criado oficialmente em 31 de julho de 1887 na

cidade de Taquari, defendeu, nos primeiros anos de sua fundação, a imagem de um

periódico apartidário, caracterizando-se por ser um boletim informativo de poucas

matérias. Na época tinha uma pequena publicidade comercial, assim como um

reduzido espaço informativo. Em suas páginas foram informados fatos importantes

sobre a história do Brasil e do Rio Grande do Sul, dentre os quais destaca-se a

matéria publicada em 1º de julho de 1939 sobre a Revolução Farroupilha.

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Em Taquari e seus arredores, na zona compreendida entre os arroios dos Pinheiros e do Moinho, no ano de 1840, o Governo Imperial e os republicanos rio-grandenses mobilizaram os maiores efetivos de guerra que, durante todo o decênio, estiveram face a face. Os números, tomados em globo, eram esses: as fôrças legais, sob o comando do General Manuel Jorge Rodrigues, 7.000 homens; as hostes republicanas, comandadas pelo General Bento Gonçalves da Silva, 6.000 homens. Era assim, para o tempo, um impressionante total de 13.000 guerreiros, de todas as armas, que se defrontava. A refrega teria, evidentemente, resultados tremendos, conseqüências gravíssimas. Império e República jogariam, no lance, cartada perigosa e decisiva. Em 26 de abril de 1840, no morro da Fortaleza, o serro histórico que se ergue nas divisas de Triunfo e Montenegro, fizeram junção de fôrças, em região coberta de inimigos, e obedecendo a um plano prévio, constituiu uma das mais brilhantes operações estratégicas realizadas pelos farroupilhas. Logo em seguida estabeleceu-se o contato com o Exército imperial, que não conseguiria evitar o encontro dos dois chefes republicanos, preparando-se incontinenti para atacá-los. Uns e outros, porém, verificaram logo que o adversário respectivo estava numeroso e forte e que era mister examinar terreno e condições antes de travar a peleja. Legalistas como republicanos haviam reunido o maior número possível de elementos, fazendo o que ficou conhecido na história como concentração de Taquari. No dia 27 de abril, as fôrças do Império sofrem uma perda sensível: o brigadeiro Bonifácio Isás Calderon morre subitamente, de apoplexia. Guiados decerto por David Canabarro, que estava aí em terreno mais que conhecido, os farroupilhas foram recuando sobre o arroio dos Pinheiros, dando a Manuel Jorge a impressão de uma retirada ou fuga. O cabo imperialista avança: repentinamente, porém, vê na sua frente, em linha de batalha, o Exército republicano. [...] Ao madrugar do dia 3 de maio, uma cerração densíssima envolvia Taquari e arredores. [...] e foi então que os farroupilhas, tomados de espanto, verificaram que o inimigo desaparecera, iludindo a vigilância de Domingos Crescêncio e seus soldados. Ao prudente Manuel Jorge Rodrigues não sorrira a possibilidade de uma refrega, de largo tomo, com o caudaloso rio Taquari a embargar-lhe uma possível retirada. E durante a noite, enquanto Crescêncio vigiava e guardava a velha estrada que levava ao Passo, escoradouro natural das fôrças, o endiabrado Chico Pedro, através de um pique que foi abrindo, guiava o exército imperial para esse mesmo Passo, onde transpôs o rio para a margem direita. Indescritível o desespero, no acampamento farroupilha. Bento Gonçalves, avançando sobre o campo que o inimigo desertara, ocupou a povoação, onde narra um cronista, viveu um de seus dias mais amargos. Pelos esculcas, soube que as fôrças imperiais não haviam todas passado o rio; e mandou que os 1º e 3º batalhões de Caçadores (...) fossem bater a margem do rio, os elementos que ainda demorassem ao lado esquerdo. Avançam os batalhões; e na picada do passo travaram um mortífero combate, pois encontraram inimigos mais numerosos do que deixava antever a incompleta informação, e Manuel Jorge fez ainda, a toda a pressa, repassar esforços. Pouco habituados a recuar, os farroupilhas, embora reforçados também, quando constatada a verdadeira situação, sacrificaram-se na luta, inflingindo ao inimigo perdas mais altas ainda: 90 mortos e 300 feridos, nos imperialistas; 35 mortos, 114 feridos e 28 extraviados, entre os republicanos, é o calculo mais aproximado das baixas do combate do Passo de Taquari, no dia 3 de maio de 1840 (O Taquaryense, 01/07/1939, p. s-n)

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Conforme Riograndino da Costa e Silva (1971, p.196), a concentração de

Taquari teve importância máxima no decênio, pois a sorte da revolução, os seus

destinos, enfim, decidiram-se na terra em que nascera David Canabarro, um dos seus

grandes chefes militares.

2.4 Atividades econômicas em Taquari.

Na década de 1850 a principal atividade econômica do recém emancipado

município de Taquari era a produção de tábuas de pinho. O trabalho era realizado em

14 engenhos de serrar movidos a água onde também eram beneficiadas tábuas de

lei. Sobre isto temos:

Este ramo de atividade também era propiciado pela proximidade desta região com Porto Alegre, para onde as madeiras eram levadas amarradas pelas correntezas do Rio Taquari. No entanto, este ramo estava em franca decadência em função da drástica diminuição das madeiras utilizadas nas serrarias e por não haver reflorestamentos capazes de abastecerem as últimas. Além da desvalorização desses empreendimentos, a ruína do ramo madeireiro levou muitos de seus possuidores à falência (Christilliano, 2004, p.37).

A segunda atividade mais importante do município era a erva mate. No

entanto, apresentavam-se problemas em relação a sua extração, pois as árvores

estavam sendo destruídas pela exploração inadequada, e não eram constituídas

lavouras comerciais.

[...] sua estagnação era visível na diminuição do volume do produto exportado. As vendas de erva mate também estavam diminuindo, em função da preferência da mesma oriunda do Paraguai, uma vez que aquela produzida na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em alguns casos, era adulterada com a erva caúna, deteriorando a qualidade do produto. Sendo a erva mate a principal atividade do Alto Taquari, compreendido em sua totalidade por áreas florestais, esta determinou o abandono das mesmas por seus concessionários já na década de 1830 (Christilliano, 2004, p.43).

A extração de pedras, que ocupava neste período o terceiro lugar dentre as

atividades econômicas mais importantes, era realizada em pedreiras próximas à Vila

de Taquari ou às margens do rio Taquari.

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No ramo da agricultura, dentre os produtos agrícolas que estavam sendo

cultivados destacavam-se o feijão, a mandioca e o milho. Estes produtos agrícolas

eram cultivados principalmente nas pequenas áreas próximas da Vila de Taquari.

Christilliano (2004, p.41) explica que o trigo, produto tradicional dos primeiros

núcleos de colonização açoriana e que havia conferido um importante

desenvolvimento à economia regional, praticamente desapareceu entre os produtos

cultivados, por ter sido atingido por uma praga conhecida como ferrugem.

A elite local deste período era composta por proprietários de pedreiras e

serrarias e por proprietários de grandes áreas de terras.

Pedro Müchel, por exemplo, possuía um armanzém na Vila de Taquari e comercializava madeiras, terras e escravos [...]. Além destes, e do comércio de escravo, do qual participou intensamente, o mesmo comercializou um grande número de pequenas áreas próximas a Vila de Taquari, como chácaras e sítios, assim como terrenos localizados nas proximidades daquela. Mas já na década de 1870, no auge da imigração no Vale do Taquari, Pedro Müchel também passou a comercializar lotes coloniais, chegando a ser o principal comercializador de terras em muitos dos livros de tabelionato pesquisados (Christilliano, 2004, p.174).

Vemos com esta citação que o contexto escravista estava muito presente em

Taquari. O cativo fez parte da construção econômica desta região, mão escrava

plantou o alimento, criou animais, abriu clareiras, colheu erva, falquejou tábuas e

pedras, entre outras tantas atividades que fomentaram o desenvolvimento de

riquezas em Taquari.

2.5 O papel da imprensa na questão abolicionista: j ornal O Taquaryense

A imprensa surge oficialmente no Brasil em 13 de maio de 1808 com a criação

da Impressão Régia. A partir daí, transforma-se paulatinamente em força de primeira

grandeza em todos os momentos da evolução política, desempenhando o papel de

extraordinária relevância em prol da causa abolicionista.

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Conforme Francisco das Neves Alves (2006, p.351), ao longo do século XIX, a

imprensa escrita desempenhou uma relevante função na divulgação dos ideais

abolicionistas. A causa abolicionista também encontraria significativo eco nas páginas

de muitos dos jornais gaúchos e, já ao final da época monárquica, apareceriam vários

representantes da pequena imprensa, os quais começavam a levantar questões para

a extinção da escravatura.

Nesse quadro, o ‘papel desempenhado pela imprensa na chamada questão

servil’ foi fundamental, a ponto de que a sua dinâmica ‘passou a depender basicamente do debate pelos jornais’. Alguns chegaram a se colocar ‘a serviço ou crítica da causa, mobilizando a sociedade civil’, não chegando a constituir exagero a afirmação de que eles ‘foram responsáveis em grande parte pela massa de alforrias’, que viriam a se desencadear através da província (Alves, 2006, p. 362-363).

É importante destacar que a emancipação do escravo se fez em várias frentes,

mas a imprensa foi uma das armas mais poderosas a favor ou contra esta luta.

Na matéria publicada no jornal O Taquaryense, em 05 de outubro de 1887,

titulada “Manifesto” (veja ANEXO B), é possível perceber a posição favorável do

periódico em relação à abolição da escravatura. Sobre isto temos:

Manifesto Registra a imprensa da capital O Manifesto que a ilustre commissão dirige-se ao povo rio-grandense solicitando a abolição immediata da escravidão. A commissão é composta dos cidadãos: Monsenhor Pinheiro, conselheiro Camargo, Drs. Domingo dos Santos, Demetrios e Torres Homem. Esta composta de liberaes, e republicanos: portanto excluída a intervenção de sentimentos partidários. O virtuoso e preclaro chefe da Igreja rio-grandense, está a frente da grande e generosa idéia da libertação dos escravos que restam sob as negras cadeas do captiveiro. O illustre Prelada, fazendo no Palácio Episcopal uma reunião solemne para que possamos enfim adquirir todos os elementos necessários para a realização desse magno commprometimento, em honra da liberdade individual e da província, que exita por ver o clero fallando as consciências e ao pensamento do povo, para a libertação geral dos escravos dessa heróica província! O Taquaryense convida a nobre população da comarca para secundar seus esforços em prol dessa idéia sublime, que exprime a redempção de uma grande parte da humanidade É expire nos lábios do último escravo a syllaba sinistra da -escravidão – apagando-se essa (ilegível) avillante da nossa nacionalidade, com a última lágrima de gratidão do escravo redimido!

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Cristo na sublimidade de seu inmenso sacrifício pela humanidade, exclamou: - Liberdade, Fraternidade e Igualdade! O vitorioso Prelada, o príncipe adorado da Igreja rio-grandense invoca a christandade a sagração eterna daquelas divinas palavras, libertando os escravos em honra da religião, em homenagem á liberdade, á fraternidade, - divisa huminosa dos povos civilisados, sincero culto do divino Martyr do Golgolha! Assim, pois, devemos prosseguir trabalhando para redimir esses infelizes que voltem seus olhos ao céo, pedindo incessantemente a justiça de que tem direito. Trabalhemos, sim, com afã e patriotismo, até que possamos entoar com os salmos sagrados, os cânticos de alegria desses infelizes á quem se tem negado o - sacramento da liberdade -, na inspirada frase de José Bonifácio! (O Taquaryense, 05/10/1887, p. s-n).

As notícias editadas pelo jornal O Taquaryense disseminaram ideias

antiescravistas entre os diversos segmentos da população. Na matéria acima

transcrita é possível perceber que o jornal não se limita apenas em noticiar o fato,

possui também o poder de ampliar a sua dimensão, influenciando a opinião pública.

A partir de 1880 o movimento abolicionista ganhou força em várias cidades do

Rio Grande do Sul. Surgem vários clubes empenhados em arrecadar fundos para

comprar alforrias e promover a causa abolicionista. Surge também um maior

contingente de pessoas dispostas a auxiliar os escravos de diversas formas, seja na

luta pela alforria, no acoitamento de um fugitivo, etc. Em Taquari não foi diferente,

pois o Club José Bonifácio mostrou-se favorável ao abolicionismo, promovendo

reuniões em prol da liberdade dos escravos. A matéria intitulada “Comissão

Abolicionista” noticiada no jornal O Taquaryense no dia 05 de maio de 1887 divulga a

reunião realizada por sua comissão.

Commisão Abolicionista

A commisão nomeada para promover a libertação de escravos existentes neste município, reuniu-se no dia 30 de outubro findo. Estiveram presentes os srs. Cônego Manuel Joaquim Tostes, Geraldo Caetano Pereira, tenente-coronel Aleixo da Silva Rocha, José Porfírio da Costa, major Antonio José Vianna e Antonio Porfírio da Costa. Deixaram de comparecer os srs. Brigadeiro Albino Jose Pereira que se acha na assembléia provincial, o collector Leocadio Antonio Vilanova, que recusou fazer parte dessa commisão, Antonio Joaquim da Siqueira Junior, convocado não compareceu e Francisco do Santo Praia, por se achar doente. Foi deliberado officiar-se a todos os possuidores de escravos enviando um exemplar do manifesto do Exm. Bispo pedindo-lhes para que libertem seus escravos. (O Taquaryense, 05/11/1887, p.02).

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O papel desempenhado pelo jornal “O Taquaryense” durante a campanha

abolicionista foi de extrema importância, pois, na medida em que noticiava alforrias,

procurava exaltar aqueles senhores que concediam alforrias aos seus escravos,

servindo assim, de estímulo para novas concessões.

Liberdade plena

O sr. Faustin José de Oliveira concedeu, no dia 30 passado liberdade plena a sua escrava Luzia, parda de 27 annos de idade. Actos destes (liberdade plena bem entendidp) muito depõem em favor de que os pratica. Não concordamos com as liberdades condicionaes que são um prolongamento da escravidão, e portanto, a taboa a que se agaram os escravagistas.

- Apezar de lento, o movimento abolicionista vai se operando em Taquary, e temos fé que as libertações que temos registrado servirão de estimulo aquelles que ainda têm o absurdo direito de propriedade sobre criaturas humanas (O Taquaryense, 05/01/1888, p.02).

Na matéria 12 de janeiro de 1888, intitulada “Não sabíamos”, o jornal O

Taquaryense torna pública a libertação de 55 escravos pela comissão do Club José

Bonifácio.

Não sabíamos!

Pelos jornaes da capital tivemos conhecimento de que a commisão abolicionista deste município obteve 55 libertações, sendo 50 plenas e 5 condicionaes. Estranhamos sobremodo não ter a digna commisão nos comunicado esse resultado, tanto mais quanto é certo que ela é conhecedora de nossos sentimentos abolicionistas. Na altura de nossas forças temos combatido francamente em prol da causa abolicionista, que é a causa da religião e da civilização [...] (Jornal O Taquaryense, 12/01/1888, p.02).

O jornal Taquaryense, intitulando-se um órgão pró-abolição, demonstra através

desta matéria sua insatisfação por não ter sido comunicado pelo Club José Bonifácio

sobre a libertação destes 55 escravos.

O Projecto! Por entre as acclamções de alegria do povo brazileiro, passou em 3ª discussão dos deputados o áureo projecto, que extinguindo a escravidão, lavou a aviltante mancha que existia na civilização do império brazileiro! Entoemos desde já o hinno da Victoria, sem temer que o senado derrube o grande edifício levantado pelo pensamento nacional!

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Como despojos de hedionda instituição restam apenas, os celebres contractos e as imprecações de meia dúzia de egoístas que não se conformou com o glorioso e decisivo golpe... Tal tinha de ser porem o desfecho do sanguinolento drama que a escravidão enserrava. Quantas scenas horrorosas se desenvolveram...quantos crimes se commetteram sem que a justiça dos homens punisse os criminosos, que eram senhores de suas victimas, causas de que podiam dispor, vistos que não tinham perante a grande sociedade humana outra classificação que não a de escravos!... Há bem poucos mezes, em Pelotas, foi assassinada a cassetadas uma infeliz escrava, martyr do mais hediondo dos sofrimentos pois era obrigada a alimentar-se com matérias fecais e beber ourina...E qual a punição que sofreram os crimminosas, pois que foram duas mulheres as autoras desse bárbaro crime, que repugnância ao próprio satanaz? A liberdade!...o gozo da liberdade em lugar conhecido, apesar da insistência com que a imprensa pelotense há pedido o castigo dessas hyenas! E quantos outros crimes tão bárbaros como esse ficaram encobertos? Quantos escravos desapareciam sem que seus senhores dessem uma explicação disso? Hoje felizmente a pátria redimida pode rever-se jubilosa na obra de seus filhos unidos para elevá-la a altura de paiz civilisado. De todos os ângulos do império onde há cidadãos em cujo peito pulsa um coração patriota, partem hoje expansivas acclamações de orgulhosa alegria. A pátria livre! Que maior aspiração pode ter um verdadeiro brazileiro? (O Taquaryense, 15/05/1888a, p. s-n).

Conforme Marcos Aurélio Santos Perreira (2006, p. 62), o dia 13 de maio de

1888 representou um grande marco na história brasileira quando a euforia tomou

conta da nação naquele dia histórico. A alegria era geral e por todos demonstrada.

Homens e mulheres uniram-se numa comemoração que parecia não ter fim.

Na imprensa, as notícias de comemorações pelo grande feito sucederam-se

dia após dia. Dentre as várias formas de comemorar o fim do regime servil, a

passeata foi a que mais se observou, pois várias foram organizadas para percorrerem

as principais ruas da cidade em júbilo pela abolição. Assim, encontramos a matéria

de uma passeata que comemorava a aprovação da lei que pôs fim à escravidão

publicada no jornal O Taquaryense:

Regozijos Populares Já estava prompta a primeira pagina de nossa folha, quando o digno presidente da camara municipal, Sr. Jose Porfírio da Costa obsequiou-nos com o seguinte telegrama, que acabava de receber: Votada, publicada e sancionada a lei que extingue a escravidão no Brazil. Princeza Imperial victoriada pelo senado. Viva a pátria livre!

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O regozijo que essa pátria produziu, é indiscriptivel, e vimos unicamente esboça-lo com as pálidas cores que a nossa Penna permite. Desde que foi recebida a notícia até à noite, de todos os pontos da Villa subiram ao ar centenas de foguetes, e a alegria do povo era geral. A banda musical Lyra Taquaryense, procedida pelo povo que se agglomerou a porta do club literário José Bonifácio, percorreu as ruas da Villa, saudando em seu trajecto a camara municipal, cônego Tostes, presidente da commissão abolicionista; dr. Castilho; dr. Juiz de direito; dr. Juiz municipal; major Vianna, membro da comisssão abolicionista; club José Bonifácio, presidente da municipalidade e redação esta folha. [...] No trajecto foram levantados diversos e calorosos vivas à família imperial, gabinete João Alfredo, camara dos deputados, senado, conselheiro Dantas, Maciel e Martins. Drs. Joaquim Nabuco e Silva Tavares (O Taquaryense, 15/05/1888b, p.2).

Assim como essa, várias outras passeatas foram organizadas em regozijo ao

dia da redenção do cativo, sendo que todas traziam em comum a exaltação dos

atores envolvidos na construção do processo de abolição e passando a imagem ao

povo de que estes eram os heróis do ato.

As evidências citadas neste capítulo tratam Taquari como um importante ponto

de chegada e utilização de mão-de-obra escrava, tendo esta cidade no cultivo de

trigo, erva-mate e o falquejar de pedras e tábuas suas principais atividades

econômicas. Vemos também que o negro poderia substituir o seu senhor como

soldado na revolução Farroupilha, e que este lutava com a idéia de liberdade

ancorada em sua mente e seu coração. Destacamos também o importante papel

desempenhado pelo jornal O Taquaryense na divulgação dos ideais abolicionistas.

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3 REVELANDO HISTÓRIAS DE BUSCA DA LIBERDADE

Neste capítulo, baseados em cartas de liberdade como fonte de pesquisa,

procuramos analisar os processos de alforrias do sistema escravocrata em Taquari.

Enfatizando sobretudo as cartas de alforria, refletindo sobre os aspectos que

influenciavam na sua efetivação, temos como propósito trazer personalidades que

ainda permanecem no anonimato. Ao todo são 90 cartas de liberdade, registradas

entre 1865 e 1887, no Fundo do 1º Tabelionato do Município de Taquari. As variáveis

selecionadas para análise derivaram das escolhas através do diálogo com as fontes,

portanto como diz Clotilde Paiva (1996, p.49), “a presença ativa do investigador fará

com que as análises sejam relativas às questões que coloca o documento. As

conclusões são fruto do diálogo estabelecido entre o pesquisador e os documentos.

Novas questões e/ou novas fontes podem implicar em novos resultados”.

3.1 Formas de acesso à alforria em Taquari

Considerando que na região do Vale do Taquari nos anos de 1858 havia entre

a população em geral 1.160 escravos mestiços, crioulos e africanos, buscamos,

sobretudo no exame das cartas de liberdade, observar entre outras variáveis, o sexo,

a idade, origem, tipo de alforrias, se gratuitas ou onerosas e, no caso desta última,

identificar os tipos de condições estipuladas ao alforriando pelo seu proprietário.

Nesta sentido destacamos que nas análises preliminares dos documentos

percebemos um grande número de alforrias condicionais e pagas pelos escravos,

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desmistificando cada vez mais a ideia de que as alforrias eram resultantes somente

da concessão “paternalista dos senhores”.

No exame das cartas de liberdade registradas entre 1865 e 1887 ficou

evidenciado que 51 dos alforriados eram do sexo masculino e 39 do sexo feminino,

demonstrando uma relativa equivalência entre os sexos dos libertos. Revelando, ao

contrário do século anterior, uma possível tendência de equilíbrio na razão dos sexos

a partir de meados do século XIX.

Segundo Andréa Gonçalves (1999), nas comarcas mais importantes da

Capitania observou-se, nas últimas décadas do século XVIII e primeira década do

século XIX, uma tendência crescente de equilíbrio entre os sexos, ocorrendo inclusive

que nos anos iniciais de oitocentos o número de homens alforriados ultrapassou o de

mulheres. Peter Eisenberg (1987) também detectou uma relativa equivalência entre

os sexos dos alforriados, no período entre 1798 e 1888, em seu estudo sobre as

alforrias em Campinas.

Tais evidências apontam para a necessidade da continuidade de pesquisas

sobre as alforrias, com base nas cartas de liberdade. Isto porque os estudos até

muito recentemente foram unânimes em demonstrar a presença maciça de mulheres

entre o contingente de manumitidos, seja no período setecentista, seja no

oitocentista.

Para a São Paulo colonial, Eliana Goldschimidt (1989) constatou a presença

de 60% de escravas entre 1729 e 1804. No Rio de Janeiro, no período de 1807 a

1831, e também na Bahia, o estudo realizado por Kátia Mattoso demonstra que

61,6% das mulheres obtiveram a carta de alforria, entre 1779 a 1850.

Apesar do significativo índice de escravos cuja idade não consta do documento

de liberdade, portanto desconhecida, observamos a superioridade numérica dos

alforriados adultos. No conjunto de 90 alforriados, apenas em 47 cartas constavam a

idade provável dos libertos. Entre essas 47 cartas, 4 delas se referiam às crianças.

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A grande incidência de escravos libertados numa fase da vida considerada

muito produtiva sugere que a prática da manumissão3 tem contornos mais complexos

e perpassa por toda uma teia de relações construídas pela negociação cotidiana, que

envolviam senhores e escravos na instituição de regras articuladas com os interesses

senhoriais, da comunidade cativa e da sociedade local.

Contudo, acreditamos que a efetiva liberdade de muitos desses alforriados

pode não ter ocorrido nesta fase da vida, devido ao grande número de alforrias

condicionais. As cláusulas para a efetivação da liberdade incluíam: ficar livre somente

após falecimento dos donos, servir determinado número de anos após falecimento

dos donos aos herdeiros.

Uma das questões enfrentadas na identificação das alforrias infantis foi a

dificuldade para estabelecer com precisão qual idade poderia ser considerada limite

entre escravo criança e escravo adulto. Segundo Andréa L. Gonçalves:

[...] estabelecer se determinado escravo é uma criança ou não pode ser uma tarefa das mais complexas. Em primeiro lugar por que não parece haver evidências de que a idade de 10 anos (praticamente consensual entre os demógrafos como limite superior de idade acima da qual o escravo não seria mais considerado criança) fosse um critério adotado pelos proprietários e autoridades civis no momento de registrar um alforriando com uma designação que terminasse em inho. Mas era de se esperar que assim fosse, uma vez que é a partir daquela idade, “pouco mais ou menos”, que o proprietário poderia se assegurar de que o investimento feito na criação do escravinho seria amortizado pelo trabalho que o mancípio, agora adulto, passaria a executar (Gonçalves, 1999, p.245-246).

Diante da complexidade da questão apontada por Gonçalves (1999),

consideramos somente crianças aquelas cujas cartas de liberdade fizeram referência

explícita à idade, como é o caso de Marciana, pardinha, com 8 anos e Rosa,

pardinha, com idade de 5 anos, filhas de Ana, escrava do Sr. Cândido José de Moura.

A carta foi concedida em 12 de agosto de 1869 “a quem ao batizar já havia feito

declarar por forras, e que novamente passo a presente carta de alforria ou retificação

dela a ambas, podendo acontecer não ser encontrados os respectivos assentos

paroquiais como muitas vezes acontece”. (CARTA de 12/08/1869).

3 Ato ou efeito de manumitir; alforria, libertação de escravos.

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Mary Karasch (2000, p.439) definiu a carta de alforria como "prova da

liberdade de um escravo, introduzindo-o na vida precária de uma pessoa liberta numa

sociedade escravista”. Um outro estudo sobre alforrias na Bahia é de Kátia Mattoso

(2001) que destaca a existência de três modalidades de alforrias: a gratuita, a

onerosa e a condicional. As alforrias concebidas como gratuitas seriam aquelas em

que o senhor se dispunha a libertar seu escravo sem que houvesse nenhum ônus

para o mesmo. Ou seja, não seria necessário o escravo dispor de qualquer quantia

para obter a sua liberdade.

Este foi o caso da escrava Leopoldina, preta, com idade de 50 anos. A carta foi

concedida por seu senhor Crispiano José Martins em 20 de junho de 1879 “em

atenção aos bons serviços que me tem prestado, a qual desde já fica liberta sem

ônus algum” (CARTA de 20/06/1879). Essa carta de alforria foi concedida plena e

gratuitamente, sem qualquer ônus ou condição, em decorrência da gratidão do

senhor pela fidelidade e os bons serviços prestados pela cativa. Como afirmou Stuart

Schwartz (2001, p.196-197): “bons serviços não eram motivo muito importante para

emancipação, mas eram, pelo contrário uma espécie de ‘pré-requisito’ ou exigência

mínima”.

Ao conceder a carta de liberdade sem qualquer ônus ou condição o intuito

poderia ser a manutenção dos laços morais entre senhores e escravos que a alforria

não devia romper, dando continuidade a uma relação de mútua dependência e

proteção. Sobre isto Márcia Elisa de Campos Graf ressalta:

Daí ser tão comum o ex-escravo tornar-se agregado do domicílio do ex-senhor, sobretudo quando, tratando-se de uma família, apenas um ou alguns de seus membros obtinha a alforria, enquanto os outros permaneciam no cativeiro. Dessa forma, os cativos livres permaneciam no convívio com seus ex-proprietários, criando uma espécie de clientela constituída por libertos dependentes (Graff, 2000, p.99).

Outro exemplo de alforria concebida como gratuita foi a de João, pardo,

escravo de Sr. Porfírio José da Costa e Cecília Maria de Jesus Costa. A carta foi

concedida em 31 de agosto de 1884, “gratuitamente [...], pelo bom e excelente

comportamento, e teres por isso te tornado credor de nossa estima. Goza a liberdade

que te concedemos, mas nunca te esqueças do cumprimento dos teus deveres,

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procura ser sempre cidadão honrado, trabalhador e amante de tua pátria, tal é de

hora em diante a tua missão, são esses os nossos desejos” (CARTA de 31/08/1884).

Contudo, essa noção de gratuidade precisa ser problematizada uma vez que

remete à idéia de concessão senhorial, sem levar em conta que os alforriados

provavelmente realizaram, ao longo de suas vidas, diversos investimentos: em

trabalho, em cuidados, e em sentimentos objetivando a conquista da liberdade.

As cartas de alforria sem condição foram também aplicadas nos casos em que

o escravo era considerado doente e velho, e, por não apresentar mais condições de

trabalho, teria perdido seu valor no mercado, com é o caso de Manuel, 60 anos de

idade. A carta foi concedida pelo Sr. Vitorino Antônio da Rosa em 29 de novembro

de1878 “sem ônus” (CARTA de 29/11/1878).

Para alguns estudiosos do tema como Silvia H. Lara (1988) e Jacob Gorender

(1990), por exemplo, nunca houve alforria incondicional. Mesmo que tachada de

gratuita, obter a liberdade legal significou para o escravo não só situações de total

submissão, como também a ausência de qualquer compensação pelos anos de

cativeiro a serviço do senhor ou senhora.

3.2 A luta individual na busca da liberdade.

Na historiografia brasileira sobre a abolição, alguns autores subestimaram o

acesso dos escravos ao pecúlio na segunda metade do século XIX, assim como sua

capacidade de utilizá-lo para a compra da alforria. Tal posição está relacionada à

pouca importância dada por estes autores à escravidão e à ênfase na relação de

dependência entre senhores e alforriados. Pela Lei de 1871, reconhecia-se ao

escravo, o direito de possuir pecúlio e de utilizá-lo para compra de sua alforria.

A Lei do Ventre Livre de 1871, composta de dez artigos, estabelecia condições

específicas para obtenção legal da liberdade, mesmo contra a vontade do senhor. É

importante destacar ainda, que com a Lei de 1871, revogava-se um importante

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mecanismo de controle social dos alforriados, aquele que permitia a re-escravização

sob a alegação de ingratidão. Se de um lado, a Lei de 1871 tentou disciplinar a

demanda dos escravos pela liberdade, é verdade também que criou recursos para

serem utilizados pelos escravos que apresentassem a condição expressa na lei, foi

favorável à obtenção da liberdade, tornando-se uma possibilidade concreta de luta

individual para acabar com o cativeiro dentro do universo das relações escravistas.

Para tanto, a justiça, em processo sumário chamado Arbitramento, arbitrava o

preço a ser pago pelo escravo. Conforme Perdigão Malheiro (1976), em regra era

proibido ao escravo dispor de pecúlio, no entanto, foi prática tolerada pelos costumes

desde o século XVIII. Foi somente a partir da Lei de 1871, que o reconhecimento da

posse de pecúlio pelo escravo com o fim de indenizar seu senhor para obter a alforria

tornou-se um direito legal. De acordo com Joseli Mendonça (1996), a Lei de 1871

fixava o preço dos escravos colocados judicialmente à venda ou que constassem em

inventários. Para os demais o preço deveria ser fixado mediante acordo com os

senhores.

Segundo o Artigo 4º da Lei nº 2.040 de 28/9/1871 é “permitido ao escravo a

formação de um pecúlio com o que lhe convier de doações, legados e heranças, e

com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O

Governo providenciará nos regulamentos e sobre a colocação e segurança do

mesmo pecúlio” (Nequete, 1988, p. 281).

Sidney Chalhoub (1990) alerta para o reconhecimento legal da Lei de 1871

sobre o pecúlio. A este respeito destaca que: "foi o reconhecimento legal de uma

série de direitos que os escravos haviam adquirido pelo costume e a aceitação de

alguns objetivos das lutas dos negros" (Chalhoub, 1990, p.159).

As alforrias onerosas eram aquelas em que o escravo pagava ao seu

proprietário uma quantia estipulada em dinheiro à vista ou em parcelas. Em alguns

casos o valor das parcelas era complementado, em espécie, jóias, tecidos, outro

escravo ou mesmo com prestação de serviços por tempo determinado.

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Este foi o caso de Felisberta, preta, escrava do Sr. Manuel Jerônimo de Vargas

e Cezarina Josefina de Oliveira. A carta foi concedida em 01 de dezembro de 1885

“mediante pagamento, pela escrava, de 200$ (CARTA de 01/12/1885)”.

Analisando os valores das alforrias no nordeste brasileiro Kátia Mattoso

apresenta o seguinte:

[...] era estabelecido à raiz de um acordo verbal mútuo, e grande número de cartas de alforrias registram que ‘o preço foi decidido pelas duas partes’. É, pois, um preço contratual, mas baseia-se numa avaliação feita pelo senhor; ‘ele foi libertado pelo preço justo’, escreve o amo todo poderoso. No século XIX, se o acordo entre o senhor e o escravo se torna difícil, seja pela resistência inesperada do senhor em libertar seu escravo, seja por considerar insuficiente a quantia proposta, o escravo pode buscar um padrinho que sustente judicialmente sua causa [...] Esse preço de compra da libertação mantém-se como índice contratual, que tem como ponto de referência o preço de venda do escravo no mercado local (Mattoso, 2001, p. 182-183).

Nos casos das alforrias, mediante a indenização em dinheiro, fica claro a

importância da iniciativa do escravo na compra de sua liberdade. Neste sentido é

exemplar o caso do escravo Rafael, crioulo, com idade de 50 anos. A carta foi

concedida por seu senhor Antônio Gomes Silveira em 21 de março de 1877 mediante

o pagamento feito pelo escravo de 400$ (CARTA de 21/03/1877).

Ao analisar as cartas de alforria, podemos verificar que o preço da escrava era

inferior ao preço do escravo. Ora, isso é facilmente compreendido, pois no mercado o

escravo era considerado mais valioso que a escrava pelo fato dele render mais lucros

para seu senhor, até por causa de sua condição física que o permitia ser mais

resistente e suportar mais facilmente a labuta. Assim sendo, pelo fato de custar

menos, a mulher escrava precisaria juntar menos dinheiro que o homem escravo,

para comprar sua liberdade.

As alforrias condicionais referem-se àquelas em que o escravo somente

alcançava a liberdade efetiva quando cumpria as cláusulas previamente acordadas

entre as partes. As condições podiam se referir à prestação de serviços, pagamentos

de dívidas dos proprietários, entre outras. A rigor as modalidades de alforrias

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condicionais que emergem da documentação pesquisada estão longe de apresentar

um único padrão.

Este foi o caso do escravo Felisberto, crioulo. A carta foi concedida pelo Sr.

João Luís da Silva, em 29 de dezembro de 1866. Sobre isto sabemos:

[...] na qualidade de Guarda Nacional do corpo desta Vila, tinha sido designado para marchar para a Campanha e fazer parte da gente que tem de compor o 3° Corpo do Exército que está se criand o na Província, debaixo do comando do Excelentíssimo Barão do Herval; e não por circunstâncias que advirão de prestar pessoalmente seus serviços à sua pátria, vem por isso oferecer em seu lugar e como seu substituto, o seu escravo Felisberto, a quem por esta concede a liberdade [...] com a única condição de servir em seu lugar, em um dos Corpos de Linha do Exército, o tempo que a Lei a isso obriga os praças, ficando o substituído livre de todo o serviço militar como é permitido por Lei e para que se passo aceitar o dito Crioulo Felisberto em seu lugar, desde já o há por livre e desembaraçado do cativeiro que até aqui tinha, entregue ao respectivo encarregado da reunião nesta Vila (CARTA de 29/12/1866).

Conforme Jacob Gorender (1978, p.319), a população brasileira em 1850, isto

é, quatorze anos antes da Guerra do Paraguai, era de aproximadamente dez milhões

de pessoas, das quais uma quarta parte era constituída de escravos. O exército

brasileiro foi composto pelos contingentes da polícia e da Guarda Nacional das

províncias do Império. Criou-se em janeiro de 1865 os Corpos de Voluntários da

Pátria, porém muitos eram os artifícios utilizados para se desviar do serviço militar.

Um indivíduo pode eximir-se de servir na campanha oferecendo um escravo negro,

com carta de alforria, para lutar em seu lugar. Muitos escravos negros também foram

desviados de seus proprietários pelos farrapos em troca de promessas de liberdade.

A compra de escravos para lutarem em nome dos proprietários foi uma das

alternativas encontradas. O Império prometia alforria aos que lutassem na guerra.

Segundo Denis Bernardes (1983), a participação dos escravos na Guerra do

Paraguai, previamente alforriados, colocou na ordem a questão da cidadania de

milhares de outros. A este respeito o autor informa:

A própria intervenção brasileira supostamente para combater a tirania de Solano Lopez, confrontava a Nação com sua tirania interna. Como não enfrentar o paradoxo de uma Nação escravocrata que dizia estar lutando

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pela liberdade de outro povo? E como engajar em tal guerra seus próprios escravos, sem antes torná-los brasileiros? Isto feito, como não enfrentar a questão dos que permaneciam escravos? A guerra tornou mais aguda as contradições sociais então vividas (Bernardes, 1983, p.54).

Segundo Mattoso (2001, p.208), no Brasil, o alforriado sob condição era

considerado livre perante a lei, passando a possuir personalidade jurídica. Contudo, o

pleno gozo e exercício da liberdade eram retardados até caírem todas as cláusulas

restritivas enumeradas nas cartas de alforria. O alforriado sob condição era

equiparado ao menor não emancipado. Desta forma, podia adquirir bens, estava livre

dos castigos corporais e de todas as punições impostas aos escravos. Perante os

tribunais, não era julgado como escravo. O liberto sob condições não podia ser

vendido, alienado, hipotecado, não podendo, por isso, voltar à condição anterior de

escravo. Em caso de prática de delito, responderia direta e pessoalmente às

acusações. Seus filhos nasciam livres e seu trabalho deixava de ser considerado

escravo.

Pelo que diz a lei, ser libertado sob condição era algo vantajoso para o cativo

já que este deixava de ser escravo e, por isso mesmo, passava a possuir uma série

de direitos que antes eram-lhe negados. Contudo, na prática, a liberdade condicional

era cruel e ilusória para a maioria dos escravos que foram “agraciados” com ela. Isso

porque o escravo ficava mais do que nunca nas mãos do senhor, que a toda hora

poderia ameaçar-lhe com a revogação da liberdade.

Além disso, liberdade condicional era sinônimo de imprevisibilidade já que a

maioria das cartas estipulavam que o escravo só seria livre após a morte de seu amo

e senhor, o que é bem imprevisível, pois, a não ser que o senhor estivesse doente,

poderia levar até 30 anos ou mais para isso acontecer. Portanto, “para que o escravo

pudesse gozar de sua liberdade teria de ser alforriado quando ainda bem moço”

(Mattoso, 2001, p.209).

Este tipo de liberdade exigia uma série de serviços do escravo como pré-

requisitos para a alforria. Além de terem que cumprir as cláusulas existentes na carta

para a consecução da liberdade, muitas vezes o escravo tinha também que pagar

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pelo preço de sua manumissão. O fato do senhor não cobrar quantia do escravo pela

carta de alforria condicional não faz desta uma liberdade gratuita, embora alguns

senhores gostem de exaltar a gratuidade neste tipo de liberdade. A exigência feita ao

escravo, na liberdade condicional, de se manter cativo até a morte do senhor, tira

toda a gratuidade do ato.

Relacionado ao escravo em território taquariense apresentamos a seguir

alguns exemplos de cartas de alforria condicional. Isto demonstra de forma clara as

imposições feitas pelos senhores para libertar um escravo.

Teresa; preta; Crioula; Sr. João Pereira da Silva Bilhar; dt.conc.24 de junho de 1881. A carta foi concedida “em atenção aos bons serviços que me tem prestado [...] somente com a obrigação de servir-me enquanto eu vivo for” (CARTA de 24/06/1881).

Aniceto; pardo; 13; Sra. Vicência Nunes de Souza; dt.conc. 05 de julho de 1879. A carta foi concedida “pois que eu criei sempre com muito amor e me tem já dado alguns bons serviços [...] devendo gozar de pleno gozo dessa liberdade depois de minha morte” (CARTA de 05/07/1879).

Através destes dois exemplos, podemos observar que os senhores alegaram

que estavam libertando seus escravos pelo motivo destes terem sido fiéis, prestando

bons serviços a seus proprietários. Contudo esta liberdade não é concedida

imediatamente, o que prolonga a escravidão destes cativos. Mesmo com a lei

amparando-os, na prática a escravidão só acabaria de fato para estes e para quantos

mais fossem libertos por este tipo de alforria, quando caíssem as cláusulas das

exigências feitas pelos senhores, que no caso dos exemplos, se prolongariam até a

morte do proprietário. A extensão desses prazos revela uma crença na vitalidade da

escravidão, imaginada por muitos senhores.

Outro exemplo de alfforria condicional é o do escravo Bibiano, preto, escravo

do sr. Tristão José Martins. A carta foi concedida no dia 15 de setembro de 1884,

“com a condição de continuar a prestar-me seus serviços pelo prazo de sete annos

[...] de minha família ficando entretanto sujeito as disposições contidas no 5º do art. 4º

da Lei de 28 de Septembro de 1871, art. 6 e 8 do regulamento de 13 de Novembro de

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1872 no caso de não querer se sujeitar aquella condição” (CARTA de 15/09/1884)

(veja ANEXO C).

As alforrias condicionais acabavam sendo compensadas com árduo trabalho.

Mesmo sendo condicional, a alforria foi o resultado de uma negociação cotidiana com

o senhor. As cartas condicionais também evidenciam outras formas de estabelecer o

controle sobre escravas e escravos. Aparecem, com muita regularidade, condições

que agravavam ainda mais a crueldade de sua concessão. A seguinte carta mostra

bem essa situação:

Josefa; Crioula; Sr. José de Azambuja Vilanova. A carta foi concedida no dia 13 de setembro de 1879 “somente com a condição de nos servir enquanto vivos formos, cuja a liberdade lhe damos pelos bons serviços prestados [...] ficando porém esta em efeito se a dita libertada quiser retirar-se de nossa companhia ou proceder mal conosco seus bem feitores ou nossos filhos” (CARTA de 13/09/1879).

As condições acima merecem destaque: “[...] servir enquanto vivos formos” e

“ficando, porém esta em efeito se a dita libertada quiser retirar-se de nossa

companhia ou proceder mal conosco seus bem feitores ou nossos filhos”. Isso mostra

que o escravo deveria permanecer obediente ao senhor, sendo que qualquer deslize

do escravo poderia anular o acordo feito. Isto porque mesmo após forros, os escravos

ainda se mantinham ligados a seus proprietários, que poderiam a qualquer momento

revogar a alforria concedida, alegando ingratidão. Assim, verifica-se que a concessão

da alforria, mais do que um sinal de benevolência senhorial, apresentava-se como

artifício para a continuação do domínio escravista. Essa situação foi assinalada em

outros trabalhos. Kátia Mattoso tratando desta questão escreve:

Será realmente gratuita, como gostam de escrever certos senhores, essa liberdade concedida sob a condição de o forro permanecer escravo enquanto vivos forem o senhor, ou seu filho, sua irmã ou qualquer dos outros membros da família? Na verdade, ela é paga muito caro, é sempre revogável e torna o escravo libertável ainda mais dependente, pois ele sabe que a menor desavença, um instante de mau humor, pode pôr abaixo o edifício duramente construído de sua futura libertação (Mattoso, 2001, p.184).

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Dessa forma, verifica-se que em Taquari o processo de alforria e as relações

que se estabeleciam entre senhor e escravo foram semelhantes a outras regiões do

país. Isso mostra que as cartas de liberdade não eram o fim das obrigações devidas

pelos escravos e sim o momento inaugural de um novo tipo de relacionamento entre

senhor e escravo. Esses vínculos mantinham o alforriado ligado ao seu ex-senhor de

algum modo. O relacionamento entre ex-proprietário e liberto pode ser visto como a

continuidade da política escravagista.

Além desses tipos de alforrias observamos a recorrência de uma modalidade

que denominamos de mista, ou seja, a combinação de alforria paga com condicional.

Nessa modalidade o proprietário, além de receber o pagamento em dinheiro,

estabelecia ainda determinadas condições para efetivar a liberdade.

Este é o caso de Manuel; cabra com idade de 36 anos. Escravo da Sra.

Josefina da Roxa Barcelos. A carta foi concedida em 11 de novembro de 1978

mediante pagamento, pelo escravo, de 300$, “prestando-me por conta de sua inteira

liberdade serviços de escravo durante sete anos e sendo só livre de todo no fim”

(CARTA de 11/11/1878).

Observamos que a alforria condicional foi uma estratégia largamente utilizada

pelo grupo senhorial, em especial na região do Vale do Taquari, como meio de

garantir a obediência e a lealdade do escravo ao seu senhor, mantendo assim laços

de dependência e relações sociais subalternas, que provavelmente foram

reproduzidas pelas gerações seguintes.

Destacamos ainda que, ao contrário das alforrias pagas à vista e que não

estipulavam condições, em que os escravos entravam imediatamente em liberdade,

as de modo condicional mantiveram os cativos de alguma forma presos aos seus

proprietários. Nesse sentido é possível que uma grande parcela desses homens e

mulheres mesmo com a carta de liberdade em mãos tenha passado toda a sua

existência sob o cativeiro.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho buscou situar a realidade do negro no Rio Grande do Sul no

período de 1850 a 1888, destacando todo o processo de escravidão. Escravidão esta

que foi a principal forma de trabalho no Brasil e no Rio Grande do Sul durante o

século XIX, tanto nas áreas agroexportadoras como naquelas dedicadas à cultura de

subsistência.

O fim da escravidão aconteceu de maneira lenta e gradual, ocupando

praticamente toda a segunda metade do século XIX. Mesmo com a promulgação de

leis específicas, como a de 1850 que declarava extinto o tráfico negreiro e estabelecia

penas rigorosas para os seus transgressores, esse processo não teve fim, pelo

contrário, ainda perdurou por longos anos.

As leis emancipadoras tiveram um resultado importante, pois condenaram a

escravidão a desaparecer gradualmente. Isso forçou os proprietários de escravos a

pensarem em soluções alternativas para o problema de mão-de-obra.

Segundo apresentamos na introdução deste estudo, procuramos responder ao

longo deste trabalho a um questionamento central que se refere ao processo

abolicionista antecipado no Rio Grande do Sul no ano de 1884. E se este tinha por

princípio a finalidade de humanizar e sociabilizar as condições dos escravos em um

contexto moral, ou se sua intenção era apenas econômica já que era iminente o fim

do sistema escravista.

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Para responder a esta questão lançamos uma hipótese inicial que apontava

que a abolição da escravatura no Rio grande do Sul ocorreu já num contexto histórico

de absoluta falta de sustentação do movimento escravista em todo o país. O fim do

sistema escravista, não se deu por um surto de solidariedade e compaixão que se

abateu sobre a consciência da humanidade, mas porque passou de algo

extremamente lucrativo para algo extremamente oneroso, além de ultrapassado e

incompatível com o sistema capitalista que, a passos largos, tornava-se hegemônico

no mundo inteiro a partir do século XIX.

Através do estudo realizado, apesar de haver muito ainda a ser pesquisado

sobre a questão, algumas considerações preliminares podem ser apresentadas indo

ao encontro as nossas problemáticas, hipóteses e objetivos traçados, conforme

segue:

a) No Rio Grande do Sul a escravidão foi, sem dúvida, a instituição mais marcante da

história, seja em termos demográficos, econômicos ou culturais. Durante mais de três

séculos as importações de escravos cresceram de forma sistemática atingindo cifras

recordes até às vésperas da abolição do tráfico em 1850. Os escravos estiveram

presentes em quase todos os segmentos produtivos da sociedade rio-grandense.

Inicialmente, podemos destacar as próprias estâncias que dispunham de cativos em

diversas atividades do complexo. No entanto é necessário ressaltar que, com o

estabelecimento das charqueadas no Rio Grande do Sul em fins do século XVIII e

principalmente no século XIX, o trabalho escravo tornou-se fundamental para a

economia da Província. Nas cidades rio-grandenses havia uma enorme variedade de

atividades onde os cativos eram utilizados quase que necessariamente como nos

serviços domésticos, serviços de ganho, transporte, comércio, construção civil, entre

outras.

b) No Rio grande do Sul o escravismo desempenhou importante papel, servindo

como palco para inúmeras formas de resistências protagonizadas pelos escravos.

Frente à situação opressora do cativeiro e da própria instabilidade do regime

escravista, os negros elaboraram algumas formas de resistência na busca de

influenciar no destino de suas vidas. Neste contexto, muitas foram as formas de

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resistir, mas sem dúvida uma das mais significativas foi a fuga. Ao fugir o escravo

buscava romper com as amarras do sistema e construir outra realidade - que foi

frequentemente tentada através da formação de quilombos.

c) O papel desempenhado pela imprensa na campanha abolicionista foi fundamental.

Muitos jornais chegaram a se colocar a serviço da causa, mobilizando a sociedade

civil, sendo considerados como responsáveis por grande parte das alforrias

concedidas. O jornal O Taquaryense da cidade de Taquari também desempenhou um

papel de grande relevância na medida em que se mostrava favorável à abolição da

escravatura, revelando assim apoio irrestrito à causa.

d) São inúmeros os documentos oficiais e não oficiais que registram, de uma forma

ou outra, a presença de trabalhadores escravizados no Rio Grande do Sul. Entre

estes documentos destacam-se: registros de batismo, correspondência

administrativa, cartas de alforria e matérias publicadas pelo jornal O Taquaryense. A

partir das fontes documentais e bibliográficas pesquisadas pudemos analisar a

significativa participação escrava no processo de manumissão.

Podemos observar que os negros deram contribuições imensuráveis no

processo de formação econômica, social e cultural da sociedade rio-grandense.

Resta-nos então reconhecer esta contribuição por meio de um olhar analítico voltado

para cada período vivido pelos negros cativos no Rio grande do Sul.

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CARTA de 31/08/1884 - João; pardo; Sr. Porfírio José da Costa e Cecília Maria de Jesus Costa; dt. conc. 31-08-84; dt. reg. 18-09-84 (Livro 01, p. 4r). APERS. Porto Alegre. CARTA de 15/09/1884 – Bibiano; preto; Sr. Tristão José Martins; dt. conc. 15-09-84; dt. reg. 15-09-84 (Livro 02, p.04). APERS. Porto Alegre. CARTA de 01/12/1885 - Felisberta; preta; Sr. Manoel Jerônimo de Vargas (e sua mulher, Cezarina Josefina de Oliveira); dt. conc. 01-12-85; dt. reg. 12- 12-85 da Costa da Serra (Livro 01, p. 7r). APERS. Porto Alegre. ESCRITURA de 10/04/1880 – Adão; escravo; preto; 20 annos. Escritura de venda. livro n. 34, p.52 – APERS. Porto Alegre. PROCESSO-crime nº 305/maço 12. Cartório do Júri de Porto Alegre. Disponível em: www.fundacaooswaldocarlos.org.br. Acesso em 06 de maio de 2009. REGISTRO de 02/09/1874 - Joana. Registro de batismo. Livro de 1872-1887, p.14. AHCMPA . Porto Alegre. O TAQUARYENSE de 05/10/1887 - Manifesto. In: Museu-vivo de comunicação: O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.1 O TAQUARYENSE de 05/11/1887 – Comissão Abolicionista. In: Museu-vivo de comunicação: O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.1 O TAQUARYENSE de 05/01/1888 – Liberdade Plena. In: Museu-vivo de comunicação: O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.2 O TAQUARYENSE de 12/01/1888 – Não sabíamos. In: Museu-vivo de comunicação: O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.1 O TAQUARYENSE de 15/05/1888a – O Projecto. In: Museu-vivo de comunicação : O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.2 O TAQUARYENSE de 15/05/1888b – Regozijos populares. In: Museu-vivo de comunicação : O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.2 O TAQUARYENSE de 01/07/1939 – Revolução Farroupilha. In: Museu-vivo de comunicação: O Taquaryense . Lajeado: 2005 CD-ROM v.2 Bibliográficas: ALVES, Francisco das Neves. A imprensa. In: BOEIRA, Nelson; GOLIN, Tau (org.). História do Rio grande do Sul – Império . vol 2. Passo Fundo: Méritos, 2006. p.351-372.

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ANEXOS

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO A Sepultura de Manuel da Silva Arnt ..........................................................89

ANEXO B Matéria “Manifesto” publicada no jornal O Taquaryense “ .....................90

ANEXO C Carta de liberdade do escravo Bibiano ...................................................91

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ANEXO A – Túmulo do escravo Manuel da Silva Arnt.

Fonte: FRANZ, Eloisa. Fotografia do túmulo do escravo Manuel da Silva Arn t. Teutônia, 29 jun. 2009. 1 fotografia, color., 15 cm x 10cm. Acervo particular.

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ANEXO B – Matéria “Manifesto” publicada no jornal O Taquaryense.

Fonte: FRANZ, Eloisa. Fotografia da matéria “Manifesto” publicada no jorn al O Taquaryense. Taquari, 29 jun. 2009. 1 fotografia, color., 15cm x 11 cm. Acervo particular.

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ANEXO C – Carta de Liberdade do escravo Bibiano.

Fonte: FRANZ, Eloisa. Fotografia da carta de liberdade do escravo Bibiano . Livro APERS. Porto Alegre.29 jun. 2009. 1 fotografia, color., 15cm x 10 com. Acervo particular.